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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61

ANO DE 1946 10 DE DEZEMBRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 61 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 9 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.

Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foram publicados dois suplementos ao Diário das Sessões n.º 60, que inserem: o primeiro, o parecer n.º 14 da Câmara Corporativa, sobre a proposta de lei n.º 96 (autorização de receitas e despesas para o ano de 1947), e o segundo, a distribuição pelas diversas acções, dos dignos Procuradores pertencentes ao agrupamento da Administração Pública.

SUMÁRIO:- O Sr. presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 59 e 60 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou que recebera dos Ministérios do Interior e da Economia, respectivamente, os elementos pedidos pelos Srs. Deputados Águedo de Oliveira e Formosinho Sanches, e da Presidência do Conselho a proposta de lei de reforma do ensino técnico e o respectivo parecer da Câmara Corporativa.
Foi negada, autorização para o Sr. Deputado Figueiroa Rego depor como testemunha perante o director da polícia judiciária.
O Sr. Deputada João do Amaral ocupou-se da representação enviada à Assembleia pelo escritor Alfredo Pimenta, acerca da sua, exoneração de sócio da Academia Portuguesa da História.
O Sr. Deputado Armando Cândido exaltou a figura do engenheiro Artur do Canto Resende, morto pelos japoneses em Timor.
O Srs. Deputado Carlos Mendes falou sobre o tricentenário da Padroeira e da vinda da imagem de Nossa Senhora de Fátima, a Lisboa. No mesmo sentido se pronunciou o Sr. Deputado Mendes de Matos.
O Sr. Deputado João do Amaral referiu-se à morte do jornalista, e dramaturgo Eduardo Schwalbach.
A Assembleia decidiu que o Sr. Deputado Amorim Ferreira não perdera o mandato pelo facto de ter sido nomeado director do Serviço Meteorológico Nacional.

Ordem do dia. - Começou a discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1917, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 13, acerca da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Finto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Fogueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.

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Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre aqueles Diários, considero-os aprovados.

Pausa.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

Da Cooperativa Portuguesa dos Proprietários, acerca da proposta de lei de autorização de receitas e despesas, de igual teor da que foi dirigida ao Sr. Presidente da Câmara Corporativa e publicada como anexo ao Diário das Sessões de 4 do corrente.

Exmo. Sr. Presidente do, Assembleia Nacional. - Excelência. - A direcção da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, com sede na cidade do Porto, vem solicitar, mais uma vez, a esclarecida e inteligente atenção de V. Ex.ª para o que, respeitosamente, passa a expor:
Esta direcção, num desejo sincero de trazer ao conhecimento de V. Ex.ª alguns elementos para uma possível solução do momentoso problema que circunda a situação económica dos proprietários do Norte de Portugal e, de um modo geral, dos de todo o País, pensa assim contribuir da melhor forma com uma colaboração que não é de todo o ponto irrecusável.
Assim, o problema que directamente afecta a situação económica do proprietário -nomeadamente do pequeno proprietário - abrange-o sob as duas formas de propriedade: urbana e rústica.
E, por ser momentoso o problema e por ser difícil a situação económica do proprietário, tem a Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, que os signatários representam e dirigem, efectuado diversas assembleias, onde tem sido debatida a difícil situação do proprietário, que toca quase os limites de precária, e enviado várias exposições ao Governo Nacional para que, com o seu alto poder, possa realizar uma solução satisfatória.
Desta maneira, quanto à propriedade urbana, seja-nos permitido transcrever a moção unanimemente aprovada em assembleia geral realizada nesta Associação em 15 de Novembro último, que é bem expressiva, define bem os legítimos direitos e caracteriza melhor a posição económica dos proprietários.
Por muito paradoxal que passa ser, a verdade é que, em consequência da desactualização das rendas - razão fundamental - e do agravamento com o custo dos materiais indispensáveis para obras e reparações nos respectivos prédios, os proprietários vêem-se na dura necessidade de contrair obrigações e encargos hipotecários.
E a moção diz assim:

Considerando que a Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, fundada, há cinquenta e oito anos, é composta na maioria por velhos proprietários e pelos descendentes daqueles, que, em tempos idos, à custa de sacrifícios sem conta e grandes economias, vêm construindo esta grande e leal cidade da honra e do trabalho, cujas habitações cada um teve em vista legar aos seus como garantia de um futuro de maior conforto, independentemente do orgulho de haverem concorrido para o engrandecimento da sua terra;
Considerando que essas mesmas habitações - as suas propriedades - se vêm arruinando dia a dia, por falta de receita para as indispensáveis reparações, e, o que é mais grave, delas se vão desapossando, por principiarem por hipotecá-las, para a seguir serem forçados a vendê-las para fazer face ao custo da vida;
Considerando que, como é óbvio, todo o habitante do País (com excepção, bem entendido, do

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proprietário urbano), uns mais outros menos, desde o carregador ao banqueiro, do operário ao industrial, do funcionário só comerciante, todos, enfim, vêem aumentar as suas receitas, como é de elementar justiça, tendo em vista o agravamento da vida;
Considerando ainda que o aumento das rendas está no espírito de toda a gente, inclusive dos próprios inquilinos, que dia a dia aguardam que o Governo decrete em tal sentido, sem o que não se julgam obrigados;
Considerando, enfim, a crítica e insuportável situação do proprietário urbano, a Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, reunida na sua sede em assembleia geral extraordinária para este fim convocada, propõe:
Que à direcção sejam dados plenos poderes para que seja intérprete perante os Poderes Públicos nesta magna assembleia, a quem enviará uma cópia da presente moção, e perante quem insistirá pela justiça da nossa causa, que de momento se resume na aprovação do anteprojecto por escalões, oportunamente dirigido a S. Exas. os Srs. Presidente do Ministério, Ministro da Justiça e Ministro das Finanças.

Quanto à propriedade rústica e, portanto, aos seus proprietários, também o problema reveste equidade, devendo ser-nos lícito evidenciar aqui os seus principais aspectos:
Expropriações. - Aos terrenos ou imóveis a expropriar seja dado o seu justo valor e pagos não por um valor irrisório, como se tem feito, e, além disso, que se proceda a esse modo de aquisição de propriedade não como processo de realização de lucros para a entidade expropriante, mas ùnicamente com o fim de utilidade colectiva.
Urbanizações. - Quando qualquer proprietário seja obrigado, por razões de urbanização, a realizar a reconstrução de qualquer prédio, considerarem-se os arrendamentos caducados, ficando, porém, o inquilino em futuro arrendamento com o direito de opção.
Avaliações. - Quando haja necessidade de se proceder a esta diligência, sejam nomeadas pessoas de idoneidade reconhecida, evitando-se assim verdadeiros absurdos pela disparidade de valores que são atribuídos, como presentemente sucede em construções novas, aluguéis actualizados, onde preside a ausência de qualquer critério.
Policiamento rural. - Impõe-se a criação de uma polícia rural, destinada à vigilância aldeã, evitando-se as depredações de que é objecto a propriedade rústica, tanto por ocasião das suas colheitas e arborização como pelos prejuízos causados pelo gado caprino, etc.
Tabelamentos. - Os preços a fixar à produção agrícola devem ser estabelecidos de maneira a dar uma justa compensação ao produtor, inclusive aos vinhos, cultura demasiado cara, o que será a melhor forma de conseguir o aconselhado «Produzir e poupar», devendo tender-se para a normalidade do plantio da vinha, terminando-se lentamente com a sua restrição.
Distribuições pelos prémios. - A distribuição do arame destinado à reparação de bardos e ramadas seja feita segundo as carências justificadas de cada um, e não na base viciada de dar mais a quem mais vinho produz.
Os grémios devem estar habilitados com a necessária batata de semente, para que a possam distribuir em devido tempo e não aconteça como no ano transacto, que garantiram a entrega que não efectuaram, obrigando o lavrador a toda a sorte de sacrifícios.
Lenhas e pinhais. - Sendo do conhecimento público que são quase nulas as quantidades de lenha a requisitar no próximo ano, dever-se-ia distribuir a requisição por todos os proprietários ainda não atingidos e fixar por uma nova revisão os fornecimentos, não sacrificando, como até aqui, os localizados junto de transportes fáceis.

Em face deste esboço facilmente se verifica a urgente necessidade de, mediante medidas salutares a tomar, conseguir uma situação de equidade e de justiça, pelas quais, sem prejuízo dos direitos do inquilino, se actualize e melhore a situação económica do proprietário, restabelecendo-se as relações económicas entre inquilinos e senhorios, e, desse modo, se termine com esta situação anómala e precária, que, como acabamos de expor, afecta os legítimos direitos do proprietário do prédio rústico e urbano.
Esperando confiados no alto critério e inteligente espírito de V. Ex.ª e com os protestos da mais eleva d n consideração e respeito, subscrevesse
A bem da Nação.
Porto, 4 de Dezembro de 1946. - Em nome da Direcção, Júlio Pereira do Amaral Júnior, secretário.

Cópia ao anexo sob o regime de excalões que a Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte, de Portugal, com, sede na Praça da Batalha, 122. 2.º, desta cidade, enviou juntamente com uma representação, em 27 de Março de corrente ano, a S. Exas. Srs. Presidente do Conselho, Ministros da Justiça e das Finanças:

1.º É permitido aos proprietários e usufrutuários de prédios urbanos arrendados para habitação, em regime de protecção ao inquilino, elevar as respectivas rendas, multiplicando-as, pelos seguintes factores:

a) Arrendamentos celebrados até 31 de Dezembro de 1918 - 40 vezes.
b) De 1 de Janeiro de 1919 até 31 de Dezembro de 1925 - 20 vezes.
c) De 1 de Janeiro de 1926 até 31 de Dezembro de 1939 - 3 vezes.
d) De 1 de Janeiro de 1940 até 31 de Dezembro de 1942 - 2 vezes.

2.º É permitido aos proprietários e usufrutuários de prédios rústicos ou urbanos arrendados ou aplicados pelos arrendatários a fins comerciais ou industriais ou ao exercício de profissões liberais, em regime de protecção ao inquilino, elevar as respectivas rendas, multiplicando-as pelos seguintes factores:

a) Arrendamentos celebrados até 31 de Dezembro de 1918 - 60 vezes.
b) De 1 de Janeiro de 1919 até 31 de Dezembro de 1925 - 30 vezes.
c) De 1 de Janeiro de 1926 até 31 de Dezembro de 1939 - 4 vezes.
d) De 1 de Janeiro de 1940 até 31 de Dezembro de 1943 - 3 vezes.

§ único. O disposto neste artigo é aplicável aos prédios arrendados, ao Estado, corpos administrativos e organismos corporativos.
3.º Quando a data do título do contrato não corresponder, por qualquer motivo, à data em que teve início a ocupação do locatário, e ainda que do título conste renda superior à primitiva, a elevação terá lugar em função da data e renda iniciais do contrato, se o senhorio assim o pretender.
§ 1.º No caso de ter havido transmissão a título gratuito ou oneroso, no direito ao arrendamento incluindo

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a operada por efeito de 1 raspasse, atender-se-á, querendo o senhorio, à data em que o contrato teve início com o primitivo arrendatário.
§ 2.º O disposto no corpo deste artigo é aplicável ao caso de ter havido alteração da renda por efeito de mero acordo verbal.
4.º A elevação da, renda deve ser comunicada ao arrendatário com trinta dias de antecedência, por meio de carta registada, com aviso de recepção.
§ único. A comunicação considera-se feita mesmo que a carta seja devolvida por o arrendatário se recusar a recebê-la ou por não ser encontrado no prédio arrendado.
5.º A elevação exigida pelo senhorio é havida por aceita se o arrendatário nos dez dias seguintes à expedição da carta não declarar a sua discordância, justificando-a por meio de carta registada, com aviso de recepção, dirigida ao senhorio.
6.º No caso de divergência entre senhorio e arrendatário sobre o montante da elevação, o senhorio requerem em juízo e fixação da nova renda, fundamentando o pedido. Seguir-se-ão, seja qual for o valor, os termos do processo sumaríssimo e da sentença não haverá recurso.
7.º Decidida a acção proposta nos termos do artigo anterior, o arrendatário deve efectuar, dentro de quinze dias, o pagamento do que for devido ao senhorio nos termos da sentença proferida, sob pena de despejo imediato, que pode ser requerido no próprio processo e que o juiz ordenará se o arrendatário, previamente notificado, não fizer a prova do pagamento em tempo oportuno.

Cartas

De António Augusto de Almeida queixando-se contra o facto de em algumas secções de finanças se exigirem aos funcionários horas extraordinárias de trabalho, que não são pagas.
Do Sr. Deputado Luís Vieira de Castro agradecendo o voto formulado pela Assembleia Nacional quanto às suas melhoras.

Telegramas

Da Junta de Província do Algarve protestando contra a alusão contida no aviso prévio do Sr. Deputado Nunes de Figueiredo acerca do pedido das juntas de província para criação das escolas do magistério primário.
Do governador geral da índia, transmitido por intermédio do Gabinete de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, do seguinte teor:

«Tomei conhecimento moção votada Assembleia Nacional que imprensa local reproduziu com relevo.
Antes mesmo transmiti-la conselho govêrno que tenciono convocar para este efeito rogo V. Ex.ª favor transmitir Assembleia Nacional minha calorosa saudação com homenagem e agradecimento».

O Sr. Presidente: - O Sr. Dr. Santos Bessa, tendo tomado conhecimento definitivamente pelo Diário das Sessões da decisão tomada sobre a sua situação parlamentar, encarrega-me de exprimir à Câmara a sua mais elevada consideração e a sua gratidão pelas deferências recebidas da Presidência. Recordo à Câmara que ao dar conhecimento à Assembleia da decisão que proferira sobre a situação criada ao Sr. Deputado Santos Bessa eu exprimi, com aprovação da mesma Assembleia, o pesar de todos nós por nos vermos privados da colaboração e camaradagem do mesmo Sr. Deputado.
Informo a Assembleia de que estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira, a quem vão ser entregues.
Estão igualmente na Mesa os elementos requeridos polo Sr. Deputado Formosinho Sanches, que acabam do ser fornecidos pelo Ministério da Economia. Estes elementos vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Comunico à Assembleia que, no intervalo das sessões, recebi do Sr. Presidente do Conselho a proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico e o respectivo parecer da Câmara Corporativa. Dei ordem para serem impressos e distribuídos à Assembleia. Vão baixar à Comissão do Educação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um oficio do director da polícia judiciária de Lisboa pedindo autorização para o Sr. Deputado Figueiroa Rego poder depor, como testemunha, amanhã.
Tendo ouvido este Sr. Deputado, S. Ex.ª informa que não julga conveniente ser autorizado a depor antes das férias do Natal, por desejar tomar parte nos debates que vão efectuar-se nesta Assembleia.
Dou esta informação à Câmara para sen esclarecimento; mas a Câmara decidirá na consulta que vou submeter-lhe. Friso, porém, que o silêncio da Câmara será interpretado como recusa da autorização.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização pedida.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: li no último número do Diário das Sessões a representação que o escritor Alfredo Pimenta dirigiu à Assembleia protestando contra a demissão que lhe foi imposta pela Academia Portuguesa da História, à qual pertencia como sócio de número.
Penso que a violação dos direitos do escritor Alfredo Pimenta não pode considerar-se definitivamente consumada, porque creio que ele tem recurso para os tribunais, e suspeito mesmo que, tendo a admissão de sócios de número da Academia Portuguesa da História de ser homologada pelo Governo, a exclusão de um desses sócios não prescinde, naturalmente, de qualquer forma de homologação, o que quer dizer que a questão não atingia ainda o grau definitivo de inseparabilidade que justifica o uso do direito constitucional de representação.
Mas acho bem, Sr. Presidente, que V. Ex.ª tenha dado audiência ao protesto do Sr. Alfredo Pimenta, porque penso que bem o merece a fidelidade desassombrada e corajosa com que ele defende os postulados fundamentais de uma ordem social que todos aqui defendemos.
Não importa, evidentemente, o juízo que cada um de nós forme sobre as suas atitudes de polemista e critico literário.
Por mim, que aproveito este ensejo para lhe prestar uma homenagem pública de apreço, devo dizer que não concordo com muitas dessas atitudes e aproveito também a oportunidade para dizer que uma delas me atingiu já, a atitude de desrespeito com que julgou a obra e a personalidade de António Sardinha, meu amigo, meu camarada, meu mestre.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas não é com base na maneira como cada um aprecia as pessoas e julga os acontecimentos de política interna ou externa que se constrói a desinteressada solidariedade dos homens que prestam culto às ideias, mas sim na comum eleição que eles fazem de certas ideias, de certos valores espirituais; para a prática desse culto, a firmeza e o desassombro com que as servem sob esse aspecto, Alfredo Pimenta é um exemplo. Não houve nunca interesse material, não houve nunca compromisso efectivo, não houve nunca ambição, não houve

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nada que conseguisse jamais corromper a sua probidade mental, nesta feira franca do elogio mútuo e do compadrio que é a vida literária portuguesa, nunca a sua inteligência lucidíssima, aparelhada com uma cultura filosófica e histórica excepcional, traficou com as ideias.
Por tudo isto, o facto de a Academia Portuguesa da História ter excluído Alfredo Pimenta do seu seio, com a invocação de uma generalidade de disposições estatutárias que implica, cavilosamente, a atribuição ao mesmo escritor de mau comportamento público, moral e civil, leva-me a pensar, Sr. Presidente, que ela preza ainda menos a sua dignidade do que a dignidade alheia; quanto a mim, de hoje por diante julgo prudente descrer da História feita por tal Academia da História.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: sempre tive o maior interesse em conversar com esses rústicos que não respiram as poeiras do Mundo e não trazem, nos olhos, outra névoa dourada que não seja a das suas aspirações ingénuas.
São como as árvores de Tagore - não deformam a verdade.
Um dia, sentado na soleira de basalto ilhéu, onde costumava, nesse, tempo, encontrar dois amigos puros, ouvi estas palavras que não me passaram: já não há quem se deixe matar pelo bem de todos.
Sr. Presidente: eu já devia ter trazido à Assembleia Nacional o nome do engenheiro Artur do Canto Resende. Foi quando outras vozes se ergueram aqui e falaram de Timor.
Tinha presente o sorriso habitual da sua face sempre aberta aos rumos claros e às atitudes cavalheirescas; não perdera o toque do seu coração, sempre dado às amizades sinceras e à largueza bondosa; não esquecera o timbre da sua alma, sempre longe dos interesses mesquinhos e das paixões vis; não varrera de mim a lembrança do homem leal e destemido, mas, cumprindo-me tratar da sua memória, eu que conhecia as asas da sua vida, tão cheia de sonhos generosos, tinha gosto em poder seguir-lhe os voos no espaço vencido e na luz conquistada.
Para mim, uma das surpresas da última guerra foi a de os japoneses não terem sufocado o instinto para deixarem trabalhar a inteligência. Nem, ao menos, o verniz de uma civilização digna de qualquer nova ordem e da razão de se ser gente num mundo com as vinte luzes de vinte séculos.
Quando penso em Timor e na reafirmação de Portugal tirada de mais um sacrifício de sangue, não sei se devo maldizer a sorte por nos ter ferido ou louvar o destino por ter reconhecido em nós capacidade de sobrevivência.
A nossa História tem destes fundos de tragédia para realce do significado de Pátria.
Os invasores não empregaram só o método selvagem do assalto à fazenda alheia e do desprezo pela vida dos vencidos; usaram a mesma duplicidade de atitudes com que outros desejam agora confundir e perturbar o nosso tempo.
Dizendo-se amigos dos portugueses, incitavam contra nós as hordas indígenas do Timor holandês.
Apregoando tolerante respeito pela bandeira das quinas, ateavam, na sombra, o incêndio que a deveria queimar, de vez, no Oriente.
Calcada a nossa autoridade, lacerada a nossa disciplina, a vida em Timor tornou-se angustiosa.
Incapaz de se conter, por muito tempo, dentro da mesma ventura, utilizando a vida como um dom que se restitui, Artur do Canto era um eterno cavaleiro de ímpetos indomáveis, sempre em demanda de mais riscos e do mais perigos.
Como sempre, não mede o sacrifício pessoal, aceita, na hora mais difícil, o cargo de administrador de Dili, afronta com nobreza o cinismo do intruso, protege com galhardia a vida e a honra dos seus compatriotas, bate-se com as armas da razão e da coragem, luta a toda a hora e põe tal desassombro e virtude na sua acção, que o riso amarelo do Sol Nascente chegou a parar diante do herói.
E é medir-lhe a grandeza: à sua volta há gente que não tem que vestir - faz um monte com as suas roupas e dá-as aos necessitados.
Direita ao fundo da alma, vê a miséria dos que não têm que comer: abre a sua bolsa e dá-lhes, em dinheiro, tudo quanto pode.
Até mesmo quando o levam para a ilha de Alor e o matam, dia a dia, num campo de prisioneiros, quem se despoja da sua aliança de casamento para que em troca todos obtenham algum milho são é o engenheiro Artur do Canto.
Sr. Presidente: comparando o nada do que se possui com o nada do não querer, o padre António Vieira notou que este nada encerra maiores riquezas.
O homem que no dia 24 de Fevereiro de 1945 foi a enterrar na «ilha maldita» do mar da Sonda, descalço e quase nu, tem direito ao prémio do seu não querer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Além da paga do céu, nós, que não sofremos os insultos que o vexaram e as penas que o torturaram, é que temos de lhe dar neste Mundo a justa recompensa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O rosário por onde o engenheiro Artur do Canto Resende rezou antes de morrer foi feito pelas suas mãos em madeira da terra onde fechou os olhos para sempre. Tinha uma conta a mais esse rosário tosco, por causa de uma promessa que fizera.
Seja essa conta a mais do rosário do engenheiro Canto para nós, para a nossa promessa de sermos em tudo dignos do culto que lho devemos, no qual há-de figurar, estamos certos, o carinho oficial pelos que deixou som bens materiais, os bens que em seu poder tanto serviram para provas de nobreza e actos de caridade.
Ao desembarcarmos - conta o padre Aníbal Bastos, capelão das forças expedicionárias que reocuparam Timor- um nome andava na boca e no coração de toda a gente, de toda aquela pobre gente que tão prolongada e dolorosamente suportara o domínio estrangeiro.
Proferiam-no com respeito os velhos, quase o rezavam as criancinhas, e todos, quaisquer que fossem os seus sentimentos religiosos ou a sua ideologia política, protestavam abertamente o seu respeito, a sua gratidão e a sua saudade por aquele que tão bem e tão heroicamente soubera personificar o verdadeiro sentimento português.
E naquela memorável manhã em que se comemorava o primeiro aniversário da sua trágica morte eu vi nas lágrimas e nos suspiros de toda aquela multidão que se comprimia dentro da desmantelada igreja de Mataele que, de entre os mártires de Timor, o primeiro, o maior de todos, fora o engenheiro Artur do Canto Resende».
Sr. Presidente: Artur do Canto, como nós, os vizinhos de berço o conhecemos, nasceu em Vila Franca do Campo, na ilha de S. Miguel.
Nasceu numa vila reedificada sobre escombros.
Na base estão os soterrados do terramoto de 1022.
Há ossos de mártires nos alicerces da vila renascida.

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Não admira que desse chão só levante um mártir!
Recordo as palavras que ouvi sobre a soleira de basalto ilhéu, e, graças a Deus:
Ainda há quem se deixo matar pelo bom de todos o pelo bem do Portugal!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Mendes: - Sr. Presidente: a Assembleia Nacional, um dos órgãos da soberania, não deve estar à margem dos acontecimentos de relevo nacional.
E, cônscia da sua missão política, exuberantemente o tem mostrado, focando-os com entusiasmo, com fé e com verdadeiro ardor patriótico.
Por terras de Portugal um desses acontecimentos tem arrebatado a grande maioria, quase a totalidade, de portugueses, que acima de tudo prezam as suas tradições cristãs e patrióticas.
Quero referir-me às comemorações do tricentenário da proclamação de Nossa Senhora como Padroeira de Portugal.
Desde os primórdios da nacionalidade Portugal e Terra de Santa Maria.
Afonso Henriques, depois de ser aclamado e levantado como rei, oferece à Virgem Mãe do Dons, Senhora Nossa, o seu Reino o vassalos, colocando-se sob a sua protecção e amparo em sinal de feudo o vassalagem, ficando a atestá-lo em Guimarães a igreja de Santa Maria da Oliveira.
E esse Padroado tem se mantido através do toda a nossa nacionalidade.
Santa Maria das Vitórias, na Batalha, seguw-se a Aljubarrota.
Santa Maria de Belém marca o período áureo das descobertas.
Nossa Senhora da Conceição do Vila Viçosa a nossa independência.
Foi precisamente há três séculos que o Rei Senhor D. João IV, estando ajunto em Cortes com os Três Estados do Reino» renovou a sua vassalagem à Padroeira de seus Reinos e Senhorios, a Santíssima Virgem, Nossa Senhora da Conceição, colocando a seus pés a sua própria coroa, para que tivesse continuidade o seu preito de vassalagem.
Em todos os recantos de Portugal são aos milhares as igrejas e capelas, sob as mais variadas invocações, a atestarem o Padroado da Virgem.
Quando a nacionalidade, presa de uma demagogia aviltante, agonizava quase à beira do abismo, na montanha sagrada de Fátima a Virgem aparece a confirmar o seu Padroado, comprometendo à gente portuguesa que a não esquecia nem abandonava».
A Virgem cumpre a sua promessa.
O exército, num impulso do mais levantado patriotismo, em Braga, terra das mais puras tradições cristãs, inicia a Revolução Nacional durante um congresso mariano. E começa um novo período de glória para a nacionalidade.
O horizonte aparece depois carregado de nuvens pesadas.
O Mundo transforma-se numa horrorosa carnificina e por vezes esteve planeado o assalto para nos envolver, mas no meio da procela a paz na nossa Terra continua inalterável: ora o auxílio da Providência, através da nossa Padroeira, que não esquece a sua Terra.
E este ano, no tricentenário do sen Padroado, a alma de Portugal, ajoelhada em júbilo, tem clamorosamente mostrado o seu reconhecimento e gratidão por aquela que nunca o esqueceu.
Em 13 de Maio, na montanha sagrada de Fátima, foi essa apoteose de Fé, cuja grandeza indescritível impressionou e arrebatou os que a ela puderam assistir.
Foram algumas centenas de milhares de portugueses que, em Cortes Gerais, quiseram prestar homenagem à Padroeira, coroando-a como símbolo de sua gratidão e vassalagem.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, lá esteve, certamente, e muito bem, para afirmar que não deveríamos estar à margem de acontecimento de tão formidável projecção.
Depois foi Évora, a cidade-museu de arte e de tão altas tradições, organizando o Congresso Nacional Mariano, lição magistral a cantar as glórias da Virgem e a enaltecer as suas benemerências para connosco, com um profundo relevo cultural, que lhe foi dado por um notável escol de notabilidades da nossa torra.
Congresso que foi encerrado no solar fidalgo de Vila Viçosa aos pós da Padroeira, que o Santo Condestável entronizou no seu castelo o D. João IV coroou Rainha de Portugal.
Momento inolvidável aquele em que todo o nosso Venerando Episcopado, para quem vão os meus mais enternecidos respeitos de muita admiração, depositou o óbulo de vassalagem aos pés do Nossa Senhora da Conceição.
Agora é essa romagem de lágrimas o sorrisos, do flores e sacrifícios, que, por terras de Portugal, vai fazendo a Virgem Senhora Nossa de Fátima.
Como é bela e de encanto a alma de Portugal!
Sento-se, em lágrimas, a dedicação sacrificada de todos os que acorrem, confiadamente, junto ao andor da Virgem.
Espectáculo único de ordem, de disciplina, do fé.
O que nestes dois dias se passou em Lisboa sente-se com comoção, mas não se descreve.
É a terra de Santa Maria vibrando as suas indeléveis tradições cristãs e portuguesas.
Grande povo, desponta de uma geração que se quer redimir, dando ao Mundo, revolto em ódios, um espectáculo impressionante de paz e amor.
Daqui o saúdo num grande preito de admiração pelas suas virtudes rácicas.
À Virgem Padroeira de Portugal, com as minhas saudações, o pedido de que na sua passagem espalhe bênçãos que frutifiquem em benefícios de união, de paz e de bem-querer na terra portuguesa.
E seja-me permitido, Sr. Presidente, exprimir ao Governo da Nação o voto de que, como no congresso em Évora se formulou e votou, sejam revistos os feriados, ajustando-os às tradições nacionais e religiosas da Nação.
As calorosas manifestações a que vimos de nos referir e a que os altos poderes do Estado se associaram ontem na empolgante cerimónia, esplendorosa do riqueza liturgica, a que assistimos na Sé Metropolitana do Lisboa são a garantia de que assim deverá ser.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para me associar às palavras de ilustre orador que me precedeu. Se bem entendi, em suas partes distintas elas podem considerar-se: uma sugestão, no sentido de o Governo rever o problema dos feriados nacionais, e uma homenagem à Padroeira da Nação Portuguesa pelo fecho glorioso das festas tricentenárias, com tão luzido brilho celebradas em todo o País.
Aplaudo calorosamente essa sugestão, porque ela responde a um clamoroso imperativo do interesse nacional. Não precisa de ser justificada ou defendida. Ela

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recebeu a consagração popular que lhe deram as grandiosas manifestações a que se associou tão eloquentemente o povo da capital do Império. Uma dúvida, no entanto, poderá surgir. Será o problema que essa sugestão envolve compatível com o regime de separação previsto na Constituição Política? A dúvida não tem fundamento algum. Ninguém como nós quer e exige a independência completa das duas soberanias, ninguém como nós deseja e reclama que ambas vivam com inteira autonomia na esfera das suas actividades próprias. Mas independência não significa mútuo alheamento ou recíproca indiferença. Traduz apenas aquela leal compreensão e a união moral impostas pela natureza mesma das realidades que afectam uma e outra. As realidades católicas não são abstracções no espaço; são realidades vivas que abarcam o homem todo, que é um ser naturalmente social e político.
Por seu lado, as realidades políticas, como realidades humanas, consideram o homem como ele é na plenitude da sua personalidade, e por isso não podem desconhecer o que no homem há de mais humano, que é a sua vida religiosa. O próprio Estado, como pessoa moral que é, tem deveres religiosos, embora só tenha os direitos religiosos inerentes no cumprimento daqueles deveres. Assim o entendem alguns dos maiores Estados do Mundo, promovendo dias oficiais de oração e de penitência nacionais.
Nem podia ser de outro modo. A finalidade primária, do Estado é estabelecer, assegurar e aperfeiçoar a ordem e a disciplina, sociais. Mas a disciplina implica uma hierarquia, a hierarquia uma dependência, e não há dependência, justificada, humana, racional que se não fundamente, próxima ou remotamente, na dependência, de Deus. Aqueles mesmos que combatem esta doutrina, julgando que ela inferioriza o homem, se desmentem na prática, pois que todos os regimes totalitários começam por divinizar o Estado para justificarem a obediência, que impõem aos súbditos. Se, com efeito, a autoridade é uma superioridade que gera a obediência, não há obediência que não suponha uma autoridade transcendente.
Bem sei, Sr. Presidente, que não falta quem, ao ouvir-nos expor e defender esta doutrina, nos acuse de defensores de uma condenável teocracia política, mas sabemos também que o fazem não para combater essa teocracia, que não existe, mas para nos impor uma teocracia abominável, que está fazendo caminho em povos de tradições e civilização opostas à nossa. Nós não queremos uma teocracia, no sentido político do termo, porque a julgamos prejudicial aos direitos de Deus e do Estado; com maioria de razão nós repelimos toda u forma de a teocracia, por oposta à compleição nacional, lesiva da nossa dignidade, destruidora das liberdades individuais e colectivas, nefasta aos supremos interesses da Nação.
Filhos e agentes de uma civilização que levou aos povos a glória da liberdade, não queremos ser escravos na nossa terra nem em terra alheia.
Posta a questão neste plano, não nos parece que o regime de separação previsto na Constituição Política impeça, de qualquer forma, esta Assembleia de resolver, dentro das suas funções normais, o problema, aqui trazido pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Mendes.
Trata-se, afinal, não de um facto exclusivamente religioso, mas de um projecto verdadeiramente nacional.
Pelo que toca à homenagem prestada por S. Ex.ª à gloriosa Padroeira, a ela me uno efusivamente. Fica bem à Assembleia associar-se-lhe também, porque exprime o sentido de toda a Nação.
Com justificada visão desta realidade se dignaram o digno Chefe do Estado, o Governo e o corpo diplomático honrar com a sua presença o solene Te-Deum ontem cantado na Sé de Lisboa; bem o compreendeu o povo da capital, com a agudeza do seu instinto, quando, ao realizar-se a entrada da imagem da Padroeira na Sé catedral, após uma grande manifestação de entusiasmo patriótico, cantou o hino nacional, significando que entrava a Rainha do Céu, que é também Rainha de Portugal. Essa multidão não representava apenas a maioria da população de Lisboa, mas a imensa maioria da Nação inteira.
O Chefe do Governo disse há pouco que se não governava contra a Nação, e aquelas manifestações constituíram um autêntico plebiscito.
Disse ainda que as grandes linhas da nossa construção política têm a sua inspiração na história, na tradição, no temperamento, na grande realidade portuguesa. Que realidade há aí mais portuguesa, pelo sentido e pela continuidade, do que o Padroado de Nossa Senhora?
Quando D. João IV proclamou Nossa Senhora Padroeira de Portugal não cumpria apenas um voto feito numa hora solene e grave da vida nacional; exprimia, consagrava, cinco séculos de história, toda a história da Nação. O ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Mendes expôs, a traços largos, os lances mais expressivos dessa história. Mas a Padroeira não interveio apenas nos lances da história, foi também a muralha de aço contra a qual se partiram as investidas protestantes, defendendo assim a nossa personalidade histórica. Agora mesmo a nossa independência encontra nela forte e eficaz defesa, porque os princípios que nela fulguram constituem a mais sólida barreira contra as vagas de barbarismo que rolam outra vez dos escuros confins asiáticos. Nela se criou a nossa vocação nacional e por ela se continua ainda nesta hora solene. A explosão de Fátima, lançando por todo o Mundo clarões de luz e de graça, leva consigo o nome de Portugal. Muito deve o prestígio do Portugal à actuação patriótica e clarividente do Governo, mas não podemos esquecer que nela concorreu essa explosão miraculosa. A glória da Padroeira outra vez a afirmar a glória de Portugal.
A revisão do problema dos feriados nacionais ficará também como afirmação perene da glorificação da Padroeira.
Mas por outros motivos essa revisão se impõe. Ela vem dar satisfação aos direitos da consciência nacional, consignados na Constituição e na Concordata com a Santa Sé. Depois oferece a solução de um problema nacional ainda em suspenso.
Há datas religiosas que são autênticas datas nacionais, há feriados nacionais que perderam talvez um tanto do carácter político que os ditou e há datas nacionais que não são feriados nacionais. Estão no primeiro caso os dias 8 de Dezembro elo de Agosto, ligados a grandes datas da Nação. Está entre as últimas o 28 de Maio. Precisa, na verdade, de ser revisto este problema, e creio que a Câmara não lhe negará o trabalho necessário a uma solução ajustada à doutrina da Constituição e ao sentido da Concordata. Espero trazer a esta Assembleia, em breves dias, um projecto do lei neste sentido. Tenho confiança em que a Assembleia o acolherá com benevolência, interpretando, como costuma, o sentimento da Nação, à qual prestará desta maneira mais um alto e assinalado serviço.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não concederia hoje a palavra a mais nenhum orador antes da ordem do dia, para entrarmos já na discussão da proposta de lei de autorização

