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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 60

ANO DE 1944 15 DE MARÇO

ASSEMBLEA NACIONAL

III LEGISLATURA

SESSÃO N.° 57, EM 14 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

Nota. - Foram publicados dois suplementos: um, relativo ao Diário das Sessões n.° 48, insere as contas da Junta do Credito Público respeitantes ao ano económico de 1942; outro, referente ao Diário das Sessões n.° 59, contém um acórdão da Comissão de Verificação de Poderes.

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o último número do Diário das Sessões. Leu-se o expediente.

Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, iniciou-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei relativa ao Estatuto da Assistência Social, lendo usado da palavra os Srs. Deputados Braga da Cruz, Camarate de Campos e Duarte Marques.

CAMARA CORPORATIVA. - Parecer referente à proposta de lei n.° 22, sobre definição da competência do Governo da metrópole e dos governos coloniais quanto acêrca e ao tempo das concessões de terreno no ultramar.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 36 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Cândido Pamplona Forjaz.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.

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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Leu-se o

Expediente

Exmo. Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - As presidentes das grandes organizações femininas do País e as directoras das Obras de Lisboa, que se dedicam à formação, preservação e regeneração das raparigas, tendo tomado conhecimento da passagem do parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social que se refere à proibição do exercício legal da prostituição às menores, vêm muito respeitosamente afirmar a V. Exa, pedindo-lhe o favor de fazer chegar aos Srs. Deputados esta mensagem - que estão de alma e coração com os dignos Procuradores que assinaram o parecer onde emitem a sua opinião sobre este grave e delicado assunto.
O que se passa em Portugal a respeito da prostituição das menores é verdadeiramente desolador e quási custa a acreditar que o registo das menores seja ainda permitido num País que está dando ao mundo o exemplo de tanta cousa elevada e nobre.
Infelizmente neste ponto estamos longe de muitos países, onde não só é proibido às menores o exercício legal da prostituição, mas foram até abolidas as casas de tolerância.
A lista completa seria longa; limitaremos as citações.
Na Europa: Noruega (ano de 1888); Dinamarca (1901); Holanda (1902); Copenhague (1906); Varsóvia (1919); Viena (1920); Praga (1922); Suíça (1925); Berlim, Hamburgo e Bremem (1927), etc.
Na América do Sul: Bolívia (1923); Cuba (1924;; República Dominicana (1927); Nicarágua (1928); Argentina (1933), etc.
Outros países ainda: Austrália, Canadá, Luxemburgo, Mónaco, Nova Zelândia, etc.
Embora seja também esta a mais «alta aspiração» da mulher portuguesa, esperamos, pelo menos, que se reduza ao mínimo tam grande mal: que, de ora avante, «seja proibido o exercício legal da prostituição às menores».
Em 194 casos cujo estudo foi feito em 1941 num dispensário de mulheres matriculadas verificou-se que 43 por cento se tinham inscrito ainda menores: 1 com 14 anos; 3 com 15; 4 com 16; 7 com 17; 17 com 18; 27 com 19; 25 com 20. Em estatísticas anteriores (1933-1934-1935) encontram-se mesmo raparigas que foram inscritas com 11, 12 e 13 anos de idade!
É horrível verificar esta precocidade e monstruoso que tal inscrição seja legalmente possível em tais idades!», escreveu o Dr. Fernando da Silva Correia.
É de notar que logo aos 21 anos as inscrições descem sensivelmente. Na citada estatística aos 21 anos são já apenas 15, e vai sempre decrescendo.
Isto justifica as palavras do Dr. Tovar de Lemos: «São inconscientes quási sempre as mulheres nesta altura da vida, ignorando a vida ignominiosa de miséria e perigos a que vão expor-se».
Torna-se, pois, necessário defender e proteger as raparigas, proibindo-lhes a inscrição e organizando para elas obras de preservação e regeneração.
Se se conseguir impedir até à maioridade a sua admissão nas casas de tolerância, grande parte delas escaparão a essa vida desgraçada.
«Se uma rapariga se não prostitue antes dos 21 anos, não chegará a prostituir-se» - é uma lei de Augagneur.
Não é assim em absoluto, mas tem muito de verdadeira esta afirmação.
Compreende-se, por conseguinte, a alta importância da «proibição do exercício legal da prostituição às menores».
Não podem, pois, as mulheres portuguesas ficar indiferentes a este problema e vêm confiar a V. Ex.ª o seu desejo de que seja feita legislação no sentido de evitar a perdição de tanta rapariga.
Estamos certas de que o nosso pedido encontrará eco na Assemblea Nacional e que esta se honrará em pôr termo a uma situação que não é apenas um mal individual, mas atinge a família e tem repercussões sociais. O Estado tem o dever de preservar as raparigas «do mal social, da desgraça», que é a prostituição.
Como representantes das Organizações e Obras femininas, a nossa petição vem apoiada pela voz de muitos milhares de mulheres e raparigas de Portugal, de todas as classes, desde as pobres às ricas, desde as incultas às universitárias, muitas delas esposas, mais, irmãs e noivas daqueles que, pelo seu mandato, podem conseguir aquilo que nós só podemos desejar e pedir.
A bem da Nação. - Isabel Bandeira de Melo, Condessa de Rilvas, presidente da direcção da Obra das Mãis pela Educação Nacional; Fernanda de Orey, comissária adjunta, pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa Feminina; Maria Joana Mendes Leal, presidente nacional da Associação Católica Internacional para Obras de Protecção às Raparigas; Joana Jardim Xavier, vice-presidente da Obra do Amparo à Criança; Maria do-Carmo Serzedelo Amorim, presidente das Conferências Femininas de S. Vicente de Paulo; Maria Carlota Silveira de Andrade, presidente da Associação de Nossa Senhora da Conceição para Escolas e Patronatos; Maria Madalena de Brion, pelo Instituto de Sta. Madalena; Maria Luíza de Vilhena Coutinho da Câmara, presidente diocesana da Obra de Protecção às Raparigas; Isabel Bandeira de Melo, Condessa de Rilvas, presidente da Associação e do Instituto de Serviço Social; Lídia Maia Cabeça, presidente da Associação Protectora das Florinhas da Bua; Eugenia de Castelo Branco Alves Diniz, presidente da Associação

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Protectora de Meninas Pobres; Laura Cardoso da Silva de Melo e Faro, Condessa de Monte Real, pelos Asilos da Infância Desvalida; Margarida de Almeida, pela Escola Nossa Senhora dos Mártires, Casa de Trabalho e Obra das Creches; Sílvia Cardoso Ferreira da Silva, pela Obra de Santa Ana na Quinta do Bosque, Amadora; Maria do Carmo Ferreira de Mesquita de Moura, presidente nacional da Liga de Acção Católica Feminina; Maria Sílvia Street Braamcamp Sobral, presidente geral da Liga Agrícola Católica Feminina (L. A. R. C. F.); Maria da Conceição Reis Gomes de Sousa, presidente geral da Liga Escolar Católica Feminina; Judite Pereira Caldas Correia de Lacerda, vice-presidente da Liga Independente Católica Feminina (em exercício); Maria do Sagrado Coração de Jesus de Barcelos Coelho Vieira Ribeiro, presidente geral da Liga Operária Católica Feminina; Judite da Silva Gonçalves, pela direcção da Liga Universitária Católica Feminina; Clotilde Ferreira, chefe da Divisão Auxiliar Feminina dos Escoteiros de Portugal; Júlia Guedes, presidente da direcção nacional da Juventude Católica Feminina; Maria Joana de Azevedo Furtado; presidente da direcção geral da Juventude Agrária Católica Feminina; Maria Berta Peixoto da Costa, presidente da direcção geral da Juventude Escolar Católica Feminina; Maria Inez Stilwell, presidente da Juventude Independente Católica Feminina; Irene Carmo, presidente da direcção geral da Juventude Operária Católica Feminina; Aurora Fernandes David, presidente da direcção geral da Juventude Universitária Católica Feminina; Mariana das Dores de Melo, Condessa de Sabugosa e de Murça, presidente da Associação Protectora das Escolas para Crianças Pobres; Isabel de Melo de Almada e Lencastre, presidente da Casa de Protecção e Amparo de Santo António; Teresa Lobo de Almeida Melo de Castro de Vilhena, presidente da Associação das Senhoras de Caridade; Adriana Rodrigues, pela direcção da Obra de Previdência e Formação das Criadas a Educadora Familiar; Maria Leonor Correia Botelho, presidente da Associação das Assistentes Sociais e Educadoras Familiares do Instituto de Serviço Social; Maria Augusta de Castro da Cunha Rola Pereira, presidente do Artesanato das Florinhas de Cristo-Rei; pela União Noelista Portuguesa: Maria Luíza Ressano Garcia, vice-presidente nacional; Francelina dos Santos, comissária nacional; Branca da Silveira e Silva, conselheira nacional; Maria de Lourdes Bernardette Manuela Gonçalves da Fonseca Ribeiro, conselheira nacional; Maria Godinho Saldanha, responsável nacional das Amigas do Lar; Maria Teresa Navarro, presidente diocesana de Lisboa; Maria Madalena Sousa Casanova Augustine, vice-presidente diocesana; Maria Lucília Frazão, secretária diocesana; Clara Pinto Trincão de Paiva Boléu, tesoureira diocesana; Maria Helena Sousa Machado Oliveira Pais, 2.ª tesoureira diocesana; Maria de Jesus Correia de Sampaio Botelho, responsável diocesana das Amigas do Lar; Olga Abreu Fonseca da Mota Afreixo, vice-presidente diocesana das Amigas do Lar; Maria Manuela Simões Saraiva, responsável diocesana de médias; Maria Teresa Andrade Santos, responsável diocesana de cadetes.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como não há reclamações, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Estatuto da Assistência Social.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: o Sr. Ministro do Interior na notável conferência que proferiu em Angra do Heroísmo, em 1 de Agosto de 1941, traçou os princípios orientadores da Assistência Social em Portugal por uma forma tam justa, precisa e clara que logo mereceram o geral e entusiástico aplauso do País.
E as providências até hoje já tomadas pelo Sub-Secretariado do Estado da Assistência Social, nas quais só revela e patenteia a lúcida e brilhante acção dum dos mais ilustres componentes desta Assemblea Nacional, o Sr. Dr. Joaquim Diniz da Fonseca...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- ...jamais deixaram de seguir aquelas superiores directrizes.
E é ainda dentro dessas superiores directrizes que se acha elaborada a proposta de lei em discussão, das quais aliás essencialmente não diverge também o douto parecer da Câmara Corporativa, a cujo relator, em quem não sei que mais admirar, se o seu pujante talento se a sua prodigiosa actividade, aqui presto as minhas homenagens.
E quais foram essas superiores directrizes? Foram estas:
1.ª A Assistência Social, em vez de se dirigir ao indivíduo, deve dirigir-se à família e cooperar com ela.
2.ª A Assistência Social deve ser de preferência preventiva, e, quando curativa, atender mais ao rendimento social do socorro do que ao efeito imediato.
3.ª A Assistência Social deve ser corporativa e, como tal, orientada e coordenada superiormente, e não inorgânica e dispersiva.
Nem sempre, porém, em Portugal se acharam firmados tam sãos princípios.
O 8.° suplemento ao Diário do Governo n.° 98, 1.ª série, de 10 de Maio de 1919, publicou o decreto n.° 5:640, que organizou em Portugal o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral.
Moldado, assente, alicerçado em verdadeiras utopias, parece que o legislador não pensava sequer onde legislava e para quem legislava, ou legislava pensando talvez estar na estratosfera, chegando-se no relatório do decreto a declarar que o Instituto era uma obra que estava destinada a ser, em curto período, o primeiro estabelecimento do Estado. A utopia era manifesta.
Esta instituição foi geometricamente talhada, a régua, esquadro e compasso, mas, por forma alguma, se adaptava às circunstâncias especialíssimas da sociedade portuguesa.
Fatalmente, pois, tinha de baquear; fatalmente, pois, tinha do falir. E qual o motivo por que uma reforma tam transcendente não conseguiu sequer, ao menos, apaixonar a grande massa da população portuguesa? Qual o motivo por que tam profunda reforma jamais conseguiu fazer vibrar o entusiasmo nas próprias classes que com ela pretendidamente se procurava beneficiar? Por um motivo muito simples: porque a utopia era tam manifesta, como disse, que toda a gente via que seria impossível dar realização a tal obra.
Afonso Lopes Vieira escreveu, referindo-se a uma notável obra de assistência do distrito de Leiria, que a assistência de carácter social deveria ser criada, não como

