Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
SUPLEMENTO AO N.° 176
ANO DE 1945
16 DE JUNHO
CÂMARA CORPORATIVA
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
Parecer sôbre a proposta de lei n.º 110
(Alterações à Constituïção e ao Acto Colonial)
Consultada, nos termos do artigo 103.° da Constituïção, acêrca da proposta de lei n.º 110, sôbre alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial, a Câmara Corporativa, ouvidas as secções de Justiça e de Política e economia coloniais, emite, por intermédio da secção de Política e administração geral, o seguinte parecer:
Introdução
1. A Assemblea Nacional, usando da competência atribuída pêlos artigos 91.°, n.º 12.°, e 134.°, n.º 1.°, da Constituïção, deliberou, em sessão de 1 de Abril de 1944, antecipar de cinco anos a revisão constitucional, mas não chegou a efectuá-la durante a sessão legislativa de 1944-1945.
Daí que o Chefe do Estado a tenha convocado extraordinàriamente para êsse efeito.
Esta convocação não se traduz no entanto em verdadeira atribuïção de poderes constituintes, o que aliás ultrapassaria a competência do Presidente da República, visto não estarmos perante uma Assemblea Nacional «a eleger», mas perante uma Assemblea já eleita. Os poderes constituintes desta são, por isso, genéricos e não restritos a certos «pontos especiais», como o seriam se, tratando-se de uma Assemblea Nacional a eleger, o Chefe do Estado lhe impusesse a revisão, nos termos do antigo 135.º, n.° 1.°.
Mas se os poderes constituintes da Assemblea são genéricos e a iniciativa do Govêrno se restringiu às alterações indicadas na proposta, deve concluir-se que só elas foram julgadas necessárias ou convenientes.
Ora nenhuma toca nas «garantias fundamentais», e, quanto à «organização política», contentam-se todas elas com aperfeiçoá-la, sem a atingirem na essência, na substância.
2. É a Constituïção de 1933 uma Constituïção programática, uma Constituïção que não se limita, como as Constituïções anteriores à Grande Guerra, a estabelecer as regras primárias da organização política do Estado e a enunciar os direitos e organizar as garantias individuais dos cidadãos, mas antes formula os princípios orientadores da futura actuação legislativa, no domínio familiar, no económico e social, no moral e religioso, no militar, no financeiro, no administrativo.
E, assim, pode dizer-se que, conhecida a parte I da Constituïção, conhecida está, igualmente, a ideologia inspiradora do Estado Português.
O Govêrno porém — vê-se — não descobriu na crise que o mundo atravessa razões para uma mudança sensível de posição ideológica ou institucional e, porventura, antes nela encontrou motivos para permanecer fiel aos grandes princípios que nortearam o legislador constituinte de 1933.
E se assim é, crê a Câmara Corporativa estar o Govêrno na verdade política e social.
É o Estado Português um Estado que, no exercício da sua autoridade legítima, não consente oposições violentas susceptíveis de contrariarem a realização efectiva do bem comum.
Aliás, só os Estados atingidos por doença grave as consentirão.
Página 2
642-(2)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
Qualquer que seja a sua forma de govêrno: monocrática, aristocrática, democrática ou mixta, uma vez manifestada, por intermédio dos órgãos competentes, a vontade incumbida da gestão do bem comum, a nenhuma outra será lícito resistir-lhe, devendo dizer-se ferido de morte o Estado que não disponha da autoridade e fôrça bastantes para vencer irresistìvelmente oposições ilegais provindas de vontades particulares.
Isto não significa, contudo, que o Estado não seja obrigado a respeitar e garantir as liberdades essenciais, elementos integrantes, elas mesmas, do bem comum nacional.
Pelo contrário, se o fim do Estado reside, não nêle próprio, mas nas pessoas que o constituem; se o bem comum não encontra a sua «lei primordial na prosperidade material da sociedade, mas antes no desenvolvimento harmonioso e na perfeição natural do homem, a quem o Criador destinou a sociedade como meio», sem dúvida devem assegurar-se aos homens, a todos os homens, as liberdades necessárias à plena expansão da personalidade, respeitadas que sejam as exigências do interêsse público, superior, hieràrquicamente, a qualquer interêsse particular, individual ou colectivo.
Tentar, porém, submeter os Estados, em nome dessas liberdades, a um mesmo sistema de organização político-social, confundindo, além do mais, liberdade civil e liberdade política, corresponderia a desconhecer que a verdade nesta matéria está, não na elaboração de um tipo único de constituïção aplicável a todos os povos, qualquer que seja a sua civilização e a sua idiossincrasia, mas, pelo contrário, em descobrir para cada povo a constituïção que melhor se adapte às suas tradições, ao seu temperamento, ao seu carácter, à sua cultura, à sua educação cívica, aquela que em mais elevado grau se harmonize com as realidades e aspirações nacionais.
A liberdade é — quem o contestará? — um bem inigualável; mas, atentas as inferioridades humanas, não só supõe, como condição de exercício, autoridade que a proteja e garanta, mas deve, ainda, sofrer limitações legais mais ou menos extensas, consoante o grau da moralidade pública e privada.
Aliás, nenhuma restrição sensível a Constituïção de 1933 impõe aos direitos individuais, embora, em certos casos, consinta, como todas as Constituïções, que leis ordinárias regulem o seu uso, traçando-lhes os limites.
Mas estes podem desaparecer amanhã, sem que, para isso, haja necessidade de alterar a Constituïção.
E o Govêrno só tocou nas disposições constitucionais cuja alteração se tornava indispensável à realização de finalidades ambicionadas, por não poderem estas conseguir-se nem mediante simples actuação administrativa nem sequer mediante leis ordinárias.
E dito isto, entraremos na apreciação da proposta de lei no que nela há de positivo, sem esquecer que ultrapassá-la, sugerindo alterações não relacionadas com as alterações propostas, corresponderia, para a Câmara Corporativa, simples órgão consultivo, a um como que disfarçado excesso de poder.
I
Do Chefe do Estado
3. As alterações constantes da proposta visam, todas elas, já o frisámos, a parte II da Constituïção, que trata da «Organização política».
Tio que toca, porém, ao título II — Do Chefe do Estado — limitaram-se à introdução no artigo 82.° de um parágrafo novo, com a seguinte redacção:
A referenda do Presidente do Conselho substitue a do Ministro competente sempre que êste se ache ausente do Continente e não haja sido nomeado Ministro interino da respectiva pasta. Nos mesmos termos lhe pertence substituí-lo nos actos da sua competência.
O regime actual consta do corpo do artigo 82.°, assim redigido:
Os actos do Presidente da República devem ser referendados pelo Presidente do Conselho e pelo Ministro ou Ministros competentes, sob pena de inexistência.
A Câmara Corporativa dá o seu voto à doutrina do parágrafo aditado, mas não reconhece a necessidade de a consignar num parágrafo.
Pretende-se o quê?
Que, na hipótese de um Ministro se ausentar do Continente, sem que se tenha nomeado Ministro interino, o Presidente do Conselho o substitua nos actos da sua competência, incluindo a referenda ministerial.
E dizemos «nos actos da sua competência, incluindo a referenda ministerial» porque, nos termos do artigo 109.º, n.º 1.°, «compete ao Govêrno referendar os actos do Presidente da República».
Por outras palavras: se é da competência do Govêrno, por intermédio do Presidente do Conselho e do Ministro ou Ministros competentes, referendar os actos do Presidente da República, parece evidente que, se aquele substitue os Ministros ausentes em todos os actos da sua competência, necessàriamente os substitue na referenda dos actos do Chefe do Estado.
Mas se, para que a substituïção neste último caso se dê, basta estabelecê-la para os actos da competência do Ministro substituído, cremos que o lugar próprio para regular uma e outra é o artigo 107.º, que ficaria assim redigido:
O Governo é constituído pelo Presidente do Conselho, que poderá gerir os negócios de um ou mais Ministérios, e pelos Ministros, os quais serão substituídos por aquele, nos actos da sua competência, sempre que se achem ausentes do Continente e não hajam sido nomeados Ministros interinos das respectivas pastas.
4. Dir-se-á, porém: deve preceituar-se expressamente que a referenda do Presidente do Conselho substitue a do Ministro, sob pena de aquele ter de referendar duas ou mais vezes o mesmo acto do Presidente da República, uma como Presidente do Conselho e outra ou outras em substituïção do Ministro ou Ministros ausentes.
Será assim?
De modo algum.
Com efeito, sendo absurdo supor que o Presidente referendava, nessa qualidade, actos a que, em seguida, negaria a referenda como substituto de qualquer Ministro ausente, só uma conclusão a lógica impõe: a referenda do Presidente do Conselho abrange, porque as compreende, a dos Ministros ausentes.
Cremos, por isso, que não se torna necessário dizê-lo expressamente para se concluir pela desnecessidade de duas assinaturas.
Aliás, é o que se tem passado quando um Ministro acumula a gerência de duas pastas e tem de referendar actos que interessam a ambas ou quando o Presidente do Conselho, como sempre tem sucedido, gere os negócios de uma ou mais pastas: referendam uma só vez.
5. E será de aceitar a doutrina da proposta?
Crê a Câmara Corporativa que sim, embora reconheça o seu limitado alcance.
Página 3
16 DE JUNHO DE 1945
642-(3)
E escrevemos «limitado alcance» porque êste consiste apenas em dispensar a nomeação interina quando o Presidente do Conselho pretenda substituir-se ao Ministro ausente.
No regime actual exige-se um acto positivo e expresso de nomeação; no regime da proposta a substituïção dar-se-á pelo simples facto de não ter havido nomeação interina.
Apesar disso, esta Câmara dá o seu voto à doutrina do aditamento, porque, por um lado, de qualquer modo simplifica o processo da substituïção e, por outro, evita-se a nomeação interina do Presidente do Conselho como Ministro, o que pode parecer chocante.
II
Da Assemblea Nacional
1.º — Composição
6. As alterações respeitantes à Assemblea Nacional referem-se, umas à composição, outras às incapacidades dos Deputados, outras às atribuïções e outras ao funcionamento.
Começaremos pelas... primeiras.
Nos termos do artigo 85.° da Constituïção:
A Assemblea Nacional é composta de noventa Deputados eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, durando o seu mandato quatro anos.
Segundo a proposta:
A Assemblea Nacional é composta de cento e vinte Deputados eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, durando o seu mandato quatro anos.
A divergência está, portanto, apenas no seguinte: enquanto no regime vigente a Assemblea Nacional se compõe de noventa Deputados, no regime da proposta compor-se-á de cento e vinte.
Dá a Câmara Corporativa o seu inteiro aplauso à alteração, não por amor às assembleas muito numerosas, mas porque o aumento proposto concede ao legislador ordinário maior liberdade de movimentos na elaboração da lei eleitoral, habilitando-o a adaptar-se mais fàcilmente às exigências, sempre variáveis, do interêsse público.
Demais, aceite o princípio de só se proceder a eleições suplementares quando as vagas atinjam certo número, bem pode suceder que êste, acrescido ao dos Deputados que faltam, conduza a uma representação demasiado fraca para que às respectivas deliberações possa atribuir-se valor representativo.
7. Altera-se também o § 3.º do artigo 85.º.
Dispõe este que:
As vagas que ocorrerem na Assemblea Nacional, quando atingirem o número que a lei eleitoral fixar, até à quarta parte do número legal do Deputados, são preenchidas por eleição suplementar, expirando os respectivos mandatos no fim da legislatura.
A proposta estabelece que:
As vagas que ocorrerem na Assemblea Nacional, quando atingirem o número que a lei eleitoral fixar, até à quinta parte do número legal de Deputados, são preenchidas por eleição suplementar, expirando os respectivos mandatos no fim da legislatura.
A divergência consiste em a Constituïção falar na quarta parte do número legal dos Deputados e a proposta na quinta parte.
A verdade, porém, é a redução para a quinta parte conduzir a um número aproximado do actual.
Assim, emquanto a lei eleitoral não pode, hoje, exceder o número 22 (90:4=22,5), segundo a proposta não poderá ultrapassar o número 24 (120:5=24).
Supõe a Câmara Corporativa que êste nunca será atingido pelas futuras leis eleitorais e que, quando muito, se manterá o número actualmente fixado, ou seja 20.
8. Em harmonia com o pensamento, já manifestado, de dar ao legislador ordinário, maior maleabilidade na elaboração da lei eleitoral, sugere a Câmara Corporativa que no corpo do artigo 85.° se substituam as palavras «eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores» por estoutras: «eleitos por sufrágio, directo ou indirecto, dos cidadãos eleitores».
Não significa esta sugestão que a Câmara Corporativa pretenda ver substituído o sufrágio directo pelo sufrágio indirecto, mas apenas que admite a possibilidade de vir um dia a reconhecer-se a vantagem dessa substituïção.
Por outras palavras, pretende-se sòmente que, atenta a natureza rígida da Constituïção, o legislador ordinário não venha a encontrar nessa rigidez obstáculo à adopção do sufrágio indirecto, se, em qualquer momento, o julgar conveniente.
2.º — Incapacidades dos Deputados
9. No regime das incapacidades parlamentares introduzem-se ligeiras modificações.
Alteram-se sòmente as alíneas b) e c) do § 1.° do artigo 90.° e, quanto à primeira, sem tocar na doutrina ou conteúdo, melhorando-se apenas a redacção.
Consiste esta melhoria em substituir a expressão «provimentos definitivos» por estoutra: «conversão em definitivos dos provimentos que o não sejam».
É que a redacção actual, na sua letra, conduz a excluir todos os provimentos definitivos, inclusive os que o sejam desde o início, quando a verdade é que só se pretendeu exceptuar a conversão em definitivos dos provimentos que, por fôrça da lei, são precedidos de provimento provisório.
Em parecer sôbre o projecto de lei n.º 188, publicado no Diário das Sessões, suplemento ao n.º 150, de 9 de Dezembro de 1937, já a Câmara Corporativa se pronunciou, a êste respeito, nos seguintes termos:
E que pensar dos «provimentos definitivos»?
Antes de mais, diremos que não nos parece feliz a expressão, e isto porque, a exceptuarem-se todos os provimentos definitivos, exceptuadas ficavam todas as nomeações não interinas e não provisórias, que o mesmo é que dizer quási todas as nomeações.
Com efeito, há provimento definitivo de um cargo, ou, melhor, num cargo, sempre que o respectivo serventuário haja sido nomeado definitivamente.
Outro é, porém, cremos, o alcance da expressão, segundo o projecto.
O que, por certo, se quis visar foi a transformação em definitiva de uma nomeação provisória ou, talvez melhor, a transformação em agentes definitivos de agentes provisórios ou estagiários.
E se assim é, nada temos a opor, afora a redacção.
O seu regime, em matéria de incompatibilidades parlamentares, não deve ser diverso do regime aplicável aos cargos de acesso e às promoções legais.
O mesmo não diremos já das nomeações definitivas de quaisquer agentes interinos.
Página 4
642-(4)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 176
Estes ocupam um cargo vago, isto é, apenas exercem funções de emprêgo vago ou alheio e podem ser a todo o tempo demitidos.
A nomeação definitiva, neste caso, funciona, portanto, como nomeação inteiramente nova, visto o interino não adquirir quaisquer direitos ao cargo pelo provimento.
Parece, assim, que não há motivo para nos afastarmos da regra geral neste domínio.
A Câmara Corporativa sugere a redacção seguinte:
c) Os cargos de acesso, as promoções legais, os provimentos definitivos que, segundo a lei, devam ser precedidos de provimentos provisórios e os cargos equivalentes aos já exercidos, resultantes da remodelação de serviços.
O Ex.mo Sr. Dr. Joaquim Diniz da Fonseca, então Deputado e hoje ilustre Sub-Secretário de Estado das Finanças, ao apreciar, na sessão de 10 de Dezembro de 1937 (Diário das Sessões n.º 151, p. 225) o respectivo projecto, disse:
O douto parecer da Câmara Corporativa viu na expressão provimento definitivo uma interpretação que poderia abranger todos os cargos de nomeação definitiva. A observação não carece, a meu ver, de ser introduzida no texto, porque o sentido da expressão, no seu contexto, exclue manifestamente tal interpretação.