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de receitas e despesas para o ano de 1947, se o Sr. Deputado João do Amaral a não tivesse pedido sobre um assunto cuja oportunidade é a desta sessão. Como V. Ex.ªs sabem, um doloroso acontecimento enlutou os letras nacionais: faleceu o ilustre escritor Eduardo Schwalbach. Ora o Sr. Deputado João do Amaral deseja, assinalando o facto nos registos da Câmara, prestar-lhe a devida homenagem, no que certamente é acompanhado por todos nós.
Por isso, e não obstante o Sr. Deputado João do Amaral já ter hoje usado da palavra sobre outro assunto, lha concedo novamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado João do Amaral.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª que me tenha concedido a palavra pela segunda vez para cumprir um dever muito grato ao meu coração.
Há pouco pedi a palavra para prestar justiça a um vivo.
Um grande poeta, Heine, diz-nos que dos vivos não se deve dizer senão mal, já que, de acordo com a sentença antiga, dos mortos se não deve dizer senão bem: de mortuis nihil nisi bene ...
Como V. Ex.ª, Sr. Presidente, verificou, eu disse bem de um vivo. Não é, portanto, por atenção a esse velho ditame, de que dos mortos não se deve dizer senão bem, que pedi a palavra para prestar profunda e comovida homenagem a um grande escritor morto, Eduardo Schwalbach, que acaba de ser sepultado no cemitério dos Prazeres.
Foi uma personalidade bem representativa do século XIX, em que as inteligências melhor dotadas primavam em enfeixar na mesma curiosidade universal de cultura e de acção as ciências e as artes, a política, a boémia e a luta.
Morre com ele mais de meio século da vida portuguesa; de uma vida portuguesa que conheceu horas extremas, desde a pantanosa quietude da regeneração, até às convulsões trágicas da guerra civil; em que as formas da actividade filosófica e da expressão artística evolucionaram também entre concepções extremas.
A obra e a personalidade de Eduardo Schwalbach não reflectem essas perturbadas transformações. A sua vasta galeria de tipos anota o traço caricatural das gerações. A sua obra é um grande documentário, onde têm lugar, lado a lado, a representação fotográfica das deliquescências de uma sociedade diligente e as reacções da sensibilidade popular.
Eduardo Schwalbach foi um escritor indiferente ao preciosismo das especulações psicológicas e das formas artísticas de expressão. Mas, talvez por isso mesmo, por causa da sua inegável objectividade, a sua obra de dramaturgo obteve sempre a compreensão e o aplauso das plateias populares.
Como jornalista, foi dos primeiros nesse doloroso mister, em que os melhores talentos se consomem iluminando. E não posso deixar de dizer que me é particularmente grato recordar a sua actividade na direcção de um grande órgão de informação, onde os problemas de orientação política tantas vezes puseram à prova o eclectismo, prudente mas não pusilânime, da sua grande e sábia experiência.
A propósito, não quero deixar de, nestas curtas palavras, recordar a sua atitude em face de um dos mais importantes acontecimentos da nossa vida política contemporânea.
Quando o Sr. Doutor António de Oliveira Salazar assumiu a pasta das Finanças, tive ocasião, como sen colaborador que então era, de o ouvir expor, em breves palavras, o seu programa de acção jornalística.
Lembro-mo muito bem que me disse: «este jornal não o quero vincular a compromissos ou a interesses sectários, que são contrários à sua tradição; desejaria que ele fosse sempre um refúgio da liberdade de imprensa neste País; mas, em face deste homem e da sua tarefa de reconstrução financeira, não hesito em hipotecar-lhe a minha confiança e a confiança do meu jornal, certo de que este acto de fé será sempre o orgulho da minha vida de jornalista».
E assim podemos dizer que o escritor, o dramaturgo ilustre que foi Eduardo Schwalbach esteve também presente na tarefa da restauração nacional, em que todos obscuramente colaboramos.
Por isso creio que a Assembleia Nacional partilhará do meu sentimento de profundo desgosto ao ver desaparecer da vida portuguesa esta personalidade tão rica e tão digna da nossa admiração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção sobre as situações parlamentares dos Srs. Deputados Amorim Ferreira, Gabriel Teixeira e Manuel Múrias.
Devido ao adiantado da hora, apenas se apreciará na sessão de hoje o parecer respeitante ao Sr. Deputado Amorim Ferreira, ficando para amanhã a apreciação dos pareceres sobre a situação dos outros dois Srs. Deputados.
Vai ler-se aquele parecer.
Foi lido. É o seguinte:

Parecer da Comissão de Legislação e Redacção

O Sr. Deputado H. Amorim Ferreira traz ao conhecimento da Assembleia, paru o efeito do artigo 90.º da Constituição, o facto de haver tomado posse, em 3 de Outubro último, do cargo de director do Serviço Meteorológico Nacional.
Este Serviço foi criado pelo decreto-lei n.º 35:836, de 29 de Agosto de 1946, que fez uma larga remodelação de serviço».
O lugar de director pode, nos termos do artigo 15.º, ser livremente preenchido pelo Governo, por escolha de entre indivíduos de reconhecida competência.
Não está, portanto, abrangido pelas excepções da alínea c) do § 1.º do citado artigo 90.º da Constituição.
O director tem a categoria d- director geral, nos termos do artigo 4.º do aludido decreto-lei. Estará abrangido pela excepção prevista na parte final da alínea b).
Esta parte final reza assim: e Exceptuam-se do disposto no n.º 1.º (que comina a perda de mandato para os Deputados que aceitarem do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada) as nomeações para carijós equivalentes resultantes de remodelação de serviços».
Porque houve uma remodelação de serviços verificou-se uma das circunstâncias em que a excepção é possível.
Verificar-se-á também a outra?
Perguntar isto é o mesmo que perguntar: será o cargo de director do Serviço Meteorológico Nacional equivalente ao cargo de director do serviço abrangido no âmbito da remodelação que o Sr. Deputado Amorim Ferreira ocupava antes?
O cargo que ocupava antes era o de director do Observatório Central Meteorológico Infante D. Luís, anexo à Faculdade de Ciências de Lisboa.
Este cargo era remunerado com a gratificação de 3.600$ anuais. Era e é, porque continua u existir depois da remodelação feita pelo decreto-lei n.º 35:836

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citado, embora por força do artigo 4.º do decreto-lei n.º 35:850 de 6 de Setembro último, tenha mudado de nome.
Continua a existir como serviço autónomo anexo à Faculdade de Ciências e também como observatório do Serviço Meteorológico Nacional. Crê-se não serem precisos outros desenvolvimentos para se concluir que o cargo de director do Serviço Meteorológico Nacional não pode considerar-se equivalente ao de director do Observatório Central Meteorológico Infante D. Luís, ou Instituto Geofísico Infante D. Luís, como, por força do citado decreto-lei n.º 35:850, passou a denominar-se.
Nestes termos, a Comissão é de parecer que deve ser dado como verificado o facto previsto no n.º 1.º do artigo 90.º da Constituição - aceitar do Governo emprego retribuído.
É o parecer da Comissão, por unanimidade.

Palácio da Assembleia Nacional, 29 de Novembro de 1946. - Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente: - A Câmara não se vai pronunciar sobre o facto material da nomeação do Sr. Deputado Amorim Ferreira, porque essa consta do Diário do Governo, mas sim emitir um juízo de direito sobre se a aceitação das funções remuneradas para as quais foi nomeado é de molde a importar a renúncia ao mandato por parte daquele Sr. Deputado, nos termos do § 2.º do artigo 90.º da Constituição. O parecer da Comissão de Legislação e Redacção, que acaba de ser lido, é no sentido da verificação do facto previsto no n.º 1.º do citado artigo e, portanto, da perda de mandato por renúncia presumida pela lei. Mas a Câmara é soberana; e só pretendo chamar a atenção dos Srs. Deputados para isto: que a sua deliberação não respeita ao facto material, mas ao facto jurídico que pode conduzir à renúncia.
Vai fazer-se a chamada para a votação, por escrutínio secreto.
Esclareço os Srs. Deputados que as esferas que exprimem o seu voto devem ser lançadas na primeira orna e na segunda a outra esfera e que a esfera branca exprime a não verificação de facto que importe perda de mandato por renúncia, enquanto que a preta significa a verificação desse facto.
Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Pelas hesitações que notei da parte de alguns Srs. Deputados ao lançarem as esferas nas umas, e pela simples inspecção do conteúdo das mesmas, admito que tenha havido equívoco na votação, que em tal assunto deve ser afastado. Vou por isso mandar repetir a votação, pedindo aos Srs. Deputados que ocupem os seus lugares.
Repetiu-se a chamada.
Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Lima Faleiro e Beja Corte-Real.
Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Entraram na primeira uma 33 esferas pretas e 32 esferas brancas; há, portanto, um voto a mais pela perda de mandato; mas, ao fazer a verificação na segunda uma, encontraram-se 32 esferas pretas, o que está bem, e 32 esferas brancas, quando deviam ser 33.
Como se trata de uma diferença apenas de um voto e como pela verificação feita na segunda uma se encontrou orna esfera branca a menos, é de admitir que houve por parte de um Sr. Deputado equívoco sobre a forma de exprimir o seu voto. Em assunto tão delicado é indispensável que não fique sombra de dúvida sobre a atitude da Câmara. Por isso repetir-se-á a votação.
O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, informa-me por favor se os Srs. secretários votaram?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.
Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada para a nova votação.
Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Lima Faleiro e Beja Corte-Real.
Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - O resultado da votação foi o seguinte :
Na primeira uma entraram 30 esferas pretas e 38 esferas brancas; na segunda uma entraram 30 esferas brancas e 38 esferas pretas.
Está, por consequência, declarado pela Assembleia que não se verificou facto que importe a renúncia do Sr. Deputado Amorim Ferreira.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai discutir-se a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
Quero dizer à Assembleia que conjuntamente com esta proposta vieram importantes elementos fornecidos pelo Sr. Ministro das Finanças, dos quais, por lapso, não se deu conhecimento à Câmara na sessão em que a proposta foi anunciada, mas se fez referência no Diário da última sessão. Esses elementos estiveram, desde 29 do mês passado, à disposição do Sr. relator da Câmara Corporativa e acompanharam depois o parecer daquela Câmara para a Comissão de Finanças desta Assembleia.
Trata-se de um conjunto de elementos de informação e estudo, que respondem a reparos feitos no debate da lei de meios na anterior sessão legislativa e para os quais chamo a atenção da Câmara, a cuja disposição se encontram.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947 contém algumas disposições novas que merecem abertamente o meu aplauso e mantém ainda outras disposições das quais inteiramente discordo, mas essas disposições com as quais estou em discordância não terão, nos termos da mesma proposta de lei, um carácter de permanência, facto com que eu muito rejubilo.
Em primeiro lugar, vejo ainda mantido no artigo 4.º da proposta o adicionamento ao imposto sobre sucessões e doações e a promessa, no § único de tal artigo, de em breve ser apresentada a nova reforma prevista pelo § 2.º do artigo 4.º da lei n.º 2:010, de 22 de Dezembro de 1945.
Vejo também que o Governo mantém ainda os adicionais mencionados no decreto n.º 35:423, mas no § único do artigo 7.º já promete que esses adicionais deixarão de ser cobrados logo que se proceda à actualização a que se refere o corpo do artigo.

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Há disposições na proposta de lei, disse, que merecem o meu maior aplauso, e essas são as do artigo 5.º, que se referem ao valor dos prédios para efeitos de liquidação de sisa e de imposto sobre as sucessões e doações.
Li com todo o cuidado o aliás douto parecer da Câmara Corporativa, mas encontrei nele algumas afirmações que não me parecem inteiramente exactas. E, assim, o parecer declara que há inovações de ordem social do protecção à família, o que é um equívoco do parecer da Câmara Corporativa, visto que, na sua parte III, subordinada à designação de a Inovações da proposta de lei, declara que o artigo 4.º é uma inovação, quando é certo que tal artigo nada inova, apenas se limitando ao que já se dispunha no artigo 5.º do decreto n.º 35:423, de 29 de Dezembro de 1945.
Este artigo 4.º refere-se ao adicionamento ao imposto sobre as sucessões e doações e foi criado pelo decreto n.º 19:969, do 29 de Junho do 1931, apenas em taxa uniforme de 20 por cento. Mas logo apareceu o decreto n.º 20:558, de 2 de Dezembro de 1931, onde ela foi fixada em 3 por cento, para se elevar a 5 por cento pelo decreto n.º 21:426, de 30 de Junho de 1932. Mais tarde, pelo decreto n.º 26:151, de 19 do Dezembro de 1935, fixou-se essa taxa em 4 por cento, mantida até à publicação da lei n.º 1:973, que a reduziu a 3 por cento nos casos de transmissões a favor de descendentes até 5.000$.
Não posso deixar de considerar este adicionamento como um filho espúrio do imposto sobre as sucessões e doações, que ninguém pode perfilhar, mas teve a arte de enganar o próprio relator do parecer da Câmara Corporativa, que, tomando a nuvem por Juno, supôs que no artigo 4.º da proposta se legislaria também no sentido de alterar a própria taxa do imposto, o que, afinal, não é exacto.
Poderia aplicar-se aquele princípio facile credimus quod volumus.
O ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa, com o desejo de ver realmente inovações de ordem social de protecção à família quis ver no artigo 4.º da proposta inovações que, infelizmente, lá não existiam.
Diz ainda o parecer que:

A desvalorização da moeda é afinal a causa determinante das inovações fiscais da proposta.

Ora o certo é que as determinantes da inovação da proposta, no que diz respeito ao sen artigo 5.º, são muito diversas das que lhe atribui o parecer da Câmara Corporativa. E eu dou o meu caloroso aplauso a esta inovação do Sr. Ministro das Finanças, que vai pôr cobro a desmandos graves que se verificavam por esse País além e que já no relatório apresentado ao Sr. Ministro das Finanças pela comissão encarregada de estudar as bases da reforma tributária eram escalpelizados desta forma:

O direito absoluto reconhecido à Fazenda de promover, sempre que o julgue conveniente, a avaliação dos bens funciona teoricamente como uma ameaça em relação ao contribuinte, que, ciente dos baixos valores da matriz, tem interesse em evitar a avaliação, para o que se resolve a declarar valores superiores aos que da matriz se podiam deduzir. Em teoria seria esta a sua acção. A prática porém tem demonstrado que este princípio, aliás tão razoável, está servindo de preferência interesses que não são positivamente os do fisco. Devido a causas que não vale a pena referir aqui, generaliza-se por esse País, no que respeita à liquidação da contribuição de registo, um sistema de relações entre o contribuinte e os representantes da Fazenda, em que o Estado paga mais do que seria natural ... as despesas de amizade.

Estamos a ver nestas palavras a clara inteligência e perspicácia de quem as escreveu. E, se em tempos o mal já era grande, muito mais elo se tam avolumado.
Para pôr cobro a esses desmandos e evitar várias perseguições de que em muitas terras os contribuintes se vinham queixando é que o Sr. Ministro das Finanças abertamente, com este artigo 5.º da proposta, vem acabar com aquilo a que poderíamos chamar só mercado negro do Ministério das Finanças».
É claro que, ao terminar com as avaliações extraordinárias, por certo a Fazenda Nacional vai ter algumas diminuições nos seus rendimentos, e certamente por isso no artigo 6.º estabelece-se um adicional de 10 por cento sobre a contribuição predial rústica.
Os números que apontam as Contas Gerais do Estado relativamente a 1944 não coincidem com os do Anuário Estatístico, havendo uma pequena diferença. No entanto vê-se que os valores declarados para as liquidações do sisa em 1944 foram de 1.070:925 contos e os que serviram de base à liquidação foram de 1.270:462 contos, sendo a sisa, que tinha sido orçada em 85:000 contos, liquidada no valor de 116:472 contos.
É natural que haja um pequeno abatimento destas receitas, mas creio que esse pequeno abatimento na receita deve ser sobejamente compensado pela tranquilidade que é dada ao contribuinte, que não terá de haver-se com aquelas desigualdades do fisco.
Há, Sr. Presidente, vários outros preceitos da proposta que merecem aplauso. E, assim, parece-me não merecer dúvidas o que se refere às especialidades farmacêuticas, à isenção do imposto profissional em certo limite e aquele que se refere também à proibição de criação e unificação de taxas ou de receitas de idêntica natureza. Tenho tido, Sr. Presidente, grande dificuldade em poder acompanhar o estado da legislação financeira, em virtude da multiplicidade de textos que actualmente se encontram em vigor.
Foi já várias vezes chamada a atenção desta Assembleia para este facto e eu não posso deixar de referir-me ao que aqui foi dito na sessão de 9 de Abril de 1935 pelo então ilustre Deputado Pinto de Mesquita, que afirmou:

Parece realmente uma tendência acentuada da nossa vida política e legislativa esta do legislar profusa e difusamente.
O Estado Novo, que tem procurado e conseguido, em grande parte, nos serviços da nossa administração pública, estabelecer ordem, não conseguiu na acção legislativa atingir esse desiderato.

São inúmeras as queixas que surgem de todos os lados contra a confusão da legislação, sobretudo da legislação fiscal. Procurando reagir um pouco contra tal confusão, vi, com prazer, nas disposições do decreto-lei n.º 32:322, de 15 de Outubro de 1942, que reorganizou os serviços da Inspecção Geral de Finanças, determinar-se, no seu artigo 26.º, que esse decreto-lei e os demais diplomas sobre inspecção geral de finanças seriam reunidos num só diploma, ajustando-se as respectivas disposições para lhe dar uniformidade.
Creio que há toda a necessidade em generalizar este procedimento.
Há absoluta necessidade de consolidar a nossa legislação porque a forma como actualmente se está legislando cria tantos embaraços que por vezes o próprio jurista se vê em sérios apuros para se aperceber qual é a verdadeira disposição em cansa.
Ainda há pouco tempo me sucedeu ter de consultar o decreto n.º 35:776, que traz um claro relatório, a que se segue o respectivo articulado. Esse articulado é curto apenas vinte e dois artigos.

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Na biblioteca onde tive de consultá-lo fui sucessivamente pedindo os números do Diário do Governo onde vinham publicadas as disposições a que se referiam aqueles vinte e dois artigos. Pois dentro do pouco tempo vi-me envolvido por nove volumes semestrais do Diário do Governo, alguns dos quais tive de consultar várias vezes, o que deu enorme trabalho ao respectivo contínuo, de quem cheguei a ter pena o a quem pedi, no fim dessa consulta, que se desse ao incómodo de pesar os volumes que estavam na minha fronte. Fez-me a vontade. Pesavam cerca do vinte o dois quilogramas - isto para vinte o dois artigos!
Parece-me que assim não é legislar mas antes criar labirintos legislativos (Apoiados)... e, como neles há falta do sinalização, vários choques fatalmente têm de dar-se.
Nestas condições, parece-me que o Governo deveria proceder à reforma de todas as disposições vigentes reguladoras dos diversos rendimentos, taxas, contribuições o impostos, no sentido de estabelecer a sua simplificação, procurando coligir num só diploma todas as normas que regem e regulam cada uma dessas fontes de receita.
Pois ainda um facto que não quero deixar de registar nesta Assembleia: é o que se refere à distribuição feita a todos os Srs. Deputados das contas públicas de 1945 no primeiro dia desta sessão legislativa.
Creio que é o primeiro ano em que se verifica esta tão grande pontualidade, digna de registo e que me parece única nos anais da vida parlamentar.
Estão de parabéns os serviços da Direcção Geral da Contabilidade Pública e estão-no também com a publicação que sucessivamente vêm fazendo das contas provisórias, porque em 5 do corrente mês tive o prazer de receber a conta provisória de Janeiro a Agosto, que bem mostra a forma como trabalham estes serviços.
E, como deste lugar muitas vezes critico certos serviços da administração pública e vários do Ministério das Finanças, não quero deixar também de dar o meu aplauso e os meus parabéns por esta pontualidade na execução de serviços de tão alta responsabilidade.
Também, Sr. Presidente, o Diário do Governo, em suplemento ao n.º 283, 2.ª série, do mesmo dia 5 do corrente, publica o balancete n.º 293 do Banco de Portugal, do qual se vê que a situação do nosso banco emissor, na semana finda em 30 de Outubro deste ano, reflectindo as necessidades próprias do fim do mês, acusa aumento de 108:090 coutos na circulação de notas, a qual ficou estabelecida em 8.412:733 contos, e diminuição de 102:570 contos nos depósitos, que baixaram para 11.428:985 contos. Assim, as responsabilidades do escudos à vista estabeleceram-se em 19.841:718 contos, em aumento de 6:420 contos, contra um aumento de 17:043 contos na semana anterior.
Estes números que acabo de enunciar são dignos de toda a ponderação e cuidadoso estudo.
Falece-me, Sr. Presidente, competência especializada para abordar tão momentoso problema, mas certo estou eu de que ilustres Deputados desta Assembleia Nacional não deixarão de ventilar este problema com aquela elevação que desta Assembleia Nacional é própria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão e amanhã, com a mesma ordem do dia: discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

João Ameal.
João de Espregueira da Bocha Paris.
Jorge Botelho Moniz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Rui de Andrade.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Augusto. César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fausto de Almeida Frazâo.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior:
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOS - Leopoldo Nunes.

Proposta de lei e parecer a que o Sr. Presidente se referiu na sessão de hoje:

Proposta de lei n.º 99, sobre reforma do ensino técnico profissional

1. Criada, pelo decreto-lei n.º 31:431, de 29 de Julho de J941, a Comissão de Reforma do Ensino Técnico, iniciou ela desde logo os seus trabalhos. A recolha e análise dos mais diversos elementos de estudo a que se entendeu devei recorrer para uma nova organização das escolas e dos institutos industriais e comerciais e das escolas agrícolas não podiam fazer-se precipitadamente, sob pena de não conduzirem a conclusões que pudessem ser consideradas seguras.
Causas de ordem vária, entre as quais a- guerra mundial, não permitiram que as conclusões da primeira fase tios trabalhos cia Comissão se traduzissem imediatamente

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em providências legislativas. Com o decurso do tempo novos problemas se suscitaram e a novos estudos se procedeu; e, assim, veio naturalmente a verificar-se a conveniência de, em mais de um ponto, alterar o sistema que fora esboçado.
Formulam-se agora as bases da reforma do ensino técnico profissional e médio e do ensino agrícola. Algumas palavras se tornam necessárias para esclarecer o sentido geral das soluções apresentadas e as inovações introduzidas no plano de estudos até hoje adoptado.

2. Presentemente a admissão nas escolas industriais e comerciais verifica-se aos 12 anos ou, mais precisamente, aos 12 anos incompletos, exigindo-se aos candidatos à matrícula a habilitação no exame da 4.ª classe de instrução primária. Daqui resulta, não raro, uma forçada suspensão na carreira escolar das crianças que se propõem seguir os cursos técnicos; não se torna necessário acentuar as consequências nocivas que dessa suspensão necessariamente derivam.
Encontra-se hoje largamente difundida e parece que firmemente aceite a corrente doutrinal que, baseando-se nos dados das ciências psicológicas e em razões de carácter social e económico, preconiza a elevação para os 14 ou 15 anos do mínimo de idade em que deve iniciar-se qualquer aprendizagem de natureza estritamente profissional. E, embora se pense que, em virtude das condições educativas que lhe são inerentes, o trabalho na oficina escolar pode, sem grande inconveniente, antecipar-se à iniciação empírica, realizada nas oficinas e demais estâncias de trabalho imediatamente produtivo, não se afigura vantajoso distanciar excessivamente as idades correspondentes a uma e outra. Por isso, a tendência geral é no sentido de retardar a admissão nas escolas profissionais. O mínimo de idade fixado na nossa actual legislação constitui um caso isolado.
Reconhece-se, assim, a necessidade de instituir um ciclo escolar que articule o ensino profissional com o primário, necessidade que de há muito vem sendo posta em relevo por todos aqueles que destes problemas se têm ocupado.
Normalmente, os alunos abandonam a escola primária aos 11 anos. Os que não transitam para cursos de preparação geral, de Longa duração, como o do liceu, não deviam mesmo abandoná-la antes. Há realmente alguma coisa de essencial, embora muito simples, a aprender nas quatro classes até àquela idade. O rendimento obtido no 1.º ano dos cursos profissionais demonstra-o a toda a luz. Fixa-se, pois, rigidamente, nos 11 anos a idade de admissão no ciclo preparatório elementar das escolas técnicas.
As características e os fins educativos deste ciclo foram já indicados no relatório do decreto-lei n.º 35:402, de 27 de Dezembro último, que criou a escola da vila do Barreiro. Dispensável se torna, pois, repetir neste lugar o que então se disse.
Uma observação importa, porém, acrescentar-lhe. Não se tratando ainda do ensino técnico, mas de uma introdução genial a todos ou quase todos os cursos profissionais, poderíamos ser levados a situá-lo no quadro da escola comum, da escola primária superior, por exemplo. Julga-se, porém, que no período inicial, que poderá classificar-se de experiência, muito terá a ganhão no íntimo convívio com as escolas técnicas. Espera-se que delas receba o forte sentido activo, o gosto pela expressão prática do saber, o cultivo atento do sentido plástico. Uma vez suficientemente definida e fixada a sua índole, chegará por certo o momento de decidir se este grau de ensino merecerá ou não maior autonomia e poderá vir a desempenhar a função de vestíbulo de acesso a todas as escolas secundárias.

3. Igualmente ficaram suficientemente caracterizados, no decreto já citado de 27 de Dezembro de 1945, os cursos complementares de aprendizagem. Nem sempre a eles se poderá recorrer, umas vezes por virtude das condições em que, fora da escola, é feita a aprendizagem, outras porque haverá sempre famílias que não se disporão a vincular a educação dos filhos a um contrato de aprendizagem. Para esses casos se prevêem os cursos de formação profissional, isto é, com ensino oficial e prático feito na escola.
Algumas críticas se têm feito, nem sempre destituídas de fundamento, a esta forma de ensino. Melhorados os cursos na sua estrutura e postais as escolas em condições de executarem satisfatoriamente os planos de trabalho para elas legalmente fixados, tudo leva a crer que as deficiências e inconvenientes até agora verificados se removerão definitivamente, e a escola técnica duma virá a ser aquilo que o desenvolvimento da vida económica portuguesa exige. Não se lhe peça, porém, como alguns inadvertidamente reclamam, o operário, o agente de trabalho altamente especializado, senhor de todos os segredos e particularidades da profissão. A escola, exactamente porque o é, nunca poderá levar a sua acção preparatória a tais extremos. Todas as autoridades no assunto reprovam os excessos prematuros de especialização na aprendizagem escolar, como claramente se infere dos tão numerosos votos emitidos sobre esta matéria nos congressos internacionais de ensino técnico.
O mérito da formação profissional obtida em ciclo escolar, fornecendo à execução das operações técnicas o apoio de sólidas noções científicas e o quadro de uma educação geral de nível conveniente, consiste em facilitar, por um lado, a rápida especialização posterior, a assegurar, por outro, ao jovem trabalhador a liberdade de escolher a sua profissão numa zona relativamente ampla de actividade. Está é a sua melhor justificação como processo educativo.

4. O regime do ensino nocturno carece de ser ajustado à sua finalidade específica. Cabe-lhe fornecer aos adultos, que durante o dia se encontram ocupados, a instrução geral e técnica necessária ao seu aperfeiçoamento profissional e que lhes faculte a ascensão nos quadros de actividade a que pertencem. Até agora vêm recorrendo indistintamente ao ensino nocturno aprendizes, profissionais de mais elevada categoria e candidatos sem ocupação definida. Uns e outros vêem-se forçados a escolher qualquer dos cursos profissionais que, aparte determinados ramos de aprendizagem oficinal, são à noite ministrados no ensino industrial, com as disciplinas, tempos semanais e programas fixados para a escola diurna.
Embora a lei lhes não imponha a sujeição ao plano do respectivo curso, é grande a percentagem de alunos
Que, pela matrícula, se obrigam a três e quatro horas e frequência escolar em cada noite. A tarefa excede normalmente a capacidade de resistência de quem completou já um dia de trabalho profissional, em local muitas vezes distante da escola e da própria residência, e terá ainda, para satisfazer aos programas, de realizar em casa o estudo que é lícito exigir aos alunos sem ocupação extra-escolar. Por isso muitos se vêem, em breve, forçados a abandonar, ao menos parcialmente, os encargos assumidos, de que resultam para a organização e funcionamento dos serviços escolares inconvenientes de toda a ordem.
Destacado da escola nocturna e sistematizado em moldes próprios o ensino complementar de aprendizagem, a cargo da primeira fica o ensino de aperfeiçoamento, que, salvo casos muito especiais, deve deixar aos alunos mais ampla liberdade na escolha das matérias de estudo, estabelecendo-se, porém, para essa eleição os li-

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mites que a higiene do trabalho, a preservação da saúde, a interdependência dos programas e a estabilidade da organização escolar tornem indispensáveis. Cada um receberá da escola aquilo que reputar mais útil. Não ficará vedado a estes alunos a obtenção dos diplomas dos cursos profissionais, desde que, dentro e fora da escola, adquiram a aptidão para isso necessária.

5. Em casos especiais o ensino nocturno poderá, como já se disse, assumir carácter orgânico, aglutinando-se em conjuntos de relativa rigidez. Assim acontecerá, por exemplo, nos cursos de mestrança, previstos na presente proposta.
Vários dirigentes industriais formularam oportunamente o voto de que na reforma do ensino técnico viesse a ser considerada a organização desses cursos, aliás já existentes num ou noutro ramo, visto corresponderem a uma real necessidade de muitos sectores da produção industrial. Pensa-se naturalmente nas indústrias eléctricas, mecânicas e metalúrgicas, na construção civil, na indústria têxtil, na da moagem, na de conservas e na de minas.
Na opinião de alguns técnicos, em geral estranhos à prática diurna do trabalho fabril, a formação idos quadros oficina is deveria constituir a finalidade imediata dos institutos médios. Ora, as realidades mostram que o mestre ou chefe de oficina é um profissional competente, com noções gerais suficientes sobre a vida industrial e sobre a legislação do trabalho, ao qual longos anos de prática e de observação deram o conhecimento dos homens, o que, aliado aos seus dotes pessoais, lhe confere o prestígio e as qualidades de comando necessários à sua posição de responsável pela disciplina oficinal.
A selecção dos mestres faz-se, pois, nas fileiras da produção, entre os operários mais hábeis e instruídos, com maior dedicação pelo trabalho, e não pode obter-se com base imediata num diploma escolar. A função do ensino é, neste caso, simplesmente adjuvante ou complementar da educação conseguida no exercício da sua actividade profissional. Se é certo que a acção da escola tem de considerar-se indispensável para que aquela educação atinja o nível adequado, é igualmente certo não estar ao alcance da escola conferir aptidão de chefia, de génese tão complexa.
A frequência dos cursos de mestrança deve, pois, ser facultada àqueles que previamente tenham revelado capacidade pessoal para o exercício das funções que lhes correspondem, e desejável será que as empresas tomem a seu cargo a designação dos candidatos à frequência.
Em harmonia com estes princípios se prevê que, salvo para as indústrias dispersas, o ensino seja ministrado em conjunção com a actividade profissional, portanto em regime nocturno, solução, aliás, adoptada noutros países, precisamente naqueles que dispõem, nesta matéria, de mais larga experiência.

6. Certamente que, não obstante o que fica exposto, o ensino destinado à preparação dos mestres industriais pedia ser confiado aos institutos, o que aliás não representava qualquer novidade. Assim se fez na vigência de organizações anteriores, sem que, todavia, deixasse de ser neles simultaneamente ministrado o ensino correspondente ao do currículo actual. Só recentemente mesmo é que foram transferidos para as escolas do ensino técnico profissional os últimos cursos desta natureza, por se ter reconhecido, afinal, a sua ineficácia, resultante precisamente dos moldes em que tinham sido planeados. Supôs-se que era possível obter mestres com preparação exclusivamente escolar: os resultados foram pouco menos do que nulos. Uma coisa é a formação de mestres, outra a formação de agentes técnicos de engenharia, e não parece indicado resolver o primeiro destes problemas à. custa do segundo.
A utilidade dos institutos industriais encontra-se cabalmente demonstrada pela frequência, em contínuo aumento, e pela crescente eficiência do trabalho que os antigos alunos vão tomando a seu cargo em vários ramos de actividade, tanto na metrópole como nas colónias. Se, durante muitos anos, os técnicos saídos dos institutos procuravam quase exclusivamente os serviços públicos, muitos são os que actualmente optam pelos quadros da indústria. Os inquéritos feitos por iniciativa da Comissão de Reforma demonstraram de forma irrecusável que, para o ensino destas escolas produzir todo o rendimento económico de que é susceptível, não carece de ser alterado no seu nível científico ou na sua estrutura, mas de ser beneficiado no que respeita a trabalhos de aplicação e de laboratório e a. exercícios oficinais. Em face destes factos, parecem imiteis as discussões em tomo de um escalonamento abstracto e supostamente ideal das escolas do mesmo ramo. Bem mais defensável será promover o aperfeiçoamento de cada uma, respeitando-lhe as características adquiridas em longo período de útil funcionamento.
Aos institutos se atribui, pois, preferentemente, a missão de fornecer às indústrias nacionais técnicos- especializados e competentes, com preparação científica para virem ocupar os lugares de comando, que, de acordo com o interesse nacional, se multiplicarão certamente no futuro, pela organização de novas indústrias e pelo progresso das existentes. Concomitantemente, os serviços públicos terão, com frequência, vantagem em recorrer, como até agora, aos técnicos deste gira u para a formação dos seus quadros médios e de auxiliares das funções de direcção, e o próprio ensino profissional não poderá difundir-se na necessária medida sem utilizar e>m larga escala a sua colaboração.
Deve dizer-se que, procedendo assim, apenas nos mantemos na linha das soluções adaptadas nos países da Europa e da América, cujo exemplo pode ser de maior proveito, visto corresponder a mais ampla experiência da vida e da organização industrial. As escolas médias de engenharia têm, nesses países, função bem definida, precisamente a que deixamos mencionada; por isso são, em regra, mais numerosas do que as escolas superiores do mesmo ramo.
Já se tem afirmado que o número crescente de engenheiros torna injustificável a existência dos institutos médios; mas vê-se claramente que, posto nestes termos, o problema se nos oferece com sentido exactamente contrário ao das realidades.

7. Também, ou mais ainda, em relação à utilidade dos institutos comerciais se formulam dúvidas e restrições.
Entendem alguns que as suas funções poderiam ser encorporadas, sem inconveniente, nas que presentemente são confiadas às escolas comerciais. Segundo este ponto de vista, os institutos, como é transparente, não estão a mais há, sim, institutos a menos. Condenam outros o carácter híbrido destas escolas: secundárias na base, convizinham excessivamente com o ensino superior nalguns aspectos da sua organização.
Sem negar certo fundamento a esta última observação, antes tomando-a em conta para fixar aos institutos comerciais posição mais adequada, deve no entanto acrescentar-se, como já ficou referido, que a eficiência social idas escolas não pode aferir-se pela justeza com que se adaptam a esquemas rígidos de classificação.
O problema talvez ganhe em ser analisado mais de perto. Os dois institutos existentes em Portugal receberiam 757 alunos em 1935-1936, 1:114 em 1940-1941 e 1:207 em 1944-1945. O número anual de diplomas con

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cedidos está, porém, muito longe de acompanhar este movimento de matriculais e tem sitio diminutíssimo, raramente correspondendo a 3 por cento da frequência total.
Não é, porém, difícil encontrar as causas de tão impressionante anomalia. A aprovação no .2.º ano dos institutos permite o ingresso, mediante exame de admissão, no ensino superior de ciências económicas e financeiras e o número de alunos que utilizam esta faculdade legal é muito superior ao dos que concluem o curso de contabilista.
Em seguindo lugar, porque nestas escolas se faz ensino nocturno, muitos dos que as frequentam têm durante o dia outras ocupações, e limitam-se, por isso, a procurar a habilitação das matérias escolares que mais ultimamente se relacionam com a sua actividade profissional, renunciando frequentemente à obtenção do diploma.
Acresce que não se encontra ainda regulamentado o exercício da actividade profissional dos técnicos de contas, a respeito da qual os antigos alunos dos institutos comerciais justificadamente pretendem ver definida a sua posição: falta-lhes para a conquista do diploma, enquanto aquela aspiração não for satisfeita, o mais forte estímulo.
O que se torna necessário é ter em consideração a dupla função dos institutos como escolas preparatórias e como escolas profissionais, não esquecendo nunca os fins que lhes são específicos: oferecer aos quadros das actividades dos nossos dois maiores centros mercantis contabilistas e auxiliares de administração com a preparação técnica adequada à complexidade das organizações comerciais de maior vulto; proporcionar aos melhores alunos saídos das escolas comerciais os meios de melhorar a sua formação profissional para assim se tornarem aptos a ocupar, na carreira que escolheram, situações de mais alta responsabilidade; facultar aos alunos que iniciaram os seus estudos nos liceus e que se não propõem, entrar no ensino superior um curso técnico de duração moderada, que os habilitará utilmente na luta pela vida.
Nem pode deixar também de ter-se em conta o aproveitamento dos diplomados no campo do ensino comercial elementar.

