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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 68
ANO DE 1946 24 DE DEZEMBRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º68 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 18 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovaram-se, com alterações, os n.ºs 65 e 66 do Diário das Sessões. Deu-se, conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Albano de Magalhães, Mendes Correia e Querubim Guimarães, que enviaram para a Mesa requerimentos dirigidos, respectivamente, ao Ministério do Interior, Ministério da Educação Nacional e Ministério da Economia; Froilano do Maio, que as referiu ao futuro estatuto político do Estado da Índia; Alberto de Araújo, que chamou a atenção do Governo para a urgente necessidade de serem abolidas determinadas formalidades respeitantes à concessão de «vistos» nos passaportes dos estrangeiras que visitam a Madeira; Ricardo Durão, que recordou o aniversário da morte do marechal Gomes da Costa, e Carlos Borges, que fez algumas considerações acerca da sua proposta de alteração do imposto de turismo relativamente às contas dos doentes internados em sanatórios e casas de saúde.
Foi autorizado o Sr. Deputado Carvalho Viegas a depor como testemunha no Tribunal Militar Territorial de Lisboa.
Procedeu-se à votação, em escrutínio secreto, quanto à situação parlamentar do Sr. Deputado Craveiro Lopes.
Contados os votos, verificou-se não ter o referido Deputado perdido o seu mandato.
O Sr. Deputado Sá Carneiro usou da palavra para anunciar um projecto de lei, da sua, autoria, do alteração à lei do inquilinato.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei relativa aos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.
Usaram da palavra os Srs. Deputados França Vigon e Ricardo Durão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
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Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 65 e 66 do Diário das Sessões.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma emenda ao Diário das Sessões n.º 66: a p. 175, col. 1.ª, 1. 5.ª, onde se lê: «reprimindo um voto», deve ler-se: «exprimindo um voto».
O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: quero também fazer uma rectificação ao Diário das Sessões n.º 66. No meu discurso, a p. 182, col. 2.ª 1. 54.ª onde se lê: «Também em geral as casernas não se lavam ...», deve ler-se: «Também muitas das vezes há casernas que se não lavam pelo perigo de a água poder estragar o material de guerra que está no pavimento inferior».
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 65:
A p. 159, col. 2.ª, 1. 54.ª, onde se lê: «manifestar», deve ler-se: «manifestou»;
A p. 165, col. 1.ª, respectivamente nas ls. 34.ª, 45.ª, 50.ª e 51.ª saiu «agravados» por «apavorados», «A ou B» por «A mais B», «de» por «dos» e «do dobro» por «ao dobro»;
A p. 163, col. 1.ª falta acrescentar «O Orador» no início do 11.º período, que começa pelas palavras: «Pois muito bem: se...». Na mesma página, col. 2.ª 1. 7.ª saiu «numa meia verdade» por «uma meia verdade»;
A p. 164, col. 1.ª na antepenúltima linha, onde se lê: «unanimidade do Império», deve ler-se: «unidade do Império»;
A p. 165, 1.18,ª onde se lê: «um juro do 1/4 por cento», deve ler-se: «um juro de 1/2 por cento»; e na última linha da mesma página o coluna, onde se lê: «respectivo governo», deve ler-se: «respectivo governador».
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre estes Diários, consisidero-os aprovados com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
De Amélia Matos Viegas pedindo a revisão da lei do inquilinato o a actualização das rendas de casa anteriores à última guerra.
Exposição
De Gaspar Maria Alexandre, em que, aludindo ao facto de existirem centenas de casas destinadas ao exercício do comércio e indústria que estilo arrendadas por simples título particular, sugere que se torne obrigatório reduzir a escritura pública esses títulos, respeitando-se as cláusulas neles contidas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Albano de Magalhães.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Em virtude de portaria de S. Ex.ª o Ministro do Interior publicada no Diário do Governo n.º 296, 2.ª série, de 21 de Dezembro de 1944, fez-se um largo inquérito à Junta Autónoma do Distrito de Ponta Delgada.
