Página 169
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66
ANO DE 1946 16 DE DEZEMBRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 66 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Marques Teixeira requereu que, pelo Ministério da Educação Nacional, lhe fosse dito o motivo por que ainda não foi publicado o regulamento da lei n.º 1:974.
Foi denegada autorização ao Sr. Deputado Carvalho Viegas para depor, como testemunha, no 2.º Tribunal Militar de Lisboa.
O Sr. Presidente informou que a Comissão de Educação Nacional escolhera o presidente, o secretario e o relator.
Sobre a passagem de mais um aniversário da morte do Presidente Dr. Sidónio Pais usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes e Botelho Moniz e também o Sr. Presidente, que propôs alguns minutos de silêncio em homenagem à memória daquele Chefe do Estado.
Foi requerida a ratificação do decreto-lei n.º 36:018.
Ordem do dia. - Discutiu-se na especialidade e foi votada, com alterações, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
Foram aprovadas moções apresentadas pelos Srs. Deputados Melo Machado, Manuel Lourinho, Querubim Guimarães, Bustorff da Silva, Mário Madeira e outros Srs. Deputados.
Foi aprovado um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para redigir o texto definitivo daquela proposta de lei.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
Última redacção. - Texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, da proposta de lei n.º 96 (autorização de receitas e despesas para o ano de 1947).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Página 170
170 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa, Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadora Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Dos Grémios do Comércio e da Lavoura de Ovar pedindo a criação naquela vila de uma escola comercial e industrial.
Dos chefes de secção, ajudantes e oficiais de diligências dos juízos criminais do Porto pedindo que lhes seja concedida a igualdade do vencimentos com os seus colegas dos tribunais cíveis.
Das direcções dos Sindicatos Nacionais dos Caixeiros, dos Empregados de Seguros, Bancários, de Escritório, Administração e Revisores de Imprensa, dos Serviços de Navegação, da Indústria de Lanifícios, dos Telefonistas, dos Cobradores, dos Contínuos e do Pessoal dos Carros Eléctricos apoiando as considerações do Sr. Deputado Mário Madeira sobre imposto profissional.
Dos doentes do Sanatório das Penhas da Saúde aplaudindo a proposta do Sr. Deputado Carlos Borges quanto à isenção do imposto de turismo nas contas pagas pelos doentes internados em sanatórios e casas de saúde.
Assinado por Lívio Borges, em que é dada a conhecer a situação actual da colónia de Cabo Verde, de grave crise, motivada pela falta de chuvas.
Carta
Do reformado da C. P., José do Nascimento Ramos, em que pede a melhoria de situação dos ferroviários reformados.
Exposições
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Palácio da Assembleia Nacional - Lisboa. - Excelência. -
Tomou esta Academia conhecimento, por intermédio do Diário das Sessões n.º 60, de 30 de Novembro deste ano, que o Sr. Dr. Alfredo Pimenta enviou a V. Ex.ª uma exposição em que se queixava da Academia Portuguesa da História por o haver demitido da sua qualidade de académico.
Pelo n.º 61 da mesma publicação, saído em 10 do corrente, também a Academia soube que o Deputado Sr. Dr. João do Amaral se ocupou da referida exposição em sessão do dia 9, verificando que este senhor, mal informado, tirara conclusões que os factos não permitem, porquanto a Academia aplicou a mencionada sanção ao Sr. Dr. Alfredo Pimenta justificando-a com um relatório do qual não consta, nem explicita nem implicitamente, que as disposições estatutárias lhe fossem aplicadas por mau comportamento moral e civil.
Lastima a Academia Portuguesa da História que o mesmo Sr. Deputado, influenciado pela referida exposição, atacasse esta instituição, pondo em dúvida não só a sua competência cientifica, mas até a sua dignidade.
Testemunhando a V. Ex.ª os protestos da minha elevada consideração, subscrevo-me, a bem da Nação. - Secretaria, 14 de Dezembro de 1946. - O 1.º Vice-presidente, em exercício, António Baião.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte requerimento:
«Constando que foi incumbida a Junta Nacional da Educação de elaborar o projecto de regulamentação da lei n.º 1:974, respeitante à admissão dos menores aos espectáculos públicos, votada nesta Assembleia em 18 de Janeiro de 1989 e publicada no Diário do Governo do dia 16 do mês de Fevereiro do mesmo ano, e como até hoje não foi apresentado o referido projecto, ou, pelo menos, não foi até agora publicado, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidas informações sobre o assunto, e designadamente acerca das causas da demora que tem determinado o facto de o regulamento da citada lei não estar ainda publicado».
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do 2.º Tribunal Militar de Lisboa pedindo autorização, para que o Sr. Deputado Carvalho Viegas deponha nesse Tribunal no dia 17.
Página 171
16 DE DEZEMBRO DE 1946 171
Informo a Assembleia de que o Sr. Deputado Carvalho Viegas é presidente da Comissão de Defesa Nacional e essa Comissão tem de acompanhar a discussão, que principiará na próxima semana, da proposta de lei sobre reorganização dos estabelecimentos, fabris dependentes do Ministério da Guerra.
Parece, pois, que a autorização não deve ser concedida pelo motivo que acabo de mencionar. Entretanto vou consultar a Câmara, que resolverá soberanamente.
Consultada a Câmara, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que o Sr. Deputado Bagorro de Sequeira veio à Mesa agradecer o voto de sentimento proposto pela morte de sua mãe e pediu-me também para transmitir à Câmara os seus agradecimentos.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Comunico também à Camará que a Comissão de Educação Nacional escolheu para seu presidente o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, para secretário o Sr. Deputado João Ameal e para relator o Sr. Deputado Marques de Carvalho.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: faz hoje um ano que ergui a minha voz nesta Casa para render a minha homenagem de saudade e devoção à memória de um soldado que me ensinou a ser soldado, de um chefe que me ensinou a ser comandante...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ribeiro Cazaes: dada a grandeza do assunto que V. Ex.ª está a tratar, convido-o a vir à tribuna.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: se V. Ex.ª me permite, repetirei as palavras já proferidas.
Faz hoje um ano que ergui a minha voz nesta Casa para render a minha homenagem de saudade e devoção à memória de um soldado que me ensinou a ser soldado, de um chefe que me ensinou a ser comandante, de um português que me deu o mais alto exemplo de amor pátrio pela sua fé inquebrantável nos destinos de Portugal, pelo seu sacrifício heróico na luta contra a anti-Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ensinou-me a ser soldado lançando no coração de todos os que o cercavam a ambição, o orgulho, o fervor de servir.
Ensinou-me a comandar falando de olhos nos olhos dos seus soldados e ordenando como se fosse intérprete de ordens que recebesse de mais alto.
Foi o mais alto exemplo de amor pátrio da minha mocidade, porque tudo sacrificou - até a vida - para criar a geração do resgate.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: hoje, como há um ano, como já há muito tempo, não encontro melhor forma de honrar a memória de Sidónio Pais do que reafirmar que farei tudo, que tudo sacrificarei, para que não voltem a repetir-se os dias sombrios que enlutaram a nossa Terra, desde que Deus o levou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sei que os cadetes de então - e hoje já muita neve vai na serra - pensam como eu.
Faço votos por que a mocidade de hoje seja orientada nesse mesmo sentido, isto é, no desejo de ir sempre mais alto e mais além, de olhos postos no lema da sua vida e que é hoje o da Revolução Nacional: Deus, Pátria, Família.
Sr. Presidente: como preito de homenagem à memória do grande português, do grande chefe da minha geração, e que ainda hoje nos comanda, peço a V. Ex.ª que sejam interrompidos os nossos trabalhos por alguns instantes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: falou o meu camarada e querido amigo Deputado Ribeiro Cazaes sobre o aniversário da morte do Homem que na nossa mocidade nos guiou ao combate e com facilidade de verdadeiro chefe nos conduziu à vitória. Ele fez de nós, dos simples cadetes da Escola do Exército ou dos modestos alferes das guarnições do País, os colaboradores do Herói. E ao fazer-nos servir essa obra de redenção, obra extraordinária para o tempo, transformou-nos em verdadeiros precursores.
Os cadetes, ou simples alferes de modesto galão dourado, colaboradores do Herói, são os homens que tomaram para com a sua memória o compromisso de seguir sempre os ditames e a palavra de ordem que receberam então. Deus seja louvado! Podemos apresentar nos perante o País de cabeça bem erguida, porque o juramento que fizemos na hora solene do 5 de Dezembro de 1917, ou aquele que formulámos mais tarde, na noite trágica de 14 de Dezembro de 1918, foi cumprido!...
Sr. Presidente: cumprimo-lo através de tudo, na guerra e na paz, nas crises fáceis e nas emergências difíceis.
Certamente não foi mais difícil honrá-lo no campo da luta, quando, por infelicidade nossa, tivemos contra nós outros portugueses desvairados. Nem mais difícil é usar da espada, da metralhadora ou do canhão para combater revoltas que vêm, não da santa ideologia portuguesa, não da Pátria que nós todos sentimos e vivemos, mas sim de doutrinas estrangeiras. E essa traição, Sr. Presidente, é fácil de esmagar, porque poucos podem perdoá-la.
Não, não é essa a vitória mais difícil dos cadetes de Sidónio!
Aquilo que nós aprendemos na sua vida e na sua morte, os ensinamentos que recebemos, especialmente nos dias sangrentos, cruéis e horríveis que passaram além da sua morte - eis o que nos guia e que nos obriga a ter às vezes uma coragem moral muito superior à da luta armada.
É fácil a bravura no combate físico, na luta militar, que para tantos de nós é a vida de cada hora. Mas a vitória moral, na luta consigo próprio, na guerra com as rebeldias que sentimos referver dentro dos nossos peitos, no combate contra todas as tentativas de desunião - essa vitória constitui a vitória do espirito de Sidónio...
Sr. Presidente: pergunto a V. Ex.ª se não é mais difícil vencermos em nós próprios a tendência combativa que aprendemos na guerra, se não é mais honroso deixarmos de parecer às vezes pessoas independentes, que buscarmos a popularidade fácil de opositores e críticos.
A memória de Sidónio Pais comanda-nos e ensina-nos que é mais heróico e é mais digno dessa grande qualidade de portugueses, que só nós temos, esmagar dentro de nós esse ímpeto de rebeldia.
Quantas vezes é preciso abdicar do que sentimos e do que pensamos! Já esquecemos o desejo de sermos a expressão das revoltas da nossa terra. Nós, os cadetes de Sidónio, preferimos ser estes homens apagados, que por aí vivem ignorados e humildes, para termos o direito
Página 172
172 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
e o orgulho de afirmar: sacrificámos tudo para que possa realizar-se a verdadeira união sagrada dos portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, neste sacrifício pela união, que sejamos todos iguais, Sr. Presidente! Nós, os que não queremos revoltar-nos quando por detrás de nós sentimos o ímpeto da revolta, procedemos assim porque, pela nossa idade e pelos exemplos do passado, temos obrigação de servir de guias aos mais novos e de exemplo aos impetuosos. Mas é preciso que à nossa coragem moral outra coragem corresponda.
Se nós, os humildes, respeitamos e amamos os chefes que o destino e a providência de Deus nos estão dando actualmente, também é indispensável que eles respeitem a nossa pequenez. Compreendam que é mais difícil o sacrifício de abdicação pró-unidade que nós vimos fazendo do que o sacrifício de comando que estão a realizar. Muitos deles, que não têm na sua vida passada nem na sua vida presente folhas de serviços comparáveis às dos cadetes de Sidónio, recordem quem os ergueu e quem os mantém. É preciso que os grandes de Portugal compreendam tão bem como nós que a união dos portugueses não pode ser acto unilateral, de baixo para cima. Deve constituir acto bilateral de quantos estejam no alto e de quantos estejam em baixo. De todos os homens que se sintam portugueses e que acima das intrigas e desuniões, acima de tudo o que não é português, ponham a sua qualidade - essa que, repito, só nós temos a honra de possuir - a qualidade de filhos desta bendita terra lusitana.
