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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 49

ANO DE 1944 26 DE FEVEREIRO

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 46 DA ASSEMBLEA NACIONAL

EM 25 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a senão às 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usou da palavra o Sr. Deputado Querubim Guimarãis, sobre a oportunidade de ser concedido o subsidio de 20 por cento aos funcionários na situação de reformados.
O Sr. Presidente nomeou os Srs. Deputados que constituirão a comissão de estudo da proposta de lei sobre a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira e sôbre a proposta de lei relativa ao Estatuto da Assistência Social?

Ordem do dia. - Sessão de estudo sôbre a proposta de lei relativa aos lucros das emprêsas de navegação.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas.

CAMARA CORPORATIVA. - Parecer sobre a proposta de lei relativa à rehabilitação dos delinquentes e à jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 48 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados.

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João de Espregueira da Bocha Páris.
João. Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
Juvenal Henriques de Araújo.

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Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Ruí Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Está aberta a se55ão.

Eram 16 horas e 55 minutos.
Leu-se o

Expediente

Representação da comissão administrativa do Grémio da Lavoura de Tarouca contra o projecto da barragem de Dalvares, que a Companhia Hidro-Eléctrica do Norte de Portugal se propõe realizar.
Comunicação da Câmara Municipal de Vila de Rei de que resolveu secundar a representação da Câmara Municipal de Vila Nova de Paiva sobre a manutenção das conservatórias do registo civil.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - A Imprensa Nacional ainda não enviou o Diário da última se55ão, motivo por que não o posso submeter desde já à reclamação de V. Ex.ªs

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta de lei sobre rehabilitação dos delinquentes e jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança. Vem acompanhada do parecer da Câmara Corporativa.
Vai ser publicada no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Querubim Guimarãis.

O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente: tomou o Govêrno em consideração, e muito bem, a situação dos funcionários públicos em relação ao aumento do custo de vida. O eleito produzido em todo o País, e não só na classe dos interessados, foi de inteiro aplauso à resolução governamental. As circunstâncias impunham o subsídio e o Estado mostrou com êsse diploma não esquecer quem o serve. Se o servidor do Estado tem deveres para com êste, tem-nos o Estado igualmente para quem o serve. Mas não tem deveres apenas para quem o serve, porque os tem igualmente para quem o serviu.
Ora nesse diploma atendeu-se exclusivamente aos funcionários que se encontram em actividade; não foram lembrados os servidores do Estado que por fôrça das circunstâncias, da sua idade, esgotamento físico, etc. não puderam continuar a servi-lo.
Não me parece, Sr. Presidente, que a situação de uns divirja da dos outros. Uns servem, outros serviram. E o Estado não pode nem deve esquecer aqueles que o
serviram, aqueles que esgotaram as suas fôrças, passaram a sua vida ao serviço do mesmo Estado.
As bases de ordem moral que presidem a uma regra devem presidir à outra.
O problema de ordem financeira é ao Estado que compete estudá-lo, levando-o a condicionar as cousas de forma que essa classe, que é numerosa, não fique abandonada.
É preciso que o Estado tenha o propósito do velar por esses seus servidores. Não se compreende que uns sejam lembrados e outros esquecidos, puis a uns e a outros afligem as dificuldades da vida, que nos aposentados se agravam pela impossibilidade física de recorrer a outras actividades, na sua quási totalidade.
Além disso, não faz sentido que sejam lembrados para os sacrifícios e esquecidos para os benefícios.
Quando foi do lançamento do imposto de salvação o Govêrno não se esqueceu deles, e para esse imposto contribuíram igualmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também não faz sentido que o Govêrno, na política social que preconiza, no campo das actividades económicas, imponha a obrigação de olhar com justiça para a situação dos trabalhadores que por invalidez ou velhice já não podem trabalhar, e quanto aos seus servidores não tenha a orientá-lo iguais princípios de justiça.
O Estado deve ser o primeiro a dar o exemplo, servir de paradigma.
Sr. Presidente: lembro a V. Ex.ªs, lembro à Assemblea este problema, que é de grande importância, fazendo votos por que o Govêrno lhe dê a única solução que moralmente se impõe.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vou designar os Srs. Deputados que hão-de constituir a sessão de estudo da proposta de lei sôbre a Convenvão Ortográfica Luso-Brasileira.
São os Srs. António Bartolomeu Gromicho, António Rodrigues Cavalheiro, Artur de Oliveira Rumos, Artur Rodrigues Marques de Carvalho, Francisco Eusébio Fernandes Prieto, João Ameal, João Mendes da Costa Amaral, José Manuel da Costa. D. Maria Baptista dos Santos Guardiola, Mário de Albuquerque e Luiz da Cunha Gonçalves.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Agora designo os Srs. Deputados que hão-de constituir a se55ão de estudo da proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social.
São os Srs. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, António Carlos Borges, António Cortês Lobão, Artur Proença Duarte, João Luiz Augusto das Neves, José Alçada Guimarãis, José Maria Braga da Cruz, Luiz Mendes de Matos, Manuel José Ribeiro Ferreira, D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller e Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo.
A próxima sessão é na segunda-feira, 28 do coreate.
A ordem do dia será a discussão, em sessão plenária, da proposta de lei relativa aos lucros das empresas de navegação.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas.

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Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

José Alçada Guimarãis.
Manuel Maria Múrias Júnior.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alexandre de Quental Gaiteiros Veloso.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Angelo César Machado.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cristo.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Cândido Pamplona Forjaz.
João Duarte Marques.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das. Neves.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Clemente Fernandes.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Proposta a que o Sr. Presidente da Assemblea fez menção:

Proposta de lei acerca da reabilitação dos delinquentes e jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança

I

Da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança

1. O problema da jurisdicionalização do cumprimento da pena, isto é, o da intervenção do juiz no seu decurso, vem preocupando penalistas e legisladores. Documentam a veracidade desta afirmação: por um lado, e entre outras, a circunstância de este problema ter eido abordado nos últimos tempos em vários congressos internacionais, designadamente no penitenciário, de Londres, em 1925, no de direito penal, de Palermo, em 1933, e no penal e penitenciário, de Berlim, em 1935; por outro lado, o facto de certas legislações modernas, como v. g. os códigos penais italiano e polaco, ambos de 1930, e a lei espanhola sobre vagabundos e vadios, de 1933, lhe haverem dedicado alguns dos seus preceitos, resolvendo-o em sentido afirmativo.
Pode dizer-se que foram duas as razões que principalmente contribuíram para esta preocupação: a admissão do princípio da individualização da pena e a adopção de medidas de segurança.
Com efeito, desde que na aplicação e execução da pena adquiriram maior relevo fins de prevenção especial, particularmente os de reeducação e de eliminação relativa, logo surgiu a necessidade, para a sua conveniente adequação a cada delinquente, de a sujeitar por vezes a profundas modificações já depois de iniciada a sua execução.
Mas como semelhantes modificações podem praticamente traduzir-se na aplicação de novas penas e a faculdade de punir, pelo menos no âmbito do direito criminal, em regra só a tribunais pertence, pareceu que, por força da lógica e das necessidades, deveria perfilhar-se a orientação de fazer intervir o juiz no decurso do cumprimento da pena.
(Emquanto o cumprimento da pena obedecia a normas rígidas que a mantinham inalterável não havia lugar para chamar os tribunais a nele intervirem.
A execução da pena assumia então carácter puramente administrativo e por isso só às direcções e administrações prisionais devia competir.
Desde que, porém, a pena se individualizou e passou assim a ser sujeita a modificações durante o seu cumprimento, como o único regime conveniente à segurança social e regeneração do delinquente, logieamente se impunha entregar-se a sua execução aos órgãos jurisdicionais. Efectivamente, se só a estes cabe aplicar penas, como os órgãos mais próprios para velar pela defesa social e pela garantia dos direitos individuais, a eles tinha de confiar-se a aplicação das medidas que alteram de facto a pena imposta e que não são mais, afinal, do que novas penas que se vão substituindo àquela.
É o que, por exemplo, saúde com a liberdade condicional, a prorrogação da pena, transferência de reclusos de uma prisão comum para uma prisão especial diferente, com base na maior ou menor capacidade de adaptação social do delinquente, ou na cessação ou manifestação de uma anomalia de carácter, etc.
Todas estas modificações da pena a afectam na sua essência, interessando aos direitos individuais em causa e à segurança social.
Retirá-las às direcções ou administrações prisionais não é, pois, expropriar estas indevidamente, mas entregar aos tribunais funções que só por motivos de oportunidade lhe não foram confiadas desde logo e à medida que se caminhava para a individualização da pena.
Por sua vez a adopção de medidas de segurança veio também contribuir para radicar mais semelhante orientação. É que tais medidas, adaptadas como são ao grau da perigosidade daqueles a quem se aplicam, só podem ser tomadas em decisões, pelo menos, relativamente indeterminadas e sujeitas portanto a futuras alterações de essência.
Assim, o antigo critério, segundo o qual jurisdicto in sola cognitione consistit, entrou em franco declínio por não lhe corresponder já qualquer substractum realístico.
Mas não só as duas razões apontadas justificam tal jurisdicionalização. Outras, e de vária ordem, podem aduzir-se em abono da sua legitimidade.
Deste modo é lícito alegar que, fazendo intervir o juiz no cumprimento tanto das penas como das medidas de segurança, mais sólidas garantias se oferecem à sociedade e aos delinquentes, visto, por um lado, a actividade dos órgãos judiciais se achar pautada na lei com maior minúcia que a dos órgãos administrativos e por outro, estar sujeita a uma disciplina mais rigorosa.
Depois pode ainda afirmar-se que assim como é o juiz quem intervém superiormente no cumprimento das sanções aplicadas a delinquentes menores, assim também deve ser ele a intervir superiormente no cumprimento das sanções aplicadas a criminosos adultos. Por outras palavras: da analogia de situações poderá deduzir-se a analogia de regimes.

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Do que se trata exposto pode extrair-se a firme ilação de que a jurisdicionalização da pena e da medida de segurança se justifica, quer quando encarada à luz dos princípios, quer quando apreciada de harmonia com as conveniências da prática.
Bem se compreende, portanto, que no Congresso Penal e Penitenciário Internacional de Berlim, em 1935, a umanidade de opinião sôbre a necessidade da juricionalização fôsse tal que, dada como assente; o tema proposto sòmente versava sôbre os limites em que devia ser reconhecida.
¿ Não haverá porém, em relação ao direito português, fortes razões que se opunham à jurisdicionalização e aconselhem antes a manutenção do sistema presentemente em vigor?
¿ Não será preferível que a execução da pena e da medida de segurança continue, como até aqui, exclusivamente confiada a órgãos administrativos?
Afigura-se que não.
Em primeiro lugar não deve esquecer-se que o nosso direito acolheu o princípio da individualização da pena. Com efeito, outra significação não pode ter a existência da suspensão condicional da pena (lei de 6 de Julho de 1893 e decreto-lei n.º 29 636, de 27 de Maio de 1939), do regime progressivo para a execução das longas penas privativas de liberdade (decreto-lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936 - Reorganização dos Serviços Prisionais), da prorrogação das penas aplicadas a criminosos de difícil correcção, da liberdade condicional e do indulto (tudo referido também no mesmo diploma).
Sendo assim, valem aqui as considerações de ordem geral precedentemente feitas.
Depois, não se andará fora da verdade afirmando que o citado decreto-lei n.º 26:643 lançou, pelo menos implicitamente, as bases da jurisdicionalização. É o que resulta da demarcação, nìtidamente estabelecida, entre as atribuições dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais e as do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça.
Entre estas últimas figuram, além de outras, as relativas à prorrogação de penas aplicadas a criminosos de difícil correcção, à concessão de liberdade condicionais, à sua revogação, em caso de não cumprimento das condições impostas, e a indultos. Quere dizer: O Conselho Superior dos Serviços Criminais e o Ministro intervêm, afinal, pelo menos, nas medidas modificadoras da pena que mais põem em jogo a segurança social e em mais alto grau podem interessar aos condenados. Mas se assim é, se as mais importantes medidas modificadoras da pena não entram no âmbito das atribuições dos orgãos directivos dos estabelecimentos prisionais, é de concluir que a jurisdicionalização, além de ser lógica, está também extraordináriamente facilitada, visto os actos sôbre que deve incidir se acharem já de certo modo desintegrados do âmbito específico da administração prisional.
Por conseguinte, introduzi-la no direito português é apenas sancionar uma orientação que está implícita no princípio da individualização da pena - há já muito nêle consagrado - e encontra clima legislativo propício para a sua efectiva execução prática.
Só razões de carácter transitório podem explicar, pois, que se não designassem logo tribunais para aplicação destas medidas e fôssem confiadas a orgãos administrativos.
A jurisdicionalização não é assim uma completa innovação, mas um natural complemento da Reforma Prisional e que esta deixava já antever.

2. A juridiscionalização, a que se tem aludido, suscita, porém, dois problemas de grande delicadeza e que cumpre analisar em separado: um é o da determinação sua amplitude, outro o da designação do órgão judicial que, em concreto, a deve realizar.
Analisemos aqui o apontado em primeiro lugar:
A jurisdicionalização não significa, de modo algum, a entrega pura e simples a órgãos judiciais das funções respeitantes á organização e vida prisionais, até aqui confiadas a orgãos administrativos.
A jurisdicionalizão requere uma certa medida, sem o que poderá dar lugar ao excesso oposto, não menos condenável, de invadir a esfera normal dos órgãos administrativos, com prejuizo do seu bom funcionamento e do seu prestígio. Quere dizer: não se reduz a uma mera transferência de funções. É que os juízes - para só apontar um inconveniente - têm uma formação e adquirem tendências de espírito que naturalmente os afastam de funções por sua natureza mais pedagógicas ou administrativas do que juridiscionais.
Como nota Paul Cornil (Actes da Congrés Pènal et Penitentiare International de Berlin, Aout 1935, vol. II, p. 14) «réeduquer un déliquant, guérir un psychopate, reclasser un détenu, autant de tâches Qui demandent une préparation fort different de celle qu'acquièrent les juristes».
Do que acaba de dizer-se uma conclusão logo se tira: a de que a jurisdicionalização não pode abarcar todos os actos respeitantes à execução da pena e da medida de segurança. Alguns devem passar para a competência de órgãos judiciais; outros porém de vem manter-se na competência de órgãos administrativos.
Quais devam ser da competência de uns e quais devam ser da competência de outros é o que cumpre averiguar agora.
Como sucede a muitas investigações da natureza desta, importantes divergências se têm verificado nos resultados apurados por penalistas e por legisladores.
Para prova da primeira afirmação basta Ter presentes as várias comunicações apresentadas no Congresso Penal e Penitenciário Internacional, realizado em Berlim, em Agosto de 1935, a propósito da questão de saber «qual ser a competência do juiz penal na execução das penas» (cif. Actes, vol, II, pp. I a 120).
Assim, por exemplo, emquanto Hugueney (cuja tese se circunscreve às realidades do direito francês) entende que só poderão confiar-se ao juiz a concessão e a revogação de liberdades condicionais; JonescoDolj acha que para perfeita reaização da jurisdicionalização - sem conflitos entre autoridades judiciais e autoridades administrativas-, devem as prisões tornar-se anexos das instâncias de julgamento e o seu respectivo pessoal superior integrar-se no corpo da magistratura, passando aquelas, dêste modo, a ser dirigidas por magistrados delegados.
Para prova da Segunda afirmação - divergências entre as orientações consagradas nas legislações - basta também Ter presentes as soluções legislativas de alguns países sôbre o problema em exame.
Assim o direito italiano (Código Penal, Código de Processo Penal e regulamento penitenciário) atribue ao juiz que intervém na fase executiva da pena duas ordem de funções - umas deliberativas, outras meramente consultivas. Pertencem às primeiras, entre outras, a de determinar a mudança da prisão especial designada pelo tribunal de julgamento, a de indicar as medidas a adoptar em relação a condenados inadaptados à vida prisional em comum, a de resolver as queixas apresentadas pelos reclusos respeitantes a salários do seu trabalho ou a despesas com a sua sustentação em caso de doença que os impossibilite de serem postos em liberdade no dia da expiação da pena, a de declarar a inadmissibilidade dos pedidos de liberdade condicional, bem como a modificação das suas condições. Pertence às segundas, por exemplo a de emitir

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parecer sobre pedidos de liberdade condicional e propostas de indulto.
Mas já outros direitos dão diferente amplitude à jurisdicionalização. E o que acontece, v. g., com a lei belga de defesa social, de 1930, por força da qual são unicamente jurisdicionalizadas as modificações a introduzir nas penas aplicadas a anormais. De harmonia com a mesma lei, podem também os delinquentes habituais requerer ao tribunal da condenação que não lhes sejam prorrogadas as respectivas penas.
O que fica dito demonstra, com suficiente eloquência, a tese de que a solução do problema da amplitude da jurisdicionalização varia, como sé referiu, não só de autor para autor, mas também de país para país, consoante os respectivos sistemas legislativos e o estado de organização dos competentes serviços prisionais.
¿Em que medida deve ser este problema resolvido no direito português? ¿Que actos devem passar para a competência de órgãos judiciais e que actos devem continuar na competência dos órgãos administrativos?
Pode dizer-se que, depois das considerações já produzidas é relativamente fácil encontrar a solução.
Como já se disse, não se acha incluída pela legislação em vigor na competência dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais - mas sim na do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça - a aplicação das principais medidas reguladoras da individualização. Isto é, o facto de a aplicação de tais medida* ter sido confiada a organismos diferentes dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais constitue como que um anúncio da verdadeira jurisdicionalização e uma indicação dos seus limites.
Desta maneira tudo ficará definitivamente arrumado com uma pura transferência de funções - do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro para os órgãos judiciais encarregados da jurisdicionalização que se pretende estabelecer.
Abranger-se-á, pois, a concessão de liberdades condicionais. E não p ode admitir-se, em bom rigor, uma jurisdicionalização de execução da pena e da medida de segurança que não compreenda tal concessão.
Neste ponto a solução dá presente proposta vai mais longe que a do Código italiano atrás referida e segundo a qual o juiz declara a inadmissibilidade de pedidos de liberdade condicional, mas, tratando-se de a conceder, só pode dar parecer favorável à concessão, reservada ao Ministro da Justiça.
Parece mais rigoroso que a jurisdicionalização inclua a concessão de liberdade condicional. Como escreve Léon Bélym (Revue de droit pénal et criminologie, 1934, vol. II, p. 486) «a liberdade condicional não é unia simples recompensa, mas um direito estrito que deve caber a todo o detido que satisfaça às condições legais, dando por esse motivo lugar a um exame e discussão que entram essencialmente na competência judiciária. Ela tem, de resto, por efeito substituir a pena fixada pelo juiz por outra de têrmo diferente, substituição que se não justifica fora da acção daquele».
Por isso, à semelhança da orientação consagrada, entre outros, no Código Penal Brasileiro de 1940 é no projecto do Código Penal Francês, deve ela ser. reservada unicamente aos órgãos judiciais que hão-de intervir na execução.
No que respeita à concessão de indultos, convém que a intervenção daqueles órgãos tenha mero carácter consultivo. O indulto, como faculdade graciosa do Poder - embora não arbitrária e antes sujeita a. determinadas condições -, só pelo Governo pode ser concedido.

3. Mas, como se disse já, a jurisdicionalização suscita um outro problema, além do que ficou analisado.
Trata-se de saber através de que órgão ou órgãos judiciais deve ser realizada.
Duas soluções são, em princípio, defensáveis - a de confiá-la a tribunais ordinários; a de entregá-la a tribunais especiais.
A primeira ainda pode apresentar duas modalidades, consoante intervenha na execução o tribunal do lugar da condenação ou o tribunal do lugar do estabelecimento prisional onde se encontre o delinquente.
Em favor da primeira - a que opta pelo tribunal do lugar da condenação - invoca-se a circunstância de ser este órgão que dispõe de conhecimento mais completo dos factores sociais e individuais do crime, os quais se têm precisamente em couta na determinação da pena a aplicar e cumprir. Contra ela, porém, pode invocar-se o facto de a, aplicação das medidas modificadoras da pena não dispensar o contacto directo com o recluso, visto serem, em regra, insuficientes os elementos obtidos apenas através dos dossiers e boletins prisionais. Deste modo, para que semelhante tribunal desempenhasse por forma satisfatória tais funções, seriam indispensáveis frequentes deslocações do respectivo pessoal aos estabelecimentos prisionais onde só encontrassem os vários delinquentes, o que, pela sua total impraticabilidade, torna o sistema indefensável.
Em benefício da segunda - a que opta pelo tribunal do lugar do estabelecimento prisional - diz-se que, por um lado, goza êsse órgão das vantagens do tribunal do lugar da condenação, sem, por outro, enfermar dos seus inconvenientes.
Na verdade, tem possibilidade - tal como o tribunal do lugar da condenação- de conhecer os factores sociais e individuais do crime, para tanto bastando que; requisite o processo onde se achem devidamente documentados, o processo em que a questão foi instruída e decidida.
Além disso, pelo contacto directo com os reclusos é-lhe extremamente fácil - o que já não sucede com o tribunal do lugar da condenação - averiguar das particularidades das suas psicologias e bem assim da influência sobre eles exercida pela actuação das sanções penais.
São, porém, poucos os partidários da tese que manda realizar a jurisdicionalização por meio dos tribunais ordinários.
É que pode opor-se-lhe a objecção de um tribunal ordinário só muito dificilmente poder desempenhar essas funções, já pela sua normal acumulação de serviço, já ainda pelas diligências prévias que o exercício daquelas requere.
Aparece, portanto, como mais favorável a solução em segundo lugar apontada, e de harmonia com a qual deve a jurisdicionalização ser confiada a tribunais especiais. É esta, aliás, a solução uniforme nas legislações.
Notam-se ainda certas divergências entre as diversas legislações.
Assim, emquanto algumas entregam a jurisdicionalização a tribunais mixtos ou colegiais - de que são exemplo as comissões judiciárias da lei belga de defesa social, constituídas por um juiz de carreira, um médico e um advogado -, outras, como o Código Penai Italiano, optam pelo sistema de um juiz de carreira, o juiz de vigilância, com a jurisdição sobre estabelecimentos prisionais compreendidos numa certa área.
Assente que é pelos tribunais especiais que convém optar, ¿qual a modalidade que deve considerar-se preferível: a dos tribunais mixtos ou colegiais (melhor seria talvez dizer tribunais colectivos) ou a dos juizes singulares?