O respectivo processo ficou condoído nos fins de Setembro de 1945, ou seja há mais de um ano. Não obstante o espaço de tempo decorrido, desconhecem-se até hoje as conclusões a que chegou o juiz inquiridor, e o despacho, se porventura existe, sobre as mesmas proferido, o que tem permitido lamentáveis equívocos, que são atentatórios do prestígio da verdade e dos direitos da justiça.
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Nestes termos, e ainda porque se torna necessário libertar aquela Junta Autónoma das suspeitas públicas que recaem sobre os seus serviços, proclamando a inocência do todos os seus servidores ou castigando os responsáveis pelas possíveis irregularidades cometidas, roqueiro que me sejam entregues, com urgência, cópias das conclusões do juiz inquiridor e de qualquer despacho posterior nele exarado, se a sua publicação não envolver inconfidência ou constituir segredo de Estado».
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para um requerimento, o Sr. Deputado Mendes Correia.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me seja fornecida a nota das providências adoptadas pela direcção do Teatro Nacional de S. Carlos para assegurar a participação de artistas portugueses na próxima temporada de ópera».
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: palavras breves, palavras concisas, que seria uma falta imperdoável não pronunciar nesta sessão. E a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o meu profundo reconhecimento pela permissão que me concede para hoje mesmo as proferir.
A notícia, publicada ontem pela imprensa vespertina, de que se vai conferir à nossa Índia o estatuto político especial que preconizei no final do meu último discurso e de que o anteprojecto de um estatuto será bordado pelos elementos locais é um facto que carece de ser posto em devido relevo. Constitui ele um marco transcendente da nossa política ultramarina, cuja projecção no futuro, nesta época agitada de aspirações e reivindicações dos povos, espero seja das mais luminosas para um desenvolvimento político natural e pacífico do nosso património nacional.
S. Exa. o Ministro das Colónias, com a arrojada resolução que acaba de tomar, merece um lugar de honra na galeria dos nossos estadistas e intelectuais e faz honra à tradição liberal do povo português, que incarna nesse gesto de largo alcance na política interna e externa de Portugal.
E só tenho motivos «para folgar que seja a pequena Índia - que vos deu no passado as páginas mais imorredouras da nossa história - que no presente momento vos ofereça a oportunidade de demonstrar no Mundo que a mentalidade nacional é progressiva e moderna e está em harmonia com os princípios basilares da Carta do Atlântico, que fundamentalmente norteiam as resoluções das Nações Unidas.
As minhas palavras à visão larga do Sr. Prof. Marcelo Caetano encerram, pois, um triplo sentimento: a gratidão do povo da nossa Índia, o louvor, que a Assembleia Nacional certamente perfilhará e a bênção de todo o povo português, que sem dúvida o aplaude com comovido enternecimento.
É-me grato sublinhar que, se não fora o carinhoso afecto com que as minhas palavras foram acolhidas nesta Câmara, com uma gentileza que nunca esquecerei, elas perder-se-iam talvez no turbilhão inane das coisas mortas. E a vós, meus dignos camaradas, ao vosso acolhimento generoso à minha palavra tosca & ao reflexo que esse acolhimento logrou em toda a imprensa metropolitana e, através dela, no coração amorável do povo português, que a nossa Índia deve neste momento o reconhecimento oficial dos seus direitos!
Seria um crime da minha parte não o atestar publicamente e não exteriorizar a minha gratidão à Câmara nas pessoas dos meus dignos camaradas comandante Quelhas de Lima e Dr. Marques de Carvalho, que tão galhardamente mandaram ao povo da Índia unia moção cheia de amor e de fé.