8. Sendo o menos difundido de todos os ramos do ensino técnico, o ensino agrícola é simultaneamente o menos equilibradamente distribuído pelas escolas dos diferentes graus actualmente existentes: duas escolas práticas de agricultura (elementares) e três d e regentes agrícolas (médias). A isto deverá acrescentar-se que, embora se tenha como necessária a criação de novas escolas de categoria idêntica, ou análoga às primeiras, não parece ser esse ainda, nas actuais circunstâncias, o tipo de ensino a instituir com mais largueza nos meios rurais. Exigindo amplos terrenos para demonstrações práticas e exercícios de aprendizagem e destinando-se u servir zonas extensas, as escolas de feitores funcionam em regime de internato ou com internato anexo, pelo que, apesar de nelas se ministrar gratuitamente o ensino, a frequência escolar envolve, em geral, encargos que o pequeno proprietário dificilmente pode assumir.
Por isso se reputa como necessário ir mais longe: por um lado, levar a escola até junto dos que trabalham u terra, ou se dispõem a fazê-lo, já que a grande massa desses, mesmo quando a desejam, não a encontram ao seu alcance; por outro lado, promovendo a plena execução de disposições legais já existentes, organizar nos centros de ensino fixo formas de instrução intensiva, com definida finalidade prática e utilitária, que permitam reduzir ao mínimo indispensável, pura aqueles que pretendam acompanhá-las, o período de afastamento das actividades agrícolas em que se ocupem.
Para criar gradualmente a rede deste ensino elementar conta-se com a colaboração do professorado primário e do pessoal técnico dos serviços agrícolas e pecuários, dispersos pelo País, em seguimento, aliás, para estes últimos, de iniciativas próprias e atinentes à difusão, entre os trabalhadores de campo, rias mais úteis técnicas agrícolas. De cada escola, de cada núcleo permanente de ensino, deverá irradiar a acção docente, deslocando-se, sempre que necessário, até onde for possível, sem prejuízo da assistência que àqueles deverá ser prestada.
Para servir as áreas que por esse processo não sejam atingidas terá de recorrer-se para as matérias de natureza técnica a agentes especiais que, nas épocas mais apropriadas, agora numa localidade, meses depois noutra, ministrem à juventude rural a preparação de que carece, a fim de extraindo maior rendimento da terra, conquistar mais alto nível de vida. Como se vê, qualquer coisa de análogo às escolas de inverno e às cátedras ambulantes, tão frequentes nos países agrícolas.

9. No actual plano de estudos a formação dos regentes agrícolas é obtida pela inserção das disciplinas técnicas no curso geral dos liceus, fazendo-se exclusivamente ensino profissional nos dois últimos anos dos sete de frequência escolar.
O Estado mantém assim três liceus cuja frequência está condicionada pela lotação dos internatos das escolas. O pensamento do legislador foi, sem dúvida, o de proporcionar à educação dos filhos de lavradores, que desejassem guardar fidelidade à estirpe rural, ambiente que neles suscitasse e alimentasse o gosto pela vida. do campo e o amor da profissão a que os destinavam.
Simultaneamente, os que viessem a desinteressar-se do fim próprio do curso não teriam perdido o seu tempo.
Não pode negar-se o valor de tal orientação mas tem igualmente de reconhecer-se que o regime adoptado reproduz, agravando-a, a situação que todos condenam na organização actual do ensino técnico profissional, isto é, forçar crianças de 11 anos a decidir da sua carreira futura.
Além disso, verifica-se que, pelo menos, 75 por cento dos lugares dos internatos se encontram ocupados por alunos que recebem ensino liceal, impedindo assim as escolas de atender, em maior número, os candidatos à frequência do ensino técnico, que evidentemente constitui a sua verdadeira e única razão de ser.
E este o motivo por que se assenta, em princípio, na supressão do curso liceal até agora ministrado em tais escolas, prevendo-se, porém, que, transitoriamente, possa nelas ser feita, pelo menos parcialmente, a preparação para o ingresso no curso profissional.
A organização do ciclo preparatório a que se refere a presente proposta, com feição agrícola e rural, onde isso se tiver por vantajoso, parece dar satisfação, embora por forma diferente, ao intento que presidiu à criação dos liceus agrícolas.

10. Se atentarmos no processo de desenvolvimento do ensino profissional nos países de civilização atlântica, somos levados a concluir que em Portugal muito pouco se deve nesta matéria à iniciativa particular; por tendência ou por hábito, tudo esperamos do Estado.
As instituições económicas, os colégios profissionais e as empresas particulares raramente têm desempenhado, pelo que respeita ao ensino técnico, a função que lhes compete. E certo que esse alheamento tem significado muitas vezes discordância das soluções oficialmente adoptadas ou descrença nos seus resultados

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E não seria justo deixar esquecidos animadores exemplos de iniciativas beneméritas, por parte de diversos organismos, como a Associação industrial Portuense, a Companhia Portuguesa de Caminhos de Ferro, as Companhias Reunidas Gás e Electricidade, a Sociedade Nacional de Fósforos, a União dos Grémios dos Industriais Gráficos.
A organização corporativa, enfeixando as actividades profissionais e vertebrando a vida económica da Nação oferece presentemente à cooperação de todas as entidades interessadas na manutenção e aperfeiçoamento do ensino a base sólida e estável que lhe faltava.
A acção do Estado no domínio da produção é, além de orientadora e coordenadora, meramente supletiva; mas, no terreno da instrução profissional e técnica, as responsabilidades do Estado são por certo mais amplas e imediatas, cabendo-lhe tomar a iniciativa da realização de um programa escolar mia imo. Às entidades patronais e organismos profissionais cumpre, porém, dar apoio efectivo à execução daquele programa educativo e completá-lo onde se mostre insuficiente.
Para a obra da formação profissional dos trabalhadores portugueses se convocam, pois, todos os órgãos da vida económica nela directamente interessados. Espera-se que a tomem como empresa sua.

11. Deliberadamente se evitaram no plano proposto, até onde foi possível, esquemas excessivamente rígidos, que, impondo a uniformidade do ensino, afastam facilmente as escolas das realidades circundantes e muito diminuem a eficácia da educação profissional.
O ensino técnico destina-se a servir imediatamente a vida, e para isso há-de cingir-se à rica pluralidade das suas manifestações, graduar-se segundo as exigências do meio, adaptar-se às formas elementares em correspondência com as actividades mais simples, subir de complexidade onde o trabalho põe em jogo técnicas de rigor científico; escolher o regime mais consentâneo com u sua rápida difusão, actuar sempre pelos métodos que mais directamente conduzam à aplicação do saber transmitido.
Dos que o exercem reclama o ensino profissional, além de muitos outros predicados, comuns a todas as formas de magistério, conhecimento exacto das necessidades locais, vigilância contínua sobre as modificações nelas operadas, constante esforço de ajustamento e renovação. Isto significa que só se tornará profícuo se for confiado a quadros docentes estáveis, em harmonia com o volume da frequência escolar e recrutados com base em habilitação verdadeiramente séria.
A sustentação deste ensino representa para o País um encargo sempre crescente. Não será, porém, dinheiro perdido, pois as escolas o devolverão multiplicado em trabalho mais eficiente e mais perfeito, em portugueses dotados de mais esclarecido sentido social, mais aptos para as batalhas da produção, numa palavra, em mais riqueza.

12. Poucas são as escolas existentes que dispõem de instalações convenientes. O funcionamento dos serviços actuais faz-se em muitos casos com extrema dificuldade, e noutros acusa deficiências cuja gravidade não pode ocultar-se.
O novo plano de estudos seria inexequível em edifícios como os que são presentemente utilizados pelas escolas. Para que entrem em completa execução torna-se indispensável realizar, sem demora, as obras necessárias.
As instalações escolares não devem ser luxuosas, mas precisam de ser higiénicas e suficientes para a população discente, que não cessa de multiplicar-se. Estamos perante um problema de ordem material que, como problema prévio, condiciona a solução de todos os outros. Não podia deixar de ser aqui considerado.
Nestes termos, o Governo tem a honra de submeter á apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

BASE I

As escolas de ensino técnico profissional são assim classificadas:

a) Escola técnicas elementares, em que será exclusivamente ministrado o ensino das matérias do ciclo preparatório;
b) Escolas técnicas complementares, destinadas ao ensino complementar de aprendizagem ou ao de aperfeiçoamento profissional, embora nelas possa ser ministrado também o ensino do ciclo preparatório;
c) Escolas industriais, em que. serão instituídos cursos industriais de formação ou de mestrança ou secções preparatórias, podendo nelas ser ministrado também o ensino mencionado nas alíneas anteriores;
d) Escolas comerciais, destinadas a ministrar o ensino comercial de formação profissional, associado ou não ao ciclo preparatório, ao ensino complementar do aprendizagem ou ao de aperfeiçoamento;
e) Escolas industriais e comerciais, que abrangerão o ensino mencionado nas duas alíneas anteriores.
Cada escola de ensino técnico profissional será dotada com os cursos e tipos de ensino que melhor se adaptem as formas de trabalho industrial e de actividade comercial predominantes na respectiva região.
Em ligação com as escolas para tal fim designadas poderão organizar-se oficinas de aprendizagem de natureza artística (nomeadamente de rendas, tapeçaria e olaria) estranhas aos cursos ministrados nessas escolas, mas cuja produção deva ser orientada pelo Estado. As condições de admissão e de funcionamento serão, para cada caso, fixadas em regulamento.
Fica o Governo autorizado a criar as escolas do ensino técnico profissional que as condições económicas e sociais do País justificarem. As escolas serão criadas por decreto dos Ministros da Educação Nacional e das Finanças.

BASE II

O ensino técnico profissional abrangerá dois graus: a) 0 1.º grau, que será constituído por um ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem geral, normalmente com a duração de dois anos, destinado a ministrar aos candidatos com a idade mínima de 11 anos, aprovados na 4.ª classe de instrução primária, a habilitação necessária para a admissão nos cursos técnicos respeitantes às profissões qualificadas da indústria, do comércio e da agricultura;
l) O 2.º grau, que compreenderá os cursos complementares de aprendizagem e os cursos industriais e comerciais de formação profissional e de mestrança, ou outros que vierem a ser organizados em seguimento do ciclo preparatório, com duração variável segundo a natureza da profissão, sem, todavia, poderem exceder o período de quatro anos.

BASE III

As matérias do ciclo preparatório compreenderão as seguintes unidades docentes: língua e história pátria, ciências geográfico-naturais, aritmética e geometria, desenho geral, caligrafia, trabalhos manuais, educação moral e cívica, educação física e canto coral.
O ensino assumirá, na medida conveniente, características de orientação profissional os programas e, os

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tempos destinados a cada unia das unidades docentes poderão variar de escola para escola, em correspondência com as condições naturais e, económicas da respectiva região, dentro dos limites que assegurem ao ciclo de ensino valor educativo equivalente.
Os trabalhos manuais serão de oficina - preferentemente de modelação de madeira, de metal, de costura, e análogos; ou de campo - designadamente de jardinagem, de horticultura, de pomologia, de zootecnia e análogos.
A aptidão escolar dos candidatos à matrícula poderá ser verificada em exame de admissão.

BASE IV

O ensino complementar de aprendizagem será ministrado paralelamente e em correlação com a iniciação profissional realizada nas oficinas, fábricas, estabelecimentos comerciais e semelhantes, e instituído nas localidades onde o número de aprendizes e praticantes das profissões qualificadas justifique o seu funcionamento.
Os cursos complementares serão constituídos pelas disciplinas de cultura geral e de aplicação, cujo estudo, associado à prática obtida fora da escola, concorra para a educação profissional, moral e cívica dos alunos, podendo ainda incluir sessões de trabalho oficinal quando assim se torne aconselhável.
As lições não excederão, em regra, doze horas semanais, compreendidas no período de trabalho do aprendiz, que terá direito à remuneração correspondente, salvo nos casos de manifesta falta de aproveitamento, e os horários serão organizados, ouvidas as entidades patronais, pelo modo que mais facilite a frequência escolar.
Relativamente às profissões cujo ensino complementar se encontre suficientemente difundido poderá ser estabelecida a obrigatoriedade da frequência escolar para o efeito de promoção às categorias profissionais superiores ao aprendizado.
O ensino complementar de aprendizagem poderá ser organizado tendo por base a habilitação da escola primária em relação às profissões para as quais tal preparação se mostre suficiente e, transitoriamente, proceder-se-á de igual modo em relação às demais (profissões, enquanto não puder subordinar-se a admissão no aprendizado à habilitação obtida no ciclo preparatório.

BASE V

Os cursos industriais de formação profissional serão ministrados em regime exclusivamente diurno e compreenderão, além das matérias de cultura geral necessárias a uma conveniente educação intelectual, moral e cívica, as disciplinas tecnológicas e de aplicação relativas a determinado ramo de trabalho, e, nas oficinas, a aprendizagem metódica e quanto possível completa de um ofício, tendo sempre em vista conferir aos alunos a aptidão exigida no exercício da correspondente profissão industrial.
Com o fim de facilitar aos alunos a escolha da carreira futura, poderá o ensino, sempre que daí não resulte inconveniente, desdobrar-se em cursos, de base, comuns a diversas profissões, e cursos de especialização.
Mediante acordo entre as direcções das escolas e as entidades patronais, os alunos do último ano dos cursos poderão realizar nas oficinas dessas entidades as sessões de trabalhos oficinais a que foram por lei obrigados.

BASE VI

Os cursos comerciais de formação profissional serão constituídos pelas matérias de cultura geral adequadas a uma conveniente educação intelectual, moral e cívica, e pelas disciplinas, exercícios «lê aplicação e cursos práticos susceptíveis de conferir aos alunos a aptidão necessária ao exercício de determinadas profissões comerciais.

BASE VII

Sempre que o número de candidatos o justifique, será organizado nas escolas, em regime nocturno e para indivíduos maiores fie 15 anos que durante o dia trabalhem na indústria ou no comércio, o ensino das disciplinas de cultura geral, tecnológicas ou de aplicação incluídas nos cursos complementares de aprendizagem ou nos cursos de formação profissional ministrados nessas- escolas ou ainda o de outras matérias que possam interessar ao aperfeiçoamento profissional desses indivíduos, podendo igualmente realizar-se, com o mesmo fim, sessões de trabalhos oficinais de duração moderada.
Os trabalhos escolares do período nocturno não se prolongarão, normalmente, além das 22 horas e não poderão exceder, em regra, doze horas semanais.
Aos indivíduos aprovados nas disciplinas cujo ensino se fizer em regime de aperfeiçoamento poderão ser conferidos diplomas dos cursos profissionais nas condições que vierem a ser fixadas em regulamento.

BASE VIII

Em ligação com os cursos industriais e comerciais será, nas escolas designadas em regulamento, ministrada aos candidatos a admissão aos institutos industriais e comerciais, bem como às escolas de belas-artes, a habilitação necessária, podendo constituir-se para tal fim secções preparatórias.
A matrícula nas disciplinas compreendidas nas secções preparatórias realizar-se-á mediante adequadas provas de selecção escolar.

BASE IX

Os cursos de mestrança terão por fim ministrar a operários com habilitação suficiente que trabalhem nas profissões dos ramos relativos a esses cursos, e que pretendam vir a exercer funções de contramestres, mestres e chefes de oficina, a instrução geral e técnica de que, para tal efeito, careçam.
Estes cursos serão organizados nas escolas dos grandes centros industriais, por iniciativa do Ministério da Educação Nacional ou das empresas e organismos interessados, à medida que as necessidades o justifiquem e as condições daquelas escolas o permitam.
O ensino dos cursos de mestrança será feito em regime nocturno, paralelamente ao exercício da actividade profissional, salvo quando respeite a ramos industriais cuja dispersão não permita que se conjugue a frequência escolar com o trabalho profissional.

BASE X

De todos os cursos especificamente femininos, bem como do ensino ministrado, mós restantes cursos, a turmas femininas, farão parte as disciplinas de economia doméstica e de puericultura.
Em regulamento serão designados os cursos industriais em que poderá ser autorizada a matrícula de alunos do sexo feminino.

BASE XI

O pessoal dos quadros docentes do ensino técnico profissional será constituído por professores ordinários e professores extraordinários e por mestres, contramestres e auxiliares de ensino. Haverá também professores de educação moral e cívica, de educação física e de canto coral.

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Segundo a natureza dos grupos de disciplinas cuja regência lhes competir e os graus de ensino ministrado nas escalas a que se destinarem, os candidatos a professores ordinários e extra ordinários serão recrutados de entre os diplomados com os cursos técnicos superiores ou médios, ou cursos superiores ou especiais de belas-artes, os licenciados pelas Faculdades de Letras e do Ciências, ou os indivíduos habilitados nos cursos especiais que vierem, para o efeito, a ser organizados com matérias professadas naqueles estabelecimentos de ensino.
A formação pedagógica dos candidatos a professores será obtida num curso da duração de dois a quatro semestres, e a aprovação neste curso dará direito ao título de professor agregado do ensino teórico profissional e ao ingresso nos quadros, nos termos que vierem a ser fixados em regulamento.
O quadro privativo de cada escola será constituído por professores ordinários, ou por professores ordinários e extraordinários, segundo a natureza do ensino que nela for ministrado.
Só poderão ser nomeados professores ordinários os candidatos habilitados com os cursos superiores a que se refere a presente base, salvo o caso especial de professores actualmente em serviço, cuja situação será definida em regulamento.
Quando, por manifesta conveniência do ensino, o serviço docente respeitante a disciplinas tecnológicas ou que constituam inovação pedagógica deva, em qualquer escola, ser confiado a profissionais de reconhecida idoneidade, nacionais ou estrangeiros, serão estes para tal fim contratados pelo tempo, com a remuneração e segundo o regime de trabalho a fixar por despacho do Ministro da Educação Nacional.
No impedimento dos professores do quadro ou quando estes não possam assegurar todo o serviço, serão nomeados professores agregados e, na falta destes, professores provisórios.
A condução dos trabalhos de cada oficina das escolas de ensino técnico profissional ficará a cargo de um mestre, coadjuvado pelos contramestres necessários, devendo um e outros ser recrutados de entre os candidatos habilitados em curso que inclua os trabalhos dessa oficina.
No ensino comercial, bem como no ciclo preparatório, a regência dos cursos práticos de caligrafia e esteno-dactilografia e dos trabalhos de escritório, quando os haja será confiada a um ou dois mestres, segundo as necessidades da frequência, coadjuvados, quando necessário, por auxiliares de ensino, devendo uns e outros ser recrutados de entre os candidatos habilitados com os cursos correspondentes do ensino técnico profissional.
No impedimento dos mestres, contramestres e auxiliares do quadro e para a execução do serviço que pelos mesmos não possa ser distribuído serão nomeados contramestres e auxiliares provisórios.
Os quadros docentes das escolas serão ajustados às actuais necessidades do ensino, procedendo-se à transferência do pessoal actual para as categorias que lhe corresponderem.

BASE XII
O ensino médio industrial, que será ministrado nos actuais institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de engenharia e chefes de indústria; e os cursos que o constituem compreenderão aulas teóricas, aulas práticas, trabalhos gráficos, de laboratório e de oficina.
Cada instituto será dotado com cursos de base, que terão quatro anos de duração, funcionando em regime diurno, nos quais poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 15 anos que tiverem obtido aprovação em exame de admissão.
Os cursos de base serão os seguintes:
a) Electrotecnia e máquinas;
b) Construções civis e minas;
c) Química industrial.
O diploma de qualquer dos cursos de base confere o direito ao uso do título profissional de agente técnico de engenharia.
A aprovação no 3.º ano do curso de química industrial será para todos os efeitos legais equivalente ao actual curso de química laboratorial.
Nos institutos industriais será também ministrada a habilitação necessária para a admissão nos cursos superiores de engenharia e no de maquinistas da Escola Naval.

BASE XIII

Nos institutos industriais poderão ainda ser organizados cursos de aperfeiçoamento e cursos de especialização, sempre que as necessidades o justifiquem.
Os cursos de aperfeiçoamento serão criados com o fim de facultar aos agentes técnicos estudos complementares referentes a indústrias nacionais relacionadas com os cursos de base que os mesmos possuírem e funcionarão em regime nocturno, durante um ou mais semestre.
Os cursos de especialização destinam-se a formar técnicos para os ramos da indústria nacional para os quais não se encontre organizado o ensino especial nas escolas superiores de engenharia do País e no i/aso de para tal efeito, não poder recorrer-se eficientemente ao regime de ensino de aperfeiçoamento. Estes cursos serão diurnos, de frequência limitada, com duração não superior a quatro semestres, e nenhum deles será ministrado em mais de um instituto.

BASE XIV

O ensino médio comercial, que será ministrado nos actuais institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de administração e contabilistas e será organizado em curso com a duração de três anos, constituído por aulas teóricas, aulas e cursos práticos e trabalhos de laboratório.
O ensino será diurno ou diurno e nocturno, segundo as necessidades.
Nos institutos comerciais poderá ser organizado um curso especial preparatório para a admissão ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, e o curso de contabilista compreenderá a habilitação preparatória para a matrícula nos cursos de administração militar e administração naval das Escolas Militar e Naval.
A matrícula nos institutos comerciais será facultada aos candidatos com a idade mínima de 15 anos e que tenham sido aprovados em exame de admissão.
Os diplomados pelos institutos comerciais têm direito a usar o título profissional de contabilista.

BASE XV

O pessoal dos quadros docentes dos institutos industriais e comerciais será normalmente recrutado por concurso e constituído por professores ordinários e professores auxiliares, escolhidos de entre os diplomados pelos cursos superiores técnicos mais adequados, ou por outros a designar oportunamente, e por mestres de oficinas e de cursos práticos, que deverão possuir a habilitação dos cursos técnicos do ramo correspondente.
Compete especialmente aos professores ordinários a regência das aulas teóricas e aos auxiliares a dos trabalhos práticos, de laboratório e dos cursos de línguas estrangeiras; aos mestres cabe designadamente a condução dos trabalhos de oficina e das sessões de esteno-dactilografia e caligrafia.

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Nos casos de impedimento do pessoal docente dos quadras ou quando este não possa encarregar-se de todo o serviço, recorrer-se-á ao recrutamento de professores e de mestres provisórios.

BASE XVI

O ensino elementar agrícola, quer de índole geral, quer especial, destina-se a ministrar aos trabalhadores do campo conhecimentos gerais e noções técnicas referentes à agricultura e à pecuária ou a qualquer dos seus ramos de exploração será organizado tomando como base a habilitação da instrução primária e será ministrado em regime periódico, que utilize as épocas de mais moderada actividade agrícola, e com carácter móvel sempre que tal se mostre aconselhável.
Mediante acordo a estabelecer entre os Ministérios da Educação Nacional e da Economia, promover-se-á a instituição de núcleos deste ensino junto dos organismos de fomento e assistência técnica mantidos por este último Ministério que, para tal efeito, reunam as condições necessários. Simultaneamente será intensificada a acção de fomento e assistência técnica à lavoura, por lei atribuída às escola, dependentes do Ministério da Educação Nacional, cujas explorações passarão a ser administradas segundo o regime análogo ao estabelecido no artigo 45.º do decreto-lei n.º 27:207, de 16 de Novembro de 1936.
O serviço docente relativo ao ensino elementar agrícola poderá parcialmente ser confiado a professores de instrução primária em exercício nas localidades ou regiões onde o mesmo vier a ser instituído, quando daí não resulte inconveniente para qualquer dos ensinos, devendo ser remunerado como serviço extra ordinário.
Serão organizados nas escolas de regentes agrícolas ou práticas de agricultura, sempre que seja necessário, cursos de férias especialmente destinados a professores primários dos meios rurais.
O ensino elementar agrícola poderá ser ministrado nas sedes de Grémios da Lavoura, de Casas do Povo, nas escolas primária? e noutros locais para tal fim apropriados, preferindo-se os que disponham de terrenos o nexos para demonstrações.
Logo que se torne necessário, será criado um quadro especial de professores de ensino elementar agrícola móvel.

BASE XVII

As escolas prática? de agricultura continuarão a ministrar o ensino destinado a preparar feitores e capatazes, mas o seu plano de estudos será revisto no sentido de nele se constituir o ciclo preparatório mencionado na base III da presente proposta, seguido de um ou mais cursos profissionais, podendo a admissão nestes vir a ser condicionada pela realização de estágios de adaptação, feitos pelos candidatos fora da escola e sob a vigilância desta.
Os trabalhos de campo e de oficina, integrados no ensino. terão a duração e distribuição adequadas a uma conveniente aprendizagem profissional e serão distribuídos de acordo com o ciclo anual de actividade agrícola.
Nestas escolas poderão ser ministrados, sempre que o número de candidatos o justifique, cursos periódicos de ensino elementar agrícola, a que se refere a base anterior.
Fica o Governo autorizado a criar duas escolas práticas de agricultura, que poderão ter diferente organização.

BASE XVIII

O ensino médio agrícola destina-se a preparar regentes agrícolas e será ministrado, em regime de internato, nas actuais escolas de Coimbra, Évora e Santarém .
O plano de estudos destas escolas será revisto no sentido de nelas se constituir um curso profissional com duração não superior a três anos. em que poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 15 e máxima de 18 anos que em exame de admissão provarem possuir a necessária habilitação geral.
Na distribuição dos períodos lectivos e dos exercícios-práticos de campo e de oficina ter-se-á em conta o ciclo anual dos trabalhos agrícolas, com o fim de assegurar a participação efectiva dos alunos em todos os que interessem à sua preparação profissional.
Transitoriamente, poderá ser organizado nas escolas, e também em regime de internato, um curso preparatório para o exame de admissão a que se refere a presente base, e, sempre que as circunstâncias o justifiquem, poderá ser criado um curso técnico abreviado destinado a adultos maiores de 20 anos e em regime de externato.
Também nestas escolas poderão funcionar, sempre que o número de candidatos o justifique, cursos periódicos de ensino elementar agrícola.
Em ligação com o curso de regente agrícola continuará a ser ministrada a habilitação necessária para a admissão no Instituto .Superior de Agronomia ou na Escola Superior de Medicina Veterinária.

BASE XIX

O pessoal dos quadros docentes do ensino agrícola será constituído por professores ordinários, professores extraordinários, regentes de internato e regentes de trabalhos; o das escolas práticas de agricultura por professores ordinários e extraordinários e regentes de trabalhos.
Segundo a natureza das disciplinas cujo ensino lhes competir e a índole da escola a que se destinarem, os professores e regentes de internato serão recrutados de entre diplomados com os cursos superiores de agronomia e de medicina veterinária ou com o de regente agrícola e ainda de entre os citados na base XI da presente proposta que forem, para este efeito, de considerar.
A nomeação far-se-á precedendo concurso público, que incluirá obrigatoriamente uma prova de aptidão docente para os candidatos que não possuam a habilitação de qualquer curso de preparação para o magistério.
Para os regentes agrícolas que pretendam consagrar-se ao ensino poderá ser organizado um curso especial de habilitação.
Os lugares de professores ordinários só poderão ser ocupados pelos candidatos habilitados com os cursos superiores que facultam o ingresso neste ensino.
Os professores ordinários serão substituídos nos seus impedimentos por professores provisórios.
Os regentes de trabalhos serão recrutados por concurso de entre os diplomados com o curso de regente agrícola, com a especialização que, para cada caso, for indicada, podendo, porém, ser nomeados regentes de trabalhos das escolas elementares indivíduos com a habilitação do curso de feitor agrícola.

BASE XX

A frequência dos trabalhos escolares será, nas escolas de todos os graus e ramos, obrigatória para os aluno? matriculados, e o seu aproveitamento será verificado e classificado periodicamente, podendo dispensar-se, nos termos em que for regulamentado, o exame final no caso em que aquele processo de apreciação deva considerar-se suficiente. Para a obtenção do diploma, os

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alunos, depois de concluírem a frequência escolar o realizarem os estágios Aos alunos com bom aproveitamento e comportamento exemplar que não disponham de recursos materiais suficientes Será concedida isenção total ou parcial de propinas e serão distribuídas, mediante concurso, bolsas de estudo nas condições que vierem a ser fixadas
As bolsas de estudo podem respeitar à frequência da escola em que o aluno se encontre matriculado ou a estudos posteriores, a realizar em escola de grau mais elevado, quer no País, quer no estrangeiro.

BASE XXI

Os vencimentos do pessoal dos quadros docentes das escolas dependentes da Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio serão fixados na base da sua equiparação aos que se encontrem legalmente estabelecidos para os lugares dos serviços técnicos do Estado a cujos titulares é exigida a habilitação com os cursos que dão ingresso nas diferentes categorias do magistério técnico, devendo ter-se em conta a correspondência entre os diversos graus das escalas dos dois serviços.
O pessoal docente a que se refere a presente base terá direito ao aumento de vencimentos por diuturnidade aos dez e aos vinte anos de bom serviço.

BASE XXII

As autarquias locais, aos organismos de coordenação económica e organismos corporativos, às empresas industriais e comerciais e aos proprietários rurais cumpre colaborar activa e permanentemente na obra da educação e de formação profissional dos agentes de trabalhos dos ramos de actividade que representam e dirigem.
Essa colaboração poderá consistir em:
a) Organização de comissões de patronato das escolas mantidas pelo Estado, com o fim de facilitar o seu funcionamento, promover o aperfeiçoamento do ensino, dar assistência aos alunos desprovidos de recursos, auxiliar o ingresso dos diplomados na vida profissional e outros semelhantes;
b) Criação, a expensas daquelas entidades, nas escolas do Estado, de disciplinas ou de cursos especializados que constituam útil complemento dos planos de estudos dessas escolas e assegurem o seu mais eficiente ajustamento às exigências de preparação técnica de qualquer ramo da produção económica;
c) Criação de centros de ensino próprios, designadamente nas localidades onde não existam escolas do Estado e onde, embora existindo, não disponham de capacidade para todos os candidatos à matrícula ou para proporcionar todas as formas de aprendizagem que interessem às actividades profissionais aí exercidas.
As escolas e cursos criados e sustentados pelas entidades a que se refere a presente base serão, sempre que as suas condições de funcionamento o justifiquem, oficializadas e poderão ser subsidiadas pelo Estado nos termos que vierem a ser definidos.

BASE XXIII

O Governo promoverá, pelos Ministérios competentes, a regulamentação da, aprendizagem, tomando esta como ciclo educativo, em que se incluirá, sempre que necessário, a frequência da escola complementar.
Nas profissões para as quais venha a ser aprovado pelo Ministro da Educação Nacional um plano de ensino complementar da aprendizagem exequível em todo o País, as entidades patronais e os organismos corporativos do respectivo ramo, em colaboração com as autarquias locais, criarão as escolas necessárias para assegurar, em conjunção com as escolas do Estado, a rápida e completa execução desse plano.

BASE XXIV

A Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio será coadjuvada, nas funções de orientação e fiscalização que por lei lhe competem em relação às escolas oficiais e oficializadas, por um corpo de cinco inspectores-orientadores, quatro para o ensino técnico profissional e um para o ensino agrícola, e o seu quadro de pessoal será ampliado de harmonia com as necessidades.

BASK XXV

Serão construídos, adaptados ou ampliados e devidamente equipados os edifícios necessários à instalação dos estabelecimentos de ensino a que se refere a presente proposta, de harmonia com o plano de execução a fixar pelo Governo.
O plano das obras e aquisições a que se refere esta base será aprovado por despacho dos Ministros das Finanças, das Obras Públicas e da Educação Nacional, inscrevendo-se anualmente no orçamento as verbas necessárias à sua regular execução.
O Ministro da Educação Nacional, José Caeiro da Matta.

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CÂMARA CORPORATIVA

IV LEGISLATURA

(INTERVALO DAS SESSÕES)

PARECER N.º 13

Proposta de lei n.º 99

Reforma do ensino técnico profissional

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, sobre a proposta de lei acerca da reforma do ensino técnico profissional, emite, por intermédio das secções de Indústrias metalúrgicas e químicas e Ciências e letras, a que foram agregados os digno Procuradores Pedro de Castro Pinto Bravo, Rodrigo Sarmento de Beires, José Nascimento Ferreira Dias Júnior, António Vicente Ferreira, António Jacinto Ferreira, José Angelo Cottineli Teimo e Gustavo Cordeiro Ramos, o seguinte parecer:
I - Política económica e ensino técnico:
Vem à consulta da Câmara Corporativa a proposta do Governo sobre a reforma do ensino técnico elementar e médio.
Julga-se que a origem deste diploma é menos de inspiração pedagógica do que de natureza administrativa: reside porventura no artigo 44.º do decreto-lei n.º 26:115, de 23 de Novembro de 1935 (reforma dos vencimentos), que só permitia o abono das novas retribuições ao pessoal docente dos diversos ramos de ensino depois de publicada a reforma dos respectivos serviços. Destas palavras, talvez sem mais largo significado que o de anunciarem uma revisão de quadros ou do regime de remunerações, nasceu e ficou latente a ideia mais geral de uma reforma de ensino.
Realmente, não é de supor que à data deste decreto-lei, quando a organização do ensino técnico hoje em vigor contava apenas quatro anos de vida (decreto-lei n.º 20:420, de 20 de Outubro de 1931) houvesse já razões pedagógicas a invocar. Mas decorreram entretanto mais onze anos e algumas ideias novas tomaram corpo.
Simultaneamente, certos problemas económicos foram conquistando posições na compreensão geral; o relatório que antecede a presente proposta vai justamente ao ponto de afirmar que se tem como último alvo deste ensino o desenvolvimento da vida económica portuguesa; e daqui o parecer de alguma lógica que a apreciação que vai fazer-se comece por localizar o alcance desta reforma no quadro mais vasto da nossa economia.
Se observarmos com olhar sereno, sem paixão e sem fantasia, o viver das nossas fontes de produção - agricultura e indústria -, depressa concluímos que ambos se mostram em nível técnico pouco satisfatório, justificando sem mais análise todos os esforços possíveis de melhoria, como defesa, em cuja vantagem parece inútil insistir, da nossa vida económica; e entre esses esforços contam-se os que forem feitos no domínio do ensino técnico.
Mas se a observação for mais minuciosa e fizer o confronto das duas actividades, encontrará nelas predisposição diferente para obedecerem a novas regras de conduta; ver-se-á que a agricultura, se é mais antiga e tem maior volume, adquire, por isso mesmo, maior dificuldade de evolução, porque está mais amalgamada com a índole do habitante, mais próxima das suas tendências sentimentais.
E como o homem, no fisiológico como no psíquico, obedece a lei cuja variação quase se não sente em poucas gerações, a estrutura agrária reagirá sempre mais vivamente a novas ideias e a novos métodos do que a estrutura industrial, mais restrita e mais despegada dos hábitos da população. Já o professor António Câmara, na sessão plenária do I Congresso Nacional de Ciências Agrárias, reconhecia que a indústria é mais fácil de organizar e de instalar do que as actividades agrícolas, pelo que pedia que a estas se chamassem as inteligências mais sãs e mais fecundas. A evolução lenta