Trata-se, evidentemente, do provimento definitivo de uma situação provisória, único equiparável a promoções legais e acessos dentro da função já exercida.
E, de facto, a sugestão da Câmara Corporativa não foi aceita.
Ora, a verdade é que o legislador deve evitar, tanto quanto possível, o recurso forçado do intérprete ao contexto, aos lugares paralelos, etc., procurando que a letra da lei seja por si só elemento suficiente de interpretação.
E a Câmara Corporativa continua convencida de que a redacção actual não satisfaz a estes requisitos.
Por isso, julgando, como o Govêrno, tècnicamente aconselhável a sua substituïção, sugere a redacção seguinte:
As nomeações por acesso, as promoções legais, a conversão em definitivos dos provimentos que, por fôrça da lei, inicialmente o não sejam, e as nomeações para cargos equivalentes resultantes de remodelação de serviços.
10. A novidade, quanto à alínea b), consiste em se exceptuarem
...as nomeações para cargos e comissões que só por determinada classe e categoria de funcionários devam ser desempenhados.
Fala-se em determinada classe e categoria de funcionários e não em determinadas classes e categorias de funcionários, exigindo-se, portanto, cumulativamente, que o cargo deva ser desempenhado por quem já seja funcionário e pertença a certa classe de funcionários e, dentro dela, a certa categoria.
Quere dizer, visam-se, por exemplo, os cargos de director, de secretário ou de bibliotecário das Faculdades universitárias, os quais devem ser desempenhados por professores catedráticos da respectiva Faculdade; o cargo de presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que deve ser ocupado por um juiz conselheiro do mesmo Tribunal, etc.
A Câmara Corporativa concorda em absoluto.
11. A cingirmo-nos literalmente ao que consta da proposta, teríamos de concluir que o actual § 2.° do artigo 90.° deverá, segundo ela, ser eliminado e substituído por estoutro:
§ 2.° A verificação pela Assemblea ou seu Presidente dos factos referidos nos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° tem os mesmos efeitos que a aceitação da renúncia.
É que, nada se dizendo sôbre o § 2.° actual e aparecendo um § 2.° novo, a conclusão lógica será que êste substitue aquele.
Ora o § 2.º actual dispõe que:
Os casos referidos nos n.°s 4.º e 5.º importam ainda nulidade dos contratos ou actos aí previstos.
Está a Câmara Corporativa certa de que não se pretendeu revogar esta sanção, cuja moralidade, por si só, a justifica, e antes se convence de que se trata de mero lapso.
O autor da proposta esqueceu-se de acrescentar:
§ 3.° (O § 2.º actual).
Por isso, a Câmara Corporativa sugere que o actual § 2.° do artigo 90.° passe a § 3.°
12. E que pensar do novo § 2.°?
Em primeiro lugar notaremos que, se os factos referidos nos n.ºs 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° do artigo 90.° da Constituïção importam, segundo o corpo do artigo, perda de mandato, a verificação, pela Assemblea ou seu Presidente, da existência de tais factos traduzir-se-á sòmente, parece, na declaração de que houve perda de mandato.
O § 2.º novo, êsse, estabelece, pelo contrário, que a perda de mandato fundada nos factos referidos nos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° só se dará com a verificação dêstes pela Assemblea ou seu Presidente.
É que, segundo êle, esta verificação «tem os mesmos efeitos que a aceitação da renúncia» e, nos termos do § 4.º do artigo 85.º, «os efeitos da renúncia, quando aceite, só se produzem a partir da aceitação».
E assim, emquanto no caso de o Deputado aceitar do Govêrno emprêgo retribuído ou comissão subsidiada (artigo 90.°, n.º 1:°) a perda do mandato só se dará a partir da verificação dêsse facto pela Assemblea ou seu Presidente, no caso de o Deputado celebrar contratos com o Govêrno (artigo 90.°, n.º 4.°) a perda do mandato dar-se-á de pleno direito e a verificação, pela Assemblea ou pelo Presidente, da existência do contrato terá valor jurídico simplesmente declaratório.
Não repugna à Câmara Corporativa aceitar esta divergência de regime para os n.°s 1.º e 2.°, mas crê que não deve êle abranger os factos referidos no n.º 3.º
As razões que fundamentam a perda do mandato não são as mesmas em todos os casos, e parece certo que os factos referidos no n.º 3.° impõem mais fortemente do que os considerados nos números anteriores a perda ipso jure.
3.º — Reforço do poder de fiscalização
13. A emenda proposta para o n.º 2.° do artigo 91.° consiste em acrescentar-lhe o seguinte: «e apreciar os actos do Govêrno ou da Administração».
Quere dizer: pretende-se consignar expressamente que à Assemblea incumbe fiscalizar, não só a constitu-
Página 5
16 DE JUNHO DE 1945
642-(5)
cionalidade e legalidade, mas também a moralidade ou oportunidade dos actos do Govêrno e seus agentes.
Obedece-se assim à orientação várias vezes anunciada pelo Presidente do Conselho, com eco na própria Assemblea, de se intensificar a actividade fiscalizadora desta.
A Câmara Corporativa dá-lhe o seu pleno acôrdo, convicta, aliás, de que na fiscalização reside a maior vantagem — não pensamos agora nos possíveis inconvenientes — das assembleas essencialmente políticas.
Já no parecer sôbre o projecto de lei n.º 12, publicado no Diário das Sessões de 15 de Fevereiro de 1935, 2.º suplemento ao n.º 14, se escreveu:
A função da Assemblea deve ser mais de colaboração e fiscalização da obra do Govêrno do que de iniciativa legislativa.
E, continuando a pensar assim, pensa-o a Câmara Corporativa de acôrdo com o II Congresso da União Nacional, que votou, entre outras, a seguinte conclusão da tese apresentada pelo Sr. Dr. Carlos Alberto Lopes Moreira, ilustre Inspector do ensino particular.
3.ª Competirá essencialmente à Assemblea Nacional vigiar pelo cumprimento da Constituïção e das leis, cabendo-lhe ainda a real e efectiva fiscalização da acção governativa.
É claro que, ao reconhecermos a vantagem de se reforçar o poder de fiscalização da acção governativa e da administração pública, não temos de modo algum em vista a transformação do Estado Português em Estado parlamentar e, muito menos, em Estado parlamentarista. Neste ponto, a Câmara Corporativa permanece fiel ao regime vigente, caracterizado pela completa independência política do Govêrno perante a Assemblea, ou, como se lê na Constituïção artigo 112.°, ao princípio de que «o Govêrno é da exclusiva confiança do Presidente da República e a sua conservação no Poder não depende do destino que tiverem as suas propostas de lei ou de quaisquer votações da Assemblea Nacional».
Mal de nós se a evolução se dêsse no sentido de a Assemblea pretender transformar-se em órgão de cujas votações dependeria a vida ou morte dos Govêrnos, a permanência no Poder dêste ou daquele Ministro, regime sem dúvida inadaptável ao modo de ser dos portugueses.
Aliás, ao falar-se em refôrço da fiscalização, ninguém por certo a visiona acintosa ou determinada por outros fins que não sejam os de uma colaboração consciente e honesta na acção governativa ou administrativa.
Não cabe à Assemblea Nacional tornar-se eco, por intermédio dos seus membros, das apreciações malévolas ou infundadas dos descontentes ou dos ignorantes, salvo para revelar a sua insubsistência.
Cabe-lhe, sim, contribuir, mediante crítica honesta, alevantada e colaborante, para o aperfeiçoamento dos serviços, elucidando ao mesmo tempo a opinião pública acêrca de questões que, entregues à crítica mal intencionada, tomariam, tantas vezes, aspectos desprestigiantes, quando a verdade é que a sua apreciação em tribuna pública as esclarecerá com proveito para a Administração e tranqüilidade do País.
E, para o conseguir, mais não é preciso do que, intensificando a Assemblea o uso da função, conservar, no entanto, a mesma elevação de intuitos e a mesma correcção de processos que têm caracterizado a sua actuação política.
Acresce que os poderes não fiscalizados tendem naturalmente para o abuso, com perigo, inclusive, para êles próprios.
Convém, portanto, organizar a fiscalização político-administrativa, mas, repetimo-lo, de modo tal que venha a ser exercida sem espírito de partido e sob a inspiração exclusiva do bem comum, única finalidade legítima de qualquer actividade pública.
14. Êste refôrço de poder de fiscalização não aparece, porém, isolado, mas, ao contrário, acompanhado de um correspondente refôrço do poder legislativo do Govêrno.
A proposta não se contentou com intensificar a função fiscalizadora da Assemblea, mantendo o statu quo quanto às atribuïções legislativas, e antes pretende que a evolução se dê em duplo sentido: refôrço do poder de fiscalização da Assemblea, por um lado, e refôrço do poder legislativo do Govêrno, por outro.
Daí que se pretenda substituir o n.º 2.º do artigo 109.° por estoutro:
Artigo 109.°...
2.º Fazer decretos-leis e, em casos de urgência, aprovar as convenções e tratados internacionais.
A faculdade atribuída ao Govêrno de fazer decretos-leis, que actualmente está subordinada à existência de uma autorização legislativa ou de necessidade pública urgente, passa à categoria de poder legislativo normal, independente de qualquer condição.
Se a proposta fôr aprovada, ficaremos, no aspecto jurídico-formal, com dois órgãos legislativos normais: a Assemblea Nacional e o Govêrno, aquela legislando mediante leis e êste mediante decretos-leis.
E dizemos «no aspecto jurídico-formal» porque, no aspecto substancial das cousas, a realidade é já a da supremacia do Govêrno.
De facto, a iniciativa legislativa dos Deputados a bem pouco se reduziu nas duas últimas legislaturas, pois só vinte projectos de lei foram apresentados à Assemblea Nacional e, dêstes, só oito foram aprovados (na I Legislatura haviam sido apresentados cinqüenta e oito projectos e aprovados vinte e três); e a iniciativa legislativa do Govêrno, mediante a apresentação de propostas de lei, tem igualmente decrescido nos últimos anos, restringindo-se às propostas que, por fixarem as grandes orientações políticas, económicas ou administrativas, o Govêrno deseja ver sancionadas por outro órgão da soberania, de carácter vincadamente político.
Assim é que, emquanto na I Legislatura foram enviadas à Assemblea Nacional sessenta e quatro propostas de lei, nas duas últimas só o foram vinte e cinco.
A alteração em causa propõe-se, portanto, sancionar constitucionalmente aquilo que é, já, a realidade dos factos.
Em parecer da Câmara Corporativa de 15 de Fevereiro de 1935, publicado no Diário das Sessões, 2.° suplemento ao n.º 14, escreveu-se o seguinte:
Ora, não pode a Câmara Corporativa aceitar que o poder legislativo pertença, ao mesmo tempo e no mesmo grau, à Assemblea Nacional e ao Govêrno.
Puras exigências de simetria, tam caras ao espírito latino?
Queremos crer que não.
...
Não tem a 18.ª secção da Câmara Corporativa respeito especial pelo princípio de que as leis devem dimanar de assembleas parlamentares. Mas repugna-lhe admitir que, atribuindo-se à Assemblea Nacional competência para «fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las», se atribua idêntico poder a outro órgão da soberania.
Página 6
642-(6)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
Sucede ainda que, se a Assemblea Nacional só pode discutir as propostas e projectos de lei depois de consultada a Câmara Corporativa, a atribuir-se ao Govêrno, como poder normal, a faculdade de expedir decretos-leis, quando o reconheça conveniente, deveria êle ser também obrigado a ouvir aquela Câmara, audiência esta que, a título obrigatório, nos não parece de aconselhar no momento presente.
Se é à Assemblea Nacional que, em princípio, se atribue a competência legislativa, a competência do Govêrno deve ser excepcional e usada apenas nos casos de necessidade pública urgente...
A verdade, porém, é que a Câmara Corporativa dá o seu voto à proposta!
Teria, para isso, mudado de parecer?
Na aparência, sem dúvida; mas, na realidade, não.
É que esta Câmara, continuando fiel à idea da inconveniência de existirem dois órgãos com igual competência legislativa, não vê na alteração proposta outra finalidade que não seja a de regularizar constitucionalmente a situação vigente de facto: o Govêrno é órgão legislativo normal e a Assemblea órgão legislativo excepcional.
Não fica isso expresso na Constituïção, mas, em certos casos, importa mais a verdade real do que a verdade formal, desde que aquela não contrarie, jurìdicamente esta, como de certo modo acontece hoje.
E dizemos «como de certo modo acontece hoje», porque, embora a competência legislativa do Govêrno seja restrita aos casos de necessidade pública urgente (não visamos agora os decretos-leis autorizados), na realidade a legislação ordinária consta, na sua grande parte, não de leis, mas de decretos-leis de urgência, e, quando consta de leis, estas são quási todas de iniciativa governamental.
Cremos, por isso, não ser de recear que de futuro surjam neste domínio conflitos entre a Assemblea e o Govêrno, traduzidos em sucessivas revogações recíprocas de textos legislativos, conflitos que, a existirem, obrigariam a imediata substituïção do regime proposto.
De resto, a Câmara Corporativa convence-se de que «o aspecto cada vez mais técnico que as normas legais vão tomando» aconselha «a instauração de um sistema que atribua essencialmente ao Govêrno o exercício da função legislativa», devendo provocar-se a intervenção das assembleas políticas apenas quando se trate «de definir grandes orientações ou de assunto ou matéria adstritos a altos interêsses nacionais, assim reconhecidos pelo Governo».
E ao pensar dêste modo, mais não faz ainda do que perfilhar as conclusões da tese do Ex.mo Sr. Dr. Carlos Alberto Lopes Moreira, apresentada ao II Congresso da União Nacional e por êste votada:
1.ª A função legislativa deve competir essencialmente ao Govêrno, que a exercerá mediante o estudo e pareceres da Câmara Corporativa, salvo nos casos de reconhecida urgência;
2.ª À Assemblea Nacional competirá também, no exercício da função legislativa, a feitura das leis definidoras de grandes orientações ou em assunto ou matéria adstritos a altos interêsses nacionais — assim reconhecidos por iniciativa do Govêrno — e tudo isto sem prejuízo da iniciativa legislativa da Assemblea, bem como das atribuïções que presentemente lhe são conferidas pelos n.ºs 4.°, 5.°, 8.°, 9.° e 10.º do artigo 91.º da Constituïção vigente, salvo os casos de reconhecida urgência, o que corresponde neste ponto à manutenção do statu quo.
Adiante voltaremos ao assunto, completando estas considerações.
Por agora, acrescentaremos sòmente que a proposta de eliminação do n.º 13.° do artigo 91.° aparece como conseqüência necessária da inexistência de decretos-leis autorizados.
4.° — Funcionamento
15. São numerosas e profundas as alterações respeitantes ao funcionamento da Assemblea Nacional, as quais tocam em todos os artigos que o regulam.
No regime vigente as sessões da Assemblea Nacional têm a duração de três meses improrrogáveis (artigo 94.°).
Segundo a proposta, permite-se ao Presidente que as prorrogue até um mês.
A Câmara Corporativa nada tem a opor. Pode, na verdade; suceder que o Presidente verifique não ser possível discutir-se e votar-se uma proposta de lei, porventura importante, sem se prorrogar a sessão legislativa, ou que, sem esta prorrogação, tenha de ficar incompleto, com funestos reflexos públicos, o debate aberto sôbre determinado aviso prévio.
Nestes casos, a sessão será prorrogada pelo tempo reputado necessário, até ao máximo de um mês.
Não se trata, portanto, segundo a convicção da Câmara Corporativa, de uma faculdade a usar normalmente, mas, antes, de um poder destinado a impedir que surjam situações como as acima indicadas ou outras igualmente excepcionais.