Sr. Presidente: eu sei que toda a movimentação da nossa vida nacional é regida por um homem, austero, experiente e sabedor, que é o Sr. Prof. Dr. Salazar. Sei mais que são as suas luzes que guiam os seus colaboradores. Perante S. Exa., como o alto expoente da nossa política externa, seja-me, pois, permitido insistir para que a nossa representação em Nova Delhi seja uma realidade o mais depressa possível, porque o problema da nossa Índia se agita primacialmente em volta de dois factores - o problema externo, que o novo estatuto certamente resolverá, e o problema externo, que =o se poderá resolver por uma representação diplomática em Nova Delhi, através do contacto pessoal dos nossos diplomatas com os grandes leaders do pensamento político indiano. As notícias, que ainda ontem recebi de Goa, de que um cônsul do Governo Indiano já prepara a sua sede em Nova Goa são particularmente auspiciosas para unia aproximação diplomática entre 03 dois Governos.
Há ainda um terceiro ponto que o dever me impõe; mas é uma démarche no futuro, para a qual ouso, desde já pedir o apoio dos meus dignos camaradas, uma démarche perante o nosso venerando Presidente da República para que no dia em que se decretar o estatuto político especial para a nossa Índia S. Ex.ª cubra com o manto do seu perdão os desvairados que saíram do caminho do dever, a fim de que nesse dia solene te lance uma esponja de olvido no passado e os goeses que se deixaram infectar pela vaga da loucura que teve guarida em almas transviadas e, por instantes, anormalmente receptivas regressem aos seus lares para viverem em paz à sombra da bandeira igualitária que simboliza a alma portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: ninguém ignora a importância que a indústria de turismo tinha antes da guerra nessa valiosa parcela do nosso Império que é a ilha da Madeira. A benignidade do seu clima, aliada à beleza incomparável dos seus panoramas e aos predicados excepcionais com que a Natureza a dotou, faziam dela, sem dúvida, uma das nossas primeiras e mais afamadas estâncias de turismo.
A grande conflagração mundial, trazendo consigo o afastamento da navegação e a paralisação do turismo, criou uma situação difícil às actividades e às classes mais directamente dependentes do movimento de visitantes.
Já em Fevereiro passado, neste mesmo lugar, tive ensejo de prestar justiça ao Governo pelas medidas então adoptadas o destinadas a atenuar os efeitos desse abalo profundo na vida e na economia da Madeira.
Terminou a guerra há mais de um ano, mas as perdas sofridas pela navegação mundial, as medidas restritivas à saída de numerário tomadas por alguns países e ainda outras circunstâncias económicas gerais, de todos conhecidas, tornaram particularmente difícil o restabelecimento do turismo. Na Madeira basta dizer-se que continuam encerrados os três maiores hotéis, não estando ainda definitivamente fixada a época da sua reabertura.
Foi aquela ilha visitada no principio do mês passado polo primeiro barco em viagem especial de cruzeiro de turismo. Algumas das antigas companhias de navegação começam agora a incluir o Funchal como ponto de escala dos seus navios e para Janeiro anuncia-se a passagem naquele porto do primeiro barco da Union Castle, cuja magnífica e importante frota mercante estabelece
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semanalmente as ligações marítimas entre a Inglaterra e a África do Sul.
A Madeira, que tom orgulho nos seus recursos turísticos o sabe, ao mesmo tempo, quanto eles valem no conjunto da sua economia, aguarda com ansiedade que tomem corpo e vulto estas perspectivas que começam a desenhar-se e que esperamos representem o inicio de um período do ressurgimento do turismo local.
Quero por isso aproveitar este momento para daqui chamar a atenção do Governo para a vantagem de ser abreviado o processo de concessão do visto consular de que precisam os estrangeiros que, em viagem de turismo, desejam visitar o nosso País.
A situação do guerra e a necessidade de defender interesses superiores do Estado obrigaram este a adoptar um sistema apertado, que envolve um certo número de formalidades e consultas, destinado, certamente, a evitar a entrada em Portugal de elementos indesejáveis ou prejudiciais.
Mas, felizmente, a guerra terminou e os grandes centros do turismo internacional ensaiam uma propaganda vistosa dos seus atractivos; ouso, pois, daqui, e interpretando uma legítima aspiração da Madeira, pedir ao Governo que, pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e do Interior, soja ponderado o assunto, por forma a encontrar-se uma solução que permita aos turistas que desejem visitar aquela ilha obterem prontamente o «visto» nos seus passaportes.