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Qualquer dos dois tipos de tribunais especiais adoptados nas leis estrangeiras, ou o do juiz de vigilância ou o das comissões judiciárias, parece aceitável.
Contra êste último sistema pode dizer-se que é de mais difícil execução, por implicar a colaboração de várias entidades, com prejuízo do funcionamento prático do tribunal. Pode acrescentar-se que a colaboração de elementos estranhos de carácter técnico se alcança com a consulta aos Institutos de Criminologia ou a outros serviços de análoga natureza e que, assim, a decisão do juiz não sê firmará somente numa impressão pessoal, mas em todo o processo informativo dos serviços técnicos prisionais.
Em todo o caso julgou-se preferível adoptar na presente proposta um sistema mixto, com a instituição de juizes singulares de execução das penas, de cujas deeisões, porém, haveria recurso, nas hipóteses mais graves, para tribunais colectivos, cuja composição se fixaria em regulamento. Estes poderão contribuir para corrigir qualquer possível deficiência da decisão da 1.ª instância naquelas matérias em que as necessidades de defesa social ou os interesses dos particulares podem justificar uma mais larga ponderação.
De toda a maneira estes juizes deverão ter a possibilidade de obter um directo conhecimento do preso, sendo desejável que controlem por êsse meio os elementos de informação constantes dos respectivos processos.

II

Da rehabilitação

4. Tal como a respeito do cumprimento da pena e da medida de segurança, também a propósito da rehabilitação, restituição ao condenado da sua capacidade de direitos, bom nome e dignidade afectados pela pena é feito pôr o problema da jurisdicionalização.
Quere dizer: à semelhança do que acontece eom o cumprimento da pena e da medida de segurança, è igualmente legítimo preguntar se a concessão da rehabilitação deve ser da competência de órgãos administrativos ou de órgãos judiciais.
Perfilha-se aqui a segunda solução.
Assentando a rehabilitação na emenda do condenado, ela suscita a um tempo dois interesses igualmente importantes, que carecem de ser convenientemente tutelados: o interêsse individual e o da defesa social.
Ora o processo administrativo, dada a maior descricionaridade de que gozam os órgãos da administração, presta-se mais a apreciações inconsideradas.
E esta orientação torna-se tanto mais plausível quanto é certo que uma tendência bem vincada se nota, já na doutrina, já nas legislações, no sentido de alargar o benefício da rehabilitação a condenados a quem ela outrora não podia de modo algum estender-se, condicionando, todavia, semelhante alargamento à verificação de determinados requisitos, que assim lhe imprimem um cunho de maior legalidade.
Desde que a rehabilitação deixou de ser um puro e arbitrário favor do poder soberano, que se confundia com as demais medidas de indulgência, para passar a constituir antes um verdadeiro direito de que todos podem tornar-se titulares, desde, que para isso reunam as condições fixadas na lei, parece dever, lógica e naturalmente, concluir-se que deverão os tribunais intervir na apreciação e decisão das várias questões dela emergentes.
Mas ainda um outro argumento é lícito alegar em favor desta orientação. Deduz-se êle da própria essência do instituto e pode apresentar-se assim: se a rehabilitação se traduz sempre na eliminação, total ou parcial, dos efeitos produzidos pela condenação penal e se esta só por tribunais pode ser proferida, é razoável que se não siga caminho diferente para a concessão daquela.
E, na verdade, ou fôsse pela lógica e justeza das considerações que ficam expendidas, ou fosse também por outras quaisquer razões, o certo é que a rehabilitação, que de simples manifestação de clemência do poder real passara a ser depois, e sucessivamente, instituição municipal e instituição administrativa, cedo entrou a ser consagrada na legislação como autêntica instituição judiciária.
Assim sucedeu v. g. em França, onde a rehabilitação, instituição a um tempo judiciária, administrativa e governamental, consagrada no Código de Instrução Criminal, foi totalmente jurisdicionalizada pela lei de 14 de Agosto de 1880. E direcção análoga se acha firmada também no direito de outros países: é o que se verifica designadamente na Itália (Código Penal, artigos 179.º e 180.º, e Código de Processo Penal, artigos 097.º e seguintes) e na Suíça (Código Penal, artigos 76.º e 81.º). No mesmo sentido pode citar-se o Código Penal Polaco, artigo 90.º
É também esta a orientação que aqui se preconiza.
No decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, que remodelou os serviços do registo criminal, toma já vulto entre nós a concepção da rehabilitação como medida de protecção a delinquentes emendados, e não como acto de mero favor.
A presente proposta tem em vista dar mais um passo nesta matéria, garantindo jurisdicionalmente o direito à rehabilitação.

5. A rehabilitação que se deixou referida, quer seja concedida por autoridades administrativas, quer seja concedida por autoridades judiciais, assenta fundamentalmente na boa conduta do condenado depois do cumprimento ou da extinção da pena. Quere dizer: só é concedida após se teor averiguado em processo - para tal fim propositadamente instaurado e instruído - que o condenado teve de facto boa conduta.
Ao lado dela, porém, uma outra rehabilitação revelam as leis de alguns países: a chamada rehabilitação legal ou de direito.
Trata-se, como a própria expressão inculca, de rehabilitação que se opera pelo decurso de certo lapso de tempo, desde que durante ele o condenado não tenha sofrido nova condenação.
São, como se vê, modalidades distintas, pois, emquanto na primeira se tornam necessários para a concessão o pedido do condenado, a prova - a fazer por meio de inquérito - de que se verificam todas as condições postuladas na lei (v. g. a boa conduta do mesmo condenado) e por fim a apreciação e decisão da entidade competente para a conceder, na segunda exige-se apenas que, dentro de certo prazo, não tenha sido proferida nova condenação penal.
Esta modalidade - a de rehabilitação legal ou de direito - foi introduzida no direito francês, a primeira vez, pela lei de 26 de Março de 1891, mas só para a hipótese de se tratar de pena cuja execução ficara

1 A palavra «rehabilitação» pode ser empregada, pelo menos, em três acepções, para designar a reintegração do condenado, julgado inocente em consequência de revisão extraordinária da decisão condenatória, no seu estado de direito anterior à condenação; para referir a situação do condenado, cuja pena, condicionalmente suspensa, ficou extinta devido à sua boa conduta durante o prazo de suspensão; finalmente, para abranger a eliminação de todos ou de parte dos efeitos de uma condenação criminal em consequência de boa conduta posterior do condenado. Quando aqui se fala de rehabilitação, emprega-se sempre a palavra na sua ultima acepção, que é também aquela em que costuma ser usada no âmbito do direito criminal.

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condicionalmente suspensa. Posteriormente, porém,, e mercê das leis de 5 de Agosto de 1899 e 11 de Julho de 1900 sôbre o registo criminal, foi estabelecida como medida geral. Mais tarde (1906) teve a sua consagração no direito italiano. Também em Portugal foi ela admitida, embora com restritos efeitos e aplicação, tanto no decreto de 17 de Março de 1906 como no decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936 (artigos 27.º, 28.º e 29.º), ambos sôbre o registo criminal.
Decorrido certo prazo sôbre o cumprimento da pena, variável conforme a gravidade desta, deixa ela de constar dos certificados do registo criminal. E, decorridos sobre esses novos prazos, a condenação é havida como totalmente extinta, produzindo-se, assim, por simples acção do tempo e mecanicamente, o mesmo efeito que com a Rehabilitação concedida com base na boa conduta do condenado.
Daí a sua designação de rehabilitação legal ou de direito.
Com ela aproveitam todos os delinquentes, incluindo os habituais e profissionais do crime, embora para estes, como para condenados em pena prescrita, o prazo seja mais longo.
Entre nós não se foi tam longe, e apenas sob a forma de cancelamento parcial e em favor de condenados uma só vez ela foi admitida.
Sob nenhuma das formas indicadas a rehabilitação automática parece de aceitar. De facto, emquanto, pelo menos, à modalidade de cancelamento total da condenação, nada a justifica, uma vez que nos mesmos prazos, ou em prazos até mais curtos, o condenado pode requerer a sua rehabilitação, provando a sua boa conduta. A rehabilitação legal é, assim, desnecessária e só traz o inconveniente de cancelar o registo criminal aos mais temíveis delinquentes, ou indivíduos que depois do seu crime continuaram entregues a uma vida de depravação ou imoralidade, colocando-os injustamente em igualdade de posição com os regenerados e prejudicando a defesa da sociedade.
Invoca-se em seu abono a circunstância de a rehabilitação concedida por autoridades administrativas ou judiciais implicar, por vezes, dada a circunstância de ser precedida de inquérito sôbre a conduta do rehabilitado, uma indiscreta publicidade, que bastante o pode prejudicar na reputação em que socialmente é tido. Ora - dizem os partidários da sua admissibilidade - tal inconveniente não se verifica com a rehabilitação legal ou de direito.
É certo que, frequentes vezes, os inquéritos são feitos sem critério e discrição, de sorte, que não só não se averigua o que interessa apurar, como ainda se vexa o rehabilitando.
Mas de tal estado de cousas só pode extrair-se o seu legítimo corolário - o de que é necessário dar aos inquéritos outra orientação, rodeando-se o processo do maior sigilo.
Porque o agente não sofreu outra condenação, não pode concluir-se que o seu procedimento mereça o esquecimento da punição anterior. «Pode êste procedimento não sair, de facto, sob a alçada da lei criminal, ou porque o agente foi suficientemente hábil,, para evitar a sua aplicação, ou porque, continuando a ser imoral, não voltou a ser criminoso. Rehabilitá-lo, nestas condições, é não só um contrasenso, como socialmente um perigo, porque se vai apresentar como digno de confiança e com um passado limpo quem o não tem e não merece que se dê como esquecido o seu verdadeiro passados (vide Prof. Dr. Beleza dos Santos, Delinquentes habituais, vadios e equiparados no direito português, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 71.º, p. 386).
Por isso bem se compreende que u doutrina e as leis modernas, de que é exemplo o Código Penal italiano de 1930 (artigos 178.º e seguintes), só admitam a rehabilitação judicial em consequência da prova de boa conduta do condenado durante um certo tempo (vide Donnedieu de Vabres, obra e lugares citados, e Manzini, Tratado, vol. m, p. 603).
Ao cancelamento parcial adoptado na nossa lei não se podem apor, com a mesma força, críticas idênticas, visto só aproveitar a primários e ter ainda uma repercussão menor sobre o interesse público. Mas as considerações precedentes conduzem logicamente à conclusão de que, mesmo nestes limitados termos, não é de manter.
Preconiza-se, por isso, aqui a abolição, pura e simples, da rehabilitação de direito.

6. É comum aos códigos penais modernos a sujeição da rehabilitação aos requisitos de:
a) O decurso de um certo prazo após a expiação ou a extinção da pena;
b) A prova da boa conduta do condenado durante o prazo;
c) A prova do pagamento da indemnização ao ofendido, quando houver lugar a ela, ou da falta de meios que o impossibilite.
Notam-se, porém, sensíveis divergências quanto:
1.º Aos delinquentes admitidos a beneficiar dela;
2.º Ao carácter da rehabilitação, como revogável ou definitiva;
3.º Aos seus efeitos;
4.º A extensão dos prazos;
5.º Ao tribunal competente.

7. Durante muito tempo não foi admissível a rehabilitação de todos os criminosos.
As primeiras leis de rehabilitação reservaram-na a delinquentes primários que houvessem cumprido a pena, excluindo os habituais, por tendência, e o caso de pena extinta por prescrição.
Pode, no entanto, afirmar-se que, a partir da segunda metade, do século passado, entrou a alargar-se a esfera da sua aplicação, sendo hoje raros os países com leis penais actualizadas que não acompanhassem esta evolução.
Assim, em França, depois da publicação da lei de 14 de Agosto de 1885, passou a poder ser concedida a reincidentes; e, posteriormente à publicação da lei de 10 de Março de 1898, a condenados acêrca dos quais se dera a prescrição dá pena aplicada, e bem assim a delinquentes que, tendo sido rehabilitados uma vez, cometeram mais tarde novo delito.
Mais progressivo é ainda o Código Penal Italiano, de harmonia com o qual, além dos reincidentes, podem beneficiar da rehabilitação inclusivamente os delinquentes habituais e por tendência.
A única diferença que se nota nas leis penais modernas é referente ao prazo para requerer a rehabilitação, em regra elevada ao dobro para certos reincidentes e habituais. Esse mesmo prazo foi, de começo, também exigido para condenados em pena prescrita, mas os códigos modernos com justa razão o não mantiveram, visto nada justificar uma maior desconfiança e desfavor para esses condenados quando tenham dado provas de bom comportamento.
Na verdade o problema não oferece relativamente a estes dificuldades importantes.
Em primeiro lugar, pode muito bem acontecer que eles não tenham fugido ao cumprimento da pena e antes hajam ignorado - v. g. por ausência - a existência da condenação proferida. Mas, ainda que assim não suceda, nenhuma razão aconselha a proibição do benefício da rehabilitação, uma vez que o condenado,

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dentro do lapso de tempo estabelecido, haja tido sempre boa conduta, devidamente comprovada. Quando muito poderiam tornar-se mais gravosas as condições para a respectiva concessão.
Em relação aos reincidentes e, de uma maneira geral, aos condenados por mais do que um crime, também nada se opõe a que lhes seja extensiva. Na verdade, apesar de terem delinquído mais de uma vez, a sua adaptação a uma vida socialmente correcta continua a ser possível. Dever-se-ão, porém, estabelecer condições mais apertadas para tal concessão.
No que respeita aos que, tendo sido rehabilitados uma vez, cometerem mais - tarde novo delito, são de invocar mutatis mutandis ias mesmas considerações.
E quanto a habituais ou por tendência, análoga orientação está em harmonia com o direito penal moderno, que, embora sujeitando esses delinquentes a penas mais longas e a um regime de maior severidade, confia sempre na sua possível adaptação social, isentando-os de prorrogação de pena e admitindo-os a liberdade condicional, quando se mostrem inofensivos ou se presumam socialmente adaptáveis.
Nada justificaria, pois, negar-lhes a rehabilitação, porque são exactamente esses delinquentes, pela desconfiança de que são rodeados, que mais carecem de amparo nos seus bons esforços de emenda e adaptação à vida honesta.
Simplesmente deverá sujeitar-se a rehabilitação a um mais rigoroso tratamento.
Em face do exposto, julga-se que o alargamento, por via legislativa, da rehabilitação representa a simples consagração de directrizes que estão de acordo com a evolução do instituto e podem, além disso, produzir eficazes resultados práticos.

8. Há ainda que mencionar determinados casos, que, pela sua especialidade, exigem uni tratamento diferente ou explicações complementares.
O primeiro destes casos é o da rehabilitação de menores delinquentes.
Segundo o artigo 34.º do decreto-lei n.º 27:3Q4, para, nenhum efeito, salvo, em certas hipóteses, para instrução de processos crimes, podem transcrever-se nos certificados do registo criminal quaisquer inscrições penais relativas a menores delinquentes.
Pode preguntar-se se não deverá admitir-se também uma rehabilitação para estes menores, em que condições e com que efeitos.
Mas esta forma de rehabilitação tem o seu lugar próprio nas leis especiais de menores delinquentes, em cuja reforma se trabalha e na qual será apreciada.
Outro caso é o dos absolvidos, não pronunciados ou despronunciados, suspeitos de crimes.
Tendo de constar sempre do certificado do registo criminal, para concurso a cargos públicos, as inscrições de despronúncia ou absolvições (decreto-lei n.º 27:304, artigos 28.º e 31.º), estas podem comprometer a reputação dos interessados, prejudicando-os na sua pretensão.
Mas, quanto a estes, não se põe o problema da rehabilitação, visto que não foram condenados.
A salvaguarda da sua reputação, que pode ser prejudicada pela publicidade do registo criminal ou policial, deverá assentar, se for admissível, na limitação do conteúdo dos respectivos certificados, o que é matéria do organização daquele registo.

9. Quanto à possibilidade de sucessivas rehabilitações, o Código Penal Brasileiro segue também uma orientação rigorosa, não admitindo que, uma vez revogada a rehabilitação por nova condenação em pena privativa de liberdade, possa ser novamente concedida.
A mesma orientação seguira o projecto do Código Penai Italiano, mas foi posta de lado, não transitando para o Código, o qual, sendo a êsse respeito omisso, se considera como autorizando sucessivas rehabilitações. Apreciando esta matéria, escrevem Santelti-di Falco (Commento teorico-prático del nuovo Códice Penale, v. II, pp. 50 e 51): «Essa disposição (do projecto) destinava-se a evitar situações contraditórias, como seria a de um delinquente rehabilitado por duas vezes. Mas tal norma, por demasiado rigorosa, foi suprimida. Não é de excluir nomeadamente a possibilidade de regeneração após uma segunda infracção cometida depois de obtida, pela primeira vez, a rehabilitação. Para prevenir os inconvenientes resultantes da latitude do critério que informa o instituto basta a boa prudência do julgador».
Nenhuma restrição se encontra também nos restantes códigos penais.
Afigura-se que só esta ampla orientação é aconselhável, já porque a defesa social não é mais comprometida com uma nova rehabilitação, já porque seria votar o condenado a um absoluto desinteresse por nova tentativa de emenda. De resto, não é muito coerente conceder a rehabilitação a reincidentes e recusá-la só pelo facto de haverem sido rehabilitados.

10. Acêrca do carácter da rehabilitação três sistemas se encontram nas
legislações:
a) Rehabilitação imediatamente definitiva;
b) Rehabilitação provisória, seguida de rehabilitação definitiva;
c) Rehabilitação sempre revogável.
Seguem o primeiro sistema os códigos penais: polaco, de 19 de Outubro de 1930, e suiço, de 21 de Dezembro de 1937. Era já o sistema adoptado na lei francesa de 14 de Agosto de 1885 (o Código de Instrução Criminal perfilhava o terceiro sistema).
O segundo foi aceite pelo Código Penal Italiano, de 19 de Outubro de 1930. O terceiro pelo recente Código Penal Brasileiro, de 12 de Setembro de 1940, e pela Reforma Penal de Espanha, de 1932.
Emquanto que no primeiro sistema, como o seu título indica, a rehabilitação é desde logo definitiva, no segundo, na modalidade adoptada pelo Código Italiano, só reveste esse carácter como anos depois de concedida, se durante esse prazo o rehabilitado não incorrer em nova condenação, em pena não inferior a três anos de reclusão; é no terceiro é sempre caducável desde que pese sôbre o rehabilitado nova condenação ou em qualquer pena-privativa de liberdade, como se estabelece no Código Penal Brasileiro, ou por crime previsto sob o mesmo título daquele a que a rehabilitação respeitou, segundo dispõe a Reforma Penal Espanhola.
A primeira vista parece mais conforme à defesa social a rehabilitação sempre revogável. Por um lado, a prática de um crime vem denunciar que a adaptação social não foi completa e definitiva e que assim é útil entrar em conta com a condenação anterior e, por outro, parece injusto conservar ao rehabilitado os direitos que lhe foram restituídos. Pode ainda dizer-se que tal forma é a que oferece melhor estímulo contra novos crimes.
Em favor, porém, da rehabilitação provisória seguida de definitiva é possível alegar razões não menos decisivas. Há que atender em primeiro lugar a que o período de tempo exigido para a concessão da rehabilitação junto àquele durante o qual ela se conserva revogável é suficientemente longo para, no caso de novo crime, estar excluída a reincidência. Não estão em si mesmas afastadas, é certo, as regras legais da sucessão de crimes e da habitualidade, mas pode dizer-se que o novo crime aparece como um acto sem ligação com os crimes anteriores, digamos, como uma manifestação

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de delinquência inteiramente nova, que, por isso, só em si, deve ser punida e apreciada sem o rigor da sucessão e habitualidade. For conseguinte, parece não poder acusar-se essa forma de rehabilitação de mais comprometedora para a defesa social, sobretudo alongando-se o prazo da concessão e o da revogabilidade para os delinquentes mais perigosos.
Em segundo lugar, esta é a forma que imprime à rehabilitação maior estabilidade e que insufla maior incentivo de regeneração ao delinquente, pelas maiores garantias que lhe assegura.
Em conclusão, portanto, sob o aspecto da defesa social, a rehabilitação de que nos estamos ocupando não é sensivelmente mais comprometedora do que a primeira; a suposta injustiça de manter ao rehabilitado os direitos restituídos não existe, porque a sanção pelo novo crime lhos retirará novamente; e, finalmente, não procede o argumento em terceiro lugar apontado em favor do primeiro sistema, visto que, se o receio da sanção principal não for suficiente para intimidar o rehabilitado, menos isso se poderá esperar da acção das penas acessórias.
Parece impor-se, pois, mais o sistema da rehabilitação provisória seguida da definitiva, dada a sua maior acção estimulante.
Quanto ao primeiro sistema - rehabilitação imediatamente definitiva - na aparência é o menos recomendável, sob o aspecto da defesa social, mas na realidade, quando, como no código suíço, se exige um prazo mais longo para a sua concessão, praticamente o resultado é igual ao do código italiano, visto que a rehabilitação definitiva só vem afinal a dar-se na mesma altura. A exigência de um prazo de concessão longo demais prejudica, no entanto, a eficiência do instituto, razão por que tal sistema parece o menos aconselhável.
No entanto afigura-se preferível consagrar o sistema da revogabilidade a todo o tempo quando o rehabilitado sofra condenação em pena maior.
A extrema gravidade desta espécie de condenações justifica um tratamento mais rigoroso e parece dever conduzir a que cedam perante elas os benefícios
assegurados pela rehabilitação ao delinquente.