«Pais pequeno demais para um homem tão grande», disse-o alguém. País enorme, formidável, maior que todos os outros na nossa consciência do portugueses, respondo eu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já vi algures escrever-se que Sidónio Pais, num ano de governo, poucas obras materiais deixara atrás de si. Talvez seja verdade.
Ainda não me dei ao trabalho de pesar na balança da economia política - se é que a economia política porventura possui alguma balança que não tenha os pesos falsificados - as obras materiais do tempo de Sidónio. Mas quando olho para esta Câmara e reconheço que, dos homens de cabelos brancos que aqui estão, a grande maioria é constituída por antigos colaboradores de Sidónio Pais; quando verifico que no exército, nos postos de comando, os oficiais que continuam dando exemplo de prudência e sacrifício à mocidade são os antigos companheiros de Sidónio Pais; quando vejo no próprio Governo alguns dos homens que pela sua obra ou sua memória mais se sacrificaram - pergunto a mim próprio se, acima de todas as realizações materiais, que nunca na vida dos povos conseguiram aguentar um Governo, não é mais perdurável a obra espiritual!
Haja em vista o que sucedeu na vizinha Espanha com Primo de Rivera, atirado ao charco pela ingratidão de um rei, depois de realizar obras materiais importantíssimas!
Recorde-se o vivido actualmente entre nós, quando se chega a negar a evidência dos factos, quando se evita comparar aquilo que existia antes de 1926 com quanto existe hoje, feito por vezes tarde, mas não a más horas, realizado sempre, apesar das criticas dos outros que nada faziam!
Pergunto: para que servirão as realizações materiais, que valem elas, se porventura não tivermos acima de tais obras a força espiritual?
Quem, com o seu sangue herói, regou os corações e fertilizou a terra? Quem fez dos cadetes de Sidónio os homens herdeiros de tão grande força espiritual que são capazes de sacrificar o interesse material em defesa, não dele, que já morreu, mas desta situação política, que é sua continuadora?
E essa obra do espírito, essa obra que não morre, um monumento grandioso que há-de ficar para sempre, ei-la bem patente, é a obra de Sidónio!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Duas palavras mais. Um rapaz, um garoto como eu, que tinha sido um dos heróis da revolução de Sidónio Pais, descreu dos factos, como Martim de Freitas, e não quis acreditar na morte do grande chefe. Veio lá de longe, de terras que são património africano de Portugal, e foi aos Jerónimos verificar se o Presidente tinha morrido.
Ainda hoje, nesta tragédia da vida portuguesa, palpita dentro de mim a repercussão angustiada do que se passou nesse momento.
Sidónio teria morrido verdadeiramente? A sua queda trágica seria mentira posta em curso para que a situação caísse, como caem todas as situações que não estão eficazmente preparadas para o desaparecimento dos seus chefes? ou iria realmente verificar-se mais uma vez como desaparecem os regimes políticos que não possuem, por parte dos seus servidores, este espírito de união que felizmente vive em todos nós e que nos há-de fazer sair vitoriosos das crises internas ou externas por maiores que elas sejam?
A resposta ao tenente de Sidónio foi dada, anos depois, por uma lápide modesta que lá está na igreja dos Jerónimos, no túmulo mais democrático que um Presidente da República poderia ambicionar: «Morreu pela Pátria. Vive eternamente».
Aos homens como Sidónio pode morrer-lhes o corpo, mas a alma, felizmente, essa vive eternamente para guiar as nações através dos séculos.
Há dias recebi uma carta de alguém que estimo, prezo e admiro sobre o comum dos homens. Dizia-me que me sabia preocupado pelo futuro e descrente de alguns homens. Daqui respondo que, enquanto a estrela ardente de Sidónio nos animar, enquanto essa chama sagrada nos iluminar, nós, cavaleiros do optimismo, pela memória de Sidónio e pela vida dos homens que hoje nos comandam, continuaremos a sentir este santo orgulho de sermos portugueses. Poderemos, como a velha guarda de Napoleão, ou como Ribeiro Cazaes e como eu, ser aqueles homens que protestam sempre, vieux grognards, eternos insatisfeitos, sempre em busca de mais e melhor. Poderemos ser, às vezes, um tanto imprudentes nos protestos. Mas, no momento de perigo, ai dos inimigos, ai dos que contam com o nosso desanimo!
A vitória é antecipadamente nossa, porque conservamos o optimismo sadio de não descrer que somos portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes pediu que a Câmara interrompesse os seus trabalhos, por alguns momentos, em homenagem à memória de Sidónio Pais.
Sidónio Pais foi, certamente, nos últimos cinquenta anos da vida nacional a figura que mais vivamente impressionou a imaginação popular, que mais vivamente impressionou o País, porque venceu com bravura; e, assassinado vilmente, morrendo em beleza, com o último pensamento na Pátria, recomendando aos seus amigos que a salvassem, realizou as condições necessárias para acender nas almas
Página 173
16 DE DEZEMBRO DE 1946 173
a chama de um misticismo que perdura ainda e é fonte de força e de acção.
Sidónio Pais é, nesta concepção, que é verdadeira, o tipo puro do homem que em frente das desditas do seu País tudo arriscou e tudo lhe sacrificou - até a vida.
E, dentro deste pensamento, estou certo de que a Câmara não tem dúvida alguma em se associar à proposta do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes interrompendo os seus trabalhos em memória do inditoso Chefe do Estado.
Proponho, portanto, à Câmara que, de pé, guarde alguns momentos de silencio à memória do Presidente Sidónio Pais.
Em seguida todos os Srs. Deputados se levantaram e guardaram rigoroso silêncio por alguns momentos.
O Sr. Presidente: - Dou conhecimento à Assembleia de que está na Mesa o seguinte requerimento:
«Requeremos, nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, que o decreto-lei n.º 36:018, de 6 de Dezembro de 1946, sobre plantio de vinha, seja submetido à apreciação da Assembleia.
Lisboa, 14 de Dezembro de 1946. - Os Deputados: João Antunes Guimarães - João de Espregueira da Rocha Paris - Francisco Eusébio Fernandes Prieto - José Maria Braga da Cruz - Alberto Cruz - Diogo Pacheco de Amorim».
O Sr. Presidente: - Como o requerimento é apresentado em tempo e nos termos da Constituição, fica aquele diploma sujeito à apreciação da Câmara, para o que oportunamente designarei dia.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a lei de meios.
Como ontem anunciei à Câmara no final da sessão, vamos começar pela votação das moções a que fiz referencia, apresentadas durante a discussão na generalidade.
Vou pôr à votação a moção apresentada pelos Srs. Deputados Melo Machado e outros, que é do seguinte teor:
Considerando que, em matéria de inquilinato urbano, não pode entrar-se, abertamente e desde já, em regime de ampla liberdade contratual; mas
Considerando que o problema é de transcendente importância e demanda resolução urgente nalguns dos seus aspectos mais graves;
Considerando que, se não são de admitir as especulações por parte dos senhorios, igualmente não devem ser permitidas aos arrendatários;
Considerando que os diplomas fundamentais sobre inquilinato, por antiquados e dispersos, carecem de ser actualizados e codificados;
A Assembleia Nacional reconhece a necessidade de:
1.º Serem revistas as restrições legais em vigor sobre as rendas, sem descurar a situação das classes menos abastadas;
2.º Ser devidamente regulada a sublocação e fiscalizados os traspasses, com rigorosas penalidades quando se trate de arrendamentos para habitações;
3.º Ser assegurada aos senhorios e aos arrendatários igualdade de direitos perante os tribunais em matéria de recursos;
4.º Serem estabelecidas normas processuais mais rápidas e económicas para as questões simples de inquilinato;
5.º Proceder-se, sem prejuízo das providências urgentes atrás referidas, à actualização e codificação de toda a legislação dispersa sobre inquilinato.
Os Deputados: Francisco Cardoso de Melo Machado - João Antunes Guimarães - José Maria Braga da Cruz - Paulo Cancela de Abreu - Manuel Colares Pereira - A. Marques de Carvalho - Ricardo Spratley - Mário de Aguiar».
O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, desculpe, mas, em virtude de eu ter estado ausente de várias sessões, desejo perguntar se houve algum debate ou estudo demorado do problema das rendas de casa que me permita tomar posição ao votar-se esta moção.
O Sr. Presidente: - Informo V. Ex.ª que durante a discussão na generalidade vários Srs. Deputados abordaram a questão do inquilinato sob vários aspectos, desde o político ao económico e social, e, como consequência dessas intervenções, foi apresentada esta moção de que a Câmara tem conhecimento.
No entanto, se V. Ex.ª quiser usar da palavra, abrirei sobre as moções uma inscrição especial.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Agradeço a atenção de V. Ex.ª, mas eu não estou habilitado a discutir e votar sobre um problema tão complexo.
Submetida à votação a moção dos Srs. Deputados Melo Machado e outros, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai ser submetida à votação da Câmara a moção do Sr. Deputado Manuel Lourinho.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
«l.ª Considerando que a solução do problema do inquilinato urbano não deve ser apenas de ordem jurídica;
2.º Considerando que ele é também consequência de fenómenos de ordem económica, que não são solúveis ou facilmente modificáveis por instrumentos exclusivamente de ordem legislativa;
3.º Considerando que um problema assim não pode ser resolvido modificando apenas as disposições legais que o regulamentam:
A Assembleia Nacional emite o voto de que se intensifique ainda mais acentuadamente a política que o Governo vem desenvolvendo em ordem a:
a) Construção de bairros económicos para as classes média e pobre;
b) Facilitar a criação de organizações particulares com a finalidade de ajudar a solução do problema habitacional;
c) Facilitar a aplicação de capitais dos organismos de previdência na construção de casas económicas para os seus associados;
d) Facilitar a aplicação de capitais particulares nas construções referidas;
e) Evitar a especulação de senhorios ou inquilinos em ordem a alterar as condições normais das rendas dos prédios urbanos, que deverão ser função das possibilidades económicas actuais.
Os Deputados: Manuel Hermenegildo Lourinho - José Esquível».
O Sr. Manuel Lourinho (para explicações): - Sr. Presidente: parece-me que é desnecessária a explicação, porquanto dos considerandos da minha moção ressalta claramente que eu desejava que a Câmara expusesse ao País a sua maneira de ser, não considerando o problema do inquilinato um problema exclusivamente jurídico, por-
Página 174
174 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
que então cairíamos num ponto em que poderíamos induzir o País em erro acerca do espírito que anima esta Assembleia.
Parece desnecessária, repito, visto que temos mais alguma coisa que fazer do que fatigar a Assembleia com considerações que não fazem falta e que já estão expostas na moção.
Nestas condições, a minha moção tem como finalidade constituir um aditamento ou explicação, como V. Ex.ª entenderem, à moção do Sr. Deputado Melo Machado, que eu considero interessante e que mereceu o voto desta Câmara, mas que por si só poderia induzir a população em erro sobre a maneira de pensar de todos nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - As considerações que fez o Sr. Deputado Águedo de Oliveira levam-me a, rapidamente, procurar esclarecer a Câmara sobre estas moções. Uma delas, a primeira, que a Câmara já votou, encara o problema do inquilinato sob o aspecto jurídico e sob o aspecto legislativo. Procura dar solução ao problema do inquilinato através das leis substantivas e processuais, procurando reparar injustiças, algumas das quais são notórias.