Por isso esta Câmara lhe dá o seu voto.
E a existir a faculdade de prorrogação das sessões, com a finalidade acima indicada, parece que a ninguém, melhor do que ao Presidente, caberá exercê-la.
16. O artigo 95.º da Constituïção dispõe:
A Assemblea Nacional funciona em sessões plenas deliberativas e em sessões de estudo.
As sessões deliberativas são públicas, salvo resolução em contrário da Assemblea ou do seu Presidente, e as deliberações são tomadas à pluralidade absoluta de votos, achando-se presente a maioria do número legal dos seus membros.
§ 2.° As sessões de estudo não serão públicas.
Neste regime, que alterações pretende a proposta introduzir?
As seguintes:
1.ª Desaparecem na Sessões de estudo;
2.ª A Assemblea poderá organizar-se em comissões permanentes ou constituir comissões eventuais para fins determinados;
3.ª As deliberações serão tomadas à simples pluralidade de votos e não, obrigatòriamente, à pluralidade absoluta de votos.
Começaremos pela última, visto a Câmara Corporativa estar convencida de que se trata de lapso.
Hoje as deliberações só serão consideradas deliberações da Assemblea, quando hajam sido tomadas, pelo menos, por metade e mais um dos votantes — pluralidade absoluta —, achando-se presente a maioria do número legal de Deputados, ou sejam quarenta e seis.
A proposta fala apenas em pluralidade.
Com que intuito?
Ter-se-á pretendido substituir a pluralidade absoluta pela pluralidade relativa? Ter-se-á entendido que a pluralidade, nestas deliberações, é, por natureza, absoluta?
Página 7
16 DE JUNHO DE 1945
642-(7)
Crê a Câmara Corporativa que não pode ter estado no pensamento do Govêrno contentar-se com a pluralidade relativa, visto esta conduzir, em certos casos, a deliberações sem significado bastante para serem, com relativa verdade, interpretadas como deliberações da Assemblea.
Partiremos, portanto, do princípio de que a supressão da palavra absoluta, a tratar-se de supressão consciente, e não, como supomos, de lapso, teria obedecido à idea da sua desnecessidade.
Ora, a ser assim, não poderia a Câmara Corporativa concordar.
Já no parecer sôbre a proposta de lei n.º 3, que veio a transformar-se na lei n.º 1:885, de 23 de Março de 1935, publicado no Diário das Sessões de 4 de Fevereiro de 1935, 6.º suplemento ao n.º 8, se escreveu:
A actual redacção do artigo 95.° deve ter resultado de um lapso de revisão(1).
Na verdade, para nada serve dispor-se que a Assemblea Nacional funciona «achando-se presente a maioria absoluta do número legal dos seus membros», e isto porque a maioria do número legal dos membros da Assemblea é necessàriamente absoluta, traduzindo-se sempre em metade e mais um, pelo menos.
O contrário se passa, porém, com os preceitos de que as suas deliberações devem ser tomadas à pluralidade absoluta de votos.
Com efeito, uma deliberação tomada à pluralidade de votos tanto o poderá ser à pluralidade absoluta como à pluralidade relativa.
Daí a necessidade ou, pelo menos, a conveniência do esclarecimento.
E como, neste caso, não há que hesitar — parece-nos — na exigência da pluralidade absoluta, sob pena de poder ser tratada como vontade da Assemblea Nacional a vontade de dois ou três dos seus membros, só há que perfilhar a alteração proposta.
E não insistiremos, convictos como estamos de que se trata de lapso de revisão, acrescentando apenas que, se as votações normais hão-de traduzir-se sempre em aprovação ou rejeição de uma proposta, de uma moção, etc., e, por isso, em aprovação ou rejeição por maioria absoluta (não pomos agora a hipótese de empate), o mesmo não se dá, por exemplo, na eleição da Mesa ou de comissões, a qual poderia bem concluir pela não obtenção da maioria absoluta para qualquer das listas em presença, o que convém proïbir expressa e iniludìvelmente.
17. Dispõe o artigo 95.° da Constituïção:
A Assemblea Nacional funciona em sessões plenas deliberativas e em sessões de estudo.
...
§ 2.° As sessões de estudo não serão públicas.
As sessões de estudo foram introduzidas pela lei n.º 1:966, de 23 de Abril de 1938. Anteriormente havia sòmente sessões plenas deliberativas.
No relatório do projecto de lei n.º 188 — que veio a transformar-se na lei n.º 1:966 — lia-se que as sessões de estudo visavam «a tomar conhecimento do conteúdo e objectivo das propostas ou projectos e dos respectivos pareceres elaborados pela Câmara Corporativa».
Esta Câmara, em parecer sôbre o projecto publicado no Diário das Sessões de 9 de Dezembro de 1937, suplemento ao n.º 150, escreveu o seguinte:
As sessões de estudo destinar-se-ão, particularmente, a uma elucidação recíproca dos Deputados, a um recíproco desfazer de dúvidas, a um prévio conhecimento das razões que os determinam, pelo menos de início, à aprovação ou rejeição da proposta ou projecto, evitando-se, assim, por exemplo, que a surprêsa de uma argumentação habilidosa e sugestiva perturbe os espíritos que, mais lentos — por vezes, até, por mais profundos —, não encontrem, de repente, no seu poder dialéctico, razões oponíveis às pseudo-razões apresentadas; destinar-se-ão a corrigir os defeitos inerentes às assembleas políticas, quando funcionam em sessões públicas, e que levam os seus membros, mesmo contra vontade, mesmo os menos preocupados com a galeria, a pensar que estão a falar para o público, o que afasta da tribuna tantos valores reais, e que muito poderiam contribuir para o melhoramento das propostas ou projectos discutidos, se não fôsse necessário discursar.
A experiência feita com o funcionamento da Câmara Corporativa revela não só que o número de colaboradores reais, na elaboração dos pareceres, não é proporcional ao número de Procuradores que os assinam, mas ainda que, ultrapassando êste certo limite, aquele número se reduz, no sentido de os colaboradores serem, de facto, menos do que seriam, se menos houvessem de intervir no parecer.
E isto porquê?
Precisamente porque, quando se torna necessário discursar, muitos se inibem de o fazer, inclusive por suporem que, para uma pequena alteração, aliás, por vezes, bem interessante, não vale a pena... pedir a palavra.
Acresce que as sessões de estudo permitem uma melhor preparação das sessões públicas, com evidente prestígio para a Assemblea, aproximando-se assim o funcionamento desta do funcionamento da Câmara dos Comuns, na Inglaterra, onde as sessões privadas são tradicionais.
Cremos, por isso, que a alteração proposta representa uma combinação interessante, que só pode trazer vantagens, não se lhe descobrindo os inconvenientes, e, mais, que traduz por parte dos seus ilustres autores, intérpretes, por certo, neste caso, do sentir da Assemblea, um nítido conceito da nobre mas espinhosa função que a esta cabe na vida nacional.
Como se vê, a Câmara Corporativa deu parecer favorável às sessões de estudo, que a proposta do Govêrno extingue, substituindo-as por comissões permanentes ou, melhor, permitindo que a Assemblea Nacional se organize em comissões permanentes.
Que pensar desta substituïção?
18. O Regimento da Assemblea dispõe, no artigo 25.°, que:
As sessões de estudo são especialmente consagradas ao exame dos projectos ou propostas de lei e respectivos pareceres da Câmara Corporativa, bem como da matéria dos avisos prévios. Podem também ser submetidos a sessões de estudo os decretos-leis presentes à Assemblea para ratificação, sempre que o Presidente o determine, por sua iniciativa ou a requerimento de cinco Deputados.
(1) A redacção segundo o texto primitivo era a seguinte: «A Assemblea Nacional funciona em sessões plenas e as suas deliberações são tomadas à pluralidade de votos, achando-se presente a maioria absoluta do número legal dos seus membros».
Página 8
642-(8)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 176
E os §§ 2.º e 3.° do mesmo artigo acrescentam que:
...«as sessões de estudo terão lugar dentro do período destinado à ordem do dia das sessões plenárias, quando não haja assunto marcado para ela» e que na comparência às sessões de estudo é obrigatória, nos mesmos termos que às sessões plenárias, para os Deputados designados pelo Presidente e facultativa para os demais».
Ninguém melhor do que a Assemblea Nacional conhece o rendimento obtido com o funcionamento das sessões de estudo.
Por isso, não vai a Câmara Corporativa... meter foice em seara alheia, tanto mais que, para se decidir pelas sessões de estudo ou pelas comissões permanentes, não julga necessário aprofundar o caso.
Notaremos, no entanto, que o rendimento útil do sistema, embora reconhecido, não deu, parece, inteira satisfação às esperanças nêle depositadas.
Na tese apresentada ao II Congresso da União Nacional pelo ilustre Deputado Dr. João Luiz Augusto das Neves, e que por aquele foi aprovada, lê-se o seguinte:
Não seria conforme à verdade não reconhecer que o sistema das sessões de estudo tem contribuído, consideràvelmente, para um mais perfeito conhecimento, por parte dos Deputados, do conteúdo, alcance, razões e fins dos avisos prévios, bem como das propostas e projectos de lei.
Reconhecendo, pois, que as sessões de estudo contribuíram para um melhor funcionamento da Assemblea Nacional, julgamos todavia que ainda seria possível valorizar o seu sistema de trabalho, em ordem a desenvolver a função fiscalizadora que polìticamente lhes cumpre exercer com a maior amplitude.
Na verdade, partindo do princípio — que temos como certo e incontestável, e que já foi assinalado no relatório da comissão atrás referida — de que «é tendência de todas as reformas constitucionais do nosso tempo restringir às assembleas políticas a iniciativa das leis e conceder-lhes ou alargar-lhes as funções de colaboração, representação e fiscalização política», verifica-se que, tal como são organizadas, as sessões de estudo, dentro daquela tendência, não satisfazem inteiramente.
Daí que se tenha concluído:
Por isso, dando o nosso aplauso ao ponto de vista de um alargamento da função fiscalizadora da Assemblea Nacional, julgamos que poderiam constituir-se comissões permanentes, polìticamente especializadas, conforme a natureza dos assuntos, comissões que assim estariam sempre em condições óptimas para tomar contacto com quaisquer problemas que interessassem a uma fiscalização eficaz e contínua por parte da Assemblea.
Vê-se, assim, que o Govêrno, ao incluir na proposta a possibilidade da existência de comissões permanentes, não fez mais do que conformar-se com o voto do II Congresso da União Nacional.
E teria feito bem?
Cremos que sim.
As comissões permanentes sem dúvida poderão exercer melhor do que as sessões de estudo a função fiscalizadora que se pretende seja intensificada.
É que o simples facto de pertencer a determinada comissão, implicando maior responsabilidade, obriga a um mais intenso contacto com os serviços do respectivo sector da administração pública e, como conseqüência, a uma crítica mais reflectida e mais séria; e, portanto, mais eficaz.
Confia a Câmara Corporativa no espírito de colaboração da Assemblea Nacional, isto é, confia em que a sua actividade fiscalizadora será exercida com intuitos construtivos, e não com intuitos destrutivos, visando o aperfeiçoamento dos serviços públicos, e não a conquista do Poder à custa de uma crítica feita mais de olhos postos na galeria e na popularidade do que no interêsse do País.
Baseada nesta confiança, dá a Câmara Corporativa o seu voto quer ao refôrço do poder de fiscalização quer à organização da Assemblea em comissões permanentes.
Quando se trate de projectos ou propostas de lei, as comissões permanentes — uma ou mais — poderão constituir-se em sessões de estudo, com a assistência de quaisquer Deputados, bastando para isso que o Regimento o determine, regulando o funcionamento destas.
Seria porém de condenar a elaboração de pareceres pelas comissões.
Essa função pertence hoje à Câmara Corporativa e só inconvenientes resultariam, parece-nos, de a entregar também às comissões da Assemblea, cuja função, no mecanismo desta, deve ser outra.
19. Reconhece ainda a Câmara Corporativa a vantagem de se constituírem «comissões eventuais para fins determinados», como, por exemplo, comissões de inquérito, cuja composição nem sempre deverá coincidir com a de qualquer comissão permanente.
20. Nos termos do § 2.º do artigo 95.º da proposta:
As comissões só estarão em exercício durante o funcionamento efectivo da Assemblea, salvo quando aquele deva prolongar-se pela própria natureza das funções que lhes pertencem ou em atenção ao fim especial para que se constituíram.
Concordamos em absoluto, tanto mais que nada impedirá os Deputados de se informarem, no intervalo das sessões legislativas, de todos os assuntos relacionados com o sector da Administração visado pelas comissões a que pertençam.
É precisamente esta a finalidade da seguinte emenda proposta para o artigo 96.°:
Os membros da Assemblea Nacional podem, independentemente do funcionamento efectivo desta, ouvir, consultar ou solicitar informações de qualquer corporação ou estação oficial acêrca de assuntos de administração pública; as estações oficiais, porém, não podem responder sem prévia autorização do respectivo Ministro, ao qual só é lícito recusá-la com fundamento em segredo de Estado.
A alteração não é absolutamente necessária, porque numa interpretação razoável o mesmo se conclue da redacção actual (1).
Trata-se portanto, e apenas, de clarificar o texto vigente e não de lhe alterar o conteúdo.
Mas nem por isso a iniciativa do Govêrno deixa de reflectir a preocupação de assegurar as condições de uma fiscalização eficiente.
(1) «Artigo 96.° Os membros da Assemblea Nacional podem ouvir, consultar ou solicitar informações de qualquer corporação ou estação oficial acêrca de assuntos de administração pública; as estações oficiais, porém, não podem responder sem prévia aprovação do respectivo Ministro, ao qual só é lícito recusá-la com fundamento em segrêdo de Estado».
Página 9
16 DE JUNHO DE 1945
642-(9)
21. Estabelece-se no § 3.° do artigo 95.º da proposta que
os Ministros e Sub-Secretários de Estado podem tomar parte nas sessões das comissões permanentes.
Que pensar desta disposição? Não abrirá ela as portas a uma evolução política de índole parlamentarista?
Se se tratasse de comparência de Ministros nas sessões da Assemblea Nacional, a Câmara Corporativa responderia afirmativamente.
A tal respeito teve já o relator dêste parecer ensejo de se pronunciar numa tese enviada ao II Congresso da União Nacional e por êle aprovada.
Aí se escreveu:
No intuito, porém, de obstar a que os factos viessem destruir o direito, isto é, que a responsabilidade política parlamentar, inexistente de direito, surgisse, após curta evolução, como responsabilidade de facto, proïbiu-se que os Ministros comparecessem na Câmara fiscalizadora para defesa dos seus actos.
E dever-se-á manter o statu quo ou, pelo contrário, atenta a orientação, já superiormente definida, de intensificar as funções fiscalizadoras da Assemblea Nacional, não deveremos antes, conservando o princípio da irresponsabilidade, impor ou, pelo menos, consentir que os Ministros tomem parte nos debates parlamentares provocados por interpelações e avisos prévios?
Mantemo-nos fiéis à orientação constitucional, convictos, como estamos, de que a innovação provocaria, fatal e necessàriamente, a transformação do Estado Português em Estado parlamentarista — o que, já o dissemos, por certo ninguém pretende —, obrigando ainda o Chefe do Estado e o Presidente do Conselho a um recrutamento ministerial feito em vista não só da competência governativa dos nomeados, senão também da sua capacidade parlamentar, nem sempre coexistentes.
A simples comparência dos Ministros na Assemblea e as suas respostas, por vezes, é de crer, menos calmas ou menos objectivas, seriam causa de crescente azedume crítico e, como conseqüência, de desprestígio e instabilidade ministeriais, certo como é que, após uma derrota parlamentar, ainda quando não traduzida em votação, a permanência do respectivo Ministro no Govêrno se tornaria difícil, quando não impossível.
Ora, de todos é sabido — repetimo-lo — que as qualidades parlamentares nem sempre coincidem com as ministeriais, podendo existir as primeiras sem as segundas e inversamente.