11. Todas as legislações exigem para a rehabilitação um prazo após a extinção ou cumprimento da pena, a fim de se poder formar um juízo mais ou menos, seguro sobre a adaptação social, e isto porque o bom comportamento prisional é muitas vezes inexpressivo e simulado, e o que essencialmente interessa é a capacidade de adaptação à vida honesta em liberdade.
Em geral estão estabelecidos dois prazos, um de menor e outro de maior duração, nuns códigos em atenção à reincidência ou habitualidade e noutros à gravidade da pena. Atendem ao primeiro factor os Códigos Penais italiano (artigo 179.º) e brasileiro (artigo 119.º), e era já esse o sistema tradicional em Itália, que o recebera do direito francês. Diversamente atendem ao factor da gravidade da pena o Código Penal suíço (artigo 80.º) e o Código Penal norueguês (§ 75.º). Outros códigos seguem um regime de prazo único, como acontece com os Códigos Penais polaco e dinamarquês, que prescrevem, respectivamente, os prazos de dez e cinco anos.
Os prazos são nos diversos códigos os seguintes:
Código penal italiano. - Reincidentes e habituais e por tendência, dez anos; nos outros casos, cinco anos.
Código penal brasileiro. - Respectivamente oito e quatro anos.
Código penal suíço. - Pena de reclusão ou internamento em estabelecimento de segurança, mas neste último caso nunca antes de decorridos cinco anos depois da libertação definitiva, quinze anos; penas especiais de perda de direitos cívicos, de elegibilidade, interdição de poder paternal e tutela ou exercício de qualquer indústria ou comércio, dois anos; nos outros casos, dez
anos.
Código penal norueguês. - Penas de reclusão de menos de um ano, cinco anos; penas de reclusão inferiores a cinco anos, dez anos; pena especial de perda de direitos cívicos, prazo igual ao da pena e nunca inferior a três anos.
Código penal polaco. - Em todos os casos, dez anos.
Código penal dinamarquês. - Idem, cinco anos.
Os prazos mais curtos são os dos Códigos penais norueguês, dinamarquês e brasileiro, o que, quanto ao último, se explica talvez por a rehabilitação ser sempre revogável.
Parece mais justo atender-se à reincidência, à habitualidade ou tendência para o crime, para o efeito do alongamento do prazo, do que à gravidade da pena, porque esta não é índice de temibilidade igualmente seguro.
A adoptar-se um sistema de rehabilitação provisória seguida de definitiva, acha-se mais razoável, para os reincidentes e habituais, alongar-se o prazo da concessão, assim como o da revogabilidade. Por tal forma ficam salvaguardadas as exigências da defesa social.
Estabelecem-se nesta proposta os prazos de dez, oito e cinco anos para a concessão da rehabilitação e para a sua revogabilidade, conforme se tratar de delinquentes de difícil correcção, de condenados por mais do que um crime ou de outros casos.
Há, porém, hipóteses em que o fim da rehabilitação justifica a não exigência de qualquer prazo. Alude-se a elas no § 2.º da base v.
12. Nos códigos penais que, como o brasileiro, consideram a Rehabilitação sempre revogável, ela não afecta, em regra, os efeitos penais da condenação, salvo quando a condenação imposta por novo crime não importar a sua revogação. Diferentemente, nas leis que perfilham a rehabilitação definitiva, esta faz cessar não só as incapacidades resultantes da pena como os seus efeitos penais (reincidência, sucessão de crimes, habitualidade).
Nalguns códigos êste efeito extintivo é, ou parece ser, absoluto, isto é, apaga-se a condenação. E o que acontece com os códigos penais polaco e suíço, o primeiro dos quais determina (artigo 90.º, § 4.º) que a condenação se considera como não verificada, mandando eliminar a sua inscrição de todos os registos criminais, e o segundo (artigo 80.º) confere ao rehabilitado o direito de requerer o cancelamento da sentença condenatória do registo criminal.
Tal é também a orientação da lei francesa, e que foi acolhida nas leis penais anteriores ao código actual.
O código penal italiano seguiu, porém, uma solução intermediária, concedendo à rehabilitação o efeito de extinguir as penas acessórias e qualquer outro efeito penal da condenação, mas ressalvando os casos em que a lei disponha de outro modo (artigo 178.º).
É, por exemplo, o caso da suspensão condicional da pena negada a rehabilitados.
A reforma penal espanhola conduz também a uma solução intermédia, porque, considerando a rehabilitação revogável apenas por condenação por crime regulado no mesmo título (de natureza semelhante), em caso de condenação por crime diverso a rehabilitação afasta os efeitos penais.
Não parece justa a solução adoptada pelo código italiano na parte em que nega a rehabilitados a suspensão da pena, pois que pode haver razões que a aconselhem mesmo em relação a eles.
Entendeu-se dever consagrar na presente proposta a doutrina de que a rehabilitação suprime os efeitos não

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civis da condenação, emquanto não fôr revogada. Admitem-se, porém, limitações a este princípio. É o que sucede no que respeita ao acesso a lugares públicos ou ao exercício do poder paternal ou da tutela.
Rigorosamente não. haveria que dizer numa lei sobre rehabilitações quais são os efeitos acessórios das condenações penais, mas apenas como se destroem esses efeitos no todo ou em parte.
Assim se procede aqui, mas faz-se excepção no que se refere ao provimento de lugares públicos, dada a insuficiência das- normas actualmente vigentes nesta matéria, pois existem a esse respeito disparidades injustificadas e falta de princípios seguros.
Tratando-se de crimes mais graves ou de criminosos de difícil correcção, julga-se que a dignidade da função pública exige a impossibilidade de acesso a eles de condenados por esses crimes ou de criminosos naquelas condições. Ê a consequência lógica do princípio estabelecido no decreto-lei n.º 32:659, de 9 de Fevereiro de 1943; artigo 13.º, § único, n.º 6.º
Para outros casos há-de o condenado obter a rehabilitação, que poderá, todavia, ser-lhe negada com esse efeito se não tiver readquirido o necessário prestígio e idoneidade. Tudo isto é objecto da base VII.
Quanto ao exercício do poder paternal e da tutela também se prevê que a rehabilitação não exclua as incapacidades baseadas na condenação.

13. Dois sistemas se encontram nas legislações quanto à determinação do tribunal competente para conceder a rehabilitação.
Em França e em Itália consideram-se competentes os tribunais de 2.º instância; na Noruega e na Dinamarca o tribunal do domicílio do condenado. Adopta-se, porém, solução diferente: a de confiar tal competência aos juizes de execução da pena, cuja criação se propõe. E que estas funções harmonizam-se eom us que se lhes pretendem atribuir na execução das penas e medidas de segurança.

14. O processo a seguir para a concessão da rehabilitação transcende já; segundo se crê, o domínio das bases gerais. Por isso, parece preferível reservá-lo para a parte regulamentar..

15. Entre as medidas de tutela do condenado, com o fim semelhante ao da rehabilitação, figura a da suspensão condicional da transcrição da condenação nos certificados do registo criminal, destinada a evitar que, condenados pela primeira vez por crime de pequena gravidade e com bons antecedentes pessoas, sejam privados de regalias a que pelas suas qualidades se mostrem aptos.
Para tanto não basta a condenação em pena suspensa, pois que justamente esta, pelo seu mais amplo alcance, não obsta aos efeitos, sociais de condenação, visto que o respectivo certificado não pode omiti-la.
Tal medida é um meio de obstai, a absolvições ditadas por espírito de humanidade, injustas e inconvenientes à defesa social, e a condenações que, desqualificando socialmente o condenado, prejudiquem o efeito educativo da pena. Para prevenir estes males, o Código Penal italiano, artigo 175.º, em tais casos, quando a pena for de multa não superior a 20:000 liras, ou prisão até dois anos, faculta ao juiz ordenar a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal requeridos por particulares, benefício que caducará se o condenado incorrer em nova condenação.
A mesma medida é prevista no decreto-lei n.º 27:304, que, no artigo 27.º, n.º 8.º, se refere a sentenças cuja transcrição for suspensa condicionalmente, incluindo-as entre as inscrições criminais que não podem ser mencionadas nos certificados não destinados a instrução de processos crimes, a fins de investigação científica ou a concurso para cargos públicos.
Parece que ela deveria ser regulada em termos semelhantes aos do Código Penal italiano.
Mas julga-se dever restringir o benefício aos condenados em penas não excedentes à de prisão por seis meses, quando o móbil do crime não fôr deshonroso e o réu não tiver sofrido condenação anterior.

Por tudo quanto fica exposto, tem o Govêrno a honra de submeter à apreciação da Assemblea Nacional a seguinte proposta de lei:

BASE I

As atribuições que por lei pertencem ao Conselho Superior dos Serviços Criminais ë ao Ministro da Justiça em matéria de execução de penas ou medidas de segurança e de rehabilitação serão exercidas pelos juizes de execução das penas. O Conselho Superior dos Serviços Criminais funcionará como órgão
consultivo do Govêrno.

BASE II

Os juizes de execução das penas decidirão definitivamente, salvo o disposto na base XI. Estes juizes exercerão somente funções consultivas quanto a indultos, dando o seu parecer fundamentado nos respectivos processos.

BASE III

O indulto de presos classificados de difícil correcção só poderá ser proposto pelo director do respectivo estabelecimento, ou pelo juiz de execução das penas, e no caso de conduta do recluso excepcionalmente meritória.

BASE IV

Os condenados em quaisquer penas ou os imputáveis que forem submetidos por decisão judicial a medidas de segurança só poderão ser rehabilitados, independentemente da revisão de sentença ou despacho, por decisão do juiz de execução das penas.
§ 1.º Nenhuma autoridade poderá ordenar o cancelamento do registo criminal, salvo o caso de revisão de sentença ou despacho ou de rehabilitação.
§ 2.º A rehabilitação só poderá ser concedida a quem a tenha merecido pela sua boa conduta.

BASE V

A rehabilitação só poderá ser apreciada a requerimento do interessado (ou seus representantes legais) quando tiver sido paga a indemnização por perdas e danos em que tenha sido condenado ou se prove a impossibilidade do pagamento e quando decorridos os seguintes prazos:
a) Dez anos no caso de delinquentes de difícil correcção;
b) Oito anos no caso de condenados por mais de um crime;
e) Cinco anos em todos os outros casos.
§ 1.º O prazo começará a decorrer do cumprimento ou extinção da pena ou procedimento judicial ou cessação do internamento.
§ 2.º Os prazos fixados nesta base serão dispensados quando a rehabilitação seja requerida somente para efeito de concessão de passaporte, exame de condutor, uso de porte de arma de caça e outros semelhantes.
§ 3.º A rehabilitação poderá ser concedida mais que uma vez.

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BASE VI

A rehabilitação tem como consequência a extinção dos efeitos não civis da condenação, com as restrições das bases VII e VIII ou de outras leis.

BASE VII

Não poderá ser provido em qualquer cargo público aquele que tiver sido condenado em pena maior, seja qual for o crime, ou em pena de prisão simples, por furto, roubo, abuso de confiança, burla, quebra fraudulenta, falsidade, fogo posto, ou por crime cometido na qualidade de empregado público no exercício das suas funções, desde que se trate de crimes dolosos, bem como o que tiver sido declarado delinquente de difícil correcção.
Não poderá ser provido em qualquer cargo público, se não for rehabilitado, aquele a quem tiver sido aplicada por outras infracções pena de prisão ou aquele a quem tiver sido aplicada pena de multa, se a infracção revestir o carácter de delito doloso contra a economia ou a saúde pública.

BASE VIII

A rehabilitação poderá ser concedida com a restrição de não produzir efeitos quanto ao provimento em todos ou alguns cargos públicos, ou de não fazer cessar a interdição do poder paternal ou da tutela.
§ único. A restrição a que se refere esta base será prescrita quando o condenado, apesar da sua boa conduta, não tenha readquirido o necessário prestígio e idoneidade para o exercício das funções mencionadas na mesma base, devendo sempre ter-se em conta, para este efeito, a natureza do crime, os móbiles que o determinaram e a sua repercussão social.

BASE IX

Dos certificados do registo criminal de rehabilitados não constarão as condenações anteriores à rehabilitação, salvo quando forem, passados para investigação científica ou para elaboração de estatísticas oficiais ou quando se destinarem a instruir processos criminais ou ao provimento em cargos públicos ou forem requisitados por autoridades públicas.
Se a rehabilitação fôr dada com restrição dê efeitos pelo que toca à interdição do poder paternal ou da tutela e houver de se tomar decisão judicial acêrca do exercício daqueles poderes pelo rehabilitado, a referida restrição constará do certificado que servir para a instrução do processo.

BASE X

A rehabilitação poderá ser revogada pelo juiz de execução das penas quando, dentro ao prazo de dez anos, a contar da sua concessão, tratando-se de delinquentes de difícil correcção, de oito anos tratando-se de condenados por mais de um crime, ou dentro do prazo de como anos em todos os outros casos, o rehabilitado tenha sido condenado por qualquer crime.
A rehabilitação será sempre revogada de direito quando o rehabilitado, qualquer que seja o prazo decorrido, sofra condenação em pena maior.

BASE XI

Das deeisões do juiz de execução das penas só haverá recurso para um tribunal colectivo nos seguintes casos:
1.º Quando seja negada a rehabilitação, concedida com restrições ou revogada;
2.º Quando tenha sido concedida a rehabilitação e o Ministério Público entenda que ela é ofensiva do interesse público;
3.º Quando digam respeito a liberdade condicional ou a prorrogação de pena e forem proferidas contra o parecer da direcção do estabelecimento prisional em que o recluso esteja a cumprir pena ou internado por medida de segurança.

BASE XII

Os tribunais que profiram condenações em penas que não excedam a de prisão até seis meses, quando o móbil do crime não seja deshonroso, o réu não tenha sofrido condenação anterior e os seus antecedentes e teor de vida o justifiquem, poderão ordenar que, nos certificados do registo criminal, para fins particulares, se não faça menção da decisão condenatória. Esta concessão entender-se-á revogada de direito quando o réu incorrer em nova condenação por qualquer crime em pena privativa de liberdade.

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CÂMARA CORPORATIVA

III LEGISLATURA

Parecer sôbre a proposta de lei à rehabilitação dos delinquentes e jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança

A Câmara Corporativa, consultada pelo Govêrno, nos termos do artigo 105.º da Constituição, sôbre a proposta de lei relativa à rehabilitação dos delinquentes e à jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança, emite, por intermédio das Secções de Política e Administração Geral e de Justiça, o seguinte parecer:

1. OBSERVAÇÃO PRELIMINAR. - Fazem objecto da proposta de lei submetida à nossa apreciação os dois problemas da rehabilitação dos delinquentes e da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança.
E por esta ordem que o título da proposta enuncia os dois problemas, mas é na ordem inversa que os trata no relatório e nas bases, ocupando-se primeiro da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança e depois da rehabilitação dos delinquentes.
Será também por esta ordem que os examinaremos, que é aliás a ordem lógica, pois o problema da rehabilitação dos delinquentes só aparece, naturalmente, depois do problema do cumprimento das penas.
Jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança

I

Jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança

2. O PRINCÍPIO. - A proposta não formula expressamente nas suas bases o princípio que domina o problema da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança. Esse princípio está, porém, claramente enunciado no seu relatório.
Aí se diz, com efeito:
1.º Que o problema da jurisdicionalização do cumprimento da pena é o problema da intervenção do juiz no seu decurso;
2.º Que esta intervenção deve dar-se quando a pena é sujeita, durante o seu cumprimento, a modificações mais ou menos profundas, provenientes da aceitação do princípio da sua individualização como o único regime que convém à segurança social e à regeneração do delinquente, e constituindo medidas que alteram de facto a pena imposta na sentença de condenação e são afinal novas penas que vão substituindo aquela, pois, se só aos órgãos da jurisdição cabe aplicar as penas, como os órgãos mais próprios para velar pela defesa social e pela garantia dos direitos individuais, a eles deve confiar-se também a aplicação das medidas que alteram e substituem a pena primitivamente imposta.
É, pois, certo que, segundo a proposta, domina o problema o princípio de que deve ser da competência dos tribunais de justiça a aplicação das medidas que, no decurso do cumprimento das penas impostas aos delinquentes na sentença da sua condenação, alterem ou modifiquem essas penas no sentido de assegurar a eficácia prática da sua individualização.
E o que se diz do cumprimento das penas com mais razão ainda se pode dizer do cumprimento das medidas de segurança, como adiante se verá.

3. JUSTIFICAÇÃO DO PRINCÍPIO. - A proposta considera o princípio da jurisdicionalização do cumprimento das penas uma consequência da admissão do princípio da individualização da pena e da adopção de medidas de segurança.

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A) Individualização da pena. - O princípio da individualização da pena é um princípio certo da criminologia moderna, já em 1899 o eminente penalista belga Adolphe Prinz escrevia: «A pena moderna, mais uma vez o dizemos, não é um elemento absoluto, mas um elemento relativo, e a escola contemporânea, pondo em relevo o carácter relativo da penalidade, não pode contentar-se com fórmulas gerais. Ele entende que a pena deve ser adaptada à natureza do delinquente e que, para aplicar racionalmente um sistema de penalidade, é necessário estudar a acção da pena sôbre o homem, conhecer a natureza deste, estabelecer sob êste aspecto grupos de delinquentes e individualizar a pena na medida do. possível» (Science pénale et droit positif, Brusselles-Paris, 1899, p. 450).
Ora a individualização da pena, se pode ser prevista no momento legislativo, estabelecendo-se categorias de delinquentes e indicando, de modo geral, o regime penal a que eles deverão ser submetidos, segundo a categoria a que pertencerem, em rigor e de modo concreto só começa no momento judiciário, pois é nesse momento que aparece o indivíduo cuja categoria criminal importa determinar e cujo regime penal deve ser estabelecido.
Mas, se a individualização da pena, propriamente, só começa no momento, do julgamento e da condenação dos delinquentes, não acaba aí nem é aí que sempre ela melhor se consegue.
Em verdade, é no decurso do cumprimento da pena que a sua individualização pode realizar-se com a certeza aproximativa que é possível nas cousas humanas.
Assim se acentua no relatório do decreto-lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936, que promulgou a reorganização dos serviços prisionais, onde se escreve (n.º 13.º): «Disse-se já que a pena tinha, além do fim de prevenção geral, o de prevenção individual e a medida de segurança somente este último; ora a prevenção individual exige a individualização da pena e da medida de segurança. Esta pode realizar-se nos três momentos em que é possível dividir a acção repressiva: o momento legislativo, o judiciário e o administrativo. A lei ao pode considerar categorias abstractas; por isso a especialização Legislativa não poderá passar da fixação de medidas próprias para cada grupo de criminosos. A actividade judiciária, e dentro da categoria legal, pode fazer uma certa individualização, mas atendendo ao passado do criminoso e ao modo como se revelou no crime. A individualização na execução da pena, sobretudo se esta é privativa de. liberdade, é a que pode fazer-se com, elementos mais seguros, porque melhor se pode observar o criminoso e ver os efeitos que a pena vai produzindo sôbre êle».

Mas se é assim, e isso parece incontestável, pois, se o tribunal no momento do julgamento, apreciando as circunstâncias em que se produziu o delito e os antecedentes pessoais do delinquente, assim como os resultados colhidos a seu respeito nos exames a que foi submetido e nos interrogatórios que lhe foram feitos, pode presumi-lo integrado numa das categorias previstas pela lei e aplicar-lhe a pena correspondente à categoria em que o integrou, nunca pode ter a certeza de qual será a acção que vai exercer sobre o condenado a pena aplicada e se a medida em que a aplicou é suficiente, excessiva ou deficiente, relativamente ao seu grau de delinquência e de readaptabilidade.
Esta impossibilidade fez nascer no campo do direito penal uma série de correctivos destinados a remediar, quer a insuficiência, quer o excesso, quer a impropriedade das penas aplicadas.
E assim apareceram: quanto à duração da pena, a liberdade condicional, para corrigir a sua duração excessiva, e a prorrogação da pena, para suprir a sua duração insuficiente; quanto à sua adaptação ao modo de ser individual do delinquente, a substituição do regime prisional imposto na sentença de condenação, pela transferência dos condenados para estabelecimentos prisionais diferentes daquele a que foram primeiro destinados.
De todas estas formas de modificação das penas no decurso do seu cumprimento se encontram manifestações na nossa legislação.
E assim é que:
1.º A lei de 6 de Julho de 1893 estabeleceu entre nós a liberdade condicional para os condenados em pena maior que tivessem cumprido, sob o regime penitenciário, dois terços da pena e quando se presumisse que estavam corrigidos e emendados, e a reforma prisional feita pelo citado decreto-lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936, regulou de novo a instituição eriada pela lei de 1893, alargando o âmbito da sua aplicação, ampliando-a a todas as penas de prisão de duração superior a seis meses (artigo 392.º) e constituindo-a em meio de transição entre o internamento prisional e a liberdade definitiva, para os menores com mais de 16 anos internados em prisões-escolas (artigo 92.º), para os criminosos de difícil correcção (artigo 119.º), para os delinquentes penalmente imputáveis afectados de anomalia mental internados em prisões-asilos (artigo 135.º), para os mendigos, vadios e equiparados (artigo 162.º, § 2.º) e para os delinquentes alcoólicos e outros intoxicados (artigo 170.º).
2.º A mesma reforma prisional de 1936 permite a prorrogação da pena para além do máximo fixado na sentença, para os internados em prisões-escolas (artigo 87.º), para os criminosos de difícil correcção (artigo 117.º), para os internados em prisões-asilos (artigo 131.º) e para os mendigos, vadios e equiparados (artigo 157.º).
3.º Ainda aquela reforma prevê e regula:
a) A transferência dos reclusos nas cadeias centrais (artigo 54.º), nas penitenciárias (artigo 73.º), nas prisões-escolas (artigo 96.º), nas prisões destinadas a presos políticos (artigo 142.º), nos estabelecimentos para mendigos, vadios e equiparados (artigo 161.º) e nos estabelecimentos para -delinquentes alcoólicos e outros intoxicados, para estabelecimentos prisionais de regime mais rigoroso, quando se mostrem indisciplinados e refractários ao regime do estabelecimento em que estiverem a cumprir a pena;
b) A transferência dos reclusos em prisões-asilos (artigo 130.º), quer para uma cadeia ou penitenciária-comum, quer para estabelecimentos de presos de difícil correcção, a título de experiência, quando continua a haver dúvidas sobre o regime que mais lhes convém, ou se averigúe que são simuladores, ou por se mostrar que não há vantagem em continuarem na prisão-asilo, nem em serem internados em qualquer outro estabelecimento especial;
c) A transferência para estabelecimentos de regime menos rigoroso dos reclusos que revelem progressos morais na sua reeducação prisional (artigo 118.º) ou para estabelecimentos que mais convenham à sua capacidade física para o trabalho.
A pena imposta na sentença condenatória pode ser aumentada, reduzida, agravada ou atenuada no decurso do seu cumprimento, o que, se não é ainda a pena indeterminada, é a pena modificada na sua duração ou no seu rigor, o que, afinal, tem como resultado, na realidade, a substituição da pena aplicada por uma nova pena.
E esta alteração da pena é a consequência da sua individualização, como o reconhece o autor da reforma

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prisional quando escreve no seu relatório (n.º 41): «A individualização da pena, considerada no aspecto da correcção do delinquente, põe naturalmente o problema da necessidade de a alterar quanto à forma do seu cumprimento, fazendo-a agravar, abrandar, reduzir ou substituir mesmo... As alterações estão na forma de cumprimento da pena, na sua substituição e até na sua extinção».
Mas, se no cumprimento da pena pode haver modificações que vão até à sua substituição e extinção, é que a decisão do tribunal que a pronunciou pode ser alterada ou substituída em dois dos seus elementos - a classificação do delinquente e a aplicação da pena.
Que entidades deverão intervir nessas alterações?.
Põe esta questão o autor da reforma prisional no seu relatório (n.º 41), deixando-a aí sem (resposta, mas tendo-a resolvido no decreto.
Segundo as disposições da reforma lia sempre uma entidade que propõe, pode haver uma entidade que dá parecer, e há sempre uma entidade que decide.
Assim:
1.º Quanto à liberdade condicional, propõe o director do respectivo estabelecimento prisional, dá parecer o Conselho Superior dos Serviços Criminais e decide o Ministro da Justiça;
2.º Quanto às outras alterações da pena, propõe, em regra, o director do estabelecimento respectivo e decide aquele Conselho.
E dizemos em regra, pois:
1.º O decreto também regula o indulto, e este pode ser requerido pelo interessado ou proposto pelo director do estabelecimento prisional e é concedido pelo Presidente da República (Constituição, artigo 8].º, n.º 8.º), sob parecer do Conselho (artigo 407.º);
2.º O decreto, prevê igualmente a transferência para um manicómio criminal dos delinquentes perigosos a quem sobrevenha, durante a execução da pena, anomalia mental que determine a suspensão desta, mas esta transferência só pode ser realizada mediante autorização do juiz da comarca onde se procedeu ao julgamento, e a requerimento do Ministério Público, da parte acusadora, do próprio preso ou dos seus ascendentes, descendentes, irmãos ou cônjuge.
A proposta, pronunciando-se, no relatório, no sentido dê que as modificações da pena no decurso do seu cumprimento devem ser da competência de um tribunal de justiça e de que a este devem ser confiadas as atribuições hoje exercidas pelo Conselho Superior dos Serviços Criminais e pelo Ministro da Justiça, passando o Conselho a ser simplesmente órgão consultivo do Govêrno, assim o estabeleceu na base I, que dispõe:

«As atribuições que por lei pertencem ao Conselho Superior dos Serviços Criminais e ao Ministro da Justiça em matéria de execução de pena» ou de medidas de segurança e de rehabilitação serão exercidas pelos juizes de execução das penas. O Conselho Superior dos Serviços Criminais funcionará como órgão consultivo do Govêrno».