A moção do Sr. Deputado Manuel Lourinho encara o problema particularmente sob o aspecto económico-social, de forma que a solução legislativa do problema possa ser enquadrada num conjunto de medidas económicas e de objectivo social.
Parece-me que as duas moções se completam e talvez tivesse sido melhor que aparecessem numa moção só.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Melo Machado, deseja usar da palavra ?
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª disse aquilo que eu desejava dizer. Muito obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção do Sr. Deputado Manuel Lourinho.
Informo que esta moção não é a mesma, textualmente, que foi apresentada, e que figura no Diário das Sessões. S. Ex.ª hoje mesmo suprimiu o 4.º considerando que nela figurava.
Vai proceder-se à votação.
Submetida à votação, foi aprovada a moção do Sr. Deputado Manuel Lourinho.
O Sr. Presidente: - Vai ser submetida à votação a moção apresentada pelo Sr. Deputado Querubim Guimarães.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
«A Assembleia Nacional, verificando que a proposta em discussão mantém o imposto sucessório nas transmissões a favor dos descendentes, embora com taxas reduzidas, tendo em atenção os valores transmitidos; e
Considerando que a Constituição afirma a necessidade de proteger a família, por a considerar a «base primária da disciplina e harmonia social e o fundamento da ordem política e administrativa», aconselhando, com esse objectivo, a adopção do salário familiar e o lançamento dos impostos de harmonia com os encargos legítimos da família, o que ainda não passou de simples aspiração;
Considerando que as famílias numerosas carecem ainda de maior protecção, sobretudo nos tempos difíceis que correm, do que a efectuada pela instituição do casal de família e abono de família e que merecem essa protecção, como em outros países se tem feito, por serem factores de progresso e de riqueza, assegurando a conservação e continuidade da raça e, ao mesmo tempo, a maior garantia da defesa da Pátria:
Aprova a proposta, mas exprime o voto de que, dentro dessa orientação constitucional, o Governo, servidor, como tem sido, dos supremos interesses da Nação, encare com o maior interesse o problema da protecção à família e lhe dê, dentro das possibilidades do Tesouro, a solução mais justa e conveniente.
O Deputado Querubim do Vale Guimarães».
O Sr. Presidente: - Vai votar-se esta moção.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai ser posta à votação a moção apresentada pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
«A Assembleia Nacional, verificando mais uma vez e com júbilo que na proposta de lei n.º 96, de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947, se mantém e melhora o critério de elevação das dotações destinadas ao orçamento do Ministério das Colónias, aprova na generalidade a mesma lei e emite o voto de que nas futuras contas o Governo continue a elevar as aludidas dotações de modo a activar as soluções dos problemas referentes à colonização étnica e assistência e civilização dos portugueses de além-mar».
O Sr. Henrique Galvão: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente: - Devo esclarecer a Câmara de que foi em virtude da apresentação desta moção que o Sr. Deputado Henrique Galvão retirou aquela que havia enviado para a Mesa.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Henrique Galvão, pediu apouco à palavra; mas não tendo sido requerida inscrição especial sobre o assunto, eu só posso conceder-lhe a palavra para breves explicações.
O Sr. Henrique Galvão: - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Galvão.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: a rapidez com que decorreram os últimos passos deste debate na sessão de ontem obriga-me a esclarecer, aliás muito brevemente, alguma coisa que pode não ter sido rigorosamente compreendida quanto ao facto de eu ter retirado a minha moção, perfilhando aquela que apresentou o Sr. Br. Bustorff da Silva.
E o que pretendo esclarecer é que esse facto não significou - muito pelo contrário - renúncia às ideias e pontos de vista que defendi e mantenho, palavra por palavra.
Nenhum dos argumentos aduzidos pelo Sr. Dr. Bustorff da Silva - tão frágeis, aliás, como seriam os meus se me desse a discutir com S. Ex.ª assuntos de Direito -, me convenceram ou abalaram. Nem os argumentos políticos, e muito menos os argumentos, digamos, técnicos.
O Sr. Presidente: - Lembro ao Sr. Deputado da que nós não podemos nesta altura voltar ao debate na generalidade.
Concedi a palavra a V. Ex.ª para breves esclarecimentos, como, por exemplo, elucidar a Câmara sobre os motivos que o levaram a retirar a sua moção. Mas, repito, não pode reabrir um debate já encerrado.
Página 175
16 DE DEZEMBRO DE 1946 175
O Orador: - Pois, Sr. Presidente, tudo isto se refere ao motivo por que a retirei.
Continuando:
Mas a sua moção, essa sim, convenceu-me - e só por isto: reprimindo um voto essencialmente igual ao que na minha moção se continha, vai mais além no sentido exacto das ideias que defendi. E até mais no sentido das minhas ideias do que no sentido das objecções de S. Ex.ª Por isso - e só por isso - retirei a minha moção e perfilhei a sua, que é, de facto, mais completa e substancial. O Sr. Dr. Bustorff da Silva entende, de resto, que a moção tal como a redigiu é politicamente mais conveniente. Não percebo bem porquê - mas não admira, pois são muitas as coisas que mal percebo em política. Mas admitamos que a minha moção se apresentou nua e indefesa e que o Sr. Dr. Bustorff da Silva houve por bem vestir generosamente a sua nudez... com uma cota de malha. Perfeitamente, se se entender que assim resistirá melhor às correntes de ar.
Outro esclarecimento: não esqueci, evidentemente, como de tal me acusou, creio, o Sr. Dr. Águeda de Oliveira, dos sacrifícios de sangue e dedicação da metrópole. E que não o esqueci entende-se, implicitamente, no meu propósito, confessado e realizado, de pugnar pela consideração de dois problemas que é necessário resolver para que tão heróico sacrifício não se perca. Demais, eu o disse, referia-me apenas a um aspecto material das nossas responsabilidades de colonizadores, onde só de assunto material se tratava. E, como frisei muito claramente que então só desse aspecto trataria, a ninguém é lícito concluir que outros aspectos teriam sido esquecidos. Não estavam em causa - e eu não podia dispersar ideias nos estreitos limites dos quarenta e cinco minutos regimentais.
Finalmente, devo esclarecer que não subi levianamente à tribuna sem ter meditado na projecção que teria, em certa política, a minha intervenção. E depois de ter pensado no caso, entendi o contrário do que entenderam os oradores que se referiram a possíveis especulações políticas em volta de matéria que evidentemente é política mas nada tem que ver com essa política. Em primeiro lugar, o nosso debate agita-se num plano de administração, ordem e ideias que esses especuladores sistemáticos nunca alcançaram enquanto tiveram a oportunidade de demonstrar que poderiam fazer igual ou melhor. Falta-lhes autoridade.
Em segundo lugar, consideremos que tanto se especula com as nossas palavras, como com os nossos silêncios - e V. Ex.ª sabem-no muito bem. Ora, se de facto se especula com tudo, e de má fé, antes especulem com palavras em que vai a demonstração do vigor e procedência das instituições que criámos, palavras de cujas intenções construtivas ninguém pode duvidar, do que especulem com silêncios e louvaminhas de formulário, cujo sentido é muito menos claro e demonstrativo. Em terceiro lugar, porque, seja qual for a especulação que se faça, só nos honra demonstrar que pretendemos ver claro nos nossos erros e emendá-los, que mantemos vivas as nossas faculdades de revisão e o nosso respeito pelas ideias e que conseguimos tal vitalidade de sentimentos e inteligência, sem tumulto, sem carteiras partidas, sem insultos, sem linguagem desbragada, enfim sem perda do respeito que nos devemos uns aos outros e a nós próprios e no nível próprio das ideias e da inteligência.
E assim, discursos (digamos lições) como os que ouvimos aqui ao Sr. Dr. Pacheco de Amorim só honram e dignificam a Assembleia e o regime - honra e dignidade que bastam como armadura contra especuladores.
Por mim apenas lamento que S. Ex.ª não tenha concluído o seu impressionante discurso explicando-nos como poderia a empresa colonial ter contribuído já para reduzir a inflação que nos aflige.
Sr. Presidente: receio mais as especulações que se façam em volta de problemas que se arrastam do que as que se tecerem em volta dos problemas que agitamos.
E não tenha dúvidas o Sr. Dr. Bustorff da Silva: especulação política haverá sempre onde medrar a baixa política. E essa tanto especulará com as suas palavras, armadas até aos dentes, como com as minhas, nuas como o frontão da Câmara.
Concluindo, Sr. Presidente: verifica-se, afinal, com a moção do Sr. Dr. Bustorff da Silva que por caminhos diferentes nos encontramos no mesmo ponto: são precisos mais meios para a colonização étnica e para a questão indígena - meios de que as colónias não dispõem.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
(O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no debate na especialidade.
Ponho, em conjunto, à discussão da Camará os artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da proposta de lei. Esses artigos vão ser lidos à Camara.
Foram lidos. São os seguintes:
«Artigo 1.° O Governo fica autorizado a cobrar durante o ano de 1947 os impostos e demais rendimentos do Estado e a obter os outros recursos indispensáveis à sua administração financeira, de harmonia com as leis em vigor, aplicando o seu produto às despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado decretado para o mesmo ano.
Art. 2.° É igualmente autorizada a aplicação das receitas próprias dos serviços autónomos à satisfação das despesas dos mesmos serviços fixadas nos respectivos orçamentos, devidamente aprovados.
Art. 3.° As taxas de contribuição predial no ano de 1947 serão de 10,5 por cento sobre os rendimentos dos Prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre os rendimentos os prédios rústicos não abrangidos pêlos parágrafos deste artigo.
§ 1.° Nos concelhos onde estejam em vigor matrizes cadastrais a taxa da contribuição predial rústica será de 10 por cento, podendo o Ministro das Finanças, quando o julgue necessário, reduzi-la até 8,5 por cento, a fim de evitar agravamentos bruscos de tributação.
§ 2.° Continuará a ser aplicada a taxa mencionada na parte final do parágrafo anterior aos concelhos de Mafra e Mogadouro.
Art. 4.° Manter-se-á no ano de 1947 a cobrança do adicionamento ao imposto sobre as sucessões e doações a que se refere o artigo 2.° do decreto n.° 19:969, de 29 de Junho de 1931, incidindo sobre o valor dos bens abrangidos na liquidação do imposto relativamente a cada beneficiário as taxas seguintes:
a) Nas transmissões a favor de descendentes e que em relação a cada um deles não
excedam 10.000$............................. 3 por cento
b) Nas restantes transmissões............... 4 por cento
§ único. O regime do adicionamento a que se refere o corpo deste artigo será revisto quando entre em vigor a reforma prevista pelo § 2.° do artigo 4.° da lei
Página 176
176 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
n.º 2:010, de 22 de Dezembro de 1945, acerca da incidência e prazos de pagamento do imposto sobre sucessões e doações.
Art. 5.º Durante o ano de 1947 o valor dos prédios rústicos para efeitos de liquidação de sisa ou de imposto sobre sucessões e doações será o valor da matriz acrescido das percentagens de correcção seguintes:
Prédios cujo valor matricial resulte de avaliação:
Anterior a 1 de Janeiro de 1940, 30 por cento.
Posterior a 1 de Janeiro de 1940, 20 por cento.
§ 1.º O valor dos prédios urbanos, para os mesmos efeitos, será em todos os casos o da matriz, acrescido da percentagem de 20 por cento.
§ 2.º Os interessados poderão requerer avaliação, nos termos das leis em vigor, sempre que não se conformem com o valor resultante das correcções estabelecidas neste artigo.