E não seria, decerto, caso raro um Ministro, competente, honesto e cheio de razão, sair mal ferido de uma discussão parlamentar só porque os dotes oratórios, longe de o auxiliarem na defesa da verdade, o inferiorizaram, deminuindo-o pùblicamente.
E para que a Assemblea Nacional não vote sem que o Govêrno se pronuncie, querendo, acêrca de todas as críticas feitas, bastará que a votação tenha lugar depois de decorrido certo prazo, a fixar no Regimento, podendo o Govêrno responder por escrito, quer para mostrar o infundado das críticas, quer para, reconhecendo a sua exactidão, proceder de futuro em harmonia com elas.
Nos termos da proposta não se trata, porém, de comparência nas sessões plenárias, que são públicas, mas nas sessões das comissões, que não serão públicas.
É certo não haver na proposta preceito expresso relativamente à natureza pública ou não pública das sessões das comissões.
Mas, preceituando-se no § 1.º do artigo 95.° que as sessões plenas são públicas, salvo resolução em contrário da Assemblea ou do seu Presidente, e nada se dispondo quanto às sessões das comissões, deve entender-se que estas não são públicas. Em princípio, as sessões dos órgãos colegiais são secretas, e para deixarem de o ser exigem lei que o determine.
Mas, não sendo públicas as sessões das comissões, já os inconvenientes, acima apontados, da comparência dos Ministros na Assemblea Nacional desaparecem, na sua maior parte, sobrelevando-lhes, cremos, as vantagens, que consistem, essencialmente, numa elucidação mais completa, por parte das comissões, quanto aos factos que porventura hajam provocado a atenção do seu poder fiscalizador.
Aliás, o contacto directo dos Ministros com os Deputados membros das comissões deverá contribuir para suavizar, e não para agravar, as críticas parlamentares, quando aqueles consigam mostrar que as suas atitudes governamentais foram determinadas por motivos superiores de interêsse público.
E para atingir esta finalidade não são já as qualidades de grande orador parlamentar que se exigem, mas sinceridade, honestidade e competência.
22. A Constituïção, no artigo 97.°, preceitua:
A iniciativa da lei compete indistintamente ao Govêrno ou a qualquer dos membros da Assemblea Nacional; não poderão porém estes apresentar projectos nem fazer propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receita do Estado.
§ único. A apresentação de projectos de lei será condicionada pelo voto favorável de uma comissão especial.
A proposta introduz as seguintes alterações:
§ 1.º A disposição da 2.ª parte dêste artigo só se aplica aos projectos e propostas de alteração que, convertidos em lei, importem por si mesmos um aumento de despesa ou uma deminuïção de receita cuja cobrança já tenha sido autorizada pela Assemblea Nacional.
§ 2.º A apresentação de projectos de lei será condicionada pelo voto favorável de uma comissão especial, que se pronunciará ùnicamente sôbre se há inconveniência nessa apresentação.
Começaremos pelo § 1.º.
A novidade consiste em esclarecer:
1.º Que os projectos e propostas de alteração, para se dizerem causadores de aumento de despesa ou deminuïção de receita, hão-de importá-los por si mesmos;
2.º Que deve tratar-se de receita cuja cobrança já tenha sido autorizada pela Assemblea Nacional.
E que sentido atribuir à expressão «que importem por si mesmos um aumento de despesa ou uma deminuïção de receita»?
Cremos que o seguinte: o aumento de despesa ou a deminuïção de receita devem resultar necessária e directamente da execução das disposições legais em que o projecto de lei ou a proposta de alteração venham a converter-se.
Será imprescindível que a execução daquelas, quando encarada em si mesma, nos seus efeitos próprios e imediatos, envolva aumento de despesa ou deminuïção de receita.
Pretende-se assim ampliar a iniciativa dos Deputados.
Página 10
642-(10)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
Ora a Câmara Corporativa considera perigosa a alteração na parte relativa ao aumento de despesa.
E a razão é simples: o grau e, como conseqüência, a gravidade do aumento não vivem em absoluto relacionados com o facto de êste resultar ou não directamente da execução das respectivas disposições legais, bem podendo suceder que os reflexos de certa medida, aliás tantas vezes previsíveis, acarretem aumentos de despesa superiores aos provocados directamente por outra. E, no entanto, esta poderia ser, e aquela não, da iniciativa de um Deputado.
Demais, atenta a orientação, já indicada, quanto à competência legislativa da Assemblea Nacional e do Govêrno, não será, parece, de aconselhar que a Constituïção de certo modo daquele se desvie em matéria tam ìntimamente relacionada com a ordem financeira, quando a verdade é a mesma Constituïção preceituar, no artigo 66.°, que «o orçamento deve consignar os recursos indispensáveis para cobrir as despesas totais».
A Câmara Corporativa crê, por isso, que será preferível deixar, nesta parte, as cousas como estão.
O mesmo não se dirá da alteração respeitante à deminuïção de receita; não porque a repute em absoluto necessária, mas porque reconhece a conveniência do esclarecimento.
E dizemos esclarecimento, visto que, numa interpretação razoável do artigo 97.°, deve entender-se que a restrição abrange sòmente os projectos de lei ou as propostas de alteração que deminuam as receitas legalmente cobráveis e não as receitas constantes do projecto ou proposta em discussão.
Por estas razões, a Câmara Corporativa sugere, com a eliminação do § 1.º proposto, a seguinte redacção para o artigo 97.°:
A iniciativa da lei compete indistintamente ao Govêrno ou a qualquer dos membros da Assemblea Nacional; não poderão porém estes apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receita do Estado criada por leis anteriores.
23. Vimos que, segundo o § único do artigo 97.° da Constituïção, «a apresentação de projectos de lei será condicionada pelo voto favorável de uma comissão especial».
Ao preceito vigente acrescenta a proposta o seguinte: «que se pronunciará ùnicamente sôbre se há inconveniência nessa apresentação».
Crê a Câmara Corporativa que não se trata de alteração substancial, mas sòmente de evitar um possível mau uso dos poderes hoje conferidos à comissão-filtro, como em gíria parlamentar é conhecida.
E dizemos mau uso porque sempre nos pareceu nítido que a esta só incumbe pronunciar-se sôbre se há inconveniência na apresentação do projecto de lei e não sôbre o mérito intrínseco dos seus preceitos.
Admitir o contrário corresponderia a sobrepor o critério da comissão ao critério da Assemblea, porventura diverso, corresponderia a colocar a iniciativa dos Deputados inteiramente à mercê das opiniões de um pequeníssimo número dêles, ou seja, da maioria dos vogais da comissão.
Se o voto favorável visa a apresentação do projecto, deve concluir-se, parece, que à comissão incumbe sòmente pronunciar-se sôbre se há ou não inconveniência nessa apresentação, que não na sua aprovação.
No entanto, porque outro poderia vir a ser o critério seguido, julga a Câmara Corporativa vantajoso o esclarecimento e, por isso, o aconselha.
24. Segundo o § único do artigo 98.º da Constituïção:
Os projectos não promulgados dentro deste prazo (o prazo de quinze dias), serão de novo submetidos à apreciação da Assemblea Nacional, e, se então forem aprovados por maioria de dois terços do número legal dos seus membros, o Chefe de Estado não poderá recusar a promulgação;
Nos termos da proposta:
Os projectos não promulgados dentro dêste prazo serão de novo submetidos à apreciação da Assemblea Nacional e, se então forem aprovados por maioria de dois terços do número dos seus membros em efectividade de funções, o Chefe do Estado não poderá recusar a promulgação.
A divergência consiste em que, pelo regime vigente, os dois terços referem-se ao número legal dos Deputados, ou seja a noventa, e, pelo regime da proposta, referir-se-ão ao número de Deputados em efectividade de funções.
Pretende-se, portanto, reduzir o quorum de deliberação.
E porquê?
Hoje, a Assemblea Nacional compõe-se de noventa Deputados e, daí, que o quorum seja, no caso de que se trata, de sessenta.
Mas as vagas que nela ocorrerem só serão preenchidas quando atingirem o número que a lei eleitoral fixar (actualmente vinte), até à quarta parte do número legal de Deputados.
Quere dizer, a Assemblea Nacional poderia ver o número dos Deputados reduzido a sessenta e oito e, como conseqüência, sobretudo se entrarmos em linha de conta com as faltas, o quorum exigido para a votação de um projecto a que o Chefe do Estado opusesse o seu veto poderia vir a traduzir-se, pràticamente, na unanimidade ou, quando muito, na quási unanimidade.
No regime da proposta, a Assemblea Nacional compor-se-á, como vimos, de cento e vinte Deputados, e as eleições suplementares só se realizarão quando as vagas atingirem o número que a lei eleitoral fixar, até a quinta parte do número legal de Deputados, ou seja vinte e quatro.
Quere dizer, a Assemblea pode, de facto, compor-se de noventa e seis Deputados (120—24=90) e, portanto, de mais dezasseis Deputados do que os dois terços exigidos para a votação dos projectos.
Em face dêstes números, a Câmara Corporativa aceita a alteração proposta, embora não deseje ver de qualquer modo deminuídas as prerrogativas constitucionais do Chefe do Estado.
É que, a não se aceitar, seria então preferível conceder ao Presidente da República um direito de veto absoluto, o que também não nos parece de aconselhar.
25. A alteração proposta para o § único do artigo 99.° é conseqüência necessária da sugerida para o n.º 2.° do artigo 109.°, isto é, resulta do facto de a competência do Govêrno para fazer decretos-leis não ficar condicionada pela urgência e necessidade pública.
Aceite esta alteração, aceite está aquela.
26. Dispõe o artigo 101.° da Constituïção:
Do Regimento da Assemblea constará:
a) A limitação do tempo para usar da palavra;
b) A proïbição de preterir a ordem do dia por assunto não anunciado com antecedência, pelo menos, de vinte e quatro horas;
c) A obrigação de subir o orador à tribuna para usar da palavra sôbre a ordem do dia.
Página 11
16 DE JUNHO DE 1945
642-(11)
Segundo a nova redacção, desaparecem as alíneas a) e c), ficando o artigo reduzido ao seguinte:
Do Regimento da Assemblea constará a proïbição de preterir a ordem do dia por assunto não anunciado com antecedência, pelo menos, de vinte e quatro horas.
Não se trata, parece-nos claro, de eliminações provocadas por divergências de doutrina, isto é, por não se concordar com o preceituado nas alíneas a) e c), mas ùnicamente, de retirar da Constituïção preceitos que se julga não deverem ser nela incluídos e deverem, pelo contrário, contentar-se com a natureza jurídica de preceitos regimentais.
À Câmara Corporativa ser-lhe-ia de certo modo indiferente a conservação ou eliminação das alíneas suprimidas; mas, desde que a proposta pretende eliminá-las, também não as defenderá, certa de que continuarão incluídas no Regimento e de que a Assemblea não necessita, pára obedecer-lhes, que se tornem preceitos constitucionais.
A sua permanência teria, no entanto, esta vantagem: recordar que foram tais os abusos havidos neste domínio que o legislador constituinte de 1933 não hesitou em elevar a sua proïbição à categoria de proïbição constitucional.
III
Da Câmara Corporativa
27. São de pormenor as modificações propostas para a Câmara Corporativa.
Entendeu o Govêrno que não devia alterar-lhe a natureza de órgão consultivo, nem modificar essencialmente as regras que presidem, quer à sua composição, quer ao seu funcionamento.
E no estado actual da evolução do corporacionismo português outra não deveria ser a atitude governamental.
E dizemos no estado actual da evolução do corporacionismo português porque, no dia em que esta evolução atinja determinado grau, natural é que à representação orgânica da Nação venham a ser atribuídas mais amplas funções na vida do Estado.
Presentemente porém, a questão não é, sequer, de levantar, e por isso não vale a pena perder-se tempo com ela.
Recordaremos sòmente que no II Congresso da União Nacional foram aprovadas as seguintes conclusões da tese apresentada pelo Ex.mo Sr. Dr. Alberto de Araújo:
1.ª Sendo o Estado Português um Estado corporativo, quando a Nação estiver totalmente organizada a Câmara Corporativa será uma verdadeira e a mais espontânea representante da Nação, parecendo por isso que, na lógica do sistema, a esta Câmara competirá o exercício da função fiscalizadora à acção do Govêrno, reünida em sessões públicas e plenárias.
2.ª A Nação não está, porém, totalmente organizada, e, por isso, não há, nem em nome da lógica, que pôr o problema da existência de uma só Câmara.
3.ª De resto, bem pode suceder que uma vez a Nação completamente organizada, o funcionamento da Assemblea Nacional e o seu rendimento aconselhem, em sobreposição à pura lógica dos princípios, a continuação da existência daquele órgão de representação.
28. Actualmente a Câmara Corporativa considera-se em funcionamento, toda ela, durante as sessões legislativas, gozando os Procuradores, durante estas, de todas as prerrogativas concedidas aos Deputados pelo artigo 89.° e seus parágrafos, substituídas as deliberações a que se referem as alíneas b), c) e d) do mesmo artigo pela autorização ou decisão do Presidente.
A proposta altera êste regime, substituindo-o pelo seguinte:
§ 3.° O disposto no artigo 89.° e seus parágrafos é aplicável a todos os membros desta Câmara quando ela se reünir em sessões plenárias e aos membros das secções e respectivos assessores durante o funcionamento destas, substituídas, porém, as deliberações a que se referem as alíneas b), c) e d) do mesmo artigo pela autorização ou decisão do Presidente.
Quere dizer: as chamadas prerrogativas parlamentares subsistirão apenas durante o funcionamento efectivo das secções, ou durante as sessões plenárias, e não, como até agora, durante o funcionamento extraordinário daquelas e durante as sessões legislativas ordinárias da Assemblea Nacional.
Supõe a Câmara Corporativa que a redacção proposta ultrapassa na sua letra o pensamento governamental, abrangendo mais do que o que se quis dizer: majus dixit quam voluit.
É que a prerrogativa relativa à prisão não é concedida aos Deputados apenas durante o funcionamento efectivo da Assemblea, mas durante a legislatura, como se vê do disposto no §.3.º do artigo 89.º.
E, embora à Câmara Corporativa, não repugne em absoluto que esta prerrogativa, como as demais, subsista apenas durante o exercício efectivo das funções, quere crer que, a conservar-se, como se conserva, durante a legislatura, para os Deputados, não terá estado no pensamento do autor da proposta restringi-la, para os Procuradores, aos períodos de exercício efectivo de funções.
Quanto ao resto, a Câmara Corporativa, para descargo de consciência, notará que o regime vigente talvez permita mais fácil e melhor recrutamento, provoque maior sentimento de responsabilidade e contribua para que os Procuradores representantes de certas actividades tenham ensejo de se colocar em condições de ombrearem com os Procuradores representantes de outras actividades.
Abstraindo, porém, destas considerações, cujo valor caberá ao superior critério da Assemblea Nacional apreciar, a Câmara Corporativa sugere, para o § 3.º do artigo 102.º, a querer-se alterá-lo, a seguinte redacção:
O disposto no artigo 89.º e seus parágrafos, com excepção da imunidade referida na alínea c), que subsiste emquanto durar o mandato, é aplicável a todos os membros desta Câmara quando ela se reünir em sessões plenárias e aos membros das secções e respectivos assessores durante o período de funcionamento destas.
A parte final do § 3.°, segundo a redacção da proposta, deve constituir, se aquele vier a ser alterado, um parágrafo novo, assim redigido:
§ 4.° As deliberações a que se referem as alíneas b), c) e d) do artigo 89.° serão substituídas pela autorização ou decisão do Presidente.
29. Os pareceres da Câmara Corporativa, quando respeitantes a propostas ou projectos de lei que forem presentes à Assemblea Nacional, devem, nos termos do § 1.º do artigo 103.º da Constituïção, ser dados «dentro de trinta dias ou no prazo que o Govêrno ou a Assemblea fixar, se a matéria fôr considerada urgente por
Página 12
642-(12)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 176
aquele ou por esta, conforme se tratar de proposta ou de projecto de lei».