Aparte a redacção a dar a esta base, que nos parece de Ver ser modificada, consideramos a doutrina da jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança por ela estabelecida como sendo juridicamente rigorosa e exacta.
A sua razão parece-nos decisiva. Se aos tribunais de justiça compete julgar as infracções criminais e aplicar aos seus agentes as penas ou medidas de segurança estabelecidas pela lei, a eles devem competir igualmente as deeisões tendentes à alteração, substituição ou extinção da pena ou medida de segurança quando tais modificações sejam necessárias para tornar efectiva a sua
individualização, no interesse tanto da defesa da sociedade como da readaptação social do delinquente, nos termos do artigo 124.º da Constituição.
Em apoio da doutrina da proposta, ainda poderiam aduzir-se algumas razões que consideramos valiosas.
Em primeiro lugar, notaremos que as modificações da pena no decurso do seu cumprimento são modificação da sentença que a aplicou e são determinadas pela impossibilidade em que, no momento do julgamento, o tribunal muitas vezes se encontra de classificar com rigor o agente do crime e de medir com exactidão a natureza e o grau da sua forma de delinquência. E se, por isso, depois do julgamento, o condenado se revelou por factos pessoais novos, que trazem mais luz para conhecer melhor essa forma e grau de delinquência, e se torna necessário apreciar esses factos e traduzi-los em modificações da pena, para que esta realize o seu destino, parece evidente que essa apreciação é função de quem pode marear a sorte dos criminosos, que é o Poder Judiciário.
E a mesma ordem de ideas que fez passar para os tribunais de justiça a revisão da sentença que condenou um inocente ou absolveu um criminoso (Código de Processo Civil, artigos 673.º e sgs.) não conduzirá igualmente a atribuir-lhes a revisão da sentença que atribuiu ao acusado uma forma ou um grau de delinquência que factos posteriores vieram desmentir?
Nem é de esquecer que a doutrina é conforme às tendências da evolução política e da evolução jurídica, que, produzindo a diferenciação dos poderes do Estado, atribuiu ao Poder Judiciário a função de aplicar as devidas sanções aos infractores da lei penal ou, melhor, aos violadores dos princípios que a lei penal vem proteger.
A esta tendência obedeceram ainda:
a) O decreto n.º 10:767, de 15 de Maio de 1925, que reorganizou os serviços jurisdicionais e tutelares de menores, o qual, definindo a tutoria da infância como um tribunal especial destinado a julgar e decidir sobre a defesa, guarda, reforma e correcção dos menores (artigo 19.º), e estabelecendo (artigo 20.º) as medidas de prevenção, de reforma e de correcção que inicialmente as tutorias podem tomar em relação aos menores delinquentes, dispõe (artigo citado, § 2.º):

«As tutorias procederão oficiosamente à revisão periódica de três em três anos, quando por outra forma não tenha sido promovida, dos processos dos menores colocados em famílias adoptivas ou internados nos estabelecimentos ...»,

isto é, as medidas tomadas pelas tutorias, como tribunais de menores, são por elas revistas e, se necessário, modificadas;

b) A própria reforma prisional, estabelecendo em princípio a mesma doutrina no seu artigo 18.º, que dispõe que as penas e medidas de segurança devem executar-se nos termos em que a respectiva decisão judicial as tiver aplicado, que não poderá alterar-se, na execução das penas e das medidas de segurança, a respectiva sentença condenatória, senão por força de outra decisão judicial, e aplicando-a no artigo 149.º, relativo à transferência para um manicómio criminal dos delinquentes perigosos, quando durante a execução da pena sobrevenha uma anomalia mental que determine a suspensão da pena.

B) Medidas de segurança. - Mas, se o princípio da individualização das penas no período da sua execução já justificava a intervenção dos órgãos da jurisdição nesse período, a adopção das medidas de segurança como meio jurídico de luta contra a criminalidade veio acentuar e tornar decisiva a tendência para essa inter-

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venção. Assim o nota, por exemplo, Ugo Conti, no seu relatório apresentado ao Congresso Penal e Penitenciário de Berlim de 1935, sobre a questão «Quelle doit être la compétence du juge penal dans l'exécution des peines (Actes, II, pp. 1 e seguintes), onde escreve, ao indicar os factores que concorreram para determinar a nova orientação da doutrina e das legislações no sentido da aceitação do princípio da intervenção do juiz no decurso da execução da pena: «A introdução, entre os meios de luta contra a criminalidade, das medidas de segurança contribuiu ainda para acentuar a intervenção do juiz. No que respeita às medidas de segurança, o momento da sua aplicação revela-se mais estreitamente ligado ao momento da sua execução. An passo que a pena se refere a um facto passado, fixando-lhe as consequências jurídicas, a medida de segurança refere-se ao estado actual de perigo, de modo que, se este muda ou dessa, o juiz deve modificar, substituir ou pôr fim à medida de segurança».
Pelas considerações que precedem, é a Câmara Corporativa de parecer que é juridicamente exacta e bem fundamentada pela proposta a jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança.

Importa, porém, não deixar de apreciar uma objecção de princípio oposta àquela jurisdicionalização.
Essa objecção consiste em dizer que a execução das penas tem carácter administrativo e que, por isso, mesmo, as modificações possíveis da pena durante a sua execução, para tornarem efectiva a sua individualização, constituem sempre actos administrativos e ficam fora da esfera de acção do Poder Judicial.
Cremos que a objecção não tem subsistência teórica, nem pode ter valor prático para obstar à jurisdicionalização do cumprimento da pena.
A sua subsistência teórica esvai-se perante a concepção da individualização das penas e das medidas de segurança no decurso da sua execução, concepção cuja discussão seria fútil, tam profundamente radicada ela está já na prática e tam conforme ela é às ideas sociais humanitárias é às teorias hoje admitidas sôbre a etiologia do crime, como nota Cornil no seu relatório apresentado ao mesmo Congresso de Berlim de 1935 (Actes, II, p. 12) sôbre a questão acima indicada, e perante a necessidade de dar efectividade prática a essa concepção.
Como já foi dito, a individualização da pena só começa e nunca pode dar-se por finda no momento da condenação, tendo de continuar durante a sua execução e podendo exigir modificação na duração e modo de execução da pena aplicada. Desta maneira, b julgamento penal tem de deixar de ser peremptoriamente definitivo, para se converter, em certo modo, em decisão provisória, sempre susceptível de revisão, como nota ainda o mesmo Cornil (obra citada, p. 11).
Mas, se o julgamento não é peremptòriamente definitivo, e pode ser revisto para adequar a pena, na sua duração ou no seu regime, ao modo de ser e ao grau de delinquência do condenado, não deverá ser competente para o rever e modificar o mesmo poder que foi competente para o preparar e pronunciar?
Uma vez traçada a linha da execução da pena, quem executa é a administração prisional, mas quem pode e deve traçar essa linha é quem tem o poder de punir as infracções à lei penal, isto é, o Poder Judicial.
Além de que a concepção e a prática da individualização da pena no período do seu cumprimento ainda justifica a intervenção da jurisdição nesse período por. outra ordem de considerações, posta em relevo por Ugo Conti no seu citado relatório (p. 2), o qual observa que a nova orientação foi determinada, em primeiro lugar, pela substituição, ao critério segundo o qual o acusado
e ainda mais o condenado eram considerados como objecto do processo penal e da execução, do critério segundo o qual o indivíduo é considerado como sujeito de uma relação jurídica, constituída na fase da instrução, e prolongando-se na fase da execução, isto é, como sujeito de obrigações jurídicas, mas ao mesmo tempo como sujeito de direitos, que merecem protecção jurisdicional. E é exactamente a necessidade de manter o justo equilíbrio entre as necessidades da defesa social e a protecção dos direitos do condenado nas modificações eventuais da pena no decurso do seu cumprimento que, sob o ponto de vista prático, torna legítima a intervenção da justiça na aplicação das medidas que traduzem essas modificações.
E, por isso, supondo mesmo que as modificações da pena no período do seu cumprimento eram actos administrativos, esses actos deveriam, pela sua importância, ser cercados de garantias jurisdicionais e confiados ao organismo judiciário, na fórmula de Ugo Conti (obra citada; p. 5), que viu o problema com elevação e justeza.
E, pois, segura a conclusão de que as modificações dás penas e das medidas de segurança durante a sua execução, quer na sua duração quer no seu regime, devem ser confiadas a um tribunal de justiça.

4. ORGANIZAÇÃO DO PRINCÍPIO. - Aceite o princípio da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança, segue-se naturalmente estabelecer os elementos da sua organização, que são dois:
I) A determinação do seu conteúdo e limites;
II) A determinação do tribunal que deve torná-lo efectivo.

I) Conteúdo e limites da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança. - Ao estudo do problema da determinação do tribunal que há-de realizar a jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança, deve antepor-se o problema do conteúdo e limites desta jurisdicionalização, pois o órgão que há-de torná-lo efectivo há-de ser adaptado à função que exerce è que determina a sua criação.
O problema dos limites entre a competência da judicatura e a competência da administração, no que respeita à execução das penas, é um problema delicado, como acontece com todos os problemas de limites entre actividades diferentes que colaboram para o mesmo resultado, importando resolvê-lo de modo que não haja mútua usurpação de funções, para que o fim da pena se realize com eficácia.
A proposta formula o problema, aponta a sua delicadeza, indica divergências doutrinais e legislativas, mas não precisa um critério jurídico à luz do qual deverá fazer-se a delimitação, contentando-se com seguir o critério prático que resulta dos preceitos da reforma prisional de 1936, a qual demarca a competência dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais e a competência do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça, atribuindo a estes, com exclusão daqueles, a aplicação das principais medidas tendentes a realizar a individualização das penas e das medidas de segurança no decurso da sua execução.
A competência aí atribuída ao Conselho e ao Ministro da Justiça passaria a pertencer ao tribunal da execução das penas e «desta maneira - diz o relatório (n.º 2) - tudo ficará definitivamente arrumado com uma pura transferência de funções do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça para os órgãos judiciais encarregados da jurisdicionalização que 50 pretende estabelecer». E assim se fez na base I.

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Seria, porém, necessário procurar o critério jurídico a que terá obedecido a reforma prisional para diferenciar a competência dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais e a do Conselho e do Ministro da Justiça para, em caso de dúvida, se encontrar uma solução rigorosa.
Pensamos não ficar longe da verdade supondo que o critério seguido pela reforma prisional teria sido o que vamos esboçar.
Na execução da pena imposta na sentença condenatória, pode o director do estabelecimento prisional respectivo convencer-se de que não é o regime penal executado ne55e estabelecimento o que convém à índole do delinquente, ou que a duração da pena aplicada é insuficiente ou excessiva para a sua readaptação, e que seria necessário ou transferir o delinquente para um estabelecimento mais adequado ou modificar a pena na sua duração, prorrogando-a quando insuficiente ou encurtando-a quando excessiva, pondo o recluso em liberdade condicional. Estas modificações têm de ser decididas por alguém. A reforma atribuiu ao Conselho ou ao Ministro da Justiça a competência para decidir e aos directores dos estabelecimentos prisionais a competência para propor e para executar as medidas deliberadas pelo Conselho ou pelo Ministro.
Sendo assim, o critério da delimitação de competências entre o tribunal e a administração dos estabelecimentos prisionais poderá ser formulado nestes termos: ao tribunal compete marear, quer na sua primeira decisão (a sentença condenatória) quer nas decisões de modificação da pena, a espécie e a duração do regime penal adequado ao delinquente, indicando naturalmente o estabelecimento onde a pena deve ser cumprida; os directores dos estabelecimentos prisionais executam, nos termos da lei, o regime fixado pela sentença e, dentro desse regime, têm toda a liberdade de acção e todo o poder discricionário que a lei lhes confere para a readaptação social do delinquente, aplicando-lhe o princípio da progressividade, como ele se encontra legalmente estabelecido, observando os progressos morais do delinquente ou notando que ele é refractário e inadaptável à disciplina do estabelecimento e propondo, quer a alteração da duração da pena, quer a mudança de regime prisional, isto é, a mudança de estabelecimento prisional. Quere dizer: o tribunal fixa o regime penal e os directores dos estabelecimentos prisionais ou o executam ou propõem a sua modificação ou substituição, quando o julguem necessário. De tal maneira, a judicatura e a administração estarão sempre no seu lugar.

II) Organização e competência do tribunal de execução das penas. - Diante das divergências doutrinais e mesmo legislativas acêrca do modo de constituir o órgão da jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança, decidiu-se a proposta pela criação de tribunais especiais, formados por juizes singulares em 1.ª instância, e por um tribunal colectivo de recurso.
A Câmara Corporativa aceita o princípio da especialidade, dada a natureza particular das funções que os tribunais de execução das penas são chamados a desempenhar, mas entende que devem ser tribunais colectivos, com uma composição tal que dêem garantia, ao mesmo tempo, da especialização necessária à resolução das questões submetidas à sua apreciação e da informação quanto possível completa de todas as circunstâncias que podem influir nas suas deeisões. E também entende que, para se conformar com o preceito da Constituição (artigo 93.º alínea f) que diz ser necessariamente matéria de lei a organização dos tribunais, lhe cumpre indicar qual deve ser, no seu modo de ver, a composição dos mesmos tribunais.
O tribunal deverá ser composto, segundo o seu pensar, de cinco membros: um juiz de um tribunal superior, que será o presidente e que, pela soía experiência, pela sua cultura e pelo poder de intuição adquirido no exercício do ofício de julgar durante longos anos, imprimirá às decisões do tribunal o cunho da autoridade própria das deeisões de justiça; dois licenciados em direito, especializados em ciências penais, que serão juizes adjuntos e constituirão, com o presidente, o órgão de decisão das questões de direito que o tribunal tenha de resolver; um médico criminalista e um director de um estabelecimento prisional com cinco anos, pelo menos, de exercício do seu cargo, que serão juizes assessores, com a função de prestar ao tribunal as informações de ordem técnica e de ordem profissional, sempre valiosas para a apreciação dos factos alegados em favor ou contra os condenados, e que terão voto sobre todas as questões de facto.
Pela sua própria composição, pelos dados que os juizes poderão colher, quer directamente quer por intermédio dos assistentes sociais, e pelo auxílio eficaz que lhe deverão prestar os institutos de criminologia, o tribunal decidirá com a probabilidade de acerto que pode haver no exercício da difícil tarefa que é a de qualificar e medir com justeza aproximada a forma e o grau de delinquência de um condenado, e de lhe adaptar a pena adequada ao seu modo de ser pessoal e até de, por vezes fixar o momento em que pode ser posto em liberdade condicional ou definitiva.
A Câmara Corporativa ainda entende que no momento actual, dada a distribuição da população prisional, que se encontra concentrada na sua grande parte em estabelecimentos penais situados em Lisboa ou nas suas proximidades, e atendendo a que se trata de uma instituição nova que deve criar jurisprudência e tradição num sector novo e delicado da judicatura, se deve constituir um só tribunal, com sede em Lisboa e com jurisdição em todo o País, que seja, por assim dizer, um tribunal de ensaio quanto ao modo de intervenção dos órgãos da jurisdição no período da execução das penas e das medidas de segurança.
A medida, porém, que a rede dos serviços prisionais se for alargando e completando e que as exigências ou conveniências práticas o impuserem ou aconselharem, novos tribunais poderão ser constituídos, nos centros onde possam encontrar-se e conjugar-se os elementos necessários à sua organização.
As deeisões do tribunal, em regra, não são susceptíveis de recurso. Poderá, porém, recorrer-se das deeisões que ordenem a prorrogação das penas ou a revogação da liberdade condicional e sejam contrárias ao parecer da direcção do estabelecimento em que o condenado esteja a cumprir a pena ou medida de segurança, ou de que ele dependa se tiver sido posto em liberdade condicional.
O recurso será interposto para um tribunal colectivo com sede em Lisboa e composto por dois juizes do Supremo Tribunal de Justiça, dos quais o mais antigo será o presidente, por um professor de direito penal, por um professor de medicina legal e pelo director geral dos serviços criminais, o qual julgará de facto e de direito.

5. O TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS E A LIBERDADE CONDICIONAL. - Pela reforma prisional, a concessão da liberdade condicional pertence, em regra, ao Ministro da Justiça (artigo 393.º). Pela proposta, a sua concessão passa a ser função do tribunal da execução das penas,

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sem que sejam modificadas as condições da sua concessão, o que significa que fica em vigor o regime estabelecido pela reforma prisional (artigos 390.º e seguintes).
Será plausível a jurisdicionalização da concessão da liberdade condicional?
É uma velha questão, que nasceu com a própria instituição da liberdade condicional, a de saber se a sua concessão pertence ao Poder Executivo ou ao Poder Judicial.
Parece-nos que não pode haver grande hesitação em resolvê-lo no sentido da jurisdicionalização, pois é um meio de individualização da pena de privação de liberdade, no sentido de a modificar, substituindo-a por uma espécie de condenação condicional, que pode tornar-se efectiva pela má conduta do condenado.
Há, com efeito, semelhança entre a liberdade e a condenação condicional, pois, pela primeira, põe-se em liberdade um condenado que se presume readaptável ao meio social em que vai viver, por a pena haver produzido nele a vontade normal necessária para o desviar do caminho do crime, e, pela segunda, deixa-se em liberdade um condenado cujo carácter moral não torna perigosa a sua permanência na sociedade. Em ambos os casos se trata de uma liberdade precária, sujeita a acabar pela infracção das condições com que é concedida. Quer numa quer noutra, confia-se em que a simples ameaça da pena é suficiente para equilibrar a fraqueza do senso normal do delinquente e eficazmente o determinará a viver honestamente. E, apesar de todas estas semelhanças, nem ao menos se levantou a questão de deixar ao Poder Executivo resolver sôbre os casos em que a condenação deve ser apenas condicional e restringir nesse ponto a competência do Poder Judicial. Mas, se a condenação condicional é uma forma de justiça incontestável e incontestada, o mesmo deve pensar-se da liberdade condicional, pois as duas instituições têm o paralelismo suficiente para as integrar ambas na esfera de acção dos tribunais de justiça.

Dissemos acima que, pela reforma prisional, a concessão da liberdade condicional era em regra da competência do Ministro da Justiça, pois se vê das suas disposições que, quando a liberdade condicional aí é estabelecida como termo de transição para a liberdade definitiva ou a título de experiência para verificar se os progressos morais revelados pelos reclusos constituem prova da sua readaptação à vida honesta, como acontece com os internados nas prisões-escolas (artigos 88.º e 90.º), com os criminosos de difícil correcção (artigo 119.º), com os internados nas prisoes-asilos (artigos 132.º e 133.º) e eom os vadios, indigentes e equiparados (artigos 158.º e 182.º), a sua concessão era já da competência do Conselho Superior dos Serviços Criminais.
Pela proposta, a concessão da liberdade condicional é sempre da competência dos tribunais da execução das penas. Os casos e condições da concessão podem variar, mas o órgão é sempre o mesmo, e esta uniformidade é digna de aplauso, por integrar nas atribuições do Poder Judicial uma instituição que, pela sua natureza, aí tinha mareado o seu lugar.

6.º O TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS E A CONCESSÃO DE INDULTOS. - A proposta introduz no regime do indulto duas modificações, uma de carácter geral e outra restrita ao indulto de delinquentes classificados de difícil correcção.
A primeira modificação aparece na base II e consiste em atribuir aos juizes de execução das penas as funções consultivas que pela reforma eram da competência do Conselho Superior dos Serviços Criminais (artigo 407.º).
A modificação é lógica, desde que é certo que para aqueles juízes passam as atribuições que pela reforma competiam ao Conselho relativamente à execução das penas.
A segunda encontra-se na base III e está em que o indulto de presos classificados de difícil correcção só pode ser proposto pelo director do respectivo estabelecimento ou pelo juiz da execução das penas, e só o pode ser no caso de conduta do recluso excepcionalmente meritória.
O relatório não explica este maior rigor no que respeita ao direito de propor o indulto para reclusos classificados de difícil correcção e às condições em que êsse direito pode ser exercido, mas a sua explicação encontra-se certamente em que os presos classificados de difícil correcção nunca podem, nos termos do artigo 119.º da reforma prisional de 1930, ser postos em liberdade definitiva sem terem sido postos previamente, pelo menos, três anos, em liberdade condicional e em quê esta é revogada de direito se o liberto condicionalmente fôr condenado por um novo crime doloso, e poderá ser revogada pelo juiz de execução das penas se ele não tiver boa conduta ou não cumprir alguma das obrigações que lhe foram impostas (artigos 398.º e 399.º), ao passo que o indulto é, pelo menos de facto, irrevogável, e o indulto de um preso classificado de difícil correcção iria de encontro àqueles preceitos da reforma prisional. Compreende-se, por isso, que se exija uma conduta excepcionalmente meritória para se tornar digno de indulto um recluso classificado de difícil correcção, e que o direito de propor o indulto se limite a quem, por dever de ofício, possa certificar-se da sua boa conduta excepcional.

II

Rehabilitação

7. CONCEITO. - De um modo geral, pode dizer-se que a rehabilitação é a reintegração do condenado no gozo e exercício de direitos de que ele foi privado pela sentença que o condenou e como consequência da pena que lhe foi aplicada.
O conceito de rehabilitação, como a proposta à entende e regula,, resulta fundamentalmente da base IV, assim redigida:

«Os condenados em quaisquer penas ou os imputáveis que forem submetidos por decisão judicial a medidas de segurança só poderão ser rehabilitados, independentemente de revisão de sentença ou despacho, por decisão do juiz de execução das penas.
§ 1.º Nenhuma autoridade pode ordenar o cancelamento do registo criminal, salvo o caso de revisão de sentença ou despacho ou de rehabilitação.
§ 2.º A rehabilitação só poderá ser concedida a quem a tenha merecido pela sua boa conduta».

