O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 9

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 42

ANO DE 1943 27 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEA NACIONAL

III LEGISLATURA

SESSÃO N.° 39, EM 26 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 51 minutos.

Antas da ordem do dia. - Foi aprovado o ultimo número do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente, do qual consta uma carta do Sr. Dr. Alfredo Pimenta e dois telegramas: um dos funcionários de justiça da comarca de Penafiel e outro do Sr. Álvaro Menano, notário em Viseu.
Por proposta do Sr. Presidente, a Assemblea aprovou um voto de profundo sentimento pelo falecimento do antigo Deputado Sr. João Garcia Pereira.
O Sr. Presidente anunciou que estavam na Mesa e iam ser enviadas à Câmara Corporativa duas propostas de lei: uma relativa à autorização de receitas e despesas para o ano de 1944, e outra atinente à definição de competência do Governo na metrópole e dos governos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos no ultramar. Estas propostas vão publicadas no final deste Diário.
O Sr. Presidente anunciou igualmente que estava na Mesa um documento fornecido pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Quirino dos Santos Mealha, documento que fica à disposição do referido Sr. Deputado.
Às 16 horas e 3 minutos o Sr. Presidente suspendeu a sessão.
Às 16 horas e 33 minutos deu entrada na sala, acompanhado pelo Sr. Presidente, o Sr. Presidente do Conselho, que foi recebido com prolongados aplausos.
O Sr. Presidente declarou reaberta a sessão as 16 horas e 34 minutos e anunciou que ia usar da palavra o Sr. Presidente do Conselho, que, subindo à tribuna, fez uma importante e detalhada, comunicação sobre as faculdades concedidas no» Açores ao Governo Britânico e sobre a situação de Timor. O Sr. Presidente interrompeu de novo a sessão ao findar a comunicação do Sr. Presidente do Conselho. Eram 17 horas e 5 minutos. Acompanhado do Sr. Presidente, sai da sala o Sr. Presidente do Conselho, que é novamente muito aclamado pelos Srs. Deputados f. pela numerosa assistência.
O Sr. Presidente declarou reaberta a sessão às 17 horas e 8 minutos.
Usaram da palavra acerca da comunicação feita pelo Sr. Presidente do Conselho os Srs. Deputados Madeira Pinto, José Nosolini, Amorim Ferreira e Albino dos Reis, que apresentou uma moção, que foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente designou os Srs. Deputados que hão-de constituir a sessão de estudo da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1944.
Fixando a próxima sessão de estudo para o dia 9 de Dezembro próximo, o Sr. Presidente encerrou a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 43 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
Angelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.

Página 10

10 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42

António Rodrigues Cavalheiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Maria Braça da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão, presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Leu-se o

Expediente

Foi dado conhecimento à Assemblea de que estava na Mesa uma exposição do Sr. Dr. Alfredo Pimenta protestando contra o facto de ter sido designado por «um indivíduo» no índice geral da sessão legislativa de 1942-1943.

Telegramas

Funcionários justiça comarca Penafiel respeitosamente pedem intervenção Assemblea Nacional junto Governo Nação sentido receberem suprimento sobre emolumentos não previsto decreto ontem publicado. Respeitosos cumprimentos.

Saúdo Assemblea Nacional peço seja estudada com urgência concessão da Assistência Funcionários Civis Tuberculosos aos notários como é para os demais funcionários e seja estendido tal benefício famílias dos funcionários civis como é para os militares visto todos terem iguais deveres perante a mesma Mãi Pátria Portuguesa. - Álvaro Menano, notário - Viseu.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: no intervalo da sessão, legislativa faleceu um antigo Deputado desta Assemblea, o Sr. João Garcia Pereira.
Foi uma pessoa que exerceu sempre as suas funções com o maior aprumo e a maior isenção.
Proponho, por isso, que no Diário das Sessões de hoje fique exarado um voto de profundo sentimento pelo seu falecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Assemblea, considero aprovada a minha proposta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, para ser enviada à Câmara Corporativa, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1944. Fixo o prazo de dez dias para essa Câmara elaborar o respectivo parecer.
Está também na Mesa uma proposta de lei relativa h definição de competência do Govêrno da metrópole e dos governos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos no ultramar.
Vai ser enviada também à Câmara Corporativa.
Estas propostas vão publicadas no final do Diário.

O Sr. Presidente: - Está também na Mesa um documento fornecido pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas em satisfação ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Quirino dos Santos Mealha.
Fica à disposição deste Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.

ram 16 horas e 3 minutos.
Às 16 horas e 33 minutos o Sr. Presidente da Assemblea Nacional, entrou na sala com o Sr. Presidente do Conselho. Toda a assistência se levantou e recebeu S. Ex.ª com muitos aplausos.
O Sr. Presidente, do Conselho ocupou, lugar ao lado do Sr. Presidente da Assemblea.

Página 11

27 DE NOVEMBRO DE 1943 11

O Sr. Presidente: - Está reaberta a se55ão.
Eram 16 horas e 34 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho, para fazer a sua comunicação sôbre as facilidades concedidas nos Açores ao Govêrno Britânico e sôbre a situação de Timor.

O Sr. Presidente do Conselho sobe então à tribuna.

O Sr. Presidente do Conselho: - Sr. Presidente e Srs. Deputados:

Se a Câmara estivesse em funcionamento ou as circunstâncias não desaconselhassem a sua convocação extraordinária, a comunicação oficial das facilidades concedidas nos Açores ao Gôverno Britânico seria feita ao País, como era razoável, do seio da representação nacional. Eu diria à Assemblea algumas palavras mais do que as contidas na nota oficiosa da Presidência do Conselho publicada nos jornais de 12 de Outubro findo; aquelas que não perderam a oportunidade dilas-ei agora, que me proponho confirmar e desenvolver ligeiramente as declarações então feitas.
Para que possa ficar arquivada no Diário das Sessões a comunicação do Primeiro Ministro Britânico sobre o assunto, incluírei aqui a referida nota oficiosa que a registou:
«De acordo com o Govêrno Português, o Govêrno de S. M. no Reino Unido fez hoje à Câmara dos Comuns a seguinte comunicação:
1. Ao deflagrar a guerra o Govêrno Português, em inteiro acôrdo com o Governo de S. M. no Reino Unido, adoptou uma política de neutralidade com o fim de evitar que a guerra alastrasse à Península Ibérica. O Govêrno Português declarou no entanto com freqüência, e a última vez no discurso do Doutor Salazar de 27 de Abril, que a referida política não era de modo algum incompatível com a aliança anglo-portuguesa, que foi reafirmada pelo Govêrno Português logo nos primeiros dias da guerra.
2. O Govêrno de S. M. no Reino Unido, baseando-se nesta antiga aliança, pediu agora ao Govêrno Português lhe conceda certas facilidades nos Açôres, que o habilitarão a melhor proteger a navegação mercante no Atlântico. O Govêrno Português concordou em satisfazer êste pedido e concluíram-se entre os dois Govêrnos acordos, que entrarão imediatamente em vigor, relativos: a) às condições que regem o uso das referidas facilidades pelo Govêrno de S. M. no Reino Unido e b) ao auxílio britânieo em material e outros fornecimentos indispensáveis para o exército português e para manutenção da economia nacional. 3. O acôrdo relativo ao uso das facilidades é de natureza puramente temporária e de modo nenhum prejudica a manutenção da soberania portuguesa sôbre o território português. Todas as forças britânicas serão retiradas dos Açôres no fim das hostilidades.
4. Nada neste acôrdo afecta, o permanente desejo do Govêrno Português, ao qual o Govêrno de S. M. declarou corresponderem os seus próprios sentimentos, de continuar a política de neutralidade no continente europeu e por esta forma conservar uma zona de paz na Península Ibérica.

5. Na opinião do Govêrno de S. M. êste acôrdo deve dar nova vida e vigor à aliança que há tanto tempo existe com mútua vantagem entre o Reino Unido e Portugal. Não só confirma e fortalece as antigas garantias resultantes dos Tratados da Aliança, mas dá também nova prova da amizade anglo-portuguesa e fornece uma garantia adicional para o desenvolvimento desta amizade no futuro.