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forma de obter uma poltrona no Paraíso nem a gratidão servil do povo, mas para cumprir deveres. O grande mestre escalpelizou, como êle sabe fazer, as actividades que tantas vezes vemos empregadas quer num quer noutro sentido e tam improfícuas se tornam para os fins que se desejam atingir.
Há muitas pessoas que entendem realmente que deverão, em matéria de assistência, fixar uma poltrona no Paraíso. Querem realmente obtê-la com uma pretensa caridade duns bailes de beneficência e outras futilidades, que me abstenho de descrever neste lugar, não se lembrando do velho princípio, único que para lá conduz: ad augusta per augusta.
Mas se na realidade assim não se poderia firmar uma poltrona no Paraíso, também certas pessoas pretendem obter com relativa facilidade uma poltrona na terra.
Essas pessoas entendem que seria fácil elaborar um conjunto de medidas que dessem ao homem uma tal posição na terra que o libertassem de grandes preocupações, que o libertassem da luta pela vida como ela tem de ser encarada, que o atirassem para uma inacção que seria verdadeiramente censurável.
Muito longe de mim, Sr. Presidente, admitir, sequer, qualquer destas orientações.
Servindo-me da frase de Afonso Lopes Vieira, nem assim a poltrona do Paraíso, nem assim a poltrona na terra.
É certo que o homem tem o direito de exigir, nas suas necessidades, o socorro dos seus semelhantes, pois que o direito que o necessitado tem à própria subsistência excede o direito que os outros têm a uma fortuna superabundante ou às suas comodidades.
Mas, apesar disso, não podemos, evidentemente, pensar, ao menos, que é possível na terra evitar que haja continuamente a luta pela vida. Não pensemos sequer que é possível, humanamente possível, arranjar qualquer forma, qualquer plano, que nos dê êsse Paraíso na terra.
Devemos, pelo contrário, estar precavidos contra certas tendências pretendidamente filantrópicas e que podem, profundamente, ir afectar a vitalidade de um povo.
Peço licença, Sr. Presidente, para citar palavras de Gustavo Le Bon, que dizia: «Quando o Estado pretende proteger exageradamente os cidadãos, perdem estes o hábito de se proteger a êles próprios e perdem, por conseguinte, toda a iniciativa. E substituir a iniciativa e responsabilidade individuais pela responsabilidade colectiva é fazer descer o homem muito baixo na escala dos valores humanos».
Não é possível admitir-se tal sistema, e que o não é vê-se bem das várias reformas que já têm sido tentadas em diversos países.
Seja-me permitido, por exemplo, citar a «Lei dos Pobres», na Inglaterra, a qual, começando por um orçamento de 700:000 libras, dentro de pouco tempo passava para 1.912:000 libras, depois para 4.077:000 libras e finalmente para 7.860:000 libras, dando conclusões lamentáveis como esta: é que aldeias quási inteiras eram parcial ou totalmente assistidas. A paróquia de Sunderland, em 17:000 habitantes, contava 14:000 assistidos.
Isto é, como bem pode ver-se, o caminho para a inacção.
Não há plano algum que possa libertar o homem do seu dever de trabalhar, e todos os projectos que se possam organizar a pensar que podem torná-lo completamente feliz são absolutamente inúteis.
Há necessidade, portanto, de encarar a prática da vida como ela na realidade se nos apresenta. Assim, Sr. Presidente, optemos sempre pelas soluções práticas e reais. E, quanto a estas, o problema está posto com notável clarividência pelo Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações, no excelente intróito à publicação Dez Anos de Política Social.
Assim, diz S. Exa.:

«Antes de mais nada pôs-se, em nosso tempo, o problema do homem, da sua personalidade, dos seus direitos naturais de existência e de liberdade.
O comunismo, partindo da exaltação desmedida do colectivo, justificada por uma aparência superficial de equidade, tivera logicamente de concluir pelo desprezo e pela negação dos direitos individuais, erguendo, por um simples esforço de construção lógica, uma sociologia em que o homem não conta, em que tudo se sacrifica à mecânica inanimada das largas, das ambiciosas planificações.
O individualismo, por seu turno, acabara igualmente por ignorar esses mesmos direitos humanos, a tudo sobrepondo a primazia do ouro, promovido ao nível de padrão universal dos valores, até daqueles que são inseparáveis da ordem moral e da sua hierarquia.
Surge a solução corporativa naquela altura em que desponta a ânsia de um novo equilíbrio em que se conciliem o individual e o colectivo, em que se definam os limites da liberdade e os limites da autoridade, em que se reconheça ao homem aquela esfera de acção que lhe permita exprimir a sua personalidade e ao Estado os poderes de coordenação que reclama a garantia do interêsse comum».

É que, Sr. Presidente, em assistência social temos de ter também métodos próprios, «que não comportam as soluções genéricas e indeterminadas, de universal e geométrica aplicação, e que preferem as fórmulas parcelares, adequadas à natureza dos problemas a resolver».
E, assim, há que defender-nos da «tentação das grandes construções, daquelas simplistas soluções que se julgam aptas para tudo resolver, e preferindo-lhe, por princípio, o exame atento e cuidadoso dos casos concretos, a ponderação dos seus elementos e a realização progressiva e contínua duma ordem nova».
Sr. Presidente: não sei dizer melhor, nem tam bem. A proposta de lei em discussão merece, na generalidade, a aprovação da Assemblea.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: na hora que passa, o problema da assistência é fundamental, primordial, para o sossego, para a tranquilidade, para a ordem e a paz de todos os povos, para a ordem e a paz de todas as nações.
As nações que não consideram o problema da assistência como fundamental estão fora da realidade da vida.
Quando se fala em problema da assistência não temos apenas na mente o indigente que tem fome, o doente que tem dor, a menor que está em perigo moral.
Actualmente esto problema é mais lato. Êste problema tem uma projecção mais larga. No fundo, tem de se entender por esta expressão «problema da assistência» a melhoria das actuais condições morais e materiais do homem.
Apoiados.
Muito embora o Estado Novo tenha feito muito neste sector particular da vida nacional, há ainda muito a fazer, e assim a proposta do Governo é da maior oportunidade, sendo incontestável a sua importância.
Bem merece o Governo, e em especial o Sr. Ministro do Interior e o Sub-Secretário de Estado da Assistência Social, as homenagens desta Câmara.
Não é que eu entenda que as leis resolvem inteiramente os problemas, pois, em meu critério, as leis, por melhor que sejam, sem bons executores de nada valem.