Formulo esto podido dentro do espírito construtivo que anima esta Câmara e com aquela confiança com que a Madeira só tem dirigido sempre ao actual Governo da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: desde ontem que penso que não podo nem deve ser esquecido o dia em que morreu o marechal Gomes da Costa.
Pouco antes do 28 de Maio a sua farda esteve em Setúbal, em casa do Sr. Dr. Carlos Botelho Moniz, actual secretário da Junta de Província da Estremadura. Era ali que ele devia fardar-se uma certa noite, com todo o seu estendal aliciante de condecorações, para arrancar daquela cidade à frente do um núcleo de forças constituído apenas por uma reduzida companhia de sapadores do caminhos do ferro, uma bateria de artilharia com quatro peças de 9 centímetros, quase inofensivas, e um pequeno grupo do oficiais de infantaria n.º 11, que não dispunham de uma única metralhadora.
Tínhamos contudo um apoio: uma unidade relativamente poderosa que nos esporava a 50 quilómetros de Setúbal. Essa unidade, porém, alegando razões do lealdade para com o seu comandante, comunicou a tempo a sua renúncia à revolta.
Telefonámos imediatamente para casa do Gomes da Costa: «Não venha, meu general, porque o golpe falhou. A nossa aventura será mais uma tentativa gorada, como o 18 de Abril».
E ele perguntou: «Quantos são vocês?»
«Somos poucos, meu general; já nada podemos fazer».
«Sejam quantos forem» - respondeu ele - «esperem-no aí, porque tem que ser esta noite...».
Não conseguimos convencê-lo. Foi preciso um dos nossos, o tenente Travassos Arnedo, ir pessoalmente ao seu encontro para o demover da sua loucura.
Era assim o general Gomes da Costa! Ele foi porventura a personificação mais curiosa, mais típica da velha bravura portuguesa. Todas as características do seu temperamento, todas as modalidades do sen ser, as suas qualidades, os seus próprios defeitos, desde a lealdade à candura, desde a valentia à rudeza do verbo, tudo nele era antigo e português.
O marechal Gomes da Costa era bom, era bravo, era forte, era fraco e era louco. Louco, sim, dessa loucura devaneadora e romântica que já não é do nosso tempo, dessa loucura divina que iluminava a fronte generosa dos cavaleiros andantes.
A sua personalidade destaca-se em alto relevo sobre a tela da nossa história militar como as figuras atléticas de Miguel Angelo. O seu olhar dominador e sobranceiro, o seu gesto largo e decidido, o seu busto altivo e galhardo, a sua voz vibrante, que reboava como um eco de coração em coração, todos os seus atributos pessoais lhe imprimiam esse cunho eterno de caudilho, esse potencial de sugestão que arrasta cegamente a soldadesca.
O marechal Gomes da Costa toda a sua vida foi soldado, toda a sua vida se bateu e sempre a peito descoberto, entre o silvar das balas, sorrindo.
Na África, em França, através do País, no 28 de Maio, que só foi possível com ele, aparece sempre heróico e belo, como uma reminiscência evocativa do carácter medieval; o há qualquer coisa de lendário na sua espada, como no gládio reluzente de Martim Moniz.
Só lhe faltava morrer como merecia - ao sol da glória, no campo de batalha; morrer como Nelson em Trafalgar, como o conde de Abranches em Alfarrobeira, como d'Artagnan, como Sidónio Pais.
Mas reservou-lhe o destino uma agonia prolongada e estúpida. Um dia, quando alguém se aproximava do sen leito de dor para lhe ministrar qualquer sedativo na hora extrema, ele, acordando subitamente de um colapso, titubeou espantado: «Mas então eu ainda não morri?!».