Art. 6.º O Governo poderá manter durante o ano de 1947 os adicionais mencionados no artigo 6.º do decreto n.º 35:423, de 29 de Dezembro de 1945, excluído o n.º 2.º do mesmo artigo, e bem assim estabelecer um adicional até 10 por cento sobre as colectas de contribuição predial rústica referentes a prédios cujo rendimento colectável resulte de avaliação anterior a l de Janeiro de 1940.
§ único. O adicional estabelecido no corpo deste artigo incidirá igualmente sobre o produto das percentagens cobradas para os corpos administrativos».
O Sr. Presidente: - Há uma alteração ao § 2.º do artigo 5.º proposta pelos Srs. Deputados Mendes do Amaral e outros.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
«Artigo 5.º......................................................................
§ 2.º Só os contribuintes poderão requerer avaliações nos termos das leis em vigor, sempre que não se conformem com o valor resultante das correcções estabelecidas no corpo deste artigo e no sen § 1.º
Os Deputados: Joaquim Mendes do Amaral - Diogo Pacheco de Amorim - Mário Borges - José Maria Braga da Cruz - João Garcia Nunes Mexia».
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 6.º há uma proposta do Sr. Deputado Carlos Borges em que propõe que o § único do referido artigo passe a § 1.º e seja aditado o § 2.º seguinte:
«§ 2.º É isenta do imposto de turismo a importância total das contas pagas pelos doentes internados em sanatórios e casas de saúde».
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação os artigos 1.º, 2.º, 3.º e seus parágrafos e 4.º e seu § único, sobre os quais não há qualquer proposta de alteração.
Submetidos à aprovação, foram aprovados tal como constam da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o artigo 5.º, com a substituição do § 2.º desse mesmo artigo, apresentada pelos Srs. Deputados Mendes do Amaral e outros, e cuja redacção V. Ex.ªs acabaram de ouvir ler.
Submetidos à votação o artigo 5.º, § 1.º, e o § 2.º conforme a proposta do Sr. Deputado Mendes do Amaral, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o corpo do artigo 6.º tal como consta da proposta.
Submetido à votação o artigo 6.º, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o § único, que pela proposta do Sr. Deputado Carlos Borges passará a § 1.º
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a proposta do Sr. Deputado Carlos Borges para o adicionamento do § 2.º, que V. Ex.ªs já ouviram ler.
Creio que o sentido da proposta do Sr. Deputado Carlos Borges se refere à cobrança do imposto de turismo pelos corpos administrativos nos concelhos onde haja zonas turísticas, imposto que incide sobre os centos de doentes dos sanatórios e casas de saúde.
O Sr. Carlos Borges: - Exactamente.
O Sr. Presidente: - Vai pois votar-se a proposta do Sr. Deputado Carlos Borges, com este alcance.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 7.º da proposta.
Vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
«Artigo 7.º O Governo poderá, mediante compensação a obter por actualização de outras taxas da tabela geral do imposto do selo, reduzir a taxa do selo das especialidades farmacêuticas até ao limite em que esta possa considerar-se meramente estatística.
§ único. Os adicionais a que se refere o artigo 6.º deixarão de ser cobrados logo que se proceda à actualização a que se refere o corpo deste artigo».
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: é louvável a intenção do Governo para conseguir o barateamento das especialidades farmacêuticas, reduzindo a taxa de selo que sobre elas é aplicada.
Eu duvido, porém, que esta diminuição do selo resolva satisfatoriamente o problema grave da carestia destes medicamentos. Tenho até a impressão de que o sacrifício que o Estado vai fazer na redução do selo é muito maior do que o benefício que daí resulta para o consumidor.
Sr. Presidente: afigura-se-me que a resolução deste problema tem de ser encarada sobre outros aspectos.
Já aqui foi dito que os lucros auferidos pelos fabricantes das especialidades farmacêuticas são muito grandes, pelo que me parece haveria forma de eles chegarem ao consumidor por um preço mais barato que o actual.
Eu não sei se será justo ou possível obrigar os fabricantes dessas especialidades a entregar ao Estado uma parte da sua produção pelo preço de custo para abastecimento dos hospitais, Casas do Povo, enfim dos centros consumidores desses produtos onde se tratam ou devem vir a tratar as classes pobres, quando estes serviços de assistência estiverem devidamente montados e generalizados segundo a reforma hospitalar aqui votada o ano passado.
Mas, se isso não for viável, só vejo a solução de o Estado fabricar por sua conta as especialidades que for possível manufacturar para abastecimento de hospitais, Casas do Povo e outras entidades que têm a seu cargo o tratamento das classes pobres e cujas atribuições têm de ser ampliadas de forma a que os medicamentos
Página 177
16 DE DEZEMBRO DE 1946 177
possam chegar de graça ou a baixo preço a todos os necessitados.
Por isso termino chamando a atenção do Governo para este problema no sentido de o mesmo ser estudado de forma que se consiga uma melhoria real no preço destas especialidades, visto que a clínica moderna é hoje feita principalmente à base de preparados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: trago a lição mal estudada, mas nem por isso impressionará menos o pouco que sei.
Os remédios não estão caros - estão caríssimos.
Tenho visto em farmácias provincianas e até nas citadinas doentes e doentes, pessoas de família angustiadas voltarem para trás de mãos vazias por não poderem pagar os cinquenta e tal ou os cento e tal escudos de qualquer receita.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muitos farmacêuticos que já fiaram o que puderam ao cliente pobre não sabem o que hão-de fazer perante produtos que se diria não serem de extrema, necessidade, mas da mais requintada superfluidade luxuosa.
O problema não é grave - é gravíssimo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A obra notável e palpitante do Subse-cretariado da Assistência tem aqui o seu calcanhar de Aquiles.
Há médicos na província e em Lisboa e outras cidades, provedores de Misericórdias e o conselho administrativo do Hospital de Santa Marta que se sentem embaraçadíssimos - corações caritativos crispados pela angústia de só poderem receitar do mais barato, que é quase nada.
Claro que o aumento não interessa a alguns declamadores, que só sabem receitar remédios dignos do supercapitalismo.
Mas interessa sobretudo à Nação que o caso seja visto e revisto.
Eu receio que o fim social do artigo 7.º não se atinja e que aconteça o que aconteceu com as bebidas engarrafadas - tirou-se-lhes o selo mas manteve-se o preço.
Creio ser a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos que fixa os preços. Mas já se vê que uma alta protecção aduaneira, além de danosa, pode levar a indústria a trabalhar até ao mais elevado nível da protecção. O contrabando dizem-me ser enorme.
Que fazer?
Sei que há discussões relativamente às responsabilidades da alta entre industriais de produtos químicos, produtos farmacêuticos, laboratórios e farmacêuticos.
Quem tem razão?
Por isso há que notar a encadernação de luxo dos remédios. Onde começa a exageração da embalagem e acaba a estrita necessidade de higiene?
Logo receio que seja somente o Ministério das Finanças a abrir mão dos 8 por cento do imposto, sem grandes resultados.
E peço ao Governo que se reveja a política aduaneira, que se examinem os custos e preços, que se estudem as demais taxas e se procure embaratecer o que é necessário a ricos e a pobres, a estes pela sua pequena resistência, talvez mais do que àqueles.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre o artigo 7.º, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 8.º
Vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
«Artigo 8.º Os limites de isenção do imposto profissional estabelecidos no artigo 63.º do decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, elevados posteriormente pelo artigo 2.º do decreto-lei n.º 32:423, de 23 de Novembro de 1942, e pelo artigo 1.º do decreto-lei n.º 34:353, de 30 de Dezembro de 1944, podem ser elevados, respectivamente, no ano de 1947 até 12.000$, 10.800$ e 9.600$.
O Sr. Presidente: - Relacionada com este artigo, está na Mesa uma moção subscrita pelo Sr. Dr. Mário Madeira e outros Srs. Deputados, que se vai ler.
Foi lida. É a seguinte:
«Dando a sua inteira concordância ao disposto no artigo 8.º da proposta de lei n.º 96, a Câmara pondera a conveniência de se estudar a possibilidade de, sem diminuir o seu rendimento global, adoptar para o imposto profissional um regime de escalões e taxas progressivas.
Os Deputados: Mário Madeira - Joaquim Mendes do Amaral - José Maria Braga da Cruz - João das Neves».
O Sr. Mário Madeira: - Sr. Presidente: quando usei da palavra na discussão na generalidade da proposta em debate tive ocasião de me referir ao imposto profissional e julgo ter dito a maioria dos argumentos que militam a favor da aprovação da minha moção.
Como é possível, porém, que alguns dos Srs. Deputados não estivessem presentes ou que me tivesse esquecido de algum dos referidos argumentos, volto a expô-los.
Tal como está redigido o artigo 8.º da proposta de lei, ele encerra uma disposição de tão indiscutível justiça que todos lhe daremos a nossa inteira aprovação, com a certeza de que, mais do que uma autorização, se trata de uma regra de execução imediata, isto é, com a certeza de que os limites de isenção serão mais elevados, como não pode deixar de ser.
Como já tive ocasião de dizer, estamos exactamente a tratar de um dos aspectos mais delicados de uma das matérias colectáveis mais delicadas. São exactamente os proventos daqueles que vivem de pequenos ordenados, daqueles que vivem nas piores circunstâncias económicas, que se pretende proteger.
Eu entendo que se poderia ir um pouco mais longe no mesmo sentido de justiça, a fim de estudar - e reparem V. Ex.ªs que eu digo apenas estudar, porque não ignoro as dificuldades do problema - a possibilidade de que esses escalões de isenção passem a ser o ponto de partida da cobrança segundo escalões e taxas progressivas.
É justamente o mesmo processo estabelecido para o imposto complementar que eu desejaria ver adoptado para o imposto profissional.
Assim não só ficariam isentos, nos termos do artigo 8.º, todos os ordenados inferiores a 1.000$, 900$ e 800$ mensais, como no que se refere a ordenados superiores o imposto só viria a incidir sobre o excedente àqueles limites de isenção geral.
Página 178
178 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
As razões de ordem prática que tenho para defender este meu ponto de vista são muitas e do meu conhecimento directo.
Há primeiro que tudo a considerar a maior dificuldade, que é esta: quando, por exemplo, por força de um contrato colectivo de trabalho, se consegue obter um aumento de ordenado justo, quando se trata precisamente de melhorar ordenados que andam em volta dos limites de isenção do imposto profissional, sucede, por vezes, que uma grande parte do aumento será absorvido pelo Estado, visto que o imposto incide sobre a totalidade do ordenado.
Assim é que geralmente ou não se concede o aumento, porque é o próprio beneficiado quem o recusa, visto que, recebendo-o, passaria a pagar imposto profissional, o que lhe daria em resultado ficar a perceber ainda menos do que aquilo que lhe era pago até aí, ou então, quando é dado qualquer aumento, ele é concedido por forma a que o Estado não tenha conhecimento do mesmo, o que representa um princípio que, devemos confessar, não é muito para louvar e que, no fim de cantas, é deprimente para todos e prejudicial para o Estado.
Eu tenho a certeza de que isto se passa assim pelo contacto que tenho com os processos no tribunal do trabalho, onde o imposto profissional devido só é pago como requisito legal para a propositura da acção, e posso afirmar a V. Ex.ª que o imposto profissional não está a ser cobrado no seu inteiro rendimento exactamente devido às circunstâncias que apontei e que representam, afinal, defeitos de equidade da própria lei, mas defeitos estes que entendo serem fáceis de corrigir.
Já me referi detalhadamente ao assunto quando usei da palavra sobre esta proposta de lei na generalidade, mas entendo que não é demais voltar a referir-me a ele.