A proposta substitue êste parágrafo pelo seguinte:
O parecer será dado dentro de trinta dias, ou no prazo que o Govêrno ou a Assemblea fixar, se a matéria fôr considerada urgente por aquele ou por esta.
Quere dizer: emquanto no regime actual a Assemblea e o Govêrno só podem encurtar o prazo com fundamento na urgência, se se tratar de proposta de lei, para o segundo, e de projecto de lei, para a primeira (veja-se o Regimento da Assemblea Nacional, artigo 30.°), no regime da proposta quer o Govêrno, quer a Assemblea, invocando a urgência, poderão sempre reduzi-lo, trate-se de proposta ou de projecto de lei.
A Câmara Corporativa não apresentará quaisquer razões de princípio em contrário do regime proposto, mas não deixará de apresentar algumas provindas da experiência.
Reconhece-se que, de facto, pode dar-se o caso de que, após exame dos trabalhos a executar, a Assemblea venha a concluir pela necessidade do encurtamento do prazo, sob pena de não ser discutida e votada uma proposta de lei enviada pelo Govêrno sem urgência e, portanto, sem marcação de prazo.
A verdade, porém, é que a Câmara Corporativa, salvo em casos excepcionalíssimos, não pode ser colocada neste dilema: ou não dar o parecer dentro do prazo ou dá-lo à custa, sobretudo para o relator, de um esfôrço extenuante, tanto mais que depois nem porventura a própria Assemblea tomará sempre na devida conta o curto prazo em que aquele foi elaborado.
E, assim, esta Câmara não vê com bons olhos tudo quanto possa contribuir para o encurtamento dos prazos, desde que o Govêrno, autor de uma proposta, ou porque haja reconhecido a impossibilidade do seu estudo em prazo curto ou porque não tenha descoberto urgência na sua votação, entendeu dever subordinar-se ao prazo de trinta dias.
A Câmara Corporativa nega por isso o seu voto à alteração em causa.
30. Quanto ao § 3.° do artigo 103.°, limitar-nos-emos a afirmar a nossa concordância com a emenda proposta.
Na verdade, se, sugerida pela Câmara Corporativa a substituïção de um projecto de lei por outro, qualquer Deputado pode adoptá-lo, sendo, então, discutido em conjunto com o primitivo, como compreender que, sugerindo a Câmara simples alterações na especialidade, já qualquer Deputado não possa fazê-las suas?
Do mesmo modo não se descobrem os inconvenientes de neste caso a faculdade atribuída aos Deputados abranger também as propostas de lei.
31. A emenda ao artigo 104.° limita-se a harmonizar o texto constitucional com a realidade dos factos e com os preceitos regimentais, visto a Câmara Corporativa funcionar em sessão plenária para a eleição da Comissão de Verificação de Poderes e da Mesa, para aprovar ou alterar o Regimento e para declarar a perda de mandato, ou retirar o mandato aos Procuradores (Regimento, artigo 16.°, § 1.°).
Julga, porém, a Câmara Corporativa preferível substituir a expressão sessões plenas pela expressão sessões plenárias, usada quer no seu Regimento (artigos 16.°, § 1.º, 17.°, 32.°, 33.° e 34.°), quer no Regimento da Assemblea Nacional (artigos 19.°, 21.°, 24.°, 25.°, § 1°, e 26.°, alínea b), quer, ainda, no § 3.° do artigo 102.°, segundo a redacção da proposta.
Por isso sugere a seguinte redacção para o artigo 104.°:
A Câmara Corporativa funciona em sessões plenárias ou por secções especializadas, podendo, neste caso, reünir-se duas ou mais secções, ou todas elas, se a matéria em estudo assim o reclamar.
Alteração semelhante se sugerirá nas conclusões dêste parecer para o artigo 95.° e respectivo § 1.°.
32. Nos termos do artigo 105.° da Constituïção:
O Govêrno poderá consultar as secções da Câmara Corporativa sôbre decretos gerais a publicar ou propostas de lei a apresentar à Assemblea Nacional, determinar que o trabalho das secções prossiga durante os adiamentos ou interrupções da sessão legislativa e pedir a convocação de todas ou parte das secções para lhes fazer qualquer comunicação.
A proposta dá a êste artigo a redacção seguinte:
O Govêrno poderá consultar a Câmara Corporativa sôbre decretos gerais a publicar ou propostas de lei a apresentar à Assemblea Nacional, determinar que o trabalho das secções prossiga ou se realize durante os adiamentos, interrupções ou no intervalo da sessão legislativa, e pedir a convocação de todas ou parte das secções para lhes fazer qualquer comunicação.
As divergências consistem, portanto:
1.° Em que, no regime actual, o Govêrno consulta as secções da Câmara Corporativa e, no regime da proposta, consultará a Câmara Corporativa, divergência que se traduz em, no primeiro caso, ser o próprio Govêrno quem escolhe as secções que hão-de elaborar o parecer e, no segundo, competir a escolha ao Presidente da Câmara;
2.° Em que, no rigor da letra do artigo 105.°, o Govêrno só poderia determinar que o trabalho das secções prosseguisse durante os adiamentos ou interrupções da sessão legislativa e, com a redacção proposta, sem dúvida, poderá também determinar que aquele prossiga no intervalo das sessões legislativas.
A Câmara Corporativa concorda em absoluto.
A primeira alteração traduz maior respeito pela sua autonomia, entregando ao Presidente o encargo de determinar as secções que devem elaborar o parecer geral, ouvidas ou não outras secções, mediante pareceres subsidiários.
A segunda esclarece que o Govêrno, quando uma proposta de lei enviada à Assemblea Nacional não tenha obtido parecer da Câmara Corporativa a tempo de poder ser discutida na sessão legislativa em que foi apresentada, possa determinar que o trabalho da Câmara prossiga após o encerramento da sessão.
Cremos que não podem levantar-se dúvidas nem sôbre a utilidade da concessão desta faculdade ao Govêrno nem sôbre a vantagem da sua expressa inclusão no texto constitucional.
Por isso não vale a pena determo-nos no seu exame.
Sugere-se, no entanto, que as palavras «durante os adiamentos, interrupções ou no intervalo da sessão legislativa» sejam substituídas por estoutras: «durante os adiamentos, interrupções e intervalos das sessões legislativas».
Página 13
16 DE JUNHO DE 1945
642-(13)
A razão essencial é a seguinte: não há intervalos senão entre duas sessões legislativas. Os adiamentos e interrupções, êsses, é que se referem a certa e determinada sessão.
Do Govêrno
33. Amplia a proposta a competência legislativa do Govêrno, permitindo-lhe que elabore decretos-leis fora dos casos de urgência e necessidade pública e sem necessidade de autorização da Assemblea Nacional.
Afinal, mais não se faz, já o dissemos, do que dar foros de indiscutível constitucionalidade às realidades políticas dos últimos tempos: a Assemblea Nacional tem sido, de facto, um órgão legislativo excepcional e o Govêrno o órgão legislativo normal.
A Câmara Corporativa, pelas razões atrás expostas, concorda com a proposta de substituïção e, por isso, dá-o seu voto à nova redacção do n.º 2.º do artigo 109°.
O II Congresso da União Nacional votou a seguinte conclusão da tese apresentada pelo Sr. Dr. Carlos Alberto Lopes Moreira:
1.ª A função legislativa deve competir essencialmente ao Govêrno, que a exercerá mediante o estudo e parecer da Câmara Corporativa, salvo nos casos de reconhecida urgência.
Esta Câmara reconhece a utilidade de ser consultada sôbre os decretos-leis e está certa de que as alterações propostas o foram à luz da idea de uma futura maior intervenção da Câmara Corporativa na obra legislativa do Govêrno.
Além disso, se se exige a sua prévia consulta antes da discussão, pela Assemblea, das propostas de lei, lógico é, parece, que, em princípio, igualmente se exija antes da publicação dos decretos-leis.
Por isso, sugere-se que: o n.º 2.° do artigo 109.° fique assim redigido:
2.º Fazer decretos-leis, consultada a Câmara Corporativa, salvo em casos de urgência e nos de haver sido já consultado outro órgão legalmente competente, e aprovar as convenções e tratados internacionais, quando a urgência não consinta a aprovação pela Assemblea Nacional.
34. A emenda proposta para o n.º 4.° do artigo 109.º consiste em substituir a expressão corporações administrativas pela expressão pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, harmonizando a terminologia usada neste número com a dos artigos 9.° e 25.°, que a lei n.º 1:963, de 18 de Dezembro de 1937, por sua vez, já harmonizara com a terminologia do Código Administrativo de 1936, conservada no Código de 1940.
Diremos que só por lapso a lei n.º 1:963 não tocou neste número, o que a proposta veio, e bem, remediar.
A respeito destas emendas escreveu-se no parecer sôbre a proposta de lei n.º 285, publicado no Diário das Sessões de l de Dezembro de 1937, 2.° suplemento ao n.º 147:
No parecer desta Câmara acêrca da proposta de lei n.º 116 (alterações às bases para o novo Código Administrativo) lê-se:
Na base XVII propõe-se mais a substituïção das expressões: «corporações administrativas» e «institutos de utilidade local», por estoutra: «pessoas colectivas de utilidade pública administrativa».
Trata-se de mera diversidade de terminologia, sem alcance substancial, imposta, em parte, pela conveniência de evitar o emprêgo da expressão «corporações administrativas», desde que, no direito corporativo, as corporações são organismos sem semelhança com as corporações administrativas, empregada a expressão com o significado que lhe tem sido atribuído no direito administrativo português.
Votada pela Assemblea Nacional esta alteração de terminologia, constante da lei n.º 1:946, de 21 de Dezembro de 1936, a ela obedeceu o Código Administrativo, que subordinou o título VIII à epígrafe Das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, assim definidas no artigo 359.º:
Consideram-se pessoas colectivas de utilidade pública administrativa as associações beneficentes ou humanitárias e os institutos de assistência ou educação, tais como hospitais, hospícios, asilos, creches, lactários, sanatórios, bibliotecas e estabelecimentos análogos, fundados por particulares, desde que umas e outras aproveitem em especial aos habitantes de determinada circunscrição e não sejam administrados pelo Estado ou por um corpo administrativo.
É sem dúvida com êste significado que a proposta emprega a expressão pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, e, sendo assim, nada temos a opor.
Acrescentaremos apenas que, além destas razões, há hoje a razão decisiva de a expressão aparecer, como dissemos, nos artigos 9.° e 25.° da Constituïção.
35. Os actuais §§ 2.° e 3.° do artigo 109.° são eliminados, em conseqüência do desaparecimento de decretos-leis autorizados, passando, por isso, os actuais 4.º e 5.° a ocupar o lugar daqueles.
Adita-se, porém, a êste artigo um § 4.° novo, assim redigido:
Quando a lei não fôr exeqüível por si mesma, o Govêrno expedirá os respectivos decretos dentro do prazo de seis meses, a contar da sua publicação, se nela se não determinar outro prazo.
Pretende-se evitar que, publicada uma lei, o Govêrno possa impedir-lhe a execução, não a regulamentando, e, para isso, determina-se que os respectivos decretos devem ser expedidos dentro do prazo de seis meses, se outro a lei exeqüenda não houver marcado.
Está bem, tanto mais que, nos termos do artigo 92.°,
As leis votadas pela Assemblea Nacional devem restringir-se à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos, não podendo porém ser contestada, com fundamento na violação dêste princípio, a legitimidade constitucional de quaisquer preceitos nelas contidos.
E, assim, a quási totalidade das leis, se obedecerem à directiva constitucional, necessitarão que futuros decretos regulamentares tornem possível a sua execução.
E dizemos a quási totalidade só porque as matérias indicadas nas várias alíneas do artigo 93.°, essas, constituem necessàriamente matéria exclusiva de lei, não podendo ser reguladas mediante decretos regulamentares, mas sòmente mediante leis ou decretos-leis.
Em princípio, quando a Constituïção exige lei quere apenas afastar os decretos regulamentares, e não os decretos-leis, que, para todos os efeitos, substituem aquela com idêntica eficácia jurídico-formal.
Página 14
642-(14)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
E o que se passa actualmente passar-se-á amanhã se a proposta fôr votada.
Todavia, para evitar dúvidas quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 93.° a Câmara Corporativa sugere que lhe seja dada a seguinte redacção:
Artigo 93.° Constitue, porém, necessàriamente matéria de lei, não podendo constar de decretos regulamentares:
1.º A organização da defesa nacional;
2.º A criação e supressão de serviços públicos;
3.° O pêso, valor e denominação das moedas;
4.º O padrão de pesos e medidas;
5.° A criação de bancos ou institutos de emissão e as normas a que deve obedecer a circulação fiduciária;
6.º A organização dos tribunais.
É claro que, tratando-se, por exemplo, de uma lei relativa à organização dos tribunais, se esta estiver incompleta, não podendo ser executada, fica o Govêrno impedido de, em vista da sua possível execução, expedir os necessários decretos regulamentares; o que pode fazer é suprir as lacunas da lei mediante decretos-leis.
36. Para o artigo 110.º propõe o Govêrno a seguinte emenda:
Os membros da Assemblea Nacional ou da Câmara Corporativa que aceitarem o cargo de Ministro ou Sub-Secretário de Estado não perdem o mandato, mas não poderão tomar assento na respectiva Câmara.
A emenda consiste, como se vê, em submeter ao regime actual, que abrange apenas os Ministros, também os Sub-Secretários de Estado.
Parece à Câmara Corporativa que, atentas as funções dêstes, a emenda se impõe com evidência.
Dos tribunais
37. Nos termos do artigo 116.° da Constituïção:
A função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais.
São tribunais ordinários:
1.º O Supremo Tribunal de Justiça;
2.° Os tribunais de 2.ª instância, nos distritos judiciais do continente e ilhas adjacentes e das colónias;
3.º Os tribunais judiciais de 1.ª instância, nas comarcas de todo o território nacional.
§ 1.° A lei pode admitir juízes municipais de competência limitada em julgados compreendidos nas comarcas.
§ 2.° São mantidos os juízos de paz.
A proposta substitue o corpo dêste artigo pelo seguinte:
A função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais.
São tribunais ordinários o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais de 2.ª e 1.ª instância, hieràrquicamente ordenados em relação àquele, os quais terão a competência territorial e material que a lei fixar.
Sôbre esta proposta de substituïção foi ouvida a secção de Justiça, que emitiu o seguinte parecer subsidiário, de que foi relator o digno Procurador Prof. Doutor Paulo Cunha:
1. O artigo 116.° da Constituïção declara que a função judicial é exercida por tribunais ordinários e por tribunais especiais e determina quais são os primeiros. Como nenhuma disposição define os segundos, segue-se que a determinação dos tribunais especiais faz-se por exclusão de partes. São tribunais especiais todos os que não forem tribunais ordinários.
Êste sistema é mantido na nova redacção proposta para o artigo 116.°. Mas, emquanto no texto em vigor aparece uma enumeração dos tribunais ordinários, com carácter taxativo, o texto proposto aponta concretamente só o Supremo Tribunal de Justiça e em seguida apresenta uma noção geral de tribunais ordinários, susceptível de abranger quaisquer unidades que a essa noção geral se acomodem: todos os tribunais de 2.ª ou de 1.ª instância que forem hieràrquicamente ordenados em relação ao Supremo Tribunal de Justiça.
Isto é, em vez de uma especificação, um critério definidor.
2. Que abrange êste critério? Mais ou menos realidades do que a especificação que intenta substituir?
Seja qual fôr o alcance exacto da fórmula da proposta, vê-se a todas as luzes:
1.° Que ela abrange todos os tribunais especificados na redacção actual;
2.° Que compreende ou pode compreender outros tribunais a que os textos actuais negam a qualificação de tribunais ordinários.