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Estou em boa companhia dizendo isto porque o Sr. Presidente do Conselho afirmou um dia que as leis verdadeiramente fazem-nas os homem que as executam.
Não há muito que dizer nesta tribuna sôbre o problema da assistência, porque, em boa verdade, neste parecer os assuntos primordiais desse problema foram tratados e focados com inteligência e saber invulgares. De resto, não temos de que nos admirar que assim tivesse acontecido, visto que o parecer da Câmara Corporativa se encontra subscrito por algumas das maiores figuras morais e intelectuais da nossa terra.
É um estudo profundo da matéria em análise. Não são palavras de lisonja; as minhas palavras correspondem à verdade. De resto, habituei-me, desde sempre, quanto às pessoas vivas, a empregar poucos adjectivos, porque tenho receio, por vezes, de me arrepender.
É que, Sr. Presidente, os adjectivos empregados às pessoas sem conta nem medida são como que a chave falsa com que muitos medíocres e insignificantes entram nas Academias, com que muitas pessoas sem honra, sem brio e sem dignidade entram no convívio e intimidade das pessoas de bem.
Assim, as minhas palavras, referindo-se, quer ao Govêrno, quer às pessoas que subscrevem o parecer da Câmara Corporativa, não podem ser consideradas como palavras de lisonja.
De resto, eu quero viver tranquilo e sossegado na paz da minha consciência, sem jamais ter lisonjeado fôsse a quem fôsse.
A assistência, Sr. Presidente, é um dever social. Porém, por maior que seja o amor do próximo, nada se faz sem que se obedeça a um plano previamente estudado e elaborado. A assistência sem um plano é a desordem. A assistência exercida sem obedecer a um plano geral dispersa as actividades, sendo o seu rendimento nulo ou quási nulo.
É, pois, evidente a oportunidade da proposta, que é, no fundo, um plano de assistência.
É evidente que a elaboração desse plano pertence ao Estado.
Segundo a Constituição, o Estado tem o dever, tem a obrigação de assistir a todos aqueles que careçam da sua assistência. Isto deduz-se clara e expressamente dos artigos 6.°, 14.° e 40.° da Constituição.
Com efeito, o artigo 6.° da Constituição consigna no n.° 3.° que incumbe ao Estado «zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que aquelas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente».
O artigo 14.° diz assim: «Em ordem à defesa da família, pertence ao Estado e autarquias locais: 1.° Favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade e a instituição do casal de família; 2.° Proteger a maternidade; 3.° Regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família e promover a adopção do salário familiar; ...».
E ainda o artigo 40.° determina: «É direito e obrigação do Estado a defesa da moral, da salubridade, da alimentação e da higiene pública».
Sendo os problemas da assistência social de verdadeiro interesse nacional, fundamentais para a vida das nações e dos povos, é evidente que os princípios consignados na Constituição são os únicos que se harmonizam com uma boa e sã doutrina.
A importância do assunto, dada pelos factos e pela Constituição, bem explica, Sr. Presidente, a existência de um Ministério próprio, preconizada pela Câmara Corporativa na base XVI do seu parecer.
Realmente a complexidade do problema e a sua magnitude explicam a criação de um Ministério que exclusivamente se consagre a todos estes problemas da
assistência, passando para êle todos os serviços que andam dispersos pelos vários departamentos do Estado.
Apoiados.
Êsse Ministério seria o órgão coordenador de toda a actividade assistencial do País.
Em todos os distritos (e não falo nas províncias, porque, por um lado, a sua extensão quási fazia com que o órgão não tivesse eficiência e, por outro lado, são raras as regiões do País em que a província corresponde a uma realidade viva de interesses idênticos o harmónicos) haveria um órgão coordenador da actividade assistencial que estivesse, Sr. Presidente, intimamente ligado - em ligação de toda a ordem - com o órgão coordenador central: o Ministério que eu preconizo.
Além disso, em cada concelho, e ligado ao órgão coordenador distrital, haveria um órgão concelhio, que fôsse a base da actividade assistencial do concelho.
Entendia que êste órgão coordenador distrital devia ser presidido pelo governador civil, o representante do Govêrno, e o órgão concelhio fôsse presidido pelo presidente da câmara, também representante do Govêrno.
Todos entendem que há necessidade de um órgão coordenador; entende-o o Govêrno na sua proposta de lei e entende-o a Câmara Corporativa no seu parecer.
Mas quer o Govêrno quer a Câmara Corporativa desejam que êsse órgão coordenador sejam as Misericórdias.
Não nego, Sr. Presidente, às Misericórdias a sua grande importância e a sua grande tradição histórica. Entendo, porém, que o órgão coordenador deve estar acima das diversas instituições de utilidade pública e das diversas instituições piedosas e de beneficência; entendo que deve ser um órgão independente que trabalhe acima destas instituições.
É que - e isto é humano -, se a coordenação fôsse exercida por certa e determinada instituição, êsse órgão coordenador coordenava-se a si próprio, mas esquecia-se das outras actividades assistenciais. A vaidade dos homens, que é um dos grandes males do mundo, mas que é uma realidade que todos conhecem e não pode ser desconhecida dos homens públicos, leva, Sr. Presidente, na ânsia de fazer mais e melhor, essa actividade coordenadora a lembrar-se só de si e a esquecer-se dos outros.
Há um concelho no País em que as diversas pessoas colectivas de utilidade pública e instituições piedosas se ligaram, formando um centro de informação social, em que está coordenada a acção de todas essas instituições. Sem prejuízo da autonomia e da individualidade própria, todos se associaram para realizar uma obra de coordenação da actividade assistencial exercida por uma delas.
Tem êste centro um conselho geral, que é composto pelos presidentes de todas essas instituições, e uma comissão executiva eleita pelo mesmo conselho geral.
Há no centro assistentes e visitadoras, que fazem os seus inquéritos quer aos indivíduos, quer aos agregados familiares, inquirindo dos males físicos e morais, quer de uns quer de outros.
Em resumo: há ali uma actividade assistencial coordenada em auto-coordenação.
Se fôsse possível estender ao País a orgânica desse sistema, estou convencido, Sr. Presidente, de que os resultados seriam bons; estou convencido, pelos factos que apontei e ainda pelo que sei, visto que administro casas de assistência e caridade há mais de trinta anos, de que bons frutos se colheriam de tal sistema.
Um plano de assistência social implica um considerável aumento de despesa.
Ainda há dias eu tive nas mãos um livro de Piccinnini, professor da Faculdade de Medicina de Nápoles - Defesa da Saúde Humana nos Estados Unidos da América -, que trata com um carinho verdadeiramente notável êste assunto; e de tal forma que há muitos problemas que

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são cruciantes e torturantes na Europa e que lá se encontram, e desde há muito, solucionados e resolvidos, em que se vêem as incomensuráveis verbas que os Estados Unidos anualmente despendem com a assistência.
Porém, todo o dinheiro que se despende a favor da assistência é um bem da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todas as despesas que se fazem com a assistência são um bem para o País, porque, como escreveu Salazar, as verbas que se gastam na assistência têm a vantagem de valorizar o capital humano e de aumentar, em grandes proporções, o seu rendimento actual.
Segundo a proposta, as câmaras podem ser autorizadas a lançar derramas com o fim de ocorrer às necessidades da assistência do concelho respectivo.
Actualmente as juntas de freguesia podem também pelo Código Administrativo lançar derramas para obras urgentes e indispensáveis e que sejam necessárias pára a comodidade dos povos.
As derramas têm sido aplicadas com referência à propriedade rústica e urbana. O artigo 781.° do Código Administrativo tem sido sempre observado e interpretado desta forma, e parece-me ser essa a idea da proposta.
Não acho isto justo, porque entendo que para a assistência devem concorrer todos os contribuintes, quer de propriedade rústica, quer de propriedade urbana, quer quaisquer contribuintes.
Como se acentua no parecer da Câmara Corporativa, e é verdade, a propriedade rústica está sobrecarregada com muitos impostos e contribuições. Não é justo que se faça aplicar apenas derramas à propriedade rústica e à propriedade urbana - as mais sacrificadas. Não é justo, Sr. Presidente, que os outros contribuintes ficassem a ver a derrama, ao passo que aquelas a pagassem...

O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - Mas êsse não é o espírito da proposta!...

O Orador: - Mas é o que lá está escrito! E nós estamos aqui a fazer leis...
Os contribuintes do imposto sôbre a aplicação de capitais, das profissões liberais, dos empregados por conta de outrém, devem contribuir para a assistência do sen concelho como os demais contribuintes.
Nestas condições, ou a derrama é extensiva a todos os contribuintes, exceptuando, evidentemente, os pequenos proprietários e indústrias, pois muitos deles o que carecem é de ser assistidos. Seria talvez mais justo
um adicional às contribuições directas.

O Sr. Melo Machado (interrompendo): - É preciso definir o que são esses pequenos contribuintes!...

O Orador: - Sem dinheiro é que se não pode fazer assistência, e eu estou convencido de que só por meio de contribuïções se pode fazer alguma cousa de útil.
Há muitas pessoas que, com rendimentos de centenas e centenas de contos, julgam, Sr. Presidente, cumprir o seu dever social enviando meia dúzia de decas de azeite para as casas de assistência!...

O Sr. Carlos Borges {interrompendo): - Quando mandam!...