Trata-se afinal de dar maior extensão ao princípio do imposto progressivo, que hoje vemos afirmar-se na legislação fiscal de todos os países e que em Portugal, e em tão boa hora, se iniciou com o imposto complementar.
E presto a maior homenagem ao espírito de competência comprovadíssima dos nossos serviços das contribuições e impostos e estou certo que eles saberão resolver mais esta dificuldade.
Pode dizer-se, como uma objecção de ordem técnica, que, sendo o imposto profissional onerado pelo imposto complementar, passará a haver contribuintes que sofrerão a aplicação das duas taxas progressivas, mas, por outro lado, beneficiarão de uma isenção quanto ao primeiro escalão de 12.000$, e estou certo de que esse imposto será cobrado com a maior justiça, importando a sua boa aceitação, e por isso dentro do espírito do seu melhor rendimento colectável.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o artigo 8.º, vou submetê-lo à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Submeto agora à votação a moção dos Srs. Deputados Mário Madeira e outros sobre o mesmo artigo.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 9.º, que vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
«Artigo 9.º Os serviços do Estado e os organismos corporativos e de coordenação económica não poderão criar ou modificar nenhuma taxa ou receita de idêntica natureza, de carácter permanente ou temporário, sem prévio despacho de concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer do serviço competente».
O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.º e seu § único.
Vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
«Artigo 10.º O Governo inscreverá em despesa extraordinária no orçamento para 1947 as verbas necessárias para, de harmonia com os planos aprovados, continuar a promover e realizar obras, melhoramentos públicos e aquisições, nos termos da lei de reconstituição económica, n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935.
§ único. Em execução do disposto no corpo deste artigo serão inscritas verbas para os fins seguintes:
a) Obras de fomento económico:
I) Hidráulica agrícola, aproveitamentos hidroeléctricos, no continente e ilhas adjacentes, e regularização de rios e defesa de campos marginais;
II) Portos comerciais e de pesca (2.ª fase), aeroportos e aeródromos e farolagem dos Açores;
III) Plano da rede rodoviária do continente e estradas das ilhas adjacentes;
IV) Rede telegráfica e telefónica nacional;
V) Repovoamento florestal, colonização interna e pequenos melhoramentos agrícolas;
VI) Fomento mineiro e de produção e utilização de combustíveis nacionais;
VII) (Subsídios para melhoramentos rurais e para as obras de abastecimento de água às sedes dos concelhos,
b) Obras de fomento sanitário, cultural e social:
I) Edifícios para as escolas primárias, ampliações e novas instalações para as escolas do ensino técnico profissional e dos liceus;
II) Edifícios universitários, incluindo os hospitais escolares de Lisboa e Porto e plano da cidade universitária de Coimbra;
III) Conclusão da Leprosaria Nacional Rovisco Pais, construções hospitalares, nos termos da lei n.º 2:011, de 2 de Abril de 1946, e construção de centros anti-cancerosos;
IV) Subsídios para a construção de casas económicas e para alojamento de famílias pobres;
V) Construções prisionais.
c) Defesa nacional:
I) Base Naval de Lisboa - obras marítimas e terrestres para a sua instalação;
II) Complemento do rearmamento do exército e marinha - compreendendo as necessárias instalações - e continuação do plano relativo à aviação naval.
d) Outras obras:
I) Edifícios públicos. Conclusão dos edifícios em construção e adaptação, arranjo geral da Praça do Comércio e instalação de serviços públicos;
II) Restauração e reparação de castelos e monumentos nacionais;
III) Trabalhos de urbanização;
IV) Estádio Nacional. Construção do edifício do Instituto Nacional de Educação Física e do hipódromo».
O Sr. Presidente: - Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de aditamento apresentada pelos Srs. Deputados Mário de Aguiar e outros, e que vou mandar ler.
Página 179
16 DE DEZEMBRO DE 1946 179
Foi lida. É a seguinte:
«Propomos que à alínea a) do § único do artigo 10.º seja aditado o n.º VIII, com a seguinte designação:
VIII. Subsídios para conclusão e construção das redes dos caminhos de ferro.
Os Deputados: Mário de Aguiar - Manuel Colares Pereira - Artur Augusto de Figueiroa Rego - Manuel de Magalhães Pessoa - Manuel Ribeiro Ferreira».
O Sr. Presidente: - Chegou agora à Mesa uma outra proposta, que vai ser lida, assinada pelos Srs. Deputados Teófilo Duarte, Melo Machado e outros.
Foi lida. É a seguinte:
«Propomos que ao artigo 10.º se acrescente o seguinte parágrafo:
O Governo graduará a distribuição das verbas para os fins do parágrafo anterior, tendo principalmente em atenção a necessidade de dar o maior incremento possível à produção.
Os Deputados: Teófilo Duarte - Francisco de Melo Machado - José Maria Braga da Cruz - Jorge Botelho Moniz - Luís Cincinato Cabral da Costa».
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.º conjuntamente com as propostas que acabam de ser lidas.
O Sr. Mário de Aguiar: - Sr. Presidente: não tencionava entrar na discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947, mas, se na generalidade esta Assembleia teve a esclarecê-la a alta competência e saber dos ilustres Deputados que com tanto brilho fizeram uso da palavra, na especialidade compete a cada um de nós concorrer para que esta lei corresponda às graves responsabilidades de um diploma que constitui a base principal de toda a vida da Nação.
Apesar disso, só pedi a palavra depois de me ter assegurado que nenhum dos Srs. Deputados a pedia para tratar de uma aparente omissão que se nota na enumeração das obras de reconstituição económica a que se refere o artigo 10.º em discussão.
Em breves considerações vou justificar uma proposta de aditamento:
Pelo artigo 10.º, que está em discussão, o Governo inscreverá como despesa extraordinária no orçamento de 1947 as verbas necessárias para, de harmonia com os planos aprovados, continuar a promover e realizar obras e melhoramentos públicos nos termos da lei de reconstituição económica, n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935.
E no § único são enumeradas as obras de fomento económico para que devem ser destinadas as diferentes verbas, todas do mais alto interesse nacional, como são: hidráulica agrícola, portos, plano rodoviário, rede telegráfica e telefónica, repovoamento florestal, fomento mineiro e melhoramentos rurais.
Ora, consultando a lei m.º 1:914, invocada neste mesmo artigo da proposta de lei, verifica-se que na base I são destinados 6.500:000 contos, durante quinze anos, para obras de reconstituição económica e mais se verifica que, depois da defesa nacional, está logo à frente de todas as outras aplicações a conclusão das redes dos caminhos de ferro.
Pelo confronto desta lei com o artigo 10.º da proposta em discussão poderia supor-se que a conclusão e construção das novas linhas férreas não estão incluídas no programa de reconstituição económica para o ano de 1947, o que não é verdade e seria contra o espírito dessa mesma lei n.º 1:914, que é dos diplomas de mais largo alcance que a actual situação política tem publicado.
Mas, sejam quais forem os organismos que tenham a seu cargo a conclusão e a construção das novas linhas férreas, cujas funções têm estado até agora a ser desempenhadas pelo Fundo Especial de Caminhos de Ferro, é de justiça que essas velhas aspirações dos povos sejam mencionadas nesta proposta de lei, ao lado das outras obras do mais alto interesse nacional.
As receitas do Fundo Especial têm sido tão deficientes que em 1945 só puderam ser construídos alguns metros de linha nova para servir o Estádio Nacional, que custaram cerca de 3:000 contos.
Tudo o mais foi aplicado em pessoal, material, encargos e amortizações de operações antigas.
Todo o País tem acompanhado com a maior admiração a acção renovadora do Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações, que, depois de se ter afirmado um dos parlamentares mais distintos que têm passado por esta Assembleia, foi chamado para o Governo em circunstâncias difíceis, embora particularmente honrosas, quando foi preciso garantir a continuação da obra grandiosa do falecido estadista Duarte Pacheco.
O Sr. engenheiro Cancela de Abreu não só correspondeu brilhantemente a essa espectativa, como já enriqueceu o País com realizações da sua própria iniciativa, que constituem um vasto programa de fomento económico e que hão-de notabilizar cada vez mais a sua passagem pelas cadeiras do Poder.
Por isso mesmo não deixará de tomar em consideração que andam perdidas numerosas fontes de riqueza nas zonas distantes dos caminhos de ferro e que foi a falta de transportes acelerados que provocou o agravamento da crise económica que o País atravessou e que ainda está sofrendo.
Por outro lado, com transportes demorados e caros a produção é difícil e escasseia o trabalho, e aquele que aparece não é compensador para as classes trabalhadoras, que, por isso, vão esgotando a lotação dos barcos de emigração.
Não tomo mais tempo à Câmara para justificar a proposta de aditamento que eu e os meus ilustres colegas que a subscreveram mandámos para a Mesa no sentido de ser aditado à alínea a) do § único do artigo 10.º em discussão o n.º VIII, com a designação de «Subsídios para a construção de novas linhas férreas».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Teófilo Duarte: - Sr. Presidente: vou fazer um certo número de considerações bastante extensas sobre este artigo, porque o considero o mais importante da proposta, visto ele tratar da aplicação de uma importância pouco inferior a 1 milhão de contos. Trata-se, pois de um assunto que bem merece a nossa melhor atenção.
É certo que outros artigos já aprovados e referentes a agravamentos tributários também mereceriam discussão e sérios reparos, se não fosse a convicção em que estamos de que a sua aprovação é indispensável, em virtude da necessidade de se manter a continuidade da política de equilíbrio orçamental. Poder-se-ia discutir um ou outro aspecto desse agravamento, optando por esta ou por aquela modalidade, mas a medida em si é inevitável. E porque isso assim é, e porque qualquer alteração a fazer poderia originar consequências graves na realização da cobrança, abstive-me de discutir tal aspecto da proposta. É que nós estamos em presença do seguinte facto incontroverso:
O Governo viu-se na necessidade de aumentar as suas despesas orçamentais com o pessoal, mediante a fórmula das subvenções dadas ao funcionalismo público em virtude da carestia da vida; e ele terá de aumentar as do-
Página 180
180 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
tacões dos seus serviços, em virtude da queda, do poder de aquisição da moeda, se quiser que eles continuem a trabalhar no ritmo normal.
Assim, o Governo tem de ir buscar dinheiro onde o houver, e é precisamente à contribuição predial, à sisa, ao imposto sucessório, além de outras fontes, que ele precisa de recorrer.
Mas, se realmente não vale a pena discutir a necessidade absoluta e imperiosa do aumento das receitas, outro tanto não sucede quando se trata de ver qual a aplicação a dar ao milhão de contos que se vai gastar em despesas extraordinárias no próximo ano. E isso para que o sacrifício que se vai exigir principalmente às actividades económicas tenha como contrapartida a concessão de um certo número de facilidades que lhes garantam uma boa eficiência na sua actuação e lhes proporcionem um conveniente desafogo que lhes permita pagar o que se pede.
É que hoje em dia, e possivelmente nos dois ou três anos mais próximos, o problema da produção domina todos os outros, e, portanto, é sobre ele que se deve concentrar a maior atenção dos Governos.
A nossa população, ainda que em menor grau do que a do restante continente europeu, encontra-se sujeita a um regime de sub-alimentação, devido a deficiências resultantes de circunstâncias várias. E se é certo que algumas delas se filiam na imperfeição do funcionamento de certos órgãos administrativos, também é certo que as principais nada têm que ver com a actuação governamental, como sejam os três maus anos agrícolas e as dificuldades de importação.
O País nestes últimos anos tem vivido principalmente sobre si, e não será tão depressa que as coisas mudarão, a continuarem as dificuldades actuais; portanto há que intensificar a produção nacional.