Com efeito, na redacção actual designam-se os tribunais de 2.ª e de 1.ª instância em referência a factores puramente territoriais (tribunais dos distritos judiciais e tribunais das comarcas), o que exclue todos os tribunais cuja área de jurisdição seja diversa; na nova redacção, pelo contrário, põe-se de parte a referência a circunscrições territoriais e exige-se apenas a ordenação hierárquica em relação ao Supremo Tribunal de Justiça — o que inclue as Relações e os Tribunais de Comarca, e ainda, quaisquer outros órgãos de judicatura, que tenham essa ordenação hierárquica, muito embora a sua jurisdição se exerça em todo o território do País ou em áreas inteiramente diversas dos distritos judiciais e das comarcas.
3. Apura-se portanto que a alteração proposta tem o alcance de ampliar o quadro dos tribunais ordinários.
Reflexa mas necessàriamente, verificar-se-ia (dado o sistema fundamental já acima sublinhado) uma correspondente redução no quadro dos tribunais especiais.
Assim, tanto para os tribunais já existentes como para os tribunais a criar de futuro, dar-se-ia uma deslocação de categoria: passariam alguns da categoria dos tribunais especiais para a categoria dos tribunais ordinários.
4. Para ajuïzar desta alteração importa averiguar em que consiste e para que serve a distinção constitucional entre tribunais ordinários e tribunais especiais.
Qual é, constitucionalmente, o regime de uns e de outros?
A distinção constitucional entre tribunais ordinários e tribunais especiais é de carácter pura-
Página 15
16 DE JUNHO DE 1945
642-(15)
mente formal e destina-se a abrir dois regimes diferentes, num dos quais há mais garantias constitucionais do que no outro.
a) É de carácter puramente formal: na verdade tal distinção nada tem que ver com a classificação material, que atende à existência de tribunais com plenitude de jurisdição e de tribunais com jurisdição só para determinadas matérias.
Trata-se de duas classificações paralelas e independentes, que procedem de critérios perfeitamente distintos. Há o perigo de fazer confusão entre elas — porque as palavras que a cada passo se empregam são as mesmas ou semelhantes —, mas há, exactamente por isso, a necessidade de bem as diferenciar, até na terminologia.
Assim, na classificação material, ao dividirem-se os tribunais consoante tiverem competência: para a generalidade das causas ou só para determinadas categorias de questões, deve dar-se aos primeiros o nome de tribunais comuns e aos segundos o nome de tribunais especializados. É o problema da especialização de matérias que aí vai pôsto. Deste problema se ocupa o Código de Processo Civil quando define o grande esquema sôbre competência em razão da matéria (artigos 66.° e 67.°); mas não é a êste problema que visa a Constituïção no artigo 116.°.
No artigo 116.° o que se procura é sòmente delimitar, por meio de critérios exteriores às matérias julgadas, quais os tribunais que participam de certo regime de garantias e quais os que ficam fora dêsse regime.
Mesmo na redacção actual do artigo 116.°, embora se declarem tribunais ordinários só o Supremo, as Relações e os tribunais com competência comarcã, nem daí resulta que os tribunais ordinários sejam todos comuns. Ao contrário, há tribunais ordinários comuns (tais os tribunais de comarca, nas comarcas em que há um só juiz de direito) e há tribunais ordinários especializados (como são, por exemplo, os tribunais de menores, que existem em todas as comarcas mas cuja competência é limitada a assuntos relativos a menores, ou os tribunais meramente criminais, que funcionam em algumas comarcas, ou ainda os tribunais de pequenos delitos) (vide Estatuto Judiciário, artigos 8.° e 16.° a 19.°).
E isto, que já acontece com o texto actual do artigo 116.° da Constituïção, só mais acentuadamente se verificaria com o novo texto proposto para o mesmo artigo.
Não se julgue, pois, que a denominação constitucional de «tribunais especiais» significa que só êsses têm jurisdição especializada. Trata-se, sim, de uma designação convencional, empregada para referir quaisquer tribunais não qualificados como ordinários, os quais por isso mesmo não têm as garantias próprias dêstes últimos.
Noutras constituïções políticas, em que figuram distinções semelhantes à do artigo 116.°, é freqüente ver a designação de tribunal extraordinário ou outras equivalentes, que mais vincam o carácter formal da discriminação.
Sem dúvida se conjugam de algum modo as duas classificações, a formal e a material: por elementar bom senso vê-se que os tribunais comuns hão-de ser ordinários, e não extraordinários ou constituídos ad hoc. Doutrinalmente pode até organizar-se o seguinte esquema:
1.° Tribunais ordinários: são ou comuns ou especializados;
2.º Tribunais especiais: são só especializados.
Mas isto resulta, por coincidência, da natureza das cousas; e o esquema meramente formal que o artigo 116.° da Constituïção estabelece não vai até êste ponto de desenvolvimento.
b) Passemos ao segundo traço: a distinção constitucional entre tribunais ordinários e especiais destina-se a abrir dois regimes diferentes, sob o ponto de vista das garantias asseguradas a cada classe de tribunais.
Segundo o antigo 120.º da Constituïção, os juízes de todos os tribunais são irresponsáveis nos seus julgamentos. Mas, de harmonia com o artigo 119.°, só os juízes dos tribunais ordinários têm de ser vitalícios, inamovíveis e não podem aceitar do Govêrno outras funções remuneradas. Dêste modo, os tribunais ordinários distinguem-se por só os seus juízes terem constitucionalmente assegurados os três seguintes caracteres: vitaliciado, inamovibilidade e exclusão de outras funções remuneradas — o que assegura a total independência em relação ao Govêrno.
Não está em causa saber se tais garantias são suficientes e eficazes e se os tribunais especiais não deveriam beneficiar de parte delas. Esta Câmara não tem iniciativa para se pronunciar sôbre semelhante ponto, que a proposta de reforma não abrange. Cabe apenas evidenciar o regime que está na Constituïção.
Deve todavia lembrar-se que, sendo naturalmente sintéticas e fundamentais as afirmações de princípios contidas na lei constitucional, elas têm na prática um alcance que transcende o seu sêco enunciado: marcam orientações que a realidade social tende a assimilar e desenvolver. É assim que, apesar de pouco a Constituïção dizer sôbre os tribunais ordinários, existe formada a noção de ser neles, que se reúnem as verdadeiras garantias de uma justiça estável e universal, objectiva e serena, dotada de toda a competência técnica e isenta de quaisquer influências políticas. Há aqui uma idea-fôrça. A só designação de justiça ordinária está plena de sentido latente e desempenha na organização jurídica um papel de saliente importância.
Demais, a garantia do vitaliciado aponta a solução de dever tratar-se de magistrados de carreira, de magistrados togados, e não de juízes improvisados, sem adequada preparação técnico-jurídica. E neste traço reside em grande parte a segurança de a justiça ser de alta qualidade.
É por todas estas razões que o artigo 117.° da Constituïção, permitindo a existência de tribunais especiais para a apreciação de quaisquer matérias em geral (civis, comerciais, económicas, financeiras, etc.), põe no entanto proïbição a respeito da mais importante de todas: veda a criação de tribunal especial «com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes» (salvo se forem fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado). Em tal zona exige a Constituïção o tribunal ordinário, ou seja: um tribunal integrado no regime de garantias, expressas e implícitas, que ficou desenhado.
5. Fácil se torna agora apreciar na generalidade a alteração proposta para o artigo 116.°. Tratando-se de alargar o quadro dos tribunais ordinários — e, por conseguinte, de estender as respectivas garantias constitucionais a tribunais que hoje não as têm —, a secção de Justiça encontra-se perante uma orientação que só lhe merece aplauso.
A enumeração do actual artigo 116.º é demasiadamente apertada. O critério da competência terri-
Página 16
642-(16)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 176
torial, que lhe está na base, faz com que o legislador vulgar, ao sentir a necessidade de organizar tribunais especializados para o julgamento de certas matérias que exijam especialização de conhecimentos e indagações, se veja perante o dilema — ou de criar tantos tribunais quantas as comarcas (o que em geral será absurdo), ou de instituir tribunais especiais (o que, bem desnecessàriamente, tirará aos órgãos instituídos o prestígio e a fôrça que lhes adviria de terem a qualificação de justiça ordinária, e franqueará a via fácil das influências da Administração sôbre a Judicatura).
Os tribunais devem ser independentes, sentir-se independentes e parecer independentes. Ora um sistema que obriga, mesmo sem fortes razões de Estado, a lançar quaisquer tribunais especializados na categoria dos tribunais não ordinários vai abertamente contra êste postulado e, logo, merece ser revisto.
6. Se a finalidade da alteração ao artigo 116.° se afigura de aplaudir, já algumas objecções devem pôr-se ao modo por que se procura dar-lhe realização.
A fórmula da proposta de lei — «tribunais... hieràrquicamente ordenados em, relação ao Supremo Tribunal de Justiça» — não parece suficientemente clara e precisa, nem se pode dizer perfeitamente exacta.
Em que consiste a ordenação hierárquica dos tribunais em relação ao Supremo Tribunal de Justiça? Será a ordenação formal que figura no Estatuto Judiciário? Deverá surgir uma lei definindo tal ordenação? Ou dever-se-á recorrer a leis avulsas?
Neste último caso, com que critério? Considerar-se-á o ponto de vista da concatenação administrativa dos tribunais? ou antes o aspecto de uns aos outros poderem ordenar a prática de actos por meio de mandado (artigo 176.° do Código de Processo Civil)? ou o ponto de vista do acesso e promoção dos juízes? ou ainda o aspecto dos recursos a interpor de uns tribunais para os restantes?
Estas e outras interrogações do mesmo género mostram que a fórmula, sendo sugestiva, tem alguma ambiguidade.
Por outro lado, a aplicação aos tribunais da idea de ordenação hierárquica comporta certas reservas. É verdade que o Código de Processo Civil adoptou o conceito de competência em razão da hierarquia (artigos 70.° e seguintes). Porém não só os tribunais que aí se contemplam são apenas os próprios que o actual artigo 116.° da Constituïção já considera ordinários, mas sobretudo a necessária independência da magistratura judicial torna desaconselhável o emprêgo de expressões que acordem a idea de subordinação a autoridade superior. Como diz o artigo 241.° do Estatuto Judiciário, a independência é característica dos magistrados judiciais e consiste «no direito de exercer as funções de julgar sem sujeição a ordens de outros juízes ou tribunais ou de quaisquer autoridades, salvo nos casos expressamente consignados na lei».
Convirá procurar outra fórmula.
7. Temos para nós que a idea central da redacção constante da proposta de lei está na questão dos recursos.
É o julgamento que caracteriza a função judicial, e, em matéria de julgamento, só na possibilidade de recurso se pode ver a ordenação entre dois tribunais.
Mas não é só isto. Se se fôr ao fundo das cousas e se procurar um critério racional (formal, mas não arbitrário) para aos tribunais ordinários acrescentar outros que com êles tenham homogeneidade, encontrar-se-á que êsse critério deve ser o da unidade de orientação nos julgamentos.
Ora tal unidade é assegurada através dos recursos.
São, pois, os tribunais de que normalmente se recorre de uns para os outros que devem ter a mesma qualificação. Como no quadro dos tribunais ordinários hão-de estar, antes de mais nada, os tribunais comuns (Supremo Tribunal de Justiça, Relações e Tribunais de Comarca), segue-se que os tribunais ordinários deverão ser, além dêles, os outros tribunais que os tenham normalmente como órgão de recurso — sem que se importe saber qual a área em que exercem jurisdição.
Note-se que se trata de qualificar o tribunal em si mesmo, e não determinada porção da sua actividade.
Assim, não será necessário que em todos os casos haja recurso; nem que, cabendo recorrer para algum dos tribunais ordinários comuns, por fôrça haja de haver recurso até ao Supremo. Basta que os tribunais comuns, ou algum dêles, sejam órgão normal de recurso.
Entende a secção de Justiça ser nesta base que o acrescentamento ao artigo 116.º deve ser aprovado. Mas caberá então redigir o texto de modo a dizê-lo incisivamente.
Daí, a redacção que adiante se sugere para o corpo do artigo 116.°. Pareceu mais aconselhável manter nela a especificação dos tribunais ordinários que sejam comuns (não esquecer que uma disposição há na Constituïção, o artigo 78.º, § único, que aos tribunais comuns se refere), e aditar-lhe um número em que se acolham os outros tribunais ordinários que sejam especializados.
8. Assente a orientação fundamental, importa entrar em aspectos de pormenor — já que nos domínios da legislação há freqüentes repercussões que podem transtornar as modificações aparentemente mais generosas e louváveis.
Primeiro ponto a destacar. Se a fórmula da proposta, ou outra rigorosamente equivalente, fôsse convertida em lei, passariam a ser tribunais ordinários - e portanto a ter na íntegra o respectivo
Regime — todas os tribunais que estão hieràrquicamente ordenados em relação ao Supremo (ou seja, todos os tribunais de que normalmente se recorre para os tribunais comuns). Ora semelhante resultado é excessivo. Mais: afigura-se impossível de realizar e seria decerto contraproducente.
a) Impossível de realizar. Basta pensar em que os tribunais municipais (Estatuto Judiciário, artigo 20.°) e outros órgãos em condições semelhantes (por exemplo, certos tribunais marítimos ou os serviços da propriedade industrial) ficariam com a qualificação constitucional de tribunais ordinários e ingressariam por conseqüência no regime de juízes vitalícios, inamovíveis e insusceptíveis de ter outras funções remuneradas do Govêrno. Não faltaria até quem pretendesse — embora, aí já sem razão, dado faltar o poder de julgar — que os modestos juízos de paz, a quem o Estatuto Judiciário chamou «tribunais de paz», estariam também incluídos, por se encontrarem hieràrquicamente ordenados em relação aos tribunais de comarca.
Na redacção vigente do artigo 116.º os juízos municipais e os juízos de paz não estão declarados
Página 17
16 DE JUNHO DE 1945
642-(17)
tribunais ordinários: os §§ 1.° e 2.° do artigo referem-se-lhes em separado, sem lhes dar tal tratamento. Mas na redacção da proposta de lei a qualificação de tribunal ordinário caberia de pleno aos tribunais municipais. E isto, importando em inexequível refundição da magistratura dêstes tribunais, chega para mostrar como é perigoso empregar fórmulas rígidas para alargar os quadros das justiças constitucionalmente qualificadas de ordinárias.
b) O resultado em exame seria além disso contraproducente. Vejamos como.
No sistema actual, o legislador ordinário não pode sem dúvida criar tribunais ordinários especializados de 1.ª instância (salvo se os estabelecer em todas as comarcas), mas pode organizá-los como tribunais especiais e determinar que dêles se recorra, para algum dos tribunais ordinários (por exemplo, para a Relação ou para o Supremo). Em tal caso o tribunal de 1.ª instancia não tem as garantias constitucionais dos tribunais ordinários, mas lá está o recurso a assegurar em 2.ª instância o aproveitamento dessas garantias.
Ora pelo sistema proposto, como o legislador ao estabelecer recurso para os tribunais comuns se constituïria na obrigação de atribuir ao tribunal especializado de 1.ª instância as garantias dos tribunais ordinários (vitaliciado, exclusão de outras funções remuneradas, etc.), e como semelhante atribuïção pode ser decididamente inviável, acabar-se-ia por forçar o legislador a não instituir aquele recurso, confinando-se todo o julgamento em tribunais puramente especiais. Isto é, o sistema poderia funcionar ao revés da idea que lhe está na base.
Por estas razões julgamos necessário dar maleabilidade à nova definição dos tribunais ordinários. Para um tribunal ser ordinário é preciso que dêle haja normalmente recurso para os tribunais ordinários básicos; mas poderá a lei determinar que, apesar dêsse recurso, o tribunal é especial.
A isto tende a redacção que sugerimos adiante para o § único a aditar ao artigo 116.°.
Nem se diga que por esta forma se regressa ao estado actual da Constituïção. Não. A impossibilidade de a lei instituir tribunais ordinários especializados desaparece, como se deseja; e apenas fica assegurado que a lei não se verá perante novo sistema demasiadamente rígido em sentido contrário.
É certo que a decisão concreta do problema é afinal deixada ao arbítrio da lei ordinária, que, ao criar determinado tribunal especializado, resolverá dar-lhe ou não a categoria de tribunal ordinário. Porém esta contingência existe do mesmo modo no sistema da proposta de lei: também seria o puro arbítrio do legislador ordinário que resolveria, ao instituir qualquer tribunal, torná-lo ou não hieràrquicamente ordenado em relação ao Supremo Tribunal de Justiça.
Para não haver arbítrio nenhum do legislador ordinário seria indispensável recortar o conceito de tribunal ordinário, por meio de critérios materiais exaustivos (indicação de quais os assuntos afectos aos tribunais dessa categoria). Ora um tal sistema não pode adoptar-se: toda a especificação de matérias seria defeituosa, incompleta e perigosa. «There are more things in heaven and earth, Horatio, than in your mind».
É viável referir alguns assuntos que a tribunais especiais fiquem vedados. A êste tipo pertence a providência do artigo 117.° da nossa Constituïção.
Mas parece fora de elementar prudência pretender traçar exaustivamente a priori os contornos da jurisdição atribuída aos tribunais ordinários. Haja em vista o já citado exemplo do que se passa com os tribunais municipais ou com os organismos da propriedade industrial.
9. Admitido que a lei deve ter o poder de criar tribunais especializados com a categoria constitucional de tribunais ordinários, impõe-se não deixar que através dêsse poder se frustre o mecanismo do artigo 117.° da Constituïção.
Pelo artigo 117.° é proïbida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes (salvo certas excepções). Está aqui o limite actual à criação de tribunais especiais. Quando a lei queira mandar julgar determinada ou determinadas categorias de crimes não poderá instituir um tribunal ad hoc, e terá de recorrer aos tribunais ordinários, que hoje são só os tribunais comuns.
Ora, se o artigo 116.º fôr alterado em termos de serem considerados ordinários os tribunais especializados que tenham como órgão normal de recurso os tribunais comuns, o legislador passará a poder fazer o seguinte: criar certo tribunal especializado com competência exclusiva para julgamento de determinada categoria de crimes; estabelecer que êsse tribunal tem como órgão normal de recurso algum dos tribunais comuns, o que lhe dá a categoria de tribunal ordinário; mas determinar tam fortes restrições ao uso efectivo do recurso que a intervenção dos tribunais ordinários comuns ficará na realidade eliminada (v.g., restrição do recurso aos casos de preterição de formalidades essenciais ou a certos casos de mera irregularidade da instância).
Esta lacuna do sistema é grave e precisa de ser suprimida.
Para isso sugere-se que ao actual texto do artigo 117.º se faça o aditamento que no fim dêste parecer vai especificado.
Não é que se tome a iniciativa de propor a reforma de disposições sôbre que a Câmara Corporativa não foi consultada: trata-se de mera repercussão no artigo 117.º da alteração proposta para o artigo 116.º.
10. Outra repercussão da alteração do artigo 116.º aparece no artigo 118.°.
Indica êste artigo as diferentes entidades por quem é Estado é representado junto dos tribunais. E a enunciação abrange com rigor todos os órgãos enumerados no artigo 116.°. Designadamente ao n.º 3.° do artigo 116.° (tribunais judiciais de 1.ª instância nas comarcas) corresponde o n.º 3.° do artigo 118.° (delegados do Procurador da República junto de cada tribunal judicial de 1.ª instância).
Mas, desde que ao quadro dos tribunais ordinários se acrescentam tribunais especializados não comarcãos, a indicação do artigo 118.° passa a ser deficiente. Pode tornar-se necessário que a representação do Estado junto de tais tribunais se faça por outros agentes que não os delegados do Procurador da República.
Em razão disto, e porque a enunciação do artigo 118.º parece casuísta em demasia, sugerir-se-ia para o artigo 118.° nova redacção, substanciosa e singela: «O Estado é representado junto de todos os tribunais pelo Ministério Público». Êste é na ver-
Página 18
642-(18)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
dade o princípio que interessa proclamar na Constituïção.
Admitindo contudo que o artigo 118.° só deva ser modificado na parte directamente relacionada com a nova redacção proposta para o artigo 116.°, refere-se no final a modificação restrita a essa parte.
Pelas considerações expostas, a secção de Justiça é de parecer que aos artigos 116.º, 117.° e 118° da Constituïção Política deve dar-se a seguinte redacção, em execução da idea central constante da proposta de lei:
Artigo 116.° A função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais. São tribunais ordinários:
1.° O Supremo Tribunal de Justiça;
2.° As Relações;
3.° Os Tribunais de Comarca;
4.° Os outros tribunais que tenham como órgão normal de recurso, em 1.° ou em 2.° grau, algum dos tribunais referidos nos números anteriores.
§ único. A lei pode todavia determinar que de certos tribunais haja normalmente recurso para os tribunais ordinários, sem prejuízo de aqueles terem a qualificação de especiais.
Art. 117.º (Acrescentar o seguinte ao texto actual):
Bem assim não podem criar-se tribunais ordinários com essa competência exclusiva, sem que haja, em todos os casos, efectivo recurso para os tribunais ordinários comuns.
Art. 118.° (Substituir o texto actual dos n.°s 3.° e 4.º pelo texto seguinte:
...
3.° Pelo delegado do Procurador da República junto de cada tribunal de comarca;
4.° Pelos agentes do Ministério Público legalmente designados junto dos outros tribunais ordinários e dos tribunais especiais.
A Câmara Corporativa concorda em absoluto e, por isso, nada acrescentará.
Da revisão constitucional
38. O § 1.° do artigo 134.° da Constituïção dispõe que:
A revisão pode ser antecipada de cinco anos se fôr aprovada por dois terços dos membros da Assemblea Nacional, e, neste caso, contar-se-á da data da revisão antecipada o novo período de dez anos.
A proposta substitue-o por estoutro:
A revisão pode ser antecipada de cinco anos se fôr aprovada por dois terços dos membros da Assemblea Nacional em efectividade de funções, e, neste caso, contar-se-á da data da lei de revisão o novo período de dez anos.
A Câmara Corporativa, quanto à primeira emenda: acrescentar-se a expressão em efectividade de funções, dirá, apenas que se trata de simples esclarecimento, pois o texto actual já assim tem sido interpretado, inclusive pelo relator dêste parecer.
A Constituïção, quando quis referir-se ao número legal de Deputados, disse-o expressamente.
Pela segunda emenda, o novo período de dez anos contar-se-á a partir da data da lei de revisão.
A Câmara Corporativa reconhece a necessidade de se alterar o § 1.º nesta parte, resolvendo certas dúvidas levantadas pela redacção actual; mas convence-se de que a alteração proposta não satisfaz inteiramente.
É que parte ela, segundo parece, da idea de que, deliberada a revisão qüinqüenal, esta constará necessàriamente de uma só lei de revisão, quando a verdade é poderem, no regime vigente, existir várias, resultantes da apresentação de diversos projectos ou propostas de lei.
Por isso, a Câmara Corporativa julga necessário estabelecer-se um regime que discipline a iniciativa legislativa neste domínio e, para tanto, sugere o aditamento de um parágrafo novo, assim redigido:
§ 2.º Os projectos ou propostas de revisão devem ser apresentados no prazo de quinze dias, contados daquele em que possa ter início a revisão constitucional, e serão enviados conjuntamente à Câmara Corporativa, que sôbre êles dará um só parecer, contando-se da lei de revisão o novo período de dez anos.
Supõe ainda a Câmara Corporativa conveniente que seja aditado mais o seguinte parágrafo:
§ 3.° Se o prazo fixado no parágrafo anterior para a apresentação dos projectos ou propostas de lei terminar em data posterior à do encerramento da sessão legislativa, abrir-se-á novo prazo de quinze dias na sessão legislativa seguinte, salvo se a Assemblea houver sido convocada extraordinàriamente para o efeito de proceder à revisão.
Como conseqüência dêstes aditamentos, devem ser eliminadas no § 1.° as palavras: «e, neste caso, contar-se-á da data da revisão antecipada o novo período de dez anos», e deve o § 2.° passar a § 4.º
Disposição transitória
39. Contém a proposta uma disposição transitória, assim redigida:
A actual Assemblea Nacional continuará em funções até ao fim da legislatura, sem prejuízo do disposto no artigo 81,°, n.º 6.º (dissolução da Assemblea).
Obedece esta disposição ao pensamento expresso por S. Ex.ª o Presidente do Conselho nos seguintes termos:
Desde que sejam aprovadas as emendas à Constituïção relativas à Assemblea Nacional, pode julgar-se justificado que se proceda à sua dissolução e a novas eleições. Não tenho, porém, ainda idea assente sôbre êste ponto, entendendo apenas que em qualquer caso a lei eleitoral deve ser modificada no sentido de maior maleabilidade do que a actual(1).
A Câmara Corporativa, em assunto tam intrìnsecamente ligado à oportunidade política, abstém-se de tomar posição definitiva sôbre êle, crente de que ninguém melhor do que o Presidente da República, que, para tanto, deverá ouvir o Conselho de Estado, pode ser juiz da conveniência ou inconveniência da dissolução como meio de pôr têrmo à vida da actual Assemblea.
(1) Discurso de 18 de Maio de 1945.
Página 19
16 DE JUNHO DE 1945
642-(19)
Acto Colonial
40. Altera a proposta o § único do artigo 27.°, o artigo 28.° e o artigo 40.° do Acto Colonial.
Sôbre estas alterações foi ouvida a secção de Política e economia coloniais, que emitiu o seguinte parecer subsidiário, de que foi relator o digno Procurador Prof. Dr. Manuel Rodrigues:
A proposta de revisão da Constituïção e do Acto Colonial, apresentada à Assemblea em 19 de Maio, pretende alterar o Acto Colonial nos artigos 27.° e 28.º — que se referem aos órgãos legislativos coloniais e regulam a sua competência, e no artigo 40.° — que regula a forma de intervenção do Ministro das Colónias na elaboração e aprovação dos orçamentos coloniais. A secção de Política e economia coloniais, ouvida, responde como segue:
Antes, porém, notará que as alterações a introduzir talvez devessem ser mais amplas e profundas, indo porventura até à integração na Constituïção das disposições fundamentais relativas às províncias ultramarinas.
I
1. Os órgãos legislativos das colónias no período de 1822 a 1920 foram os mesmos da metrópole: as Cortes - mais tarde o Congresso da República — e o Govêrno.
Esta unidade nos órgãos legislativos tinha por base a própria unidade de legislação. Entendeu-se nesse longo período que as colónias eram pura e simplesmente províncias separadas da metrópole por mero acidente geográfico, como costuma dizer-se, e que, por isso, deviam estar sujeitas à legislação metropolitana e respectivos órgãos.
Ao princípio da unidade de órgãos legislativos veio a Constituïção de 1838 trazer uma alteração, mas que não implicava desvio do princípio formulado.
Com efeito, esta Constituïção, no artigo 137.°, permitiu aos governadores gerais das províncias ultramarinas decretar, ouvido o Conselho do Govêrno, as providências indispensáveis para acudir a necessidades tam urgentes que não pudessem esperar pela decisão das Côrtes ou do Poder Executivo, devendo em ambos os casos ser submetidas às Côrtes.
Restaurada a Carta Constitucional, voltou-se ao regime anterior, mas aquela disposição foi depois consignada no artigo 15.º do Acto Adicional de 5 de Julho de 1852.
2. A reacção contra a unidade legislativa surgiu breve e conseguiu triunfar, admitindo-se por toda a parte o princípio da especialidade da legislação colonial, que a Constituïção de 1911 perfilhou no artigo 67.°. Com o tempo verificou-se aqui e noutros países que as leis especiais feitas na metrópole não realizavam inteiramente o fim pretendido, e isso se atribuíu ao facto de serem elaboradas por um órgão sem cultura profunda dos problemas coloniais, sem interêsse pela vida colonial e sem liberdade de decisão rápida para actuar nos casos urgentes, e então começou-se a dizer, e por toda a parte se aceitou, que a especialidade de legislação exigia a especialização dos órgãos legislativos.
Nesta ordem de ideas, embora timorata, a lei n.º 277, de 15 de Agosto de 1914, nas bases XIV, n.º 4, e XXVIII, deu ao governador da colónia, com voto afirmativo do Conselho do Govêrno, faculdades legislativas, sem aliás as designar como tais.
Mas a lei n.º 1:005, de 7 de Agosto de 1920, decidida e claramente estabeleceu a especialidade dos órgãos legislativos coloniais e dispôs no artigo 3.°: «Os diplomas não enumerados no artigo antecedente são da competência do Poder Executivo se respeitarem a providências gerais extensivas a mais de uma colónia ou dos govêrnos coloniais se respeitarem a providências restritas a colónias determinadas».
A competência legislativa dos govêrnos coloniais era subordinada ao voto dos conselhos legislativos e à sanção ou rejeição do Poder Executivo. Êste exercia a sanção por delegação do Poder Legislativo, que mantinha a faculdade de revogar os actos praticados pelo Govêrno no exercício de tal delegação.
3. O Acto Colonial manteve esta orientação. No artigo 25.° estabeleceu que «As colónias regem-se por diplomas especiais, nos termos dêste título». Mas a especialidade não se limita à essência das leis: vai até aos órgãos legislativos. Por isso entrega a faculdade de legislar, fora das matérias reservadas à Assemblea Nacional, ao Ministro das Colónias ou ao govêrno da colónia, com competência própria e não delegada. É um passo mais largo. O decreto-lei n.º 32:057, de 2 de Junho de 1942, regulou a competência legislativa do Ministro das Colónias quando se desloca para qualquer colónia. Essa competência reveste duas modalidades:
a) O Ministro pode legislar para a colónia em que se encontra;
b) Pode legislar para outra colónia. Neste caso exige-se:
1.° Que esteja autorizado pelo Conselho de Ministros;
2.° Ou que circunstâncias imperiosas o determinem, ficando, neste caso, as providências que adoptar, sem prejuízo da sua execução, sujeitas a confirmação do Govêrno.
De modo que, tudo considerado, são actualmente órgãos legislativos coloniais:
a) A Assemblea Nacional;
b) O Ministro das Colónias, efectivo ou interino;
c) O Ministro das Colónias, quando se encontre numa colónia;
d) Os govêrnos coloniais.
A proposta vem aumentar os órgãos legislativos, pois dá ao Govêrno, que a não tem desde o Acto Colonial, a faculdade de legislar para as colónias.
Postas estas considerações vejamos as emendas da proposta governamental no que se refere àquela competência. As alterações abrangem as matérias chamadas reservadas, as comuns à metrópole e colónia ou colónias, as relativas às colónias ou só a uma colónia.
4. O Acto Colonial reserva para a Assemblea Nacional a competência legislativa nos casos indicados no artigo 27.°. Só ela pode aprovar:
1.° Diplomas que estabeleçam ou alterem a forma de govêrno das colónias;
2.° Diplomas que abranjam:
a) Aprovação de tratados, convenções ou acordos com nações estrangeiras;
b) Autorização de empréstimos ou outros contratos que exijam caução ou garantias especiais;
Página 20
642-(20)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
c) Definição de competência do Govêrno da metrópole e dos govêrnos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos ou outras que envolvam exclusivo ou privilégio especial.
A esta disposição foi dado um § único, no qual se diz:
Em caso de urgência extrema o Ministro das Colónias, com voto afirmativo do Conselho do Império Colonial, em sessão por êle presidida, poderá legislar sôbre matérias a que se referem o n.º 1.° e as alíneas a) e b) do n.º 2.° do presente artigo, fora do período das sessões da Assemblea Nacional ou se esta não resolver o assunto no prazo de trinta dias, a contar da apresentação da respectiva proposta de lei.
Em caso de urgência extrema a Constituïção dá ao Ministro das Colónias competência para legislar sôbre as matérias indicadas.
No mesmo sentido dispõe a Carta Orgânica do Império Colonial Português (artigo 5.°).
A proposta introduz neste parágrafo uma alteração: transfere a competência da Assemblea para a Govêrno, e não para o «Ministro das Colónias», como até agora.
Não se dizem os motivos por que se propõe a alteração. É de crer que se pretenda entregar a competência ao Govêrno, por se tratar de entidade que, em virtude da alteração ao artigo 109.°, n.º 2.°, passa a ser um órgão legislativo ordinário.
Por outro lado, as matérias referidas na proposta são de alta importância e gravidade e é por isso conveniente que sôbre elas se pronuncie entidade da mais alta responsabilidade, como é o Govêrno. As matérias reservadas não exigem, em regra, estudo especializado. Referem-se a questões que devem estar no domínio de todo o homem de govêrno. Depois, nenhuma dificuldade nem embaraço resulta de se entregar ao Govêrno o exame e publicação de tais providências, uma vez que êste se pode reünir com maior facilidade.
5. A segunda modificação está na supressão, no mesmo parágrafo, do período «ou se esta não resolver o assunto no prazo de trinta dias, a contar da apresentação da respectiva proposta de lei».
A transferência da competência para o Ministro estava condicionada por dois elementos:
a) Urgência extrema;
b):
1.º Fora do período das sessões;
2.° No período das sessões, se a Assemblea não resolvesse o assunto no prazo de trinta dias, a contar da apresentação da respectiva proposta.
O n.º 2.° é suprimido e é de admitir a eliminação, pois não se deverá supor que, tratando-se de questão grave e urgente, a Assemblea não se pronuncie sôbre ela.
6. A competência legislativa das matérias não reservadas está determinada no artigo 28.º do Acto Colonial, que no corpo a reparte entre o Ministro e o govêrno da colónia, estabelecendo, nos n.ºs 1.º a 3.°, reservas à faculdade de legislar dos govêrnos coloniais.
Na proposta os números são respeitados e o § único passa a constituir um terceiro parágrafo.
As alterações dão-se no corpo do artigo e com o acrescentamento de mais dois parágrafos.
As alterações no corpo do artigo visam a repartir a competência legislativa entre os órgãos legislativos metropolitanos e coloniais. Para isso classifica as matérias em:
a) Matérias de interêsse comum da metrópole e de todas ou de alguma colónia;
b) Matérias de exclusivo interêsse das colónias. No primeiro caso a competência é atribuída aos órgãos metropolitanos e toma a forma de lei, decreto-lei ou decreto simples, qual no caso couber, nos termos da Constituïção.
Mas o diploma deverá conter a declaração de que tem de ser publicado no Boletim Oficial das colónias onde haja de executar-se.
No segundo caso a competência reparte-se entre o Ministro das Colónias e o govêrno da colónia, conforme o que dispuser a Carta Orgânica, mas com as reservas dos n.ºs 1.° a 3.º.
Na suposição de que a expressão «matérias de interêsse comum» quere significar que se trata de leis que se aplicam à metrópole e a uma ou mais colónias é de aceitar.
A proposta acrescenta ao artigo dois parágrafos: o primeiro impede a impugnação dos preceitos dos diplomas, com o fundamento de que não se respeitaram as regras da competência legislativa; o segundo manda que os diplomas legislativos do Ministro das Colónias tenham a forma de decretos promulgados e referendados nos termos da Constituïção, salvo no caso de aquele se encontrar em funções no território ultramarino, em que tem o nome de portaria ministerial. Parece, segundo a proposta, que deixam de existir os decretos-lei coloniais, que eram apenas assinados pelo Presidente do Conselho e Ministro das Colónias, mas depois de ouvido o Conselho do Império. A secção, se assim é, julga preferível manter o sistema actual em relação aos decretos que sejam aplicáveis sòmente no território ultramarino.
Tais são as alterações que se pretende introduzir nos artigos 27.° e 28.° do Acto Colonial, e com as quais a secção de Política e economia coloniais concorda.
II
7. A proposta de emenda ao artigo 40.° consiste na referência ao artigo 63.º da Constituïção, acrescentamento da palavra autorização e na supressão do § 3.°
Todas as alterações a êste artigo visam a modificar o regime actual dos orçamentos coloniais, o qual impõe a intervenção do Ministro na elaboração do orçamento. Esta intervenção, que se julgou necessária para pôr têrmo aos abusos que uma imprudente autonomia financeira tornou possíveis, tem-se revelado útil, pois é inegável a ordem financeira que actualmente existe em todas as colónias. Por isso a intervenção é de manter. O que se pode discutir é a sua forma.
Actualmente a intervenção faz-se através da aprovação — é um sistema único. A proposta cria uma outra modalidade: a autorização, mas mantém a anterior. E, assim, numas colónias vigorará o regime da aprovação, em outras o da autorização.
8. A nova modalidade pode justificar-se com os inconvenientes do regime actual revelados em relação a algumas colónias.
Para se executar o regime da aprovação os projectos de orçamentos são preparados nas colónias de modo a darem entrada no Ministério até 15 de Setembro anterior ao começo do ano a que dizem
Página 21
16 DE JUNHO DE 1945
642-{21)
respeito, e por isso as repartições têm de começar muito cedo a elaborar as propostas orçamentais, a fim de se organizar o projecto. Êste é depois submetido ao Conselho do Govêrno para discussão, mas, como tudo está dependente da revisão final do Ministério, o Conselho, em regra, limita-se a uma aprovação formal. O projecto é enviado para o Ministério cêrca de seis meses antes do início do ano económico respectivo, o que quere dizer que até à aprovação ministerial (8 de Dezembro) são contínuas as solicitações da colónia para a inscrição de despesas reputadas indispensáveis. Daqui os seguintes inconvenientes do sistema:
A previsão das receitas e despesas é feita a uma distância muito grande do período em que devem realizar-se; o Ministério tem de fazer a remodelação com propostas posteriores e longe dos serviços e do meio em que se actua; por último, os govêrnos coloniais e os respectivos conselhos podem considerar-se a si próprios menos responsáveis, atento o facto da futura revisão ministerial, e daí, porventura, menor interêsse na preparação do orçamento.
Êste sistema de organização dos orçamentos coloniais não oferece grandes inconvenientes nas pequenas colónias, sobretudo nas do Atlântico, por estarem próximas da metrópole, e, por conseqüência, pode manter-se em relação a elas. E deverá manter-se como possível para qualquer colónia, a utilizar em épocas de crise ou desordem financeira. Em relação às outras colónias pode-se admitir um sistema de maior independência e a que na proposta se chama de autorização.
9. O novo sistema consiste no seguinte: o govêrno da colónia elabora as bases do orçamento, submete-as ao Ministro das Colónias, que, com ou sem alterações, dará autorização ao govêrno da colónia para elaborar o orçamento. E assim os serviços da Fazenda poderão organizar as tabelas no mês de Dezembro, próximo da data da entrada em vigor, que poderá ser sempre no dia 1 de Janeiro.
Como a intervenção ministerial é menor, torna-se necessário que as entidades da colónia estejam em condições de organizar perfeitamente o orçamento. Por conseqüência, só nas mais adiantadas, de mais experiência financeira, o sistema deverá ser introduzido. Não se indicam na proposta as colónias em que deverá vigorar cada um dos sistemas, e compreende-se, pois tal indicação exige estudo prévio; e nem deverá incluir-se qualquer discriminação no Acto Colonial, dada a natureza instável de qualquer dos regimes. A alteração pode ter uma função educativa, mas, para que não traga grave prejuízo à vida financeira das colónias, parece a esta secção necessário que as bases a tomar em consideração sejam completas e elucidativas, de modo a fazer-se uma idea perfeita do plano financeiro e administrativo que se propõe, e, além disso, que haja uma fiscalização eficiente sôbre a forma de execução do orçamento por parte do Ministério das Colónias.
A secção de Política e economia coloniais concordou, portanto, com quási todas as alterações propostas pelo Govêrno, mas não sem notar que estas deveriam ter sido «mais amplas e profundas, indo porventura até à integração na Constituïção das disposições fundamentais relativas às províncias ultramarinas», terminologia esta que merece a aprovação da Câmara Corporativa, por considerá-la mais harmónica do que a palavra colónias, com a índole do Império Português.
A única alteração que se sugere visa o § 2.° do artigo 28.°, para dispensar, nos decretos-leis publicados no exercício da competência legislativa do Ministro das Colónias, a referenda de todos os Ministros, ao contrário do que acontece nos restantes decretos-leis.
Pretende-se, certamente, simplificar o processo de elaboração da obra legislativa colonial, garantindo, no entanto, a sua harmonia com a política geral do Govêrno mediante a referenda do Presidente do Conselho.
A Câmara Corporativa nada tem a opor.
Conclusão
Em conclusão, a Câmara Corporativa é de parecer que a proposta de lei n.º 110 deve ser aprovada, nos seguintes termos:
Constituição
Artigo 82.º (Como está na Constituïção).
Artigo 85.° A Assemblea Nacional é composta de cento e vinte Deputados, eleitos por sufrágio, directo ou indirecto, dos cidadãos eleitores, durando o seu mandato quatro anos.
§ 3.° (Como está na proposta).
Artigo 90.°...
§ 1.º...
2.º As nomeações por acesso, as promoções legais, a conversão em definitivos dos provimentos que, por fôrça da lei, inicialmente o não sejam e as nomeações para cargos equivalentes resultantes de remodelação de serviços.
3.° (Como está na proposta).
§ 2.° A verificação pela Assemblea ou seu presidente dos factos referidos nos n.ºs 1.º e 2.° dêste artigo tem os mesmos efeitos que a aceitação da renúncia.
§ 3.° (O § 2.° actual).
Art. 91.° (Como está na proposta).
Artigo 93.° (Alteração nova). Constitue, porém, necessàriamente matéria de lei, não podendo constar de decretos regulamentares:
1.° A organização da defesa nacional;
2.° A criação e supressão de serviços públicos;
3.° O pêso, valor e denominação de moedas;
4.° O padrão dos pesos e medidas;
5.° A criação de bancos ou institutos de emissão e as normas a que deve obedecer a circulação fiduciária;
6.° A organização dos tribunais.
Art. 94.° (Como está na proposta).
§ único. (Como está na proposta).
Art. 95.º A Assemblea Nacional funciona em sessões plenárias e as suas deliberações são tomadas à pluralidade absoluta de votos, achando-se presente a maioria do número legal dos seus membros, e pode organizar-se em comissões permanentes ou constituir comissões eventuais para fins determinados.
§ 1.° As sessões plenárias são públicas, salvo resolução em contrário da Assemblea ou do seu Presidente.
§ 2.° (Como está na proposta).
§ 3.° (Como está na proposta).
Art. 96.° (Como está na proposta).
Art. 97.° A iniciativa da lei compete indistintamente ao Govêrno ou a qualquer dos membros da Assemblea Nacional; não poderão, porém, estes apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receita do Estado criada por leis anteriores.
§ único. (O § 2.° da proposta, eliminando-se o § 1.°).
Art. 98.°...
§ único. (Como está na proposta).
Página 22
642-(22)
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 176
Art. 99.°...
§ único. (Como está na proposta).
Artigo 101.° (Como está na proposta).
Art. 102.°...
§ 3.° O disposto no artigo 89.° e seus parágrafos, com excepção da imunidade referida na alínea c), que subsiste emquanto durar o mandato, é aplicável a todos os membros desta Câmara quando ela se reünir em sessões plenárias e aos membros das secções e respectivos assessores durante o período de funcionamento efectivo destas.
§ 4.° (Novo, correspondente à parte final do § 3.º da proposta). As deliberações a que se referem as alíneas b), c) e d) do artigo 89.° serão substituídas pela autorização ou decisão do Presidente.
Art. 103.°...
§ 1.° (Como está na Constituïção).
§ 3.º (Como está na proposta).
Art. 104.° A Câmara Corporativa funciona em sessões plenárias ou por secções especializadas, podendo, neste caso, reünir-se duas ou mais secções ou todas elas, se a matéria em estudo assim o reclamar.
Art. 105.° O Govêrno poderá consultar a Câmara Corporativa sôbre decretos gerais a publicar ou propostas de lei a apresentar à Assemblea Nacional, determinar que o trabalho das secções prossiga ou se realize durante os adiamentos, interrupções e intervalos das sessões legislativas, e pedir a convocação de todas ou parte das secções para lhes fazer qualquer comunicação.
Artigo 109.°...
2.° Fazer decretos-leis, consultada a Câmara Corporativa, salvo em casos de urgência e nos de haver sido já consultado outro órgão legalmente competente, e aprovar as convenções e tratados internacionais, quando a urgência não consinta a aprovação pela Assemblea Nacional.
4.° (Como está na proposta).
§ 2.º (O § 4.º actual, como na proposta).
§ 3.° (O § 5.º actual, como na proposta).
§ 4.° (Como está na proposta).
§ 2.° Actual (Eliminado, como na proposta).
§ 4.° Actual (Eliminado, como na proposta).
Art. 110.º...
§ 2.º (Como está na proposta).
Artigo 116.º A função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais.
São tribunais ordinários:
1.° O Supremo Tribunal de Justiça;
2.° As Relações;
3.° Os Tribunais de Comarca;
4.º Os outros tribunais que tenham como órgão normal de recurso, em primeiro ou segundo grau, algum dos tribunais referidos nos números anteriores.
§ único. A lei pode todavia determinar que de certos tribunais haja normalmente recurso para os tribunais ordinários, sem prejuízo de aqueles terem a qualificação de especiais.
Art. 117.° (alteração nova). Não é permitida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes, excepto sendo estes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado. Bem assim não podem criar-se tribunais ordinários com essa competência exclusiva sem que haja, em todos os casos, efectivo recurso para os tribunais ordinários comuns.
Art. 118.º (alteração nova). O Estado é representado junto dos tribunais:
1.° Pelo Procurador Geral da República;
2.° Pelo Procurador da República junto de cada Relação;
3.º Pelo delegado do Procurador da República junto de cada tribunal de comarca;
4.º Pelos agentes do Ministério Público legalmente designados junto dos outros tribunais ordinários e dos tribunais especiais.
Artigo. 134.°...
§ 1.° A revisão pode ser antecipada de cinco anos, se fôr aprovada por dois terços dos membros da Assemblea Nacional em efectividade de funções, (elimina-se a parte final que se lê na proposta).
§ 2.° Os projectos ou propostas de revisão devem ser apresentados no prazo de quinze dias, contados daquele em que possa ter inicio a revisão constitucional, e serão enviados conjuntamente à Câmara Corporativa, que sôbre êles dará um só parecer, contando-se da lei de revisão o novo período de dez anos.
§ 3.º Se o prazo fixado no parágrafo antecedente terminar em data posterior à do encerramento da sessão legislativa, abrir-se-á novo prazo na sessão legislativa seguinte, salvo se a Assemblea houver sido convocada extraordinàriamente para proceder à revisão.
§ 4.° (O § 2.° actual).
Disposição transitória (como está na proposta).
Acto Colonial
Artigo 27.°...
§ único. (Como está na proposta).
Art. 28.° (Como está na proposta).
§ 1.° (Como está na proposta).
§ 2.° Os diplomas publicados no exercício da competência legislativa do Ministro das Colónias, salvo o caso de se encontrar em funções em território colonial, revestirão a forma de decreto promulgado pelo Chefe do Estado e referendado, também, pelo Presidente da Conselho.
§ 3.º (O actual § único, como na proposta).
§ 1.° (Como está na proposta).
§ 2.° (Como está na proposta).
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Secção de Política e Administração Geral, da Câmara Corporativa, em 16 de Junho de 1945.
Domingos Fezas Vital, (presidente e relator).
Gustavo Cordeiro Ramos.
João Serras e Silva.
José Gabriel Pinto Coelho.
Imprensa Nacional de Lisboa