Não, não morreu ainda, porque o seu nome persiste na saudade imanente dos soldados de Portugal. Não, não morreu ainda, porque a sua lembrança perdura, palpitante e viva, nos nossos corações, como exemplo de um chefe que na hora crítica havemos sempre de encontrar. Não, não morreu ainda, porque, enquanto os nossos inimigos rejubilam, embalados na esperança ilusória de um regabofe iminente, nós continuamos, através de tudo - e apesar de tudo -, no nosso alerta indefectível.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: recebi de várias terras da província, dos sanatórios dispersos por este País, variados telegramas de felicitações e aplausos ao voto da Assembleia Nacional que suprimiu o imposto de turismo relativamente às contas dos doentes internados nos sanatórios e casas do saúde.
Não era meu propósito, Sr. Presidente, referir-me a esses telegramas, que não são para mim e que aliás não mereço, que são para a Assembleia, que com esse voto pôs fim a uma injustiça e praticou um acto meritório. Constou-me, porém, Sr. Presidente, que esta deliberação da Assembleia tem servido de pretexto para crítica dos adversários da situação, que assim pretendem diminuir a obra administrativa do Estado Novo, designadamente os Códigos Administrativos de 1936 e 1940, e desmerecer do talento e da autoridade do seu autor, e, por esse motivo, Sr. Presidente, uso da palavra para dizer a esses críticos que não têm memória, que não se recordam do passado, que não têm presentes os erros que os levaram à expulsão, que o imposto do turismo que aparece nos Códigos de 1936 o 1940 não é obra do Estado Novo, é mesmo muito anterior ao Estado Novo.
Foi a lei n.º 1:152, de 23 de Abril de 1921, que criou as comissões de iniciativa nas estações climatéricas e de altitude, determinando que os seus frequentadores pa-
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gassem uma taxa especial, denominada turismo. Depois, um decreto de 1923 fez a classificação das estações climatéricas e estâncias de altitude e repouso.
Quando se elaborou o Código de 1936 por iniciativa da Inspecção Geral de Finanças inseriram-se no texto da antiga disposição da lei n.º 1:152 as palavras cos internados em sanatórios e casas de repouso» porque se supôs que essa contribuição já tinha caído no consenso geral. Porque se pensou que ela não provocava o reparo do contribuinte deixou-se ficar, mas a responsabilidade da sua origem não pertence nem ao Código de 1936 nem ao Código de 1940. Diz respeito à lei n.º 1:152, de 23 de Abril de 1921, naquele tempo em que os críticos imperavam e faziam as leis.
Era isto que me cumpria esclarecer na Assembleia Nacional.
Pela idade, pelo feitio, pela ausência de ambições, não estou habituado a fazer a corte a ninguém. Também não sou homem de lisonjas; aplaudo em geral com calor, critico em geral com benignidade e sempre com delicadeza.
Assiste-me, portanto, autoridade especial para dizer à Assembleia Nacional que tenho a mais alta consideração, o maior respeito, pela figura política do estadista, do professor, do cidadão que fez os Códigos de 1936 e de 1940 e que a sua autoridade de professor, o seu prestígio de estadista e o seu valor político não são afectados nem diminuídos pelo facto de esta Assembleia não ter concordado com uma disposição do Código que ele muito bem elaborou.
Do resto, devo dizer que quando se discutiram nesta Casa as bases do Código Administrativo tive ensejo de discordar de muitas das suas disposições e critiquei-as com a minha falta de competência, é certo, mas com a minha vontade de acertar.
Não tenho de me arrepender nem tenho de retratar-me das afirmações que então fiz.
O Código Administrativo é uma obra de excepcional valor, mas contém pequenas imperfeições, uma delas que ainda há pouco o nosso colega Sr. Mário de Aguiar procurou remediar ao apresentar o projecto de lei restabelecendo os administradores de concelho.