De resto, precisamos de nos preparar para suportar a concorrência estranha quando o ritmo da produção estrangeira se restabelecer, e por isso eu insisto em que tudo quanto contribua para colocar a nossa produção nas melhores condições, sob o ponto de vista de melhoria da quantidade de produtos - compatível com as possibilidades nacionais -, da qualidade e dos preços que lhe permitam concorrer com o estrangeiro, deverá merecer o nosso apoio. O presente exige uma produção excepcional em quantidade, e o futuro em qualidade e preço.
Nestas condições, convém forçar o ritmo de todos os trabalhos que influam no fenómeno da dita produção. E eu emprego a palavra forçar, para significar bem claramente a necessidade imperiosa de tal actuação. Os trabalhos hidráulicos, os das estradas, os dos portos, os dos caminhos de ferro e outros deste género devem ter prioridade e ser dotados com verbas incomparavelmente superiores aos de edificações para instalações de serviços que não tenham aquelas características, como sejam quartéis, escolas, cadeias, etc.
De resto, já no ano passado esta Assembleia, ao examinar as contas do ano anterior, votou uma moção em que se convidava o Governo a dar prioridade à execução de obras de carácter principalmente reprodutivo.
Portanto, tudo quanto acabo de dizer não é mais do que a repetição do que aqui afirmei o ano passado e que motivou a votação daquela moção.
Ora, pergunto a V. Ex.ª esta proposta que é submetida à nossa aprovação estará elaborada de harmonia com o critério que venho expondo e que foi o que norteou a Assembleia o ano passado quando aprovou a referida moção?
Embora no seu artigo 10.º ela disponha que o Governo distribuirá verbas para a execução do plano de reconstrução, especificando a hidráulica, os portos, as estradas, etc., omitindo, porém, os caminhos de ferro - e neste ponto acompanho o ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Aguiar nas considerações que fez há pouco -, ela não nos dá ideia nenhuma sobre o montante das verbas que se vai atribuir a cada uma dessas obras, e por conseguinte sobre o volume que se lhes vai dar.
Entretanto, como à Câmara foram enviadas juntamente com a proposta vários esclarecimentos sobre ela, deles se podem tirar elementos que nos permitam ajuizar de tal, não só no que se refere ao próximo ano, como aos nove seguintes.
Antes de entrar propriamente no assunto, permitam-me V. Ex.ªs um pequeno desvio.
Pelo que tenho visto nesta Câmara, por vezes, às críticas que se fazem à actuação ministerial é dado por certos dos nossos colegas um significado que julgo absolutamente infundado. Pretende-se ver nelas uma intenção reservada contra este ou aquele Ministro e o desejo de o fazer cair, quando afinal nada há de menos exacto. Julgo, e creio que comigo a maioria de V. Ex.ªs, que o espírito que nos norteia a todos é o de colaboração com o Governo; que essa colaboração, mesmo quando revestida de certos aspectos críticos, não visa mais que a facilitar a sua tarefa; que nesta Casa não há uma oposição sistemática, género ancien regime, apostada em atacar à tort et à travers; que nenhum de nós, enfim, procura na sua actuação a cooperação sequer daqueles colegas com quem tem melhores relações pessoais ou afinidades de ideias, de modo a constituir um bloco oposicionista. Julgo, pois, não errar afirmando que o espírito crítico que norteia as considerações que frequentemente aqui se ouvem tem características diferentes daquele que presidia às discussões aqui feitas há trinta anos e que ele é uma das criações originais dos tempos que surgiram com o 28 de Maio.
Por tudo quanto fica dito, admiro-me da vivacidade de certas defesas de actos ministeriais, que parecem denotar a preocupação de evitar a queda de um ou outro titular desta ou daquela pasta.
É esta, parece-me, uma preocupação baseada em reminiscências antigas de factos que nós julgamos bem enterrados e que não desejamos ressuscitar enquanto formos o que somos. Aqui critica-se administração, não se faz política de substituições ministeriais. Isto não quer dizer, porém, que concorde com a exteriorização de certas ideias em determinados momentos da vida nacional, por elas poderem constituir motivo de especulação de políticos internos e externos.
Os dias e as horas que nós, defensores da situação, estamos vivendo requerem uma coesão e uma combatividade da nossa parte que façam com que o inimigo não encontre brecha por onde penetre na fortaleza que tem resistido aos seus assaltos durante vinte anos.
A gravidade das declarações oficiais de certas entidades governativas coloniais nossas vizinhas no Oriente e a consumação de certos factos por parte de organismos internacionais, que, embora nos não afectem directamente, sempre impressionam a opinião pública, devem obrigar-nos a ser o mais discretos possível sobre certos aspectos da vida nacional, que, adulterados pelo inimigo, lhes podem fornecer alvos para campanhas inconvenientes.
Mas, mesmo quando tal discrição não é observada por qualquer de nós, mercê de uma interpretação diferente daquela que deixamos exposta, não parece justificado o ar de represália e de acrimónia de certas respostas. Solidariedade e combatividade deve ser o lema actual de quantos defendem a situação, e principalmente de quantos têm assento nesta Câmara!
Dito isto, posso agora falar à vontade, tanto mais que o que vou dizer não é uma crítica àquilo que se fez, e portanto a factos consumados, mas àquilo que se
Página 181
16 DE DEZEMBRO DE 1946 181
pretende fazer, e portanto que se poderá evitar, se não houver razões superiores às minhas.
Do exame da documentação enviada pelo Ministério das Finanças ressalta que o global das verbas aplicadas a trabalhos de carácter directa e eminentemente reprodutivo é muito inferior ao daqueles que só indirectamente, à la langue, e isso nem sempre, têm influência na produção.
Sei que esta destrinça entre despesas de um e de outro género nem sempre é fácil, e por isso vemos frequentemente sustentar, com maior ou menor dose de sensatez, as opiniões mais divergentes a tal respeito. Mas eu continuo apegado às velhas ideias, e por isso considero que os 150:000 contos previstos para quartéis, os 22:000 para cadeias, os 30:000 para a cidade universitária, os 60:000 para edifícios universitários, os 90:000 para escolas primárias, e liceus em especial, os 30:000 para edifícios públicos, os 9:000 para o Estádio e os 4:000 para castelos devem, segundo o meu modo de ver, ser considerados como despesas não reprodutivas, sem influência imediata na produção, embora algumas delas, como o aumento e a melhoria das escolas, principalmente técnicas e superiores, possam influir em tal num lapso de tempo mais ou menos longo, mas em todo o caso bem distante.
E a propósito de cadeias, deixem-me V. Ex.ª anotar à margem que quem compara o conforto de que gozam os reclusos nas modernamente construídas com o desconforto da quase totalidade das moradias habitadas por centenas de milhares de camponeses ou operários citadinos não pode deixar de observar:
Se os 22:000 contos anuais previstos para os próximos dez anos forem gastos na execução do plano de melhoramentos prisionais, daqui a algum tempo não haverá criminoso recluso que não sorria compadecido da miséria das habitações da maioria dos honrados homens de trabalho. O exagero de certos aperfeiçoamentos e comodidades nestes e noutros edifícios destinados a pessoal de hábitos ultramodestos saltam à vista de quantos têm visitado tais instalações de um país de recursos medíocres e cuja população não pode ter a pretensão de ter um nível de vida senão modesto.
Esta característica de modéstia da nossa vida nacional, já focada várias vezes pelo Sr. Presidente do Conselho, parece que não foi ainda bem apreendida por alguns dos seus colaboradores.
Mas continuemos: todas estas e outras despesas do mesmo carácter totalizam bem mais que as restantes que influem directamente na produção.
É que para a hidráulica agrícola apenas se destinam 60:000 contos, apesar da sua importância, tão transcendente não só para o incremento da produção agrícola, como principalmente para a fixação das dezenas de milhares de homens que normalmente emigravam e que só na intensificação cultural e na industrialização encontrarão com que subsistir.
É que para as estradas apenas se reservam 120:000 contos, apesar do encarecimento da mão-de-obra e dos materiais, evitando-se assim que se mantenha o bom estado de conservação a que elas tinham chegado nos últimos anos e principalmente que se intensifique a abertura de novos troços, que vitalizem determinadas regiões do País.
De todas estas, o Alentejo é o caso mais típico, ainda hoje servido principalmente por caminhos sem a menor sombra de regularidade, e em que a camionagem transita com enormes dificuldades - e é quando o pode fazer - em que o caminho de ferro é uma aspiração insatisfeita e em que o carro de bois ou de muares continua a ser o meio de transporte que leva dias inteiros a conduzir o trigo, a cortiça, todo o fruto da produção alentejana até aos centros de consumo ou até às estações de caminho de ferro, distanciadas por léguas e léguas.
É que para o prosseguimento da obra dos portos, em que a utilização de materiais tem uma importância primordial se destinam apenas 80:000 contos.
E não falo já dos 20:000 contos previstos para a regularização dos rios e dos 30:000 para melhoramentos rurais.
Poder-se-me-á dizer que não é esta a oportunidade de consagrar maiores verbas a tais trabalhos, em virtude da falta de planos e da de materiais e que os serviços nos últimos anos nem sequer têm gasto as respectivas dotações orçamentais. O argumento não me convence.
As reparações das estradas não precisam da elaboração de grandes planos e nem a mão-de-obra necessária nem os principais materiais nelas utilizados escasseiam. Para a abertura de novos troços estas duas condições também se verificam e estou convencido de que há projectos já elaborados que podiam ser executados imediatamente. E se eles não têm grande desenvolvimento, bem mal se fez não se tendo aproveitado os últimos anos para a sua elaboração, que não tem nada que ver com a escassez de materiais.
Quanto a caminhos de ferro, outro tanto se poderia dizer, visto que os trabalhos mais demorados e custosos em tais obras são os estudos e a preparação das terraplenagens.
Por sua vez, a hidráulica agrícola, como disse o ano passado, tem prontos os planos para a beneficiação de enormes áreas e uma boa parte dos seus trabalhos requer apenas mão-de-obra.
Outro tanto se poderia dizer da limpeza das margens de rios, de valas, da maioria enfim dos melhoramentos rurais.
Eu compreendo a reacção por parte de alguns dos meus colegas militares perante estas minhas observações e compreendo que eles estranhem que eu, sendo um oficial do exército, pareça não conhecer a herança miserável que nos legou a demagogia republicana e a demagogia monárquica, porque o mal vem de longe, no relativo a quartéis, e que ache inoportuno o dispêndio de 150:000 contos num ano.
Compreendo também que as pessoas que têm a sua actividade ligada ao ensino e que sabem o interesse que sempre tomei pelas questões de instrução, quando governei colónias apresentem a mesma estranheza em face dos meus reparos pelo facto de se irem gastar com edifícios escolares 180:000 contos ao passo que com as estradas se irão gastar apenas 120:000 contos.
Mas porque nós aqui temos de nos despir de particularismos profissionais e de simpatias administrativas; porque nós aqui temos de encarar a Administração no seu conjunto, dando a primazia à resolução das questões de carácter mais transcendente e mais urgente; e porque, enfim, eu considero, nas condições actuais, a questão da produção a mais instante, discordo da distribuição das verbas que venho analisando e cujo condicionamento é, segundo a lei, da competência do Sr. Ministro das Finanças, e tenho sérias apreensões sobre o resultado de idêntica política nos anos que se lhe seguem, em que este aspecto do caso é ainda mais agravado, conforme se verifica nos aludidos mapas.