Ao dar conhecimento ao País dos factos constantes da anterior comunicação, o Govêrno Português julga por ora apenas necessário acrescentar e frisar o seguinte:
a) Sempre que houve necessidade de expor a política, internacional portuguesa e definir a posição de neutralidade assumida pelo País no comêço da guerra se reiterou a afirmação de que, embora desejoso e sinceramente resolvido a mantê-la, o Govêrno considerava a neutralidade condicionada, na latitude do seu exercício, por eventual funcionamento da aliança anglo-lusa (como seria o caso do uso de facilidades solicitado, com invocação da aliança, pelo Govêrno Britânico);
b) Tendo o Govêrno Português salvaguardado desde o primeiro momento as obrigações para êle emergentes do Tratado de amizade e não agressão e Protocolo Adicional celebrados com a Espanha e uma das bases da sua política externa, pôde verificar-se como nesse ponto a política portuguesa era não só respeitada como vista com simpatia pelo Govêrno Britânico, cuja política de guerra se entende não interferir com a manutenção de uma zona de paz na Península Ibérica. O Govêrno Português deu já à Espanha completas explicações acêrca dêste aspecto das relações anglo-lusas. O Govêrno pode dizer que o Embaixador de Inglaterra em Madrid confirmará, por parte da Inglaterra, as mesmas seguranças;
c) Como bem disse o Primeiro Ministro Britânico, a concessão agora efectuada, acrescentando nova fôrça e vigor à antiga aliança entre Portugal e a Inglaterra e dando naturalmente lugar à confirmação e refôrço das garantias políticas dos tratados, torna-se em nova prova da amizade existente e garantia, do seu estreitamento futuro».
Não me parece possível nem teria utilidade prática ocupar a atenção da Câmara com os pormenores de negociação por sua natureza delicada e difícil. Embora o Govêrno, uma vez examinado o assunto em todos os seus aspectos, não tivesse sentido a menor hesitação na resposta afirmativa de princípio ao pedido britâ-nico, e a desse por isso sem demora, havia naturalmente que examinar e resolver os problemas de natureza política, militar e económica resultantes do mesmo deferimento e concessão de facilidades. Se por um lado se dispuseram cuidadosamente de longa data todos os factores internos e externos que permitissem, ao País em determinada emergência, previsível para alguns, defender o melhor interesse nacional, salvando ao mesmo tempo a honra e a paz, deve por outro lado confessar-se que o Govêrno Britânico, aliás constituído em forte necessidade de defender a marinha mercante no Atlântico, se absteve durante anos de pôr um problema que em circunstâncias diferentes arrastaria, fôsse qual fôsse a solução, conseqüências invencíveis e de incalculável alcance. E, quando o pôs, limitou as suas pretensões ao mínimo indispensável.
Foi posta em relêvo na Câmara dos Comuns a tradicional lealdade do povo português às suas amizades e aos seculares tratados que o ligam, à nação britânica. Não é senão justiça reconhecer que, desde o começo do conflito, ainda nos momentos mais escuros e difíceis, Portugal não deixou nunca de marcar, com simplicidade e sem reticências, por uma espécie de pundonor e honra nacional, a sua fidelidade à aliança inglesa.

Página 12

12 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42

Mas a dificuldade do problema provinha de que a política fundamental da aliança tinha sido, por bem entendida extensão dos nossos interesses de nação peninsular e atlântica, completada, mas também por isso mesmo complicada, com outras amizades e com a existência de novos factores. O pedido britânico tinha pois de situar-se no quadro integral da nossa política externa.
Se o Brasil conseguiu, pelos laços do sangue, concluir perfeitamente a sua beligerância com a nossa neutralidade sem a menor quebra da estima fraternal, apesar do que para aquele imenso país atlântico pode valer a Nação portuguesa como fronteiro do mar, nenhuma dúvida haveria de que qualquer mudança de condições operada em virtude da aliança anglo-lusa, sendo também em seu benefício, só poderia despertar na alma brasileira acréscimo de simpatia. Do lado de Espanha, porém, além da sua especial posição no conflito e das exigências dos seus interesses próprios, existiam tratados com responsabilidades e compromissos mútuos a que devíamos manter-nos fiéis. Não só porque uns e outros tendiam, a salvaguardar dos horrores da guerra, com benefício geral, interessante zona europeia, através da neutralidade dos dois países, mas porque a estreita amizade com a Espanha consagra o espírito de colaboração peninsular e é susceptível de larga projecção no mundo de amanhã, a política luso-espanhola, tal como se vem afirmando, foi sempre por nós considerada, como elemento essencial e uma das bases da nossa politica externa

(Vozes: - Muito bem, muito bem!). Para ser salva, porém, nos termos em que se definiu tornava-se mester que a Inglaterra aliás na mesma orientarão seguida desde ou fins da guerra civil, perfilhasse, aquele intento e não julgasse a neutralidade das duas nações peninsulares incompatível com a sua política de Guerra.
Devemos crer que esta aquisição ou declaração solene era elemento fundamental, para esclarecer o ambiente de preocupação e tornar possível à Espanha ajuïzar das suas próprias dificuldades. Julgo só termos cumprido o nosso dever mas também termos cumprido todos os nossos deveres. Independentemente disso, a reacção do Govêrno de Espanha foi tam compreensiva, tam espontânea, tam nítida e direita como se quisesse exceder-se em lealdade e superar o tradicional cavalheirismo da nação espanhola (Vozes - Muito bem, muito bem!).

Do conjunto das negociações, e em harmonia com a diferente natureza dos assuntos versados, nasceram vários acordos, que os dois Governos aprovaram. O comunicado oficial refere-se ao auxílio prestado pelo Governo Britânico em fornecimentos de material de guerra para o exército. Este começou a chegar ao País em quantidades maciças antes mesmo do começo, de execução das facilidades e tem sido, depois de revisto nas fabricas militares, distribuído pelas várias unidades a que se destinava. Assim, se pôde dar nestes tempos difíceis para aquisição de material de guerra um passo decisivo no rearmamento do exército. Com êste material e o que antes tínhamos adquirido também em Inglaterra e com o que custosamente temos podido obter sobretudo na Alemanha, na Itália, na Dinamarca e na Suécia se realiza o que, tendo sido quási um sonho, é hoje estrita necessidade.
Devo acrescentar que o material de guerra inglês recebido em Portugal desde 1 de Agosto não é pago em dinheiro, mas compensado com as despesas que fizemos e fazemos para tornar possíveis as facilidades concedidas e com os materiais e serviços que prestaremos ao Govêrno Britânico em terra portuguesa. Se bem que nem todos estes valores possam ser determinados pecuniàriamente, pode assegurar-se que tiraremos apreciável benefício desta combinação.

Noutro acôrdo procuraram-se resolver ou atenuar dificuldades derivadas para a nossa vida económica, umas do próprio regime do bloqueio, outras da insuficiência dos nossos transportes marítimos para regular abastecimento do País no que é necessário à existência dos seus habitantes. Não devo ocultar que os atritos mais desagradáveis com o Governo Britânico e as suas autoridades, as únicas desinteligências sérias e discussões por vezes irritantes só têm, nascido, durante o período da guerra, no terreno económico. É certo que em parte isso se deve à impossibilidade de conciliar inteiramente de um lado o direito que reivindicamos como neutros de comerciar com, outros neutros e com, os beligerantes e de nos abastecermos como julgarmos conveniente, e do outro o conceito e a política do bloqueio inglês, menos influenciados por princípios jurídicos e económicos do que pelo lugar que se atribue ao bloqueio na política de guerra britânica, conceito que inteiramente domina os seus executores.
Temos procurado através de negociações difíceis, e nem sempre com êxito, salvar os interesses fundamentais da economia metropolitana e colonial, garantir-nos o essencial para a vida da população, embora em nível mais baixo, como é aliás razoável nestes calamitosos tempos, e sobretudo comerciar com uns e com, outros sem deixar que a nossa economia se converta em instrumento de guerra alheia, apesar de se haverem reservado sempre para a Inglaterra as maiores facilidades e o maior quinhão.
É justo salientar que naquilo que não podia traduzir-se em facilidades para o inimigo ou não tocava nas regras do bloqueio o Govêrno Inglês se esforçou com boa vontade, reforçada ainda no último acordo, por ajudar ao nosso abastecimento. Fornecendo-nos combustíveis e alguns transportes, estando tam carecida deles, permitindo-nos a aquisição de outros, a Inglaterra como os Estados Unidos, hoje quási único abastecedor ultramarino do nosso País, não contando evidentemente as colónias portuguesas, tomam quinhão apreciável na resolução das nossas dificuldades económicas e especialmente, das derivadas do péssimo ano cerealífero. Mas tendo sofrido já algumas desilusões, limitemo-nos a esperar que os factos recentes produzam também neste terreno os seus frutos de bom entendimento.

De, pôr-se em funcionamento a aliança, embora parcial e restritamente, mas em tanto quanto o permite a posição fundamental de neutralidade assumida pelo Pais, resultou o revigoramento dos antigos laços e a renovação de garantias militares e políticas, aconselhadas em face de eventuais consequências da nossa situação. Nem por serem confirmação de seguranças dadas em tratados se lhes pode julgar deminuído o valor, sobretudo sabendo-se que pela primeira vez na história das nossas relações alguns dos domínios da comunidade britânica se associaram expressamente ao Reino Unido para prestar as mesmas garantias de- respeito pela soberania portugueza em todo o Império Colonial (Vozes: - Muito bem!). E assim procederam também os Estados Unidos da América (Vozes: - Muito bem, muito bem!).
É certo que no fundo se trato de uma aplicação concreta de respeito péla soberania das nações, princípio que foi posto na base da atitude norte-americana como das outras nações unidas na presente guerra; mas não á isso suficiente para que demos menor apreço ou menor significado ao seu acto. O povo português compreende de instinto quanto importa à manutenção da sua soberania nas várias partes do mundo, mesmo nos tempos

Página 13

27 DE NOVEMBRO DE 1943 13

revoltos que vivemos, tal garantia efectiva, inequívoca, recebida das duas maiores potências marítimas, associadas na guerra e comprometidas na paz (Vozes: - Muito bem, muito bem!).