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do homem junta-se a acção de factores naturais, permanentes ou quase, que tornam menos livre a vida da agricultura.
E porque a indústria tem maior liberdade de movimentos, possibilidade de mais rápida manobra, menor peso de factores de amortecimento, se julga poder coutar, em igual intensidade de acção, com mais rápida melhoria de rendimento no ensino industrial do que no agrícola, com subida mais nítida na oficina do que na terra, quanto à capacidade de bem produzir e de bem remunerar o trabalho humano. Na indústria sabe-se pouco, na agricultura sabe-se mal; e nestas palavras se definem as duas frentes desta realidade defeituosa, que o ensino técnico, lentamente, precisa demolir.
Mas, apesar desta diferença de características, desta maior docilidade da indústria às forças directivas, há que confessar que a acção do ensino técnico tem, em qualquer dos casos, um papel vastíssimo, imprescindível, mas não preenche todo o campo do fomento da produção.
Antepõe-se-lhe, certamente, o problema geral da educação, que se alarga por extensíssimo domínio, desde a supressão dos 50 por cento de analfabetos, que ainda temos, à divulgação de certos ideais de beleza, de aprumo, de realismo, ideais que. ao mesmo tempo, fazem o homem espiritualmente melhor e criam nele necessidades que lhe dão mais alta categoria de factor económico - ideais que nos levam a todos à tríplice posição de produzir, de consumir e de estar mais perto de Deus.
A Câmara Corporativa, onde se reúnem em harmonia perfeita interesses morais e materiais, como tal expressamente considerados no seu Regimento, espera que se não leve a afirmação à conta de heresia; antes espera que se medite no propósito que a anima de ajudar a corrigir certo vício de temperamento ou de educação que conduz tantas vezes os que têm algumas luzes a uma formação vazia de sentido, onde as facetas utilitárias da vida. certos actos a que se chama humildes só porque são refractários à abstracção, têm o valor de coisas menos dignas, que se afastam sempre que se pode ou se escondem quando são imperiosas.
Aqui. neste desequilíbrio entre o abstracto e o concreto, entre a fantasia e a realidade, nesta pendente mais íngreme para o devaneio do que para a observação, mais para o acidental do que para o sistemático, existe um dos mais graves problemas pedagógicos portugueses - muitíssimo mais grave do que discutir certos pormenores de reduzido ou nenhum alcance com que às vezes se gasta mais tempo do que merecem.
Desta fuga do real, do que talvez possamos chamar inadaptação ao planeta, na hipótese generosa de poder haver outras realidades físicas algures no Universo, vem a insuficiência do nosso ambiente económico e, sobretudo, industrial. Sem encantos para larga parcela da pequena camada culta, que apenas por excepção lhe dirige um pensamento (quase sempre quando recebe o dividendo), e só por maior excepção lhe concede um afecto, a nossa indústria vive em grande parte do interesse das camadas médias e inferiores da população, num esforço, num testemunho de vida activa que merece registo e talvez gratidão, mas que não supre, salvo em casos de particular intuição, a falta de luz em que frequentemente se desenvolve. Por isso, como regra, a indústria é dispersa e atrasada, tem vistas de limitado horizonte, movimenta-se em acanhadas fronteiras de capital e de técnica.
Nesta média, manifestamente baixa, nesta atmosfera de escassas aspirações, o esforço do ensino técnico profissional não brilha como devia, porque a sua acção faz lembrar o trabalho ingrato de comprimir um gás muito rarefeito-
É sabido que muitos dos alunos das actuais escolas industriais não aceitam de boa vontade a situação de operários. Dir-se-ia haver certa incompatibilidade entre a arte de bem limar e o conhecimento da raiz quadrada; quase todos os iniciados nesta matemática, que presumem alta, buscam ser desenhadores, traçadores, empregados de escritório, de preferência a ser ferreiros ou torneiros; e poderia supor-se à primeira vista haver neste fenómeno a expressão de antagonismos entre uma estulta fidalguia de raça e as imperiosas exigências científicas das modernas artes mecânicas. Só é pena que nem mesmo essas exigências, que alguns consideram tão duras, façam acalmar os que se esfalfam a repetir que a técnica desgraça o homem e o reduz à condição de mero instrumento mecânico.
Mas a questão do desvio dos diplomados, observada mais de perto, conduz a outro género de conclusões. O defeito é menos da escola ou da sua população discente do que do meio exterior.
A escola, qualquer que seja o seu tipo ou a eficiência do seu ensino, confere sempre ao aluno, salvo em casos de estreiteza mental, certo alargamento das exigências intelectuais, certo alteamento de critério na selecção de valores; e com o simples contacto do professor, que o ensina, que o julga, que o estimula ou que o repreende, com o direito que lhe vem de saber mais, o aluno habitua-se a compreender que o mestre ou o chefe, longe de deverem ser uma tutela imposta pela fatalidade ou por defeituosa organização da sociedade, devem ser antes consequência natural da escala do mérito, cujos degraus se sobem como prémio do esforço posto em subi-los.
E possível que o aluno verifique a breve trecho que a regra não é isenta de desvios; mas reconhecerá, sem dúvida, que o desvio não invalida, nem de longe, a linha mestra do sistema, por muito que pese aos niilistas de todos os tempos.
Este aluno, saído da escola com esta formação, precisa de encontrar no exterior ambiente adequado ao saber que adquiriu e à mentalidade que criou mas é de recear que lho não dêem muitas das organizações onde poderia hoje procurar trabalho.
Na maioria das pequenas actividades, mais do que dispersas, pulverizadas, sem quadros técnicos superiores, o principiante saído da escola achar-se-á subordinado a um patrão ou a um mestre pouco cultos, que lhe louvarão mais que deite a mão a um saco para ajudar uma descarga do que apresente uma sugestão para simplificar um fabrico ou melhorar um serviço - coisa que se couta como lenda maravilhosa da América ou do centro da Europa, onde há operários que têm ideias que os superiores utilizam, ideias pelas quais recebem prémios ou melhorias de situação.
A chave deste segredo, ao contrário do que parece, não depende só do nascer dessas ideias, que na maioria dos casos são ilusórias ou ineficazes; o êxito está principalmente em haver os tais superiores, efectivamente superiores, que seleccionam, que adaptam, que completam, que tiram de uma simples sugestão o sentido útil que ela contém; o êxito está em haver um ensino técnico elementar que estimula o engenho e haver também uma organização onde há cabeça e mãos. onde esse engenho é capaz de florir.
O nosso principiante, entrado nas pequenas indústrias, muito dificilmente encontra o mesmo estímulo ou a mesma ajuda; e não se julgue que o tratar-se de pequenas actividades tira ao quadro valor quantitativo, porque, como são numerosíssimas, o ter cada uma reduzido pessoal não impede que abranjam em conjunto talvez metade ou mais do proletariado português.
Nas organizações de maior vulto o problema do enquadramento do operário em quadros técnicos devida-

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mente seleccionados encontra-se mais perto de solução, apesar de não serem raros os casos de ausência total ou quase de bases científicas de trabalho, entregue a produção à rotina de um empirismo que reside a miúdo na receita deixada por um catalão muito entendido que por lá passou há meio século; ou os casos em que tudo se julga satisfatoriamente organizado com um único dirigente qualificado que se ocupa de todas as secções, desde a contabilidade ao laboratório. Mas ainda que não seja assim, ainda que a natureza do ofício ou na existência de quadros técnicos superiores permitam a um jovem operário diplomado fazer uso proveitoso do seu saber, este sentir-se-á quase sempre rebaixado entre companheiros que mal sabem ler, que nem sempre são capazes de compreender uma conta mais complicada, e que o recebem a ele, ainda hoje apagada minoria, com acolhimento nem sempre amigável.
Este tem sido o drama dos diplomados pelas escolas profissionais elementares; se lhe somarmos o pouco interesse que curtos salários industriais despertam nestes homens, possuidores de algumas aspirações, aliás legítimas em quem estudou cinco ou seis anos sobre o exame de instrução primária, acharemos justificação bastante para que muitos deles tenham fugido da carreira para que o seu curso, ao menos em teoria, os indicava.
E certo que a função da escola, como factor de cultura geral, não se perdeu; o fomento da produção pela melhoria do nível da mão-de-obra é que não foi integralmente atingido.
O drama do ensino elementar repete-se, atenuado, nos graus médio e superior; o panorama da organização económica não deixa ao ensino técnico condições de máximo rendimento.
A reforma da indústria é indissociável da reforma do ensino, como partes interdependentes de um todo. Por isso se regista a discordância de se abordar a revisão do ensino técnico, cuja organização actual se não reputa calamitosa, quando o fomento da indústria, estatuído em dois diplomas recentes (decreto-lei n.º 31:177, de 17 de Março de 1941, e lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945) e que justifica bem mais sérias apreensões, não tem avançado satisfatoriamente, para mais numa época em que passou a ser lugar comum referir as necessidades da economia e a vantagem de as suprir, sem perder tempo, pelo recurso ao desenvolvimento de todas as possibilidades industriais ou agrícolas. Do primeiro diploma fez-se pouco uso do segundo, tão largamente estudado e discutido nas duas Câmaras, não se fez nenhum e o flicto permite supor que nem sempre tem havido plena consciência do valor real do aumento da produção e do seu rendimento.
Não interessa a este parecer apontar ou defender critérios de desenvolvimento ou de organização industrial. Sem dúvida, haverá sempre indústrias grandes e pequenas, patrões cultos e ignorantes; sem dúvida também a divulgação do ensino técnico criará automaticamente melhoria da situação, porque será cada vez maior o afluxo de elementos, cultural e profissionalmente preparados, a render os que o tempo elimina. Mas não pode esperar-se grande fruto da lentidão natural com que as coisas marcham por si tal o motivo que leva a Câmara Corporativa a afirmar que sem uma reforma da produção parece não poder tirar-se inteiro rendimento de uma reforma de ensino profissional, cujo fito deve estar em oferecer a essa produção melhores instrumentos para que ela os aproveite em plena utilização.

II - Políticos, industriais e técnicos:

Tem-se falado tanta vez no papel dos técnicos na produção, tem-se apregoado tanto a sua necessidade que alguns menos avisados exageram estas verdades, que já ninguém discute, e passam sem dar por isso da verdade para o erro, quando pensavam alcançar unia verdade mais alta. E assim nasceu a ideia falsa de melhorar o governo dos povos com o advento da tecnocracia; e esta outra ideia, igualmente falsa, de que os técnicos criam a indústria.
Resulta de tais exageros uma confusão lamentável, que faz perder às ideias a clareza que as valoriza e faz ganhar às palavras uma vastidão que as compromete.
O político, o industrial e o técnico são três elementos dirigentes da produção, elementos com funções diferenciadas, que postulam aptidões distintas, mas onde as acumulações são permitidas e até porventura aconselháveis.
O técnico deve nascer de unia vocação ao serviço de uma formação, de uma simpatia a definia uma carreira; o político ou o industrial devem nascer, inversamente, de uma formação ao serviço de uma vocação, de uma inteligência cultivada a dar corpo a uma intuição; porque o primeiro é um profissional que se foi ma pelo estudo (melhor ou pior) e os segundos são (ou deveriam ser) tendências inatas que o estudo, qualquer que ele seja, faz amadurecer.
Daí o não serem simétricas as posições do primeiro e dos dois últimos, porque aquele pertence a um grupo que a escola criou e estes a uma selecção que a natureza fez sem distinção de escola, contanto que tenha havido alguma. Mas da amplitude que se dá ao sentido das palavras nasce o ser algumas vezes chamado ou chamar-se a si mesmo político (e não se ofende com isso a lei, que não regulamentou o título) o indivíduo que tem audácia em vez de formação; e nasce também o ter-se como industrial, ou capaz de o ser, o artífice que só tem habilidade ou o capitalista que só tem dinheiro.
O impulso inato ou a cultura adquirida, donde nasce a visão universal dos problemas realmente sérios, são tidos por dispensáveis. O self-made man americano, que pela Europa tem, justamente, tantos admiradores, é quase sempre mal copiado; porque da sua vida se conhecem os aspectos exteriores e se ignora o caminho, por vezes penoso, do autodidacta.
Num país económica e culturalmente são, os políticos, os industriais e os técnicos (em qualquer dos casos os verdadeiros, é claro) aparecem, por geração espontânea, nas proporções convenientes; mas quando os segundos rareiam (e não parece ousado afirmar que é o nosso caso), não cabe aos técnicos substituí-los como suplentes, porque pode legitimamente faltar-lhes a vocação e lhes falta quase sempre o capital, mas cabe antes aos políticos criar estímulos para que o seu número aumente. E se, com o nome de industriais, aparecem indivíduos que não têm preparação para cumprir como devem o que a Nação deles espera, não são os técnicos de qualquer grau que detêm o poder de os impedir de ocuparem posições que não merecem ou de os afastar de situações já criadas, mas onde se revelam incompetentes; nem sequer lhes cabe a obrigação de pensarem em tais dificuldades ou terem opinião sobre a maneira de as contornar. Contrariamente, ter sensibilidade para ver e resolver estes e outros problemas que estão na base da vida nacional é, por dever de ofício, a alta missão do verdadeiro político; e é por isso, e para isso, que os políticos mandam mais do que as outras pessoas.
Por tal motivo, não parece norma aconselhável, antes se tem por descabelado contra-senso, certa opinião, que às vezes corre, de forçar a criação de técnicos como maneira de activar a vida industrial, porque ao problema inicial, que subsiste, se vem juntar o da inquietação de um excesso de gente sem saída. Pensar que um novo órgão é condição suficiente para que exista uma nova função é desrespeitar a um tempo Lamarck e a lógica. E igualmente destempero supor que a escola, e

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não a vida profissional, forma o técnico perfeito, capaz de tomar sobre ai o encargo de dirigir; e apontar que não lia técnicos como o mal supremo de um paia onde faltam as actividades que os hão-de treinar é tão ilegítimo como estranhar que não- haja lagares de azeite na Noruega; porque se a oliveira pudesse florir nas terras geladas da Escandinávia, os escassos 3 milhões de rudes noruegueses, que souberam construir uma das maiores frotas mercantes e alcançaram na produção da electricidade o primeiro nível do Mundo, saberiam certamente montar as suas prensas e não teriam necessidade de mandar a azeitona a esta ocidental praia lusitana para que lha espremêssemos à maquia.
Desde Golbert ou Pombal, que procuraram onde os havia os artífices de que precisaram para o arranque dos seus programas de renovação, até aos dias de hoje, em que se rebuscam pela Europa devastada os técnicos da energia atómica - estes porventura com menos liberdade de recusarem o convite do que os seus antepassados de há dois ou três séculos -, sempre se tem julgado mais acertado e mais expedito recorrer aos que tomaram a dianteira e começar por criar com eles a função, deixando a esta a tarefa mais lenta de criar o agente, do que o caminho oposto de pretender começar do nada à custa dos próprios recursos, repetindo todas as diligências, sofrendo todos os reveses, por onde outros já passaram há larguíssimos anos. Outra modalidade da boa solução está em mandar os técnicos aos centros mais avançados, não para irem à escola ouvir dizer como se faz, mas para irem aos locais de trabalho fazer e ver fazer; e na conjugação das duas fórmulas reside por certo a maneira mais segura de ganhar tempo.
A ideia de que o ensino técnico pode preparar e manter em potência uns tantos especialistas, para surgirem como mestres consumados quando certa indústria vier a nascer, não tem a mais pequena consistência. E não é mais sólida esta outra de que o ensino técnico, só por si, é suficiente factor do fomento fabril.
Parece contudo que assim se tem pensado várias vezes. No relatório da reforma do ensino de 1911 (decreto de 23 de Maio) lêem-se estas palavras:
O nosso atraso provém apenas da insuficiência do nosso ensino técnico, insuficiência que ontem era um mal e hoje é um perigo, dada a luta da competência que é preciso suportar na concorrência aos mercados de todo o Mundo.
Anos depois, no relatório da reforma de 1918 (decreto n.º 5:029, de 1 de Dezembro), escreveu-se, com referência ao dever do Estado de promover a expansão das actividades económicas:
A nascente desses afortunados rios de abundância está apenas na escola. E mister organizar o ensino técnico em moldes que o tornem essencialmente prático e útil.
E mais adiante, ao defender a necessidade de desenvolver a indústria, já o mesmo documento dá ao ensino técnico uma posição menos categórica, de preponderância, mas não de exclusivo:
Entendemos que o pior mal poderá provir de não se resolver sem delongas o problema do ensino técnico.
É forçoso reconhecer que estas afirmações são ousadas. £ tendência do homem ver nos temas que lhe são mais gratos a chave de todos os grandes problemas; e com essa tendência se compromete, atribuindo a uma causa simples males de origem mais completa, que depois se verifica não cederem à terapêutica parcial. E foi o que aconteceu neste caso.
O ensino técnico é condição necessária, mas não suficiente, do progresso industrial; e o que é apenas necessário não constitui obrigatoriamente caminho único. Há nos raciocínios de 1911 e de 1918, como no de muita gente de hoje, uma parcela confusa; como a indústria impõe o ensino técnico, supus-se que a inversa também era verdadeira, mas houve nisto precipitação, houve má observação da Natureza, que nos revela a cada passo fenómenos irreversíveis. A prova está em que o diploma de 1918, como os que o antecederam e os que o seguiram, não teve a acção marcada que seria de esperar; houve apenas a lenta e natural infiltração que o desenvolver do ensino técnico tem sempre no desenrolar da produção. Ao fim de tantos anos de se pensar no problema, continuamos a ter má indústria e sofrível agricultura.
O próprio relatório do diploma de 191S emenda-se, um pouco mais adiante, do exclusivismo que deu ao ensino técnico. Diz ele, a propósito da luta de concorrência, para que entende, e bem, dever apetrechar-se a nossa produção:
Quais os meios de resolver um problema de tal gravidade? Criando numerosas escolas e disseminando-as pelo País? Seria um erro proceder assim. É necessário integrar o ensino no espírito popular ... e criar a necessidade da utilização da gente preparada por meio desse ensino.
Ao verificarmos agora, passados trinta anos sobre estes textos, que nova organização do ensino técnico se oferece, desacompanhada de uma acção directa sobre a organização industrial, levanta-se a dúvida sobre se renascem as velhas e desacreditadas ideias quanto à acção decisiva do ensino técnico na economia.
Se as duas primeiras transcrições feitas acima, com seu ar dogmático de verdades, aliás muito discutíveis, em vez de se referirem ao aspecto restrito da escola técnica, se referissem à escola no seu sentido mais geral, outro seria o seu valor. Ao ensino técnico cabe indiscutivelmente a missão de ser o mais intransigente inimigo dessa revoada de conceitos irreais que tornam a ossatura da sociedade portuguesa; mas não lhe assaquemos uma responsabilidade que lhe não cabe e com que não pode. Atribuamo-la, sim, à escola na sua significação mais lata; à escola que ensina os técnicos a prepararem-se para o serem, a escola que ensina os que hão-de ser industriais a subir de plano, à escola que ensina os que hão-de ser políticos a alargarem as ideias para fora de certa roda de temas, que já fizeram o triunfo de Péricles mas sobre os quais passou a revolução da técnica no século XIX, em suma, à escola que faz de um grupo de homens esse conjunto orgânico que se chama uma nação.
Não se nega que há muito que fazer em Portugal no campo do ensino técnico; mas a Câmara Corporativa deseja acentuar esta segunda ressalva: a formação de técnicos de qualquer categoria não supre a escassez de industriais ou a falta de iniciativa dos políticos, nem dispensa o recurso da colaboração alheia.

III - Forma e matéria:

Vem dos alvores da civilização grega, desse remoto Tales de Mileto, que, com a fricção do elektron, ganhou direito ao título de primeiro electricista, a preocupação de explicar as transformações incessantes de quanto nos rodeia; e depressa se chegou ao dualismo de potência e acto. como quem diz matéria e forma nas coisas materiais.

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Destes conceitos metafísicos se .generalizou a todo o tipo de actividade a noção de um duplo elemento constituinte, embora sem manter a rigor o primitivo significado; e daí o distinguir-se nas leis a letra e o espírito, o haver em todo o esquema de actuação a organização e a essência.
Neste sentido analógico, são frouxas as ligações entre as duas componentes de qualquer actividade; da bondade de uma não é sempre legítimo inferir a bondade da outra; e se é difícil concretizar qual delas é mais valiosa, poderá talvez ter-se como certo que a essência não deve cotar-se abaixo do aspecto formal.
Vem isto a propósito do diploma em discussão, que, breve como é, aflora temas de superestrutura sem dúvida valiosos, mas não nos informa das coisas mais íntimas. São sempre um pouco assim, por natureza, os problemas do ensino; dizer que haverá escolas onde os professores devem ensinar e os alunos devem aprender, fixar algumas regras da mecânica funcional, já é conquista de mérito; mas esta carpintaria não nos habilita a prever o valor real do edifício pedagógico.
No fundo, o que vale é o saber como os professores ensinam, e o que os alunos aprendem; a noção que os primeiros têm das necessidades do meio e a aptidão que os segundos passam a ter como membros da sociedade. De pouco valem palavras; é sabido como por todo o Mundo, da mais modesta escola por correspondência à mais categorizada Universidade, se encontram cursos com o mesmo título ou cadeiras com o mesmo nome, sem que haja identidade de preparação; é sabido como em duas escolas do mesmo grau se podem despertar anseios de personalidade e de vida activa ou acentuar tendências de ascetismo e de contemplação.
Pouco se contém nas palavras de uma reforma de ensino que nos elucide sobre o verdadeiro sentido do que se vai ensinar; poderá esse sentido estar presente em quem esboçou a reforma, estar nas aspirações de quem a há-de executar, mas não o revela o panorama formal que tem sempre, invariavelmente, o mesmo bom propósito.
Dessa uniformidade de intenções é prova bem característica quanto se tem escrito entre nós sobre o sentido prático do ensino técnico nos últimos oitenta anos. O relatório da reforma de 1864 (decreto de20 de Dezembro), que criou as primeiras três escolas industriais (Guimarães. Covilhã e Portalegre), diz do seu objectivo:
O fim deste ensino deve consistir em habilitar um grande número de homens para a prática das diferentes arfes industriais, tendo em vista que esta nunca será profícua senão quando for guiada por certas e determinadas regras e por conhecimentos positivos, que é necessário vulgarizar por meio do ensino industrial, ensino este que deve restringir-se ao que for praticamente útil.
Tinte anos depois, o relatório do decreto de 3 de Janeiro de 1884 começa por estas palavras:
Considerando que o trabalho e a indústria, hoje completamente emancipados, devem estar aptos a produzir em condições indispensáveis de barateza e perfeição, não podendo essa aptidão ser adquirida senão pela instrução dada nas escolas especiais com uma feição eminentemente prática ...
No relatório da reforma de 1891 (decreto de 8 de Outubro) diz-se, semelhantemente, que se procurará a acentuação do carácter especial e profissional do ensino nas diferentes disciplinas de instrução industrial, dada sobretudo pelo desenvolvimento do trabalho oficinal; a ligação do ensino teórico e prático correndo paralelamente e sempre em tudo inseparáveis e, como consequência, a organização de uma secção de técnica oficinal ...

Na reforma de 1918 encontram-se estas palavras:

Tornar o ensino útil é torná-lo prático, é criar técnicos e não parasita». É fundamental que as compreenda bem nitidamente que todo o indivíduo sem competência técnica prática - juntamos de propósito os dois vocábulos - é uma perfeita inutilidade para o caminhar do progresso, para a marcha da civilização, e constitui um peso para o Estado. O País carece essencialmente d O relatório da reforma de 1930 (decreto n.º 18:420, de 4 de Junho) volta a insistir:
O ensino, tanto no ramo industrial como no ramo comercial, fica orientado no sentido de uma mais acentuada profissionalização.
Sempre a mesma intenção, a mesma justa noção de que a escola profissional deve ser activa e não passiva, mais prática do que teórica, mais oficina do que museu; sempre o objectivo de adaptar melhor as coisas à situação do momento, mas sempre também a convicção, que se adivinha (quando não é a afirmação sem rodeios}, de que as reformas anteriores não alcançaram o ideal (sempre o mesmo) que em cada nova orgânica se julga atingir. No fundo, sempre o reconhecimento de certo divórcio entre forma e essência, sempre a confirmação de que a primeira não pode tomar-se por boa fiadora da segunda.
Impressiona a rápida série de leis de que a reforma de 1918 faz volumoso apanhado e severíssima crítica, seguida da reforma de 1930, remodelada em 1931 (decreto-lei n.º 20:420, de ,20 de Outubro de 1931), e da que actualmente se discute, para só falar nos documentos básicos; série em cujos termos se anuncia sempre o mesmo propósito, invariável no tempo, mas que o termo seguinte declara inatingido e se propõe alcançar com mudanças de forma que nem sempre reflectem mudanças de fundo. Vai-se desacreditando o valor da forma como elemento definidor da essência.
E, porém, de justiça registar que as mutações políticas verificadas em Portugal têm tido marcada responsabilidade no valor das críticas que algumas reformas fizeram das antecedentes; e o decreto de 23 de Maio de 1911 é o modelo mais perfeito desse género, referindo-se à legislação anterior em termos desabridos, talvez impróprios da folha oficial.
Mas nem só na orgânica da escola reside o aspecto formal do ensino; há que ter em conta certas condições materiais que a boa doutrina e a boa vontade não suprem totalmente. E se essas condições não constituem o problema fundamental, não devem desprezar-se por isso como pormenores sem importância, nem desligar-se da sua posição de factores do decoro nacional.
Com ressalva de poucas escolas, têm sido desde sempre deficientíssimas as condições de funcionamento do ensino técnico entre nós, fruto do erário pobre de um país de economia débil, que não certamente por falta de compreensão das exigências didácticas. Rara tem sido a reforma em que a redução de despesas não aparece como elemento limitador, quando não como confessada finalidade. Edifícios acanhados, onde é preciso improvisar aulas em escadas ou corredores, onde não há recreios nem instalações sanitárias; material de ensino

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nulo, insuficiente ou desactualizado; oficinas mal equipadas ou mal dotadas de materiais de consumo, a ponto de que alguns dos cursos previstos na organização 3e 1931 não têm podido funcionar - tal é o ambiente de muitas das nossas escolas, que uma nova lei orgânica, só por si, não consegue melhorar, a despeito do talento que nisso se empenhe. O mesmo se diz dos institutos médios.
É certo que o decreto-lei n.º 24:337, de 10 de Agosto de 1934, depois de afirmar a importância do ensino técnico e a existência de um vasto programa de novas construções a ele destinadas, conferiu à Junta Administrativa do Empréstimo para o Ensino Secundário, que passou a denominar-se Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, a missão de estudar os edifícios-tipo e de realizar as construções dentro do plano a aprovar; .e é certo ainda que o Boletim Oficial do Ministério da Instrução Pública (ano v, número especial, 1934; trouxe a lume as aspirações dessa época quanto ao ensino técnico profissional (escolas industriais e comerciais), que se podem resumir e arredondar nos números seguintes, segundo os orçamentos de então:

contos
Obras de beneficiação e ampliação em dezanove escolas ...........11:000
Construção de vinte e sete edifícios para escolas já existentes, carecendo insofismável e inadiàvelmente de edifícios novos, no dizer da comissão de estudo
.................................................................85:000
Construção de trinta e oito edifícios para escolas a criar ......76:000
Total............................................................172:000

Não se compreende facilmente como esta promessa e este programa, feitos três anos depois da publicação de uma reforma do ensino técnico, não tiveram seguimento imediato, ao menos parcial. Passados os anos e nascida a ideia de um novo arranjo do ensino, a obra continuou suspensa, ao que parece por se estar à espera da reforma agora em projecto. Não te vê que mal houvesse em construir edifícios para escolas, quando há tantas que são indiscutíveis e necessitam de instalação conveniente; recorda-se como exemplo característico a Escola Afonso Domingues, de Xabregas. Parece ter-se julgado que uma nova organização do ensino faria cristalizar em números definitivos as necessidades do País, fixando para todo o sempre as exigências de cada região e o limite da população escolar; parece ter-se pretendido projectar escolas que se ajustassem perpetuamente às necessidades, como a supô-las isentas das imposições do tempo.
Tudo ficou por fazer neste domínio. A proposta em estudo oferece-nos na base XXV nova promessa de um plano de obras; mas o n.º 12 do relatório, que a ele é dedicado, nada nos diz que permita formar ideia do volume desse programa nem do prazo em que poderá cumprir-se. A Câmara Corporativa teria desejado também uma noção mais concreta deste aspecto; porque o simples reconhecer que o existente não basta pode ser suficiente satisfação para o espírito de quem escreve, mas não o é para o espírito de quem lê. Já o relatório da reforma de 1930 dizia da que a antecedera: De edifícios e fie material didáctíco nado se curou.
Depois da qualidade vem a extensão; o esboço da forma que nos é revelado na proposta, se não define a essência, não elucida mais sobre as dimensões da obra. Sabe-se que as escolas técnicas são insuficientes para receber todos os que as procuram; sabe-se que essa procura deverá aumentar; há todo um problema de alargamento do sistema e de distribuição dos seus ramos, problema que toca o financeiro, o económico e o pedagógico, e que não é tratado no texto que se nos oferece.
Reconhece-se que seria difícil apresentar à nossa apreciação uma carta escolar, como quem diz, um compromisso firme de execução de um projecto, porque se sabe que faltam edifícios, que custam muito dinheiro e levam anos a construir, que falta pessoal docente, difícil de conseguir, sobretudo fora dos grandes centros, e que falta o inquérito pormenorizado das necessidades locais, base de qualquer programa medianamente fundamentado; mas teria sido possível dar unia ideia da ordem de grandeza do que se tem em mente, atirar um número cuja unidade poderia ser, indiferentemente, a dezena de escolas, o milhar de alunos ou a dezena Je milhares de contos.
Se uma reforma de ensino nunca traduz mais do que o que podemos chamar o panorama exterior, aquela que discutimos limita ainda, por imposição constitucional (artigo 92.º) o ângulo de visão, apertada na sobriedade de umas bases gerais, cuja doutrina, mesmo quando boa. não garante, só por si, melhoria efectiva que compense a canseira que dá.
Algumas exposições foram dirigidas a esta Câmara abordando pormenores da organização do ensino técnico, umas interessantes e outras interessadas; mas não nos cabe, com pena nossa, discuti-las nem sequer enunciá-las neste simples comentário às bases propostas.
E por tudo isto que a Câmara Corporativa, antes de entrar na análise directa da proposta do Governo, formula esta terceira reserva: as modificações de estrutura do ensino técnico podem não traduzir nada. ou apenas muito pouco, no caminho do aperfeiçoamento que é lícito esperar, se não forem acompanhadas de renovações da essência, que o diploma omite ou aborda de leve no relatório, e se não tiverem a velai- por elas um talent de bien f aire, persistente, impertinente se for preciso, que, sem largar da mão direita a pedagogia, tenha a esquerda suficientemente forte para não deixar outra vez ficar para trás o programa de novas construções.

IV - Ensino técnico profissional:

A] Habilitações de entrada. - Qualquer que seja a crítica que mereça a falta de linha geral, que a reorganização de 1918 aponta como defeito dos diplomas que a antecederam, o certo é que as ideias se têm concretizado e se tem ganho um cabedal de experiência que permite hoje esboçar com maior segurança o regime do ensino técnico profissional.
Nem é de admirar que o último século nos revele neste sector uma hesitação acentuada, sobretudo no ramo industrial; a indústria, se ainda está hoje, apesar de marcado progresso, em fase que se reputa insuficiente, tinha no século passado a inconsistência que é fácil adivinhar; e da falta de precisão do objectivo derivava necessariamente o tatear do caminho. Os mesmos ou piores tratos tem sofrido o ensino liceal em matéria de bem mais sólida estabilidade.
A reforma de 1918, além de muito sumária no que se refere ao ensino elementar, teve um defeito fundamental: não soube distinguir, ou distinguiu mal, a tradição, da necessidade, o folclore, da economia, a arte popular, da ciência aplicada. E fez em colunas cerradas do Diário do Governo a descrição e o elogio de dezenas de pequenas actividades regionais de feição artística, deixando em posição secundária a verdadeira indústria, aquele fruto de uma técnica de sólidas raízes científicas que gera os artigos do grande comércio mundial, aquele comércio que dá trabalho aos homens e prosperidade às nações, aquele que tem verdadeiro peso na vida económica.

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E dizemos que distinguiu mal, porque a reforma, procurando servir a economia, resvalou, pelo trilho do sentimento, para a arte popular e dedicou-se sobretudo a ela. Nada de mau visto em absoluto, antes pelo contrário. Mas, no campo da relatividade, a posição tomada é um erro e um perigo; erro, porque o ensino técnico é essencialmente utilitário e, embora lhe caiba o dever de estimular as pequenas actividades regionais, não pode perder-se por elas em devaneios parnasianos; perigo, porque nas contas entre as nações, tal como nas contas entre os indivíduos, só é estável a posição de quem logra saldo credor; e não é fácil consegui-lo com os frutos do regionalismo que, sobre ser económicamente débil, precisa ser sóbrio, para não se tornar piegas.
Será esplêndido, por exemplo, que se desenvolva a indústria dos tapetes da região de Coimbra, ingénuos e baratos; mas parece não ser menos esplêndido conseguir intensificar a exportação da cortiça manufacturada de preferência a vender em bruto a prancha ou a apara; e julgar que as duas coisas se substituem é atitude de mau gosto ou de péssimo juízo.
Da falta de proporção que se aponta resultou ter-se limitado em 1918 a cinco cidades - Lisboa, Porto, Coimbra, Guimarães e Funchal - o domínio das escolas industriais com base regular de preparação e terem-se espalhado por todo o resto do País dezanove escolas de artes e ofícios de carácter acentuadamente regional, onde o ensino se ministrava a toda a gente, incluindo analfabetos.
A esta anomalia pôs fim a reforma de 1930^1931, que, num justo equilíbrio entre os ofícios industriais e as artes regionais, deu a todas as escolas (salvo ligeiras variantes na composição dos cursos) nome e estatuto semelhantes, impondo o exame de instrução primária como preparação obrigatória (artigo 230.º), salvo para rendeiras, tapeceiras, tecedeiras ou semelhantes (§ 1.º do mesmo artigo) e repartindo pelo País, segundo as características e a importância das actividades do meio, os sessenta e dois cursos profissionais que foram então estabelecidos.
Feita ressalva de um possível exame de aptidão na parte final da base III), que a tradicional liberalidade dos júris de instrução primária parece aconselhar, a proposta em estudo não modifica nestes aspectos a legislação actual, mantendo o exame da 4.º classe de instrução primária como habilitação mínima e propondo-se espalhar os diversos cursos pelo País, de acordo com as actividades de cada região (bases I e II). A Câmara Corporativa nada tem a objectar; dentro de uma vaga generalidade não se vê que a distribuição possa fazer-se de outra maneira, porque a frase, com ligeiras variantes de redacção, já vem nas reformas do século passado, reproduzida do relatório de João Crisóstomo na organização de 1864.
Ficam em aberto as questões relativas ao número de escolas, número de cursos e sua repartição, a que a proposta se não refere, matéria a fixar em decreto, ao que se lê na base i; mas não havendo quanto ao critério basilar qualquer princípio novo, antes se repetindo o que já existe, parece que não teria sido pormenor excessivo dizer no que se pensa manter ou alterar a situação presente.
B) Idade de admissão. - O regulamento do ensino elementar industrial e comercial, aprovado pelo decreto n.º 2:609-E, de 4 de Setembro de 1916, fixava em 13 anos, a completar durante o ano lectivo (artigo 119.º), a idade mínima de admissão nos cursos profissionais.
A reforma de 1918, mais tolerante, facultou a admissão nas escolas industriais a menores de 13 anos (artigo 37.º); mas observava-se no relatório que o 1.º ano do curso (designado por 1.º grau ou preliminar) se considerava de transição, por se reconhecer que os alunos com aquela idade (praticamente entre 10 e 13 anos) não tiravam proveito da aprendizagem técnica, mas que era forçoso conservá-los na escola para os furtar aos perigos da rua. Esse ano preliminar era preenchido por disciplinas de preparação geral: Desenho, Língua Pátria, Aritmética e Geometria e Trabalhos Oficinais.
A reforma de 1930-1931 procurou aumentar a idade de admissão, para evitar os alunos muito novos; fixou a idade mínima em 12 anos, a completar no ano civil da entrada, mas consentindo a tolerância de seis meses, o que equivaleu a permitir a matrícula aos que façam 12 anos até 30 de Junho do ano seguinte, isto é, àqueles que tenham no momento dessa matrícula 11 anos completos (artigos 227.º e 229.º). Fez, porém, a reserva de que se não elevava essa idade, como seria razoável, por faltar o ensino primário complementar para preencher os anos que mediariam entre a saída da escola primária e a entrada na escola industrial. Por esse facto, a organização dos cursos previu o trabalho oficinal no 1.º ano muito reduzido e preencheu os dois primeiros anos com cadeiras de preparação (Português, Geografia e História, Aritmética e Geometria e Desenho), fazendo do 3.º ano, ainda com aspecto nítido de preparação geral, a ponte de passagem para o ensino profissional, e deixando para os dois últimos anos (os cursos são de cinco anos, salvo raras excepções) as disciplinas de carácter profissional, geralmente associadas à Química e à Física.
Desta maneira, deixa-se algumas vezes, como faz notar o relatório da proposta, o espaço de um ano entre a escola primária (concluída em média aos 10 ou 11) e a escola industrial, pela reconhecida impossibilidade de antecipar o começo desta, antes se reconhecendo que só haveria vantagem em o atrasar; mas o inconveniente grave desta lacuna, pelo que faz perder ao aluno em tempo não aproveitado e em hábitos de estudo enfraquecidos, tem sido na prática muito atenuado pela tolerância dos seis meses que a lei consente e acima se referiu.
A proposta em estudo não altera essencialmente a posição de facto actual, mas dá-lhe forma mais elegante e mais coerente: cria um ciclo preparatório ou de pré-aprendizagem (1.º grau), com a duração de dois anos e idade mínima de admissão de 11 anos, e atrasa portanto para os 13 anos a entrada nas matérias de carácter profissional (2.º grau); e com esta fórmula se dá solução ao velho problema do encadeamento da escola primária com a escola técnica - no domínio desta como parece preferível, e não no daquela , encadeamento que sofreu sorte vária com as numerosas alterações de estrutura dos cursos técnicos. A lei n.º 1:969, de 20 de Maio de 1938, que dividiu o ensino primário em elementar e complementar (respectivamente com três e dois anos de duração), fixou o 1.º ano deste último ensino como habilitação de acesso a estudos posteriores e o
2.º ano como um prolongamento de índole económico-social com variantes regionais, em correlação, que não chegou a ser definida, com o ensino profissional (base na daquela lei); mas a solução agora apresentada parece ter uma feição mais prática.
Não se especifica em que data se conta a idade mínima de 11 anos, o que origina dúvidas, porque as disposições legais aplicáveis ao liceu e à instrução primária permitem considerar duas hipóteses: ou no princípio do ano .escolar (l de Outubro) ou em 31 de Dezembro do ano de entrada. De facto, a admissão ao liceu faz-se com 10 anos completos no início do ano escolar (artigo 35.º do decreto-lei n.º 27:084) e o exame de instrução primária pode fazer-se com 11 anos, a completar dentro do ano civil, ou, mediante requerimento devidamente instruído, com 10 anos a completar