Segundo se vê deste texto e das explicações que são dadas no relatório da proposta, esta concebe a rehabilitação como um direito do condenado, declarado por um tribunal de justiça e baseado na sua boa conduta.
Pôs a proposta de parte tanto a rehabilitação de direito ou rehabilitação legal, fundada no simples facto do decurso de certos prazos previstos pela lei, depois da extinção da pena, como a rehabilitação graciosa concedida pelo poder social, para só admitir a rehabilitação judiciária como um direito do condenado que se encontra em determinadas condições. Antes de apreciarmos o sistema de rehabilitação estabelecido pela proposta, indicaremos, resumidamente, os seus

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8. PRECEDENTES PRÓXIMOS NO DIREITO PORTUGUÊS. - Sem querermos fazer a história da rehabilitação, que seria aqui descabida, embora interessante, por nos mostrar como a rehabilitação, aparecendo como manifestação do direito de graça, tomou depois a forma de concessão administrativa, para revestir por fim o carácter de rehabilitação de direito ou de uma declaração de justiça, diremos contudo algumas palavras acêrca dos precedentes próximos da proposta nas nossas leis, os quais podem explicar algumas das suas disposições.
No nosso direito, a rehabilitação tem revestido até hoje as duas modalidades de rehabilitação graciosa e de rehabilitação de direito.
O Código Penal de 10 de Dezembro de 1852, imitando até certo ponto o Código de Instrução Criminal Francês de 1808, dispunha no artigo 129.º: «O condenado a pena temporária que tenha por efeito a perda dos direitos políticos não pode recobrá-los pelo cumprimento da pena sem que obtenha a rehabilitação.
§ 1.º A rehabilitação é o acto que restitue ao condenado que cumpriu a pena temporária, ou a quem esta foi simplesmente perdoada ou que a prescreveu, todos os direitos que pela condenação perdera.
§ 2.º A rehabilitação é concedida pelo Govêrno passados três anos depois do cumprimento, ou perdão ou prescrição da pena temporária, precedendo as necessárias informações da autoridade administrativa.
§ 3.º Quando a pena da perda de todos os direitos políticos for imposta como pena principal, pode também, passados quinze anos, ter lugar a rehabilitação nos termos do parágrafo antecedente.
§ 4.º O disposto no parágrafo antecedente aplica-se aos casos da incapacidade - para servir um emprego ou qualquer emprêgo».
Era a rehabilitação graciosa concedida por um acto do Poder Executivo.
Silva Ferrão, criticando severamente este preceito do Código Penal de 1852 (Teoria do direito penal, III, pp. 283 e seguintes), sustentou a doutrina de que a rehabilitação deveria resultar pura e simplesmente o cumprimento da pena, não devendo ficar dependente nem do Govêrno, nem do Poder Judicial, senão para o efeito de verificar e homologar o facto material daquele cumprimento.
A reforma penal de 14 de Junho de 1884, encorporada no Código Penal de 16 de Setembro de 1886, revogou quási inteiramente as disposições do Código Penal de 1852 em matéria de efeitos das penas, sendo estes efeitos regulados nos artigos 74.º a 81.º do Código Penal vigente, onde se encontram os dois importantes preceitos:
1.º De que a condenação do criminoso tem unicamente os efeitos declarados naqueles artigos (artigo 74.º);
2.º De que as incapacidades estabelecidas nos dois artigos fundamentais (artigos 76.º e 77.º), como efeitos das penas, cessam pela extinção destas (artigo 78.º). Por outro lado, a reforma penal de 1884 revogou o artigo 129.º do Código Penal de 1852, escrevendo o autor da proposta de que ela resultou, o então Ministro da Justiça, Lopo Vaz de Sampaio e Melo, no relatório dessa proposta:

«No capítulo relativo ao efeito das penas inseri disposições que alteram profundamente os preceitos da legislação em vigor. A pena deve conter em si e nas circunstâncias que a acompanham todos os elementos da punição dos delinquentes; se é curta a sua duração, alongue-se e, se isto não basta, aplique-se outra mais grave, mas, uma vez extinta, é justo e conveniente que não fique, nem permanentemente, nem temporariamente, o vestígio dela estampado nas faces do infeliz que se desviou do estado de legalidade. O homem delinquíu, a sociedade, ofendida, puniu e o condenado expiou a pena, e, por consequência, está feita e encerrada a liquidação da responsabilidade criminal. O delinquente suportou e pagou tudo quanto a sociedade exigiu dele em compensação da grande dívida que havia contraído com ela, saldou a sua conta, deve entrar para o meio social no gozo pleno dos seus direitos civis e políticos ...».

Foi assim a teoria da rehabilitação legal derivada da extinção das penas, defendida por Silva Ferrão, que a reforma penal de 1884 quis consagrar e que se encontra hoje estabelecida, em princípio, no nosso direito penal.
Depois da reforma penal de 1884, foi a rehabilitação regulada, de modo indirecto, digamos assim, e em termos restritos, pelo decreto de 17 de Março de 1906 e pelo decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, que regularam sucessivamente o registo criminal.
O decreto de 1906, sem falar, aliás, em rehabilitação, estabelecia duas formas de rehabilitação - rehabilitação de direito e rehabilitação graciosa pelo Ministro da Justiça.
A primeira resultava do disposto no artigo 11.º do decreto, o qual determinava que os certificados não solicitados por autoridades omitiriam, entre outras, as inscrições de sentenças de condenação passados cinco, dez ou quinze anos, segundo a gravidade das penas impostas, depois do cumprimento da pena, sob a condição de que contra o mesmo indivíduo não estivesse averbada mais que uma sentença condenatória por crime, exceptuadas, porém, as sentenças relativas a crimes amnistiados. O simples decurso dos prazos de cinco, dez ou quinze anos eliminava os efeitos da condenação.
Era a rehabilitação de direito para delinquentes primários.
A segunda resultava da combinação do artigo 11.º, n.º 9.º, com o artigo 12.º O artigo 11.º, n.º 9.º, mandava omitir nos certificados que não fossem solicitados por autoridades as sentenças cuja transcrição fosse suspensa condicionalmente. O artigo 12.º determinava que a suspensão condicional da transcrição da sentença se verificava nos casos em que fosse outorgada a liberdade condicional a réus condenados e que, além disso, também podia ser concedida a quaisquer outros indivíduos, em atenção ao seu comportamento moral. A suspensão era concedida pelo Ministro da Justiça, depois de devidamente informado e sob parecer da Procuradoria Geral, e podia ser pelo mesmo Ministro revogada, em virtude de informações verificadas.
Esta forma de rehabilitação também só podia aproveitar a delinquentes primários. E era uma rehabilitação sempre revogável em virtude da má conduta verificada do rehabilitado.
E, assim, apareceu no direito português um sistema mixto de rehabilitação de direito e de rehabilitação acto do poder social.
O decreto de 1936 manteve as duas formas de rehabilitação estabelecidas pelo decreto de 1906, mas com algumas innovações dignas de nota, como se vê dos seus artigos 27.º, 28.º, 29.º e 30.º
Os artigos 28.º e 29 mandam considerar canceladas para os efeitos do artigo 27.º, isto é, para o efeito de serem omitidos nos certificados não solicitados por autoridades:
1.º Um ano depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação por contravenções e transgressões de regulamentos;

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2.º Cinco anos depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação em penas correccionais ou especiais para empregados públicos;
3.º Quinze anos depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação a qualquer pena maior;
4.º Os registos relativos a crimes cujas penas estão prescritas.
O cancelamento dos registos das sentenças de condenação por contravenções ou por transgressões de regulamentos verifica-se sempre passado um ano depois do cumprimento da pena, pois o artigo 28.º não estabelece limitação a esse respeito, mas o cancelamento dos registos de sentenças de condenação por crimes só pode aproveitar a delinquentes primários, pois assim o estabelece o § 1.º do artigo 29.º
É a rehabilitação de direito resultante do decurso de um certo prazo depois do cumprimento da pena e no caso de ela estar prescrita.
O artigo 30.º dispõe que ao Ministro da Justiça poderá conceder, a requerimento dos interessados e atendendo ao seu comportamento moral e civil, o cancelamento condicional e provisório de todo ou parte do registo criminal ou policial, mediante parecer do Conselho Superior dos Serviços Criminais.
Este cancelamento provisório deve ser baseado na boa conduta do requerente, converte-se em definitivo decorridos os prazos de um, cinco ou quinze anos depois do cumprimento da pena, nos termos do artigo 29.º, mas não pode ser concedido aos delinquentes por tendência ou habituais, e o Ministro pode revogá-lo ou modificar as condições da sua concessão em virtude de informações devidamente verificadas.
É a rehabilitação por concessão administrativa, começando por ser provisória e revogável, mas tornando-se definitiva decorridos certos prazos.
Também no decreto de 1936 aparece, pois, um sistema mixto de rehabilitação de direito e de rehabilitação por acto do poder social.
A rehabilitação introduzida no nosso direito pelos decretos de 1906 e 1936 foi analisada pelo sábio Prof. Dr. Beleza dos Santos no proficiente estudo por ele publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência (ano 71.º, n.01 2835 e seguintes) sôbre Delinquentes habituais, vadios e equiparados no direito português, onde a doutrina daqueles decretos foi exposta e criticada.
Formulando as conclusões da análise que tez do decreto de 1936, pronunciou-se o ilustre professor no sentido de que o sistema dêsse decreto sôbre rehabilitação deveria ser profundamente modificado, pois:
1.º A rehabilitação por simples decurso do tempo não se justificaria, porque esse facto só de per si não seria prova suficiente da boa conduta do condenado depois do cumprimento da pena e a rehabilitação deveria assentar sôbre essa prova;
2.º A rehabilitação não deveria ser concedida pela autoridade administrativa, mas pela autoridade judiciária, que daria garantia de maior ponderação e confiança, o que aliás seria conforme à tendência dominante para a jurisdicionalização do processo de restituir os condenados no seu estado de direito anterior à condenação;
3.º Seria inconveniente deixar a subsistência do cancelamento provisório dependente de informações das autoridades policiais e administrativas, pois, sendo estas obrigadas a dar parte das irregularidades de procedimento do condenado, ou não cumprem e não o vigiam, e não poderão, portanto, informar convenientemente, ou o vigiam, e muitas vezes será pior, porque estabelecem em volta dele um ambiente de desconfiança, e, frequentemente, em vez de auxiliar a sua readaptação, a comprometem desastradamente, e por isso seria melhor ou confiar essas informações a um assistente social, quando possível, e, melhor ainda, não fiscalizar a conduta do rehabilitado e estabelecer única e simplesmente a revogação de direito quando cometesse novo crime, a que corresponda uma pena de certa gravidade, dentro de certo prazo a contar da rehabilitação;
4.º Seria inconveniente não ter a lei fixado um certo prazo de duração da boa conduta após o cumprimento da pena ou o seu perdão, como condição da concessão do cancelamento provisório, pois, sem isso, poderiam conceder-se rehabilitações irreflectidamente, sem garantias de que os condenados a mereçam, o que daria a explicação da tendência manifesta das legislações para a exigência de certo tempo, depois do cumprimento da pena, como período de prova necessário para se poder conceder a rehabilitação;
5.º Constituiria uma verdadeira aberração o facto de a lei admitir a possibilidade de um cancelamento de todo ou parte do registo criminal ou policial (artigo 30.º, pois ou o rehabilitado se conduziu por forma a merecer confiança pela sua conduta persistentemente honesta, e então justifica-se o cancelamento total, ou não procedeu assim, e o cancelamento não tem razão de ser;
6.º Outro grave defeito da lei seria não prescrever a revogação do cancelamento concedido pelo Ministro, depois de definitivo, quando o rehabilitado cometa um novo crime de certa gravidade, pois isso poderá conduzir à situação de haver reincidentes e até habituais diversas vezes rehabilitados, pois que cada rehabilitação tornaria o condenado um delinquente primário, o que seria logicamente pouco compreensível;
7.º Por outro lado, o decreto seria demasiadamente rigoroso proibindo o cancelamento em favor de delinquentes habituais, pois pode havê-los de conduta impecável e dignos de ser rehabilitados;
8.º Além disso, a lei deveria:
a) Providenciar para o caso de rehabilitação quando se tenham aplicado medidas de segurança;
b) Declarar com precisão os efeitos da rehabilitação, para não dar lugar às dúvidas que hoje existem a tal respeito;
c) Estabelecer que a concessão do cancelamento poderia ficar dependente da indemnização de perdas e danos ou da prova da impossibilidade desse pagamento;
d) Permitir que a rehabilitação se dê antes dos prazos normais por um acto particularmente meritório que a. justifique, a exemplo do que estabelece o Código Penal Suíço (artigo 80.º).
Tal é o ambiente legislativo e doutrinal em que foi organizada a proposta relativa à Rehabilitação dos condenados submetida à nossa apreciação. Dentro desse ambiente a vamos analisar nas suas bases IV a XII, esclarecidas pelo douto relatório que as acompanha.

9. NATUREZA DA REHABILITAÇÃO E ALCANCE DO REGIME PARA ELA ESTABELECIDO PELA PROPOSTA RELATIVAMENTE AO DIREITO VIGENTE. - Na análise do sistema de rehabilitação estabelecido pela proposta, importa antes de tudo precisar a natureza que ela atribue à rehabilitação e o alcance das innovações que pretende introduzir no direito vigente.

I) Natureza da rehabilitação. - Segundo a base IV, os condenados e os imputáveis submetidos por decisão judicial a medidas de segurança, fora dos casos de revisão de sentença ou de despacho, só podem rehabilitar-se por decisão do juiz de execução das penas. Só é reconhecida, portanto, a rehabilitação judicial. Afastou-se inteiramente tanto o sistema puro da rehabilitação de direito como o sistema da rehabilitação graciosa concedida pelo poder social, como qualquer sistema mixto da

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combinação da rehabilitação de direito com o sistema da rehabilitação por uma declaração de justiça. Isto é, à proposta estabelece como princípio fundamental a completa jurisdicionalização da rehabilitação.
Mas, se os condenados e os imputáveis submetidos a medidas de segurança só podem rehabilitar-se por uma decisão de justiça, todos eles podem pedir a rehabilitação e a podem obter, se justificarem a sua boa conduta e satisfizerem a determinadas condições de viabilidade do seu pedido, as quais são estabelecidas na base V e consistem em o rehabilitado ter pago a indemnização de perdas e danos em que tenha, sido condenado e era terem decorrido certos prazos depois do cumprimento da pena ou depois da sua extinção. Isto é, a rehabilitação é um, direito do condenado baseado na sua boa conduta, verificada por um tribunal de justiça.
Será justificado este rigor sistemático da proposta prescrevendo absolutamente a rehabilitação de direito, para só admitir a rehabilitação judicial?
Procuraremos responder a esta questão na crítica que adiante faremos do sistema da proposta. Para melhor a podermos fazer, determinaremos primeiro o alcance do regime que ela pretende estabelecer e as modificações que este regime introduziria no direito vigente.

II) Alcance do regime de rehabilitação estabelecido pela proposta. - A nossa análise visará, sob este aspecto, dois pontos:

a) O seu alcance relativamente às incapacidades e efeitos resultantes das condenações penais;
b) O seu alcance quanto a regime do registo criminal em vigor.

a) Incapacidades e efeitos das condenações penais. - Como foi dito, o artigo 78.º do Código Penal estabelece o princípio de que as incapacidades resultantes das penas cessam pela sua extinção. É este ainda o princípio geral do nosso direito penal. Será ele, porém, modificado pela proposta se ela fôr convertida em lei?
Não é. Em nenhuma das suas bases a proposta contém qualquer preceito tendente a modificar aquele princípio, e, antes, a base vil e o comentário que lhe faz o relatório (n.º 12) mostram que a proposta apenas quis disciplinar a rehabilitação quando ela seja necessária para suprimir os efeitos das penas e que, só por excepção, ela se desvia desse seu destino quando suprimiu ou condicionou a capacidade dos condenados para o exercício de cargos públicos.
A proposta não cria, pois, como princípio, a necessidade da rehabilitação para eliminar os efeitos das condenações penais. Apenas a regula para os casos já existentes, para aqueles que ela estabelece expressamente (base VII) e para aqueles que venham a ser estabelecidos por novas leis, em que os efeitos das penas não cessem pela sua extinção, nos termos do artigo 78.º do Código Penal.

b) Modificações do regime do registo criminal em vigor. - Segundo acima se disse, o decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, que regula actualmente o registo criminal, estabelece duas formas de rehabilitação: a rehabilitação de direito para delinquentes primários e a rehabilitação administrativa, pelo Ministro da Justiça, para quaisquer delinquentes, com excepção dos delinquentes por tendência ou habituais.
A primeira forma de rehabilitação resulta de os artigos 28.º e 29.º determinarem que se consideram cancelados para os efeitos de não serem transcritos nos certificados do registo criminal:
1.º Um ano depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças dê condenação por contravenções ou transgressões de regulamentos;
2.º Cinco anos depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação em penas correccionais ou especiais para os empregados públicos;
3.º Quinze anos depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação a qualquer pena maior;
4.º Os registos, relativos a crimes cujas penas estão prescritas.
Esta forma de rehabilitação, que nos casos dos n.ºs 2.º, 3.º e 4.º só podia aproveitar a delinquentes primários, é excluída pela proposta, não só porque a base IV diz que a rehabilitação só pode ter lugar por decisão de justiça, mas ainda porque o relatório, depois de criticar o sistema da rehabilitação de direito, a ela se refere expressamente para a excluir, escrevendo: «Ao cancelamento parcial adoptado na nossa lei não se podem opor, com a mesma força, críticas idênticas, visto só aproveitar a primários e ter ainda uma repercussão menor sôbre o interesse público. Mas as considerações precedentes conduzem logicamente à conclusão de que, mesmo nesses limitados termos, não é de manter. Preconiza-se por isso aqui a abolição pura e simples da rehabilitação de direito».
A rehabilitação graciosa pelo Ministro da Justiça é formalmente excluída pelo § 1.º da base IV quando diz que nenhuma autoridade poderá ordenar o cancelamento do registo criminal, salvo o caso de revisão de sentença ou despacho, ou de rehabilitação.
Mais uma vez aparece a questão. Será plausível este rigor sistemático em reduzir absolutamente a rehabilitação à rehabilitação judiciária?

10. CRÍTICA DO SISTEMA DA PROPOSTA ACÊRCA DA NATUREZA DA REHABILITAÇÃO. - A proposta exclue absolutamente o sistema da rehabilitação de direito pelas razões seguintes:
1.º Porque a rehabilitação de direito trataria, igualmente os delinquentes de boa conduta e os que levam vida depravada e imoral, e esta igualdade de tratamento de delinquentes de valor moral desigual não só seria revoltante, mas prejudicaria a defesa da sociedade;
2.º Porque não seria procedente a razão, que se invoca para a defender, dizendo-se que a rehabilitação administrativa ou judiciária, tornando por vezes necessário proceder a inquéritos sôbre a conduta do rehabilitado, implicaria uma indiscreta publicidade, que poderia prejudicá-lo na reputação em que é tido socialmente, pois os inquéritos podem fazer-se com discrição e sob sigilo e sem abalar a reputação do rehabilitando;
3.º Porque a rehabilitação de direito seria desnecessária, pois, em iguais prazos ou mesmo em prazos mais curtos, poderiam os interessados obter a rehabilitação, provando a sua boa conduta.
Parece-nos que estas razões não são decisivas no sentido de se admitir exclusivamente a rehabilitação baseada na boa conduta provada do delinquente e que poderia também tomar-se em conta a presunção de boa conduta quando, sobre o cumprimento ou extinção da pena, tenha decorrido um prazo suficientemente largo sem que ele não tenha incorrido em nova condenação e possa considerar-se corrigido e readaptado ao convívio social.
De modo que o sistema mais completo seria, porventura, um sistema mixto, em que a rehabilitação de direito se combinasse com a rehabilitação por decisão do Poder Judicial, facultando-se esta dentro de prazos mais curtos, mediante provas decisivas da regeneração do rehabilitando, e a rehabilitação de direito dentro de prazos mais largos, admitindo-se também, em matéria de rehabilitação, a acção do tempo, cujo papel no campo do direito penal é bem conhecido.