E, se faço os reparos que aí ficam, é porque a Constituição nos atribui a faculdade de definir princípios em assuntos de dotações, embora em determinadas condições. Não deixaria pois de ser conveniente que em futuros esclarecimentos que acompanhem idênticas propostas se concretizassem também as dotações ordinárias dos serviços.
Assim, ter em escolas construídas com todos os requisitos crianças andrajosas e subalimentadas, como agora sucede e continuará a suceder nos próximos
Página 182
182 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
anos, devido a circunstâncias em parte inevitáveis e em parte remediáveis, como detalhei; ter em quartéis-modelos soldados incapazes, pela sua fraqueza orgânica, de mal suportar a violência do esforço que lhe tem de ser exigido; constatar em outros ramos da vida nacional iguais factos: tudo isso se me afigura digno de reparo.
Eu sei que uma administração harmónica e digna desse nome não pode prescindir de abordar todos os problemas que estão na sua esfera de acção, confinando-se em particularismos de obras públicas, sociais, militares, etc. Eu sei que é doloroso interromper e adiar a execução de planos em que cada um de nós pôs o seu carinho. Mas também não há dúvida de que, como por várias vezes se tem dito do alto do Poder, e é isso uma grande verdade, os diversos problemas da Administração têm na vida nacional uma desigual importância; que eles devem ser resolvidos com a prioridade que dela deriva; e, finalmente, que são as circunstâncias excepcionais do momento que muitas vezes impõem a preterição da resolução deste ou daquele problema. Eu não me negaria a votar quaisquer verbas para aquisição de armamentos e de aumento ou melhoria de pessoal militar se isso fosse julgado indispensável por quem de direito devido à incerteza do futuro; mas, apesar de reconhecer a influência que na preparação militar da tropa têm os aquartelamentos, duvido da necessidade imperiosa da sua construção, por me parecer que ela visa principalmente a remediar uma situação que vem de há longas dezenas de anos e que não se apresenta com o carácter de acuidade sequer igual ao das deficiências alimentares da maioria do povo português.
Finalizando, julgo, Sr. Presidente, pelo que acabo de dizer, que se justifica o meu aditamento ao artigo 10.º, que mando para a Mesa e que mereceu ser subscrito por cinco dos meus ilustres colegas. Ele visa, em suma, a dar prioridade e relevo na distribuição das verbas aos trabalhos visando directamente ao incremento da produção.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: a hora vai adiantada e por isso serei breve, dizendo em forma telegráfica o que tenho a dizer, e peço desculpa à Câmara se a clareza das minhas considerações for prejudicada pela concisão.
Na alínea a) do artigo 10.º enumera o Governo os melhoramentos e obras de fomento que tenciona considerar no orçamento para o futuro ano e no n.º 7.º trata dos subsídios para melhoramentos rurais e abastecimento de águas às sedes dos concelhos. O decreto que regula este abastecimento de águas é o n.º 33:863, que dá aos municípios umas certas vantagens, muito grandes mesmo, na concessão de créditos e empréstimos para fazer face a estes melhoramentos e impõe às câmaras o prazo dentro do qual têm de fazer obras de um tal vulto que não me parece compatível com os seus recursos, embora parte dessas verbas seja dada pelo Estado.
Cito apenas um exemplo em breves palavras.
A cidade de Beja tem-se abastecido de há muitos anos da água de um poço chamado de Aljustrel (por este poço ficar à beira da estrada Beja-Aljustrel), mas depois de a água ter sido elevada e canalizada para uma parte dos domicílios viu-se imediatamente que o caudal desse poço, que é relativamente grande em relação às nascentes dos poços vulgares, não era quase nada em relação às necessidades da cidade.
Todas as vereações que se sucederam mandaram fazer estudos e pesquisas e ultimamente, com o agravamento da necessidade de água por virtude da seca de há dois anos, fez-se um estudo da bacia hidrográfica e, depois de várias pesquisas, encontrou-se um poço com um caudal também importante.
Disse-se nessa ocasião que o problema do abastecimento de água à cidade de Beja estava resolvido, mas o que é certo é que aquilo que essa cidade consome de água por habitante é muito pouco, pois não se consome mais por não a haver, tendo chegado a estar racionada.
Vaiando há pouco com um ilustre médico da Direcção Geral de Saúde, que superintende nesse serviço de águas destinadas ao abastecimento público, ele disse-me que conhecia muito bem o problema de Beja, que ele estava devidamente estudado e que não só as águas que abasteciam a cidade eram pouco próprias para o consumo, porque estavam carregadas de nitratos e só a poder de verdunização se tem conseguido que não haja casos sérios de epidemias, como também a quantidade é insignificante em relação às necessidades da cidade.
Segundo os técnicos, a única solução é a de ir buscar-se a água ao Guadiana para abastecer a cidade e ao mesmo tempo abastecer as povoações junto das quais passará o canal.
Ora esta obra sai fora dos moldes e das possibilidades de qualquer câmara. E um canal que terá cerca de 25 quilómetros de extensão, implicando uma barragem, duas centrais - uma elevadora e outra depuradora -, obra de interesse público e social e não apenas de interesse camarário.
Parece-me, por isso, que seria a altura de se rever o decreto que regula actualmente estes serviços, dando-se-lhe maior amplitude, de maneira que as obras desta natureza, que são de carácter social, passem a ser suportadas, senão no todo, pelo menos na maior parte, pelo Estado, ficando o restante a cargo das câmaras, como sejam a distribuição da água às sedes dos concelhos e das povoações vizinhas da respectiva rede.
Era para isto que desejava chamar a atenção do Governo - para que dê a esta rubrica verba que julgar conveniente para o fim que indiquei e mande rever a legislação que trata do assunto, de forma a poderem fazer-se estas obras à custa, principalmente, do Estado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: ouvi há pouco as considerações do Sr. Deputado Teófilo Duarte, com as quais concordo em principio, exceptuando aquelas que se referem aos quartéis.
Quem for obrigado a frequentar esses edifícios militares verá a pobreza de tais alojamentos.
Ainda há pouco fiz uma inspecção a ama unidade militar e, encontrando-me no meio de uma caserna, vi aparecer uma rata junto aos pés, num à-vontade absoluto, demonstrativo de que estava habituada a esses passeios.
Também em geral as casernas não se lavam, pelo perigo de a água poder estragar o material de guerra.
Se há necessidade efectivamente de manter o nível espiritual da Nação, através de obras muito interessantes, como as dos edifícios públicos, do arranjo da Praça do Comércio, etc., não é menos necessário que se olhe para a situação dos quartéis.
Depois ainda temos aqui, por exemplo, a citação de hipódromos. Para quê?
São estas as considerações que me merecem as palavras do ilustre Deputado e meu velho amigo. Entendo que são absolutamente necessárias as disposições relativas à execução da proposta sobre os quartéis, em face das outras indicações que vêm consignadas na proposta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
Página 183
16 DE DEZEMBRO DE 1946 183
O Sr. Presidente: - Se mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
O Sr. Armando Cândido: - Não tencionava intervir neste debate, mas as considerações que o Sr. capitão Teófilo Duarte acaba de fazer obrigam-me a falar, ainda que rapidamente, devido ao adiantado da hora e ao cansaço manifestado pela Assembleia. Se bem ouvi, S. Ex.ª disse que visitou alguns estabelecimentos prisionais recentemente construídos, estranhando deveras as comodidades e o conforto que neles observou. Depreendi que o ilustre Deputado tem a impressão de que se estão edificando autênticos palácios para os condenados ao cumprimento das várias penas, quando há tanta gente pobre e honrada que vive em pardieiros miseráveis.
Não perturbemos o quadro de cada problema. As novas prisões obedecem simplesmente às exigências da reforma prisional de 1936, que merece todos os nossos louvores por conter nos seus preceitos os melhores ensinamentos da ciência penintenciária e da prática seguida pela moderna concepção de pena, que não vê em todos os delinquentes criminosos incorrigíveis.
Construindo-se hoje, é indiscutível que tem de se construir assim, dentro dos requisitos legais, que são requisitos justos; e só quem, como eu, por dever de oficio, tem andado por algumas comarcas do Pais pode saber o que são as repugnantes instalações prisionais, onde os reclusos vivem na mais deplorável e perigosa promiscuidade.
Recordo-me, por exemplo, de que encontrei numa pequena cela, arrumados em beliches, cerca de vinte presos.
O espectáculo das velhas cadeias é ultrajante, afronta a nossa dignidade.
Apoiados.
Todos nós pedimos que termine o ultraje, que termine a afronta.
Entendo, sr. Presidente, que os Ministérios da Justiça e das Obras Públicas devem até activar as construções dos novos estabelecimentos prisionais, construindo mais e mais depressa...
O Sr. Teófilo Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença para fazer uma pergunta? Concorda V. Ex.ª ou não em que realmente as prisões estão feitas em condições de proporcionarem comodidades superiores às habitações da maior parte das classes, pobres ou não?
O Orador: - As condições em que as novas cadeias estão feitas obedecem, repito, às exigências da reforma prisional. Elas não se destinam a aniquilar os condenados, mas a recuperá-los...
O Sr. Teófilo Duarte: - Isso não destrói a minha afirmação.
O Orador: - Perdão. V. Ex.ª é que não destrói a minha afirmação nem deve ir buscar, para reforço do seu ponto de vista, obras que se fazem, aliás em ritmo lento, para a satisfação que se deve ao que foi há muito legislado. Trata-se de necessidades distintas e que não têm ligação com o que V. Ex.ª pretende demonstrar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai votar-se em primeiro lugar o corpo do artigo 10.º e o sen § único, que, segundo a proposta do Sr. Deputado Teófilo Duarte, passará a § 1.º, e a alínea a) até ao n.º 7.º, inclusive, tais como constam da proposta de lei.
Seguidamente porei à votação a proposta do Sr. Deputado Mário de Aguiar para acrescentar a essa alínea o n.º 8.º, que V. Ex.ªs já conhecem.
Submetidos à votação, foram aprovados o artigo 10.º, o seu § único até à alínea a) e seus números, tais como constam do texto da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação a proposta do Sr. Deputado Mário de Aguiar.
O Sr. Mário Borges (para um esclarecimento): - A proposta do nosso colega Sr. Mário de Aguiar reporta-se à lei n.º 2:008.
E essa lei, segundo a base II, diz que essa transformação dos caminhos de ferro no nosso País fica a cargo da nova empresa concessionária, nestes termos que vou ler:
Leu.
Era só disto, Sr. Presidente, que eu queria esclarecer a Câmara.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o aditamento à alínea a) do n.º 8.º, como consta da proposta dos Srs. Deputados Mário de Aguiar e outros.
Submetido à votação o aditamento, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vão agora votar-se as alíneas b), c) e d) e seus números do artigo 10.º tal como constam da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o aditamento proposto pelos Srs. Deputados Teófilo Duarte e outros.
Este aditamento passa a ser § 2.º, visto o § único, já votado, passar a ser § 1.º
Submetido à votação o aditamento ao § 2.º, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 11.º, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
«Artigo 11.º No orçamento para 1947 o Governo inscreverá, em despesa extraordinária, as verbas necessárias para pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral as despesas com os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o decreto-lei n.º 31:975, de 20 de Abril de 1942».
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação o artigo n.º 11, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º, que vão ser lidos.
Foram lidos. São os seguintes:
«Artigo 12.º As construções referidas na alínea c) da base VIII da lei n.º 1:971, de 15 de Junho de 1938, poderão constar de projectos especiais, ainda que não tenham de preceder os trabalhos de arborização.
§ único. Enquanto se não dispuser de cartas na escala fixada na mencionada base viu, podem os projectos de arborização de serras e dunas ser elaborados sobre as cartas da região na maior escala em que estejam publicadas.