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no mesmo período (artigo 9.º e seus parágrafos do decreto n.º 18:413).
Os 11 anos da actual proposta não resolvem totalmente o problema de não deixar um ano vazio entre o fecho da instrução primária e o início do curso técnico. Se esses 11 anos se contam em 31 de Dezembro do ano de matrícula, ficam de fora os que tenham feito exame de instrução primária com 10 anos; se se contam no início do ano escolar, deixam-se de fora os mesmos mais aqueles que completem os 11 anos entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro.
E certo que o relatório da proposta (n.º 2) entende que não se devem permitir exames de instrução primária antes dos 11; mas como não tem força legislativa, há que aceitar em vigor o decreto n.º 18:413 e analisar as consequências.
Parece que a solução mais lógica, desde que o exame de instrução primária é habilitação obrigatória, será não fazer referência à idade mínima; e se se entender que há necessidade de rever o assunto, bastará legislar sobre aquele exame. A admissão no liceu ou na escola técnica, sendo posterior ao exame, ficará automaticamente regulada quanto à idade mínima, visto que a idade é uma variável sempre crescente; só ficará lugar para fixar idades máximas, quando houver motivo para o fazer.
Mais necessário do que fixar a idade de entrada no curso preparatório se afigura fixá-la para a entrada no curso complementar de aprendizagem, pois que, podendo este ter alunos de duas origens (curso preparatório ou apenas instrução primária) e tendo os da {primeira, em geral, 13 anos, se pode ser levado a pensar que se aplica aos da segunda a mesma regra.
Presume, porém, a Câmara Corporativa que a intenção da proposta é de que a segunda hipótese se aplica aos cursos para que hoje se dispensa o exame de instrução primária, (rendeiras, etc.), o que leva a aceitar que a admissão no curso se possa fazer imediatamente após a conclusão daquele exame.
C) O curso do 1.º grau. - Estabelece a base II da proposta que o ciclo preparatório terá normalmente a duração de dois anos; mas, como do texto da própria base e das afirmações do relatório se infere que esse ciclo é uma introdução geral aos cursos técnicos da indústria, do comércio e da agricultura, a palavra «normalmente », indicando que a sua duração nem sempre será igual, cria um certo antagonismo com a ideia de generalidade, que parece arrastar a de identidade.
E intuitivo que nem todas as carreiras profissionais exigirão a mesma preparação cultural não especializada; mas, a criar-se um ciclo preparatório, parece mais compreensível mante-lo uniforme, constituindo uma espécie de máximo divisor comum dos cursos profissionais, do que quebrar-lhe a generalidade com variantes de aplicação restrita.
Se se admite que a cada curso profissional poderá corresponder um curso preparatório de composição diferente, cairemos na situação actual e deixará de ter sentido e utilidade a existência autónoma do ciclo preparatório. Parecerá preferível que os complementos de preparação que em alguns casos não caibam no biénio (e é evidente que, em geral, não cabem) se incluam no próprio curso especial a que interessem, pois que este, porque é especial, pode conter com inteira lógica quanto se julgar útil. Parece, por isso, que a palavra anormalmente» se deve suprimir.
O que poderá discutir-se é se o ciclo preparatório do ensino técnico (1.º grau) deverá ter dois ou três anos, assente que a idade de 14 anos se considera por toda a parte como a mais conveniente para o início da formação profissional; mas, como o ciclo preparatório deverá ter logicamente características de orientação profissional (a base III o afirma) e o próprio ensino do 2.º grau não poderá deixar de conter, como acaba de dizer-se, certos complementos de preparação geral (Química. Física, Português, Matemática, etc.), a discussão neste campo nunca terá valor de coisa fundamental.
A fixação dos dois anos tem a vantagem de não tornar antipático, por muito longo, este grau preparatório, a que se dá agora vida independente, ideia nova à qual a duração de três anos (que é, alias, o período actual de generalidades, com ressalva de pequena especialização no 3.º ano) faria realçar a aspereza inicial de todas as novidades; tem ainda a vantagem de permitir intensificar a preparação profissional, por dar possibilidades de diferenciação no 3.º ano do curso: mas tem o inconveniente de exigir anais cedo a escolha da profissão ou grupo de profissões, facto que o legislador considera tão importante que prevê na base V a possibilidade de haver no 2.º grau cursos de base. comuns a. diversas profissões, seguidos da especialização correspondente. Quanto a este aspecto a situação melhora apreciavelmente em relação ao estado actual, em que a opção do curso se faz no 1.º ano, entre a multiplicidade de carreiras que se oferecem, com evidente embaraço para o aluno e frequente desacerto.
A questão da duração do ciclo preparatório parece, pois, ser de importância secundária; o fundo do problema residirá na graduação dos programas, que não está em causa, pelo que a Câmara Corporativa considera de aceitar a duração de dois anos que se propõe.
Uma questão importante se levanta sobre a composição das matérias de cultura geral; o problema não é específico de qualquer grau de ensino, mas aplica-se A todos eles, do superior ao elementar.
Defendem uns que o ensino técnico deve limitar-se aos temas profissionais que o técnico precisa conhecer a fundo sem outras preocupações de preparação cultural; defendem outros que a especialização profissional é um erro, não devendo os cursos técnicos passar de meras generalidades assentes em sólida cultura humanista.
Como, aceites os dois extremos, são igualmente de aceitar todas as posições intermédias, haverá uma infinidade de soluções possíveis. A análise do que se passa no Mundo, mesmo nos países, como a Inglaterra, apontados como modelos de ensino prático e eficiente, não deixa dúvidas sobre a vantagem de conjugar as duas tendências num justo equilíbrio do geral com o especial, da educação com a profissão; porque, se é preciso formar o artífice, não é menos preciso preparar o cidadão.
No nosso País, onde o nível da educarão é baixo, parece ainda mais imprescindível afeiçoar as gerações novas a um quadro espiritual mais exigente. porque essas gerações são a guarda avançada que suporta o embate da reacção do meio - a reacção forte e absorvente dos locais de trabalho, que procura não deixar revelar nos novos o ideal que nasce. É certo que a preparação geral mais cuidada também contribui, como já atrás se mencionou, para afastar das oficinas os rapazes da escola industrial, levando-os a lançar as vistas para ocupações mais rendosas ou que reputam mais nobres; e pode, se for excessiva, desvirtuar a natureza do curso, dando aos diplomados a ilusão de que lhes falta muito pouco para chegarem a doutores.
Além de uma tintura de ilustração geral dada pela escola, outro factor, que não interessa aqui directamente, contribuirá para melhorar o nível moral dos trabalhadores: o aumento do salário. Não há educação que resista a um salário abaixo do natural, como o definiu David Ricardo, porque a privação do indispeu-

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sável só pode ser origem de desespero e abandono; mas até neste ponto a escola pode ajudar uma reforma industrial ou agrária, dando trabalhadores mais conscientes e de maior produtividade.
Mas nem pode afirmar-se que a fuga da profissão seja a generalidade nem pode negar-se que a instrução dos mais novos é a única forma de combater a impreparação dos mais velhos; e que essa instrução, mesmo quando não reforce à primeira vista a formação profissional, é elemento útil, diremos quase indispensável, para cultivar a inteligência e avivar a personalidade.
O respeito por estes princípios tem sido a regra geral do nosso ensino técnico, ressalvado o caso das escolas de artes e ofícios na reforma de 1918; e a organização de 1930-1931 foca mesmo com precisão esse aspecto quando defende a existência de uma educação geral equilibrada, que dê o necessário desenvolvimento de espírito sem desvirtuar a finalidade da escola nem modificar nos alunos o sentido da preparação que recebem.
Mantém esta orientação a reforma em estudo, incluindo como matérias do ciclo preparatório: Língua e História Pátria, Ciências Geográfico-Naturais, Aritmética e Geometria, Desenho Geral, Caligrafia, Trabalhos Manuais. Educação Moral e Cívica, Educação Física e Canto Coral.
Pouco há que dizer quanto às disciplinas já existentes na organização actual: Português, História, Geografia, Aritmética, Geometria, Desenho, Educação Moral e Cívica e Trabalhos Manuais. A História, hoje agrupada com a Geografia, passa a constituir uma unidade docente com o Português; e a Geografia é associada às Ciências Naturais, arranjo já em uso no liceu, mas que leva quem estudou por outros cânones à estranheza de ver no mesmo livro, a poucas páginas de intervalo, descrever as cidades da Inglaterra e os caracteres gerais dos batráquios.
A Educação Moral e Cívica (mandada incluir nas escolas técnicas pelos decretos-leis n.ºs 30:665, de 22 de Agosto de 1940, e 31:432, de 29 de Julho de 1941) já na base XXV da lei n.º 2:005, do fomento e reorganização industrial, a propósito da formação de aprendizes, foi considerada imprescindível, a par da educação profissional ; e o relatório da proposta que veio a converterão naquela lei refere ainda a Educação Física como outra via adequada à conveniente elevação dos meios operários. São princípios que já ninguém discute; a inclusão, agora feita, do Canto Coral cabe na mesma orientação.
Levanta-se algum reparo à Caligrafia. E certo que o escrever com relativa perfeição de forma é uma prenda cultural que se não nega; mas também o seria, e até mais. o saber música. O que deve pretender-se, mais do que aperfeiçoar a caligrafia, é que os rapazes do ciclo preparatório percam a lentidão da escrita e a irregularidade da letra, que dão à pessoa certo cunho primário; ma> parece conseguir-se melhor esse objectivo forçando os alunos a escrever sistematicamente cadernos ou relatórios dos seus trabalhos escolares do que obrigando-os a frequentar uma aula de Caligrafia. Esta deverá ser reservada ao curso comercial; a Câmara Corporativa julga por isso que não é de manter a disciplina de Caligrafia no ciclo preparatório, tanto mais que importa aumentar o tempo atribuído ao Desenho, como adiante se indica. Nada impede, aliás, e até algumas afinidades o aconselham, que na disciplina de Desenho se dê a atenção que merece ao ensino da Caligrafia.
Outro ponto ainda merece reflexão. O estudo da língua francesa faz hoje parte de todos os quatro anos do curso complementar das escolas comerciais e aparece nos dois últimos anos de alguns dos cursos industriais; e o facto de não figurar no ciclo preparatório em projecto merece ser discutido. Por um lado. sendo este ciclo preparatório de carácter muito geral, destinado a ministrar habilitações para admissão ao cursos técnicos da indústria, do comércio e da agricultura (base n) pode estranhar-se que o conhecimento elementar da língua francesa não figure entre essas habilitações, sabido que o ensino comercial o não dispensa e que o próprio ensino industrial o não desdenha.
De facto, um país com uma língua de limitada expansão, com reduzidíssima bibliografia técnica, estando em condições de inferioridade em relação aos países de língua universal, como o francês ou o inglês, precisa exigir aos seus naturais um complemento de preparação em que os outros não têm que pensar: conhecer em grau maior ou menor uma dessas línguas. É grande a dependência do estrangeiro em que vivemos e viveremos por larguíssimos anos, ainda que trabalhemos convictamente para a reduzir, quanto a bibliografia e a grande parte dos desenhos, catálogos e instruções de serviço que se manuseiam nas nossas fábricas e oficinas; e se o inglês é hoje mais universal do que nunca, mas tem em seu desfavor a falta de parentesco com a nossa língua, o francês, ao contrário, assimila-se com menor esforço e não tem menor difusão no nosso meio técnico, porque abrange uma parcela muito importante dos documentos em língua estrangeira que andam na mão dos nossos operários, dadas as relações que temos com a França, Bélgica e Suíça.
Não quer com isto dizer-se que deva constituir obrigação do operário traduzir um texto francês, mas apenas que não seria inteiramente descabido que os alunos do ciclo preparatório destinados às profissões industriais cursassem conjuntamente com os que se destinam ao comércio uns rudimentos de Francês, que ficariam até bem melhor colocados no curso preparatório do que se encontram hoje no 4.º e 5.º anos de alguns cursos industriais.
Por outro lado, a parte final do n.º 2.º do relatório da proposta admite o princípio, que a esta Câmara se afigura digno de estudo, de que este ciclo preparatório venha a constituir complemento geral da escola primária e se torne preparação obrigatória da entrada para Iodas as escolas secundárias, extensão da equivalência parcial já hoje estabelecida pelo decreto n.º 20:525, de 16 de Novembro de 1931, entre os dois primeiros anos do liceu e das escolas técnicas; apenas se põe como reserva que seja a escola técnica a levar aos primeiros anos do liceu a sua feição concreta e não o liceu a levar à escola técnica os primeiros rumores de abstracção. Só fará bem aos futuros doutores o hábito de se servirem das mãos com alguma agilidade, tomando um lápis ou uma ferramenta, ainda que uma vez por outra uma pancada de martelo os obrigue a entrapar um dedo.
Julga-se não ser difícil conseguir esta extensão do curso preparatório. As matérias exigidas nestes dois anos de preparação, quer para o liceu, quer para as escolas técnicas de qualquer índole (industriais, comerciais ou agrícolas) são essencialmente as mesmas, e qualquer distinção que pretenda fazer-se não passa de subtil preciosismo pedagógico; no fundo, são generalidades da cultura do espírito, da educação física e de certo adestramento manual de que temos andado excessivamente afastados, convencidos de que neste ensino elementar há mais solidez de cultura, mais frutuosa preparação para a vida, em decorar algumas coisas que se não entendem do que em manejar com alguma destreza uma ferramenta de qualquer ofício.
A forte acção educativa do trabalho manual, criando a responsabilidade de executar, que a simples leitura de livros não desperta, o conhecimento que dá ao aluno das realidades físicas, a orientação profissional que permite, os encómios quase unânimes dos pedagogos - tudo isto leva a pensar que não seria fora de propósito

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a generalização anunciada. E até -como bem preconiza a Comissão de Reforma do Ensino Técnico, criada pelo decreto-lei n.º 31:431, de 29 de Julho de 1941- a revisão neste sentido dos programas primários.
Elevar-se-ia assim para os 13 anos a idade em que o estudante precisaria de escolher caminho; até aí todo o ensino seria um sistema de vasos comunicantes, onde todos os movimentos seriam possíveis. Contudo, este encadeamento do ensino técnico com o liceal fará renascer o problema, já abordado, da duração do ciclo preparatório, para efeito de uniformização com o 1.º ciclo do liceu.
Em tais condições, a exclusão do Francês seria impossível, não só porque o liceu e o curso comercial o não dispensariam, mas ainda .porque a experiência de toda a gente, mesmo quando não viva na intimidade da pedagogia, mostra a vantagem de começar tão cedo quanto possível o ensino de idiomas estranhos, dando pleno valor ao aforismo de que burro velho não aprende línguas.
Mas uma dúvida é legitimo levantar: a inclusão do Francês como disciplina preparatória para os cursos industriais, imposta pela necessidade de uniformização, não poderá ter o inconveniente de parecer pretensiosa, de contribuir para o desvirtuamento da finalidade das escolas, de atenuar em quem as frequenta o verdadeiro sentido da formação que receberam, para usar as palavras do relatório do decreto n.º 18:420?
Confessa-se esse receio, e só por isso se não defende desde já a inclusão da Língua Francesa no ciclo preparatório, deixando a resolução deste ponto para quando se der a sua unificação com o 1º ciclo do liceu, porventura já mais aceite a ideia de que o conhecimento elementar de uma língua de grande expansão tem perfeito cabimento num curso preparatório de qualquer índole, não como primeira presença do grau de bacharel, mas como obrigação geral de quem não trouxe do berço essa importante regalia.
Pensa-se, aliás, que não será grande a influência perturbadora que poderá vir a ter no arranjo do ensino técnico esta nova disciplina de feição literária, se for integrada num conjunto de programas moldados na preocupação de revelar o munido real. o concreto, o palpável, com muitas experiências, muitas contas, muitos exercícios, sempre no sentido de fixar pela repetição as coisas simples, com o abandono sistemático do que só pode tratar-se pela rama e tem o destino fatal de ser esquecido.
Esta defesa do concreto contra o especulativo, que deve ser a índole do ensino técnico, precisa, como tudo, de não ser extremista; e daí o vir a propósito lembrar que a escola profissional não pode ser exclusivamente oficina ou escritório, porque se o fosse não seria precisa ; a sua função não está só em aliviar as actividades industriais e comerciais do encargo de ensinar o ofício aos que começam a vida. mas em corrigir os vícios do empirismo com que se faz hoje, na generalidade dos casos, essa aprendizagem.
Para findar esta análise das matérias compreendidas no ciclo preparatório, deseja a Câmara Corporativa dizer algumas palavras sobre a necessidade da educação estética. Não se trata, evidentemente, de incluir no programa das escolas técnicas a disciplina de História da Arte ou outra enormidade semelhante; pretende-se apenas que não ande afastada deste ensino a preocupação de insinuar nos alunos a noção do belo. o sentimento do bom gosto, a aversão por tudo aquilo cujo aspecto não mereceu atenção e se apresenta imperfeito, mal acabado, falto de equilíbrio e de expressão conveniente.
A questão não tem só a importância, que alguns verão nela, de um requinte de educação; é um factor de formação profissional que a escola não pode abandonar se quiser, e certamente quer, reagir contra certa tendência da nossa produção para fazer coisas desgraciosas, sem o esmero de um acabamento cuidado, sem unia linha em que os olhos caiam com prazer.
Toda a máquina, todo o produto industrial, qualquer que seja o seu valor, a sua forma ou o seu uso. é susceptível de ter bom ou mau aspecto, como pode ter boa ou má qualidade. Nem sempre a boa qualidade arras na consigo, obrigatoriamente, o bom aspecto, porque há certos temperamentos que parece não sentirem com igual força as duas necessidades; mas fora destes casos restritos, quando a falta de cuidado na apresentação de um artigo nasce da ausência de estímulos culturais do produtor, é seguro que o desinteresse pela harmonia do exterior se estende aos pormenores do acabamento interno; e a identidade do feio com o mau torna-se regra.
A preocupação, a um tempo espiritual e profissional, do que é belo e do que é bem feito não pode faltar no ensino técnico; a Câmara Corporativa espera que os programas o lembrem ao professor, para que ele se não esqueça de que lhe cabe ministrar uma educação de sentido estético e de que deve levar o aluno, pela palavra, pelo exemplo, pela comparação e ajudado até pelo ambiente escolar, a habituar a vista a sentir o que é feio e a tê-lo como erro que se não perdoa.
Se compararmos os tempos lectivos previstos na organização dos dois anos do ciclo preparatório, já decretado para a Escola Alfredo da Silva, no Barreiro (decreto n.º 3S:402, de 27 de Dezembro de 1945), com os dos dois primeiros anos dos principais cursos das actuais escolas industriais e do curso comercial, podemos organizar o quadro seguinte, em que, por comodidade, se uniformizam os nomes das disciplinas:

[ver tabela na imagem]

Nota-se neste quadro:

1.º O número de horas teóricas fica, pela nova reforma, sensivelmente na média das médias actuais na indústria e no comércio (respectivamente 12,8 e 16,5):

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2.º O número de horas atribuído ao Desenho passa no ensino industrial de 10 para 6. mas pareceria preferível que não descesse de 8, ainda que haja de suprimir a Caligrafia, como atrás se aponta, ou até o Canto Coral;
3.º Diminui o numero de horas atribuído a Trabalhos Manuais no curso industrial, que passa da média de 10,5 para 6: mas há aqui a notar que as quinze horas do 2.º ano nos curros actuais têm já um carácter profissional que na organização em projecto se não considera;
4.º O número total de horas semanais fica praticamente na média que tem hoje no curso industrial (28. contra 28,5}. mas sobe em relação ao curso comercial (28, contra 19.51. notando-se que este aumento diz apenas respeito ã trabalhos práticos, o que não implica aumento de esforço intelectual;
5.º Para o em só comercial desaparecem as disciplinas de Francês. Inglês o Comércio e Contabilidade; mas passa a havei matéria de educação plástica e adestramento manual (Desenho e Trabalhos Manuais), acrescentadas com a Educação Física.
A Câmara Corporativa considera, que a organização proposta representa um progresso no ensino pelo tríplice aspecto de retardar para idade mais conveniente a aprendizagem profissional, de unificar esta preparação elementar, complemento da escola primária, que nenhuma necessidade séria justifica seja diferenciada, e de trazer a esta preparação, no ramo comercial, um aspecto mais prático menos teórico, uma formação mais plástica e menos doutrinária.
Ao defender o ponto de vista da unificação destes estudos preparatórios, deseja a Câmara Corporativa frisar que não alinha com aqueles que vêem na especialização escolar a origem de todos os males e chegam a propor se estenda até aos cursos superiores o exagero de uma preparação geral que se não sabe como harmonizar com a necessidade de sã aprender alguma coisa que permita ganhar a vida honestamente pela profissão e trabalhar dentro dela a bem da colectividade.
Elevar o nível de cultura do nosso povo é fundamental (pela escola e pelo salário, como foi dito); apenas e saber humano impõe uma divisão de trabalho que é preciso vincar cada dia mais - uma vez ultrapassado certo nível de educação comum, abaixo do qual se cai num primarismo que a cultura profissional não consegue disfarçar.
Mas porque emende que dois anos de generalidades complementares da instrução primária não excedem esse nível, mesmo para as profissões modestas do comércio ou da indústria, a Câmara Corporativa manifesta o seu acordo com a reforma em projecto, tidas em conta as observações feitas.
D) Os cursos do 2.º grau. - É na organização, sobretudo na variedade dos cursos do 2.º grau, isto é, na parte propriamente profissional, para ter em conta a variedade de situações dos alunos, que a nova reforma, altera mais sensivelmente o regime actual, e altera, sem discussão, para melhor. Deve, porém, reconhecer-se que já hoje se encontra nos diplomados pelas escolas industriais um uivei de preparação tido geralmente por satisfatório: quanto nos cursos comerciais, parece haver a impressão (a Câmara Corporativa não pode fazer inquéritos em forma) de que o ensino se ressente de uma feição mais especulativa do que prática, mais liceal do que profissional.
No regime presente há apenas dois tipos de cursos: o curso diurno, para alunos não empregados, e o curso nocturno, para aqueles cujas ocupações lhes não permitam frequentar o primeiro. O plano de estudo é semelhante em ambos, com a diferença de no diurno se fazer a matrícula por anos e no nocturno haver maior elasticidade, consentindo-se a matrícula por cadeiras apenas com sujeição a algumas precedências.
Apesar desta facilidade, a frequência do curso nocturno representa um trabalho pesado para quem passa o dia a ganhar a vida, porque as aulas se estendem das 19 às 23 horas. Este curso é frequentado por uma população heterogénea, que compreende o aprendiz que procura ganhar mais depressa as luzes da profissão e o operário ou empregado já feitos que pretendem um pouco de cultura ou uma base científica para a sua prática de oficina ou de escritório.
Da diversidade de cursos agora propostos se pode fazer o seguinte esquema:
1. Curso complementar de aprendizagem. - Destinado aos aprendizes que trabalham em fábricas, oficinas ou escritórios; o tempo lectivo semanal será «m regra de doze horas, compreendidas no período de trabalho (e portanto pagas pela entidade patronal, salvo falta de aproveitamento), e a habilitação mínima será o ciclo preparatório ou apenas o exame de instrução primária, consoante os casos.
2. Curso de formação profissional. - Destinado a alunos não empregados que desejem adquirir na escola o conhecimento de um ofício. É equivalente ao actual curso diurno, parecendo haver intenção de suprimir, no ramo comercial, a actual separação entre curso de comércio e curso complementar de comércio, que constituem dois degraus muito próximos com finalidades discutíveis.
3. Curso de aperfeiçoamento profissional. - Destinado a indivíduos maiores de 15 anos que trabalhem na indústria ou no comércio e desejem, em regime nocturno, cursar algumas disciplinas de qualquer dos dois cursos anteriores. É equivalente ao actual curso nocturno, salvo no que se refere aos aprendizes, aos quais se destina o curso sob o n.º 1.
4. Curso de mestrança. - Destinado a operários que pretendam exercer funções de contramestres ou chefes e oficina e desejem alargar a sua instrução geral e técnica em regime nocturno, paralelamente ao exercício da actividade profissional.
5. Secção preparatória. - Destinada aos candidatos à matrícula nos institutos industriais ou comerciais e às escolas de belas-artes. É equivalente ao curso de habilitações complementares existente hoje para o mesmo fim.
Além do que sucintamente aqui se reproduz, e de que os cursos terão por alvo a educação profissional, moral e cívica dos alunos, nada mais nos diz a proposta sobre os seus planos de estudo. É portanto sobre este resumo que a Câmara Corporativa se pronuncia.
São os cursos designados acima com os n.ºs 1 e 4 que merecem comentários, por conterem certa novidade essencial em relação ao regime presente. Do curso indicado sob o n.º 3 apenas se regista com satisfação que das três ou quatro horas de trabalho diário se passa ao regime mais moderado, e porventura mais profícuo, de doze horas semanais, isto é, à média de duas horas diárias, não se prolongando normalmente o tempo lectivo além das 22 horas; espera-se que ao regulamentar-se o funcionamento do curso se pondere, fazendo inclusivamente alguns inquéritos, sobre se essas duas horas diárias se devem seguir imediatamente ao trabalho profissional (por exemplo, das 18 às 20) ou devem realizar-se depois do jantar (20 às 22).
O curso complementar de aprendizagem, facultando aos que começam a vida sem recursos pelo aprendizado oficinal a possibilidade de adquirirem a sua formação científica elementar durante o tempo em que o patrão lhes paga, sem o esforço, que é quase sacrifício, do trabalho nocturno, é uma obra de solidariedade social a

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que esta Câmara ia dá o mais entusiástico aplauso e um estímulo à expansão do ensino técnico que é desnecessário encarecer. Restará esclarecer a seu tempo se este pagamento era mais equitativo feito individualmente por cada entidade patronal ou colectivamente através de um fundo comum dos organismos corporativos de cada ramo.
A falta de aprendizagem na oficina doze horas por semana é bem compensada pela valorização que a escola dá ao trabalhador r pela tranquilidade de consciência que dará ao patrão o cumprir de um dever social. Mesmo no comércio parece conveniente experimentar.
Como a saída do ciclo preparatório se fará, em regra, entre os 13 e os 14 anos, a idade de entrada neste curso coincidirá com a idade legal de entrada no aprendizado.
Encara a proposta (base IV) a possibilidade de vir a ser obrigatória a frequência deste curso para a promoção às categorias superiores ao aprendizado em algumas profissões: a intenção da proposta é, evidentemente, a fie estabelecer uma condição necessária, porque a outros departamentos do Estado ou aos organismos corporativo- caberá definir as suficientes para essa promoção. Adiante se propõe a alteração do texto para concretizar este ponto. A aspiração representa um ideal que merece ser acarinhado, mas a que se julga só se poder chegar muito lentamente e através de dificuldades de vária ordem. E vai dar-se um exemplo.
Quando, pelo alvará de 5 de Julho de 1939, se aprovaram os estatutos do Sindicato Nacional dos Electricistas, teve-se uma visão optimista demais sobre a rapidez com que se divulgaria o ensino técnico oficial naquele ramo. Tendo-se justamente ponderado que se tratava de uma das profissões em que a preparação teórica é mais importante, dada a necessidade de conhecer e compreender os regulamentos oficiais de segurança, e em que existia já um grupo numeroso de profissionais competentes, assentou-se em que, depois de feita a inscrição inicial, generosamente consentida, a entrada de novos sindicados só fosse permitida a indivíduos habilitado? com o curso das escolas industriais (artigo S.º), mas com a ressalva de um período transitório nos primeiros seis anos e meio, em que se poderia entrar mediante exame de admissão, independentemente de diplomas oficiais (§ 1.º). Este exame veio :«, ser regulado pelo artigo 6.º do decreto-lei n.º 29:944, de 27 de Setembro de 1939.
Dos quatro ciclos de exame realizados de 1940 até ao fim de 1944 apurou-se o seguinte resumo, onde se englobam, para simplificar o quadro, os números relativos a oficiais, ajudantes e aprendizes:

[ver tabela na imagem]

Num período de cinco anos, em 809 concorrentes houve apenas 183 aprovações, o que dá para desistências e reprovações o número desanimador de 77,5 por cento. E o júri dos exames, de que fazem parte representantes de organismos oficiais e um operário sindicado, confessa ter sido necessária muita benevolência para não se acabar em resultado mais desastroso.
No fim de 1945 (data em que terminou o período transitório) havia no Sindicato cerca de 1:200 inscrições para exame, onde devem figurar grande parte dos reprovados e desistentes dos exames anteriores e todos aqueles que acorreram de novo durante o ano de 1945.
Mas ao mesmo tempo que esta massa de gente de quase 1 :400 pessoas (183 admitidas e 1 :200 a aguardar admissão) pretendi-a atingir a carta profissional de electricista pela via de emergência do autodidactismo, o número de novos inscritos, entrados pelo caminho normal da preparação escolar, limitava-se, até ao fim de 1945, a 195 profissionais, assim habilitados:

Pelas escolas industriais .......... 105
Pela Escola de Mecânicos da Armada (2.º grau de torpedeiro-electricista) ........ 82
Pela Casa Pia ...................... S
Total................................185

Não admira que pouco excedesse a centena o número de novos sindicados vindos da escola industrial; à possível falta de entusiasmo pelo estudo em muitos dos interessados junta-se, para muitos outros, a impossibilidade da frequência escolar por falta de escola, pois que das actuais escolas industriais de todo o continente só quatro possuem o curso de electricista (duas em Lisboa, uma no Porto e uma em Coimbra).
O autodidactismo na preparação dos operários electricistas tem tido o fracasso que os números apontados nos revelam; e se aproximarmos este resultado daquele. muito semelhante, que se verificou com a generosa tentativa (que poucos anos se manteve) dos exames de admissão às escolas superiores para os indivíduos sem curso do liceu (decretos n.ºs 19:244, 19:334 e 19:946, respectivamente de Janeiro, Fevereiro e Junho de 1931) poderemos afirmar, sem grande erro. que a sujeição da escola é condição tão necessária à grande massa para a conquista da educação geral como para a conquista da educação profissional.
E, sendo assim -e parece não haver dúvidas--. como hão-de entrar no Sindicato ou, por outras palavras, como poderão ser profissionais idóneos as muitas centenas de electricistas ou candidatos a isso que moram fora de Lisboa, Porto e Coimbra?
A difusão que é preciso dar à escola técnica, não apenas para uma profissão, mas para dezenas delas, toma proporções de vastíssimo empreendimento, a que o orçamento do Estado virá, inevitavelmente, pôr sérias limitações. Daí a reserva com que se recebe a aspiração (que. a ser realidade, sê-lo-ia bem valiosa) de que acima do aprendizado possa vir a exigir-se em algumas profissões a obrigatoriedade do curso industrial. E adiante voltamos a este ponto.
Há, contudo, uma observação que importa fazer para maior justeza da apreciação. Durante os sete anos-(1939-1945) em que o Sindicato dos Electricistas inscreveu 105 diplomados pelas quatro escolas industriais onde se ensina esta matéria, o número total de electricistas saídos destas escolas foi o seguinte:

Escola Afonso Domingues (Lisboa) ...... 92
Escola Marquês de Pombal (Lisboa) ..... 126
Escola Brotero (Coimbra) .............. 25
Escola Infante D. Henrique (Porto) .... 184
Total ................................. 427

Quer dizer que só 25 por cento dos diplomados se inscreveram no seu órgão corporativo para gozarem os direitos que concede aos sindicados o decreto-lei n.º 29:944; os restantes, ou exercem a profissão nas actividades privadas às quais a sindicalização não dá vantagem, ou orientaram a vida noutra direcção.
A propósito do curso de mestrança, o outro aspecto novo que a reforma nos trás, não pode a Câmara Corpo-

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rativa deixar de reconhecer que ele é apresentado com um aspecto de realismo já posto em evidência noutros países mas a que fogem muitas das nossas reformas anteriores, perdidas na velocidade adquirida de esperar da escola todos os prodígios e de desprezar as. virtudes intrínsecas da matéria-prima - as qualidades pessoais do aluno.
A escola pode preparar para uma profissão - melhor ou pior segundo o que ensina, melhor ou pior segundo a massa dos que aprendem. E segundo o grau e a extensão do que ensina, assim gera profissionais de maior ou menor nível: no ramo industrial, operários, agentes técnicos de engenharia ou engenheiros.
Mas o que é ousado pretender da escola é que ela acrescente ao seu trabalho regular de formar um nível profissional a função deliberada de ensinar operários a distinguirem-se de outros operários, agentes técnicos de engenharia a destacarem-se no meio dos seus iguais, ou engenheiros a. terem pulso para dirigir os outros engenheiros.
Cada nível de saída da escola lança os seus diplomados com um grau de preparação em que aparece como primeiro elemento diferenciador a classificação do curso. Mas pela vida adiante, nas trajectórias desses diplomados verifica-se uma acentuada dispersão em altura, que não é produto da escola, que o é algumas vezes do acaso, outras da condição social, mas na maioria das vezes das qualidades pessoais de cada um; e essa dispersão mostra como nada nos garante que uma pequena diferenciação na competência profissional se possa obter como consequência obrigatória de um pequeno desnível de preparação escolar.
Daí o ser tão absurdo que o lugar de operário chefe, mestre e dirigente directo de um grupo de outros operários com igual foi mação se conquiste por via escolar como o pretender acertar um conta-segundos pela passagem de um comboio - ainda que vá à tabela.
O operário não se afirma como mestre dos colegas porque estudou mais gramática ou mais geometria; afirma-se porque põe mais inteligência nas dificuldades, mais decisão no comando, mais largueza na organização. O que acontece é que precisamente porque tem condições para chefe encontra necessidade de tirar delas todo o rendimento; e daí a vantagem de apurar um pouco a preparação teórica, estudando mais a fundo a tecnologia do ofício e até dando mais verniz ao espírito com a tal gramática e a tal geometria. Nasce assim o princípio de que a escola não faz o mestre de oficina; afeiçoa-o.
Nem sempre se aceitou esta doutrina, na convicção deformada de que a influência inversa da escola sobre o artífice chefe era decisiva; hoje o bom critério é geral e a proposta em estudo, perfilhando-o, não faz mais do que seguir a linha do bani senso.
A Câmara Corporativa esboça apenas uma dúvida: valerá a pena no nosso meio, quando a grande massa do operariado não cursou a escola industrial e uma parte importante nem mesmo sabe ler, encarar a criação imediata de cursos para aperfeiçoamento de mestres? Prouvera a Deus que os mestres das nossas oficinas tivessem todos como adorno das suas qualidades profissionais a formação que se prevê em qualquer dos cursos designados atrás- sob os n.ºs 1 a 3.
Tão se vê inconveniente em que o curso fique previsto; mas presume-se que suceda uma de três coisas: ou não funcionará, ou irá ter pequena expansão, ou u habilitação suficiente a que se refere a base IX terá que baixar tanto que pouco mais teremos que unia duplicação do curso de aperfeiçoamento profissional, atrás mencionado sob o n.º 3 e que a proposta descreve na base vil.
Ao findar este comentário aos cursos industriais propostos, a Câmara Corporativa, embora se trate de matéria não abrangida expressamente no diploma em estudo, lembra o interesse de desenvolver e sistematizar o ensino profissional relativo às actividades marítimas, em particular a pesca.
E) As escolas. - Á base I da proposta classifica em cinco categorias as escolas do ensino técnico profissional:
a) Escolas técnicas elementares, destinadas ao ciclo preparatório;
b) Escolas técnicas complementares, destinadas ao ensino complementar de aprendizagem ou ao de aperfeiçoamento profissional, mas podendo também abranger o ensino da alínea anterior;
c) Escolas industriais, destinadas ao ensino industrial de formação ou de mestrança ou secções preparatórias, mas podendo também abranger o ensino das alíneas anteriores;
d) Escolas comerciais, destinadas ao ensino comercial de formação, ao ensino complementar de aprendizagem ou ao de aperfeiçoamento, mas podendo abranger o ensino da alínea a);
e) Escolas industriais e comerciais, abrangendo o ensino das duas alíneas anteriores.
Parece não haver vantagem, antes pelo contrário, em criar uma grande diversidade de tipos de escolas com nomes diferentes, quando fazem praticamente o mesmo ensino, com o mesmo grau, e têm até, na generalidade dos casos, cursos comuns.
Parece, por isso, preferível reduzir um pouco a lista anterior. Aceita-se que as escolas exclusivamente destinadas ao ciclo preparatório (designadas por escolas técnicas elementares) tenham designação diferente das restantes, dado o carácter especial do ensino e a circunstância de serem comuns aos ramos industrial, comercial e agrícola. Mas já se não aceita a distinção entre as escolas das alíneas b) e c), cuja função é a mesma, com a única diferença de haver a mais nas segundas os cursos industriais de formação ou de mestrança, que, com o andar do tempo, nada garante não venham também a criar-se em qualquer das escolas em que inicialmente não forem previstos.
Julga-se assim preferível reunir numa única designação as escolas mencionadas nestas duas alíneas, dando-Ihes como nome comum o que a proposta atribui à alínea c) e que tem entre nós a tradição de oitenta anos: escolas industriais.
A classificação das escolas de ensino técnico profissional, apresentada como matéria da base I da proposta, parece não ser razoável por fazer referência u cursos que ainda não estão enunciados; mas sendo justo dar-lhe posição de relevo parecerá preferível trocar a ordem das duas primeiras bases.
F) O ensino particular. - O que atrás se deixou dito sobre a situação dos operários electricistas mostra como é profunda a insuficiência actual do ensino técnico (em quantidade) para fazer subir em ritmo, já se não pretende rápido mas ao menos aceitável, a qualidade da mão-de-obra nacional. E o exemplo pode legitimamente generalizar-se aos restantes cursos profissionais.
Os números apontados deixam perceber como é necessário estender a rede das escolas e, dentro delas, estender a rede dos cursos respeitantes às diversas profissões. Por outro lado, o aumento das modalidades de ensino dentre de cada profissão, que constitui, como já se mencionou, a principal característica da presente proposta, contribui ainda para aumentar a vastidão e complexidade dos serviços; e o problema orçamental não pode deixar de considerar-se como a primeira dificuldade que vai opor-se à execução integral de tão generoso programa. A segunda estará no recrutamento do pessoa docente.