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Pois, se o tempo tem eficácia para inutilizar o procedimento criminal e a execução da pena, deixando-se em liberdade um criminoso que fugiu à acção da justiça durante certo prazo, porque não há-de poder aproveitar também àquele que foi posto em liberdade com a presunção de corrigido e que, no caso de pertencer às categorias de delinquentes mais perigosos, não foi posto em liberdade definitiva sem passar pelo período de prova da liberdade condicional, e não só não reincidiu no crime durante esse período, mas também não reincidiu depois disso num prazo de longos anos? E, por que motivo, em vez de o presumir um disfarçado, um simulador, um criminoso latente, uma pessoa de mau comportamento, não se há-de presumir antes um regenerado a quem repugnam os inquéritos sobre a sua moralidade?
O valor destas considerações de ordem geral acentua-se com a análise das consequências a que conduz o rigor do sistema da proposta.
Prescreve esta toda a rehabilitação de direito e todo o cancelamento advindo do decurso de qualquer prazo sobre o registo das condenações de toda e qualquer gravidade (em penas maiores ou correccionais) e de toda e qualquer natureza (por contravenções ou transgressões de quaisquer regulamentos) e por crimes tanto dolosos como culposos.
Na base V estabelecem-se os prazos por que há-de durar a boa conduta sem qualquer referência à pena aplicada, e o menor prazo aí estabelecido é o prazo de cinco anos, de modo que, mesmo os condenados por contravenções e por transgressões de regulamentos, os condenados no mínimo de prisão correccional ou de multa e os condenados por crimes culposos, todos precisam de se rehabilitar judicialmente, e só o podem fazer, o mais cedo, ao fim de eineo anos, com a única atenuação estabelecida na base XII de o juiz poder ordenar que não se faça menção da decisão condenatória nos certificados do registo para fins particulares, quando aplique penas até seis meses de prisão, quando o réu não tenha sofrido condenações anteriores e pelos seus antecedentes e teor de vida se justifique aquela decisão.
É, evidentemente, necessário, pelo menos, atenuar o rigor da proposta.
Em primeiro lugar, para as sentenças por contravenções e por transgressões de regulamentos, deverá manter-se o disposto no artigo 28.º do decreto de 8 de Dezembro de 1936, que manda considerar cancelados os registos das condenações passado um ano depois do cumprimento da pena.
As contravenções e infracções de regulamentos não representam actos intrinsecamente imorais, mas apenas constituem violações de disposições preventivas das leis e regulamentos, previstas e punidas para evitar crimes possíveis e eventuais e, por isso, não poderia explicar-se o rigor de submeter os seus autores à severidade de uma rehabilitação judicial e, sobretudo, só ao fim de cinco anos de boa conduta.
Ainda merecem evidentemente um tratamento especial os condenados por crimes culposos, os quais não quiseram o mal do crime e a quem o Código Penal (artigo 110.º) dispensa franca benevolência. Para tais crimes pode estabelecer-se, sem receio de inconvenientes, a rehabilitação de direito ao fim do prazo de dois anos depois do cumprimento da pena, prazo suficiente para verificar se se trata de uma culpa eventual ou de uma negligência, digamos assim, sistematizada.
E também são dignos de um tratamento benévolo os crimes de pequena gravidade cometidos, por delinquentes primárias, devendo considerar-se assim os crimes a que seja aplicada a pena de prisão correccional até seis meses ou qualquer pena que lhe seja equivalente, (seguimos para esta equivalência as escalas de penas estabelecidas nos artigos 64.º e 65.º do Código de Processo Penal), pois se trata de infracções que não revelam tam forte inferioridade moral que se torne necessário submeter os condenados ao processo de rehabilitação judicial ao fim de um longo prazo. Ainda para esses se poderá admitir a rehabilitação de direito ao fim do prazo de três anos depois do cumprimento da pena, tempo bastante para constatar se o primeiro crime foi um simples episódio ocasional ou a manifestação de fraca vontade moral.
Para os autores de crimes dolosos de maior gravidade, ainda poderia admitir-se a rehabilitação de direito ao fim de prazos mais longos do que os estabelecidos para a rehabilitação judiciária, pelas considerações que acima foram expostas e em razão da acção eliminadora do tempo, tam geralmente reconhecida na esfera do direito penal. Seriam certamente para isso suficientes os prazos de quinze anos para os condenados em pena maior e de dez anos para os condenados em prisão correccional. São já prazos bastante amplos, os quais, juntos ao período - normal do cumprimento das penas, constituem larga margem para o esquecimento do mal do crime cometido por quem nunca mais sofreu qualquer condenação penal.
A Câmara Corporativa conhece as razões que levaram os autores dos novos - Códigos Penal e de Processo Penal italianos a proscrever a rehabilitação de direito. A rehabilitação de direito seria excluída, por um lado, pelo princípio da individualização da pena, que deve ser adaptada ao grau de perigosidade do delinquente, e, por outro, pela consideração de que a rehabilitação implica a idea de reeducação moral, da qual o simples decurso do tempo não pode dar nenhumas garantias, e de que, se a rehabilitação produz, sobretudo, efeitos jurídicos, a sua causa só pode ser uma causa moral.
São certamente valiosas estas razões, mas não deve esquecer-se nem que todos os condenados devem ser considerados como tendo sido submetidos ao regime de individualização das penas e que, ao serem postos em liberdade definitiva, se devem considerar readaptados à vida honesta, nem que todo o direito penal assenta em fundamentos morais, e nem por isso deixou de estabelecer a prescrição do procedimento criminal e a prescrição das penas, sinal de que, se há uma razão moral para proceder criminalmente contra os delinquentes e para os punir na medida da forma e do grau da sua delinquência, também a há para eliminar aquele procedimento e a punição do condenado quando o tempo, passando sobre o crime ou sobre a punição, tem o valor de os eliminar. E que deverá dizer-se quando sôbre o cumprimento das penas ou sôbre a sua prescrição passou ainda um longo prazo? Parece que aqui, como em tudo, se poderá dizer: summum jus, summa injuria.
O desenvolvimento que apareceras bases relativas à rehabilitação de direito deriva logicamente das razões em que esta Câmara a considerou fundamentada.

11. AMPLITUDE DA REHABILITAÇÃO. - A base IV permite a rehabilitação aos condenados em quaisquer penas e, portanto, a todos os condenados e a todos os imputáveis submetidos a medidas de segurança por decisão judicial, e a base V (§ 2.º) mostra que o direito de rehabilitação é concedido mesmo àqueles que já tenham sido anteriormente rehabilitados e, devido a novas infracções, de novo incorreram nas incapacidades que resultam das condenações penais.
Esta grande amplitude do direito de rehabilitação está na lógica dos princípios em que ela assenta.
Os seus fundamentos são a inexistência de nova condenação e a boa conduta do condenado durante o prazo, considerado suficiente para a ter como provada.

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Ora se o prazo se alarga, como resulta da base V, à medida que a perigosidade do delinquente revelada pelo crime aumenta e os delinquentes de todas as categorias se mostraram regenerados e procederam como pessoas honestas durante esse prazo de prova e, assim, confirmaram a presunção de estarem realmente corrigidos quando foram postos em liberdade definitiva, todos, merecem igualmente ser admitidos a exercer o direito de rehabilitação.
E a mesma ordem de considerações conduz à admissão do direito de rehabilitação a condenados em favor dos quais a pena prescreveu e dos que de novo foram condenados depois de uma primeira vez rehabilitados. Se os primeiros escaparam à pena durante o prazo da prescrição, se durante esse prazo eles procederam honestamente e honestamente continuaram, a proceder durante o prazo legalmente exigido depois da extinção da pena pela prescrição, têm em seu favor p, presunção de que o sofrimento da pena não fez falta ao seu regresso à vida honesta.
E quanto aos já rehabilitados uma primeira vez e que depois foram de novo condenados, não lhes deve ser negado por esse facto o direito de novo se rehabilitarem, pela mesma razão por que se não nega aos reincidentes e aos habituais.

12. CONDIÇÕES. - Determinada a natureza e amplitude de aplicação da rehabilitação, segue-se determinar as condições da sua concessão. Estão estas estabelecidas na base V, assim redigida:

«A rehabilitação só poderá ser apreciada a requerimento do interessado (ou seus representantes legais) quando tiver sido paga a indemnização de perdas e danos em que tenha sido condenado ou se prove a impossibilidade do pagamento, e quando decorridos os seguintes prazos:
a) Dez anos no caso de delinquentes de difícil correcção;
b) Oito anos no caso de condenados por mais de um crime;
e) Cinco anos em todos os outros casos.
§ 1.º O prazo começará a decorrer do cumprimento ou extinção da pena ou procedimento judicial ou cessação do internamento.
§ 2.º Os prazos fixados nesta base serão dispensados quando a rehabilitação seja requerida somente para efeito de concessão de passaporte, exame de condutor, uso de porte de arma de caça e outras semelhantes.
§ 3.º A rehabilitação poderá ser concedida mais que uma vez».

Como se vê, esta base, embora destinada a estabelecer as condições de que depende a rehabilitação, começa por determinar a legitimidade para a requerer,, dispondo que podem requerê-la o interessado ou seus representantes legais, que serão determinados segundo as regras gerais.
As condições de que depende a concessão da rehabilitação são três, duas de viabilidade do pedido de rehabilitação e uma da sua procedência.
As condições de viabilidade são o pagamento da indemnização de perdas e danos em que tenha sido condenado o rehabilitando e o decurso do prazo correspondente à sua categoria criminal.
A condição de fundo ou de procedência do pedido é a boa conduta do rehabilitando (base IV, § 2.º).

a) Pagamento da indemnização. - Da prática dos crimes, além da responsabilidade criminal, resulta a responsabilidade civil de perdas e danos, considerada pela lei penal como uma das consequências da condenação (Código Penal, artigo 74.º, n.º 3.º), e devidamente regulada no Código Civil sob a rubrica «Responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal» (Código Penal, artigo 127.º; Código Civil, artigos 2367.º e seguintes).
Nem o decurso do prazo, salvo a prescrição civil, nem a boa conduta dispensam o seu pagamento. Este só será dispensado quando se prove quer a impossibilidade de o fazer quer a extinção da obrigação de indemnização pela renúncia ou outra causa admitida em direito.

b) Prazos. - Os prazos devem ser considerados quanto à sua duração, quanto à sua contagem e quanto à possibilidade da sua dispensa.

1.º Duração. - A duração dos prazos foi fixada em dez, oito e cinco anos, e esta fixação baseada sobre o grau da presumida dificuldade decrescente da readaptabilidade do delinquente. No alto da escala - dez anos - ficam os delinquentes de difícil-correcção, que são, segundo a reforma prisional de 1936, os delinquentes habituais e os delinquentes por tendência (artigos 109.º e 110.º); logo abaixo - oito anos - ficam os reincidentes e autores de crimes sucessivos ou acumulados, que não devam ser classificados como habituais, nos termos do artigo 109.º da reforma prisional; no ínfimo degrau da escala - cinco anos - ficam os delinquentes primários, condenados por um só crime, como se conclue por exclusão de partes.
Esta gradação foi baseada, como se explica no relatório da proposta (n.º 11), sobre a reincidência, habitualidade e tendência para o crime, isto é, sôbre o grau dê temibilidade presumida do delinquente, e não em atenção à gravidade da pena aplicada, como se fizera nos Códigos Penais Suíço (artigo 80.º) e Norueguês (§ 75.º).
A admitir-se a multiplicidade de prazos, e não um só prazo, a proposta segue a boa doutrina, pois a gravidade da pena, para esta ser devidamente individualizada, deve adaptar-se ao grau de temibilidade do delinquente. Apesar de que, se o delinquente for bem classificado e a pena bem individualizada, não deve haver diferença sensível entre o critério do grau de temibilidade do delinquente e o critério da gravidade da pena, pois é pela forma e grau de delinquência do acusado que deve medir-se a gravidade da pena.
Mas, adoptando como sendo melhor o critério do grau de temibilidade do delinquente, sôbre que base precisa fixar os prazos?
O relatório da proposta apresenta uma lista de códigos de seis países, dos quais dois com um só prazo (Dinamarca, com cinco anos, e Polónia, com dez), três com dois prazos (Brasil, oito e quatro, Itália dez e cinco, e Noruega, dez e três) e um com três (Suíça, quinze, dez e dois). É do sistema suíço que a proposta se aproxima, não na duração dos prazos, mas no seu número.
Mas, pregunta-se naturalmente: porque adoptar três prazos, como a Suíça, e não dois, como o fizeram três dos seis estados, ou um só, como a Dinamarca e a Polónia?
Podia parecer que o prazo único seria o mais lógico e defensável, pois:
1.º O prazo da pena aplicada aos delinquentes deve ser variável, segundo o grau de delinquência presumida do acusado no momento do julgamento, e, supondo que a pena regenera o criminoso, todos os condenados devem supor-se no mesmo estado de correcção no momento do serem postos em liberdade definitiva, pois as diferenças de temibilidade devem supor-se suprimidas pela diferença de duração e de severidade das penas aplicadas, e, de tal modo, todas devem ter produzido, quando cumpridas, o mesmo grau de prevenção individual.

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2.º O relatório da proposta não fornece elementos para averiguar dentro de que prazos se dá geralmente entre nós a reincidência dos condenados postos em liberdade nem qual é o ritmo da sucessão dos crimes ou da sua habitualidade, e seria esse o critério positivo mais aproximado para servir de base à fixação dos prazos em que pode presumir-se a readaptação do delinquente à vida honesta, mas, em todo o caso, o critério a adoptar não deve deixar de pôr em equação o regime prisional a que o condenado esteve sujeito e, sendo certo que, por mu lado, o nosso regime prisional estabelecido pela reforma de 1936 trata desigualmente os delinquentes, segundo o grau revelado da sua capacidade de regeneração, e só permite que os presumidos menos adaptáveis fiquem em liberdade definitiva quando a sua conduta tenha sido experimentada durante um período determinado de liberdade condicional e, por outro, que a pena só acaba quando começa a liberdade definitiva, parece lógica a conclusão de que ao entrarem na fase da liberdade definitiva todos os delinquentes se podem presumir como tendo atingido o mesmo grau de readaptação, e esta presunção conduziria a estabelecer um prazo único como condição da viabilidade do pedido de rehabilitação. E tal é o fundamento da doutrina dos códigos dinamarquês e polaco, que se afiguraria a mais em harmonia com o modo de ser da nossa legislação.
Todavia, porque os delinquentes de difícil correcção (habituais e por tendência) têm contra si a presunção de também ser mais difícil o seu regresso à vida honesta, parece lógico que dêem prova da sua boa conduta por um período mais longo que os outros criminosos, e assim se justifica para eles um prazo mais largo.
Mas, além do prazo que para eles for fixado, um só prazo deve ser estabelecido para todos os delinquentes que se não consideram de difícil correcção. Quanto a esses deve presumir-se que ao serem postos em liberdade definitiva se encontram no mesmo grau de readaptabilidade à vida social e que o período de prova de boa conduta deve ser para todos igual.
E os prazos a estabelecer entre nós não devem ser longos.
O regime geral da nossa lei penal vigente é o da eliminação dos efeitos das penas pela sua extinção e, portanto, em geral, pelo seu cumprimento.
O sistema da nossa lei prisional de 1936 é o sistema da individualização da pena, tendente a conseguir-se que o condenado não seja posto em liberdade definitiva sem que se presuma readaptado à vida honesta.
Sendo assim, parece de boa lógica que os prazos deverão ser determinados, não pelo grau de inadaptabilidade presumida no momento da condenação, mas por aquele que deve presumir-se no momento da libertação definitiva, e esse prazo deve ser tal que, pondo de parte os delinquentes de difícil correcção, se adapte a todos os delinquentes assim não considerados e ser, por isso mesmo, um prazo curto.
E não se ficará longe do que é razoável fixando em cinco anos o prazo suficiente de experiência e de prova para basear a presunção da readaptação à vida honesta dos delinquentes classificados de difícil correcção, pela consideração de que, pela reforma prisional, a pena imposta a estes delinquentes pode, depois de cumprida, ser prorrogada por períodos sucessivos de dois em dois anos e só terminará quando o preso mostrar idoneidade para seguir vida honesta e não for perigoso (artigo 117.º} e de que tais condenados nunca poderão ser postos em liberdade definitiva sem terem estado previamente, pelo menos três anos, em liberdade provisória, o que quere dizer que quando chegam à fase da liberdade definitiva já devem ter afirmado a sua boa conduta, e por isso não é pouco estabelecer para eles o prazo de cinco anos como
período de prova para justificar o pedido de rehabilitação.
Para os demais condenados por crimes dolosos será suficiente o prazo de três anos, pelas considerações feitas de que o prazo deve ser fixado de maneira a poder aplicar-se a todos e de que todos devem presumir-se, ao serem postos em liberdade, como tendo o mesmo grau de readaptação à vida honesta.
E para os autores de crimes culposos ou de crimes dolosos de ínfima gravidade, dignos, como acima se notou (n.º 10), de um tratamento benévolo, o prazo de um ano será certamente suficiente para que eles possam, se assim o desejarem, requerer a sua rehabilitação judicial.

2.º Contagem e dispensa. - Para rematar estas leves considerações sôbre a condição-prazos, importa dizer algumas palavras sobre a sua contagem e a sua dispensa, o que constitue a matéria dos §§ 1.º e 2.º da base V.
Quanto ao § 1.º, deverão suprimir-se as palavras «ou procedimento judicial», pois a rehabilitação tem por objecto a eliminação dos efeitos das penas (base VI) ou dás medidas de segurança, e, por isso, os prazos só podem contar-se a partir da extinção da pena ou da cessação das medidas de segurança aplicada aos imputáveis por decisão judicial, parecendo por isso que não pode atender-se à extinção do procedimento judicial.
A doutrina do § 2.º deve ser suprimida ou modificada.
Nem na teoria da rehabilitação baseada na boa conduta, nem na teoria da rehabilitação de direito baseada no decurso de certos prazos, se compreende a dispensa dos prazos, pois o prazo é necessário para a afirmação da boa conduta ou para presumir a readaptação do condenado à vida honesta.
E, por tal motivo, somos de parecer que se torna necessário modificar a disposição no sentido de o tribunal da rehabilitação poder aplicar o princípio estabelecido no artigo 78.º do Código Penal, segundo o qual os efeitos das penas cessam, ipso facto, pela extinção destas.

13. EFEITOS DA REHABILITAÇÃO. - Os efeitos da rehabilitação estão estabelecidos nas bases VI a IX, cuja letra é:

«Base VI - A rehabilitação tem como consequência a extinção dos efeitos não civis da condenação, com as restrições das bases vil e viu ou de outras leis.
Base VII - Não poderá ser provido em qualquer cargo público aquele que tiver sido condenado em pena maior, seja qual for o crime, ou em pena de prisão simples, por furto, roubo, abuso de confiança, burla, quebra fraudulenta, falsidade, fogo posto, ou por crime cometido na qualidade de empregado público no exercício das suas funções, desde que se trate de crimes dolosos, bem como o que tiver sido declarado delinquente de difícil correcção.
Não poderá ser provido em qualquer cargo público, se não for rehabilitado, aquele a quem tiver sido aplicada por outras infracções pena de prisão ou aquele a quem tiver sido aplicada pena de multa, se a infracção revestir o carácter de delito doloso contra a economia ou saúde pública.
Base VIII - A rehabilitação poderá ser concedida com a restrição de não produzir efeitos quanto ao provimento em todos ou alguns cargos públicos, ou de não fazer cessar a interdição do poder paternal ou da tutela.
§ único. A restrição a que se refere esta base será prescrita, quando o condenado, apesar da sua boa conduta, não tenha readquirido o necessário prestígio e idoneidade para o exercício das funções

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mencionadas na mesma base, devendo sempre ter-se em conta, para este efeito, a natureza do crime, os móbiles que o determinaram e a sua repercussão social.
Base IX - Dos certificados do registo criminal de rehabilitados não constarão as condenações anteriores à rehabilitação, salvo quando forem, passados para investigação científica ou para elaboração de estatísticas oficiais ou quando se destinarem a instruir processos criminais ou ao provimento em cargos públicos ou forem requisitados por autoridades públicas.
Se a rehabilitação for dada com restrição de efeitos pelo que toca à interdição do poder paternal ou da tutela e houver de se tomar decisão judicial acerca do exercício daqueles poderes pelo rehabilitado, a referida restrição constará do certificado que servir para a instrução do processo».

Na análise destas bases importa apreciar o princípio geral que domina a determinação dos efeitos da rehabilitação, as restrições que limitam a sua esfera de acção e as suas aplicações.

I) Princípio geral. -Este princípio está formulado na base VI nos termos seguintes: «A rehabilitação tem como consequência a extinção dos efeitos não civis da condenação, com as restrições das bases VII e VIII ou de outras leis». O princípio é, pois, que a rehabilitação suprime os efeitos não civis das condenações.
Esta fórmula efeitos não civis é uma fórmula negativa, cujo alcance se torna necessário precisar.
A rehabilitação é, em princípio, a restituição do condenado no seu estado de direito anterior à condenação, e, por isso, ela deve ter também em princípio, como efeito a eliminação de todas as incapacidades e consequências que resultam da condenação e afectam a sua pessoa.
Segundo a fórmula da proposta, as incapacidades de direito público em geral resultantes da condenação deverão considerar-se suprimidas pela rehabilitação, salvo lei em contrário.
E o mesmo deve dizer-se de quaisquer outros efeitos dás penas, previstos em leis de direito público e, portanto., no direito penal. E assim é que deverá entender-se que as condenações penais anteriores à rehabilitação não serão contadas para efeito de reincidência, sucessão ou habitua]idade no crime.
E ainda é uma consequência do mesmo princípio que devem ser canceladas no registo criminal todas as condenações anteriores à rehabilitação para o efeito de não poderem afectar de futuro a capacidade ou situação jurídica do rehabilitado, salvo se por lei outra cousa fôr determinada.
Persistem, porém, os efeitos civis.
¿Mas que efeitos civis terá a proposta em vista?
Há um que é certo. É a indemnização de perdas e danos devida pelo condenado ao ofendido (Código Penal, artigo 75.º, n.º 3.º), pois o seu pagamento ou a prova da impossibilidade de o fazer é condição da viabilidade do pedido de rehabilitação (base V).
Outro efeito é igualmente certo. È a obrigação de restituir, quer ao ofendido ou a- seus herdeiros, quer a terceiros, as cousas de que pelo. crime os tiver privado ou de lhes pagar ò seu valor (artigo citado, n.ºs 1.º e 2.º).
¿Mas compreenderá à fórmula também as incapacidades de direito civil resultantes da sentença condenatória, como acontece com a incapacidade do exercício dos poderes familiares e dó mandato judicial?
¿Essas incapacidades persistirão como efeitos civis ou deverão ser consideradas, como efeitos não civis e desaparecer com á rehabilitação como efeitos penais da condenação?
Pelos artigos 76.º, n.º 3.º, e 77,º,. n.º 2.º, do Código Penal, da condenação a pena maior e a pena de prisão correccional, de suspensão temporária dos direitos políticos ou desterro, resulta a incapacidade de ser tutor, curador, procurador em negócios de justiça ou membro do conselho de família, ;e, pelo artigo 78.º, estas, incapacidades cessam ipso facto pela extinção da pena.
Pelo artigo 19.º do Código Penal Italiano, são penas acessórias idos delitos a perda ou a suspensão do poder paternal e do poder marital, e, pelo artigo 178.º do mesmo Código, estas penas são extintas pela rehabilitação.
E pelos artigos 67.º, n.º 2.º, e 69.º, n.º 2.º, do Código Penal Brasileiro, a incapacidade permanente ou temporária do exercício do poder marital, do pátrio podei, da tutela e da curatela são igualmente penas acessórias e são extintas pela rehabilitação (artigo 119.º).
A base viu da proposta determina que a rehabilitação pode ser concedida com a restrição de não fazer cessar a interdição do poder paternal ou da tutela.
Tudo isto mostra, que as incapacidades de direito civil resultantes das condenações penais, normalmente, são extintas pela rehabilitação como penas acessórias, para usarmos a linguagem dos Códigos Penais Italiano e Brasileiro.
A fórmula efeitos civis da base VI não compreende, pois, essas incapacidades.
¿A que se reduzirá, pois, o seu alcance, além das restituições e da indemnização devidas ao ofendido ou a terceiros?
Reduz-se aos efeitos da condenação produzidos antes da rehabilitação e aos direitos adquiridos por terceiro contra, o condenado pelo facto mesmo da condenação. As incapacidades provenientes da pena são eliminadas pela rehabilitação, mas os efeitos desta incapacidade produzidos emquanto ela durou prevalecem. A rehabilitação actua no presente e para o futuro, mas não actua para o passado. E assim, se o condenado perder, pela condenação, o direito de testar, como ainda acontece pela lei italiana, a rehabilitação restitue-lhe esse direito, mas se tiver testado entre a condenação e a rehabilitaçuo o testamento é nulo. E do mesmo modo persiste, apesar da rehabilitação, o divórcio ou a separação de pessoas e bens, obtidos pelo cônjuge do condenado a penas maiores fixas (decreto de 3 de Novembro de 1910, artigos 4.º e 43.º).
As incapacidades resultantes da condenação desaparecem com ela pela rehabilitação, mas as consequências de ordem civil, que a condenação produziu em favor de terceiros, e a irrelevância jurídica dos actos praticados pelo condenado durante a sua incapacidade persistem.
Sendo este, como nos parece que é, o sentido do princípio estabelecido pela base VI, considerámo-lo juridicamente exacto. A rehabilitação repõe o rehabilitado no seu estado de direito anterior à condenação, mas não pode nem destruir a condenação em si mesma nem nos efeitos que ela produziu antes da rehabilitação.
Mas, se é assim, à base VI deverá dar-se uma redacção que traduza-o pensamento que ela quere exprimir e substituir-se à sua fórmula negativa uma fórmula positiva que traduza esse pensamento de modo completo.
E essa fórmula positiva não poderá deixar de corresponder à causa e ao fim da rehabilitação.
A causa da rehabilitação é a condenação penal, que se traduz na imposição de penas, as quais têm como efeitos específicos, variáveis embora segundo a sua gravidade:
1.º A perda de qualquer emprego ou função pública, dignidades, títulos, nobreza e condecorações (Código Penal, artigo 76.º, n.º l.º):

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2.º A suspensão (perda temporária) de emprego ou funções públicas (Código cit., artigo 77.º, n.º 1.º);
3.º Incapacidades de direito público, como são as incapacidades de eleger, ser eleito ou nomeado para quaisquer funções públicas (Código cit., artigo 76.º, n.º 2.º, e artigo 77.º, n.º 2);
4.º Incapacidades de direito privado, como a incapacidade de exercer o poder paternal e a tutela, de ser curador ou membro do conselho de família e de ser procurador em negócios de justiça (Código cit., artigo 76.º, n.º 3.º, e artigo 77.º, n.º 2.º);
5.º A inscrição do condenado no registo criminal, que é hoje a marca da pena que o acompanha (decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, artigos 10.º e sgs.);
6.º A agravação das penas em futuras condenações no caso de reincidência, sucessão de crimes ou habitualidade no crime (Código Penal, artigos 35.º a 37.º; decreto-lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936, artigo 109.º).
E tudo isto são efeitos penais de que a condenação é a causa.
Foi para eliminar e extinguir estes efeitos que a evolução jurídica criou a rehabilitação, e é essa eliminação que ela tem por fim.
Ê por isso evidente que, ao determinar os efeitos da rehabilitação, se torna indispensável que a fórmula legal que os indica mostre que ela tem por fim extinguir, no todo ou em parte, os efeitos penais das condenações e até onde vai o seu poder de eliminação.
E só assim a lei traduzirá o conceito da rehabilitação, que é justamente a reintegração do condenado no seu estado de direito anterior à condenação.
Esta reintegração consistirá: em levantar as incapacidades que privavam o condenado do gozo e exercício de direitos públicos ou privados; em atenuar, senão apagar, a publicidade que o registo criminal deu ao seu crime; e em ele ser considerado, quando eventualmente venha a praticar um novo crime, como delinquente primário, fazendo com que a condenação de que foi rehabilitado não conte para a reincidência, sucessão ou habitualidade no crime.
Mas como a rehabilitação actua no presente e para o futuro, e não para o passado, também importa que a fórmula indique o que da condenação para o rehabilitado fica definitivamente perdido, o que para terceiros fica definitivamente adquirido, e o que da sua incapacidade, que acaba, fica intacto pela fôrça eliminadora da rehabilitação, quanto aos actos praticados por ele como incapaz, embora esses actos possam ter eficácia segundo os termos de direito que fixam o valor dos actos jurídicos praticados por incapazes.
Foi com estes intuitos que se redigiu a nova base VIII.