Art. 13.º Continua o Governo autorizado a atribuir ao residente de S. João Baptista de Ajuda como venci-
Página 184
184 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
mento a quantia que for estabelecida pelo Ministro das Colónias, com o acordo do Ministro das Finanças.
Art. 14.º O Governo, pelo Ministério das Finanças, estudará a forma de uniformizar os impressos comuns a todos os serviços do Estado e organizar em conjunto a sua aquisição, bem como a de artigos de higiene e expediente a que possa aplicar-se tal regime, podendo, para tanto, criar um organismo centralizado encarregado de realizar as aquisições e fazer a sua distribuição pelos serviços segundo as necessidades destes.
Art. 15.º Se as possibilidades do Tesouro o permitirem, o Governo estudará a forma de conceder aos pensionistas do Montepio dos Servidores do Estado um subsídio eventual variável com o quantitativo das pensões, mas não superior a 30 por cento, salvo nos casos de pensão inferior a 100$ mensais, em que esta percentagem poderá ser mais elevada.
Art. 16.º Deixará em 1947 de fazer-se o processamento de despesas no regime de despesa excepcional derivada da guerra, salvo para os fins seguintes:
a) Reconstituição económica da colónia de Timor, bem como da sua vida administrativa, militar e financeira, e manutenção nas colónias de forças militares metropolitanas;
b) Manutenção de forças militares extraordinárias aguardando licenciamento ou integração nos quadros normais;
c) Recondicionamento de material de guerra e equipamentos desmobilizados;
d) Transporte de forças desmobilizadas;
e) Despesas do Ministério da Marinha de natureza idêntica às mencionadas nas alíneas anteriores».
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se conjuntamente estes cinco artigos.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 12.º, 13.º, 14.º, 16.º e 16.º
O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão na especialidade da proposta de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
A próxima sessão será na terça-feira 17 do corrente, com a seguinte ordem do dia: debate, na generalidade e na especialidade, da proposta de lei de reorganização dos estabelecimentos fabris dependentes do Ministério da Guerra.
Como a Assembleia só reúne na terça-feira, e como é necessário dar a última redacção à proposta de lei que acaba de ser votada, proponho à Assembleia que dê um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para esse fim.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Em face das manifestações da Assembleia, considero aprovado o voto de confiança. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fausto de Almeida Frazão.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Soares da Fonseca.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Autorização de receitas e despesas para o ano de 1947
Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a cobrar, durante o ano de 1947, os impostos e demais rendimentos do Estado e a obter os outros recursos indispensáveis à sua administração financeira de harmonia com as leis em vigor, aplicando o seu produto às despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado decretado para o mesmo ano.
Art. 2.º É igualmente autorizada a aplicação das receitas próprias dos serviços autónomos à satisfação das despesas dos mesmos serviços, fixadas nos respectivos orçamentos, devidamente aprovados.
Art. 3.º As taxas da contribuição predial no ano de 1947 serão de 10,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre os rendimentos dos prédios rústicos não abrangidos pelos preceitos dos parágrafos deste artigo.
§ 1.º Nos concelhos onde já vigorem matrizes cadastrais a taxa da contribuição predial rústica será de 10 por cento, podendo o Ministro das Finanças reduzi-la até 8,5 por cento, a fim de evitar agravamentos bruscos de tributação.
§ 2.º Continuará a ser de 8,5 por cento a taxa de contribuição predial rústica nos concelhos de Mafra e Mogadouro.
Art. 4.º Manter-se-á no ano de 1947 a cobrança do adicionamento ao imposto sobre as sucessões e doações a que se refere o artigo 2.º do decreto n.º 19:969, de 29 de Junho de 1931, incidindo sobre o valor dos bens
Página 185
16 DE DEZEMBRO DE 1946 185
abrangidos na liquidação do imposto, relativamente a cada beneficiário, as taxas seguintes:
a) Nas transmissões a favor de descendentes
e que em relação a cada um deles não excedam
10.000$...................................... 3 por cento
b) Nas restantes transmissões................ 4 por cento
§ único. O regime do adicionamento a que se refere o corpo deste artigo será revisto quando entre em vigor a reforma prevista pelo § 2.º do artigo 4.º da lei n.º 2:010, de 22 de Dezembro de 1945, acerca da incidência e prazos de pagamento do imposto sobre sucessões e doações.
Art. 5.º Durante o ano de 1947 o valor dos prédios rústicos, para efeitos de liquidação de sisa ou de imposto sobre sucessões e doações, será o valor da matriz acrescido das seguintes percentagens de correcção:
Prédios cujo valor matricial resulte de avaliação:
Anterior a 1 de Janeiro de 1940, 30 por cento.
Posterior a 1 de Janeiro de 1940, 20 por cento.
§ 1.º O valor dos prédios urbanos, para os mesmos efeitos, será em todos os casos o da matriz, acrescido da percentagem de 20 por cento.
§ 2.º Só os contribuintes poderão requerer avaliação, nos termos das leis em vigor, sempre que não se conformem com o valor resultante das correcções estabelecidas no corpo do artigo e seu § 1.º
Art. 6.º Fica o Governo autorizado a manter durante o ano de 1947 os adicionais mencionados no artigo 6.º do decreto n.º 35:423, de 29 de Dezembro de 1940, excluído o n.º 2.º do mesmo artigo, e bem assim a lançar um adicional até 10 por cento sobre as colectas da contribuição predial rústica referentes a prédios cujo rendimento colectável resulte de avaliação anterior a l de Janeiro de 1940.
§ 1.º O adicional referido no corpo deste artigo incidirá igualmente sobre o produto das percentagens cobradas para os corpos administrativos.
§ 2.º É isenta do imposto de turismo a importância total das contas dos doentes internados em sanatórios e casas de saúde.
Art. 7.º O Governo poderá, mediante compensação a obter por actualização de outras taxas da tabela geral do imposto do selo, reduzir a taxa do selo das especialidades farmacêuticas até ao limite em que esta possa considerar-se meramente estatística.
§ único. Os adicionais a que se refere o artigo 6.º deixarão de ser cobrados logo que se proceda à actualização a que se refere o corpo deste artigo.
Art. 8.º Os limites de isenção do imposto profissional estabelecidos no artigo 63.º do decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, elevados posteriormente pelo artigo 2.º do decreto-lei n.º 32:423, de 23 de Novembro de 1942, e pelo artigo 1.º do decreto-lei n.º 34:353, de 30 de Dezembro de 1944, podem ser elevados, respectivamente, no ano de 1947 até 12.000$, 10.800$ e 9.600$.
Art. 9.º Os servidores do Estado e os organismos corporativos e de coordenação económica não poderão criar nem modificar qualquer taxa ou receita de idêntica natureza, de carácter permanente ou temporário, sem prévio despacho de concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer do serviço competente.
Art. 10.º O Governo inscreverá em despesa extraordinária no orçamento de 1947 as verbas necessárias para, de harmonia com os planos aprovados, continuar a promover e realizar obras, melhoramentos públicos e aquisições, nos termos da lei de reconstituição económica, n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935.
§ 1.º Em execução do disposto no corpo deste artigo serão inscritas verbas para os fins seguintes:
a) Obras de fomento económico:
I) Hidráulica agrícola, aproveitamentos hidroeléctricos, no continente e ilhas adjacentes, e regularização de rios e defesa de campos marginais;
II) Portos comerciais e de pesca (2.º fase), aeroportos e aeródromos e farolagem dos Açores;
III) Plano da rede rodoviária do continente e estradas das ilhas adjacentes;
IV) Rede telegráfica e telefónica nacional;
V) Repovoamento florestal, colonização interna e pequenos melhoramentos agrícolas;
VI) Fomento mineiro e de produção e utilização de combustíveis nacionais;
VII) Subsídios para melhoramentos rurais e obras de abastecimento de água às sedes dos concelhos.
VIII) Subsídios para a construção e conclusão das pedes dos caminhos de ferro.
b) Obras de fomento sanitário, cultural e social:
I) Edifícios para as escolas primárias, ampliações e novas instalações para as escolas do ensino técnico profissional e dos liceus;
II) Edifícios universitários, incluindo os hospitais escolares de Lisboa e Porto e plano da cidade universitária de Coimbra;
III) Conclusão da Leprosaria Nacional Rovisco Pais, construções hospitalares, nos termos da lei n.º 2:011. de 2 de Abril de 1946, e construção de centros anti-cancerosos;
IV) Subsídios para a construção de casas económicas e para alojamento de famílias pobres;
V) Construções prisionais.
c) Defesa nacional:
I) Base Naval de Lisboa - obras marítimas e terrestres para a sua instalação;
II) Complemento do rearmamento do exército e marinha - compreendendo as necessárias instalações - e continuação do plano relativo à aviação naval.
d) Outras obras:
I) Edifícios públicos. Conclusão dos edifícios em construção e adaptação, arranjo geral da Praça do Comércio e instalação de serviços públicos;
II) Restauração e reparação de castelos e monumentos nacionais;
III) Trabalhos de urbanização;
IV) Estádio Nacional. Construção do edifício do Instituto Nacional de Educação Física e do hipódromo.
§ 2.º O Governo graduará a distribuição das verbas para os fins do parágrafo anterior, tendo principalmente em atenção a necessidade de dar o maior incremento possível à produção.
Art. 11.º No orçamento para 1947 o Governo inscreverá, em despesa extraordinária, as verbas necessárias para pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral as despesas com os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o decreto-lei n.º 31:975, de 20 de Abril de 1942.
Art. 12.º As construções referidas na alínea c) da base VIII da lei n.º 1:971, de 15 de Junho de 1938, poderão constar de projectos especiais, ainda que não tenham de preceder os trabalhos de arborização.
§ único. Enquanto se não dispuser de cartas na escala fixada na mencionada base viu, podem os projectos de arborização de serras e dunas ser elaborados sobre as cartas da região na maior escala em que estejam publicadas.
Art 13.º Continua o Governo autorizado a atribuir ao residente de S. João Baptista de Ajuda, como vencimento, a quantia que for estabelecida pelo Ministro das Colónias, com o acordo do Ministro das Finanças.
Página 186
186 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 66
Art. 14.º O Governo, pelo Ministério das Finanças, estudará a forma de uniformizar os impressos comuns a todos os serviços do Estado e organizar em conjunto a sua aquisição, bem como a de artigos de higiene e expediente a que possa aplicar-se tal regime, podendo, para tanto, criar um organismo centralizado encarregado de realizar as aquisições e fazer a sua distribuição pelos serviços segundo as necessidades destes.
Art. 15.º Se as possibilidades do Tesouro o permitirem, o Governo estudará a forma de conceder aos pensionistas do Montepio dos Servidores do Estado um subsídio eventual, variável com o quantitativo das pensões, mas não superior a 30 por cento, salvo nos casos de pensão inferior a 100$ mensais, em que esta percentagem poderá ser mais elevada.
Art. 16.º Deixará em 1947 de fazer-se o processamento de despesas no regime de despesa excepcional derivada da guerra, salvo para os fins seguintes:
a) Reconstituição económica da colónia de Timor, bem como da sua vida administrativa, militar e financeira, e manutenção, nas colónias, de forças militares metropolitanas;
6) Manutenção de forças militares extraordinárias aguardando licenciamento ou integração nos quadros normais;
c) Recondicionamento de material de guerra e equipamentos desmobilizados;
d) Transporte de forças desmobilizadas;
e) Despesas do Ministério da Marinha de natureza idêntica às mencionadas nas alíneas anteriores.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 14 de Dezembro de 1946.
Mário de Figueiredo.
António de Sousa Madeira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
José Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA