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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 176
ANO DE 1945
16 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 173, EM 15 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 39 minutos.
Antes da Ordem do dia. — Usou da palavra o Sr. Deputado Carlos Borges, para voltar a pedir que, pelo Ministério do Interior, se lhe enviasse cópia ao processo que provocou o decreto colocando sob tutela a Câmara Municipal de Abrantes.
Ordem do dia. — Continuação do debate, na especialidade, da proposta de lei de coordenação dos transportes terrestres.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Mário de Figueiredo, Clemente Fernandes, Melo Machado Soares da Fonseca, Ulisses Cortês, Joaquim Mendes do Amaral, Rui Pereira da Cunha e Querubim do Vale Guimarãis.
Votaram-se as bases VI, VII e VIII.
As bases IX e X foram eliminadas, por ter sido aprovada uma moção do Sr. Deputado Soares da Fonseca propondo a sua eliminação.
O Sr. Presidente encerrou, a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 33 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 59 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 39 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Como o Diário da última sessão ainda não chegou à Assemblea, não o posso pôr à votação.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Borges.
O Sr. Carlos Borges: — Sr. Presidente: há bastante tempo que pedi uma cópia do processo sôbre o qual foi lançado o decreto que dissolveu e colocou sob tutela a Câmara Municipal do concelho de Abrantes.
Eu sei que há muito trabalho nas repartições do Estado, que a distribuïção dos auxílios do Socorro de Inverno deve tomar muito tempo, mas a verdade é que, Sr. Presidente, já passou prazo mais do que suficiente para que os elementos por mim pedidos tivessem sido dados, e o assunto reveste-se de certa importância, não só de carácter local mas também de carácter nacional.
Declarar a interdição de uma câmara municipal como a de Abrantes é sempre um caso de gravidade, mormente quando, como agora, se fala na realização de eleições num futuro próximo e em que é preciso que o corpo eleitoral — eleitores e candidatos — saiba se pode ou não assumir as funções para que foi eleito sem correr o risco de ser afectado no seu prestigio pessoal e na honestidade com que serve as autarquias locais e a causa nacional.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: insisto por que me seja enviada, com brevidade, a cópia a que me referi, e, se porventura outros trabalhos da secretaria tomarem tanto tempo que não seja possível extraí-la, peço pelo menos que me seja facultado o processo, para o apreciar com toda a imparcialidade, a fim de fazer um juízo certo e claro, e, ainda mais, para que não só Abrantes mas todo o País saibam se os homens que tomam sôbre si as responsabilidades da administração pública podem confiar na justiça com que são julgados os seus trabalhos, a sua dedicação e os seus sacrifícios.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vou instar junto do Sr. Ministro do Interior por que seja enviada com urgência a cópia do processo por V. Ex.ª solicitada, com a indicação de que, se não fôr possível ser enviada com brevidade, o processo seja pôsto à disposição de V. Ex.ª.
O Sr. Carlos Borges: — Fico muito agradecido a V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: — Como não se encontra inscrito mais nenhum Sr. Deputado para usar da palavra no período de antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Continua em discussão a base VI da proposta de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres.
Chegou à Mesa uma proposta subscrita pelos Srs. Deputados Soares da Fonseca, Mário de Figueiredo, Joaquim Mendes do Amaral, Luiz Maria Lopes da Fonseca e Francisco Melo Machado, assim redigida:
«Propomos o seguinte aditamento ao § 2.° da base VI do Sr. Deputado Mário de Figueiredo:
...também sujeitos a aprovação do Govêrno. Na falta de acôrdo poderá o Govêrno estabelecer e impor o esquema do serviço combinado».
O Sr. Presidente: — Está também em discussão esta proposta.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: a base VI da proposta governamental visa a fixar os termos em que se repartirá todo o tráfego nacional entre o grande monopólio privado de todo o nosso sistema ferroviário e os projectados monopólios rodoviários correspondentes às zonas que o Govêrno tencionava constituir.
A votação das duas primeiras bases da proposta de lei já dá viabilidade ao primeiro. Mas quanto aos outros, isto é, aos do sistema rodoviário, a eliminação das zonas previstas na base IV governamental e certas modificações introduzidas no texto ontem votado já defendem, até certo ponto, os interêsses nacionais dêste novo género de concentrações, que não deixariam de ser nocivas, como geralmente se dá com outras.
Eu entendia que a defesa da comunidade ficaria mais assegurada com as minhas propostas de substituïção. Mas reconheço que o novo texto da base IV melhorou consideràvelmente o da proposta do Govêrno, pois eliminaram-se as projectadas zonas e as concentrações forçadas de carreiras, devendo estas ser condicionadas pelo
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bem público, e não exclusivamente pelas conveniências dos concessionários.
Além do texto da proposta governamental está em discussão uma proposta de substituïção assinada pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que difere do primeiro porque suprime as palavras «para a conseqüente definição de carreiras interferentes», as quais, pràticamente, transferiam para o futuro monopólio ferroviário privado a faculdade de classificar as carreiras de camionagem e de as impedir, quando entendesse que da respectiva concorrência poderia resultar deminuïção de tráfego e, conseqüentemente, de receitas para os cofres do monopólio.
Além disso, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo perfilha o § 4.° sugerido no parecer da Câmara Corporativa, assim redigido:
No caso do parágrafo anterior, podem os subsídios ser concedidos por terceiros, desde que com isso concordem as emprêsas ferroviárias e as emprêsas exploradoras de automóveis interessadas na respectiva zona.
Sr. Presidente: estou convencido de que sempre que se trate de receber subsídios não surgirão entraves das emprêsas com êles beneficiadas.
Mas o que me interessa é garantir serviços de transporte de indiscutível benefício para a comunidade, e, neste caso, interviria o fundo de compensação para fomento de carreiras de tráfego insuficiente, previsto numa das minhas propostas de substituïção.
Sr. Presidente: na base IV do Govêrno estabelece-se, no § 2.°, que «Além dos acordos de divisão de tráfego serão celebrados entre as emprêsas interessadas, contratos de serviço combinado que assegurem devidamente a ligação dos dois sistemas de transportes».
Êste princípio é mantido na proposta de substituïção do Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Por meu lado propus, com o n.º 8.°, o seguinte texto:
Da indispensável coordenação e ligação do sistema ferroviário com os restantes transportes não poderá resultar exclusivo para qualquer emprêsa.
Sr. Presidente: se os referidos acordos entre o monopólio ferroviário e a camionagem não forem condicionados nos termos da minha proposta, que não permite que dêles resulte exclusivo para qualquer emprêsa, é de recear que na prática tal faculdade dê lugar a novos monopólios.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Os importantíssimos e legítimos interêsses assim ameaçados enviaram para esta Assemblea, bem como para todos os ilustres Deputados, representações em que, num grilo de alarme, chamam a nossa atenção para a situação precária assim criada para numerosas emprêsas que representam grandes capitais, um esfôrço perseverantemente mantido de há muitos anos, e a única colocação de muitas famílias.
Quando, entre 1929 e 1932, passei pelo Ministério do Comércio e Comunicações, contrariei todas as combinações de que pudesse resultar manifesta vantagem, melhor dizendo, exclusivo para uma emprêsa, na recolha e distribuïção de mercadorias transportadas em caminho de ferro.
Verifica-se, pela leitura das aludidas representações, que muitas emprêsas legìtimamente organizadas, já entravadas por uma concorrência de que mal podem defender-se, receiam que, mercê da constituïção do grande monopólio ferroviário e da aprovação do referido texto, sem que, simultâneamente, seja aprovado o por mim proposto, sejam no futuro aniquiladas.