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O nosso ensino profissional (escolas industriais e comerciais) custou ao Estado nos últimos dez anos as quantias seguintes (previsões orçamentais):

Em 1936 - l3:776 contos.
Em 1945 - 18:715 contos.
Crescimento médio anual - 3,5 por cento

Não custa a aceitar que o Governo, convencido da importância do problema, aumente em curto prazo 40 ou 50 por cento a dotação actual deste ensino; mas o que não parece possível é que a multiplique por 4 ou por 5, como seria necessário, verba a que haveria que somar o custo da construção de muitas dezenas de edifícios.
Por outro lado, é frequente ouvir citar a limitada colaboração da iniciativa privada no desenvolvimento do nosso ensino profissional, em que o Estado suporta, praticamente, todos os encargos; o próprio relatório da proposta não foge a essa regra (n.º 10).
Nele se defende o princípio de que ao Estado cumpre realizar um programa escolar mínimo, deixando às entidades patronais e organismos profissionais apoiar e completar aquele programa onde se mostre insuficiente; mas afigura-se à Câmara Corporativa que ao texto da proposta falta o vigor que dê a este apoio ou complemento o papel vasto e sistemático que é necessário que tenha. De outra forma, o programa mínimo confiado ao Estado excederá largamente as .possibilidades reais de execução; e este facto acentua a insuficiência da proposta para dar a quem a lê a noção da envergadura do que em realidade se pretende fazer.
É na base XXII, perdida nas disposições gerais, onde se afirma que aos particulares e organismos económicos ou corporativos cumpre colaborar na obra de educação e formação profissional da mão-de-obra, colaboração que poderá consistir em organizar comissões de patronato, criação de cursos especializados nas escolas do Estado ou criação de centros de ensino próprios; e mais adiante, na base seguinte, estatui-se que as entidades patronais e os organismos corporativos criarão as escolas necessárias para completar o plano, nas profissões para as quais venha a ser aprovado pelo Ministro da Educação Nacional um plano de ensino complementar de aprendizagem exequível em todo o País.
Ou há nestas duas bases repetição da mesma ideia quanto à criação de escolas próprias pelos particulares, ou há duas ideias próximas mas distintas: a base XXII referir-se-á à criação voluntária de escolas e a base XXIII à criação obrigatória quando existirem os tais planos exequíveis em todo o País.
Aceitando esta última interpretação, o disposto na base XXII, como aspiração genérica aplicável igualmente às actividades da indústria, do comércio e da agricultura, não levanta nenhum reparo; é doutrina de manter, embora porventura platónica, porque as empresas que compreendem a vantagem de instruir o seu pessoal (e a proposta cita algumas) não precisarão, para prosseguir, que o conselho fique expresso num texto legal; e as que não compreendem ou se não dispõem espontaneamente a suportar-lhe os encargos (e são esmagadora maioria) não mudarão de parecer por lhes ser sugerido que o façam.
Mas o disposto na base XXIII, especialmente aplicável ao caso da indústria, merece ser retirado da posição apagada que ocupa para ser colocado entre as primeiras bases da proposta, pondo as escolas particulares em paralelo normal com as do Estado; e precisa ser libertado daquela restrição, que não está definida, mas se presume transcendente, do plano aprovado exequível em todo o País. Convém deixar previsto o caso de que o plano exequível seja inexequível por estas décadas mais próximas.
Se nos lembrarmos de que temos 272 cabeças de concelho (mais 30 nas ilhas adjacentes), se pensarmos que, embora muitas delas tenham reduzida importância, muitas outras povoações possuem actividades industriais de algum valor, se pensarmos ainda que um verdadeiro programa de educação profissional não está em servir os centros onde possam reunir-se centenas de alunos, mas em servir também aqueles, numerosíssimos, onde haja apenas algumas dezenas, formaremos ideia da vastidão da obra; e colheremos também a noção de que o Estado se arrisca a não cumprir se tem a veleidade de fazer por si aquilo que só pode resultar da colaboração de muitos. E não é colaboração apreciável a parcela que os particulares darão à obra no regime actual de iniciativas espontâneas e dispersas, ainda que algumas delas sejam, como o são de facto, isoladamente valiosas.
A indústria precisa ser chamada u participação activa, como obrigação que a colectividade lhe exijo, mas sem reservas de sujeição a planos gerais a aprovar de um golpe em todo o País:a ideia de plano geral deve substituir-se a de plano sistemático e gradual - fórmula que permite chegar ao geral, começando pelo restrito.
O sistema, já esboçado sumariamente na lei n.º 2:006, tem provocado divergências e, porventura, alguns sobressaltos.
Vêm as divergências dos que julgam ver no ensino feito na fábrica uma diminuição do Estado, uma cedência da sua posição de educador ou de fiscal da educação, em cooperação com a família, como preceituam os artigos 42.º e 44.º da Constituição; nascem os sobressaltos nos que consideram irremovível a vida precária de muitas indústrias que vivem da pauta e do salário baixo (unia fraqueza emparceirada com uma injustiça), cujos dirigentes não alcançam a transcendência do problema - conjunto de circunstâncias que leva alguns bons espíritos a supor comprometida a viabilidade do sistema.
O primeiro aspecto não tem fundamento sério; a entrega a particulares de uma fracção do ensino profissional não é cedência de um princípio, mas contribuição que se impõe; porque o muitíssimo que vai ficar depois de esgotados todos os recursos desta participação da indústria ainda excederá largamente as dotações, mesmo supostas generosas, do orçamento do Estado. E essa entrega não é incondicional; é sujeita a uma directriz e a uma fiscalização.
Aceitemos que a todas as indústrias médias e grandes cabe a missão de educar os seus aprendizes. Fica de fora numerosa população, que. se acolherá às escolas oficiais e que poderemos classificar assim:
a] Os que não tenham ainda idade para entrar no aprendizado oficinal, que deverão regressar no ciclo preparatório ;
b) Os que desejem fazer a preparação profissional através da escola, aos quais se destina o curso de formação profissional;
c) Os operários já feitos que desejem seguir um curso de aperfeiçoamento profissional;
d] Todos os que trabalhem ou se destinem a trabalhar nas pequenas indústrias ou artesanato.
Quanto ao segundo aspecto, o panorama actual da indústria não é, de facto, para causar optimismo. Mas em alguns sectores é perfeitamente viável começar desde já a trabalhar nesse sentido. A comissão nomeada por portaria de 21 de Agosto de 1945 para estudar as providências adequadas ao aperfeiçoamento da preparação técnica dos operários electricistas, como consequência da alarmante situação atrás apontada, propôs,

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à luz dos princípios estatuídos na lei n.º 2:005, o que resumidamente se segue:
1.º Supressão do exame a que se refere o § 1.º do artigo 8.º dos estatutos do Sindicato;
2.º Criação de cursos de aperfeiçoamento, a estabelecer desde já em Lisboa, Porto, Coimbra, Aveiro, Braga, Faro, Setúbal e Viseu, por conta do Estado, prevendo-se a criação de escolas particulares com a participação do Sindicato e dos organismos económicos e corporativos. Estes cursos seriam excepcionalmente reduzidos a um ano para os 1 :200 pretendentes à admissão inscritos até ao fim de 1945;
3.º Obrigação de possuir o curso de uma escola industrial ou um curso de aprendizagem para os futuros pretendentes à entrada no Sindicato. Este curso de aprendizagem será feito ou em escolas oficiais ou em escolas oficializadas (com frequência obrigatória) mantidas por
Concessionários do Estado;
Serviços municipalizados ou concessionários municipais com mais de quinze operários electricistas;
Empresas fabricantes, instaladoras ou vendedoras de material eléctrico com mais de vinte operários electricistas.

4.º Regalia de 10 por cento de aumento de salário aos sócios do Sindicato com exame da escola industrial ou do curso de aperfeiçoamento.
Mas o que pode fazer-se desde já quanto aos electricistas, e que melhorará quando, pela execução da lei da electrificação (lei n.º 2:002), deixarem de existir uns centos de concessionários e serviços municipalizados que levam vida apagada de pobreza e insuficiência, isso que para estes pode começar-se não é susceptível do se generalizar a todas as profissões em proporção que tenha peso. É preciso, antes disso, ter uma indústria tecnologicamente organizada, onde o encargo de uma escola caiba no orçamento e caiba na cabeça dos dirigentes, onde haja técnicos capazes de ensinar e meto-os de trabalho em que valha a pena ter operários instruídos. É preciso, em suma, que a lei n.º 2:005 comece a cumprir-se, ou que outra, melhor que ela, venha substituí-la, para alcançar o mesmo objectivo.
Como certamente a lei acabará por entrar em execução, julga-se que a organização do ensino técnico tem de contar com isso; e daí o entender-se que o princípio do estabelecimento de escolas de aprendizagem como anexos dos estabelecimentos fabris, sob a fiscalização e orientação do Estado, precisa de figurar como um dos pilares da presente lei.
Já o mesmo se não pensa dos cursos de aperfeiçoamento profissional, que não devem ser impostos como obrigação aos industriais, antes se afigurando serem obrigação do Estado, embora com participação, sob qualquer forma útil, de entidades patronais, organismos económicos ou sindicatos.
Duas razões levam a isto. For um lado, a escola de aprendizagem, devendo ser obrigatória para o aprendiz, pode sê-lo, logicamente, para o patrão; a escola de aperfeiçoamento, tendo de ser facultativa por muitos anos para muitíssimas ou todas as profissões, só pode ser um estabelecimento público oferecido à frequência daqueles que o desejem. For outro lado, o esforço dirigido à formação do aprendiz é mais frutuoso, tem mais projecção profissional e cívica no futuro do que o aperfeiçoamento de trabalhadores já formados, geralmente sem grandes bases para um progresso sólido; parece portanto deverem por agora concentrar-se naquele ponto todas as atenções das entidades particulares.
O princípio, que acaba de ser defendido, da participação activa das entidades patronais na organização do ensino dos aprendizes foi motivo de alguns reparos durante a discussão nesta Câmara. Pode realmente argumentar-se, em teoria, que onde há população escolar bastante cabe ao Estado criar escolas, e não impor aos particulares que façam o ensino; mas não é menos verdade que o ensino dos aprendizes, se interessa ao Estado como parcela do ensino geral, interessa porventura mais às entidades que vão beneficiar da maior aptidão profissional dos novos trabalhadores; e, se um industrial admite um rapaz a quem chama aprendiz, tem automaticamente de aceitar que esse rapaz aprenderá alguma coisa que ele, industrial, lhe deverá ensinar. Não é de manter o regime corrente e quase geral do aprendizado, em que o patrão procura explorar o aprendiz para se compensar com lucro da féria que lhe paga, deixando à curiosidade deste, nas horas vagas, o cuidado de aprender o ofício.
A Câmara Corporativa nem julga de manter esta situação nem considera justo fazer incidir sobre o Estado todo o peso do ensino profissional; onde alguns beneficiam em maior escala é tido como regular que não paguem todos igualmente.

G) O pessoal docente. - A extensa base XI da proposta reúne uma série de disposições gerais referentes ao pessoal docente do ensino técnico profissional. Quase todas elas reproduzem princípios hoje em vigor, o que não impedirá que os regulamentos a publicar afectem mais ou menos extensamente o pormenor do que presentemente se pratica.
Sabido que o programa e o professor definem melhor a escola do que o edifício ou as generalidades da orgânica, é oportuno fazer aqui algumas reflexões sobre pessoal docente.
É inegável que se tem feito entre nós um esforço sério de selecção dos professores do ensino técnico profissional. Entre outros, os decretos n.º 12:147, de 13 de Agosto de 1926, n.º 20:420, de 20 de Outubro de 1931, n.º 20:990, de 27 de Fevereiro de 1932, e n.º 24:571, de 18 de Outubro de 1934, este último esclarecido pelo decreto n.º 24:713, de 30 de Novembro de 1934, têm fixado e modificado regras de preparação e selecção dentro do pensamento de bem servir o ensino. Mas algumas críticas se têm levantado.
Pondo de parte aquelas que se dirigem à dureza do trabalho de preparação, considerada excessiva para a exiguidade do vencimento, a que adiante se faz referência, ficam as que acusam aquela preparação de ser exclusivamente académica e não dar garantias de selecção eficaz para professores de um ensino de índole profissional, mormente para as disciplinas tecnológicas, em que se reputa melhor garantia de bom êxito que o professor junte à sua formação teórica a experiência da vida prática do que as doutrinas da pedagogia abstracta.
A despeito de que o saber fazer, mesmo com grande proficiência, não implica obrigatoriamente o saber ensinar, sobretudo nos graus elementares do ensino, a crítica não deixa de ter seu valor. O ensino técnico elementar, mais do que qualquer outro, não pode despegar-se dos aspectos reais da vida, da preocupação de explicar pelo exemplo, pela observação, a matéria do programa; deve criar no aluno o hábito de ver na experiência, que ele pensou fazer e por suas mãos pode tentar, pelo menos tanto valor na conquista do saber fecundo como a repetição de coisas que outros fizeram ou demonstraram.
Quando o aluno não é aprendiz mas operário já feito, a responsabilidade do professor sobe; e a sua formação, se é apenas teórica, pode, por sólida que seja, prejudicar

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a eficácia do ensino e até, algumas vezes, o prestígio da escola.
Esta crítica, que tem seu fundamento, precisa de solução - mas de solução real, que as imaginárias não são susceptíveis de tradução em factos.
O número de técnicos da indústria ou do comércio com formação superior é, reconhecidamente, ainda muito escasso em Portugal; vastíssimos ramos da nossa actividade desconhecem a existência deste fruto do século XIX que é o técnico de formação universitária ou até o técnico de formação média; e destes poucos técnicos só uma restrita camada reunirá as condições óptimas. Uns, que já atingiram posições de desafogo ou, pelo menos, de responsabilidade, não se interessam em geral pelo professorado; outros, os que começam, ainda sem experiência profissional, mas para quem o ensino constitui um recurso ou uma ajuda que se busca com interesse, formam o alvo da crítica que se apontou; e fica a faixa intermédia dos que já têm bastantes luzes da vida para poderem ensiná-las mas não subiram ou envelheceram o suficiente para se desinteressarem de o fazer.
Depois, nova dificuldade reduz ainda o número de candidatos; as exigências orçamentais do Estado, obrigando os professores a cumprir certos tempos mínimos de serviço, dificultam a acumulação do trabalho verdadeiramente profissional com o trabalho lectivo; e cai-se na posição criticada de haver muitos professores sem a escola activa, a escola que faz personalidade, da fábrica ou do escritório. E mesmo assim dificilmente se preenchem as vagas fora dos grandes centros.
E evidente que não pode, para as disciplinas de cultura geral, voltar-se atrás na exigência de estágios e de preparação (pedagógica que tem permitido melhorar o nível do ensino; mas não deve contar-se com esta via normal como ineio de obter em todos os casos professores idóneos para as disciplinas de feição nitidamente profissional.
A fórmula adequada está, porém, prevista na proposta: o contrato de profissionais de reconhecida competência, em condições a fixar em cada caso. A ideia já vem da reforma de 1931 (artigo 37.º), que prevê excepcionalmente a existência de professores contratados para disciplinas de carácter especial, para as quais não existam professores com habilitações legais; mas com tantas restrições em série, a satisfazer simultaneamente, o princípio tem tido reduzidíssima aplicação, limitada a dois ou três casos.
A redacção da proposta em estudo, embora ofereça menos obstáculos que a actual, impõe a manifesta conveniência do serviço, o que poderá dar a algum mais pusilânime a sensação de uma coisa ainda extraordinária a aplicar em casos de manifesta transcendência. Por isso se propõe a supressão da palavra manifesta, consignando-se o voto de que a experiência seja tentada e que o princípio não fique letra morta, a atestar uma boa intenção que, por timidez, não chegou a ser realidade. E consigna-se também o voto oposto de que a intenção não seja desvirtuada pelo abuso.
Sob este aspecto, é legítimo esperar que o ensino particular feito nas fábricas e, na parte tecnológica, presumivelmente pelos seus próprios engenheiros, se caracterize por uma adaptação fiel à vida profissional. E mais uma razão para que se experimente dar-lhe o relevo que atrás se mencionou.
Resta passar rápida revista aos princípios novos da base XI.
O primeiro consiste em criar no quadro privativo de cada escola, actualmente constituído pelos professores efectivos, as duas categorias de professores ordinários 4 extraordinários, competindo a primeira aos indivíduos habilitados com um curso superior e a segunda aos habilitados com os cursos médios industriais ou comerciais, os quais, ao contrário do que sucede agora, em que só podem ser professores provisórios, passam a poder ser professores efectivos.
Nenhum reparo levanta a novidade, que vem repor uma situação existente antes de 1931; trata-se de prestar justiça a indivíduos que têm sido aproveitados como provisórios e a que é forçoso recorrer pela impossibilidade, já registada, de prover todos os lugares de professores, por falta de concorrentes, com indivíduos habilitados com um curso técnico superior.
Aparece também como princípio novo a inclusão dos licenciados pelas Faculdades de Ciências como candidatos aos lugares de professores efectivos das escolas técnicas, onde hoje só podem entrar como provisórios na falta de outros. Não se indicam os grupos de disciplinas a que podem concorrer, mas é intuitivo que o deverão fazer apenas nos de índole geral que respeitem à sua preparação escolar. E julga-se que aí, devidamente instruídos durante a sua preparação pedagógica sobre o carácter prático e intuitivo que é mister dar ao ensino, serão perfeitamente capazes de cumprir.
Apenas uma inovação levanta duas dúvidas: uma, nascida da falta de clareza do texto; outra, entendido o texto, quanto à matéria em si. Essa inovação é a de que podem concorrer a professores os Indivíduos habilitados nos cursos especiais que vierem, para o efeito, a ser organizados com matérias professadas naqueles estabelecimentos de ensino.
O período da base XI, de onde se tira esta frase, é tão extenso e fula em tantas escolas que não é clara a significação das últimas palavras: naqueles estabelecimentos de ensino; e a expressão cursos especiais que vierem, para o e/eito, a ser organizados, assim desacompanhada de uma explicação bastante, toma ar de certo mistério.
Informações complementares permitiram esclarecer que se trata de cursos a organizar com algumas cadeiras das Faculdades de Letras ou Ciências, a fim de obter, para as disciplinas gerais dos cursos técnicos, professores de formação média que possam considerar-se equiparados aos diplomados com os cursos técnicos médios. A quem se habituou a ouvir dizer que há por colocar muitos diplomados em Letras e Ciências, a proposta causa certa estranheza; mas a informação de que o preenchimento das vagas de professores continua difícil nas escolas da província e a perspectiva de que essa dificuldade aumente se novas escolas forem criadas parece justificarem a proposta.
Nestes comentários relativos à situação do pessoal docente cabe uma referência à base XXI, que se ocupa dos vencimentos. Dela se infere que o Governo se propõe rever o mapa VIII anexo ao decreto-lei n.º 26:110 no que se refere aos professores do ensino técnico elementar e médio. Nada a objectar, salvo a maneira obscura como a base se encontra redigida.
A intenção que parece haver, e se considera justa, resume-se simples e claramente desta maneira: os professores do ensino médio sem diuturnidades são equiparados, quanto a vencimento, aos engenheiros de 2.ª classe; os professores ordinários do ensino elementar nas mesmas condições equiparados a engenheiros de 3.ª classe, isto é, aos professores do liceu; os professores extraordinários, também sem diuturnidades, equiparados a agentes técnicos de 3.ª classe.
Esta revisão de vencimentos parece indispensável para criar um equilíbrio que se afigura não existir. No ensino médio, que faz sequência ao 2.º ciclo liceal e excede em muitos aspectos o 3.º ciclo, a remuneração dos professores não fica mal quando colocada acima da dos professores do liceu; e no ensino profissional, para-

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leio aos dois primeiros ciclos do liceu, parece justa a igualdade de remuneração do pessoal docente dos dois ramos. Sem esta alteração o decreto-lei 26:115 atribuiria mesmo aos professores das escolas comerciais e industriais remuneração inferior à fixada no derreio n.º 20:420. hoje praticada.
Os valores das diuturnidades e as remunerações do restante pessoal docente do ensino técnico elementar o médio serão fixados em regulamenta e não interessa discuti-los aqui, unia vez estabelecidos os pautas de referência que ficam marcados.
Finalmente, a Câmara Corporativa lembra a falta de livros de ensino nas escolas técnicas, sobretudo nas disciplinas tecnológicas, onde os alunos estudam por apontamentos, desacompanhados de um texto que lhes facilite o trabalho e lhes sirva mesmo de vade mecum na sua carreira. Faz por isso a sugestão de que o Ministério da Educação Nacional tome a iniciativa de estimular a publicação de livros desta índole ou de traduções de bons livros estrangeiros destinados a este fim.
E sugere ainda que em cada ano o Ministério mande ao estrangeiro uma ou duas dúzias de professores do ensino profissional, para que visitem e acompanhem os trabalhos de escolas congéneres e de estabelecimentos industriais, fazendo-os escrever, no regresso, em vez de um longo relatório descritivo, sem interesse e que ninguém lerá, apenas algumas páginas em que deixem exarada, quanto aos aspectos que mais os interessaram, a comparação objectiva, despida de rodeios, daquilo que viram e sentiram com o que estão habituados a ver e a sentir. E, no fim, duas palavras com uma proposta de reacção - se for caso disso.

V -- Institutos industriais e comerciais:

A) Generalidades. - O desassossego de ideias que há largos anos caracteriza a vida dos institutos industriais e comerciais, a inquietação com que se procuram fórmulas estáveis em que se encontre apoio que parece faltar - tais são as preocupações de um sector vasto da opinião pública portuguesa, compreendendo todos os órgãos do ensino técnico, do elementar ao superior, os seus diplomados e ainda, em menor grau, as actividades económicas.
Medidas as coisas com justeza, reconhece-se que o clamor é forte, mas nem sempre ponderado; as opiniões variam, paradoxalmente, entre o sim e o não, o que fax nascer a dúvida sobre o mérito real das críticas e sobre a origem da insatisfação. As soluções que andam no ar ou são simplistas ou não têm forma concreta.
Aos que alimentam esta vultuosa agitação e que esperam da reforma do ensino qualquer coisa de muito bom, mas com suas transcendências de irreal, a proposta do Governo, a que a Câmara Corporativa dá inteiro apoio, vem trazer profundíssima desilusão: fica tudo na mesma - com ressalva de alguns ajustamentos.
Na realidade, a existência do ensino médio, a sua finalidade, a sua organização não estão em causa; como bem diz o relatório da proposta ao referir-se aos institutos industriais (n.º 6), para o ensino destas escolas produzir todo o rendimento económico de que é susceptível não carece de ser alterado no seu nível científico ou na sua estrutura, mas de ser beneficiado no que respeita a trabalhos de aplicação e de laboratório e a exercícios oficinais.
Aparece apenas de novo nesta reforma a expressão de uma ideia já velha: a criação de cursos de aperfeiçoamento ou de especialização (base XIII), que constituem estudos complementares relativos a indústrias nacionais que o justifiquem. A proposta merece ser acarinhada, mas não se escondem as suas dificuldades, do mesmo género das que se encontram no ensino profissional elementar, mas agravadas pela responsabilidade que vem do nível da escola: o pessoal docente e as instalações para trabalhos práticos. Cursos de tecnologia industrial ensinados só com giz e quadro preto não devem sequer sor tentados.
Fora disto, os problemas que a opinião agita e a que só dá a miúdo categoria de graves ou até de insolúveis não «fio pedagógicos, mas humanos não está em jogo a didáctica, mas a psicologia,.
A questão surgiu quando o decreto de 23 de Maio de 1911 diferenciou os graus superior e médio dos ensinos industrial e comercial; criou-se, a partir de então, uma animosidade entre os dois graus, um disputar de títulos, deméritos, de competências e de regalias que, trinta e cinco anos passados, não mostra tendência para se atenuar. E convencionou-se chamar a isto um problema de ensino; há, portanto, que lhe fazer referência, tanto mais que esta situação não resulta apenas de os homens serem interesseiros ou pirrónicos, mas lambei II d:1 alguns desajustamentos de organização.

B) Os institutos industriais. - Ao fazer-se em Lisboa, pelo decreto que acaba de se citar, a separação dos cursos superior e médio da indústria (os primeiros para formar engenheiros e os segundos, mais elementares, correspondentes aos dos condutores de minas e de obras públicas, segundo a letra da base a continuaram os dois graus, à falta de melhor solução, a ser ensinados na mesma escola - o antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, cujo nome se mudara para Instituto Superior Técnico.
Pouco depois, o decreto de 16 de Agosto de 1913 determinou que os cursos secundários passassem a professar-se na Escola Industrial Marquês de Pombal, constituindo a secção secundária do extinto Instituto Industrial e Comercial de Lisboa.
Mas no ano seguinte a lei n.º 177, de 30 de Maio de 191.4, criou em Lisboa e Porto as escolas de construções, indústria e comércio, devendo a de Lisboa substituir aquela secção secundária; e só em 1918 o decreto n.º 5:029, de 1 de Dezembro, criou os institutos industriais, designação que ainda hoje se mantém.
Esta instabilidade dos cursos médios industriais, embora as sucessivas organizações não fossem fundamentalmente diferentes, deve ter contribuído para acentuar as dívidas acerca da sua finalidade e do nível que deveria atribuir-se aos seus diplomas - dúvidas que subsistem e que não parecem susceptíveis de esclarecimento, a ajuizar pelo tempo já decorrido.
E assim que o Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores, onde se reúnem diplomados com .títulos diversos conferidos em obediência a sucessivas legislações, mas todos correspondentes ao mesmo grau médio, que é o dos actuais institutos industriais, apresenta o problema das suas escolas sob a forma deste dilema exageradamente radical: ou se extinguem os institutos, porque as condições actuais não permitem aos seus diplomados exercer com dignidade as funções que lhes competem, ou, se os institutos se mantêm, haverá que voltar ao título de engenheiro auxiliar, que revogar certas limitações de competência, que facilitar aos possuidores do curso médio a entrada nas escolas superiores e que lhes permitir o acesso ao corpo docente dos seus institutos.
Por outro lado, alguns engenheiros põem na primeira fila das suas preocupações a ameaça da invasão dos seus domínios profissionais pelos agentes técnicos de engenharia; e deste antagonismo de dois graus de ensino nasceu a disputa já citada, aguerrida, mas sem grandeza.
Foquemos a questão serenamente. Há nas pretensões do .Sindicato muita coisa que não tem defesa, mas al-

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guma terá, pelo menos, desculpa. Aqueles dos seus sócios mais antigos, formados pelos velhos institutos antes da existência das actuais escolas superiores, talvez ainda lembrados do tempo em que os engenheiros, muito pouco numerosos, eram quase todos conselheiros e andavam de sobrecasaca, lembrados sem dúvida do tempo em que o projecto e direcção de obras correntes lhes cabia quase inteiramente, num ambiente de liberdade que é doloroso perder, esses mais antigos não vêem sem reacção o limitar de competência, o cercear de algumas regalias, que por vezes valerão pouco, mas que suo factores morais, com toda a sua força de convicção, nem aceitam de boa vontade o aumento relativo do número de engenheiros nos quadros do Estado, quase inteiramente preenchidos por gente moça, aumento que reputam uma subversão ou unia guerra profissional. Já embora neste último aspecto se apoiem no critério da pirâmide, que fez escola desde o decreto-lei n.º26:ll5, o certo é que se julga não haver grande base para estender o princípio a quadros diferentes.
Não se discute se esta reacção dos antigos condutores de obras públicas é justa; afirma-se apenas que é natural, o que basta para que mereça consideração. Nesta viragem da história do ensino técnico em Portugal, começada há pouco anais de trinta anos, há, como sempre, um avanço e alguns prejudicados; não custa nada reconhecê-lo.
Nos novos exerce influência a palavra dos velhos e exerce-a ainda a palavra de alguns dos professores, que, tomando em direcção errada o que deve entender-se por aperfeiçoamento da escola, não buscam ensinar melhor, mas mais alto; e, ajudados pela circunstância de algumas cadeiras das escolas superiores se situarem em nível um pouco abaixo do que poderia exigir-se, chegam ao desatino de afirmar, como suposto (motivo de louvor, que dão nas suas aulas o mesmo programa das cadeiras homónimas da Universidade.
Esta atitude lembra a de quem, desejando compor o seu metro articulado já com muito uso, entendesse que, em vez de lhe ajustar as articulações ou de lhe avivar a graduação, o tornaria mais útil e mais digno acrescentando-lhe um decímetro. As medidas feitas com o novo instrumento estariam quase todas erradas, porque ninguém se lembraria de contar se o mi mero de articulações era o normal; duas o dono continuaria convencido de que tinha um metro mais nobre do que os outros.
No que se acaba de dizer faz-se aos diplomados pelos cursos médios parte da justiça que só julga caber-lhes; a outra parte estará em se reverem (e julga-se que o assunto o merece) certas pretensões relativas a vencimentos e a algumas limitações de actividade profissional ; mas, quanto a isto, não cabe a este parecer pronunciar-se, por estranho ao ensino. O que importa agora analisai- são as pretensões do Sindicato referentes à matéria da proposta de lei em discussão; mas a essas não parece razoável conceder deferimento.
Comecemos pelo renascimento do título de engenheiro auxiliar.
A reforma do Ministério do Comércio, aprovada pelo decreto n.º 7:036, de 17 de Outubro de 1920 (alínea c) do artigo 80.º), criou pela primeira vez o quadro de engenheiros auxiliares destinado aos diplomados com o curso de condutores de obras públicas. No ano seguinte. a classe dos condutores dos quadros de minas e industriais do Ministério do Trabalho, por intermédio do Grémio Técnico Português, dirigiram uma representação ao Ministro daquela pasta solicitando para si igual regalia (Revista de Obras Públicas e Minas n.º 625, de Maio de 1923), com o fundamento de ser imprópria e incaracteristica a sua denominação, pois que, possuindo como habilitações científicas um verdadeiras curso de engenharia e desempenhando funções de engenheiro, era alcunhada de condutores ...
Já nessa data o projecto de lei n.º 288-D estava pendente do Parlamento, com parecer favorável da Comissão de Obras Públicas da Câmara dos Deputados, para a mudança geral da designação de condutor para a de engenheiro auxiliar. O projecto não teve seguimento; só em 26 de Fevereiro de 1924 a proposta de lei n.º 661-L, que veio a converter-se na lei n.º 1:638, de 23 de Junho do mesmo ano, deu aos diplomados pelos institutos industriais o título então e agora desejado. E argumentava: o corpo docente do Instituto Industrial de Lisboa concorda com essa designação por a considerar harmónica com os conhecimentos que esses diplomados ficam possuindo.
A concessão deste título escolar, simples produto de uma longa pressão a que a política não era estranha, foi revogada dois anos depois e com ela a de todas as denominações oficiais idênticas. A sua defesa, feita nas frases citadas, mostra uma singular inversão de raciocínio, porque se a orgânica das escolas médias já então estabelecia que elas se destinavam a formar auxiliares de engenheiros (artigo 1.º da lei n.º 177, de 30 de Maio de 1914, e artigo 77.º do decreto n.º 5:029, de 1 de Dezembro de 1918), não parece bem fundado que se aponte o desvio desta função para justificar o título de engenheiros auxiliares. Está-se em face de um metro com 11 decímetros, a partir do qual parece pretender mostrar-se que o sistema métrico não está certo; mas, na divida, o mais atilado será aferir o metro, come quem diz, levar o Instituto Industrial a fazer, de nome e de facto, ensino médio.
Aceita-se que os diplomados com os cursos médios industriais não gostem do antigo nome de condutor (hoje em vigor por ter sido retomado pelo decreto n.º 20:328, de 21 de Setembro de 1931), com o fundamento de que há agora condutores de eléctricos e condutores de hipo-móveis. E questão de gosto que não vale a pena discutir e em que não custa ser transigente. A proposta de lei em estudo faz renascer o título de agente técnico de engenharia (base XII), que havia sido criado pelo artigo 4.º do decreto n.º 11:988, de 29 de Julho de 1926 e que desde então se tem mantido como designação profissional nos quadros do Estado; mas o Sindicato continua em discordância, fundando-se em que agente técnico é vago e aplicável a muitas profissões, e que o complemento de engenharia é frequentemente omitido por comodidade de expressão.
O argumento parece servir menos para atacar o agente técnico do que para defender o engenheiro auxiliar, dada a falta de qualquer nova sugestão; e por isso a Câmara Corporativa não vê motivo para lembrar qualquer alteração à presente proposta de lei.
Os institutos industriais não existem para criar engenheiros de segunda categoria, mas técnicos de formação média, que têm sua posição na escala das actividades industriais, nem parece que haja vantagem em criar situações confusas, fazendo títulos académicos , variar aos degrauzinhos.
Não parece mesmo que quem se matricula livremente numa. escola, optando também livremente por unia futura profissão (direito consignado no n.º 7.º do artigo 8.º da Constituição), tenha base para desejar o título conferido por outra escola; e o facto de que um agente técnico de engenharia nem sempre é o subordinado de um engenheiro, mas é muitas vezes um técnico autónomo, forçado pelo tamanho da empresa ou pela mentalidade do empresário a exercer funções de chefia, mas com menor vencimento do que um engenheiro, não é

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motivo para vanglória nem para desprestígio; porque, o haver milhares de pequenas oficinas cuja direcção se julga bem entregue a qualquer operário diplomado (mas que quase nunca o é), não dá a este o direito de se supor agente técnico auxiliar ou d(c) se sentir magoado porque lhe pagam menos do que pagariam a um diplomado com o curso médio que exercesse aã mesmas funções de dirigente.
Parece tão atentatório da justiça e da ordem social dar o mesmo título a diplomados por escolas de graus diferentes, que o assunto não merece mais comentário. Só justifica tão longa referência a agitação de que tem sido causa e o espaço que já tem ocupado no Diário do Governo.
Quanto ao acesso dos diplomados com os cursos médios ao corpo docente dos respectivos institutos, não o prevê a proposta em estudo, pois se refere apenas aos cursos superiores técnicos ou outros a designar oportunamente (base xv); (c) embora esta expressão, por abranger tudo quanto se queira, tire todo o valor ao texto legal, pensa-se que ela contém a restrição de que todos esses cursos serão superiores e nesse sentido se sugere adiante a mudança de redacção. E essa, aliás, a posição presente, que se não vê motivo para alterar (artigo 81.º do regulamento aprovado pelo decreto n.º 20:553, de 28 de Novembro de 1931).
Nem se compreenderia que os institutos médios fizessem excepção às outras escolas, nas quais o acesso ao corpo docente só é facultado a indivíduos com diploma de grau mais elevado; e dentro desse princípio se admitiu atrás o acesso dos diplomados pelos institutos ao professorado das escolas industriais. Só as escolas superiores fazem excepção, por motivos óbvios.
No que se refere ao ingresso dos alunos ou diplomados dos institutos industriais nas escolas técnicas superiores, prevê a proposta (base XII) que esses institutos lhes confiram habilitação conveniente; continua portanto a manter-se o bom princípio de facultar em cada grau a ascensão ao grau superior.
Tem variado alargamento o critério oficia] para encadear o ensino médio com o ensino superior industrial. Pelo decreto n.º 954, de 15 de Outubro de 1914, que regulamentou a Escola de Construções, Indústria e Comércio de Lisboa (já atrás mencionada), o curso completo desta Escola dava direito à matrícula no 1.º ano do Instituto Superior Técnico (artigo 4.º da base I). Mas pouco depois, pela lei n.º 465, de 29 de Setembro de 1915, foi permitido aos diplomados com um curso médio (da Escola de Construções, Indústria e Comércio ou do antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa) matricularem-se directamente nos cursos especiais do Instituto Superior Técnico, com dispensa dos dois primeiros anos de curso geral.
Novamente mudaram as coisas em 1919, pois que o decreto n.º 5:100, de 11 de Janeiro desse ano, que regulamentou o Instituto Industrial de Lisboa, criado no ano anterior, estabeleceu no artigo l5.º que um dos cursos completos deste Instituto constituía habilitação para a matrícula no 1.º ano do Instituto Superior Técnico.
Passados sete anos tentou-se novo arranjo: o artigo 7.º do decreto n.º 11:988, de 29 de Julho de 1926, facultou a criação nas escolas superiores de cursos complementares de quatro anos, destinados aos diplomados pelos institutos industriais que os conselhos escolares respectivos julgassem merecedores de prosseguir os estudos, a fim de obterem o diploma de engenheiro.
A experiência não foi animadora; dos nove anos em que foi permitida a entrada nestas condições no Instituto Superior Técnico (anos lectivos de 1926-1927 a 1934-1935) se pode fazer o seguinte apanhado:

[ver tabela na imagem]

Em virtude dos fracos resultados obtidos, logo a poucos anos do início deste regime, o decreto n.º 20:553, de 28 de Novembro de 1931 (actual regulamento do Instituto Industrial de Lisboa), estabeleceu no artigo 8.º, para efeito de matrícula nos cursos superiores de engenharia, a equivalência entre o 7.º ano de ciências do liceu e o 2.º ano do curso médio industrial, com diferença apenas de uma cadeira; mas a matrícula nos cursos complementares continuou a ser permitida até à publicação do decreto-lei n.º 24:753, de 7 de Dezembro de 1934.
A fórmula adoptada em 19.31 parece ser a solução justa. Se o aluno do Instituto Industrial entra para este em nível equivalente ao 2.º ciclo liceal (naquela data o 5.º ano) e se tem dois anos de estudos preparatórios, ainda que não sejam exactamente iguais aos do 3.º ciclo liceal, a sua preparação ao fim desse estudo de generalidade é perfeitamente equiparável à que confere o 7.º ano do liceu; mas se o aluno persiste em seguir o curso industrial (mais dois anos), isto é, se resolveu ser agente técnico de engenharia (e está quase no fim da carreira para resolver com consciência), não se vê como esse estudo, que tem uma finalidade própria, se há-de aproveitar para lhe reduzir o trabalho na escola superior se ele, tardiamente, pretender o diploma de engenheiro; nem se vê que seja injustiça, antes parece imposição da natureza, que leve mais tempo a chegar ao fim quem se desviou do caminho directo.
As matérias especiais que se estudam para concluir um curso médio não constituem uma fracção autónoma do que se estuda para ser engenheiro - fracção que possa ser abatida no curso superior àqueles que já a tenham frequentado; os dois estudos não constituem elementos em série que possam engatar-se, mas elementos em paralelo percorridos em altura diferente, sem condições para constituírem uma sequência.
Na proposta de lei em discussão lêem-se estas palavras, que causam sobressalto por deixarem supor soluções muito complexas (parte final da base XII):
Nos institutos industriais será também ministrada a habilitação necessária para a admissão nos cursos superiores de engenharia e no de maquinistas da Escola Naval.
Informações complementares permitiram esclarecer que a habilitação aqui mencionada não tem o carácter de um curso especial como o que existe e se projecta manter nas escolas industriais para ingresso nos institutos, mas que é constituída pelas próprias cadeiras preparatórias compreendidas nos primeiros anos. Neste sentido se proporá a conveniente mudança de redacção.
O problema deverá ter solução diferente quanto às cadeiras a exigir para esta habilitação, segundo se com-

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sidere o 2.º ciclo liceal terminando no 5.º ano, como era à data do decreto n.º 20:553, ou no 6.º ano, como é presentemente; mas é questão de pormenor que não tem aqui grande cabimento.
Ainda uma passagem da base XII levanta reparos: o dizer-se que a entrada nos institutos se fará mediante exame de admissão, sem definir o nível desse exame nem dizer duas palavras sobre habilitações anteriores.
A habilitação normal para entrada nos institutos deve ser o 2.º ciclo liceal ou o curso da secção preparatória prevista para este fim nas escolas industriais. Aos indivíduos nestas condições será exigido um exame de entrada cujo nível estas habilitações condicionam, embora possa não ser obrigatoriamente a repetição do exame de saída do curso anterior e antes se deva ter em atenção a índole da escola; dele não poderá estar ausente, por exemplo, o desenho, tão mal tratado nas últimas reformas liceais.
Mas aceita-se que os institutos industriais possam admitir candidatos à l.a matrícula com habilitações inferiores a estas, mediante prova de entrada mais exigente; cair-se-á assim em regime semelhante ao actual (artigos 20.º e 23.º do decreto n.º 20:553). Adiante se sugere a modificação desta base de acordo com o que fica exposto, mas faz-se aqui o registo de que tais exames devem ser provas que correspondam seriamente ao 2.º ciclo do liceu, e não, como algumas vezes se tem dito ou feito, unia forma benevolente de cumprir a lei. Não deve confundir-se a instituição do ensino com a instituição das Misericórdias.
A Câmara Corporativa não deixa de reconhecer a contingência, tão debatida e tão documentada com casos que cada um aponta, dos exames de admissão; mas reconhece também que, havendo de adoptar um processo de solução, se toma este como o menos mau. Pondera no entanto o antagonismo entre dois princípios: a redução do tempo e do trabalho de prestação de provas, por um lado, e a justeza de selecção, pelo outro; e manifesta a convicção de que o aspecto mais visível e mais atraente do primeiro princípio está conduzindo a critérios de simplificação, sem dúvida simpáticos, mas com nítido prejuízo do princípio da justa selecção. E não se faz, senão por memória, referência aos exames psicotécnicos, ainda em fase incipiente.
Resta analisar a hipótese, deixada atrás em aberto, de fechar as escolas médias. O conhecimento das necessidades industriais que pedem, nas unidades de algum vulto, certos agentes de grau intermédio entre os engenheiros e os operários, a necessidade de dar algum apoio técnico a actividades de reduzido volume, em que o engenheiro dificilmente tem lugar actividades que em toda a parte são numerosas, mas cuja multiplicação o nosso sentimento tende a exagerar; o exemplo do que se passa em todos os países civilizados do Mundo; a elevada frequência que entre nós têm tido os cursos deste grau; tudo isto mostra que é pueril qualquer discussão neste campo e que bem anda o Governo propondo a manutenção destas escolas sem alterações essenciais.
Há até quem ponha a questão ao contrário, estranhando que as escolas médias não sejam mais numerosas que as superiores, numa extensão ousada do já falado conceito da pirâmide; mas também se não vê que obrigatoriamente devam sê-lo num país cuja vida industrial se pode dizer que está em princípio e em que há uma vasta estrutura a planear e a pôr de pé. O que é indispensável é que nos não domine o medo do risco.
Fecha o n.º 6 do relatório da proposta com este período:
Já se tem afirmado que o número crescente de engenheiros torna injustificável a existência dos institutos médios; mas vê-se claramente que, posto nestes termos, o problema se nos oferece com sentido exactamente contrário ao das realidades.
Ser a questão posta ao contrário das realidades significa que o legítimo seria perguntar se, em face da grande procura dos institutos industriais, se justifica que haja tantos engenheiros.
Apesar do que acima se diz sobre a necessidade de um grande esforço da técnica nacional, apesar de ser legítimo pensar que tem sido valiosa a participação das escolas de engenharia na obra de reconstrução dos últimos anos, não deixa de se reconhecer que o comentário tem o seu fundamento.
Nada se ganha com um excesso de técnicos, como já no capítulo II deste parecer se afirmou; e se há muita procura pela profissão, como de facto há, o prudente está em seleccionar os melhores, fazendo bons técnicos em vez de muitos técnicos.
Dentro deste princípio, já o relatório do decreto-lei n.º 2-5:406, de 25 de Maio de 1935, que instituiu o exame de admissão às Universidades, defendeu a necessidade de restringir a entrada nas escolas superiores; no mesmo sentido se pronunciou o relatório do decreto-lei n.º 26:594, de 15 de Maio de 1936, que estabeleceu os exames de aptidão; ainda a lei n.º 1:941, de 11 de Abril de 1936, na sua base viu, proclama que deve evitar-se a superpopulação das escolas; mas ao contrário de tudo o que fica dito, o decreto-lei n.º 34:730, de 5 de Julho de 1945, que regula presentemente o exame de aptidão á l.a matrícula nas escolas superiores, fixou doutrina cuja generosidade se pode avaliar no quadro seguinte, referido às duas escolas de engenharia:

[ver tabela na imagem]

Este quadro merece reflexão. No conjunto de provas de selecção, que deve escalonar-se desde a escola primária até ao último ano da escola superior, a análise destes números deixa a sensação que se teria de uma série de filtros em que uma das telas se furasse de repente. Como a selecção é moralmente tanto mais difícil quanto mais perto se está do fim, o fenómeno causa apreensões; e a Câmara Corporativa julga ver falta de ligação entre este franquear tão liberal dos templos de Minerva e as afirmações que acima se referem. E por quanto atrás se disse, tendo que escolher, opta por estas.

C} Os institutos comerciais. -O ensino médio comercial acompanhou nas primeiras atribulações o ensino industrial. Reunido com ele no antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, ali se manteve depois do decreto de 23 de Maio de 1911 até transitar em 1913 para a Escola Industrial Marquês de Pombal integrado na secção secundária, de onde passou à Escola de Construções, Indústria e Comércio e, finalmente, ao Instituto Comercial de Lisboa, criado pelo decreto, já muitas vezes citado, n.º 5:029.
No Porto a marcha foi mais simples. O antigo Instituto Industrial e Comercial, que já vinha, como o seu homónimo de Lisboa, do último quartel do século passado, foi desdobrado, em 1918, pelo decreto n.º 5:029, nos dois ramos industrial e comercial; cinco anos depois o decreto n.º 9:951, de 31 de Julho de 1924, reuniu as

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duas secções, restabelecendo o Instituto Industrial e Comercia], que se manteve até 1933, data em que os dois ramos foram de novo separados; a Escola de Construções, Indústria e Comércio, que a lei n.º 177 previa naquela cidade, não chegou a criar-se.
A inquietação em que se desenvolve a vida dos institutos comerciais, a insatisfação dos seus diplomados, as suas aspirações na actividade profissional, não são menores nem menos insistentes do que as que foram referidas quanto aos institutos industriais. Mas a reivindicação mais saliente não tem paralelo com as que se registam nestes; a sua principal origem é também, porventura, diferente. E como ela é basilar para a reforma em projecto e foi posta à consideração desta Câmara pela Associação dos Alunos, ex-Alunos e Diplomados do Instituto Comercial de Lisboa, importa abordá-la desde já. Trata-se da pretensão de transformar no curso superior de contabilidade o curso médio de contabilistas.
Sem tomar posição sobre se a contabilidade justificaria uma secção privativa no ensino superior comercial, pode aceitar-se que, revendo o regime presente, talvez viesse a concluir-se que ela não teria menores títulos a essa posição do que tem hoje, por exemplo, a secção aduaneira. Mas a maior falha desta pretensão dos contabilistas está precisamente em defenderem que seja a sua escola que passe a superior em vez de afirmarem que é a ciência que cultivam que merece tal distinção.
Este segundo aspecto poderá legitimamente discutir-se, mas não dentro do âmbito deste parecer, a que é estranho o ensino superior, porque o problema diz respeito apenas ao arranjo do ensino superior; mas no ponto em que é posto de transformar duas escolas, criadas com o propósito de darem elementos de formação comercial média, destinados a ocuparem posições profissionais de segundo plano (que alguém há-de ocupar) e pô-las a formar mais uns centos de doutores, não parece ideia defensável.
Este falsear da ideia inicial tem uma origem; e essa é, infelizmente, de inspiração oficial. O ensino superior comercial, professado no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (decreto n.°-20:440, de 27 de Outubro de 1931) é ministrado num curso de quatro anos sobre o 7.° ano de ciências do liceu; ao todo, onze anos sobre a instrução primária. Mas nos institutos comerciais (decreto n.º 20:328 de 21 de Setembro de 1931) o curso médio de contabilista é dado nos mesmos quatro anos sobre o 2.° ciclo do liceu, que à data findava no 5.° ano, mas que a reforma liceal de 1936 (artigo 4.º do decreto-lei n.° 27:084, de 14 de Outubro) modificou
- seguramente mal- para o 6.° ano; e chega-se a esta situação dificilmente sustentável de se necessitarem onze anos para concluir um curso superior e dez anos para um curso médio do mesmo ramo de ensino.
A atracção do curso superior torna-se irresistível; toda a reacção à tendência de igualdade requerida pêlos de baixo é uma injustiça, porque é lutar contra uma força natural que o desacerto legislativo provocou.
Só há que arrepiar caminho e que voltar à posição equilibrada - que é fazer um metro igual ao de toda a gente, como quem diz um instituto comercial médio que seja efectivamente comercial e médio.
Propõe por isso a reforma em projecto (base XIV) que o curso comercial se reduza a três anos, o que se julga possível sem afectar a preparação profissional, antes dando-lhe talvez maior amplitude, mas suprimindo larga matéria de preparação geral manifestamente exagerada.
E se, ao que se diz, o 2.º ciclo liceal voltar apertadamente para o 5.° ano, teremos no total oito anos, contra onze, como no ensino industrial haverá nove, contra treze. A arrumação de cursos e de graus ficará com alguma lógica; os diplomados pelos cursos médios perderão um pouco do azedume de quem se julga injustamente tratado, repelido para profissões abaixo daquelas a que se julga com direito, e tomarão porventura um pouco mais de interesse pela conclusão do curso, uma coisa que hoje é rara no ramo comercial (à roda de uma dúzia por ano em cada escola), onde os alunos se servem do instituto mais para se habilitarem à entrada na escola superior daquele ramo ou nos cursos de administração das Escolas Naval e Militar, ou ainda para frequentarem cadeiras avulso, do que para alcançarem o diploma.
E então a serenidade voltará talvez aos homens, quo não são totalmente insensíveis às leis ideais do entendimento.
A par desta aspiração dos contabilistas, que se não atende, mas cuja quase legitimidade se reconhece, pela desproporcionada extensão do curso, algumas queixas se reputam fundadas; mas todas elas se referem a questões profissionais, estranhas à escola e, portanto, estranhas a este parecer. Não se esconde porém a delicadeza e a dificuldade de uma regulamentação profissional em ramo de tão variadas actividades; mas crê-se que, com relativa facilidade se poderia satisfazer, ao menos em parte, uma aspiração justa: regular a actividade das escolas particulares de comércio que conferem todos os títulos imagináveis em condições de preparação frequentemente muito discutíveis.
Levanta-se da parte dos contabilistas reclamação semelhante a uma das que apresentam os agentes técnicos de engenharia: o acesso ao corpo docente da sua escola ou das escolas elementares.
A posição é a mesma nos dois casos; o decreto n.° 5:029 (artigos 50.° para o ramo industrial e 205.1 para o comercial) admitia no professorado das escolas elementares os indivíduos habilitados com um curso médio; a legislação posterior (decreto n.° 20:420) suprimiu essa regalia, não passando hoje estes indivíduos da situação de professores provisórios. Esta pretensão de rehaver uma posição perdida é atendida na reforma em estudo, com a aprovação desta Câmara, como já se referiu a propósito, do ensino elementar; quanto ao professorado dos institutos, a questão foi tratada atrás ao falar-se dos institutos industriais e tem aqui a mesma resposta, feita ressalva dos cursos práticos de Dactilografia, Estenografia e Caligrafia, que a base XV justamente cita.
A redução do curso comercial para três anos não permite, evidentemente, que os necessários elementos de preparação para o ingresso no curso superior sejam influídos no curso normal; daí a necessidade de um curso complementar (ao lado, e não em. seguimento do curso normal) para os que pretendam servir-se do instituto médio como escola preparatória para a matrícula no Instituto Superior de Ciências Económicos e Financeiras. Esse curso está previsto na base XIV. Como foi dito para o ramo industrial, estas escolas médias têm uma finalidade própria cujas habilitações não interessam para o ingresso no curso superior; mas não se vê inconveniente insuperável, antes se reconhece que pode ter vantagem para alguns candidatos, dar-lhes, mas a penas acessoriamente, o papel de escolas preparatórias do grau superior.
Quanto às condições de matrícula, a redacção da base XIV é idêntica à da base XII para os institutos industriais. Consideram-se reproduzidos aqui os reparos feitos; apenas se nota que o regime previsto, sendo semelhante ao que hoje vigora nos institutos industriais, passa a constituir novidade quanto aos comerciais, dado que para os primeiros já vigora o exame de admissão estabelecido nos termos do decreto n.° 21:750, de 19

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de Outubro de 1932, que nunca foi estabelecido nos institutos comerciais por discordância do conselho escolar do Instituto Comercial do Porto.
Ainda sobre o regime de admissão, chegaram ao conhecimento desta Câmara certas opiniões de que a entrada só deveria ser permitida aos alunos das escolas comerciais e não aos dos liceus, com o fundamento de que aqueles, tendo já conhecimentos profissionais, dispensam certos estudos elementares que é forçoso ministrar a estes com prejuízo geral do tempo.
A questão está doutrinàriamente mal posta. Por um lado, o Instituto Comercial não é um complemento da escola comercial, mas um estabelecimento com feição autónoma, e como tal deve ter o ensino organizado no seu nível próprio. Caso contrário, se o instituto se propõe colocar-se como mero continuador do curso elementar, não faz mais do que negar a sua autonomia, dando razão àqueles que defendem - e alguns o fazem com certa lógica - que o curso de contabilista ou guarda-livros deveria ser um simples curso complementar das escolas comerciais, não justificando toda a solenidade de um escalão independente no ensino técnico.
Por outro lado, recusar a entrada aos alunos do liceu, com o argumento de que este é apenas a via de acesso ao ensino superior, é de uma injustiça que confrange.
O aluno do liceu pode legitimamente deixar de ingressar no ensino superior, ou por não ter capacidade, ou por não ter disposição, ou por não ter meios, ou ainda, simplesmente, porque não quer; recusar a estes elementos que ficam pelo caminho a entrada num curso profissional, forçando-os a ficar entregues a um saber parcelar, simplesmente preparatório, sem uma orientação de vida, é antinacional e anti-humano; e é ainda contrário ao senso comum, porque é precisamente para estes que se criaram os cursos médios, para tentar elevar ao segundo plano os que não puderam chegar ao primeiro.
Perante esta missão, o ter que repetir umas noções de comércio é bem fraco argumento; mas a Câmara Corporativa nada terá a opor se o futuro regulamento quiser distinguir nas cadeiras preparatórias os alunos das duas origens, dando aos do liceu os rudimentos do futuro ofício enquanto dará aos da escola comercial uma nova demão de verniz humanista. Mas insiste em que a entrada pelo liceu se deve considerar a via normal e, porventura, de melhor rendimento.
Por tudo isto se não patrocina a sugestão que também chegou a esta Câmara de extinguir os institutos comerciais.
Finalmente, esta Câmara faz-se eco de uma sugestão algumas vezes apresentada: a criação de um curso de correspondentes em línguas estrangeiras, a funcionar paralelamente ao de contabilistas nos institutos comerciais.
A ideia não parece despropositada; pretende-se habilitar indivíduos a dominar bem duas línguas estrangeiras, dando-lhes simultaneamente certa preparação em matéria comercial.
Reconhece-se que não deixará de ser útil em alguns casos este curso; põe-se apenas a reserva de saber se a frequência virá a justificar a sua criação. Faz-se, porém a sugestão nesse sentido, deixando ao Ministério da Educação Nacional o cuidado de averiguar, por inquérito, a oportunidade de realizar a ideia - se chegar a ser oportuna.

Ao discutir-se na Câmara Corporativa o capítulo v deste parecer suscitou-se a dúvida sobre se algumas das questões versadas abordam directamente matéria da proposta e se, por nascerem de sugestões apresentadas por organismos interessados, deveriam ter sido tratadas.
Concluiu-se, em ambos os casos, pela resposta afirmativa. É norma desta Câmara tomar em conta as representações que lhe são dirigidas e discutir nos seus pareceres as sugestões que elas contêm, desde que estejam dentro da matéria em causa, não apenas pela atenção que se deve a quem apresenta honestamente os seus pontos de vista, sejam ou não de aceitar, mas também porque assim se documentam melhor as conclusões e se dá maior largueza ao movimentar das ideias. São razões bastantes para justificar as referências feitas neste parecer a alguns dos documentos recebidos sobre a reforma do ensino técnico.
Igualmente se entendeu que no que ficou escrito se não abordou assunto estranho à proposta do Governo: os títulos académicos, o nível do ensino, as condições de admissão, a própria existência das escolas, são necessariamente temas de ensino técnico, não só em relação directa com o diploma em causa, mas constituindo eles próprios matéria em discussão. Excluiu-se, como no texto se indicou, quanto se referia a direitos ou restrições profissionais; só isso se entendeu ser questão, se não estranha, ao menos não directamente ligada à reforma do ensino.

VI - Ensino agrícola:

Quem comparar as frequências das escolas elementares e médias dos três ramos de ensino técnico e recordar a verdade, que salta aos olhos de toda a gente, de que Portugal é ainda hoje principalmente agrícola, notará uma forte desproporção, que não deixará de merecer reparo.
Desejaria a Câmara Corporativa poder oferecer um quadro estatístico geral da população escolar portuguesa que permitisse acompanhar nos últimos dez ou quinze anos a marcha de cada um dos ramos de ensino e avaliar a sua importância relativa; mas, não estando compilados esses números, limita-se a apresentar os valores da população global das escolas de ensino técnico, de onde se tiram já conclusões valiosas. Emite, porém, esta Câmara o voto de que o Ministério da Educação Nacional passe a publicar anualmente uma estatística escolar com todas as indicações que se reconheçam úteis.
A comparação das populações escolares dos estabelecimentos do ensino técnico conduz-nos ao seguinte quadro:

[Ver Tabela na Imagem]

Enquanto os dois primeiros ramos, sem atingirem ainda um nível satisfatório, mostram entre si um equilíbrio quase perfeito - e esse equilíbrio é já antigo -, o ensino agrícola toma posição de nítida inferioridade no grau médio e é quase inexistente no grau elementar. É certo que alguns milhares de operários agrícolas frequentaram na última dúzia de anos os cursos de aperfeiçoamento promovidos pelas escolas agrícolas (Ministério da Educação Nacional) ou pelos organismos agrícolas do Estado (Ministério da Economia); mas este contributo não altera fundamentalmente a posição do ensino agrícola, não só porque em absoluto o

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número de inscritos é pequeno (umas escassas centenas em cada ano) mas ainda porque o programa é forçosamente limitado pela impreparação dos alunos, em parte analfabetos (artigo 33.º do decreto n.º 19:908, de 15 de Junho de 1931, e artigo 25.º do decreto n.º 19:909, da mesma data), e pela natureza dos cursos, de índole muito especializada (podadores, lagareiros, etc.).
Esta limitadíssima expansão do ensino agrícola tem seguramente várias causas. Parece poderem apontar-se como primeiras a menor exigência aparente do trabalho agrícola no respeitante a regras de técnica, substituídas por uma longa tradição empírica, nem sempre falsa, e o mais baixo nível de vida e de cultura do operário agrícola, que não sente - como já vai sentindo o operário industrial - a necessidade de se educar profissionalmente a si e aos filhos ou, se o sente, não tem meios para pôr em prática esse propósito; vem seguidamente o regime de internato, que pelos, encargos que traz torna este ensino inacessível ao orçamento de numerosíssimas famílias; e, como consequência de tudo isto, que se traduz no limitado interesse da população pelo ensino agrícola, resulta o pequeníssimo número de escolas (apenas duas escolas práticas de agricultura -elementares - em Paiã e Santo Tirso), que, no entanto, vivem normalmente no regime de lotação completa.
Reconhece o relatório da proposta de lei (n.º 8) estas duas últimas causas da fraca difusão do ensino elementar agrícola, mas reputa mais útil, por agora, desenvolver e alargar o ensino de aperfeiçoamento a que atrás se faz referência, sob a forma de cursos práticos de curta duração, do que criar escolas do tipo das actuais. Estes cursos agora propostos, um tanto semelhantes aos que o artigo 33.º do decreto n.º 19:908, já citado, denomina de prática rural para operários, apresentarão sobre estes, ao que parece, um certo progresso: tomarão como mínimo de habilitação o exame de instrução primária (base XVI) e terão o carácter móvel, que levará a escola a procurar os alunos.
Este tipo de escola não tem paralelo nos outros ramos do ensino técnico; mas é intuitivo que a difusão do ensino agrícola, destinado a uma população mais rarefeita do que aquela que se interessa pelos ramos industrial ou comercial, precisa de adoptar outros meios de penetração, de se parcelar, de se movimentar, e até de prescindir um pouco de certas preocupações pedagógicos no que se refere a conhecimentos teóricos e a elementos de preparação geral. Por isso se considera louvável tudo que se faça no propósito de desenvolver este tipo de ensino, quer se exerça como irradiação da actividade das escolas fixas quer como complemento da assistência técnica a cargo dos organismos agrícolas, florestais e pecuários oficiais.
Entende a Câmara Corporativa que este complemento é justamente de manter pela grande difusão que hoje possui e pela íntima correlação que tem com a função profissional de tais organismos; já no artigo 1.º do decreto n.º 16:727, de 13 de Abril de 1929, que fez transitar para o Ministério da Educação as escolas dependentes de outros Ministérios, se entendeu conveniente manter ligadas ao então Ministério da Agricultura as escolas e missões agrícolas móveis.
Reconhece-se que as duas organizações podem e devem trabalhar em paralelo, com vantagem e economia, no vastíssimo campo que se lhes oferece; mas impõe-se o acordo dos dois Ministérios para o ajuste da acção combinada, como a proposta prevê. Oxalá se não levantem conflitos de jurisdição nem preocupações de hegemonia.
Da doutrina da base XVI, dedicada a este degrau rudimentar do ensino agrícola, só merece especial reparo a posição, atribuída ao professor primário.
É evidente que o professor primário não pode, na generalidade, ser encarregado de ensinar matéria profissional, mesmo depois de frequentair os cursos de férias a que a proposta se refere; na melhor das hipóteses, a matéria ensinada não passaria de umas generalidades teóricas, com que os alunos não ganhariam muito, perdendo-se a feição técnica e prática do ensino e desacreditando-se a escola.
Mas a base XVI, ao afirmar com prudência que o serviço docente poderá ser confiado particularmente a professores de instrução primária, tem em vista, por certo, restringir esse serviço ao que é compatível com a preparação do professor, e presume-se que o faz no propósito de apurar um pouco a preparação geral do aluno vinda da escola primária. A matéria profissional agrícola não pode deixar de ser ensinada por um quadro de professores ou auxiliares com a necessária formação; seria inaceitável que se pensasse o contrário.
Parece por isso conveniente retocar um pouco a redacção desta base, para não deixar dúvidas quanto ao que se espera do professor primário.
É certo que na própria escola primária, sobretudo nos meios rurais, se pode intensificar a referência a temas da vida agrícola; mas a intenção não pode ser nunca a de fazer ensino profissional para alunos de 10 anos, mas, quando muito, a de chamar a atenção, buscando despertar o gosto pelos problemas da terra.

Dediquemos agora duas palavras à matéria da base XVII, relativa às escolas práticas de agricultura, que são, no ramo agrícola, as equivalentes das já muito faladas escolas industriais ou comerciais.
A criação do ciclo preparatório já referido atrás (capítulo IV - C) obriga à modificação do curso destas escolas, que é presentemente de quatro anos, dos quais três de preparação técnica e um de estágio (artigo 7.º do decreto n.º 19:909). Não, nos diz a proposta quantos anos se prevêem para a duração do curso depois de concluído o ciclo preparatório, mas parece razoável que não exceda dois ou três; apenas nos esclarece que o curso profissional poderá não ser único, o que parece vantajoso.
O ciclo preparatório, desintegrado da escola de agricultura, além das vantagens já apontadas a propósito do ensino industrial e comercial, resolve parcialmente uma dificuldade: o regime de internato, hoje obrigatoriamente imposto com ressalva de alguns casos de excepção (artigo 28.º do regulamento aprovado pelo decreto n.º 24:361, de 14 de Agosto de 1934). Cursados livremente pelo aluno onde mais lhe convier, os dois anos preparatórios, uniformizando o primeiro lanço de todo o ensino técnico, facilitam, em relação ao regime actual, o ingresso nas escolas de agricultura.
Formula, porém, a base XVII a reserva de poder condicionar-se, a matrícula nestas escolas à realização de estágios de adaptação; e, embora se compreenda a intenção da proposta, tem-se certa dúvida em lhe dar aprovação incondicional. Vistas bem as coisas sob o ponto de vista exclusivamente escolar, estágio de adaptação poderia, quase com igual lógica, exigir-se para a entrada nos outros ramos do ensino profissional, dado que o terem fama de mais rudes os trabalhos de campo não significa que para eles se exija mais decidida vocação do que para as lides da indústria, nem sempre suaves e limpas.
O problema sério reside, porém, em se concluir o ciclo preparatório aos 13 anos e, portanto, o curso de feitor aos 15 ou 16, isto é, demasiadamente cedo para que o diplomado, possa exercer com plena autoridade e pleno, discernimento as suas funções profissionais. Daí a vantagem de intervalar o estudo com um estágio, que, para ter algum valor, não pode durar menos de um ano; esse intervalo é hoje imposto na passagem da escola primária para a escola de agricultura, onde

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a entrada se faz normalmente aos 14 anos (artigo 42.º do regulamento aprovado pelo decreto n.º 24:361).
Poderia parecer mais curial que o aluno mostrasse a sua adaptação ao ambiente profissional dentro da própria escola e que os professores o reprovassem se ele se não adaptasse. Para mais, a escola existe precisamente para ensinar uma técnica e fazer uma adaptação, porque se trata de um estabelecimento de formação, para cujo efeito se podem prever dentro do curso todos os estágios e trabalhos práticos julgados convenientes.
Mas outras desvantagens se levantam: o curso alonga-se e, se é feito em regime de internato, torna-se mais caro e reduz a lotação da escola; no entanto, o artigo do actual regulamento referido acima permite que os alunos com menos de 14 anos entrem para a escola em regime de estágio, alcançando ao mesmo tempo, durante ele, adaptação e idade.
Vista ainda a questão por outro lado, o estágio fora da escola, com uma fiscalização que terá de ser muito teórica, será algumas vezes uma maneira de esperar pela idade sem fazer mais nada; e para alguns será ainda um problema o saber onde hão-de estagiar, porque se os alunos serão na generalidade da família de lavradores nada deve impedir que o não sejam.

esulta de tudo isto que a redacção da base XVII, prevendo unicamente o estágio fora da escola, parece demasiadamente rígida; e daí o parecer preferível deixar prevista a hipótese de se fazer o estágio dentro da própria escola, em regime interno, como hoje, ou em regime externo se ao candidato for mais conveniente.
Voltando à questão do internato, nada nos diz a proposta sobre o que se passará nos anos seguintes ao ciclo preparatório; não se sabe se tal omissão foi involuntária ou revela o propósito de não aceitar, tão rigidamente como o faz a legislação vigente, a imposição desse regime.
Reconhece-se que o regime do aluno interno se adapta vantajosamente às necessidades do ensino agrícola de formação; mas têm-se muitas dúvidas sobre se será inteiramente de excluir o regime de externato ou de semi-internato quando ao aluno convenha, ainda que se reconheça algum prejuízo na eficiência do ensino. Por tal motivo se respeita o silêncio da base a propósito desta matéria.
Finalmente, refere-se a base XVII à criação de novas escolas práticas de agricultura. Apesar do que se diz no relatório da proposta, e atrás se citou neste parecer, quanto a não ser este tipo de escolas o que convém instituir entre nós com mais largueza, o Governo pede autorização para criar dois novos estabelecimentos deste tipo, com a reserva de que poderão ter diferente organização.
O aumento do número destas escolas parece impor-se como tentativa para corrigir a pouco e pouco o desnível do quadro com que se começou este capítulo; porque num país em que 4 milhões de pessoas vivem da agricultura e em que a frequência das escolas agrícolas e o número destas é aquilo que se apontou, parece desejável que o Estado faculte meios de aumentar o número de habitantes tendo dos problemas técnicos da terra uma noção exacta, ainda que seja elementar. Das escolas agrícolas particulares previstas, não se sabe se com grande convicção, no decreto-lei n.º 34:476 não se .pode esperar contributo muito valioso, salvo, porventura, da projectada escola da Fundação da Casa de Bragança.
Mas o problema financeiro da construção de novas escolas parece ter-se posto ao Governo quando observa que elas exigem amplos terrenos para demonstrações práticas (n.º 8 do relatório da proposta). Este facto e, de maneira mais geral, o inegável esforço orçamental que o ensino agrícola exige é nova razão a juntar ao que atrás se disse (capítulo IV-F) sobre a necessidade de se aproveitar ao máximo toda a colaboração particular, por ser vastíssima e dispendiosa a tarefa que com peto ao Estudo e que ele só lentamente poderá satisfazer.
O que se estranha na base XVII é que se desça ao pormenor de pedir autorização para criar expressamente duas escolas agrícolas, quando na base I se pede liberdade para criar discricionàriamente, por decreto simples, todas as escolas industriais ou comerciais que se julguem oportunas e cujo número deverá subir doutro de alguns anos u casa das dezenas. Na impossibilidade de fixar o número de novas escolas em todos os ramos, parece excesso de rigor legislativo fixai- nesta proposta que as novas escolas agrícolas não passarão de duas.
Faz-se ainda, sobre a redacção desta base, uma última observação. Por simetria com o que se passa nos outros ramos do ensino técnico, por ser doutrina assente na legislação em vigor (artigos 4.º e 15.º do decreto n.º 19:909) e por ser princípio defensável, ainda que aproveite a poucos, deve estabelecer-se que aos alunos destas escolas será facultado o acesso às escolas de regentes agrícolas nas condições a fixar em regulamento.

A base seguinte da proposta (base XVIII), referente ao ensino médio, é a que introduz mudança de maior tomo no actual ensino agrícola.
As três escolas médias actuais (Escolas de Regentes Agrícolas de Coimbra, Évora e Santarém), classificadas no seu diploma orgânico (decreto n.º 19:908) como liceus nacionais agrícolas, recebem os alunos com exame de instrução primária e idade entre 11 e 14 anos, e ministram, em regime de internato, um curso de sete anos, em que os cinco primeiros são equiparados aos primeiros cinco anos do liceu e apenas diferem deles em terem a mais, de matéria profissional, três horas teóricas e seis práticas por semana no 4.º ano e uma teórica e duas práticas no 5.º (artigo 8.º do regulamento aprovado pelo decreto n.º 22:427, de 8 de Abril de 1933). As cadeiras técnicas constituem praticamente os dois últimos anos.
Já atrás se reconheceu que o regime de internato se ajusta às necessidades do ensino agrícola, porque permite seguir com eficiência e continuidade a prática das múltiplas operações agrárias. Como, por outro lado, só trata de um curso já de certo nível, em que a frequência, sem ser considerada satisfatória, não desce à cifra alarmante registada no ensino profissional, reconhece-se que o regime de internato é de manter e a proposta em estudo defende essa orientação.
Mas o sistema actual de tomar os alunos à saída da instrução primária e de os canalizar para a profissão do regentes agrícolas, só aceitando como excepção a entrada de candidatos com preparatórios liceais (§ 2.º do artigo 237.º do decreto n.º 19:908), embora defendido com entusiasmo por algumas pessoas (e até agravado com a exclusão absoluta de entrada fora do 1.º ano), não parece convincente para quem vê a questão de fora, livre da pressão do hábito.
Argumenta-se que só desta maneira, com estas condições de meio longamente impostas, se cria o espírito próprio, o sentido da profissão, que é forçoso desenvolvei-nos alunos a bem da lavoura e da Nação. Não se nega certo fundo de verdade a estas palavras, mas reconhece-se que há talvez nelas uma ponta de exagero, porque todas as profissões têm o seu espírito, todas pedem um ambiente próprio de formação, todas exigem profissionais competentes, animosamente devotados ao seu mister e todas elas são igualmente úteis à colectividade; a todos os ramos do ensino, em especial do ensino técnico, aquelas palavras poderiam ser aplicáveis em maior ou menor grau.