O Orador: - Há excepções, mas são tam poucas que tenho dúvidas se a base da nossa vida assistencial deve ser a iniciativa particular.
Repito os cumprimentos e os louvores que enderecei ao Sr. Ministro do Interior e ao Sr. Sub-Secretário de Estado da Assistência, que tanta moralidade têm posto nos serviços de assistência em Portugal.
E faço votos, os mais ardentes, para que da Assemblea Nacional saia o Estatuto da Assistência Social que engrandeça o País e seja útil à Nação.
Na proposta do Govêrno e no parecer da Câmara Corporativa há os necessários elementos para o assunto ser estudado em profundidade e para a Assemblea Nacional cumprir o seu dever. Por mim, e dentro das minhas fracas possibilidades, tudo farei para que o Estatuto da Assistência Social honre a Nação e o Estado Novo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João Duarte Marques: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o Sub-Secretariado da Assistência apresenta à discussão da Assemblea Nacional a proposta de lei do Estatuto da Assistência Social, no louvável intuito de uma colaboração útil para a finalidade em vista.
Com o meu modesto trabalho desejo contribuir para tam alta realização e, se por vezes êle manifestar receios ou reparos, que os mesmos sejam tomados como filhos de várias desilusões sofridas, mas os alvitres que surjam peço que sejam considerados como incontidos e entusiásticos desejos de realização prática, sonho que acalento e desejaria ver realizado.
Tomando em devida consideração o já conseguido nas actividades dos organismos económicos, através do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, pelo Sub-Secretariado das Corporações, algumas Casas do Povo, Casas dos Pescadores, etc., e ainda nalguns sectores de assistência oficial e em especial no sector privado, apesar da falta de meios com que se luta, já orgulho sentimos numa realização cuja verdade se aproxima da idealização em vista com o diploma em apreciação.
Da urgência em acompanhar o trabalho feito nos sectores citados, a fim de que a acção não se estiole perante o mal de conjunto, coordenando os esforços para a mesma finalidade, será escusado fazer justificações, mormente ao pensarmos no ainda maior efeito ou projecção internacional que tamanha obra assistencial e previdente produzirá ao pôr-se com efectiva verdade em prática.
Entretanto, algumas observações ouso fazer, e que são fruto do estudo feito sôbre a generalidade da proposta.
De entre elas realça a da despesa - e, graças a Deus, bemdita despesa - que é necessário fazer para execução do presente diploma, e como tal da necessidade de dotações orçamentais, que mais tarde traduzirão receita, e ainda o trabalho de pre-coordenação que urge fazer ao solucionar tam magno problema.
Sr. Presidente: a necessidade de um controle por parte de um organismo a cujos destinos presida um coração generoso e uma ponderação nítida sôbre os males humanos é indiscutível.
A necessidade de coordenar as actividades dispersas, melhorar o existente, rever disposições paradoxais e contrárias aos princípios humanitários é trabalho pesado e inicial que se impõe como acto preparatório de tamanha remodelação.
Exemplifiquemos com dois casos, de entre muitos que existem: a negação absoluta dos mais elementares princípios de assistência, quer social, quer familiar, e ainda de previdência, que urge remediar para prestígio quanto mais não seja da significação dos termos.
O funcionário ou o militar ao adoecer começa por perder determinada percentagem nos seus já parcos venci-

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mentos e cuja perda vai aumentando à medida que a doença se vai prolongando.
Isto é, precisamente no momento em que o atingido por tam cruel determinação mais necessita do auxílio pecuniário, não só para acudir às exigências do tratamento, como às instantes necessidades do lar - pois estas mantêm-se com a graça de Deus -, é quando o Estado lhe deminue êsse auxílio, sem dó nem compaixão.
O caso, sob o ponto de vista assistência e protecção á família, não necessita de mais comentários.
Mas apreciemo-lo, sob o ponto de vista económico, perante a Nação.
Se o elemento atacado pela doença não tiver as possibilidades de em tempo se revalorizar, tem tendência a manter-se em estado convalescente, mas prestando serviço, para fugir ao desconto, produzindo um trabalho que não corresponde ao seu valor, isto é, transforma-se imperceptivelmente num valor passivo na conta corrente da Nação, em vez de ir ocupar o seu lugar na rubrica do activo da mesma conta corrente.
Como complemento do caso exposto, e quanto a previdência propriamente dita, cita-se o exemplo de os reformados militares, mormente os que não possuem auxílio familiar de ascendentes ou descendentes, estarem inibidos do tratamento hospitalar ou do fornecimento em estabelecimentos fabris para a sua manutenção, em condições que permitam arrastar-se na já precária e dificílima vida em que se debatem.
E já não me refiro ao reformado civil, que em idênticas circunstâncias de dificuldades vegeta à sombra de uma previdência precária.
Se cito estas anomalias, é por ter verificado que elas, como é natural e lógico, vão pesar em outros sectores de assistência, onde não lhes pode ser negado - por humanidade - o auxílio de que carecem, prejudicando indubitavelmente a acção dos mesmos sectores, o que, em boa verdade, não é de admitir nem de consentir.
De resto, reajustar desde já tais determinações é executar o espírito da proposta em estudo, revalorizando, reeducando ou reaproveitando valores humanos prestes a perder-se, por no momento mais cruciante da doença lhes ter faltado os meios, ou ainda protegendo, auxiliando e acarinhando a velhice inutilizada e isolada que fora valor e que dera o melhor da sua actividade para o bem comum.
Sr. Presidente: a despesa de agora será receita amanhã. Escolhi de entre muitos, para exemplo dêste tema, o caso da tuberculose em Portugal, tam debatido entre nós e tam justificada e asperamente criticado lá fora.
E escolhi esta doença porque o seu perigoso contágio é dos que mais elementos estão empurrando para a desgraça.
É, pois, o caso mais difícil, porquanto a previsão tem de ser aliada ao isolamento e à cura, se desejarmos resolver o problema, igualando-nos à situação dos países que já o resolveram.
Deve-se antecipadamente prestar justiça ao organismo Assistência Nacional aos Tuberculosos pelos relevantes serviços prestados ao País, apesar dos parcos meios de que dispõe para a sua obra, e em especial aos Profs. Dr. Lopo de Carvalho e Dr. Castelo Branco pela dedicação com que se votaram para atenuar tam terrível flagelo, assim como justiça se deve prestar à generosidade pública, porquanto, todas as vezes em que é chamado o seu auxílio, ela aparece pronta a socorrer, havendo concelhos não muito grandes em que as dádivas nestes últimos dez anos atingem 100.000$, sem prejuízo da generosidade a favor de outras obras de assistência.
Mas o que é certo é que a falta de meios, e que vai desde a falta de remédios preventivos à falta de camas para isolamento, tem atrofiado e asfixiado uma grandiosa obra, cuja eficiência é, no entanto, milagrosa, pelo muito que consegue em relação às dotações orçamentais que lhe são atribuídas.
Posto êste pequeno preâmbulo, vamos ao assunto.
É necessário que o Estado subsidie mais convenientemente êste sector, e de tanto quanto o necessário para uma urgente solução.
Para o efeito, a despesa será assombrosa de momento, mas esquecemos o que ela representa de receita na economia nacional, pelo reaproveitamento de valores que hoje pesam como despesa, que todos os anos aumenta, mas que amanhã traduzem riqueza da Nação, pelo aproveitamento ao máximo da sua utilização, até então negativa.
O mestre dos tisiólogos Dr. Edouard Rist, no seu livro La Tuberculose e no capítulo «O que custa a tuberculose a uma nação», demonstra, perante os dados estatísticos e umas simples operações de aritmética, que «as economias feitas no orçamento do Estado no capitulo de assistência à tuberculose equivalem na realidade a uma despesa absurda», mas que o dispêndio a haver conscientemente traduz mais tarde uma receita apreciável nos valores humanos reaproveitados, sempre manifestamente superior a êsse dispêndio.
Mas vejamos ainda o que nos diz o Prof. Dr. Lopo de Carvalho no seu livro Lições de Tisiologia quanto ao que se perde na economia da Nação por não se verificar o princípio económico de que mais vale uma grande despesa para uma realização efectiva que traduza receita futura do que uma pequena despesa que não soluciona e que traduz outras maiores e crescentes.
Diz êsse professor, a pp. 378 e 379 do seu livro:
«Admitindo que um indivíduo trabalha activamente dos 20 aos 55 anos, idade média da vida, fácil é avaliar o capital social que êsse indivíduo representa. Se considerarmos, por exemplo, como salário médio diário a importância de 10$ (o que não é exagerado), um português saudável cuja vida ultrapasse os 55 anos representará, pois, um capital de 300 dias úteis x 35 anos x. 10$ diários = 105.000$.
Reduzamos, porém, esta verba a 100.000$, número redondo. Sendo assim, se um indivíduo morrer aos 20 anos vitimado pela tuberculose, o capital da Nação ficará desfalcado em 100.000$.
Se o falecimento se der apenas na idade de 40 anos, o prejuízo elo País será de 45.000$.
Se atendermos somente à mortalidade pela tuberculose, segundo o Anuário Demográfico, isto é, à mortalidade oficial, os Cálculos feitos levam-nos à conclusão de que a doença desfalca anualmente o nosso País numa importância superior a 500:000 contos!».
Demonstra-se, pois, exuberantemente que a multidão sempre crescente de inactivos, inúteis, arrastando e contagiando a sua miséria, quadro doloroso que nos enxovalha, continuará a sua peregrinação macabra pela vida fora se o Estado, com uma dotação orçamental conveniente, não opuser um forte e altaneiro dique à onda avassaladora, reaproveitando valores cujo trabalho traduz, na verdade, um valor positivo na riqueza nacional, um valor positivo na economia da Nação, porque de valor-despesa passará a ser valor-receita. E o ponto de vista moral obtido a bem do fortalecimento da Nação é tam grande que nem sequer dele falaremos.
Sr. Presidente: tendo finalmente em consideração a alta finalidade da proposta em discussão, as apreciações na verdade judiciosas e sensatas do parecer da Câmara Corporativa e ainda a doutrina expressa na justificação que precede a referida proposta, ouso afirmar que para a sua execução na prática se torna necessário excitar a generosidade privada, mas com mais forte razão se torna necessário que o Estado dote orçamentalmente as verbas