II) Aplicações e restrições do princípio. - Nas bases VII a IX estabelecem-se restrições ou aplicações do princípio formulado na base VI. Eis essas restrições e aplicações:

a) Capacidade do exercício de cargos públicos ou do exercício do poder paternal ou da tutela. - A base VII estabelece uma incapacidade absoluta e uma capacidade condicionada para o exercício de cargos públicos. De incapacidade absoluta são feridos, aqueles que tiverem sido condenados em pena maior, seja qual fôr o crime, ou em pena de prisão simples por furto, roubo, abuso de confiança, burla, quebra fraudulenta, falsidade, fogo posto ou por crime cometido na qualidade de empregado público no desempenho das suas funções, desde que se trate de crimes dolosos, bem como o que tiver sido declarado delinquente de difícil correcção.
A capacidade condicionada é estabelecida para aqueles a quem tiver sido aplicada por infracções diferentes das que acabam de ser indicadas a pena de prisão ou para aqueles a quem tiver sido aplicada pena de multa, se a infracção revestir o carácter de delito doloso contra a economia ou saúde pública, os quais poderão exercer cargos públicos sob a condição de se rehabilitarem.
A base VIII confere ao tribunal da rehabilitação a faculdade de conceder a rehabilitação com a restrição quer de excluir o rehabilitado do exercício de todos ou alguns cargos públicos, quer de não fazer cessar a interdição do poder paternal ou da tutela, e dispõe que esta restrição será prescrita quando o condenado, apesar da sua boa conduta, não tenha readquirido o necessário prestígio e idoneidade para o exercício das funções de que fica privado, tendo em atenção a natureza do crime, os móbiles que o determinaram e a sua repercussão social.
O relatório comenta estas disposições dêste modo:

«Entendeu-se dever consagrar na presente proposta a doutrina de que a rehabilitação suprime os efeitos não civis da condenação emquanto não fôr revogada. Admitem-se, porém, limitações a este princípio.
É o que sucede no que respeita ao acesso a lugares públicos ou ao exercício do poder paternal ou da tutela.
Rigorosamente, não haveria que dizer numa lei sobre rehabilitações quais são os efeitos acessórios das condenações penais, mas apenas como se destroem esses efeitos no todo ou em parte.
Assim se procede aqui; mas faz-se excepção no que se refere ao provimento de lugares públicos, dada a insuficiência das normas actualmente vigentes .nesta matéria, pois existem a esse respeito disparidades injustificadas e falta de princípios seguros.
Tratando-se de crimes mais graves ou de criminosos de difícil correcção, julga-se que a dignidade da função pública exige a impossibilidade de acesso a eles de condenados por êsses crimes ou de criminosos naquelas condições. É a consequência lógica do decreto-lei de 9 de Fevereiro de 1943 (artigo 13.º e § único, n.º 6.º);
Para outros casos há-de o condenado obter a rehabilitação, que poderá todavia ser-lhe negada com êsse efeito, se não tiver readquirido o necessário prestigio e idoneidade. Tudo isto é objecto da base VII.
Quanto ao exercício do poder paternal e da tutela, também se prevê que a rehabilitação não exclua as incapacidades baseadas na condenação» (n.º 12).

Efectivamente, a doutrina da base VII tinha o seu assento lógico ou nas disposições relativas aos efeitos das condenações penais ou no Estatuto dos Funcionários Públicos.
Mas as disposições estão na proposta e por isso importa apreciá-las.
Como acima se disse, a alínea 1.ª da base VII estabelece a incapacidade absoluta de exercer cargos públicos, quer para os delinquentes condenados a pena maior, quer para os condenados a prisão simples por certos crimes dolosos, quer para delinquentes de difícil correcção.
Esta disposição representa uni forte agravamento da incapacidade de exercício de cargos públicos, derivada das condenações: penais, como ela é estabelecida nos artigos 76.º, 77.º e 78.º do Código Penal, que, em princípio, só prescrevem essa incapacidade para o tempo de duração das penas, cessando com a extinção destas.

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A proposta não constitue, porém, o início do rigor do nosso direito no que respeita à admissão aos cargos públicos.
Já o. próprio Código Penal, ao lado do princípio geral do artigo 78.º, que determina que a incapacidade de ser nomeado para quaisquer funções públicas cessa com a extinção da pena, dispôs no artigo 71.º que a pena de demissão ou perda de emprego pode ser com declaração de incapacidade para tornar a servir qualquer emprego e pode ser sem essa declaração, acrescentando, no seu § único, que será sempre pronunciada a demissão do empregado público quando este, fora do exercício das suas funções, for encobridor de cousa furtada ou roubada, ou cometer o crime de falsidade ou de furto, de roubo, de burla, de abuso de confiança, e que a pena decretada na lei seja a pena correccional nos casos em que o Ministério Público acusa independentemente da acusação da parte.
A Carta Orgânica do Império Colonial Português, aprovada pelo decreto-lei n.º 23:228, de 15 de Novembro de 1933, e de que foi mandada fazer nova publicação pela portaria n.º 8:699, de 5 de Maio de 1937, determina no artigo 129.º que não pode ser nomeado ou contratado para cargos públicos quem tiver anteriormente sido condenado a pena maior ou correccional, aposentado ou demitido por decisão tomada em processo disciplinar, pelos crimes de furto, roubo, burla, abuso de confiança, falsidade, difamação ou calúnia, provocação pública ou crime, prevaricação, peculato e concussão, peita, suborno e corrupção, inconfidência, incitamento à indisciplina ou outros que se devam considerar deshonrosos.
Por seu lado, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, aprovado pelo decreto-lei n.º 32:659, de 9 de Fevereiro de 1943, determina no artigo 13.º, § único, n.º 6.º, que a pena de demissão de um cargo público importa a perda de todos os direitos de funcionário e a impossibilidade de ser nomeado funcionário público ou administrativo ou contratado como tal.
A alínea 1.º da base VII não é assim anais que um termo na evolução do nosso direito no sentido do rigor no recrutamento do funcionalismo.
á porém, necessário ir tam longe para defender a dignidade da função pública?
A Câmara Corporativa, tendo ponderado o assunto com toda a reflexão e procurado encontrar uma solução que defendesse a dignidade da função pública, sem sacrificar escusadamente os direitos individuais, formulou o seu modo de ver sobre a base das seguintes considerações:
1.ª Que há crimes que, pelo grau de inferioridade moral que revelam nos seus autores, devem constituir sempre obstáculo ao acesso aos cargos públicos;
2.º Que os criminosos classificados de difícil correcção, exactamente pela frequência ou pela perversidade com que cometem crimes de gravidade, não devem ser. admitidos nunca ao exercício daqueles cargos;
3.º Que há crimes que poderão ser considerados mais ou menos graves e reveladores de maior ou menor idoneidade moral para o desempenho de funções públicas, segundo as circunstâncias e o momento em que foram praticados, os móbiles que os determinaram e a repercussão social que tiveram, e que deverão ser ou não motivo de exclusão do provimento em cargos públicos, segundo o prudente arbítrio do tribunal da rehabilitação;
4.ª Que os crimes culposos e os crimes intencionais de ínfima gravidade não deverão ser nunca motivo de exclusão das funções públicas.
Em conformidade com estas considerações se redigiram os bases correspondentes às bases VII e VIII.
b) Omissão das condenações nos certificados do registo criminal. - Segundo o artigo 10.º do decreto de 8 de Dezembro de 1936, o registo criminal abrange todas as sentenças e acórdãos de condenação.
Em princípio, estas sentenças e acórdãos devem ser transcritos nos certificados do registo (artigos 24.º e seguintes). Como, porém, a rehabilitação suprime os efeitos não civis das condenações (base VI), determina a base IX que dos certificados não constarão as condenações anteriores à rehabilitação.
A esta regra formula a base IX as cinco excepções de os certificados serem passados:
1.ª Para investigação científica ou elaboração de estatísticas oficiais;
2.º Para instruir processos criminais;
3.º Para o provimento de cargos públicos;
4.ª A requisição de autoridades;
5.ª Para instrução de processos em que haja de se tomar decisão judicial acêrca da interdição do poder paternal ou da tutela, quando a rehabilitação tenha sido concedida com restrições de efeitos relativamente àquela interdição.
I) As excepções 1.º e 4.º já se liam no artigo 24.º do decreto de 1936 sobre registo criminal e não levantam dificuldades.
II) A excepção 3.º tem a sua explicação na base VII da proposta, pois a rehabilitação nunca pode suprimir a incapacidade de exercício de cargos públicos provinda da condenação por certos crimes ou de determinados criminosos e, por isso, é necessário que as sentenças de condenação anteriores à rehabilitação constem dos certificados do registo criminal destinados a instruir processos de provimento em empregos públicos.
III) A excepção 2.ª levanta certa dificuldade, pois manda mencionar as condenações de delinquentes rehabilitados proferidas antes da sentença de rehabilitação, quando os certificados se destinarem à instrução de processos criminais, sem limitar as consequências dessa menção.
A rehabilitação suprime os efeitos penais da condenação e um destes efeitos consiste em as condenações deverem ser tidas em conta para verificar a existência das circunstâncias agravantes da reincidência, da sucessão de crimes e da habitualidade.
Claro é que, se a rehabilitação persiste, os efeitos penais das condenações não revivem e não podem ser tomados em conta para aqueles fins.
A rehabilitação pode, porém, ser revogada, quer pelo juiz da execução das penas dentro dos prazos estabelecidos na base x, - alínea 1), quer de direito, quando o rehabilitado, seja qual for o prazo decorrido depois da condenação, sofra condenação em pena maior (base X, alínea 2).
Se a rehabilitação é revogada pelo juiz durante o período em que ela é provisória ou caduca pela sua revogação de direito, a revogação faz reviver os efeitos penais da condenação e, portanto, esta será contada para a reincidência, sucessão de crimes e habitualidade.
No regime da proposta de rehabilitação provisória revogável pelo juiz, seguida de rehabilitação definitiva quanto aos condenados em geral, e de rehabilitação sempre revogável de direito para os condenados em pena maior, a nova condenação do rehabilitado efectuada durante o período de revogabilidade faz reviver os efeitos das condenações anteriores à rehabilitação, mas a efectuada(no período em que a rehabilitação já é definitiva não tem a virtude de os fazer reviver.
Se a rehabilitação é sempre revogável, uma nova condenação tem sempre como consequência fazer reviver os efeitos das condenações que lhe são anteriores.
Cremos que é nestes termos que deve determinar-se o alcance da excepção que acabamos de analisar.

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IV) A excepção 5.ª encontra a sua explicação na base viu.
A rehabilitação de condenados na interdição do poder paternal ou da tutela pode ser concedida com a restrição de não fazer cessar essa interdição e, por isso, quando as tutorias da infância tenham de tomar decisões acêrca do exercício do poder paternal ou da tutela pelo rehabilitado, deve aquela restrição constar do certificado, como elemento de apreciação a tomar em conta pelo tribunal.

c) Modificações do regime do registo criminal quanto à omissão de actos nos certificados desse registo. - Pelo disposto nos artigos 27.º e 30.º do decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, nos certificados do registo que não forem solicitados por autoridades públicas serão omitidos sempre os actos indicados no artigo 27.º e os registos de condenação que, segundo os artigos 28.º e 29.º, devem ser considerados cancelados, assim como aqueles que, nos termos do artigo 30.º, o Ministro da Justiça mandar cancelar.
Há dois pontos vem que o decreto de 1936 ficará manifestamente revogado pela conversão em lei da presente proposta. E no que respeita:
1.º Ao cancelamento automático regulado nos artigos 28.º e 29.º, pois esse cancelamento equivale a uma rehabilitação de direito, e esta é formalmente excluída pela proposta;
2.º Ao cancelamento concedido pelo Ministro da Justiça, pois isso equivale a uma rehabilitação administrativa, e esta é também formalmente abolida pela proposta.
Continuará, porém, em vigor relativamente aos actos cuja omissão é ordenada pelo artigo 27.º?
Parece-nos isso indubitável para os casos dos n.ºs 1.º a 10.º, pois neles se trata:
1.º Ou de detenção (n.ºs 1.º a 3.º), de despachos de pronúncia (n.º 4.º), de ordens policiais de expulsão do território da República (n.º 9.º), de sentenças absolutórias ou declaratórias de não imputabilidade ou relativas a crimes amnistiados (n.ºs 5.º e 6.º), nos quais não há, portanto, condenação, e a proposta só se ocupa da rehabilitação de condenados ou de imputáveis submetidos a medidas de segurança (por decisão judicial;
2.º Ou de sentenças com suspensão da pena (n.º 7.º), de sentenças cuja transcrição foi suspensa condicionalmente (n.º 3.º) e de sentenças proferidas por tribunais estrangeiros por factos não puníveis pela lei portuguesa (n.º 10.º), e tais sentenças contêm quer condenações criminalmente irrelevantes em consequência do princípio da territorialidade das leis penais (n.º 10.º), quer condenações que ainda se não tornaram efectivas (n.º 7.) ou cuja publicidade pelo registo o legislador permitiu limitar, tendo o juiz entendido dever usar da faculdade concedida pela lei para evitar que a desconfiança pública viesse prejudicar a reputação de um condenado de bom comportamento moral (n.º 8.º) e, em consequência, de sentenças de condenação que não podiam afectar à reputação do condenado ou não a afectaram até ao ponto de lhe ser necessário requerer a sua rehabilitação perante um tribunal de justiça, o que aliás vem confirmar a base XII da proposta, que concede aos juizes a faculdade de ordenar que nos certificados para fins particulares se não faça menção da decisão condenatória por crimes leves cujo móbil não seja deshonroso e cujo autor não tenha sofrido condenação anterior e tenha antecedentes, e teor de vida que o justifiquem.
Já o mesmo se não pode dizer com tanta certeza do acto indicado no artigo 27.º, n.º 11.º «sentenças proferidas por infracção de posturas ou editais militares», pois a proposta prescreve a rehabilitação de direito (base IV) e o relatório (n.º 5) indica, entre os preceitos do decreto de 1936 sôbre o registo, criminal que estabelecem a rehabilitação de direito, o seu artigo 27.º
Cremos, porém, que não vai até aí o rigor da proposta e que o relatório faz referência ao artigo 27.º pelo facto de para ele remeterem os artigos 28.º e 29.º

14. CARÁCTER DA REHABILITAÇÃO. SUA REVOGAÇÃO: CONDIÇÕES E ELEITOS. - A proposta determina o carácter da rehabilitação na base X, cujo teor é:

«A rehabilitação poderá ser revogada pelo juiz de execução das penas quando, dentro do prazo de dez anos, a contar da sua concessão, tratando-se de delinquentes de difícil correcção, de oito anos, tratando-se de condenados por mais de um crime, ou dentro do prazo de cinco anos, em todos os outros casos, o rehabilitado tenha sido condenado por qualquer crime.
A rehabilitação será sempre revogada de direito quando o rehabilitado, qualquer que seja o prazo decorrido, sofra condenação em pena maior».

Entre os três sistemas legislativos seguidos pelos códigos dos diferentes estados, a saber, o sistema de rehabilitação imediatamente definitiva (Suíça e Polónia), o sistema de rehabilitação provisória seguida de rehabilitação definitiva (Itália) e o sistema de rehabilitação sempre revogável (Brasil), a proposta decidiu-se, em princípio, pelo sistema de rehabilitação provisória, seguida de rehabilitação definitiva, estabelecendo na alínea 1.ª da base X que a rehabilitação pode ser revogada pelo juiz de execução das penas se o rehabilitado, dentro de dez anos, tratando-se de delinquentes de difícil correcção, de oito anos, tratando-se de condenados por mais de um crime, e de cinco anos, em todos, os outros casos, tiver sido condenado por qualquer crime, o que quere dizer que, não sendo o rehabilitado condenado por qualquer crime dentro desses prazos, a rehabilitação se torna definitiva.
Todavia, se o rehabilitado fôr condenado em pena maior, a rehabilitação é revogada de direito, qualquer que tenha sido o prazo decorrido.
do fundo, é um sistema mixto, de rehabilitação provisória seguida de rehabilitação definitiva, e de rehabilitação sempre revogável de direito.
De um modo geral, o sistema seguido pela proposta afigura-se plausível, pois procura conciliar os interesses do rehabilitado com os interesses da defesa social.
A rehabilitação começa a produzir os seus efeitos logo que é concedida, pois o rehabilitado tem por si a presunção de. haver regressado à vida honesta.
Deverá, porém, dar-se a esta presunção o valor de uma presunção júris et de jure, por forma que uma nova condenação do rehabilitado deva ser sempre considerada como a condenação de um delinquente primário, ficando para sempre eliminados os efeitos das condenações anteriores? Ou deverá dar-se à presunção o valor de presunção júris tantum, fazendo reviver os efeitos das condenações anteriores se o rehabilitado é de novo condenado depois da rehabilitação?
Todos os juízos acêrca da readaptação dos delinquentes são juízos de probabilidade e não juízos de certeza e daí as hesitações da doutrina, traduzidas nas leis, que oscilam entre a rehabilitação sempre revogável (Brasil), sempre definitiva (Suíça), e a revogável de começo, para mais tarde, passado certo prazo, se tornar definitiva (Itália).
Para se decidir, pôs a proposta em equação o factor temibilidade do delinquente, o factor tempo e o factor gravidade da pena, aplicada ao rehabilitado pelo novo crime por ele cometido depois da rehabilitação para de-

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terminar o grau de estabilidade a atribuir à rehabilitação.
Cremos que o sistema é, em princípio, aceitável, mas que devem introduzir-se-lhe algumas modificações.
Assim, não há razão para estabelecer multiplicidade de prazos, pois se todos os rehabilitados o foram por terem provado a sua boa conduta, a presunção base da rehabilitação é igual para todos e o prazo da rehabilitação provisória deve ser igual para todos, como o faz o Código Italiano (artigo 180.º).
E, porque o prazo deve ser igual para todos os rehabilitados, deve pautar-se pelo prazo mínimo estabelecido para obter a rehabilitação, já que as diferenças de readaptibilidade dos rehabilitados antes da rehabilitação devem ser consideradas eliminadas pela diferença de prazo de boa conduta para eles poderem pedir a rehabilitação. E assim o faz também o Código Italiano, o qual, estabelecendo os dois prazos de boa conduta - dez e cinco anos (artigo 179.º) -, estabeleceu um só prazo de rehabilitação provisória, e esse é de cinco anos (artigo 180.º).
Também não vemos razão para a revogação poder ter lugar por qualquer crime, mas deveriam exceptuar-se os crimes meramente culposos, e mesmo para os crimes dolosos deveria limitar-se a revogação à condenação a penas de certa gravidade, como o faz o Código Penal Brasileiro (artigo 120.º), e de certa duração, sendo razoável, senão o que estabelece o Código Italiano, que determina que a condenação deverá ser por tempo imo inferior a três anos ou a pena mais grave (artigo 180.º), que, pelo menos, a pena seja superior a seis meses de prisão correccional ou outra equivalente.
Só assim se dará à rehabilitação a estabilidade relativa que ela deve ter, mesmo quando revogável.
E ainda seria conveniente modificar a alínea 2.ª da base X no sentido de se estabelecerem dois períodos no que respeita à revogabilidade da rehabilitação por condenação em pena maior. No primeiro período, que seria igual ao período de revogabilidade da rehabilitação provisória, a rehabilitação seria revogada de direito e, passado esse período, deveria poder ser revogada pelo tribunal da condenação, conforme a natureza do crime, os móbiles que o determinaram e a sua repercussão social.