Seja como for, tenho o prazer de declarar à Assembleia Nacional que o facto de ter proposto a isenção do imposto de turismo e o facto de a Assembleia Nacional ter aprovado a minha proposta não diminui, não afecta, nem o prestígio, nem a proficiência, nem a autoridade política do autor dos Códigos Administrativos, que são obras notáveis, embora, como todas as obras humanas, tenha aqui e ali pequenas imperfeições. E afigura-se-me que ainda não apareceu ninguém neste mundo que fosse capaz de produzir uma obra perfeita, impecável e intangível.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Desejando tanto quanto possível avaliar com segurança do desbaste que têm sofrido as matas nacionais, tanto do Estado como particulares, em virtude da situação anormal da guerra, ou consequência ainda desta, dada a carência de outro combustível para os transportes e para a laboração industrial, roqueiro que, pelo Ministério da Economia, secções próprias, me sejam fornecidos os seguintes elementos de informação:
a) Quanto às matas nacionais - do Estado -, qual o volume de fornecimentos em metros cúbicos de madeira ou esteres de lenha desde os princípios da guerra até
hoje, com a indicação da respectiva proveniência e fins para que se destinaram esses fornecimentos, indicando-se ao mesmo tempo a soma em escudos que esses fornecimentos representam;
b) As quantidades do lenha, em metros cúbicos ou esteres, requisitadas no mesmo período de tempo às matas particulares, indicando-se a proveniência - zona respectiva e localização dos pinhais e eucaliptais -, qual o destino dessas requisições, estações do caminho de ferro servidas e fábricas fornecidas, com a sua localização, número de proprietários que reclamaram contra os cortes e razões apresentadas, indicando-se as que foram deferidas e quais não e respectivos fundamentos e somas em escudos representados nesses fornecimentos e pagos pelos consumidores, designando-se o número dos fornecedores e quantos deles foram os proprietários das matas».
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido do Sr. presidente do Tribunal Militar Territorial de Lisboa, em que pede para ser autorizado o Sr. Deputado Carvalho Viegas a ir depor no mesmo Tribunal no dia 29 do corrente.
A Câmara recusou há dias idêntica autorização, porque o Sr. Deputado Carvalho Viegas estava então interessado no debate em curso na Assembleia. Mas, sendo inteiramente provável que não haja sessão no dia em que aquele Deputado tem de depor, e sendo ele indicado como testemunha de defesa da qual o réu não prescinde, penso que é de conceder a autorização pedida, mas a Câmara, na consulta que lhe vou fazer, resolverá.
Consultada a Câmara sobre se concedia a autorização pedida, resolveu afirmativamente.
O Sr. Presidente: - Sabem V. Ex.ªs que o Sr. Deputado Craveiro Lopes expôs à Câmara a sua situação parlamentar, que lhe foi criada por lhe ter sido confiado um comando militar fora do continente.
A Comissão de Legislação e Redacção foi de parecer que S. Ex.ª não tinha incorrido em facto que envolvesse renúncia ao seu mandato, pois que os comandos militares não podem ser recusados, não havendo portanto aceitação de emprego ou comissão; mas a Câmara decidirá soberanamente.
Está em discussão este parecer.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum de V. Ex.ªs deseja usar da palavra, vai proceder-se à votação por escrutínio secreto.
Procedeu-se à chamada e à votação.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Couto Zagalo e Soares da Fonseca.
Fez-se o escrutínio.
O Sr. Presidente: - Entraram na uma 60 esferas brancas e 13 esferas pretas. Está, portanto, votado que o Sr. Deputado Craveiro Lopes não incorreu em facto que importe renúncia ao seu mandato.
O Sr. Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de me informar se já foi aprovado o Diário das Sessões n.º 65, referente à sessão de 13 do corrente.
O Sr. Presidente: - Esse Diário foi aprovado no início da sessão de hoje.
O Sr. Cancela de Abreu: - Eu não estava presente e tenho a declarar que no original da moção sobre inqui-
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linato urbano apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado, e que foi aprovada naquela sessão, tinha sido suprimida a, frase «que aliás a, lei não permite», que vejo agora reproduzida na segunda conclusão. Fica assim feito o esclarecimento.