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Por outro lado, o regime actual tem os seus inconvenientes. Obriga praticamente a escolher uma profissão por volta dos 11 anos, critério defeituoso, já atrás longamente analisado a propósito do ensino industrial e comercial, pois que a legislação vigente só permite a entrada de candidatos com preparatórios liceais até ao limite das vagas disponíveis depois da admissão de todos os outros (§ 2.º acima citado); e se fosse levado ao exagero de recusar os candidatos com preparatórios liceais, hoje admitidos como excepção, chegaria ao princípio tirânico do fixar nos 14 anos o limite de idade com que o cidadão português poderia aspirar a seguir a carreira de regente agrícola. Acresce que a posição de olhar como indesejáveis os candidatos à matrícula vindos do 2.º ciclo liceal, com o fundamento de não terem ainda impressa a marca da profissão ou de poderem ser uns falhados, cujo fôlego não chegou para entrar no ensino superior, è a repetição das vozes que se levantam no ensino médio comercial e a que atrás se deu resposta que não vale a pena repetir (capítulo V-C).
O ensino médio não se fez apenas para aqueles que em crianças, par acaso, por falta de meios ou por tradição de família, decidiram ser agentes técnicos de engenharia e não engenheiros, regentes agrícolas e não agrónomos; o ensino médio fez-se para todos aqueles que atingiram a preparação legal mínima, sem interessar saber por que não foram mais longe; e o nível da escola, a altura das suas tradições não se defende com limitações teóricas de admissão assentes em critérios subjectivos, mas com o ser rigoroso nas provas de entrada, consciencioso no ensino e inflexível no julgamento. Para mais, o ensino liceal, diga-se o que se disser em seu desabono, ainda é a grande e melhor via preparatória para todos os estudos médios, ou superiores, parque a isso especialmente está destinado; e recorrendo-se a ele reduz-se em proporção considerável o encargo do internato (limitado ao período propriamente profissional) e aumenta-se também em larga escala a lotação das escolas existentes, onde algumas matrículas têm sido recusadas por falta de lugar.
Por estas razões, a Câmara Corporativa, concordando com a intenção manifestada na proposta do Governo, mas reconhecendo que os objectivos em vista são já largamente alcançados se a admissão de candidatos se fizer com os preparatórios do 1.º ciclo liceal, em vez da instrução primária, receando que a supressão dos cinco primeiros anos reduza demasiadamente o tempo de adaptação dos alunos à sua futura profissão, sugere a solução intermédia de que a admissão normal se faça com idades entre 13 e 17 anos, deixando ainda na escola de regentes um complemento de preparação geral.
Nada se perde, antes, pelo contrário, se pode ganhar, em experimentar esta modalidade; porque, como a presente reforma não será eterna, nada impede que dentro de alguns anos. se parecer, com maior segurança, que deve continuar-se no caminho de desintegrar da escola profissional o ensino preparatório de índole geral sem prejuízo da formação dos alunos, se legisle novo passo definitivo nesse sentido. E tornar-se-iam então perfeitamente simétricas as condições de entrada de todas as escolas técnicas de grau médio, mediante exame de admissão de nível equivalente ao 2.º ciclo do liceu.
O antepenúltimo período desta base XVIII levanta certas dúvidas sobre o objectivo do curso técnico abreviado que nele só menciona; convém esclarecer, e julga-se que é essa a intenção do Governo, que se não trata de expediente para fazer regentes agrícolas com um ensino sumário, mas sim de um curso de especialização, no género dos cursos elementares que se mencionam no período seguinte da mesma base, porventura mais exigente, mas sem equiparação ao curso normal da escola.
A última base da proposta referente ao ensino agrícola (base XIX) é dedicada ao pessoal docente e levanta alguns pequenos reparos. Defende para o ensino agrícola os princípios já analisados e discutidos a propósito do ensino industrial e comercial (capítulo IV-G). Apenas na primeira linha, onde se diz ensino agrícola, parece querer dizer-se ensino agrícola médio; e mais adiante, onde se fala do impedimento dos professores ordinários, deve dizer-se, como parece evidente e à semelhança do que se disse na base XI, dos professores do quadro.
Ainda para manter o princípio de que os professores das escolas médias só podem ser diplomados por escolas superiores, haverá que suprimir no primeiro período da base a expressão professores extraordinários.

VII - Conclusões:

Pelo que fica exposto, e independentemente de alguns alvitres que estão expressos neste parecer, a Câmara Corporativa sugere que na redacção das bases da proposta de lei se introduzam as alterações seguintes:

BASE I

Será a base II da proposta, assim modificada:
Na alínea a) suprimir as palavras normalmente e com a idade mínima de 11 anos.
Na alínea b), para melhor discriminação dos tipos de cursos, redigir:

b) O 2.º grau, que compreenderá:
1) Os cursos industriais e comerciais complementares de aprendizagem;
2) Os cursos industriais e comerciais de formação profissional;
3) Os cursos industriais e comerciais de aperfeiçoamento profissional;
4) O curso industrial de mestrança;
5) As secções preparatórias para a matrícula nos institutos médios;
6) Outros, cursos que venham a ser organizados em seguimento do ciclo preparatório.

Estes cursos terão duração variável segundo a natureza da profissão, sem, todavia, poderem exceder o período de quatro anos.

BASE II

Será a base I da proposta, com as suas cinco alíneas substituídas por quatro, com a redacção seguinte:

a) Escolas técnicas elementares, destinadas a ministrar exclusivamente o ensino das matérias do ciclo preparatório;
b) Escolas industriais, destinadas a ministrar, associado ou não ao ciclo (preparatório, o ensino de todos ou alguns dos cursos seguintes: complementar de aprendizagem, aperfeiçoamento profissional, industrial de formação, mestrança e secções preparatórias ;
c) Escolas comerciais, destinadas a ministrar o ensino comercial de formação profissional, associado ou não ao ciclo preparatório, ao ensino complementar de aprendizagem, ao de aperfeiçoamento ou às secções preparatórias;
d) Escolas industriais e comerciais, destinadas a ministrar o ensino mencionado nas duas alíneas anteriores.

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BASE II-A
É criada uma nova base, assim redigida:

Nos estabelecimentos industriais cuja importância o justifique, naqueles que resultem de qualquer das formas de reorganização previstas na parte n da lei n.º 2:005, ou ainda nos que tenham gozado de qualquer dos benefícios mencionados na base IV dessa lei, especialmente se se encontrarem localizados fora da zona de influência de qualquer escola industrial do Estado, o Governo, pelos Ministérios da Educação Nacional e da Economia, poderá impor, tendo em atenção a doutrina da base XXV da mesma lei, a conveniente organização do ensino dos aprendizes.
Igual obrigação poderá ser imposta colectivamente a grupos de indústrias afins, dentro da mesma localidade ou de localidades próximas.
Este ensino terá em cada caso a organização julgada conveniente em vista das necessidades da respectiva técnica e compatível com os recursos das empresas.
Se um estabelecimento industrial organizar o ensino nos moldes de qualquer dos cursos existentes nas escolas oficiais e mencionados na base I, poderá esse curso ser oficializado, subsidiado pelo Estado e aberto a indivíduos estranhos ao estabelecimento.
O ensino dos aprendizes será em todos os casos sujeito à fiscalização do Estado e à organização por ele aprovada.

BASE III
No primeiro período suprimir a disciplina de Caligrafia.
No penúltimo período substituir zootecnia por exploração pecuária.

BASE IV
Redigir como segue o quarto período:

Relativamente às profissões cujo ensino complementar se encontre suficientemente difundido, poderá ser estabelecida a obrigatoriedade da frequência escolar, como condição necessária para o efeito de promoção às categorias profissionais superiores ao aprendizado.

BASES V a X
Sem alteração.

BASE XI

Na parte final do segundo parágrafo, as palavras naqueles estabelecimentos de ensino serão substituídas por nestas Faculdades.
No sexto parágrafo será eliminada a palavra manifesta.
No princípio do nono parágrafo suprimir as palavras bem como no ciclo

BASE XII
Ao segundo período serão acrescentadas as seguintes palavras: de nível equivalente ao 2.º ciclo do liceu. O último período da base será assim redigido:

As cadeiras que constituem habilitação para a matrícula nas escolas superiores de engenharia serão fixadas em regulamento, mas não excederão as compreendidas nos dois primeiros anos; igualmente se fixarão em regulamento as cadeiras que devam constituir habilitação à matrícula no curso de maquinistas da Escola Naval.

BASE XIII
Sem alteração.

BASE XIV
A seguir ao primeiro período deverá acrescentar-se:

Paralelamente ao curso de contabilistas poderá ser organizado o de correspondentes em línguas estrangeiras, se a frequência o justificar.

Ao penúltimo período deverão acrescentar-se as palavras: de nível equivalente ao 2.º ciclo liceal.

BASE XV
No primeiro parágrafo, a expressão ou por curtos a designar oportunamente será substituída por ou por outros cursos superiores a designar oportunamente.

BASE XVI
No terceiro parágrafo substituir a palavra parcialmente pela expressão na parte referente a matérias de preparação geral.

BASE XVII
No primeiro parágrafo, a expressão da presente proposta será substituída por da presente lei.
As últimas palavras do primeiro parágrafo serão substituídas por estas:

... feitos pelos candidatos dentro ou fora da escola, mas sempre sob a fiscalização desta, nas condições a fixar.

No último parágrafo substituir a palavra duas por novas.
No fim desta base acrescentar o novo período:

Em regulamento se fixarão as condições de acesso dos alunos destas escolas às escolas de regentes agrícolas.

BASE XVIII
O primeiro parágrafo ficará assim redigido:

O ensino médio agrícola destina-se a preparar regentes agrícolas e será ministrado, normalmente, em regime de internato ...

O segundo parágrafo será substituído por este:

O plano de estudo destas escolas será revisto no sentido de nelas se constituir um curso profissional com duração não superior a cinco anos, em que poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 13 e máxima de 17 anos que em exame de admissão de nível equivalente ao 1.º ciclo Liceal mostrem possuir a necessária habilitação geral.

As últimas palavras do quarto parágrafo deverão ser substituídas por estas:

... poderá ser criado, sem equivalência ao curso normal da escola, um curso técnico abreviado versando assuntos especiais, destinados a indivíduos maiores de 20 anos e em regime de externato.

BASE XIX
O primeiro parágrafo deverá ficar assim redigido:

O pessoal dos quadros docentes do ensino agrícola médio será constituído por professores ordinários, regentes de internato e recentes de trabalhos...

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No penúltimo parágrafo, a expressão professores ordinários deverá ser substituída por professores do quadro.

BASE XX

Sem alteração.

BASE XXI

A parte final será substituída pela seguinte:

... nas diferentes categorias do magistério técnico, pela forma seguinte: professores ordinários do ensino médio, sem diuturnidades, equiparados a engenheiros ou a agrónomos de 2.ª classe; professores ordinários do ensino elementar, sem diuturnidades, equiparados a engenheiros ou a agrónomos de 3.ª classe; professores extraordinários do ensino elementar equiparados a agentes técnicos de engenharia ou a regentes agrícolas de 3.ª classe.
As restantes categorias de pessoal docente serão remuneradas como vier a ser fixado oportunamente, tendo em vista as equivalências acima estabelecidas.
O pessoal docente a que se refere a presente base terá direito a aumento de vencimentos por diuturnidade aos dez e aos vinte anos de bom serviço.

BASES XXII a XXV

Sem alteração.

Em conclusão, a Câmara Corporativa é de parecer que às bases da proposta deve ser dada a redacção seguinte:

PARTE I

Do ensino técnico profissional

BASE I

O ensino técnico profissional abrangerá dois graus:
a) O 1.º grau, que será constituído por um ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem geral, com a duração de dois anos, destinado a ministrar aos candidatos aprovados na 4.º classe de instrução primária a habilitação necessária para a admissão nos cursos técnicos respeitantes às profissões qualificadas da indústria, do comércio e da agricultura;
b) O 2.º grau, que compreenderá:
1) Os cursos industriais e comerciais complementares de aprendizagem;
2) Os cursos industriais e comerciais de formação profissional;
3) Os cursos industriais e comerciais de aperfeiçoamento profissional;
4) O curso industrial de mestrança;
5) As secções preparatórias para a matrícula nos institutos médios;
6) Outros cursos que venham a ser organizados em seguimento do ciclo preparatório.
Estes cursos terão duração variável segundo a natureza da profissão, sem, todavia, poderem exceder o período de quatro anos.

BASE II

As escolas do ensino técnico profissional são assim classificadas:
a) Escolas técnicas elementares, destinadas a ministrar exclusivamente o ensine- das matérias do ciclo preparatório;
b) Escolas industriais, destinadas a ministrar, associado ou não ao ciclo preparatório, o ensino de todos ou alguns dos cursos seguintes: complementar de aprendizagem, aperfeiçoamento profissional, industrial de formação, mestrança e secções preparatórias;
c) Escolas comerciais, destinadas a ministrar o ensino comercial de formação profissional, associado ou não ao ciclo preparatório, ao ensino complementar de aprendizagem, ao de aperfeiçoamento ou às secções preparatórias;
d) Escolas industriais e comerciais, destinadas a ministrar o ensino mencionado nas duas alíneas anteriores.
Cada escola de ensino técnico profissional será dotada com os cursos e tipos de ensino que melhor se adaptem às formas de trabalho industrial e de actividade comercial predominantes na respectiva região.
Em ligação com as escolas para tal fim designadas poderão organizar-se oficinas de aprendizagem de natureza artística (nomeadamente de rendas, tapeçaria e olaria) estranhas aos cursos ministrados nessas escolas, mas cuja produção, deva ser orientada pelo Estado. As condições de admissão e de funcionamento serão, para cada caso, fixadas em regulamento.
Fica o Governo autorizado a criar as escolas do ensino técnico profissional que as condições económicas e sociais do País justificarem. As escolas serão criadas por decreto dos Ministros da Educação Nacional e das Finanças.

BASE III

Nos estabelecimentos industriais cuja importância o justifique, naqueles que resultem de qualquer da: formas de reorganização previstas na parte II da lei n.º 2:005, ou ainda nos que tenham, gozado de qualquer dos benefícios mencionados na base IV dessa lei, especialmente se se encontrarem localizados fora da zona de influência de qualquer escola industrial do Estado, o Governo, pelos Ministérios da Educação Nacional e da Economia, poderá impor, tendo em atenção a doutrina da base XXV da mesma lei, a conveniente organização do ensino dos aprendizes.
Igual obrigação poderá ser imposta colectivamente a grupos de indústrias afins, dentro da mesma localidade ou de localidades próximas.
Este ensino terá em cada caso a organização julgada conveniente em vista das necessidades da respectiva técnica e compatível com os recursos das empresas.
Se um estabelecimento industrial organizar o ensino nos moldes de qualquer dos cursos existentes nas escolas oficiais e mencionados na base I, poderá esse curso ser oficializado, subsidiado pelo Estado e aberto a indivíduos estranhos ao estabelecimento.
O ensino dos aprendizes será em todos os casos sujeito à fiscalização do Estado e à organização por ele aprovada.

BASE IV

As matérias do ciclo (preparatório compreenderão as seguintes unidades docentes: Língua e História Pátria, Ciências Geográfico-Naturais, Aritmética e Geometria, Desenho Geral, Trabalhos Manuais, Educação Moral e Cívica, Educação Física e Canto Coral.

O ensino assumirá, na medida conveniente, características de orientação profissional e os programas e os tempos destinados a cada uma das unidades docentes poderão variar de escola para escola, em correspondência com as condições naturais e económicas da respectiva região, dentro dos limites que assegurem ao ciclo de ensino valor educativo equivalente.
Os trabalhos manuais serão de oficina - preferentemente de modelação, de madeira, de metal, de costura e análogos; ou de campo; - designadamente de jardinagem, de horticultura, de pomologia, de exploração pecuária e análogos.
A aptidão escolar dos candidatos à matrícula poderá sor verificada em exame de admissão.

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BASE V

O ensino complementar de aprendizagem será ministrado paralelamente e em correlação com a iniciação profissional realizada nas oficinas, fábricas, estabelecimentos comerciais e semelhantes, e instituído nas localidades onde o número de aprendizes e praticantes dos profissões qualificadas justifique o seu funcionamento.
Os cursos complementares serão constituídos pelas disciplinas de cultura geral e de aplicação, cujo estudo, associado à prática obtida fora da escola, concorra para a educação profissional, moral e cívica dos alunos, podendo ainda incluir sessões de trabalho oficinal quando assim se torne aconselhável.
As lições não excederão, em regra, doze horas semanais, compreendidas no período de trabalho do aprendiz, que terá direito à remuneração correspondente, salvo nos casos de manifesta falta de aproveitamento, e os horários serão organizados, ouvidas as entidades patronais, pelo modo que mais facilite a frequência escolar.
Relativamente às profissões cujo ensino complementar se encontre suficientemente difundido, poderá ser estabelecida a obrigatoriedade da frequência escolar, como condição necessária para o efeito de promoção às categorias profissionais superiores ao aprendizado.
O ensino complementar de aprendizagem poderá ser organizado tendo por base a habilitação da escola primária em relação às profissões para as quais tal preparação se mostre suficiente; e, transitoriamente, proceder-se-á de igual modo em relação às demais profissões, enquanto não puder subordinar-se a admissão no aprendizado à habilitação obtida no ciclo preparatório.

BASE VI

Os cursos industriais de formação profissional serão ministrados em regime exclusivamente diurno e compreenderão, além das matérias de cultura geral necessárias a uma conveniente educação intelectual, moral e cívica, as disciplinas tecnológicas e de aplicação relativas a determinado ramo de trabalho, e, nas oficinas, a aprendizagem metódica e quanto possível completa de um ofício, tendo sempre em vista conferir aos alunos a aptidão exigida no exercício da correspondente profissão industrial.
Com o fim de facilitar aos alunos a escolha da carreira futura, poderá o ensino, sempre que daí não resulte inconveniente, desdobrar-se em cursos de base, comuns a diversas profissões, e cursos de especialização.
Mediante acordo entre as direcções das escolas e as entidades patronais, os alunos do último ano dos cursos poderão realizar nas oficinas dessas entidades as sessões de trabalhos oficinais a que foram por lei obrigados.

BASE VII

Os cursos comerciais de formação (profissional serão constituídos pelas matérias de cultura geral adequadas a uma conveniente educação intelectual, moral e cívica, e pelas disciplinas, exercícios de aplicação e cursos práticos susceptíveis de conferir aos alunos a aptidão necessária ao exercício de determinadas profissões comerciais.

BASE VIII

Sempre que o número de candidatos o justifique, será organizado nas escolas, em regime nocturno e para indivíduos maiores de 15 anos que durante o dia trabalhem na indústria ou no comércio, o ensino das disciplinas de cultura geral, tecnológicas ou de aplicação incluídas nos cursos complementares de aprendizagem ou nos cursos de formação profissional ministrados nessas escolas ou ainda o de outras matérias que possam interessar ao aperfeiçoamento profissional desses indivíduos, podendo igualmente realizar-se, com o mesmo fim, sessões de trabalhos oficinais de duração moderada.
Os trabalhos escolares do período nocturno não se prolongarão, normalmente, além das 22 horas e não poderão exceder, em regra, doze horas semanais.
Aos indivíduos aprovados nas disciplinas cujo ensino se fizer em regime de aperfeiçoamento poderão ser conferidos diplomas dos cursos profissionais nas condições que vierem a ser fixadas em regulamento.

BASE IX

Em ligação com os cursos industriais e comerciais será, nas escolas designadas em regulamento, ministrada aos candidatos à admissão aos institutos industriais e comerciais, bem como às escolas de belas-artes, a habilitação necessária, podendo constituir-se para tal fim secções preparatórias.
A matrícula nas disciplinas compreendidas nas secções preparatórias realizar-se-á mediante adequadas provas de selecção escolar.

BASE X

Os cursos de mestrança terão por fim ministrar a operários com habilitação suficiente que trabalhem nas profissões dos ramos relativos a esses cursos, e que pretendam vir a exercer funções de contramestres, mestres e chefes de oficina, a instrução geral e técnica de que, para tal efeito, careçam.
Estes cursos serão organizados nas escolas dos grandes centros industriais, por iniciativa do Ministério da Educação Nacional ou das empresas e organismos interessados, à medida que as necessidades o justifiquem e as condições daquelas escolas o permitam.
O ensino dos cursos de mestrança será feito em regime nocturno, paralelamente ao exercício da actividade profissional, salvo quando respeite a ramos industriais cuja dispersão não permita que se conjugue a frequência escolar com o trabalho profissional.

BASE XI

De todos os cursos especifica mente femininos, bem como do ensino ministrado, nos restantes cursos, a turmas femininas, farão parte as disciplinas de Economia Doméstica e de Puericultura.
Em regulamento serão designados os cursos industriais em que poderá ser autorizada a matrícula de alunos do sexo feminino.

BASE XII

O pessoal dos quadros docentes do ensino técnico profissional será constituído por professores ordinários e professores extraordinários e por mestres, contramestres e auxiliares de ensino. Haverá também professores de Educação Moral e Cívica, de Educação Física e de Canto Coral.
Segundo a natureza dos grupos de disciplinas cuja regência lhes competir e os graus de ensino ministrado nas escolas a que se destinarem, os candidatos a professores ordinários e extraordinários serão recrutados de entre os diplomados com os cursos técnicos superiores ou médios, ou cursos superiores ou especiais de belas-artes, os licenciados pelas Faculdades de Letras e de Ciências, ou os indivíduos habilitados nos cursos especiais que vierem, para o efeito, a ser organizados com matérias professadas nestes Faculdades.
A formação pedagógica dos candidatos a professores será obtida num curso da duração de dois a quatro se-

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mestres, e a aprovação neste curso dará direito ao título de professor agregado do ensino técnico profissional e ao ingresso nos quadros, nos termos que vierem a ser fixados em regulamento.
O quadro privativo de cada escola será constituído por professores ordinários, ou por professores ordinários e extraordinários, segundo a natureza do ensino que nela for ministrado.
Só poderão ser nomeados professores ordinários os candidatos habilitados com os cursos superiores a que se refere a presente base, salvo o caso especial de professores actualmente em serviço, cuja situação será definida em regulamento.
Quando, por conveniência do ensino, o serviço docente respeitante a disciplinas tecnológicas ou que constituam inovação pedagógica deva, em qualquer escola, ser confiado a profissionais de reconhecida idoneidade, nacionais ou estrangeiros, serão estes para tal fim contratados pelo tempo, com a remuneração e segundo o regime de trabalho a fixar por despacho do Ministro da Educação Nacional.
No impedimento dos professores do quadro ou quando estes não possam assegurar todo o serviço, serão nomeados professores agregados e, na falta destes, professores provisórios.
A condução dos trabalhos de cada oficina das escolas de ensino técnico profissional ficará a cargo de um mestre, coadjuvado pelos contramestres necessários, devendo um e outros ser recrutados de entre os candidatos habilitados em curso que inclua os trabalhos dessa oficina.
No ensino comercial, a regência dos cursos práticos de caligrafia e esteno-dactilografia e dos trabalhos de escritório, quando os haja, será confiada a um ou dois mestres, segundo as necessidades da frequência, coadjuvados, quando necessário, por auxiliares de ensino, devendo uns e outros ser recrutados de entre os candidatos habilitados com os cursos correspondentes do ensino técnico profissional.
No impedimento dos mestres, contramestres e auxiliares do quadro e para a execução do serviço que pelos mesmos não possa ser distribuído serão nomeados contramestres e auxiliares provisórios.
Os quadros docentes das escolas serão ajustados às actuais necessidades do ensino, procedendo-se à transferência do pessoal actual para as categorias que lhe corresponderem.

PARTE II

Dos institutos industriais e comerciais

BASE XIII

O ensino médio industrial, que será ministrado nos actuais Institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de engenharia e chefes de indústria; e os cursos que o constituem compreenderão aulas teóricas, aulas práticas, trabalhos gráficos, de laboratório e de oficina.
Cada instituto será dotado com cursos de base, que terão quatro anos de duração, funcionando em regime diurno, nos quais poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 15 anos que tiverem obtido aprovação em exame de admissão, de nível equivalente ao 2.º ciclo do liceu.
Os cursos de base serão os seguintes:
a) Electrotecnia e máquinas;
b) Construções civis e minas;
c) Química industrial.
O diploma de qualquer dos cursos de base confere o direito ao uso do título profissional de agente técnico de engenharia.
A aprovação no 3.º ano do curso de química industrial será para todos os efeitos legais equivalente ao actual curso de química laboratorial.
As cadeiras que constituem habilitação para a matrícula nas escolas superiores de engenharia serão fixadas em regulamento, mas não excederão as compreendidas nos dois primeiros anos; igualmente se fixarão em regulamento as cadeiras que devam constituir habilitação à matrícula no curso de maquinistas da Escola Naval.

BASE XIV

Nos institutos industriais poderão ainda ser organizados cursos de aperfeiçoamento e cursos de especialização, sempre que as necessidades o justifiquem.
Os cursos de aperfeiçoamento serão criados com o fim de facultar aos agentes técnicos estudos complementares referentes a indústrias nacionais relacionadas com os cursos de base que os mesmos possuírem e funcionarão em regime nocturno, durante um ou mais semestres.
Os cursos de especialização destinam-se a formar técnicos para os ramos da indústria nacional para os quais não se encontre organizado o ensino especial nas escolas superiores de engenharia do País e no caso de, para tal efeito, não poder recorrer-se eficientemente ao regime de ensino de aperfeiçoamento. Estes cursos serão diurnos, de frequência limitada, com duração não superior a quatro semestres, e nenhum deles será ministrado em mais de um instituto.

BASE XV

O ensino médio comercial, que será ministrado nos actuais Institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de administração e contabilistas e será organizado em curso com a duração de três anos, constituído por aulas teóricas, aulas e cursos práticos e trabalhos de laboratório.
Paralelamente ao curso de contabilistas poderá ser organizado o de correspondentes em línguas estrangeiras, se a frequência o justificar.
O ensino será diurno ou diurno e nocturno, segundo as necessidades.
Nos institutos comerciais poderá ser organizado um curso especial preparatório para a admissão ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, e o curso de contabilista compreenderá a habilitação preparatória para a matrícula nos cursos de administração militar e administração naval das Escolas Militar e Naval.
A matrícula nos institutos comerciais será facultada aos candidatos com a idade mínima de 15 anos e que tenham sido aprovados em exame de admissão, de nível equivalente ao 2.º ciclo liceal.
Os diplomados pelos institutos comerciais têm direito a usar o título profissional de contabilista.

BASE XVI

O pessoal dos quadros docentes dos institutos industriais e comerciais será normalmente recrutado por concurso e constituído por professores ordinários e professores auxiliares, escolhidos de entre os diplomados pelos cursos superiores técnicos mais adequados, ou por outros cursos superiores a designar oportunamente, e por mestres de oficinas e de cursos práticos, que deverão possuir a habilitação dos cursos técnicos do ramo correspondente.
Compete especialmente aos professores ordinários a regência das aulas teóricas e aos auxiliares a dos trabalhos práticos, de laboratório e dos cursos de línguas estrangeiras; aos mestres cabe designadamente a condução dos trabalhos de oficina e das sessões de esteno-dactilografia e caligrafia.

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10 DE DEZEMBRO DE 1946 91

Nos casos de impedimento do pessoal docente dos quadros ou quando este não possa encarregar-se de todo o serviço, recorrer-se-á ao recrutamento de professores e de mestres provisórios.

PARTE III

Do ensino agrícola

BASE XVII

O ensino elementar agrícola, quer de índole geral, quer especial, destina-se a ministrar aos trabalhadores do campo conhecimentos gerais e noções técnicas referentes à agricultura e à pecuária ou a qualquer dos seus ramos de exploração; será organizado tomando como base a habilitação da instrução primária; e será ministrado em regime periódico, que utilize as épocas de mais moderada actividade agrícola, e com carácter móvel sempre que tal se mostre aconselhável.
Mediante acordo a estabelecer entre os Ministérios da Educação Nacional e da Economia, promover-se-á a instituição de núcleos deste ensino junto dos organismos de fomento e assistência técnica mantidos por este último Ministério que, para tal efeito, reunam as condições necessárias. Simultaneamente será intensificada a acção de fomento e assistência técnica à lavoura, por lei atribuída às escolas dependentes do Ministério da Educação Nacional, cujas explorações passarão a ser administradas segundo o regime análogo ao estabelecido no artigo 45.º do decreto-lei n.º 27:207, de 16 de Novembro de 1936.
O serviço docente relativo ao ensino elementar agrícola poderá, na parte referente a matérias de preparação geral, ser confiado a professores de instrução primária em exercício nas localidades ou regiões onde o mesmo vier a ser instituído, quando daí não resulte inconveniente .para qualquer dos ensinos, devendo ser remunerado como serviço extraordinário.
Serão organizados nas escolas de regentes agrícolas ou práticas de agricultura, sempre que seja necessário, cursos de férias especialmente destinados a professores primários dos meios rurais.
O ensino elementar agrícola poderá ser ministrado nas sedes de grémios da lavoura, de casas do povo, nas escolas primárias e noutros locais para tal fim apropriados, preferindo-se os que disponham de terrenos anexos para demonstrações.
Logo que se torne necessário, será criado um quadro especial de professores de ensino elementar agrícola móvel.

BASE XVIII

As escolas práticas de agricultura continuarão a ministrar o ensino destinado a preparar feitores e capatazes, mas o seu plano de estudos será revisto no sentido de nele se constituir o ciclo preparatório mencionado na base IV da presente lei, seguido de um ou mais cursos profissionais, podendo a admissão nestes vir a ser condicionada pela realização de estágios de adaptação, feitos pelos candidatos dentro ou fora da escola, mas sempre sob a fiscalização desta, nas condições a fixar.
Os trabalhos de campo e de oficina, integrados no ensino, terão a duração e distribuição adequadas a uma conveniente aprendizagem profissional e serão distribuídos de acordo com o ciclo anual de actividade agrícola.
Nestas escolas poderão ser ministrados, sempre que o número de candidatos o justifique, cursos periódicos de ensino elementar agrícola, a que se refere a base anterior.
Fica o Governo autorizado a criar novas escolas práticas de agricultura, que poderão ter diferente organização.
Em regulamento se fixarão as condições de acesso dos alunos destas escolas às escolas de regentes agrícolas.

BASE XIX

O ensino médio agrícola destina-se a preparar regentes agrícolas e será ministrado, normalmente em regime de internato, nas actuais escolas de Coimbra, Évora e Santarém.
O plano de estudo destas escolas será revisto no sentido de nelas se constituir um curso profissional com duração não superior a cinco anos em que poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 13 e máxima de 17 anos que em exame de admissão de nível equivalente ao 1.º ciclo liceal mostrem possuir a necessária habilitação geral.
Na distribuição dos períodos lectivos e dos exercícios práticos de campo e de oficina ter-se-á em conta o ciclo anual dos trabalhos agrícolas, com o fim de assegurar a participação efectiva dos alunos em todos os que interessem à sua preparação profissional.
Transitoriamente, poderá ser organizado nas escolas, e também em regime de internato, um curso preparatório para o exame de admissão a que se refere a presente base, e, sempre que as circunstâncias o justifiquem, poderá ser criado, sem equivalência ao curso normal da escola, um curso técnico abreviado versando assuntos especiais, destinado a indivíduos maiores de 20 anos e em regime de externato.
Também nestas escolas poderão funcionar, sempre que o número de candidatos o justifique, cursos periódicos de ensino elementar agrícola.
Em ligação com o curso de regente agrícola continuará a ser ministrada a habilitação necessária para a admissão no Instituto Superior de Agronomia ou na Escola Superior de Medicina Veterinária.

BASE XX

O pessoal dos quadros docentes do ensino agrícola médio será constituído por professores ordinários, regentes de internato e regentes de trabalhos; o das escolas práticas de agricultura por professores ordinários e extraordinários e regentes de trabalhos.
Segundo a natureza das disciplinas cujo ensino lhes competir e a índole da escola a que se destinarem, os professores e regentes de internato serão recrutados de entre diplomados com os cursos superiores de agronomia e de medicina veterinária ou com o de regente agrícola e ainda de entre os citados na base XII da presente lei que forem, para este efeito, de considerar.
A nomeação far-se-á precedendo concurso público, que incluirá obrigatoriamente uma prova de aptidão docente para os candidatos que não possuam a habilitação de qualquer curso de preparação para o magistério.
Para os regentes agrícolas que pretendam consagrar-se ao ensino poderá ser organizado um curso especial de habilitação.
Os lugares de professores ordinários só poderão ser ocupados pelos candidatos habilitados com os cursos superiores que facultam o ingresso neste ensino.
Os professores do quadro serão substituídos nos seus impedimentos por professores provisórios.
Os regentes de trabalhos serão recrutados por concurso de entre os diplomados com o curso de regente agrícola, com a especialização que, para cada caso, for indicada, podendo, porém, ser nomeados regentes de trabalhos das escolas elementares indivíduos com a habilitação do curso de feitor agrícola.

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PARTE IV

Disposições gerais

BASE XXI

A frequência dos trabalhos escolares será, nas escolas de todos os graus e ramos, obrigatória para os alunos matriculados, e o seu aproveitamento será verificado e classificado periodicamente, podendo dispensar-se, nos termos em que for regulamentado, o exame final no caso em que aquele processo de apreciação deva considerar-se suficiente. Para a obtenção do diploma, os alunos, depois de concluírem a frequência escolar e realizarem os estágios de adaptação que para cada caso vierem a ser fixados, serão submetidos a uma prova de aptidão profissional.
Aos alunos com bom aproveitamento e comportamento exemplar que não disponham de recursos materiais suficientes será concedida isenção total ou parcial de propinas e serão distribuídas, mediante concurso, bolsas de estudo nas condições que vierem a ser fixadas.
As bolsas de estudo poderão respeitar à frequência da escola em que o aluno se encontre matriculado ou a estudos posteriores, a realizar em escola de grau mais elevado, quer no País, quer no estrangeiro.

BASE XXII

Os vencimentos do pessoal dos quadros docentes das escolas dependentes da Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio serão fixados na base da sua equiparação aos que se encontrem legalmente estabelecidos para os lugares dos serviços técnicos do Estado a cujos titulares é exigida a habilitação com os cursos que dão ingresso nas diferentes categorias do magistério técnico, pela forma seguinte: professores ordinários do ensino médio, sem diuturnidades, equiparados a engenheiros ou a agrónomos de 2.ª classe; professora ordinários do ensino elementar, sem diuturnidades, equiparados a engenheiros ou a agrónomos de 3.ª classe; professores extraordinários do ensino elementar equiparados a agentes técnicos de engenharia ou a regentes agrícolas de 3.ª classe.
As restantes categorias de pessoal docente serão remuneradas como vier a ser fixado oportunamente, tendo em vista as equivalências acima estabelecidas.
O pessoal docente a que se refere a presente base terá direito a aumento de vencimentos por diuturnidade nos dez e aos vinte anos de bom serviço.

BASE XXIII

As autarquias locais, aos organismos de coordenação económica e organismos corporativos, às empresas industriais e comerciais e aos proprietários rurais cumpre colaborar activa e permanentemente na obra de educação e de formação profissional dos agentes de trabalhos dos ramos de actividade que representam e dirigem.
Essa colaboração poderá consistir em:
a) Organização de comissões de patronato das escolas mantidas pelo Estado, com o fim de facilitar o seu funcionamento, promover o aperfeiçoamento do ensino, dar assistência aos alunos desprovidos de recursos, auxiliar o ingresso dos diplomados na vida profissional e outros semelhantes;
b) Criação, a expensas daquelas entidades, nas escolas do Estado, de disciplinas ou de cursos especializados que constituam útil complemento dos planos de estudos dessas escolas e assegurem o seu mais eficiente ajustamento às exigências de preparação técnica de qualquer ramo da produção económica;
c) Criação de centros de ensino próprios, designadamente nas localidades onde não existam escolas do Estado e onde, embora existindo, não disponham de capacidade para todos os candidatos à matrícula ou para proporcionar todas as formas de aprendizagem que interessem às actividades profissionais aí exercidas.
As escolas e cursos criados e sustentados pelas entidades a que se refere a presente base serão, sempre que as suas condições de funcionamento o justifiquem, oficializadas e poderão ser subsidiadas pelo Estado nos termos que vierem a ser definidos.

BASE XXIV

O Governo promoverá, pelos Ministérios competentes, a regulamentação da aprendizagem, tomando esta como ciclo educativo, em que se incluirá, sempre que necessário, a frequência da escola complementar.
Nas profissões para as quais venha a ser aprovado pelo Ministro da Educação Nacional um plano de ensino complementar da aprendizagem exequível em todo o País, as entidades patronais e os organismos corporativos do respectivo ramo, em colaboração com as autarquias locais, criarão as escolas necessárias para assegurar, em conjunção com as escolas do Estado, a rápida e completa execução desse plano.

BASE XXV

A Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio será coadjuvada, nas funções de orientação e fiscalização que por lei lhe competem em relação às escolas oficiais e oficializadas, por um corpo de cinco inspectores-
orientadores, quatro para o ensino técnico profissional e um para o ensino agrícola, e o seu quadro de pessoal será ampliado de harmonia com as necessidades.

BASE XXVI

Serão construídos, adaptados ou ampliados e devidamente equipados os edifícios necessários à instalação dos estabelecimentos de ensino a que se refere a presente proposta, de harmonia com o plano de execução a fixar pelo Governo.
O plano das obras e aquisições a que se refere esta base será aprovado por despacho dos Ministros das Finanças, das Obras Públicas e da Educação Nacional, inscrevendo-se anualmente no orçamento as verbas necessárias à sua regular execução.

Palácio de S. Bento, 7 de Agosto de 1946.

Domingos Fezas Vital, presidente sem voto.
Rodrigo Sarmento de Beires.
João Osório da Rocha e Melo.
José Maria Mercier Morgues.
Júlio Dantas.
Paulo Durão Alves.
António Jacinto Ferreira.
António Vicente Ferreira.
Gustavo Cordeiro Ramos.
José Angelo Cottineli Telmo.
Pedro de Castro Pinto Bravo.
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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