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necessárias, quanto mais não seja por forte razão de exemplo dignificador.
Pretende a proposta, e muito bem - porque é êsse de facto o caminho da renovação social -, realizar o valor humano, considerando-o pedra basilar na economia da Nação, assim como a dignificação da família como valor moral de primeira grandeza, para o fortalecimento da Nação.
Mas para o efeito, repetimos, é necessário que as dotações orçamentais, além de permitirem a realização de tam grandioso acto de humanidade, correspondam à boa vontade da velha, mas sempre moça, generosidade pública, e, sobretudo ainda, para evitar que o presente Estatuto transite para o repouso da oportunidade.
A árvore que se planta e com cujo amanho e criação se despendeu o que foi necessário, sem olhar a economias, que só a definhariam, só começará a compensar êsse dispêndio quando anos mais tarde apresente os seus frutos ou os seus produtos naturais.
E, porque no âmbito da proposta não se respira o ambiente de uma farta dotação orçamental para permitir ao Estado a realização do pensamento da mesma proposta, eis a razão do meu reparo, salientando a necessidade da sua solução.
Refere-se apenas a proposta a determinados tributos a lançar sôbre divertimentos, etc.
Achamos pouco, é necessário mais e muito mais, indo buscá-lo com justiça e equidade onde êle se encontra.
Está completo, ou quási, o cadastro da propriedade, sôbre o qual assentará a distribuição justa da contribuição; já se lançou, e muito bem, o suave imposto sôbre lucros de guerra, afinal com óptimos resultados e sensata aplicação, mas falta fazer, e urge que se faça, o inquérito às fortunas pessoais dos últimos cinco anos, em resultado do qual se lançará o tributo respectivo, justo e lógico, para fins assistenciais ou beneficentes.
Uma nova revisão e mais ampla distribuição do imposto sôbre lucros de guerra completará a fonte de receita para o efeito que se pretende, não esquecendo o pensamento de Salazar: «Emquanto houver um lar com forma a revolução continua...», mas... Santo Deus, saibamos neste sector da vida pública ser modestos na burocracia e ricos na execução das suas medidas beneficentes e previdentes, porque então, e em caso contrário, teremos a lamentar não só o tempo perdido como o sacrifício monetário despendido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. O debate continua na sessão de amanhã. Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 4 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
José Clemente Fernandes.
Querubim do Vale Guimarãis.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Angelo César Machado.
António Hintze Ribeiro.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Jaime Amador e Pinho.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.

O REDACTOR - Costa Brochado.

Proposta de aditamento à base XXVI, enviada para a Mesa durante esta sessão:

Proponho que à base XXVI da proposta de lei n.° 25, sôbre o Estatuto da Assistência, Social, se adite um terceiro número, nos seguintes termos:

3. Aos funcionários ou servidores de qualquer categoria do Estado, das autarquias locais, dos organismos corporativos, de coordenação económica e de empresas particulares, viúvos e divorciados sem filhos ou solteiros com mais de 25 anos de idade, sem encargos de ascendentes ou irmãos que careçam do seu amparo, deverá ser descontada para auxílio da assistência, à maternidade e à primeira infância uma percentagem, a determinar pelo Govêrno, sôbre a totalidade das remunerações que recebam.
O produto deste desconto poderá ser utilizado directamente pelos próprios organismos ou empresas particulares que efectuam a sua cobrança, no caso de manterem ou subsidiarem serviços de assistência maternal ou infantil, e, na falta ou insuficiência deste serviço, pela Direcção Geral de Saúde e Assistência.

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 14 de Março de 1944. - O Deputado Henrique Linhares de Lima.

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CÂMARA CORPORATIVA

III LEGISLATURA

Parecer referenta à proposta de lei n.º 22, sôbre definição da competência do govêrno da metrópole e dos governos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terreno no ultramar

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca da proposta de lei n.° 22, sôbre definição da competência do Govêrno da metrópole e dos governos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terreno no ultramar, emite, por intermédio das secções de Política e administração geral e Política e economia coloniais, o seguinte parecer:

1. O regime das terras no Império Colonial Português constitue um problema a que não pode dar-se ainda solução definitiva, pois os factos que estão na sua base variam com frequência e assim sucederá emquanto na evolução económica e social não se atingir um certo grau de permanência. A falta de estabilidade das condições económicas e políticas não justifica, porém, que se abandone êste problema, exige tam somente que seja revisto de tempos a tempos, pois o regime das terras é condição fundamental da colonização, visto que êle domina o aproveitamento dos recursos das colónias e a colonização populacional - os dois grandes objectivos da acção colonizadora.
Na verdade, é dever de quem governa promover o aproveitamento dos recursos nacionais, para com eles, usando-os directamente ou como valor de troca, prover às necessidades do País. Êste dever estende-se ao Império Colonial e, até certo ponto com maior intensidade, porque se consegue através do trabalho e de mais altas produções elevar o nível da vida da população metropolitana e ao mesmo tempo o de povos de civilização rudimentar. Mas êste dever tem ainda uma justificação na solidariedade das nações. As colónias encontram-se hoje em grande parte nas zonas tropicais, cujos produtos não é possível obter noutras regiões nem podem dispensar-se sem o sacrifício de necessidades prementes ou de hábitos adquiridos, o que quere dizer que os países coloniais devem colocar à disposição do mercado internacional os produtos das suas colónias que sobrarem do seu consumo.
É, pois, um dever aproveitar as terras das colónias, fazê-las produzir; ora a produção, tanto sob o ponto de vista quantitativo como qualitativo, depende em muito de um bom regime de distribuição das terras e seu aproveitamento.
Outro objectivo da colonização está em tornar possível a ocupação das colónias pelo homem, e neste ponto o regime das terras tem importância primacial.
Com efeito, em primeiro lugar, é necessário cuidar do desenvolvimento da população indígena, pois para nós nunca a colonização foi expropriação ou eliminação das raças indígenas mas ajuda e colaboração recíproca. Foi êste o princípio - mais sentimento do que política - que animou a nossa expansão colonial, e ainda hoje mantemos esta idea como uma das essenciais da nossa acção colonizadora.
Depois, é preciso ter em consideração a posição demográfica do continente e das ilhas.
O último censo (1940) acusa uma população continental de 7.174:889 e verifica-se que o crescimento médio anual é de 81:455. A população actual deve andar à volta de 7.500:000.
Os factos têm demonstrado ser a vida portuguesa difícil, dolorosa, em grande parte em consequência de uma densidade que podemos dizer excessiva se atendermos às condições naturais de certas regiões. Para corrigir êste excesso recorreu-se à emigração, mas os países de destino tradicional já há tempos que vêm publicando medidas restritivas da immigração, o que exige um novo exame do problema.
É certo que o progresso material dos últimos anos tem tornado possível a vida dos portugueses e até melhorado muito a sua condição, mas os recursos continentais conhecidos não permitem gerar grandes esperanças sôbre uma possível e ampla modificação nas condições económicas.
Há por isso que tomar o rumo das colónias, sobretudo das de África, por serem aquelas que, pela extensão das suas terras vagas, podem receber maior número de

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indivíduos e que, pela proximidade, mais facilmente podem ser demandadas.
A situação demográfica das colónias de África (censo de 1940) - Guiné, Angola e Moçambique - e de Timor (censo de 1935) traduz-se pelos dados seguintes:

[ver tabela na imagem]

Não basta, porém, orientar para as colónias o excedente da população; é necessário preparar o meio onde o emigrante deve ser recebido. São muitos os pontos de vista a considerar e deve-se partir da idea de que a absorção da população europeia nas regiões tropicais, dentro dos actuais dados da ciência, deverá, ainda durante longos anos, ser modesta.
Esta direcção harmoniza-se até certo ponto com a modalidade predominante da actividade portuguesa - a agrícola - embora entre o aproveitamento da terra da metrópole e das colónias haja em certos casos divergências profundas, pois a actividade que em maior e mais proveitosa extensão se pode exercer nas colónias é a agricultura nas três formas: o cultivo das terras, a pecuária e a silvicultura, o que significa que o domínio das terras e a sua transferência para os particulares é o ponto de partida na criação dos meios necessários à colocação da gente metropolitana que para lá se dirija. Em conclusão: o regime das terras, as formas da sua distribuição e o seu estatuto têm a maior influência no desenvolvimento produtivo e populacional das colónias de território extenso e pouco povoado.

2. A proposta pretende habilitar o Ministro das Colónias, em harmonia com o artigo 27.°, alínea c), do Acto Colonial, a introduzir modificações no regime das terras em vigor, na base da experiência de muitos anos, que demonstrou ser a legislação actual insuficiente para atingir os objectivos necessários.
A legislação principal, reguladora das terras coloniais é, desde o século passado, constituída pelos diplomas seguintes: alvará de 18 de Setembro de 1811, portarias de 29 de Novembro de 1839, 6 de Fevereiro e 8 de Maio de 1840, 8 de Fevereiro de 1841, leis de 21 de Agosto de 1856, 3 de Março de 1859, decretos de 18 de Novembro de 1869, que aplicou ao ultramar o Código Civil, as leis de 9 de Maio de 1901 e 11 de Novembro de 1911, e os decretos n.ºs 1:145, de 28 de Novembro de 1914, e 3:641, de 29 de Novembro de 1917.
Em Angola, actualmente, o regime encontra-se nos decretos n.ºs 5:847-C, de 31 de Maio de 1919, e 21:155, de 22 de Abril de 1932; em Moçambique nos decretos n.°s 3:983, de 16 de Março de 1918, 4:581-A, de 1 de Julho de 1918, e 7:080, de 30 de Outubro de 1920, e na Guiné no decreto de 3 de Fevereiro de 1938.
Êstes últimos diplomas inspiraram-se na lei de 9 de Maio de 1901 e pode dizer-se que a reproduzem nas suas linhas gerais. Esta lei produziu resultados benéficos embora tenha ficado aquém do que se esperava, mas a insuficiência resultou sobretudo da necessidade de pacificação prévia, em que se gastaram muito tempo e muitos recursos da concorrência de outras nações coloniais, da falta de recursos de vária natureza e até da sedução que outras regiões exerceram sôbre os nossos emigrantes.
Depois, a colonização é uma batalha e, como todas as batalhas, tem os seus altos e baixos, as suas vítimas e os seus heróis. É também com sangue que se faz a colonização.
Mas é uma batalha longa, demorada - um país não surge de um dia para o outro. Ao esforço do homem é preciso juntar a acção do tempo.

3. A lei de 1901 tinha em todo o caso alguns defeitos, aliás vistos logo em seguida à sua publicação.
Admitia, como é razoável, um regime diferente de colónia para colónia quanto à área das concessões, mas para cada colónia estabelecia um só limite, como se êste não devesse variar em harmonia com a natureza da cultura a fazer. O regime das reservas era imperfeito e no processo da concessão havia formalidades excessivas e demasiada centralização, visto ser sempre obrigatória a intervenção do Governo, pois todas as concessões tinham de ser por êle outorgadas ou confirmadas.
Os diplomas posteriores não eliminaram alguns destes defeitos e antes lhes acrescentaram ainda o da abundância de legislação.
Ora o Govêrno pretende publicar um diploma «que contenha todas as disposições expedidas em relação à matéria» e em que se consignem as rectificações que a observação de certo número de anos impôs, sobretudo no sentido da simplificação dos trâmites das concessões. Para isso precisa de, em harmonia com o artigo 27.º do Acto Colonial, obter da Assemblea a «definição da competência da metrópole e dos governos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos ou outras que envolvam exclusivo ou privilégio especial». É o objecto da proposta. Tudo o mais no regime das terras é da competência do Ministro das Colónias ou do próprio govêrno da colónia.
O artigo 27.°, porém, presta-se a dúvidas, que é necessário resolver. A primeira diz respeito ao sentido da palavra concessões, a que pode dar-se um sentido estrito, abrangendo apenas as transferências temporárias ou perpétuas, que na proposta se designam por concessões, ou um sentido lato, que compreenda todas as formas de disposição dos terrenos, perpétuas ou temporárias, precárias ou não, a licença especial e a ocupação pelos indígenas.
A proposta interpretou-a no sentido lato, como se vê da alínea b) do artigo 7.° e do n.° 5.° do artigo 8.° A Câmara aceita a interpretação da proposta, atendendo a que a ocupação por licença especial pode, em certos casos revestir uma importância excepcional.
Outra dúvida deriva de a alínea c) apenas referir a competência à área e ao tempo. Parece que deveria também referir a área ao fim, pois as áreas variam conforme o aproveitamento que se pretende fazer dos terrenos. Mais importante ainda na concessão é o título jurídico, visto ser o título que define os poderes do concessionário.

4. Foi na lei de 1901 que se estabeleceu pela primeira vez o princípio de que «são do domínio do Estado, no ultramar, todos os terrenos que, em 11 de Maio da 1901, não constituam propriedade particular adquirida nos termos da legislação portuguesa».
Afirmou-se por êsse diploma a dominialidade do Estado e êste princípio foi mantido nos decretos de 11 de Novembro de 1911, n.° 1:145, de 28 de Novembro de 1914, n.° 3:641, de 29 de Novembro de 1917, n.° 3:983, de 16 de Maio de 1918, e 5:847, de 31 de Maio de 1919.
O Acto Colonial dispôs, no artigo 39.°, que «são considerados propriedade de cada colónia os bens mobiliários ou imobiliários que, dentro dos limites do seu território, não pertençam a outrem...».

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A Carta Orgânica do Império Colonial Português, no artigo 154.°, diz:
«São propriedade de cada colónia: 1) Os bens, mobiliários ou imobiliários, que dentro dos limites do seu território não sejam propriedade privada».
Estas disposições manifestam claramente uma orientação nova da nossa legislação, preconizada na doutrina e votada no Congresso Colonial de 1901, para as colónias que constituem uma personalidade moral e com autonomia financeira. Não há, porém, que discutir o sistema adoptado; somente importa determinar a sua essência.
A expressão domínio da colónia compreende duas modalidades: domínio público e domínio privado. O domínio privado, que tem seu regime no Código Civil, não interessa à proposta. Aqui só interessa o domínio público. O conceito de domínio público, porém, abrange por sua vez duas modalidades: abrange bens que todos podem utilizar directamente e os necessários ao exercício da actividade do Estado, como a defesa nacional e outros, e cuja ocupação pelos particulares só pode ser feita em consequência de concessão de serviços públicos ou por licença especial e a título precário. Nesta modalidade se devem incluir, até certo ponto, os bens ocupados pelos indígenas e seus aldeamentos, porque também se encontram de um modo geral fora do comércio jurídico privado. E abrange bens que os particulares podem adquirir ou explorar perpétua ou temporariamente, mas nunca a título precário, embora sujeitos a condições que não se encontram no regime geral da propriedade. Foi até para poder criar um regime especial para certos bens que o Estado estabeleceu a dominialidade dos bens das colónias não apropriados por título particular, como fez em relação a outros bens especiais - minas nascentes de águas minerais, etc.
Se o domínio pertence à colónia, e não tanto para que esta obtenha uma receita pela sua concessão mas para assegurar o aproveitamento de certo modo, é necesssário, sob pena de se frustrar êste objectivo, não dar valor a quaisquer formas de adquirir da lei civil, em que não há a intervenção do proprietário e que resultam de situações de facto, com base na posse.

5. A entrega à exploração das terras coloniais varia conforme o seu destino; ora, segundo êste e nos termos das leis existentes, os terrenos disponíveis (do domínio público) dividem-se, para o efeito das concessões, em:

a) Terrenos das áreas das povoações europeias e seus subúrbios;
b) Terrenos reservados;
c) Terrenos vagos.

Estes agrupamentos são determinados pelas afinidades que há entre eles, atendendo ao seu destino e identidade de regime jurídico.
Os terrenos incluídos na primeira alínea têm uma fisionomia própria, destinam-se a habitações ou a dependências de habitações - pequenas explorações agrícolas, comerciais ou industriais directamente ligadas à família.
Os da segunda alínea constituem as reservas. Uma das críticas feitas à lei de 1901 recaiu sôbre o regime das reservas, considerado mau por deficiência quanto ao número e regulamentação. A proposta prevê reservas relativamente a aldeamentos indígenas e suas explorações e reservas destinadas à colonização nacional, que importa considerar, por serem naturalmente destinadas a ocupação ou concessão.
O Estado Português coloniza na base de uma colaboração com as populações indígenas e, por consequência, das suas condições de vida e desenvolvimento, e, pretendendo educar, não quere destruir nem tradições, nem hábitos, nem formas de viver, que não sejam incompatíveis com a civilização.
Por isso lhes destina os terrenos necessários para a sua actividade e permite que sejam ocupados segundo os seus usos e costumes.
As reservas para colonização nacional têm fácil justificação.
Com efeito, é dever do país que tem colónias difundir a civilização, e não há processo mais actuante do que nelas estabelecer núcleos dos seus nacionais.
Por outro lado, êste dever é também um direito que resulta dos sacrifícios que a ocupação e a colonização exigem à metrópole.
Mas a colonização, no seu aspecto de povoamento da raça branca, não pode fazer-se ao acaso e em qualquer lugar, mas só nos lugares em que os metropolitanos se podem manter e empregar vantajosamente a sua actividade. Isto sem prejuízo das explorações que é possível fazer com mão de obra indígena.

O último grupo da classificação é constituído pelas terras vagas, que são aquelas que nem fazem parte do domínio público indisponível, nem estão incluídas nos dois grupos anteriores. Compreendem as grandes extensões de terra e destinam-se propriamente à produção agrária, à formação das grandes fazendas agrícolas, pecuárias, florestais, agro-pecuárias e agro-industriais.

6. Importa agora, visto que já se conhece a natureza jurídica das terras coloniais, examinar as condições em que podem ser ocupadas. Comecemos pelos bens do domínio público indisponível. A expressão quere significar que nenhuma ocupação de tal domínio pode entrar no comércio jurídico privado, mas não proíbe a ocupação por particulares em proveito exclusivo e próprio. O domínio público que for necessário à exploração de um serviço público pode ser ocupado pelo concessionário. Esta ocupação não tem, porém, carácter autónomo, segue a regra da concessão de serviço e o seu regime será determinado na respectiva concessão.
O que aqui interessa são as concessões de ocupação. Essas estão reguladas nas leis dentro dos limites estabelecidos no Acto Colonial (artigos 9.° e seguintes), e por isso basta definir as condições de autorização. A proposta, no artigo 7.°, alínea b), marca o período da autorização e indica a entidade competente.
Na classe dos bens insusceptíveis de sôbre êles se constituir propriedade privada estão ainda os aldeamentos indígenas, que podem ser formados dentro ou fora das reservas.
O regime dos aldeamentos é determinado pelos usos e costumes, não constituindo a terra propriedade privada, embora se admitam certos efeitos desta categoria jurídica. A proposta só se refere aos aldeamentos para determinar a autoridade concedente e a gratuidade da concessão. Atribue a competência ao governador da colónia (artigo 8.°, n.° 5.°).

7. Todos os terrenos nos aglomerados populacionais e seus subúrbios, terrenos das reservas susceptíveis de propriedade privada e das terras vagas, só podem ser aproveitados pêlos particulares mediante concessão.
Esta porém reveste fisionomia diferente, como é natural.
As concessões urbanas, suburbanas e comerciais destinam-se à habitação, a pequenas explorações agrícolas ou à actividade comercial, e, por consequência, o regime da concessão há-de adaptar-se a êste destino; as concessões nas reservas terão por sua vez um regime próprio, conforme o fim da reserva; as concessões nas terras vagas são determinadas pelo objectivo do aproveitamento da terra.

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Há ainda destinos especiais e excepcionais que impõem por sua vez regimes peculiares. Passemos a examinar em cada um dos grupos de concessões, e segundo os seus fins, a área, o tempo e o título e a definir a entidade que pode fazer a concessão.

8. Concessões urbanas, suburbanas e comerciais:
Concessões urbanas e suburbanas. - A proposta fixa à área até 2 hectares nas povoações e até 5 hectares nos subúrbios e escolhe como regime a enfiteuse. São as áreas da lei de 1901, artigo 24.° Parecem excessivas estas áreas, pois tornarão difícil a vida dos centros populacionais pelas excessivas despesas a que mais tarde darão causa e permitirão especulações sôbre terrenos. A Câmara entende que deverão ser reduzidas nos termos que indica na base IV.
A proposta determina que o título de concessão será o aforamento; todavia êste regime parece inferior ao da venda. Sem dúvida que o aforamento é forma fácil de adquirir a terra, mas é forma onerosa de a conservar. O perigo do não aproveitamento ou da especulação, a existir, parece dever afastar-se impondo no contrato a obrigação de aproveitar o terreno dentro de certo prazo, sob pena de resolução da venda sem restituição de preço. A enfiteuse, como adiante se dirá mais desenvolvidamente, está em completa decadência, senão mesmo muito próxima da extinção. Pode ainda admitir-se como forma de adquirir terra para explorar, mas não como meio de obter terra para construir.
Concessões comerciais. - As concessões comerciais são as que se destinam a fins comerciais junto de povoações de carácter comercial e consideram-se povoações de carácter comercial as concentrações populacionais que possuam determinadas características - as povoações sede de concelho ou de circunscrição e posto administrativo e as estabelecidas junto às estações e apeadeiros de caminhos de ferro e outras. A área não pode ir além de 1:000 metros quadrados. O título constitutivo é o arrendamento anual, renovável.
A competência nas concessões urbanas e suburbanas é atribuída pela proposta ao governador da colónia, sem necessidade de ouvir o Conselho do Govêrno; e, nas comerciais, ao administrador do concelho e de circunscrição. Parece de aceitar o que se propõe, tendo em vista o objecto da concessão e o seu pequeno valor em cada caso. Talvez fosse preferível dar competência à autoridade local mais categorizada, pois assim se evitariam demoras e complicações formais.

9. As concessões nas reservas para colonização não têm na proposta qualquer regulamentação. Apenas se indica que a concessão será gratuita para colonização portuguesa e da competência do governador da colónia, sem necessidade de ouvir o Conselho do Govêrno (artigo 8.°, n.° 3.°), e que a êste pertence fixar as áreas a conceder a cada colono nos terrenos reservados à colonização. Esta omissão justifica-se com a necessidade de uma regulamentação muito desenvolvida, e por isso se remete para lei especial. Em obediência ao Acto Colonial, é necessário porém inserir no diploma uma base sôbre a competência para outorgar a concessão.

10. As concessões de exploração nas terras vagas podem ter vários fins: o cultivo das terras, a pecuária, o aproveitamento florestal, o aproveitamento agro-pecuário e agro-industrial.
O fim, como é evidente, reage sôbre o regime, e por consequência êste não pode ser uniforme. Examinemos a questão em cada um dos elementos referidos na proposta: a área, o regime e a entidade concedente. Quanto à área, é necessário atender a vários pontos de vista. A concessão deve constituir uma unidade económica suficiente para remunerar os elementos da produção nela aplicados, em harmonia com os esforços, os riscos e as possibilidades financeiras e até pessoais dos concessionários. Uma área deminuta pode acarretar a ruína da concessão; uma área excessiva pode causar prejuízos de vária ordem. Depois, é necessário atender a que, embora as terras vagas sejam muitas, a verdade é que são de desigual fertilidade, de diferente acesso e situação comercial e populacional, e por isso as largas concessões podem ter como consequência a eliminação de colonos concorrentes. Por último, há que ter em conta a natureza da actividade a aplicar e a produtividade do solo. Por isso o problema da área não pode mesmo ser resolvido sem se determinar primeiro qual o fim da concessão.
A proposta determina três espécies de concessões agrárias, conforme o seu fim: agrícola, pecuária e florestal, a que se deverão juntar as concessões agro-pecuárias e agro-industriais, por serem frequentes os casos em que à cultura da terra se associa a criação de gados ou a industrialização dos produtos.
São êstes os fins principais que uma empresa que trabalha na terra pode ter em vista, e é atendendo a cada um deles e à categoria da colónia que se deverá determinar o limite máximo da área da concessão.
Assim, fixou-se determinada área-limite para as colónias de Govêrno geral e metade para as restantes. É um critério que tem por base a maior extensão de terras-vagas naquelas colónias, e a necessidade de criar núcleos populacionais importantes nas colónias menos extensas também parece justa. Parecem insuficientes as áreas fixadas na proposta. Com efeito é necessário contar com os pousios. Uma exploração de 8:000 hectares com quatro folhas apenas tem em produção 2:000 hectares, o que não é excessivo. Por isso na contraproposta se elevam as áreas da proposta.

11. A determinação do limite máximo das concessões foi feita, como se viu, pela integração de dois elementos: o objecto da exploração e a natureza política da colónia. Mas êstes dois elementos não dominam a questão, não oferecem uma medida absolutamente segura. Por isso a proposta ajuntou-lhe o princípio da extensão progressiva, condicionada pelo aproveitamento da concessão inicial.
O critério é feliz, porque permite a uma empresa com capacidade demonstrada ampliar o seu raio de acção por concessões sucessivas de certa área e até certo limite. O único inconveniente que êste sistema poderá ter será o da falta de continuidade da concessão, pois muitas vezes o novo espaço ficará distante do primeiro. Todavia esta circunstância nem sempre é defeito e será mesmo vantajosa desde que nos terrenos intermediários haja aldeamentos onde se possa recrutar a mão de obra. De resto, a proposta dá ao governador da colónia a faculdade de demarcar previamente os terrenos de extensão.

12. Também o regime das concessões varia. As concessões para a agricultura seguem o regime de aforamento e as florestais podem revestir duas modalidades: o arrendamento e o aforamento. Com efeito, o artigo 4.º da proposta diz que podem ser temporárias ou definitivas e o artigo 5.° que estas ficam sujeitas ao regime geral da concessão.
O aforamento é, pois, o regime da concessão para fins agrícolas e florestais (na concessão definitiva). É o nosso sistema tradicional. Convirá manter esta forma de aquisição? A enfiteuse, afirmou-se noutros tempos, é, por dois motivos, a forma mais perfeita de generalizar a propriedade e promover o cultivo da terra. Com efeito, por um lado, o proprietário da terra com o aforamento não a aliena inteiramente, pois continua a receber o

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foro e a ter sôbre o prédio certos poderes, e esta permanência de titularidade leva-o a transferir para outrem a cultura do prédio, o que não faria se perdesse inteiramente o domínio dêste. Para o enfiteuta esta forma de aquisição tem a vantagem de não desembolsar logo o preço do prédio, que se dispersa no tempo em prestações anuais.
São estas as razões mais justificativas da enfiteuse, mas que nas colónias não têm influência alguma, pois o proprietário quere sempre conceder a terra, e, porque pretende que ela seja explorada e não um preço, êste é sempre de pequeno valor e, portanto, incapaz de impedir ou mesmo dificultar a exploração pelo concessionário.
Pode afirmar-se de um modo geral que a enfiteuse está, como já se disse, em completa decadência, pelo mundo inteiro. Mesmo nos poucos países onde existe é, em regra, temporária e sempre com possibilidade de remição.
As concessões florestais podem revestir duas modalidades: de simples exploração e de exploração, sementeira e plantação. Quanto ao regime jurídico, podem revestir duas formas: de aforamento ou de arrendamento.
O arrendamento, nas de simples exploração, não excederá dez anos, embora renovável; as de sementeira e plantação, que se ajuntam à proposta, poderão ser concedidas até ao prazo de cinquenta anos. Passados vinte anos, umas e outras poderão seguir o regime das concessões agrícolas.
Para as concessões pecuárias foi escolhido o arrendamento, que se julgou o mais útil para o concessionário, visto a experiência ter demonstrado que em certos casos é conveniente abandonar as terras concedidas e transferir a exploração para outras, às vezes mesmo para regiões muito distantes.
Em todo o caso a Câmara não vê inconveniente em que neste ponto se mantenha o aforamento e propõe que se submetam ao regime das concessões agrícolas as concessões agro-pecuárias e agro-industriais.

13. A transmissão das concessões parece que também deveria figurar na proposta, incluindo-se uma disposição que a não permitisse emquanto não fosse definitiva, sem autorização da entidade concedente e, mesmo no caso de concessão definitiva, sob certas condições, tendo em vista o decreto n.° 28:228, de 24 de Novembro de 1937. Também parece conveniente subordinar-se ao regime da autorização a transferência da licença especial de ocupação.

14. A proposta reparte a faculdade de dar estas concessões pelo Ministro das Colónias, com autorização do Conselho de Ministros, ou, sem essa intervenção, e pelos governadores das colónias, ouvido ou não o Conselho do Govêrno.
Faz-se assim uma desconcentração entre as autoridades do continente e das colónias; e, examinando a competência de cada uma das entidades, verifica-se que a generalidade das concessões é entregue ao governador da colónia com ou sem intervenção do Conselho do Govêrno.
O critério é razoável porque, por um lado, permite fácil despacho na distribuição das terras, e sabe-se que uma das causas perturbadoras das concessões é a demora na organização do respectivo processo; e, por outro, cerca de garantias bastantes as concessões da maior área.

15. Permitem-se na proposta concessões especiais pelo que respeita à área, quere dizer concessões roais amplas do que as que se indicam nos artigos 1.° e 2.°,
ale ao limite de 250:000 hectares. Êste limite é muito alto. Unidades económicas de tal grandeza em regra não se exploram convenientemente, e não raro terão causado prejuízos de vária ordem, e alguns irreparáveis. A Câmara entende que nenhuma concessão poderá ir além de 100:000 hectares, que o regime destas concessões deverá ser o de arrendamento e da competência do Ministro das Colónias, mediante autorização do Conselho de Ministros.

16. Concessões a missões católicas.
A área das concessões a cada uma das missões católicas não pode ser superior a 2:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e a 1:000 hectares nas restantes. É evidente que as missões não se destinam directamente a valorizar o solo, não são explorações agrícolas e, por consequência, não lhes pode ser aplicado o regime geral. Sem dúvida, também exercem influência benéfica neste ponto, mas o seu objectivo é outro, e, por consequência, a concessão não deverá exceder o que fôr necessário para realizar o seu destino mais alto.
A natureza das missões e o seu fim permitem que a concessão seja gratuita e dada, pelo governador da colónia, sem ouvir mesmo o Conselho do Govêrno.

17. Concessões de fim ideal.
As Concessões referidas no n.° 4.° do artigo 8.º destinam-se a fins ideais - não lucrativos -, desporto, assistência, instrução, beneficência e outros da mesma natureza.
Só podem ser concedidos os terrenos directamente necessários a êstes fins em regime precário e por tempo determinado ou indeterminado.
Também aqui nem o destino nem a entidade a quem são feitas as concessões exige intervenção da autoridade metropolitana. A competência é do governador da colónia.

18. Tal é o parecer da Câmara Corporativa sôbre a proposta. Em tudo o mais concorda com o que nela se contém, e, como aqui e além julgou encontrar certa obscuridade na redacção e uma sistematização imperfeita, apresenta uma contraproposta em que se contêm as disposições da proposta governamental e as alterações que considerou convenientes. Mas há ainda um ponto a fixar. A proposta não estabelece qualquer limite ao seu campo de aplicação, pois diz «... das concessões de terreno no ultramar». A verdade, porém, é que as disposições nela contidas só encontram, em rigor, as condições de facto para a sua aplicação nas colónias da África continental.

BASE I

A licença especial exigida pelas leis e regulamentos para ocupação de terrenos é da competência do governador da colónia, ouvido o Conselho do Governo, até 1 hectare, ou até 10 hectares, se os terrenos forem destinados à instalação de salinas. O prazo da licença não excederá cinco anos, mas poderá ser renovado até oito.

BASE II

A determinação dos terrenos para aldeamentos indígenas, suas explorações e reservas é da competência do governador da colónia.

BASE III

A ocupação pelos indígenas dos terrenos dos aldeamentos e de quaisquer outros que por lei lhes seja permitida faz-se em harmonia com os respectivos regulamentos, e, quando os não haja, conforme os usos e costumes.

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BASE IV

1. As concessões urbanas e suburbanas são da competência do governador da colónia, se a área não exceder 5:000 metros quadrados nas primeiras e 2 hectares nas segundas.
2. O Ministro das Colónias, concorrendo circunstâncias especiais, poderá, sob proposta do governador da colónia, fazer concessões urbanas até 10:000 metros quadrados.
3. As concessões são perpétuas.
4. Nas colónias de Govêrno geral o governador de província tem competência para outorgar concessões a título provisório e até à quinta parte da área que o governador da colónia pode conceder.

BASE V

As concessões para fins comerciais até ao limite de 1:000 metros quadrados são da competência do administrador do concelho e do administrador de circunscrição, mediante arrendamento pelo prazo de um ano, mas susceptível de renovação.

BASE VI

As concessões de colonização nacional, nos terrenos reservados para êsse fim e nos termos dos respectivos regulamentos, são da competência do governador da colónia.

BASE VII

1. As concessões de aproveitamento agrícola, agro-pecuário, agro-industrial e florestal são da competência das entidades seguintes:
A) Nas colónias de Govêrno geral:
a) Do Ministro das Colónias, se a área for superior a 4:000 e inferior ou igual a 8:000 hectares;
b) Do governador da colónia, ouvido o Conselho do Govêrno, se a área for igual ou inferior a 4:000 e superior a 2:000 hectares;
c) Do governador da colónia, se a área for igual ou inferior a 2:000 hectares.
O governador da província, ouvida a junta de província pode conceder, mas a título provisório, a quinta parte da área que ao governador da colónia é permitido conceder.
B) Nas restantes colónias:
a) Do Ministro das Colónias, se a área for superior a 2:000 e igual ou inferior a 4:000 hectares;
b) Do governador da colónia, ouvido o Conselho do Govêrno, se a área for igual ou inferior a 2:000 e superior a 1:000 hectares;
c) Do governador da colónia, se a área for igual ou inferior a 1:000 hectares.
2. O título da concessão é o aforamento. As concessões florestais de exploração ou de exploração, plantação e sementeira podem também revestir a forma de arrendamento por prazo não superior a dez anos no primeiro caso e a cinquenta no segundo, mas renováveis.
3. As concessões temporárias podem converter-se em definitivas depois de vinte anos, por aforamento que poderá ser remido, desde que se verifique bom aproveitamento.

BASE VIII

1. As concessões para aproveitamento pecuário até ao limite de 50:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e de 25:000 hectares nas restantes são da competência do governador da colónia, ouvido o Conselho do Govêrno.
2. As concessões são dadas mediante arrendamento não excedente a dez anos, renovável.

BASE IX

A concessão de extensões é da competência do Ministro das Colónias, se êle tiver feito a primeira concessão, e do governador da colónia, ouvido o Conselho do Govêrno, nos outros casos, e nos termos seguintes:
Cada extensão, quando se destinar à ampliação das concessões previstas na base VII, não excederá 4:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e 2:000 hectares nas restantes; e 25:000 e 12:500 hectares, respectivamente, quando se tratar de ampliação das concessões previstas na base anterior.
A soma das extensões e da concessão inicial não pode exceder, no primeiro caso, 16:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e 8:000 nas restantes; e nas concessões pecuárias 75:000 hectares nas colónias de Govêrno geral e 37:500 nas outras. O regime da concessão de extensões será o da concessão inicial.

BASE X

As concessões de terrenos com áreas superiores às indicadas nas bases VII e VIII e inferiores a 100:000 hectares são da competência do Ministro das Colónias, previamente autorizado pelo Conselho de Ministros, e só podem ser dadas mediante arrendamento não excedente a trinta anos, renovável.

BASE XI

As concessões de terrenos para missões católicas portuguesas são da competência do governador da colónia até à área de 2:000 hectares nas colónias de Govêrno geral, e de 1:000 nas restantes.

BASE XII

1. As concessões de terrenos para fins de assistência, beneficência, instrução e outros fins ideais são da competência do governador da colónia, quando requeridas por corpos e corporações administrativas.
2. A área será a estritamente necessária e a concessão durará por tempo indeterminado, mas a título precário.

BASE XIII

1. A transmissão de qualquer concessão ou licença especial depende de autorização da entidade concedente.
2. A remição do foro depende de autorização de quem houver feito a concessão, salvo tratando-se de enfiteuta estrangeiro, caso em que é da competência do Ministro das Colónias.

BASE XIV

A concessão do foral das vilas e cidades é da competência do governador da colónia, ouvido o conselho do Govêrno.

BASE XV

Em todos os processos de concessão cabe ao governador da colónia dar o despacho para concessão definitiva.

Palácio de S. Bento, 9 de Março de 1944.

Eduardo Augusto Marques.
Domingos Fezas Vital.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Gustavo Cordeiro Ramos.
João Serras e Silva.
José Gabriel Pinto Coelho.
António Trigo de Morais.
António Vicente Ferreira.
Manuel Rodrigues Júnior, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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