Segundo a proposta, os prazos de revogabilidade da rehabilitação são três, e, segundo já dissemos, o prazo deve ser apenas um.
Mas que sejam três ou que seja um, quando é que esses prazos se perfazem para a rehabilitação se tornar definitiva ou para que ela se considere revogada ou revogável?
O texto da alínea 1.ª da base x diz que a rehabilitação poderá ser revogada se, dentro de dez, oito ou cinco anos -, o rehabilitado for condenado por qualquer crime.
Parece, pois, que é a data da condenação, e não a data do crime, que marca o limite entre a rehabilitação provisória e a rehabilitação definitiva. Será assim?
Entendemos que não, pois duvidamos que fôsse êsse o pensamento do autor da proposta, já que o relatório, apontando os Códigos que adoptam os diferentes sistemas, apenas indica o Código Italiano como adoptando o sistema da rehabilitação provisória seguida da rehabilitação definitiva, e a verdade é que este Código marca o limite entre a rehabilitação provisória e a definitiva ria data do crime, dizendo (artigo 180.º): «A sentença de rehabilitação fica revogada de direito se o rehabilitado comete dentro de cinco anos um delito não culposo ao qual seja aplicável a pena de reclusão por tempo não inferior a três anos ou uma pena mais grave.
Demais, o critério da data da nova condenação reduziria sempre o prazo de duração da rehabilitação provisória, pois entre a prática do crime e a condenação medeia sempre o tempo necessário à instrução e ao julgamento, e acarretaria desigualdades flagrantes pela diferença de intervalo que, na maior parte dos casos, há de processo para processo, entre a data do crime e a data da condenação.
Sendo assim e supondo que o sentido do texto é o que resulta da sua letra, somos de parecer que o texto deve ser modificado em harmonia com a doutrina do artigo 180.º do Código Penal Italiano, estabelecendo-se como data de referência a data do crime, e não a data da condenação.

No sistema da rehabilitação imediatamente definitiva os efeitos da rehabilitação tornam-se desde logo intangíveis, e uma nova condenação do rehabilitado nunca os fez reviver, e o rehabilitado será considerado, para todos os efeitos jurídicos, quando cometa um novo crime, como um delinquente primário.
No sistema contrário da rehabilitação sempre revogável, todos os efeitos das condenações anteriores revivem e deixam o delinquente numa situação semelhante àquela em que ele se encontraria se rehabilitação não houvesse.
No sistema mixto de rehabilitação provisória, seguida de rehabilitação definitiva, e de rehabilitação sempre revogável, segundo os casos, que é o sistema da proposta, os efeitos da rehabilitação desaparecem se a rehabilitação é revogada pelo juiz de execução das penas ou de direito.
Deve dizer-se que, no sistema da proposta, nunca há verdadeiramente rehabilitação definitiva, pois toda a rehabilitação desaparece pela condenação a pena maior, e, por isso, os efeitos das condenações anteriores podem sempre reviver.

15. PROIBIÇÃO JUDICIAL DA TRANSCRIÇÃO DE CERTAS CONDENAÇÕES NOS CERTIFICADOS DO REGISTO CRIMINAL. - Na sua última base (XII) formula a proposta o seguinte preceito:

Os tribunais que profiram condenações em penas que não excedam a de prisão até seis meses, quando o móbil do crime não seja deshonroso, o réu não tenha sofrido condenação anterior e os seus antecedentes e teor de vida o justifiquem, poderão ordenar que, nos certificados do registo criminal para fins particulares, se não faça menção da decisão condenatória. Esta concessão entender-se-á revogada de direito quando o réu incorrer em nova condenação por qualquer crime em pena privativa de liberdade».

Esta disposição é paralela à que se lê no artigo 175.º do Código Penal Italiano 1, que parece tê-la inspirado, destina-se, como ela, a evitar aos delinquentes primários condenados por delitos sem gravidade a desconfiança social que contra eles determina o conhecimento

1 Código Penal Italiano, artigo 175.º: «Se em uma primeira condenação é aplicada uma pena pecuniária não superior a 20:000 liras ou uma pena de prisão até dois anos, só ou cumulativamente com pena pecuniária até à soma supraindicada, poderá o juiz, atendendo as circunstâncias mencionadas no artigo 133.º (circunstâncias objectivas e subjectivas da infracção que o juiz deve tomar em consideração na apllicação discricionada das penas dentro dos limites fixados pela lei), ordenar na sentença que não seja feita menção da condenação no certificado do registo criminal, passado a requerimento de particulares, que não seja por motivo de direito eleitoral».

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da sua condenação e que pode dificultar a sua readaptação, e coordena-se com as medidas tendentes a reduzir ao mínimo necessário a publicidade do registo criminal, tornando-o uma instituição discreta que não venha dificultar, senão impossibilitar, como notava o autor do decreto de 17 de Março de 1906 sôbre essa instituição, a regeneração de delinquentes «em cuja emenda podem depositar-se fundadas esperanças». O pensamento que ditou o preceito do Código Italiano é exposto de forma incisiva no relatório ministerial do projecto desse Código, numa passagem que consideramos digna de nota e por isso a transcrevemos: «A omissão da condenação no certificado penal traduz-se numa limitação dos efeitos da condenação e, portanto, na extinção de algum de tais efeitos. O registo criminal desempenha, como é sabido, uma variedade de fins e mira a uma multiplicidade de serviços, que se ligam à inscrição das condenações, à sua menção nos certificados que se passam a requisição das autoridades ou a requerimento dos particulares. A omissão da condenação refere-se exactamente aos certificados passados a particulares por motivos diversos dos que podem respeitar ao direito eleitoral e, nesta esfera limitada, reduz os efeitos da condenação, evitando que esta se torne conhecida dos particulares e prejudique entre êles o bom nome do condenado». (Manzini, Trattato di dirito penale italiano, III, p. 582, nota 2).
A tendência para tornar discreta a publicidade do registo criminal bem a traduzia já a nossa lei de 6 de Julho de 1893, que, tendo introduzido entre nós a suspensão da execução da pena (artigo 8.º), determinou no artigo 11.º que a sentença seria averbada no registo criminal com expressa declaração de que ficava suspensa e quê, se no período fixado de suspensão da execução da pena o réu não incorresse em nova condenação, nos certificados do registo que fôssem requeridos se não faria referência alguma ao processo. E bem a traduziram também, primeiro, o referido decreto de 1906, prescrevendo que, fora dos casos em que os certificados fôssem solicitados por autoridades, nêles fôsse omitida uma série de inscrições, entre as quais (artigo 11.º, n.º 3.º) as das sentenças cuja transcrição fôsse suspensa condicionalmente, e, depois, o decreto vigente sobre o registo criminal, de 8 de Dezembro de 1936, cujo artigo 27.º dispõe que os certificados que não forem requisitados por autoridades públicas para o fim de instrução de processos, de estatística, de estudo e observação dos presos omitirão uma série de actos, que, sem serem necessários à finalidade do registo criminal, lhe dariam uma publicidade prejudicial à consideração pessoal das pessoas visadas por essas inscrições, aparecendo entre estas, como no decreto anterior, as sentenças cuja transcrição seja suspensa condicionalmente.
A disposição da base XII tem assim o mérito de concorrer para reduzir a justas proporções a publicidade inerente ao registo criminal e, por isso mesmo, constitue uma limitação dos efeitos da condenação, no que se coordena também com a função da rehabilitação, cuja finalidade está, sobretudo, em suprimir os efeitos penais das condenações.
Parece-nos que a fórmula certificados para fins particulares deverá ser substituída pela fórmula do Código Italiano certificados requeridos por particulares. E evidente que esta restrição a quem interessa é ao próprio condenado e, por isso, é sobretudo em relação a terceiros que importa torná-la efectiva, para o efeito de não ser afectada a reputação do condenado por uma publicidade desnecessária do registo criminal.

16. JURISDIÇÃO EM MATÉRIA DE REHABILITAÇÃO. - Segundo resulta das bases I, II, III, X e XI e das explicações dadas no relatório, são os mesmos tribunais
que intervêm na execução das penas e das medidas de segurança e que conhecem da rehabilitação.
Daí a questão: deverão ser efectivamente os mesmos os tribunais da execução das penas e os tribunais da rehabilitação?
O relatório da proposta, tendo motivado a criação de um juízo especial para exercer a função de jurisdicionalização do cumprimento, das penas e das. medidas de segurança, ao motivar o regime da rehabilitação de delinquentes que restabelece passa em revista os sistemas legislativos respeitantes à determinação do tribunal competente para conceder a rehabilitação (n.ºs 13.º) e pronuncia-se no sentido de confiar essa competência ao juízo da execução das penas, pondo de parte tanto o sistema do direito francês e italiano, que atribue competência aos tribunais de apelação, como o sistema do direito dinamarquês e norueguês, que atribue competência ao tribunal do domicílio do rehabilitando. Aí se escreve: «Adopta-se, porém, solução diferente: a dê confiar tal competência aos juizes de execução da pena, cuja criação se propõe. É que estas funções harmonizam-se com as que se lhes pretendem atribuir na execução das penas e medidas de segurança».
Aparte o modo de constituição dos tribunais de execução das penas, entende a Câmara Corporativa que é a estes tribunais que deve ser confiada a função da rehabilitação judicial dos condenados.
As decisões da justiça no momento do julgamento, condenando o delinquente a uma certa pena, no decurso ao cumprimento da pena, modificando-a ou extinguindo-a, e no momento da rehabilitação, suprimindo no todo ou em parte os efeitos da condenação, constituem uma série de juízos sobre o mesmo delinquente, e por isso parece lógico que sejam os tribunais competentes para modificar as penas no decurso do seu cumprimento aqueles que devem pronunciar-se sôbre a eliminação dos efeitos da condenação pela rehabilitação.
Os tribunais da execução das penas serão por isso também os tribunais da rehabilitação.
As decisões em matéria de rehabilitação não serão susceptíveis de recurso, salvo nos casos estabelecidos nos n.ºs 1.º e 2.º da base XI da proposta, cujas disposições salvaguardam devidamente os direitos dos rehabilitados e os interesses da defesa social.

Tais são as considerações que a Câmara Corporativa entende dever fazer sobre a proposta de lei relativa à jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança e u rehabilitação de delinquentes. Em conformidade com essas considerações, sugere a mesma Câmara que nas bases da proposta sejam feitas as modificações constantes do texto que ela oferece à apreciação de quem de direito.

III

Bases modificadas

I

Jurisdicionalização do cumprimento das penas e das medidas de segurança

BASE I

1. São jurisdicionalizadas e atribuídas aos tribunais de execução das penas, se por lei não forem da competência de outro tribunal, as decisões tendentes ã modificar ou substituir as penas ou as medidas de segurança no decurso do seu cumprimento, quer na sua duração quer no seu regime prisional.
2. Por efeito do disposto no número anterior, passam a ser da competência dos tribunais de execução das

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penas as funções que, nesta matéria, pertencem, por lei, ao Conselho Superior dos Serviços Criminais e ao Ministro da Justiça.
3. O Conselho Superior dos Serviços Criminais funcionará como órgão consultivo do Govêrno.

BASE II

1. é criado, com sede em Lisboa e jurisdição em todo o País, um tribunal colectivo de execução das penas, composto por um juiz de um tribunal superior, que será o presidente, dois juizes adjuntos, licenciados em direito e especializados em ciências penais, um médico criminalista e um director de estabelecimento prisional com cinco anos, pelo menos, de exercício do cargo.
2. Poderão ser criados novos tribunais com idêntica composição, quando a distribuição da população prisional ou as necessidades do serviço assim o exijam, nos centros onde possam encontrar-se ou conjugar-se os elementos necessários à sua organização.
3. Os tribunais de execução das penas conhecerão de facto e de direito, mas o julgamento das questões de direito compete apenas ao presidente e seus adjuntos.
4. Estes tribunais poderão e deverão colhêr, por intermédio de algum ou alguns dos seus membros, ou de outros órgãos, as informações directas que tiverem por convenientes, quer nos estabelecimentos prisionais, quer fora dêles, para que as suas decisões correspondam, o mais possível, às condições reais dos condenados.

BASE III

1. As decisões dos tribunais de execução das penas não serão susceptíveis de recurso, salvo no caso de ordenarem a prorrogação das penas ou das medidas de segurança, ou a revogação da liberdade condicional.
2. Para conhecer dos recursos é criado, com sede em Lisboa e jurisdição em todo o País, um tribunal colectivo, composto por dois juizes do Supremo Tribunal de Justiça, o mais antigo dos quais será o presidente, um professor de direito penal, um professor de medicina legal e o director geral dos serviços prisionais.
3. Êste tribunal julgará de facto e de direito.

BASE IV

A representação, do Ministério Público junto dos tribunais de execução das penas em l.ª e 2.ª instância pertence à Procuradoria Geral da República.

BASE V

1. Compete aos tribunais de execução das penas conceder e prorrogar a liberdade condicional, e bem assim revogá-la quando a revogação não fôr de direito, e compete-lhes igualmente exercer as funções consultivas que, em matéria de concessão de indultos, pertencem ao Conselho Superior dos Serviços Criminais.
2. O indulto de condenados classificados como delinquentes de difícil correcção só poderá ser proposto pelo director do respectivo estabelecimento ou pelos tribunais de execução das penas, e ùnicamente no caso de conduta excepcionalmente meritória.

II

Rehabilitação dos delinquentes

SECÇÃO I

Rehabllltação judicial

BASE VI

1. Os condenados em quaisquer penas e os imputáveis submetidos por decisão judicial a medidas de segurança poderão ser rehabilitados, independentemente de revisão de sentença ou de despacho nos termos dos artigos 673.º e seguintes do Código Penal Português, por decisão do tribunal de execução das penas.
2. A rehabilitação judicial só poderá ser concedida a quem a tenha merecido pela sua boa conduta.

BASE VII

1. A rehabilitação judicial só poderá ser requerida pelo interessado, ou seus representantes; quando tenha sido cumprida ou por qualquer outro modo extinta a obrigação de indemnizar o ofendido ou se prove a impossibilidade do seu cumprimento, e desde que tenham decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, no caso de delinquentes de difícil correcção;
b) Três anos, nos casos não especificados;
c) Um ano, nos casos de condenados por crimes culposos ou por crimes dolosos punidos com pena de prisão correccional até seis meses ou outra pena equivalente.
§ único. O prazo começará a correr do cumprimento ou extinção da pena ou da cessação da medida de segurança.
2. Para o efeito do exercício de profissões para que a lei prescreva a apresentação de certificado do registo criminal ou policial e bem assim para o efeito da concessão de passaporte e de licença de uso e porte de armas de caça e para o efeito de exame de condutor, poderá o tribunal da rehabilitação aplicar o princípio, estabelecido no artigo 78.º do Código Penal, de que as incapacidades resultantes das penas cessam pela extinção destas, se o requerente tiver cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido ou justificado a sua extinção por qualquer meio legal, ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.
3. A rehabilitação judicial poderá ser concedida mais que uma vez.

BASE VIII

1. A rehabilitação têm como consequência fazer cessar, salvo lei expressa em contrário, as incapacidades e demais efeitos da condenação penal ainda subsistentes.
2. Todavia, a rehabilitação não atinge as perdas definitivas que para o condenado resultaram da condenação, não prejudica os direitos que desta advieram para o ofendido ou para terceiros, e não sana, de per si, a nulidade dos actos que o condenado praticou durante a sua incapacidade.

BASE IX

1. Não poderão ser providos em qualquer cargo público, mesmo quando rehabilitados:
a) Os condenados em pena maior pelos crimes contra a segurança exterior do Estado, bem como pelos crimes de furto, roubo, abusos de confiança, burla, falsidade, quebra fraudulenta, fogo pôsto, prevaricação, descaminho de documentos, peculato, concussão, peita, subôrno ou corrupção;
b) Os condenados classificados como delinquentes de difícil correcção.
2. Os condenados em pena correccional pelos crimes indicados na alínea a) do número anterior e os condenados em pena maior por quaisquer outros crimes não poderão ser providos em cargos públicos emquanto não forem reabilitados.

BASE X

A reabilitação poderá ser concedida com a restrição de que o rehabilitado não poderá ser provido em todos ou alguns cargos públicos ou com a de não fazer cessar a interdição do poder paternal ou da tutela, quando o

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tribunal, ponderando a natureza do crime, os móbiles que o determinaram e a sua repercussão social, entenda que, apesar da boa conduta anterior, êle não readquiriu a idoneidade e prestígio necessários para o exercício daqueles cargos ou poderes.
§ 1.º A rehabilitação de condenados pelo crime de lenocínio será sempre concedida com a restrição de não poderem exercer o poder paternal ou a tutela.
§ 2.º A restrição de provimento em cargos públicos só poderá ser prescrita contra os condenados abrangidos no n.º 2 da base anterior.

BASE XI

1. Dos certificados do registo criminal de rehabilitados não constarão as condenações anteriores à rehabilitação, salvo quando forem passados para investigação científica ou elaboração de estatísticas oficiais, ou quando se destinarem a instruir processos criminais eu ao provimento em cargos públicos.
2. Se a rehabilitação fôr concedida com restrição de efeitos pelo que respeita à interdição do poder paternal ou da tutela e houver de se tomar decisão judicial acêrca do exercício daqueles poderes pelo rehabilitado, a referida restrição constará do certificado que servir para a instrução do processo.
3. Os certificados passados para instruir processos criminais não poderão ser tomados em conta para o efeito da reincidência, da sucessão de crimes e da habitualidade no crime, emquanto subsistirem os efeitos da rehabilitação.

BASE XII

1. A rehabilitação poderá ser revogada pelo tribunal de execução das penas quando, dentro de três anos a contar da sua concessão, o rehabilitado cometer qualquer crime doloso e fôr condenado em pena de prisão correccional por mais de seis meses ou outra pena equivalente.
2. Quando o rehabilitado cometer novo crime dentro daquele prazo e fôr condenado em pena maior, a rehabilitação será revogada de direito. Se, porém, o crime fôr cometido depois de decorrido o mesmo prazo, a rehabilitação poderá ser revogada pelo tribunal de execução das penas, qualquer que seja o prazo decorrido.

BASE XIII

1. As decisões do tribunal em matéria de rehabilitação são susceptíveis de recurso nos dois casos seguintes:
a) Quando a rehabilitação tenha sido negada, concedida com restrições ou revogada;
b) Quando, tendo sido concedida a rehabilitação, o Ministério Público entenda que é ofensiva do interêsse público.
2. O recurso será interposto para o tribunal colectivo que conhece dos recursos em matéria de execução das penas.

SECÇÃO II

Rehabilitação de direito

BASE XIV

1. Sem prejuízo da rehabilitação judicial, dar-se-á a rehabilitação de direito, decorridos, depois do cumprimento da pena ou da sua extinção, os prazos seguintes:
a) Um ano, para os condenados por contravenções ou transgressões;
b) Dois anos, para os condenados por crimes culposos;
c) Três anos, para os delinquentes primários condenados por crimes dolosos a que tenha sido aplicada pena de prisão correccional até seis meses ou outra equivalente;
d) Dez anos, para os condenados por crimes dolosos em penas correccionais, ou especiais para empregados públicos, mais graves do que as indicadas na alínea precedente;
e) Quinze anos, para os condenados em pena maior ou pena de demissão.
2. A rehabilitação será declarada pelo tribunal de execução das penas, sob proposta da direcção dos serviços do registo criminal e policial, ou a requerimento do interessado.
3. A rehabilitação de direito só se verificará se, antes de decorridos os prazos acima estabelecidos, o condenado fôr pronunciado ou de novo condenado por outro crime. Se, porém, a pronúncia não fôr mantida ou fôr seguida de absolvição, contar-se-á o prazo como se pronúncia não tivesse havido.
4. A rehabilitação de direito não poderá verificar-se mais de uma vez nos casos previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º l desta base.

BASE XV

A rehabilitação de direito produz os mesmos efeitos que a rehabilitação judicial, salvo o de fazer cessar a incapacidade de exercer cargos públicos, o poder paternal ou a tutela, nos casos em que êsse efeito, nos termos das bases IX e X, dependeria de decisão.

BASE XVI

É aplicável à rehabilitação de direito o disposto na base XI para a rehabilitação judicial.

BASE XVII

A rehabilitação de direito fica revogada pela condenação por novo crime.

SECÇÃO III

Bases gerais e comuns às duas formas de rehabilitação

BASE XVIII

1. Nos casos de revogação da rehabilitação judicial e nos de revogação da rehabilitação de direito prevista nas alíneas a) e b) do n.º l da base XIV, começarão a correr novos prazos para ambas as formas de rehabilitação, e o mesmo acontecerá no caso de a rehabilitação de direito não ter chegado a verificar-se em consequência da condenação por novo crime.
2. Nos casos de revogação da rehabilitação de direito prevista nas alíneas c), d) e e) do n.º l da base XIV, começarão a correr novos prazos para a rehabilitação judicial.
§ único. Os novos prazos contam-se a partir da revogação, salvo no caso indicado na parte segunda do n.º l, em que o prazo sé contará a partir da condenação.

BASE XIX

Para os efeitos da presente lei consideram-se equivalentes à pena de prisão correccional até seis meses as penas de destêrro até seis meses, de multa até seis meses ou até 5.000$ quando a lei fixar a quantia, de suspensão de emprêgo até dois anos, de suspensão temporária dos direitos políticos até dois anos, de repreensão e de censura, e equivalentes à pena de prisão correccional por mais de seis meses as penas de destêrro por mais de seis

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meses, de muita por mais de seis meses ou de mais de 5.000$ quando a lei fixar a quantia, de suspensão do emprêgo por mais de dois anos ou sem limite de prazo e de suspensão de direitos políticos por mais de dois anos.

BASE XX

Nenhuma autoridade poderá ordenar o cancelamento do registo criminal fora dos casos da presente lei e do de revisão de sentença ou despacho.

BASE XXI

Os tribunais que condenem em pena de prisão até seis meses ou outra pena equivalente poderão, quando o móbil do crime não seja doloso, o réu não tenha sofrido condenação anterior e os seus antecedentes e teor de vida o justifiquem, ordenar que nos certificados do registo criminal, requeridos por particulares, se não faça menção da sentença condenatória. Esta concessão será revogada de direito quando o réu incorrer em nova condenação por qualquer crime em pena privativa de liberdade.

Palácio de S. Bento, 23 de Fevereiro de 1944.

Domingos Fezas Vital.
Gustavo Cordeiro Ramos.
João Serras e Silva.
José Gabriel Pinto Coelho.
Marcelo José das Neves Alves Caetano (com restrições quanto a alguns pontos de doutrina do parecer em, que se perfilham princípios puramente positivistas).
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Paulo Arsénio Veríssimo Cunha (concordo com a generalidade das razões apresentadas, embora entendendo que as modificações da pena no decurso do seu cumprimento não representam alteração da sentença condenatória).
Manuel Rodrigues Júnior.
Álvaro Machado Vilela, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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