Creio ter dito o essencial sôbre a concessão de facilidades nos Açôres, como julgo ser inútil acrescentar que o Govêrno não teve ao decidir-se senão uma preocupação - servir o interesse nacional (VOZES: - Muito bem, muito bem!). Êste a figurou-se-lhe solidário com a fidelidade da Nação ao espírito dos seus compromissos externos, não tomados ocasionalmente contra êste ou contra aquele, mas através dos séculos e a favor só da sua integridade e soberania imperial. (VOZES: - Muito bem, muito bem!). Parece que êste ponto não pode ser discutido. A peitar disso o Govêrno tem a consciência de ter prestado um serviço, não de ter feito um negócio; operou por patriotismo e de modo algum, por cálculo (VOZES: - Muito bem, muito bem!).
A inteligência do acontecimento em todo o País, nas ilhas, nas províncias ultramarinas, entre as numerosas colónias portuguesas do estrangeiro, foi tam completa e inequívoca que não pode deixar de significar ter-se interpretado correctamente o seu mais profundo sentir. Por outro lado, em todos os meios internacionais a reacção foi extraordinariamente favorável ou pelo menos compreensiva. Designadamente nos meios anglo-americanos o acto teve o condão de lançar inteira luz sobre a seriedade e coerência da nossa política externa, de a tornar mais bem entendida mesmo em sectores onde tem sido vítima do desconhecimento quando não sujeita a sérias deturpações. Apreciou-se-lhe a coragem moral, a transcendência patriótica. Só em restritos meios que parece terem, velhas contas a ajustar connosco se associou a atitude do Govêrno Português a cálculo interesseiro de política partidária. Verdade seja que também cá dentro, no meio do coro de aplauso verdadeiramente nacional, alguns deram mostras de se sentir lesados. Acredite-se que o Governo o não tinha em mente e considera isso acidente do jogo, sem importância de maior.

Completarei as informações que venho dando à Câmara com alguns dados relativos à nossa colónia de Timor, cuja situação tem sido objecto dos maiores cuidados e diligências, mas não pode dizer-se esteja satisfatoriamente resolvida.

Câmara sabe que o acôrdo feito com o Governo Britânico e o Govêrno de S. M. na Austrália para a retirada das forças australianas, quando ali chegassem as forças portuguesas, não pôde executar-se porque, estando estas a poucos dias do porto de destino, o Timor português foi invadido por fôrças japonesas que da presença daquelas no território tiraram argumento para nova violação da nossa neutralidade. As fôrças portuguesas foram desviadas para a índia, aguardando mitra oportunidade, e a luta entre as forças japonesas e as australianas e holandesas continuou durante algum tempo, até que as tropas nipónicas puderam- estender a toda a ilha a sua ocupação.
A Câmara foi igualmente informada do protesto apresentado pelo Govêrno e do seu propósito de recomeçar com o Governo Imperial as diligências necessárias à satisfatória resolução do novo incidente. Supôs-se que, não podendo o Governo Japonês invocar quaisquer obrigações de aliança para defesa das nossas possessões, nem a necessidade da ocupação para ulteriores operações de guerra, pois tinha em seu poder a parte holandesa da ilha, nem a necessidade de defender-se contra o perigo de retorno das força» australianas, pela própria evolução das operações militares, seria possível, acabada ali a luta, restabelecer a situação anterior de respeito pela neutralidade do território, embora devessem tomar-se medidas para garantir de facto a sua inviolabilidade futura por parte de qualquer dos beligerantes.
Durante alguns meses, com luta no território, a situação tornou-se difícil. Sofreram-se bombardeamentos aéreos, a evacuação da capital, as requisições militares, todos os incómodos e gravames que a guerra traz inevitavelmente consigo. Mas a soberania era reconhecida; a administração portuguesa exercia-se em todo o território, embora com, lacunas inevitáveis: as populações mantinham a disciplina; o Governo, em contacto com o governo da colónia, podia ainda dirigir superiormente, aconselhar, tomar providências. Não se pode dizer o mesmo no período subsequente.
Invocando ulteriores necessidades de defesa, as forças japonesas encerraram a estacão de rádio no fim de Maio; o último telegrama recebido directamente do governador tem a data. de 29 de Maio do ano findo. Sem notícias nem comunicações de qualquer ordem, a colónia ficou isolada em relação à metrópole; só a Austrália conseguiu manter algum contacto.
Segue-se um período ainda mais escuro. Chegam-nos informações de refugiados portugueses na Austrália, mas não queremos fazer sôbre elas a completa reconstituïção de acontecimentos que muito interessam à soberania portuguesa e às nossas relações, com o Império Nipónico. Pode porém afirmar-se que houve sublevações de indígenas, em perfeita tranquilidade sob o nosso domínio; cometeram-se assassinatos de dezenas de pessoas, sacerdotes, médicos, funcionários, simples particulares. Mais de quinhentas pessoas, devido aos meios que generosa e humanitàriamente o governo australiano pôde fornecer à população em estado de tam grande necessidade, refugiaram-se na Austrália, nada tendo conseguido salvar senão a vida. Houve roubos, destruïções, devastação. As fôrças japonesas escolheram duas zonas onde se concentraram os elementos europeus que conseguiram, escapar aos ataques e não abandonaram a ilha. O governador está, porém, na, capital. Durante muito tempo o abastecimento da ilha não se fez, o comércio paralisou, as culturas arruïnaram-se, faltaram as cousas mais essenciais à vida da população. Ignora-se se é como se exerce a administração, em que consiste ou a que está reduzida a soberania portuguesa, apesar tias reiteradas declarações do Governo de Tóquio sobre o respeito que lhe merece.
Em tais circunstâncias pareceu ao Govêrno que o ponto essencial de partida para tomar conhecimento exacto da situação e tentar conseguir-lhe, remédio era o restabelecimento das comunicações directas com, o govêrno da colónia. Tóquio não aceitou reabrir a estação de rádio nem. permitiu as comunicações em cifra com, o governador. Nós não aceitámos os bons ofícios das autoridades japonesas como intermediários forçados de telegramas ostensivos com o govêrno da colónia (VOZES: - Muito bem, muito bem!).
Separando a necessidade de informação objectiva e imparcial de todas as outras questões, que seriam depois tomadas uma, a uma para resolução conveniente, propusemos a Tóquio enviarmos a Timor um oficial de Macau que fizesse um inquérito aos acontecimentos, inclusive a qualquer responsabilidade do governador em actos em que as forças ocupantes pretendiam ver quebras do espírito de neutralidade. Esta proposta fui declarada inaceitável e ficou até ao presente sem seguimento.
Nas últimas semanas o Governo tem recebido, por intermédio da Legação Japonesa em Lisboa, alguns telegramas do governador. Por dever de lealdade se lhes faz referência, mas, coerente com a atitude antes definida, o Govêrno não pode considerá-los base suficiente para qualquer actuarão da sua parte (VOZES: - Muito

Página 14

14 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42

bem, muito bem!). O governador parece dar a entender que há melhoria da situação geral no tocante ao estado sanitário, à ordem, ao abastecimento. Como não nos correspondemos, continua-mos ignorando como, desde quando, por que meios, em que latitude se e verce a autoridade portuguesa no território.
Afora êste lastimoso caso, as nossas relações com o Japão têm-se mantido em termos correctos. Mesmo em Macau, onde a situação tem por vezes oferecido aspectos graves, devido à situação militar e política do Estremo Oriente e à falta de géneros alimentícios, as relações com as autoridades militares nipónicas nos territórios vizinhos têm-se mantido de forma a solucionarem-se razoavelmente as maiores dificuldades. Os boatos, que há semanas correram, de ataques à mão armada e de invasão do nosso, território por fôrças chinesas de Nanquim ou por fôrças japonesas não são exactos. As autoridades chinesas e nipónicas locais, com quem é forçoso tratar de problemas relativos à vida da colónia, têm mais de uma vez demonstrado a sua boa vontade. O governador tem sido inexcedível de coragem, de tato e de patriotismo (VOZES: - Muito bem, muito bem!).
Mas a situação de Timor persiste depois de dois anos de negociações pacientes, lentas, intermináveis, infrutíferas. E no entanto é preciso adiar-lhe solução (VOZES: - Muito bem, muito bem!). O Govêrno entende, como o País, que é absolutamente preciso resolvê-la (Vozes: - Muito bem, muito bem!).

O que tinha a dizer à Câmara em matéria de facto está dito. No quadro desta comunicação não cabem desenvolvimentos de política internacional nem comentários de guerra. Cada vez nos devemos considerar menos livres de nos pronunciarmos acerca desta; é negócio dos beligerantes a liquidar como puder ser. A paz porém, interessa-nos, como a todos, porque a paz não é o fim da guerra, é a organização da Europa, senão do mundo, é o novo estatuto das relações entre os povos, com seus interesses económicos, suas reivindicações sociais, suas ideologias políticas. Uma palavra traduz o estado de todos os espíritos - inquietação, ou pela ignorância dos princípios que hão-de presidir ao mundo novo ou pela descrença na eficácia de alguns que já têm sido enunciados.
Em tais circunstâncias não agravemos os problemas com alargar-lhes o âmbito, nem procuremos remédios alheios se já dispomos dos que nos servem a nós, e preparemo-nos, pelo espírito e pelo braço, para as dificuldades que vierem, mais graves porventura que as passadas. A preparação do organismo militar não pode suspender-se ou afrouxar, antes tem de intensificar-se cada vez mais (Vozes: -Muito bem, muito bem!). E com clara defesa civil do território e a armadura moral da Nação, na continuação progressiva do esforço realizado nos últimos meses.
Temos vencido as outras crises; também venceremos, parque temos condições para isso, a crise da paz. Mas precisamos de estar tam preparados e decididos como se fosse para vencer a guerra (VOZES: - Muito bem, muito bem!).

(Toda a assistência, de pé, ovacionou o Sr. Presidente do Conselho).

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns momentos.

Eram 17 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente do Conselho sai da sala acompanhado pelo Sr. Presidente da Assemblea Nacional, sendo novamente muito aclamado pela assistência.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 8 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Madeira Pinto.

O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: tendo dado conhecimento ao País, pela nota oficiosa publicada na imprensa em 12 de Outubro, da aquiescência ao pedido do Govêrno Inglês para, à sombra da secular aliança anglo-lusa, lho serem dispensadas certas facilidades nos Açores, dos motivos que determinaram tal pedido e das circunstâncias em que foi atendido, o nosso Governo, muito naturalmente, não se julgou dispensado agora que a Assemblea Nacional encetou os trabalhos da 2.ª sessão desta III Legislatura - de lhe dar especialmente conta de um assunto que se me afigura ser o de maior transcendência no campo da nossa política externa de há cem anos a esta parte.
Para tal fim, no uso da. prerrogativa constitucional, subiu a esta tribuna o Sr. Presidente do Conselho, responsável pela política do Governo, e elucidou a Assemblea com aquela justeza de conceitos e aquele brilho de palavra que são apanágio do seu formoso espirito.
Aproveitou o Sr. Dr. Oliveira Salazar o ensejo para fazer novas referências a outro assunto, também de alto interesso nacional, que já por duas vezes o trouxe a esta Assemblea - o caso de Timor.
Sr. Presidente: o primeiro sentimento que, por dever de consciência, como português e como Deputado, me sinto obrigado a manifestar ao Governo do meu País, na pessoa do seu Chefe, é o de um incondicional louvor e o de muito grande reconhecimento.
Incondicional louvor porque a concessão de facilidades nos Açores, pedidas pela Inglaterra sob invocação dos tratados de amizade e aliança seculares existentes entre os dois países, correspondeu, sem dúvida alguma, ao verdadeiro sentimento da Nação Portuguesa; incondicional louvor porque o Govêrno se houve com um tam alto sentido da dignidade, do brio e das conveniências nacionais que mais elevado se lhe não poderia exigir; muito grande reconhecimento pelo inestimável serviço prestado ao País...

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - ... em emergência tam melindrosa que o mais leve desvio podia comprometer irremediavelmente a linha de estrita neutralidade que voluntariamente assumimos no conflito que devasta o mundo e destruir a paz que, mercê de Deus, disfrutamos!
Portugal pode orgulhar-se dos seus chefes!
Sr. Presidente: a fidelidade jurada à aliança inglesa, a amizade leal e sincera para com a Espanha e a inalterável fidelidade ao Brasil têm sido, desde o início, as grandes directrizes do Govêrno da Revolução Nacional em matéria de política externa.
E todas elas tem o Govêrno devotada e nobremente seguido.
As primeiras radículas da aliança inglesa há que buscá-las a quási seiscentos anos atrás, antes ainda dos tempos da «grave crise da puberdade nacional» - no dizer expressivo de um escritor nosso -, que vai de D. Fernando à consolidação da independência em Aljubarrota; é o tratado de comércio e amizade de 1353, dos tempos de Afonso IV de Portugal e de Eduardo III de Inglaterra - «aliança firme e de amizade, a fim de entreter a melhor afeição... para mútua vantagem e proveito de ambas as partes ...»; é a seguir o tratado de «paz, amizade e aliança ofensiva e defensiva de 1373, reinando em Portugal D. Fernando; e anos depois o de 1386, entre o nosso Rei D. João I e Ricardo II de Ingla-

Página 15

27 DE NOVEMBRO DE 1943 15

terra - «liga, amizade e confederação geral e perpétua... de maneira que um será obrigado a prestar auxílio e socorro ao outro contra todos os que tentarem destruir o Estado do outro ...» - no gostoso dizer do texto da época.
Bem cedo portugueses e ingleses pelejaram lado a lado: juntos em Aljubarrota, juntos no Mar Mediterrâneo (o almirante inglês Jervis com o nosso Marquês de Nisa) de 1797 a 1799, juntos (com Wellington) nas invasões napoleónicas, juntos (com Wellington ainda) em Waterloo...; somos velhos companheiros de armas.
Aliança secular, sempre renovada e mantida, nunca Salazar a temeu, antes sempre nela acreditou. Porque - teve ensejo de o dizer em 1935 - acreditava na palavra dos homens e dos povos, quando factos mentirosos a não desmentiam, e porque, acrescentava «... mesmo sem falar nos estreitos laços de amizade, a comunidade dos interesses portugueses e britânicos é de tal modo evidente que de cá e de lá se há-de impor por muito tempo aos homens de governo».
E em Outubro de 1939, falando em sessão extraordinária desta Assemblea, o Chefe do Governo, como a vincar bem a noção que Portugal tem do cumprimento dos seus tratados, dizia: «... não ficaríamos bem com a nossa consciência se - amigos que não voltam a cara - não reafirmássemos, naquele grave momento, os nossos sentimentos de amizade e toda a nossa fidelidade na aliança inglesa».
Desencadeada a guerra, que continua a assolar o mundo, Portugal, para evitar que ela alastrasse à Península, seguiu o caminho que o interesse nacional lhe indicava, o caminho da neutralidade, mas uma neutralidade condicionada pela aliança inglesa.
Invocando esta aliança, o Governo Ha Grã-Bretanha pediu-nos certas facilidades temporárias nos Açôres, para melhor protecção da navegação mercante no Atlântico. Portugal, fiel aos seus compromissos, não voltou a cara ao seu amigo, cumpriu.
Velava pela honra da Nação o seu mais estrénuo defensor - Salazar!
Sr. Presidente: a nossa fraterna amizade pela Espanha é outra das directrizes em matéria de política externa.
Juntos na Península, mas cada um em sua casa, não podemos esquecer que, de parçaria, cedo nos abalançámos, como os espanhóis, à obra das descobertas, da colonização, da expansão da civilização do Ocidente.
Para quê inimigos, para quê sequer prevenidos ou desconfiados?
A liberdade e a independência da Espanha não nos podem sor indiferentes; Salazar considera-as, mesmo, como um postulado da política portuguesa.
Esta noção, da mais perfeita clarividência política, ditou a nossa atitude quando, pouco antes do grande conflito mundial, se ateou à nossa porta a guerra que ensanguentou o país vizinho.
Aderimos à política de não intervenção da iniciativa da França, mas sob reserva das condições ditadas pela lealdade e honestidade, que devem estar na base do cumprimento das convenções, sejam privadas, públicas ou internacionais, e pela imprescindível e inviolável necessidade da nossa própria segurança - ou da nossa independência, caso se julgue mais rigoroso o têrmo.
E, sempre na mesma orientação, firmámos com a Espanha, em Março de 1939 - dir-se-ia ter o Chefe do Govêrno adivinhado o momento da eclosão da guerra mundial, o Tratado de amizade e não agressão, que o Protocolo de 1940 completou.
Para o Brasil, o sentimento que domina as nossas relações - o terceiro grande objectivo da nossa política internacional - é, na frase lapidar do Chefe do Governo Português, - «... nem simpatia nem amizade, mas o próprio sangue e alma dos avós».
Começámos por descobrir esse pais de maravilha, dêmo-lo à fé de Cristo, colonizámo-lo e, quando se emancipou do nosso domínio, como a filho que, tocado da maioridade, se afasta do lar paterno, não lhe quisemos mal nem lhe guardámos ressentimento...
Continua a ser a nossa a sua língua, são nossas as suas alegrias e tristezas...

Vozes: - Muito bem! Apoiado!

O Orador: - ... os seus triunfos e reveses, e, não podendo escapar ao encantamento da sua terra, trazemos por lá um milhão de portugueses a mourejar a vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi, por isso, com funda- ansiedade que em Agosto do ano passado tomámos conhecimento de que o Brasil passara ao estado de beligerância com a Alemanha e com a Itália; e logo o Govêrno de Salazar, reunido expressamente para osso fim, tomou a peito exprimir ao Govêrno Brasileiro, em nome da nação irmã, em nota bem carinhosa, sentimentos de solidariedade moral, e de emoção sincera com que acompanhava o povo irmão na atitude de sacrifício que assumia na defesa do que considerava sua honra e seu direito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: todas as balizas da nossa conduta em matéria de política externa foram respeitadas na resolução do Governo relativa às facilidades concedidas à Inglaterra nos Açores.
Consequência necessária dos nossos deveres de aliado, tomado com ressalva do conteúdo do Tratado de amizade e não agressão celebrado com a Espanha, não podendo sofrer interpretação menos favorável por parte do Brasil, dada até a posição que tomou no conflito mundial, o Acôrdo - repito - reveste-se de todos os requisitos para merecer, como merece, o incondicional aplauso, a completa sanção de todos os portugueses.
Mais uma vez Salazar, sob a presidência do Sr. general Carmona, honrou a confiança que o País lhe outorgou e se tornou credor do reconhecimento nacional.
Honra lhe seja!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Nosolini.

O Sr. José Nosolini: - Sr. Presidente: depois das considerações, brilhantes como sempre, do ilustre Deputado que me precedeu, apenas algumas palavras.
Esta Assemblea ouviu com o maior e mais justificado interesse a exposição luminosa do Sr. Presidente do Concelho. Por ela é-nos possível apreciar melhor o significado do recente acordo luso-britânico pelo que ele traduz no plano internacional e pêlos ensinamentos que dele derivam no plano da política, interna.
Srs. Presidente: não é indiferente relacionar, neste momento, diversos factos contemporâneos com o pensamento político que o Chefe do Govêrno definiu desde há muito ao povo português.
Daí ressalta a atitude aprumada e rectilínea da política portuguesa.
Apoiados.

Página 16

16 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 42

Neste mesmo edifício da Assemblea Nacional. Salazar, em 1937, referiu aos Srs. oficiais de terra e mar a inexactidão do que considerava os três postulados da inércia ou da decadência nacional. Era o primeiro o da existência fatal do déficit - do permanente desequilíbrio das contas públicas; era o segundo o da impossibilidade de resistência económica do País sem a saída dos emigrantes e sem a importação do ouro do Brasil; era o terceiro a precária autonomia nacional e, como consequência, a discutível possibilidade de Portugal ter uma política externa.
O orientador da nossa Revolução sabia, e afirmara-o já alguns anos antes, que só podíamos ter política externa desde que, saneada a nossa situação interna pelo restabelecimento da ordem na Administração, na vida social e na política, conseguíssemos valorizar os nossos factores de projecção internacional, isto é, a nossa situação geográfica, a grandeza dos nossos domínios de além-mar e, no campo moral, os serviços prestados à civilização e à humanidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas êste condicionalismo efectivou-se mercê dos sacrifícios do País, dos esforços do Govêrno e da lealdade e seriedade da sua política. E assim, e servindo o interesse nacional e firmando as relações de amizade, de fraternidade e de aliança que nos unem ao Brasil, à Inglaterra e à Espanha, nós podemos confirmar o desmentido do terceiro postulado da decadência nacional.
Por isso, logo na primeira emergência, nas horas terríveis do drama espanhol, marcámos uma posição internacional própria para defesa da civilização ocidental e dos interesses vitais da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nossa política externa foi já de conservação da paz na Península.
Pouco tempo depois. Sr. Presidente, já o mundo se envolvia em maior tragédia - na guerra actual!
E esta. luta, que a sábia visão de Salazar impedira que se enxertasse no conflito espanhol, veio afinal, com razoes de outra espécie, envolver a nossa secular aliada e, mais tarde, a querida nação brasileira.
O Govêrno Português teve então de examinar novamente u sua posição. E quando a nossa aliada entrou na guerra ele não esqueceu certamente a colaboração, que vem de séculos, nem os sentimentos dos dois povos, nem o pensamento político dos seus governantes, que, por exemplo, a acção inteligente do Marquês de Sande e as límpidas afirmações de Palmerston sintetizam e confirmam. Mas, para além do que tudo isso lhe dizia, ele viu os deveres e obrigações emergentes da aliança e o alto objectivo de manter relações amistosas e de respeito com todos os povos - tam alto objectivo que por ele podemos hoje clamar com mais veemência contra o agravo com que o Japão nos feriu, e nos fere ainda, e que, por prestígio próprio, há-de reparar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dentro dos limites desta orientação, como o País podia declarar a neutralidade, a política própria da Nação - a uva política externa - foi ainda de defesa da paz peninsular.
Surge agora o acôrdo sôbre os Açores. E eis que êle reflecte com a mesma clareza a mesma política externa: paz peninsular e, sem quebrar os deveres da aliança, neutralidade.
Sr. Presidente: mas preguntar-se-á: ê essa política de interêsse nacional?
Sr. Presidente: para um governo cujo fim primário fosse encontrar defesa para si próprio e não servir o País teria sido talvez atitude mais cómoda ter já tomado posição ao lado de um dos beligerantes. Na verdade, diz-se - e é comentário frequente - que é bom e dá especiais garantias marcar lugar nas conferências da paz, onde intervêm grandes e pequenos povos, embora com maior ou menor esperança de serem ouvidos... E afirmou-se também por muita parte que no fim desta guerra o Vae victis dos romanos seria ampliado, para condenação dos povos que guardassem a neutralidade.
Ora a política externa portuguesa tem sido, e é, política de neutralidade. Que pensar então? A resposta, está dada. Essa política, já considerada por um dos grupos beligerantes como não lesiva dos seus interêsses, recebeu recentemente, quando o acôrdo dos Açores foi comunicado à Câmara dos Comuns, a confirmação, do valor que representa para o outro grupo beligerante.
O Chefe do Govêrno de Sua Majestade Britânica, com a responsabilidade do seu «nome e da sua altíssima categoria moral e política, proclamou que a neutralidade portuguesa constitue valioso serviço prestado à humanidade e não fere, não modifica, não altera a letra ou o espírito dos tratados da velha aliança.
Tudo isto e os compromissos solenes tomados pela Inglaterra e seus Domínios e pelos Estados Unidos são a contraprova de que a nossa, política externa serve os interêsses e a honra de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: do recente Acôrdo luso-britânico tiram-se lições proveitosas no plano da política interna: preocupação do Govêrno de facilitar o nosso rearmamento; zelo quanto à solução de problemas económicos; Govêrno sempre em equação com o» sentimentos do povo; serenidade e certeza com que actua. Mas há unia lição que deve referir-se especialmente: é a que mostra que os caminhos da política externa dos povos estão abertos apenas aos governantes. Quando os perturbadores internos pretendem segui-los, como arma ou como pretexto, acabam por não acertar...
Sr. Presidente: creio que interpreto os sentimentos unânimes desta Assemblea, neste momento em que mais uma vez se verifica que Portugal vem cumprindo dignamente, afirmando que se encontra forma justa de manifestar aplauso e gratidão ao Chefe do Govêrno, repetindo hoje as palavras de verdade actual que ele próprio proferiu em 1935:

«O País tem gozado como maior dom da Revolução esta colma que lhe permite dedicar-se confiadamente à sua vida. Têm-se-lhe poupado, sempre que possível, os sobressaltos, as preocupações, as amarguras, e o seu espírito não tem »ido torturado com as nossas dúvidas e dificuldades».

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amorim Ferreira.

O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: nos termos da Constituição Política da Republica, quis o Sr. Presidente do Conselho comparecer nesta Assemblea, como órgão que é da soberania que reside na Nação, para se ocupar de assuntos que respeitam a altos interêsses

Página 17

27 DE NOVEMBRO DE 1943 17

nacionais. Efectivamente, de altos interêsses nacionais trata a lúcida e clara exposição do Sr. Presidente do Conselho sobre a política externa do Govêrno e os acontecimentos da vida nacional que com ela se relacionam. Mas com razão se pode dizer que os acontecimentos de hoje são simplesmente o último elo de uma cadeia que há muitos anos as fôrças do mal vêm a forjar.
Aqueles que, como eu, fizeram a guerra de 1914-1918 viram nos campos retalhados pela metralha o que é «aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas; aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos e as cidades, e em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras». Cada um de nós trazia consigo, ao ser desmobilizado e ao retomar as ocupações do tempo de paz, a ânsia de dias melhores, o desejo honesto e limpo de que, com o aperfeiçoamento moral da humanidade, desaparecesse a guerra como meio de satisfazer as aspirações mais ou menos legítimas dos povos.
Mas não eram só, Sr. Presidente, os antigos combatentes que tinham em si a falsa certeza de que o sacrifício não fora inútil. Eram também aqueles que, na retaguarda dos exércitos, longe ou perto deles, tinham assistido ao desenrolar da luta e sofrido as consequências dela; eram ainda aqueles que na guerra e pela guerra tinham perdido pais, filhos, irmãos ou amigos queridos. Milhões e milhões de pessoas, em todo o mundo, detestavam a guerra, porque a fizeram, porque a sentiram, porque a sofreram, porque a não compreendiam.
Apesar disso e - paradoxo estranho - apesar de na direcção dos povos estarem por toda a parte, de 1918 a 1939, os que fizeram ou presenciaram a guerra de 1914, dia a dia a crise se foi agravando. Por toda a parte os povos foram acumulando armamento, víveres e combustíveis, na previsão de um conflito que ninguém sabia como, quando e onde ia começar, e que ninguém ainda hoje pode com segurança dizer quando e como acabará. Temos assistido e assistimos ainda agora ao esforço formidável da humanidade para produzir engenhos de destruição, cada vez em maior quantidade e de maior eficiência, com o fim de espalhar o terror e a morte à face da terra. Com horror se reconhece que a humanidade parece dominada pela fúria maldosa de se destruir a si própria.
Mas o mal não era só este. Simultaneamente, no infeliz período de 1918 a 1939, parecia dar-se um abaixamento geral das normas de conduta moral, política e social. As antigas normas elevadas de proceder das pessoas e dos governos tinham desaparecido. Poucas vezes na história da humanidade a moralidade internacional terá descido tanto.
Em Setembro de 1939 deu-se a crise. E, no meio do estrondo dos canhões e das bombas de avião, um povo e um govêrno, pelo menos, se mantiveram e mantêm fiéis ao mandamento divino «não matarás». Um povo e um governo, pelo menos, denunciaram o materialismo como causa fundamental do desassocêgo do mundo, materialismo que se traduz em egoísmo, medo e voracidade. Um povo e um governo, pelo menos, afirmaram a sua confiança nos valores espirituais e morais da humanidade e mantiveram-se ligados a princípios de vida e de moral que são os conceitos simples de verdade, justiça, tolerância, generosidade e respeito pela dignidade do homem.
Êsse povo foi Portugal (Apoiada); êsse Govêrno foi o de Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A Assemblea Nacional pratica um acto de simples e elementar justiça reconhecendo e afirmando que o Sr. Presidente do Conselho soube conduzir a, política externa do País com patriotismo, dignidade e inteireza moral.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Descurando interesses alheios, para só cuidar do interesse nacional, S. Ex.ª encontrou o verdadeiro caminho; e seguindo-o, o povo tem podido viver tranquilamente a sua vida e a Nação tem podido cumprir dignamente a sua missão histórica.
Os factos foram relatados e comentados pelo Sr. Presidente do Conselho com claridade e rigor de expressa o tais que, aproveitando a referência feita por S. Ex.ª ontem mesmo nesta, sala à «facilidade do» matemáticos para o direito», eu não hesito em reconhecer que o Sr. Presidente do Conselho, mestre de direito, raciocina e expõe como se matemático fôra.
Pelo Acôrdo de 12 de Outubro o Governo Português concedeu facilidades nos Açôres à Grã-Bretanha, que fica assim em condições de proteger melhor a navegação mercante no Atlântico. O Acôrdo fez-se no funcionamento normal da aliança luso-britânica, aliança que dura há 600 anos, facto único na história contemporânea; mas ficou nele explicitamente salvaguardada a manutenção da soberania portuguesa sobre o território nacional. O Acôrdo é, pois, um acto digno, que resulta, pela força das circunstâncias, de obrigações voluntariamente assumidas e repetidamente afirmadas, pari» mútua vantagem da Grã-Bretanha e de Portugal.
A celebração do Acôrdo com a Grã-Bretanha em nada afectou e possivelmente até melhorou as nossas relações com a Espanha, e o Brasil, povos irmãos, a que nos ligam laços apertados de amizade e solidariedade histórica e cultural que vêm do passado e que temos obrigação de manter no futuro. A política de verdade e de inteireza do Sr. Presidente do Conselho se deve que não se rompa e nem sequer esfrie esta comunhão de sentimentos e ideais com o povo espanhol e o povo brasileiro.
A exposição dos factos sucedidos em Timor, da sua evolução no tempo e da situação actual só pode corresponder uma atitude: absoluta e completa solidariedade da Assemblea para que a situação de Timor, que é preciso resolver, encontre rapidamente a solução que todos desejamos.
Antes de terminar, Sr. Presidente, quero citar aqui a frase de um cientista português, que, embora falecido há poucos anos, já hoje deve considerar-se um clássico da língua e do pensamento. Disse ele um dia que «a obra feita, de si mesma é satisfeita».
Talvez seja assim na grande maioria dos casos: o autor de obra grande e valiosa só na realização da própria, obra encontra satisfação; nem os homens nem os povos suportam facilmente a superioridade de uma grande obra. Mas, felizmente para nós todos, não é assim pelo que respeita ao reconhecimento ele que na condução da política externa do País (e só a essa me refiro agora) o Sr: Presidente do Conselho teve sempre presentes as verdadeiras necessidades e possibilidades da Nação Portuguesa e os grandes princípios da verdade, da justiça e da inteireza.
E não diga S. Ex.ª que «só ao momento político, e, em certa medida, pela calma da consciência pública e pela tranquilidade que cerca o trabalho do Governo, interessa que isso tenha sido percebido e devidamente apreciado pela generalidade do público». Não! Todos nós sabemos que não é assim; e temos a certeza de que a Nação sente, com maior ou menor consciência, mas verdadeiramente sente, quanto há de patriótico, digno e íntegro na política externa do Govêrno.

Página 18

18 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42

Por esta acção e por todas as outras que renovaram a vida portuguesa merece o Sr. Presidente do Conselho mais que aplauso, porque adquiriu direito à solidariedade de nós todos. Merece e tem, estou certo disso, o aplauso e a solidariedade da Nação e do seu órgão de soberania, que é a Assemblea Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Albino dos Beis.

O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente:, em dois dias consecutivos esta Assemblea teve a honra de ouvir a palavra sempre autorizada do Sr. Presidente do Conselho; em dois dias consecutivos o Sr. Presidente do Conselho foi recebido nesta Assemblea, como sempre é recebido, pela sua alta jerarquia, pêlos serviços prestados ao Pais, com o alvoroço e com o carinho que ele sempre encontrou no ambiente desta Assemblea.
Foram dolorosos os motivos que o trouxeram aqui: no primeiro dia, associar-se, em nome do Govêrno, à homenagem ao ilustre Ministro das Obras Públicas e Comunicações, engenheiro Duarte Pacheco, tragicamente vitimado num desastre; no segundo, expor à Câmara os antecedentes do caso dos Açores e a situação actual de Timor; e nunca é agradável para um país ter de assumir posições que lhe possam acarretar perigos e sacrifícios.
Mas isso significa - e eu não quis deixar de sublinhar - que o Sr. Presidente do Conselho, ao subir à tribuna desta Assemblea Nacional, pretendeu que as suas palavras tivessem a maior ressonância na consciência do Pais. E isso honra a Assemblea.
E feita esta anotação, Sr. Presidente, devo dizer a V. Ex.ª que subi à tribuna para apresentar uma moção que, suponho, corresponderá aos votos da Assemblea, como fecho do debate, e farei breves considerações tendentes a justificá-la.
Sr. Presidente: a política externa do País não sofreu, a meu ver, modificação por virtude dos acontecimentos dos Açôres, antes foi o natural desenvolvimento da posição assumida pelo País desde o início do conflito.
A política do Govêrno não tem sido e não é uma política de oportunismo, não mudou de sentido com o evolucionar dos acontecimentos.
O Sr. Presidente do Conselho, logo na primeira vez que a esta tribuna subiu para definir a posição do País perante a aliança inglesa, teve a frase lapidar que traduz a velha lealdade de Portugal com os seus amigos, afirmando que nós somos daqueles que não voltam a cara aos amigos nas horas da adversidade.
O Sr. Presidente do Conselho traçou nessa altura o caminho por onde esta Nação tinha de seguir durante a guerra, caminho esse que era o da honra nacional. E não me parece que outra pudesse ser a atitude de Portugal.
Prosseguir o objectivo de manter a paz dentro do Pais é, efectivamente, uma política que agrada às massas. Mas os responsáveis pela direcção dos povos não podem ter como objectivo o favor dos que acima de tudo defendem a sua tranquilidade, política que agrada às grandes massas. Prosseguir numa política de paz, sim, mas sem esquecer um momento sequer as obrigações que para o País podiam resultar do funcionamento dos compromissos assumidos pelo País.
Êsse era, a meu ver, o único caminho compatível com a honra e dignidade nacionais. Outro seria comprometer o nome português em actos que a história não perdoaria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não é êste o momento oportuno de pôr a tese da aliança britânica. Nem depois da eclosão da guerra ela podia ser discutida sem desaire.
A aliança era um facto, do qual tínhamos de suportar com dignidade as consequências, boas ou más.
E, dentro desta tese, o acto de concessão de facilidades nos Açôres à Inglaterra é apenas uma aplicação da política seguida, desde o princípio da guerra, pelo Governo e pela Nação Portuguesa e não pode ser tomado como uma medida de oportunidade, como uma medida de ocasião contra qualquer dos beligerantes. Esta atitude, que é digna, não agrava ninguém, antes impõe o País ao respeito geral das nações em luta, e pode, pois, com ela manter-se o País em paz, conservando-se relações da melhor correcção com o outro grupo de beligerantes.
Lamentamos que grandes povos que tantos serviços têm prestado à cultura e civilização europeias se entrechoquem numa guerra de destruição o de morte. Mas, cônscios de que não contribuímos em nada para provocar a eclosão desse tremendo conflito, procuramos dentro da sábia política do Govêrno mantermo-nos afastados dele e continuar com os dois grupos beligerantes as relações normais.
Sr. Presidente: esta política não representa sequer um esforço do Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros para se adaptar à evolução dos acontecimentos.
Já aqui foi dito, num discurso pronunciado na Sala dos Passos Perdidos perante oficiais de terra e mar, que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho salientou que um dos elementos de mais alto valor para a renovação e reconstrução moral e material deste País era, efectivamente, a política da aliança com a Inglaterra e que precisamente para a valorizar importava trabalhar.
O que é novo da parte do Sr. Presidente do Conselho é o conceito que ele veio trazer à Nação acerca dag nossas relações com a Inglaterra.
Ao conceito derrotista que o século XIX nos legou e que pode definir-se pela «protecção de um País incapaz», substituiu-se o conceito de uma verdadeira aliança, duma fiel colaboração, mas em perfeito pé de igualdade.
O Sr. Presidente do Conselho disse então que era necessário reagir contra a idea aviltante de que este País era um trambolho impertinente a confessar pelo mundo a sua incapacidade para a luta e para a vida.
Esta concepção política do Sr. Presidente do Conselho no que toca às nossas relações com a Inglaterra, isso é novo; sim, isso reivindicamos para a actual situação política.
Nem aceitou que a aliança com a Inglaterra absorvesse toda a nossa política externa. E dentro dêste pensamento começou, desde logo, a orientar os esforços da sua política para um estrito entendimento com a nossa vizinha Espanha.
Os esforços de S. Ex.ª foram coroados de êxito e vieram a traduzir-se no a bloco peninsular».
Assisti ao acto protocolar donde saiu oficializado o bloco peninsular. Devo dizer a V. Ex.ªs que esse dia foi para mim um dia de verdadeiro contentamento.
Nunca compreendi, velho admirador da história e da cultura de Espanha, como é que as nossas querelas de irmãos haviam de continuar, apesar da nossa comunidade peninsular, a malsinar as nossas relações e a impedir que, por uma leal colaboração, pudéssemos ainda continuar a projectar no mundo a grande silhueta que os nossos dois povos tinham outrora estampado em todos os continentes.
Deve-se esse facto, inteiramente novo na política portuguesa, à visão do Sr. Presidente do Conselho.
E foi ainda há pouco para mim altamente confortante saber, pelas palavras de S. Exa., que a Espanha se excedeu a si própria em compreensão, em espontaneidade,

Página 19

27 DE NOVEMBRO DE 1943 19

em lealdade, a propósito das negociações de Portugal com ela no caso dos Açôres.
Desenvolver, portanto, a política do País dentro das obrigações que a aliança inglesa imponha, integrar essa política como complexo da nossa política externa, onde avultam, como realidades dominantes, o bloco peninsular e a amizade fraternal com o Brasil, foi o trabalho do Sr. Presidente do Conselho, e V. Ex.ªs sabem bem com que êxito ele venceu as dificuldades que teve de enfrentar.
Sr. Presidente: a concessão de facilidades nos Açôres resultou, como já afirmei, do funcionamento da aliança inglesa, e não quero deixar de sublinhar à Assemblea uma passagem do discurso do Sr. Presidente do Conselho que dá bem a medida de como esse acto corresponde aos altos interesses do País.
A certa altura do seu discurso lê-se:

«De pôr-se em funcionamento a aliança, embora parcial e restritamente, mas em tanto quanto o permite a posição fundamental de neutralidade assumida pelo Pais, resultou o revigoramento dos antigos laços e a renovação de garantias militares e políticas, aconselhadas em face de eventuais consequências da nossa situação. Nem por serem confirmação de seguranças dadas em tratados se lhes pode julgar deminuído o valor, sobretudo sabendo-se que pela primeira vez na história das nossas relações alguns dos domínios da comunidade britânica se associaram expressamente ao Reino Unido para prestar as mesmas garantias do respeito pela soberania portuguesa em todo o Império Colonial. E assim procederam também os Estados Unidos da América».

Estas garantias, que o Govêrno Português obteve a propósito da cedência de bases nos Açôres, não podem deixar, nos momentos perturbados que correm, de representar um alto serviço ao nosso País, um alto serviço à eternidade da nossa Pátria e do nosso Império.
Sr. Presidente: no discurso do Sr. Presidente do Conselho há, porém, uma passagem que foi dolorosa para nós de ouvir: é aquela em que S. Ex.ª se refere aos acontecimentos ocorridos em Timor.
Não repetirei as palavras de S. Exa., que tam penosa impressão causaram em todos nós e que cansarão, com certeza também, no País. Mas repetirei o protesto contra a violação da nossa soberania e, sobretudo, contra os atentados e violências de que essa violação tem sido acompanhada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Valerá de alguma cousa êste protesto? Creio que, pelo menos, valerá o testemunho de solidariedade que do alto desta tribuna nós possamos prestar àqueles que foram vítimas dessas violências e atentados.
E já agora seria falta de correcção da nossa parte não sublinhar e acompanhar o Sr. Presidente do Conselho nas palavras de reconhecimento com que se referiu à Austrália pelo carinho e acolhimento que dispensou aos portugueses que tiveram de fugir para o seu território. Para o Govêrno e para o povo da Austrália vão, por isso, os nossos agradecimentos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E já agora, finalmente, quero também referir-me ao Sr. governador de Macau, que, no meio das dificuldades em que a colónia se tem encontrado, tem sabido conduzir-se, segundo a expressão do Sr. Presidente do Conselho, «com inexcedível coragem, bom tato e patriotismo».
Trata-se do comandante Gabriel Teixeira, oficial distinto da nossa marinha de guerra, que foi uma figura brilhante desta Assemblea, onde deixou as mais fundas simpatias.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Sr. Presidente: pêlos discursos que aqui ouvi proferir depois do do Sr. Presidente do Conselho, pêlos aplausos que foram dispensados à atitude governamental, estou absolutamente convencido de que a acção do Govêrno e a política do Ministério dos Negócios Estrangeiros não podem deixar de merecer a V. Ex.ªs a plena aprovação a que têm direito.
Passo a ler a V. Ex.ªs a moção a que há pouco me referi:

«A Assemblea Nacional, tendo ouvido as declarações do Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros e as considerações produzidas no debate que se lhes seguiu, certa de interpretar o sentir geral da Nação, resolve:

1.° Dar a sua plena aprovação à política externa do Govêrno e afirmar-lhe todo o seu apoio na prossecução dos objectivos superiores do interesse nacional e na orientação seguida de manter a neutralidade do Pais, sem prejuízo, antes com respeito, dos nossos compromissos internacionais;
2.º Protestar mais uma vez contra a violação da nossa soberania em Timor e contra as violências e atentados que ali se têm verificado, partilhando o sentir do Govêrno acerca da necessidade de resolver a situação existente:
3.° Saudar a Nação pelo espírito de civismo e de compreensão com que se tem conduzido nas dificuldades presentes e apelar para o sentimento do dever de cada um no sentido de reforçar cada vez mais a unidade nacional».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não se encontra mais ninguém inscrito.
Está encerrado o debate.
Vai votar-se a moção do Sr. Deputado Albino dos Reis Júnior.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade:

O Sr. Presidente: - Vou designar os Srs. Deputados que hão-de constituir a sessão de estudo da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1944. São os seguintes: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, Artur Águedo de Oliveira, Francisco Cardoso de Melo Machado, João Luiz Augusto das Neves, José Dias de Araújo Correia, José Soares da Fonseca, Juvenal Henriques de Araújo, Manuel da Cunha e Costa Marques Mano, Pedro Inácio Alvares Ribeiro e Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
A próxima sessão realizar-se-á no dia 9 de Dezembro e a ordem do dia será uma sessão de estudo da proposta de autorização de receitas e despesas para 1944.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Artur Ribeiro Lopes.
José Luiz da Silva Dias.

Página 20

20 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António Cristo.
Cândido Pamplona Forjaz.
Francisco da Silva Telo da Gama.
João Antunes Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
José Gualberto de Sá Carneiro.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

Propostas de lei a que o Sr. Presidente da Assemblea fez menção:

Proposta de lei de autorização das receitas e despesas, para o ano de 1944

Artigo 1.° Fica o Govêrno autorizado a decretar o Orçamento Geral do Estado para 1944 e, em sua execução, cobrar os impostos e outros rendimentos públicos e obter os demais recursos indispensáveis à realização das despesas nele inscritas, de harmonia com as leis em vigor.
Art. 2.º Fica autorizada igualmente a aplicação das receitas próprias dos serviços autónomos à satisfação das despesas dos mesmos serviços, constante dos respectivos orçamentos devidamente aprovados.
Art. 3.° As taxas da contribuição predial no ano de 1944 serão de 10,5 por cento sobre o rendimento dos prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre o rendimento dos prédios rústicos, com excepção da contribuição predial rústica a incidir nos rendimentos constantes das matrizes cadastrais do concelho de Mafra, cuja taxa será de 8,5 por cento, como foi fixado pelo decreto n.° 33:184, de 4 de Novembro de 1943.
Art. 4.º Continuará a cobrar-se no ano de 1944 o adicionamento de 4 por cento ao imposto sôbre as sucessões e doações a que se refere o artigo 2.° do decreto n.° 19:969, de 29 de Junho de 1931, incidindo aquela taxa sobre o valor dos bens atingidos na liquidação do referido imposto relativamente a cada beneficiário.
§ único. Continuará reduzida a 3 por cento a taxa referida no corpo dêste artigo para as transmissões operadas a favor de descendentes, quando iguais ou inferiores a 5.000$ em relação a cada um deles, podendo o Govêrno elevar êste limite ã 10.000$, «e assim o julgar conveniente.
Art. 5.° O Govêrno manterá durante o ano de 1944 a cobrança do imposto sobre lucros extraordinários de guerra, introduzindo no regime da lei n.° 1:989. as alterações que a prática mostre aconselháveis, e tomará as demais medidas necessárias para assegurar o equilíbrio das coutas públicas e o regular provimento de tesouraria, nomeadamente a redução de despesas públicas, o estabelecimento de adicionais de guerra sobre ias receitas gerais do Estado de carácter tributário e a supressão ou limitação de dotações orçamentais, dando sempre «preferência às realizações que importem maior ocupação de mão de obra.
Art. 6.° No orçamento para 1944 o Govêrno inscreverá as verbas necessárias para, de harmonia com os planos aprovados, continuar ou concluir obras, melhoramentos públicos e aquisições em execução da lei de reconstituïção económica, n.° 1:914, de 24 de Maio de 1935, e iniciar as que, previstas ou não na mesma lei, sejam exigidas pelas necessidades da defesa e segurança nacionais, desenvolvimento da produção e normalização do abastecimento do País na actual emergência.
Art. 7.° Igualmente no orçamento para 1944 o Govêrno inscreverá em despesa extraordinária as verbas necessárias ao pagamento ao Instituto Geográfico e Cadastral das despesas com os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o decreto-lei n.° 31:975 de 20 de Abril de 1942.
Art. 8.° As construções referidas na alínea c) da base viu da lei n.° 1:971, de 15 de Junho de 1938, poderão constar de projectos especiais, ainda que não tenham de preceder os trabalhos de arborização.
§ único. Emquanto se não dispuser de cartas na escala fixada na mencionada base viu, podem os projectos de arborização de serras e dunas ser elaborados sobre as cartas da região na maior escala, em que estejam publicadas.
Art. 9.° O Govêrno inscreverá no orçamento da despesa ordinária para 1944 as verbas necessárias para atribuir aos funcionários e mais servidores do Estado um suplemento de vencimento que constitua compensação parcial do agravamento das condições de vida proveniente do estado de guerra.

Ministério das Finanças, 26 de Novembro de 1943. - O Ministro das Finanças, João Pinto do Costa Leite.

Proposta de lei relativa à definição de competência do Govêrno da metrópole e dos govêrnos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos no ultramar.

De há muito que se faz sentir a necessidade de aperfeiçoar o regime de concessão de terrenos no ultramar. Na verdade é ainda na carta de lei de 9 de Maio de 1901 que se inspiram os regulamentos das colónias de África onde o assunto se revela de mais transcendente importância: o de Moçambique, de 16 de Março de 1918 (decreto n.° 3:983), e o de Angola, de 31 de Maio de 1919 (decreto n.° 3:847-C). Na Guiné o próprio regulamento de 3 de 'Fevereiro de 1938 foi buscar a sua essência ao anterior, de 3 de Dezembro de 1919, que, por sua vez, é simples execução do decreto n.° 3:641, de 29 de Fevereiro de 1917, onde se inscrevem ainda quási todos os princípios fundamentais da carta de lei de 1901.
A iniciativa de um govêrno colonial no sentido de se compilarem num único diploma todas as disposições expedidas em relação à matéria «s no decorrer de longos anos foi aproveitada para se promover a revisão completa de tam importante problema, sôbre o qual incidiu depois meticuloso estudo por parte do Conselho do Império.
As últimas viagens do Ministro das Colónias aos territórios continentais da África Portuguesa demonstraram não só a necessidade como a urgência em se estabelecer uma regulamentação e permitiram esclarecer numerosas questões e aperfeiçoar certos pormenores de acordo com a experiência dos serviços de agrimensura.
Não pode, porém, o trabalho já feito ser publicado sem que a Assemblea Nacional defina a competência do Govêrno da metrópole e dos govêrnos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos, assunto que é da nua exclusiva competência, conforme preceitua o artigo 27.° do Acto Colonial.
Sob êste aspecto restrito o critério adoptado baseia-se, fundamentalmente, no princípio de que não há vantagem para o Estado nem interesse para o concessionário

Página 21

27 DE NOVEMBRO DE 1943 21

em se lhe atribuírem de início grandes áreas, incompatíveis com os recursos e meios de acção de uma empresa nascente! Julga-se, desta arte, que é mais racional garantir a cada um, sem lhes conceder, os terrenos que, além da zona primitiva, se forem tornando precisos à medida que as explorações se desenvolverem e florescerem.
Por outro lado também se esclareceu a competência dos Govêrnos do ultramar estatuída na alínea a), do n.° 11.° do artigo 37.° da Carta Orgânica do Império, distinguindo a dos governadores gerais da dos governadores de colónia, ampliando, como é lógico, a dos primeiros em relação à dos segundos. Previu-se a intervenção dos governadores de província, cargos que não existiam quando da promulgação dos regulamentos anteriores, e definem-se a dos administradores de circunscrição e de conselho.
Finalmente em relação ao Govêrno da metrópole, diferenciou-se a competência do Ministro das Colónias da do Conselho de Ministros, permitindo-se a este a faculdade de outorgar concessões de grandes áreas em regime especial e mediante condições também especiais, a definir para cada caso em harmonia com os superiores interesses da Nação.
Nestas condições, o Govêrno tem a honra de apresentar à Assemblea Nacional a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.º É de 5:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e de 2:500 hectares nas restantes a área, máxima concedível a uma pessoa singular ou colectiva, sem prejuízo do disposto no artigo 3.°
§ 1.° Exceptuam-se os terrenos destinados a criação de gado e indústrias dela derivadas, os quais só podem ser concedidos por arrendamento e até ao limite máximo de 50:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e 25:000 hectares nas restantes.
§ 2.° Havendo concessões por aforamento à mesma pessoa singular ou colectiva, a área de uma nova concessão por aforamento a essa pessoa não poderá exceder a diferença entre a soma das áreas das primeiras e 5:000 ou 2:500 hectares, conforme se tratar ou não de colónia de Govêrno geral.
Art. 2.° Quando seja verificado o aproveitamento completo dos terrenos de concessão com as áreas limites fixadas no artigq 1.°. ou que «ornadas as perfaçam, poderão ser feitas novas concessões à mesma pessoa singular ou colectiva:
a) Até ao limite de 15:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e de 7:500 hectares nas restantes, mas sempre por concessões sucessivas cujas áreas não excedam, respectivamente, 5:000 ou 2:500 hectares, quando se tratar de terrenos destinados a fins diferentes do da criação de gados ou indústrias dela derivadas;
b) Até ao limite de 75:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e de 37:500 nas restantes, em terrenos para criação de gados e indústrias dela derivadas, por arrendamentos sucessivos, cujas áreas não excedam, respectivamente 25:000 e 12:500 hectares.
Art. 3.° A exploração florestal pode ser feita em concessões temporárias ou definitivas em harmonia com o disposto nos artigos seguintes.
Art. 4.° As concessões temporárias serão dadas por prazo e área variável com a natureza dos povoamentos e sua localização, conforme for estabelecido no regulamento, mas não por tempo superior a dez anos nem em área superior à referida no artigo 1.°
§ único. As concessões temporárias poderão ser renovadas e passar, no fim de vinte anos, a definitivas, depois de inquérito acerca da forma por que tenha sido feita a exploração.
Art. 5.º As concessões definitivas de que trata o artigo 4.° ficam sujeitas ao regime geral de concessão de terrenos e ainda ao regime florestal durante os períodos marcados pela autoridade competente.
§ único. A falta de cumprimento das obrigações impostas pelo regime florestal ou a impossibilidade da exploração, no prazo de quinze anos, de toda a área concedida implica a perda da concessão ou a reversão a favor do Estado da zona que não foi explorada nesse prazo.
Art. 6.° Quando se trate de terrenos fora das povoações e seus subúrbios ou que não sirvam para uso exclusivo das populações indígenas, nem para tal fim estejam ou venham a estar destinados, às concessões são feitas por aforamento:
a) Pelo Ministro das Colónias, se a área a conceder fôr superior a 5:000 hectares nas colónias de Govêrno geral ou a 3:000 hectares nas restantes;
b) Pelo governador da colónia, ouvido o Conselho do Govêrno, se a área fôr superior a 2:000 hectares, mas menor do que as referidas na alínea anterior;
c) Pelo governador da colónia, sem necessidade de ouvir o Conselho do Govêrno, se a área fôr inferior a 2:000 hectares.
Art. 7.° São concedíveis mediante arrendamento feito pêlos governadores das colónias, ouvido o Conselho do Govêrno:
a) Os terrenos destinados à criação de gado e a indústrias dela derivadas até aos limites máximos fixados no artigo 1.° e na alínea 1) do artigo 2.°;
b) Os terrenos que, nos termos legais ou regulamentares, só forem ocupáveis por meio de licença especial, a qual será dada por período não superior a cinco anos e renovável por mais três, e até ao limite máximo de 10 hectares para a instalação de salinas e de 1 hectare para outros fins.
Art. 8.° Compete ainda aos governadores das colónias, sem necessidade de ouvir o Conselho do Govêrno:
1.º Conceder, por aforamento, terrenos até aos limites seguintes:
a) Até 2 hectares, nas povoações;
b) Até 5 hectares, nos subúrbios rias povoações classificadas.
2.° Conceder gratuitamente a cada missão católica portuguesa terrenos de 2.ª classe de área não superior a 2:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e a 1:000 hectares nas restantes;
3.° Conceder gratuitamente terrenos a colonos portugueses, nas condições e com as áreas fixadas na legislação especial a êles respeitante;
4.º Conceder gratuitamente, a título precário, sem prazo ou por tempo determinado, a quaisquer corpo» ou corporações administrativas, municipais ou a estabelecimentos portugueses de beneficência, assistência, filantropia, desportos e instrução, desde que estejam legalmente constituídos, terrenos necessários aos seus fins;
5.º Conceder gratuitamente terrenos para aldeamentos indígenas e explorações agrícolas pêlos respectivos habitantes.
Art. 9.º Pode ser permitida, nas condições que forem estabelecidas em regulamento, a demarcação de zonas de extensão destinarias a ampliar as áreas concedidas quando os respectivos concessionários provem ter feito o aproveitamento mínimo dessas áreas e necessitem de novos terrenos para desenvolverem as suas explorações.
§ 1.° As zonas de extensão não podem ter área superior ao triplo da concessão primitiva.
§ 2.° O estabelecimento de uma zona de extensão é facultativo e é das atribuições do Govêrno da colónia, salvo quando a área primitiva tiver sido concedida pelo

Página 22

22 DIÁRIO DAS SESSÕES - N-º 42

Ministro das Colónias, caso em que a êste pertence igualmente autorizar o estabelecimento da zona.
Art. 10.º Compete aos governadores das colónias, ouvido o Conselho do (Govêrno, conceder às respectivas câmaras municipais o foral das vilas e cidades que estiverem em condições de o receber, conforme fôr estabelecido em regulamento.
Art. 11.º Compete aos governadores das colónias fixar, dentro dos limites que forem estabelecidos em regulamento, as áreas a atribuir às concessões a colonos portugueses nas zonas especialmente reservadas a colonização.
Art. 12.º Nas colónias de govêrno geral os governadores de província têm atribuïções para conceder, a título provisório e ouvida a junta provincial, terrenos nas circunstâncias do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do artigo 8.º e cujas áreas não excedam a quinta parte das da competência conferida ao governador geral.
Art. 13.º Os intendentes de distrito, administradores de concelho ou de circunscrição podem conceder por arrendamento anual, renovável a requerimento do interessado, terrenos até 1:000 metros quadrados, para fins comerciais, em povoações de carácter comercial.
§ único. Consideram-se povoações de carácter comercial as concentrações populacionais que possuam determinadas características, consignadas em diploma especial, e, bem assim, as (povoações sedes de concelho ou circunscrição e pôsto administrativo e as estabelecidas junto às estações e apeadeiros de caminho de ferro.
Art. 14.º Em todos os processos de concessão cabe ao governador da colónia dar o despacho para concessão definitiva.
Art. 15.º Por meio de contrato e nas condições que forem julgadas convenientes o Ministro das Colónias, mediante autorização do Conselho de Ministros, pode conceder, provisória ou definitivamente, áreas superiores às estabelecidas nos artigos anteriores, até ao limite máximo de 250:000 hectares.
Ministério das Colónias, 26 de Novembro de 1943. - O Ministro das Colónias, Francisco José Vieira Machado.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×