Sr. Presidente: que o monopólio ferroviário se não transforme em fonte de outros monopólios!
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Se mais nenhum de V. Ex.as deseja usar da palavra, vai votar-se em primeiro lugar a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª dá-me licença? Eu não vejo qualquer ligação dessa proposta com a base em discussão.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Antunes Guimarãis está de acôrdo com o aditamento, contanto que se vote a base que êle apresentou.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Não sei como hei-de votar.
A base não se refere a qualquer forma de exclusivo. De maneira que não vejo ligação...
O Sr. Presidente: — Não há uma ligação directa, mas há uma ligação indirecta.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Para melhor esclarecimento, eu leio o que se diz na proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo:
§ 2.° Além dos acordos de divisão do tráfego, serão celebrados entro as emprêsas interessadas contratos de serviço combinado que assegurem devidamente a ligação dos dois sistemas de transportes.
Por isto se verifica que se permitem acordos entre o sistema ferroviário e uma determinada emprêsa. Pelo texto dêste § 2.° são permitidos contratos ou acordos entre os dois sistemas de transporte, portanto entre os caminhos de ferro e uma emprêsa do camionagem, justamente para se fazer serviço combinado. Ora, se julgo bem que os caminhos de ferro defendam os seus interêsses, também não posso deixar de afirmar que isso só deve ser permitido desde que disso não resulte a morte de empresas legalmente constituídas, e, assim, com direito à vida.
O Sr. Mário de Figueiredo: — É um outro problema diferente do da base em discussão o que se põe. Esta base não se refere, como já disse, a qualquer forma de exclusivo; ao contrário, refere-se a acordos de regulação de tráfego. Isto quere dizer que afasta a idea do exclusivo e os acordos devem fazer-se com todas as emprêsas afluentes.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Eu não vejo isso.
O Sr. Carlos Borges: — O que nós pensamos é que a lei determina que existe um acôrdo. Portanto, supõe que não pode haver exclusivo.
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O Sr. Presidente: — Vai votar-se.
Submetida à votação, foi rejeitada a proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, sendo aprovada a do Sr. Mário de Figueiredo com o aditamento enviado para a Mesa pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base VII. Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém se deseja, manifestar vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base VII.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em apreciação a base VIII.
Quanto a esta base estão na Mesa as seguintes propostas:
Em primeiro lugar uma do Sr. Soares da Fonseca, no sentido de eliminação desta base; em segundo lugar uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, que diz o seguinte: «O Govêrno definirá com rigor transportes colectivos permanentes e eventuais, transportes de aluguer sem qualquer limitação de distâncias e transportes particulares, cuja circulação obedecerá apenas aos preceitos gerais reguladores do trânsito»; finalmente, uma proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, assim redigida: «Serão definidos com precisão os transportes de aluguer e os transportes particulares, para efeito de se instituir o regime jurídico mais adequado a cada categoria dêsses transportes.
Os do aluguer para mercadorias, fora das zonas urbanas ou suburbanas...».
Não sei se o têrmo «zonas» aqui se deverá manter.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Esse têrmo aí tem significação diferente...
O Sr. Carlos Borges: — Podia pôr-se «áreas».
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não me oponho.
O Sr. Presidente: — A proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo termina assim:
...serão submetidos ainda a um regime mais especial que, não lhes limitando o espaço de deslocação, os impeça de perturbar a economia dos transportes. Esta disposição não prejudica a concessão de facilidades para o transporte de determinadas mercadorias, como peixe fresco e géneros de rápida deterioração.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Se a Câmara concordasse, em vez da referência expressa a «peixe fresco», poderia ficar só «determinadas mercadorias e géneros de rápida deterioração», que a abrange.
O Sr. Carlos Borges: — Há também os cadáveres... Parece uma brincadeira, mas não é. Existe uma quantidade enorme de carros funerários que circulam pelo País.
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª não transforme isto num anfiteatro macabro. (Risos).
O Sr. Presidente: — Se V. Ex.as concordarem, a Assemblea manifesta o seu pensamento e a redacção ficará a cargo da respectiva comissão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Ninguém quere usar da palavra?
O Sr. Clemente Fernandes: — Peço a palavra para um esclarecimento.
Desejaria saber se estão abrangidos nesta nova redacção artigos de urgente aplicação, como, por exemplo, adubos e sementes.
O Sr. Presidente: — Só são abrangidos os géneros ou mercadorias de rápida deterioração.
O Sr. Clemente Fernandes: — Entendo que as sementes e adubos são tam importantes como os artigos de rápida deterioração.
O Sr. Antunes Guimarãis: — As razões de eu ter redigido em novos termos a base XIV foi por saber, mercê de experiência própria, que há uma absoluta necessidade de garantir transportes em veículos de aluguer, sem restrições de distâncias, através do País.
O Sr. Dr. Mário de Figueiredo apresentou uma proposta em que as restrições de distância desaparecem, estabelecendo, contudo, certo regime de licença, com o qual eu concordo, para evitar uma concorrência desregrada contra as carreiras permanentes, que precisam de protecção, por serem as que garantem transportes regulares, sobretudo às populações rurais.
Reconheço que a redacção de S. Ex.ª, aliás apresentada após a minha, prevê alguns dos casos que eu quis remediar com as minhas propostas de substituïção.
Relativamente aos transportes particulares, desejo que no futuro, mercê da respectiva regulamentação a que se refere a proposta de lei, não venham a resultar para êles disposições que dificultem a sua importantíssima acção.
Trata-se de autênticos instrumentos de trabalho das emprêsas — agrícolas, comerciais e industriais —, não sendo de admitir qualquer entrave à sua utilização. Devem estar sujeitos ùnicamente a preceitos gerais, uma vez que não constituem indústria à parte, mas complemento indispensável de actividades que já pagam suas contribuições.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Estamos de acôrdo. A minha proposta, coincide perfeitamente, nesse aspecto, com o pensamento de V. Ex.ª.
O Orador: — Desde que as restrições de distância, estão suprimidas na proposta de V. Ex.ª, e que, por outro lado, sôbre os veículos de aluguer incidirá apenas um regime de licença para a conveniente defesa legítima das carreiras permanentes, parece-me que, sob êste ponto de vista, a proposta do Sr. Mário de Figueiredo satisfaz ao que eu desejava assegurar. Mas há também que garantir os transportes particulares, defendendo-os de futuras surprêsas fiscais ou de restrições de percursos.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: — Sr. Presidente: tenho seguido com toda a atenção a discussão desta proposta e tenho sempre dado o meu voto às emendas do Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo.
Simplesmente me parece que a base VIII está redigida em termos de tal forma genéricos que não sei quais são as conseqüências que da sua aprovação podem derivar.
Quere dizer: o Govêrno fica com as mãos inteiramente livres para legislar como quiser e como entender,
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Nós, a Assemblea Nacional, não damos aqui neste capítulo a mais pequenina indicação. E suponho, na minha humilde opinião, que não estaria bem que esta base fôsse votada sem que de facto a Assemblea Nacional lhe imprimisse um determinado sentido. Parece-me, tal como está redigida a base, que será possível ao Govêrno criar tais embaraços ao transporte de mercadorias em viaturas de aluguer e até mesmo naqueles transportes particulares que viesse isso a constituir uma surprêsa até para nós, que estamos aqui a legislar.
É essa simplesmente a razão da minha intervenção. Tenho a certeza de que o público, tanto aquele que utiliza as camionetas de aluguer e o serviço particular, como os proprietários dêsses veículos, que são numerosíssimos, vão ficar decerto extremamente preocupados e na mais completa e absoluta indecisão sôbre a sorte que lhes está reservada. De maneira que, se fôsse possível esclarecer dalguma maneira o pensamento da Assemblea para que amanhã o Govêrno, quando tivesse de regulamentar, tivesse já de antemão uma qualquer orientação, parece-me que seria bem melhor, porque, de outra maneira, confesso que tenho, escrúpulo de votar a base tal como está redigida.
Acredito piamente que no pensamento de V. Ex.ª está a melhor intenção; mas o que digo, e até que me demonstrem o contrário, é que ela está redigida em termos tam genéricos que me parecem bem inconvenientes.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Soares da Fonseca: — Sr. Presidente: a minha subida à tribuna era quási desnecessária depois de o ilustre Sr. Deputado Melo Machado ter exposto as suas bem aduzidas considerações.
Mas, como tenho na Mesa uma proposta de eliminação desta base, entendi que devia justificar a minha iniciativa no sentido de tal eliminação.
Pareceu-me, na verdade, que o preceito da base VIII brigava um tanto com a economia geral da proposta de lei, marcadamente destinada à coordenação dos transportes colectivos terrestres, a cujos princípios orientadores, segundo creio, acertados, se furtam os transportes particulares, incluindo os de aluguer. Melhor se me afigurou, portanto, eliminar estes do âmbito ou domínio da proposta de lei. Daqui a minha proposta de eliminação desta base.
Não pretendo com isto significar que, se, apesar destas considerações, houver de ficar a base, eu não diga da minha justiça acêrca do seu conteúdo. Em poucas palavras resumirei o meu pensamento, que é o seguinte: a redacção proposta pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo fez-me ter os mesmos sérios receios que foram expostos pelo Sr. Deputado Melo Machado. Efectivamente a primeira parte dessa proposta diz assim: «Serão definidos com precisão os transportes de aluguer e os transportes particulares para efeito de se instituir o regime jurídico mais adequado a cada categoria dêsses transportes».
Ora, Sr. Presidente, receio que, estando definido já hoje o regime jurídico dos aludidos transportes, regime que é simplesmente fiscal e de polícia, a redacção acabada de ler e preconizada pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo dê a entender que poderá aplicar-se-lhes um regime jurídico mais apertado que o actual.
O Sr. Melo Machado: — Com a agravante de que a proposta do Govêrno deixa entrever êsse caminho.
O Orador: — Exactamente. Esta redacção tem, no entanto, sôbre a proposta do Govêrno uma grande vantagem: elimina a restrição dos 50 quilómetros como limite de percurso para os transportes de mercadorias e até expressamente prescreve que não haverá limitações no espaço de deslocação. Mas também aqui, na orientação do Sr. Deputado Melo Machado, temo a alusão, na segunda parte da proposta, a um regime ainda mais especial destinado aos transportes de aluguer para mercadorias, porquanto permite a possibilidade de se imporem amanhã restrições excessivas, capazes de impedirem a utilização prática de tais transportes.
Em resumo, e servindo-me de uma imagem já empregada durante o debate na generalidade: o transporte colectivo é o barbeiro instalado no centro da cidade; o transporte de aluguer é o barbeiro que vem a nossa casa; o transporte colectivo é o barbearmo-nos a nós próprios. Ora a base VIII em discussão está redigida de tal sorte que pode conter a ameaça de nos dificultarem quer o barbearmo-nos a nós próprios, quer o mandarmos vir o barbeiro a nossa casa.
Em todo o caso, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo poderá dizer, talvez melhor do que ninguém, da legitimidade ou ilegitimidade das dúvidas e dos receios expostos.
Disse.
Vozes! — Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: — Sr. Presidente: creio que a base que proponho protege mais eficazmente os interêsses dos proprietários de automóveis particulares e de aluguer do que a base como a propõe o Sr. Dr. Antunes Guimarãis. Já disse isto a S. Ex.ª, o que foi suficiente para determinar S. Ex.ª a declarar no fim do seu discurso que iria pedir lhe fôsse autorizado retirar a sua base para a votação incidir só sôbre aquela que tive a honra de apresentar.
As críticas que foram produzidas à minha base pelo Sr. Deputado Melo Machado e pelo Sr. Deputado Soares dia Fonseca são críticas que podem da mesma maneara ser feitas ao texto da base que foi apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
E respondo a essas críticas assim: em lógica pura, supondo que as cousas se passam exclusivamente no domínio lógico, e não no domínio da realidade, S. Ex.as têm razão. É assim mesmo. É na verdade possível com fundamento na redacção da base tal qual a apresento instituir um regime jurídico que impeça a circulação dos automóveis.
Isto tanto para os automóveis de aluguer, como para os automóveis pesados particulares, como para os automóveis ligeiros particulares.
Realmente, S. Ex.as têm razão nisto: é que no domínio da pura lógica é possível esticar-se — desculpem--me o têrmo, mas é o próprio — a questão até êste momento.
Vamos a ver agora se soluções de pura lógica realmente são de aceitar quando se está a tratar de providências por que se tem em vista regulamentar realidades vivas da vida. Uma primeira cousa me parece indiscutível: é que, emquanto os transportes colectivos podem submeter-se a um regime administrativo apertado, os previstos na base em discussão só podem submeter-se a um regime policial e fiscal. Estes regimes já existem; podem tornar-se mais apertados ou mais largos, mas já existem.
E existem tanto para os transportes particulares como para os transportes de aluguer. Existe só a possibilidade de um regime de polícia e de um regime fiscal.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Então V. Ex.ª põe os transportes de aluguer no mesmo plano que os transportes particulares?
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O Orador: — Não. Por isso mesmo é que lá se faz a diferenciação nos dois grupos: transportes de aluguer e transportes particulares. Vou continuar na minha ordem de considerações...
Mas como se englobam no mesmo grupo uma certa massa de transportes que não são passíveis de um regime que impeça a sua circulação e utilização razoável, êsse facto só por si obriga a um regime de polícia ou a um regime fiscal moderado, porque é um regime de polícia e um regime fiscal bastante geral.
Diz-se porém: como não se determinam os limites dêstes regimes, o Govêrno pode ir até onde entender.
De acôrdo. Em pura lógica é assim. O que eu pregunto é se, consideradas as realidades e sendo o Govêrno forçado a instituir um regime geral dos transportes particulares, e depois um regime geral dos transportes de aluguer, e depois um regime especial dos transportes de aluguer para mercadorias, êle pode de facto ultrapassar o que nós podemos considerar o domínio do razoável.
Em pura lógica, sim; na realidade, não.
Referindo-me agora ao ponto de vista da redacção da proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, vem em primeiro lugar a alusão na minha às zonas urbanas e suburbanas que não existe na sua.
Como nestas o automóvel é um complemento apenas do caminho de ferro e não um elemento de concorrência, pode instituir-se para êle, quando de aluguer, um regime de favor.
Foi já acentuada a possibilidade de admitir um regime também de favor para os transportes de aluguer de mercadorias sujeitas a fácil deterioração.
Suscitou-se a necessidade de se alargar êste regime de favor para os transportes de mercadorias de urgente aplicação, como sementes ou adubos, e por minha parte não tenho dúvida em subscrever a alteração.
Pôs-se ainda o problema de se instituir um regime de favor para os transportes de aluguer especializados.
Queria aludir-se, entre outros, aos transportes de mobílias.
Eu tinha considerado o problema, ao organizar o contexto da base, e entendi que êsses transportes não deviam beneficiar de um regime de favor porque, sendo transportes especializados, hão-de, naturalmente, por fôrça das próprias cousas, estar em condições de estabelecer preços também... especializados.
E, sendo assim, é razoável que quem os utiliza suporte encargos mais gravosos.
Dito isto, entendo que não há mais nada a esclarecer.
O Sr. Soares da Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?...
A questão de não ser eliminada a base, e portanto de continuar tal como está o regime de transportes de aluguer, também seria bom esclarecer.
O Orador: — O Sr. Deputado Soares da Fonseca, falando a propósito da sua proposta de eliminação desta base, disse que ela deve ser eliminada porque contrafaz de alguma maneira a economia da proposta do Govêrno.
Eu direi a S. Ex.ª que, se isso não é rigorosamente exacto, se aproxima do que é.
Efectivamente a base como aparece na proposta do Govêrno contrafaz a economia desta, porque institue um regime de limitação no espaço, para justificar o qual é necessário ir buscar fora dos princípios gerais informadores da proposta, aos princípios do condicionamento industrial, a respectiva fundamentação. Estou de acôrdo.
É claro que, como com a proposta se procura fixar a coordenação dos transportes, é necessário que nela fiquem princípios que tornem possível tal coordenação: entre sistemas de transportes que exploram serviços públicos e sistemas de transportes que não exploram serviços públicos. Há que ter em consideração que o único meio a utilizar para essa coordenação é o que se traduz em um regime policial e fiscal.
Na minha proposta, mesmo para o transporte de aluguer de mercadorias, não se admite um regime que ultrapasse o policial e o fiscal, nem a possibilidade de limitação de circunscrições de actividade.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Albino dos Reis: — V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente?...
Pedia a V. Ex.ª, se nos concedia alguns minutos para ver se chegamos a uma conclusão...
O Sr. Presidente: — Suspendo então a sessão por alguns minutos.
Eram 16 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão.
Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: — Chegou à Mesa uma proposta de aditamento, redigida, nestes termos: «Quanto aos transportes particulares o seu regime não irá além das normas reguladoras do trânsito e dos encargos fiscais de ordem genérica».
Esta proposta está assinada pelos Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Águedo de Oliveira, Melo Machado, Soares da Fonseca e Querubim Guimarãis.
Além disso, há ainda na Mesa uma proposta, subscrita pelos Srs. Deputados Clemente Fernandes, Antunes Guimarãis, Alçada Guimarãis, Rui Pereira da Cunha e Cortês Lobão, no sentido de que na última parte da base se aditem as palavras «e urgente aplicação».
Em face do que se passou, o Sr. Deputado Antunes Guimarãis pretende retirar a sua proposta.
Consulto a Assemblea sôbre se autoriza que ela seja retirada.
A Assemblea resolveu afirmativamente.
O Sr. Soares da Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra, para agradecer a gentileza do Sr. Dr. Mário de Figueiredo em ter reconhecido a legitimidade da dúvida que assomou ao meu espírito quando, olhada a economia da proposta, se me afigurava de eliminar a base que está em discussão; e também para agradecer a S. Ex.ª ter reconhecido algum fundamento nos receios que aqui foram manifestados quanto à possibilidade de interpretações perigosas na execução dos preceitos dá mesma base.
Agradecendo, pois, as explicações do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, desejo esclarecer que, apesar de tudo, eu preferia que o regime jurídico dos transportes particulares, incluindo o dos veículos de aluguer, ficasse definido na proposta, em vez de ser deixado ao prudente arbítrio da Administração.
Espero que as explicações dadas pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo sôbre a redacção dada por S. Ex.ª à base VIII, redacção agora melhorada com a proposta de emenda que assinei, levem a Administração a aplicar essa base no sentido que foi aqui preconizado.
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Nestes termos, peço licença para retirar da Mesa a proposta em que pedia a eliminação da base.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Consulto a Assemblea sôbre se autoriza o Sr. Deputado Soares da Fonseca a retirar a sua proposta de eliminação desta base.
Consultada a Assemblea, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, com as propostas de aditamento que já foram lidas.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base IX.
Quanto a esta base, há na Mesa uma proposta de eliminação, apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca, e mais duas propostas, uma do Sr. Deputado Antunes Guimarãis e outra do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que dizem, respectivamente:
Serão remodeladas a Direcção Geral de Caminhos de Ferro e a Direcção Geral dos Serviços de Viação.
Quando a concentração da rêde ferroviária estiver efectivada, o Govêrno promoverá que a fiscalização de todos os transportes por via férrea e por estrada seja unificada, ficando sob a superintendência da Direcção Geral dos Transportes Terrestres, criada em substituïção das actuais Direcções Gerais de Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação.
O Sr. Melo Machado: — Talvez se pudessem discutir conjuntamente as bases IX e X.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Nesse caso estão conjuntamente em discussão as bases IX e X.
Devo esclarecer a Assemblea que, a propósito da base X, há uma proposta de eliminação, apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca, e duas propostas do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, que são as seguintes:
São suprimidos os Conselhos Superiores dos Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação.
É criado, ùnicamente com funções consultivas, o Conselho Superior dos Transportes Terrestres, com a constituïção prevista, na base X da proposta de lei, adicionando-lhe representantes do Automóvel Clube de Portugal, das Direcções Gerais de Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação e de outros altos interêsses que o Govêrno julgue deverem ser ali representados.
Há também uma outra proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis que se liga com esta base, e que é a sua proposta 6.ª, assim redigida:
O plano da rêde ferroviária, poderá ser revisto pelo Govêrno para interligação de troços ora independentes, acessos a centros populacionais e de actividades importantes, bem como para correcção de traçados e melhoramento nas respectivas condições económicas e técnicas, notòriamente a electrificação. § 1.° A aprovação de melhoramentos nos termos desta base deveria constar de lei.
Há finalmente uma proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que é já do conhecimento de V. Ex.as.
Ùltimamente foram apresentadas duas outras propostas, subscritas pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês, Albano Magalhãis, José Nosolini, José Cabral e Jaime Amador e Pinho, assim redigidas:
«Propomos que o segundo período, e a alínea a) da base X da proposta de emenda do Deputado Doutor Mário de Figueiredo tenham a seguinte redacção:
O Conselho terá como presidente nato o Ministro das Obras Públicas e Comunicações e como presidente efectivo, por sua delegação, o director geral dos transportes terrestres.
Além dos presidentes, constituirão o Conselho:».
«Propomos que o segundo período e a alínea a) da base X da proposta do Deputado Doutor Mário de Figueiredo sejam assim substituídos:
O Conselho terá como presidente nato o Ministro das Obras Públicas e Comunicações e como presidente efectivo, por sua delegação, o director geral dos caminhos de ferro ou o dos serviços de viação, conforme a antiguidade.
Além dos presidentes, constituïrão o Conselho:
a) Um vice-presidente, que será o director geral a quem não competir a presidência, nos termos do corpo desta base».
O Sr. Soares da Fonseca: — Sr. Presidente: há, da minha autoria, a proposta de eliminação das bases IX e X, que V. Ex.ª acaba de pôr à discussão.
Parece-me que é dever meu justificar por que enviei para a Mesa tal proposta.
Numa das eloqüentes exposições, como aliás todas as de S. Ex.ª, feitas pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo afirmou-se, e bem, que se descobrem, na economia geral da proposta de lei, duas espécies de normas: normas pròpriamente respeitantes à coordenação dos transportes terrestres e normas que, não dizendo directamente respeito a essa coordenação, constituem pressupostos ou proposição dos meios de transformação dos referidos transportes. Por meu lado, apontei aqui que, além destas duas espécies de normas, deveria talvez entender-se que a proposta incluía ainda outra categoria, constituída por normas estranhas pròpriamente a uma coordenação de transportes e estranhas também aos meios de transformação dêsses transportes.
Está neste caso, creio eu, a base IX, em que se preconiza a fusão da Direcção Geral de Caminhos de Ferro e da Direcção Geral dos Serviços de Viação. De duas uma: ou esta matéria é efectivamente estranha à coordenação de transportes e aos meios da sua transformação ou não é.
Se o é, direi que tal preceito não teria de estar aqui.
Cai-se então pura e simplesmente no domínio da regulamentação interna dos serviços das secretarias do Estado, e, como tal, não deveria o preceito ser submetido à apreciação da Assemblea ou, tendo-o sido, a Câmara não deveria pronunciar-se sôbre êle. A solução seria, por conseguinte, votar-se a eliminação pura e simples da base.
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Na hipótese, porém, de assim se não entender, por se partir de pressuposto diferente, isto é, de que a fusão das duas Direcções Gerais se integra realmente no plano de coordenação dos transportes terrestres, devo apontar uma nova inquietação: a de tal fusão ser forma de coordenação tam perfeita, tam perfeita, que chega a ser óptima e, portanto, inimiga da boa. E digo porquê: o fundamento da fusão é a coordenação.
Mas neste caso, como a emprêsa dos caminhos de ferro é econòmicamente mais potente do que qualquer emprêsa de camionagem, e como o poderio económico traz naturalmente influência política, não será talvez desavisado temer-se pela influência adversa do caminho de ferro sôbre a estrada.
Por outras palavras, se a fusão das Direcções Gerais entra no quadro da coordenação e é derivada desta, é de admitir que a camionagem fique mal protegida ou mal defendida.
Não será mais razoável, então, desintegrar esta base do conjunto de normas coordenadoras dos transportes terrestres?
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Ulisses Cortês: — Pedi a palavra para justificar, em breves considerações, uma proposta de substituïção que tive a honra de subscrever e de enviar para a Mesa e que diz respeito a parte da base X da proposta do ilustre Deputado Dr. Mário de Figueiredo.
Segundo o disposto nessa base, o Conselho Superior dos Transportes Terrestres tem como presidente nato o Ministro das Obras Públicas e Comunicações e como presidente efectivo um engenheiro inspector superior de obras públicas. A vice-presidência dêsse Conselho compete, nos termos da alínea a), ao director geral dos transportes terrestres ou, transitòriamente, aos directores gerais de caminhos de ferro e dos serviços de viação.
Sucede, porém, que estes têm categoria superior ao presidente efectivo, como se deduz até dos vencimentos que a uns e outros são atribuídos pelo decreto n.º 26:115.
Não faz sentido, pois, a disposição da proposta em referência, que, além do mais, é subversiva da própria hierarquia.
A proposta de substituïção, da minha iniciativa e que se encontra em poder de V. Ex.ª procura obviar a êsse inconveniente, e julgo que o faz por forma a merecer a aprovação da Assemblea.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: — Na proposta em discussão os problemas essenciais a debater creio serem estes: duas direcções gerais ou uma direcção geral? deverá ser eliminada a base, como propõe o Sr. Deputado Soares da Fonseca? conselho exclusivamente consultivo ou conselho com atribuïções executivas?
Comecemos por considerar a proposta de eliminação.
Devo dizer que, de um modo geral, entendo que as organizações de serviços, muito embora sejam da competência legal e constitucional desta Assemblea ou de Assembleas desta natureza, não são — e espero que V. Ex.as não tomem a afirmação que vou fazer à conta de menos consideração — da sua competência efectiva.
É claro que pode dizer-se que aquilo de que se trata não é pròpriamente da organização de um serviço, mas sim da fixação de um princípio, com base no qual os serviços serão depois organizados.
Pode pensar-se assim quanto à base IX.
Quanto à base X, à organização do próprio conselho, já isso é mais duvidoso.
As considerações que acabo de fazer não são definitivas, e se eu tenho hesitações quanto às soluções da base X, à organização do conselho, já as não tenho quanto às da base IX.
O problema pode pôr-se neste aspecto: tratando-se de uma proposta de coordenação dos transportes, quere dizer, de uma proposta por que se tem em vista tornar saüdável a economia dos transportes terrestres nas relações entre os dois sistemas, parece que um órgão único tem mais fácil possibilidade de tomar posição sôbre o ordenamento dessa economia do que dois órgãos, cada um dos quais a tratar da economia do seu próprio sistema de transportes.
Eu sei que pode observar-se o seguinte: a coordenação fá-la-á o Sub-Secretário dos transportes ou o Ministro, sôbre as duas Direcções Gerais, que devem manter-se. É certo, tudo é uma questão de saber a altura em que deve ser feita a unificação. Quem, porém, tiver tido contacto com cousas da administração pública sabe que a unificação feita no próprio órgão de execução é muito mais eficiente do que a feita pelo Ministro. Em vez de resolver conflitos de serviços, êste deve ditar a política a adoptar por êles, de modo a ser executada sem possibilidades de conflito.
Acrescento, que a solução das duas Direcções Gerais era lógica com o pensamento de nacionalização do Sr. Dr. Antunes Guimarãis. Se êsse pensamento fôsse votado, a Direcção Geral de Caminhos de Ferro devia mesmo transformar-se numa administração geral. Ainda se justificaria que se mantivesse, se fôsse aprovada a proposta do Sr. engenheiro Araújo Correia.
Mas não foram aprovados nem um nem a outra. Daí, a única solução lógica ser a que proponho.
Se a função essencial ou, pelo menos, a função nobre e específica da Direcção Geral é agora a administração do Fundo especial de caminhos de ferro e êste, com a execução da base votada, desaparece, para que fica a Direcção Geral? As outras funções que desempenha, de fiscalização e estatística, são de menos para uma direcção geral.
Diz o Sr. Dr. Soares da Fonseca que, como os caminhos de ferro têm uma importância muito maior do que a camionagem e, agora, a emprêsa única potencialidades económicas e, portanto, políticas enormes, a concentração das duas Direcções Gerais traduzir-se-á afinal pela absorpção da camionagem pelo caminho de ferro. No plano das considerações que vinha fazendo, creio que é o contrário o que pode recear-se. Na verdade, é a Direcção Geral dos Serviços de Viação a que fica com maior volume de funções; portanto, o que deve passar-se é aquela ser absorvida por esta.
O Sr. Carlos Borges: — São duas indústrias concorrentes que representam interêsses que por fôrça hão-de chocar-se, e a única possibilidade de manter um certo paralelismo, um certo equilíbrio das forças económicas que cada uma delas representa, é haver duas direcções gerais, uma para cada indústria.
O Orador: - O que proponho é precisamente para se não chocarem. E insisto: tire-se à Direcção Geral de Caminhos de Ferro a administração do Fundo especial e o que fica não é matéria para uma direcção geral.
O Sr. Carlos Borges: — Em tese tem V. Ex.ª razão; mas, pràticamente, as cousas são como nós pensamos e
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temos exposto aqui. Deve haver toda a vantagem em que se mantenham as duas Direcções Gerais.
0 Sr. Soares da Fonseca: — Eu não quis referir-me ao problema das funções da futura Direcção Geral unificada. O meu problema não é o da vastidão de funções, mas sim o da fôrça de poder, pois o que eu receio é o poderio do caminho de ferro sôbre a Direcção Geral unificada.
O Orador: — Com base no raciocínio do Sr. Deputado Soares da Fonseca, sou da mesma maneira conduzido à eliminação da Direcção Geral de Caminhos de Ferro, porque, segundo S. Ex.ª, ela não existiria senão para sofrer, porventura, contra os interêsses do Estado, a influência, o poderio da inchada emprêsa unificada.
Ora essa influência sofre-a menos estando concentrados numa direcção geral todos os transportes terrestres.
No fundo, portanto, o que se pretende é uma Direcção Geral de Caminhos de Perro, para não fazer senão aquilo que lhe fôr imposto pela emprêsa enorme e inchada, que não existirá senão para desenvolver influências de interêsses e políticas sôbre todas as cousas! Ninguém dirá que isto não é o prolongamento das considerações que se têm produzido!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Carlos Borges: — V. Ex.ª dá-me licença? Toda a orientação da Assemblea Nacional, desde o início da discussão desta proposta, tem sido no sentido de defender os interêsses do País e acautelar principalmente aquelas partes da indústria de transportes que se consideravam menos protegidas, e não foi seguramente a dos caminhos de ferro.
O Orador: - Têm sido acautelados ao máximo os interêsses da camionagem.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Carlos Borges: — Tem sido essa a preocupação da Assemblea Nacional.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Joaquim Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: devo à Assemblea Nacional uma explicação que me obriga a subir a esta tribuna.
Durante as sessões de estudo, quando se tratou desta questão da manutenção ou não manutenção das Direcções Gerais, como V. Ex.as se lembram, pronunciei-me pela subsistência das duas Direcções Gerais. E dei nesse momento as razões; quási todas de ordem puramente sentimental, que me levaram para êsse ponto de vista. Devo porém confessar que, pensando melhor sôbre o assunto, hoje tenho de me colocar em contradição com a posição que tomei na sessão de estudo. Hoje, voto deliberada e conscientemente a unificação das duas Direcções Gerais numa única, a dos Transportes Terrestres.
E não foram só as razões apresentadas para justificar êsse ponto de vista pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo que me levaram a mudar de atitude, mas também algumas que realmente me acudiram ao espírito.
Assim, amanhã, com a unificação da exploração ferroviária e a concentração dessa exploração numa única emprêsa, desaparecendo, como é de prever que desapareçam, todos os acidentes que hoje acompanham a vida das emprêsas ferroviárias, que obrigam a uma intervenção quási permanente do Estado na vida dessas emprêsas, a Direcção Geral de Caminhos de Ferro fica pràticamente sem razão de existir. Limitar-se-ia naturalmente a uma troca de ofícios com a emprêsa única, e isso, só por si, não justificaria a existência de um organismo com a categoria de uma direcção geral.
Além disso, como vamos para um sistema de coordenação de transportes, de um lado ficaria apenas uma emprêsa ferroviária e do outro deveriam ficar apenas umas duas centenas de emprêsas de camionagem. Suponho que é indispensável que seja o mesmo organismo a estabelecer contacto e as ligações indispensáveis entre o sistema representado por uma emprêsa única e o sistema representado por duas centenas de emprêsas.
Nesta ordem de ideas, suponho que pode haver como resultante da unificação das duas Direcções Gerais uma inflação nos quadros administrativos, e parece-me que isso é de considerar, visto que prevejo que, por fôrça das circunstâncias correntes do post-guerra, a organização da administração pública não pode deixar de visar essa possível inflação e a sua resultante quanto a despesas.
Por isso, Sr. Presidente, voto a fusão. E de tal modo parece-me também que não haverá lugar para qualquer outra disposição a êsse ponto referente, visto que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo mantém o status quo.
Quanto ao Conselho Superior de Transportes Terrestres, não me parece que se possam suscitar dúvidas quanto a actuação dêsse Conselho, visto que, dada a sua larga representação, êle pode assegurar a todo o País absoluta independência e imparcialidade.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Rui da Cunha: — Sr. Presidente: creio que a Direcção Geral de Caminhos de Ferro continuará com funções que justificam perfeitamente a sua existência.
Não terá, talvez, que administrar o Fundo dos caminhos de ferro e será essa hoje a sua mais absorvente e mais nobre função. Mas amanhã vamos assistir a uma verdadeira renovação de linhas e de todo o material circulante. É portanto necessária essa Direcção, não só para a organização dos planos, mas também para a fiscalização da sua execução. A obra de renovação a realizar não poderá ser feita em seis meses, seis anos ou mesmo vinte anos, e torna-se impossível estar a incluir num plano geral inicial todas as particularidades que o interêsse público e o interêsse do Estado reclamam que nêle sejam introduzidas.
A função técnica de estudo, que compete à Direcção Geral de Caminhos de Ferro é tam necessária durante a elaboração do plano geral inicial como durante a sua execução. A realização das obras, as aquisições de material, prolongar-se-ão por muitos anos e será necessário, certamente, mais de um reajustamento do plano, em face dos progressos da técnica e até da evolução dos outros dados do problema. Os trinta e dois engenheiros que hoje tem a Direcção Geral não são em excesso, só para estes serviços.
O Sr. Mário de Figueiredo: — No fundo parece-me que V. Ex.ª está a pugnar por uma duplicação de serviços.
Se bem compreendi, o raciocínio de V. Ex.ª é êste: é preciso que continue a existir a Direcção Geral de Ca-
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minhos de Ferro porque é indispensável a fiscalização, e para fiscalizar é preciso refazer os trabalhos de quem se fiscaliza. Toda a obra a executar precisa, pois, de ser estudada por essa Direcção Geral para poder ser eficientemente fiscalizada.
Apareceu-me com esta fôrça o argumento, quando precisamente estava a redigir a minha proposta.
E disse: mas no fundo o argumento é enganador porque conduz a uma duplicação de serviços, visto não poder conceber-se a existência de uma emprêsa organizada em bases económicas aceitáveis que não esteja apetrechada com pessoal técnico competente para fazer todo o trabalho que uma grande obra de renovação exige.
É claro que V. Ex.ª pode dizer, insistindo: mas a Direcção Geral tem funções de fiscalização, devendo portanto, para fiscalizar com seriedade, ter conhecimento adequado dos problemas.
Isso é assim e não é.
Agora, emquanto há o Fundo especial é a Direcção Geral que faz os estudos e todos os trabalhos de 1.° estabelecimento; mas fiscalizar os estudos feitos não é o mesmo que fazer estudos de novo. Quem fiscaliza precisa de ter o conhecimento geral indispensável do que fiscaliza, mas não de despender o esfôrço de quem organiza os trabalhos a fiscalizar.
O Sr. Cortês Lobão: — Para fazer transformação é preciso técnica.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Hoje também a Direcção Geral precisa de fiscalizar se as máquinas a encomendar devem ser aceites, e o que acontece? Sempre o mesmo: limita-se naturalmente a aprovar os modelos escolhidos por engenheiros tam competentes como os seus.
Digo isto sem desprimor para aqueles que estão á frente dêsses serviços e que são pessoas da maior competência, porque eu, se lá estivesse, faria o mesmo.
O Orador: — Devo dizer, respondendo a V. Ex.ª, que o problema não tem a simplicidade que V. Ex.ª lhe atribue. Por exemplo, a simples alteração do comprimento ou peso dos carris, grandeza cuja expressão qualquer compreende, envolve problemas técnicos que só os engenheiros especializados podem resolver.
Se houvesse uma única Direcção Geral, ela teria de conservar um corpo de técnicos especializados em caminhos de ferro, mas talvez não tivesse, nem parece que deva necessàriamente ter, um director geral que seja técnico de caminhos de ferro.
Por outro lado, não há qualquer semelhança nos serviços de fiscalização das duas actuais Direcções Gerais, que, nesse particular, também trabalham segundo regulamentos diferentes, por processos diferentes e com pessoal com diferente preparação. Por isso, da fusão das duas Direcções não resultará economia de pessoal.
Há que atender à especialização dos serviços.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Se V. Ex.ª conseguir demonstrar isso, eu voto as duas Direcções. Simplesmente, a demonstração é impossível.
O Orador: — Pregunto a V. Ex.ª se conhece algum engenheiro português que seja simultâneamente técnico de caminhos de ferro e técnico de serviços de viação.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Não é disso que se trata, mas de saber se todo o pessoal da actual Direcção Geral tem de passar para a nova.
O Orador: — Não posso, nem ninguém aqui o pode demonstrar, porque não dispomos de elementos necessários para uma resposta tam absoluta como V. Ex.ª a deseja; mas, se da fusão pode resultar compressão de quadros, ela será necessàriamente insignificante e não pode compensar as desvantagens da fusão sob o ponto de vista técnico. A Direcção Geral de Caminhos de Ferro tem a função de administrar o Fundo especial, que desaparece; mas tem também a seu cargo a fiscalização técnica sôbre os estudas e a execução das obras e sôbre a exploração...
O Sr. Mário de Figueiredo: — A administração do Fundo significa aplicação...
O Orador: — A Direcção Geral dos Serviços de Viação tem, além da fiscalização dos veículos e do pessoal das emprêsas concessionárias de transportes colectivos, uma função executiva, no que se refere à concessão de cartas de condução, inspecção de veículos, seu registo e transmissão.
As duas actuais Direcções têm a seu cargo serviços inteiramente diferentes, que requerem organização diferente.
Finalmente, devo declarar que dou todo o valor à objecção do Sr. Dr. Soares da Fonseca e que, nesse campo, vou mais longe ainda.
Creio que o problema da coordenação de transportes só terá uma solução verdadeiramente eficiente se dela resultar o integral aproveitamento dos dois meios de transporte.
Apesar de serem deminutas, no nosso País, as correntes de circulação de mercadorias e de passageiros, não há excesso de meios de transporte. Creio que não há já dúvidas sôbre isso, mas, como foram citadas coeficientes de utilização que parecem mostrar o contrário, devo dizer que na prática êsse coeficiente nunca pode ser de 100 por cento, porque para isso era necessário que todos os combóios andassem cheios desde a primeira à última estação do percurso; todos nós sabemos que hoje os combóios partem ou chegam cheios, mas que, durante parte do percurso, ou num dos sentidos, principalmente nas linhas suburbanas, já isso se não verifica. Não sendo em excesso os meios de transporte, precisámos de desenvolver não só os caminhos de ferro, mas também a camionagem, que hoje já presta relevantes serviços. Creio que as instâncias oficiais devem impulsionar êsse desenvolvimento e, que isso só se conseguirá se elas acolherem com interêsse, com carinho, com espírito de cooperação, direi, com espírito profissional, aqueles que delas dependem.
Que quando alguém da camionagem tiver de tratar nas instâncias oficiais um problema técnico ou administrativo encontre funcionários que conheçam os seus problemas, que se interessem por êle, isto é, que pensem rodoviàriamente. E que, da mesma forma, quando a concessionária dos caminhos de ferro o fizer, também encontre nessas repartições engenheiros especialistas conhecedores dos seus problemas, animados do desejo de os resolver e com quem possa trabalhar com a confiança e o entendimento que resultam da igualdade da formação técnica e do hábito de trabalhar em conjunto.
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Ora isto não é possível senão com as duas Direcções Gerais, dirigidas por dois técnicos especializados.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: — As minhas propostas de substituição a estas bases dizem:
1.º Serão remodeladas a Direcção Geral de Caminhos de Ferro e a Direcção Geral dos Serviços de Viação.
Esclareço, contudo, que deverá aquela redacção ser assim interpretada: «Serão mantidas, embora remodeladas...».
E digo remodeladas porque se compreende bem que, no momento em que esta proposta de lei prevê grande desenvolvimento de reequipamento e desenvolvimento da rêde ferroviária, a Direcção Geral de Caminhos de Ferro deve adaptar-se a esse novo e importante trabalho.
Da mesma forma, a Direcção Geral dos Serviços de Viação, embora, como já disse, eu entenda dever ser mantida, carece de remodelação para se adaptar à nova estrutura dos serviços que vai dirigir mercê das bases desta proposta de lei.
Por que defendo a manutenção dessas duas Direcções Gerais?
Devo dizer a V. Ex.as que, muito embora os ilustres oradores que me precederam tenham apresentado vários e importantes argumentos tendentes a demonstrar a necessidade da sua conservação, a circunstância de eu ter lidado de perto com elas permitiu-me apreciar a sua utilidade, por terem a seu cargo serviços muito importantes, e que, mercê desta lei, progredirão no futuro.
Conheço também a actividade das repartições dos serviços de viação, o que me permite afirmar também a sua indispensabilidade.
Toldo o sistema ferroviário vai ser motivo de nova concessão a uma emprêsa constituída pelas que vão desaparecer, destinada não só à exploração, mas ao reapetrechamento e desenvolvimento da própria rêde ferroviária.
E porque assim é, entendo que deve ser mantida a Direcção Geral de Caminhos de Ferro, tanto mais que o Govêrno, por esta proposta, assume uma responsabilidade gravíssima, que é a de facilitar os meios financeiros indispensáveis para a fenomenal obra projectada, e que, de facto, é urgentemente indispensável.
Sr. Presidente: embora concedido a uma nova emprêsa; todo o sistema ferroviário continuará a fazer parte do património nacional; é grande valor da Nação portuguesa.
E de tam considerável valor, apesar de concedido, é o Estado que fica com a responsabilidade da sua conservação e dos grandes recursos que, por esta proposta de lei, promete facilitar para o seu indispensável desenvolvimento.
Diz-se, e é natural, que as pessoas que hão-de compor a futura administração da emprêsa concessionária não deixarão de ser pessoas idóneas. Mas não basta isso. Evidentemente que ao Estado cumpre uma fiscalização imediata; mas não só fiscalização por pessoas alheias à técnica ferroviária. Importa garantir fiscalização especializada, e, mais que isso, fiscalização que em muitos campos possa entrar no domínio da colaboração.
Sei a importância que têm tido os serviços da Direcção Geral de Caminhos de Ferro, mesmo no período de quási estagnação de tudo o que respeitava aos domínios ferroviários, e assim calculo quanto poderão ser úteis no período de renascimento ferroviário preparado por esta proposta de lei.
Desta forma, entendo deverem ser mantidos.
Sobre a Direcção Geral dos Serviços de Viação devo declarar não ter sido criada por mim.
Quando deixei o Ministério do Comércio e Comunicações, os serviços rodoviários, devido aos progressos da técnica do automobilismo, às obras realizadas nas estradas e à crescente afluência de passageiros e mercadorias aos transportes automóveis, tomaram grande incremento.
Tais serviços não podem deixar de ser dirigidos por pessoais conhecedoras do métier. Portanto, sou também de opinião haver toda a conveniência em mantê-los.
Fala-se na discordância que poderia surgir entre as duas Direcções Gerais, pretendendo, possìvelmente, cada uma defender o seu sistema. Não receio tais incompatibilidades, nem a possibilidade de vir a ser prejudicada a boa colaboração que o Govêrno e a Nação têm o direito de exigir de todos os servidores do Estado. Acima dessas Direcções Gerais está o Conselho Superior de Transportes Terrestres e acima dêste o Ministro.
Mas, não concordando com a supressão das aludidas Direcções Gerais, concordo absolutamente com a supressão dos dois Conselhos, o dos Caminhos de Ferro e o dos Serviços de Viação, para constituírem um só conselho coordenador, que evite as improváveis discordâncias de orientação das duas Direcções Gerais a que venho de aludir.
E repito, acima de todos estará o Ministro. 0 Ministro, que é o representante da Nação, o político que tem por grande função coordenar e orientar. A êle competem essas altas funções, com a correspondente responsabilidade.
Porque assim entendo é que sou de opinião que ao Conselho Superior de Transportes Terrestres não devem ser dados poderes executivos, mas apenas funções consultivas.
Já tive ocasião de dizer que a constituïção proposta para aquele Conselho não deve ser taxativamente talhada, antes devemos deixar ao Govêrno a liberdade de, a todo o tempo e quando julgar conveniente, poder nomear representantes de determinadas entidades e interêsses de reconhecida importância.
Há todavia uma lacuna que pretendo remediar. Tem sempre feito parte do Conselho Superior de Viação um representante do Automóvel Clube de Portugal, o grémio que representa a maioria dos automobilistas particulares, sem se alhear dos altos interêsses em geral ligados ao automobilismo.
E êsse grémio tem também funções de carácter oficial, visto que as leis lhe concedem a faculdade de conceder trípticos, certificados internacionais e outros diplomas de carácter público.
Ora, em face do que acabo de dizer, e em homenagem aos serviços de marcado relêvo prestados há muitos anos à Nação e ao próprio Estado pelo Automóvel Clube de Portugal, entendo de toda a justiça e oportunidade garantir a sua representação no futuro Conselho Superior de Transportes Terrestres.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Sr. Querubim Guimarãis: — Sr. Presidente: sòmente umas ligeiras considerações acêrca do assunto que se está debatendo.
Confesso, tal como aqui declarou o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que tenho muitas hesitações na apreciação destas bases e, portanto, na maneira como votá-las. No sistema geral a que obedece a economia geral da proposta no que respeita às duas formas de transportes — rodoviária e ferroviária —, ambas submetidas a uma conveniente coordenação, se imponha, na direcção superior dos serviços, o princípio da unificação num único, que superintenda em tudo.
A manutenção das duas Direcções actuais envolve uma duplicação que contraria o sistema geral da proposta. Como disse o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, o princípio da unificação parece prejudicado pela duplicação com duas Direcções Gerais.
Mas as minhas hesitações vão também para a circunstância a que se referiu aqui o Sr. Deputado Soares da Fonseca, do que a unificação representa, não na lógica, em que raciocina sempre bem o Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo, mas no campo das realidades, passando essa unificação a representar de facto uma absorpção de fôrças menores.
Daí vêm as minhas hesitações.
Compreendo que na lógica do sistema a unificação se impõe; hesito, no entanto, quanto à prática do princípio, por, repito, essa unificação poder traduzir-se na absorpção do mais fraco, que, para a maioria dos Srs. Deputados, como para mim, se representa no transporte rodoviário, e isso não está no pensamento desta Assemblea, que claramente se manifestou, no decurso desta discussão, favorável ao ponto de vista da defesa da camionagem, dentro do interêsse público e do interêsse do Estado e da economia dá Nação, pelos benefícios que traz a uma grande massa da população do País.
Mas, Sr. Presidente, estas bases que foram aqui apresentadas parecem mais matéria de regulamentação do que pròpriamente, na economia da proposta, digamos, matéria de direita substantivo.
Parece-me que, trazendo isto tantas dificuldades ao nosso espírito, aqui bem claramente manifestadas, ao nosso desejo de assentar numa votação conscienciosa e que melhor corresponda aos interêsses gerais do País, seria vantajoso votar a proposta de eliminação destas duas bases do Sr. Deputado Soares da Fonseca, se S. Ex.ª a não pretender retirar. Não seria melhor deixar ao Govêrno, que ausculta, através dos debates nesta Assemblea, qual o sentido da mesma, o sentido de equilíbrio dos dois sistemas de transportes, que é afinal o mesmo que preside à economia da proposta, embora no seu articulado nem sempre lhe corresponda cabalmente?
Não seria melhor deixar ao Govêrno, que melhor do que nós conhece os problemas nos seus vários aspectos, através da respectiva organização dos dois serviços, a faculdade de organizar um Conselho único ou de manter os dois organismos ora existentes? Parece-me ser o Govêrno, na hipótese, o melhor regulador do problema, sem corrermos o risco de o ver embaraçado em apresentar uma solução mais conveniente, preso àquela que aqui votarmos. Repito: são grandes as minhas hesitações.
A existência de duas Direcções efectivas afasta-nos da idea do sistema de coordenação dos transportes, a que obedece a proposta.
O desaparecimento das duas Direcções e a organização de um Conselho único, embora mais lógico à face do sistema a que obedece a proposta, pode representar a anulação, de facto, dêsse mesmo princípio de coordenação que se pretende estabelecer, já não falando na diversidade de serviços que as duas Direcções até aqui têm representado e que se mantêm mesmo no sistema da preconizada unificação.
Parece-me, portanto, aconselhável que se eliminem as duas bases em discussão e se vote a proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Dr. Soares da Fonseca, se êle a não retirar.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Soares da Fonseca: — Sr. Presidente: verificando as dúvidas ou divergências de pareceres manifestadas acêrca da matéria em discussão, peço licença para, no intuito de as conciliar, enviar para a Mesa a seguinte moção:
«A Assemblea Nacional, entendendo que, por se tratar de uma reorganização de serviços, é ao Govêrno, que está em contacto permanente com êles, que cabe fazê-la, vota a eliminação das bases IX e X».
O Sr. Presidente: — V. Ex.as acabam de ouvir a moção apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca.
A aprovação desta moção implica, como V. Ex.as vêem, a eliminação das bases IX e X, mas dá a essa eliminação um determinado sentido. Vou submeter a moção à aprovação da Assemblea.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Consideram-se, portanto, eliminadas as bases IX e X da proposta.
A discussão continua na sessão de segunda-feira.
Como, porém, pode dar-se o caso de na segunda-feira já ser conhecido da Assemblea o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de alteração constitucional e como também pode acontecer que se faça ràpidamente a votação das restantes bases desta proposta de lei que ainda faltam ser apreciadas, a ordem do dia da próxima sessão será constituída por duas partes: a primeira é a continuação da discussão na especialidade da proposta de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres; a segunda, sessão de estudo da proposta de lei de alterações à Constituïção.
Vou agora designar os Srs. Deputados que hão-de constituir a sessão de estudo dessa proposta de lei.
Farão parte dessa sessão de estudo todos os Srs. Deputados da Comissão de Redacção e mais os seguintes Srs. Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, Álvaro Henriques Perestrelo Favila Vieira, António Carlos Borges, Artur Águedo de Oliveira, Artur Rodrigues Marques de Carvalho, João Mendes da Costa Amaral, Joaquim Mendes do Amaral, José Maria Braga da Cruz, José Pereira dos Santos Cabral e Querubim do Vale Guimarãis.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
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16 DE JUNHO DE 1945
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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
António de Almeida.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Proença Duarte.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
José Dias de Araújo Correia.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Querubim do Vale Guimarãis.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Ângelo César Machado.
António Cristo.
Carlos Moura de Carvalho.
João Pires Andrade.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Sebastião Garcia Ramires.
O Redactor — Luiz de Avillez.
Imprensa Nacional de Lisboa