O Sr. Presidente: - O Diário a que V. Ex.ª se refere já foi aprovado; mas como as declarações de V. Ex.ª ficarão constando do Diário das Sessões de hoje, isso dá, de certo modo. satisfação aos desejos do V. Ex.ª
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: não vou defender, porque não é esta a oportunidade, o projecto de lei que tive a honra cio mandar para a Mesa versando alguns problemas do inquilinato.
Vou apenas, para tranquilizar os Tinimos que poderiam alarmar-se pelo facto do esto projecto versar um assunto que interessa a quase toda a população portuguesa, dizer, nas linhas gerais, qual a orientação do mesmo projecto, que aliás é apenas ponto de partida para a Assembleia procurar a solução mais justa acerca deste importantíssimo problema.
Não assisti às sessões em que foi votada a lei de meios e só pelo Diário das Sessões tive conhecimento da discussão travada à volta do problema do inquilinato.
Vi, porém, que a Assembleia votou a moção apresentada por alguns ilustres colegas, e de que é primeiro signatário o Sr. Deputado Melo Machado preconizando como urgente a solução de alguns aspectos mais graves da questão do inquilinato.
A Assembleia, podia assumir ante ele uma de doas atitudes: ou deixar ao Governo a promulgação de um código de locação, ou algum Deputado tomar a iniciativa do apresentar um projecto que, embora modesto nas suas aspirações, resolva os casos mais urgentes.
O Governo na organização daquele código terá de considerar a importância extraordinária que hoje assume a ocação dos imobiliários.
Será um código de algumas centenas de artigos, que levará, porventura, anos a confeccionar, e a Assembleia jamais poderia discutir no curto prazo de que dispõe um projecto dessa envergadura.
Por outro lado, a questão do inquilinato não deve tentar demasiadamente um grande estadista como é o Sr. Ministro da Justiça.
Recordo-me do nos tempos heróicos da revolução e da luta, em que, aliás, não participei, ter existido um jornal - O Portugal - em que escreveram alguns Srs. Deputados que me escutam. Nele colaborou também o Dr. Manuel Rodrigues, que aí traçou o perfil do juiz Taborda. que todos nós estamos a ver com o sen chapelinho redondo e bigodes à Kaiser. Mostrando absoluta incompreensão ante as grandes reformas feitas e as que estavam em preparação, o juiz Taborda terminava a sua arenga, perguntando: «Porque não se reforma a lei do inquilinato»?
Esse fecho revela o desprezo que Manuel Rodrigues votava ao assunto, que teve do aflorar anos volvidos, ao publicar o decreto-lei n.º 22:601, do 13 de Junho de 1933.
O projecto que apresentei não prejudicará, antes visa a facilitar a elaboração do código das locações.
Devo declarar desde já que no meu projecto há um artigo, o 22.º, segundo o qual os seus preceitos não se aplicarão às questões pendentes, isto para sossego dos que pudessem pensar que havia o propósito de resolver qualquer pleito em curso.
A economia do projecto pode sintetizar-se deste modo:
1.º O contrato verbal do arrendamento de prédios urbanos passa a ser válido independentemente da prova da imputabilidade da parte da falta de documento.
No regime actual a validade dos arrendamentos verbais dependia das contingências da prova.
Igualam-se agora, por esse aspecto, os arrendamentos urbanos e os rústicos, em relação aos quais não se têm notado inconvenientes na admissão do arrendamento verbal.
E a garantia de o contrato escrito só por título de igual força ser alterado constituirá incentivo para o senhorio outorgar contrato escrito.
O Sr. Carlos Borges: - E os arrendamentos comerciais são sujeitos a escritura ou não?
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Sá Carneiro, segundo o Regimento, apenas pode fazer uma breve apresentação do seu projecto, e não largas considerações sobre ele.
O Orador: - Eu serei breve, Sr. Presidente; desejo, porém, em resposta ao ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Borges, esclarecer que os novos arrendamentos comerciais ou industriais estão sujeitos a escritura, tal qual como no regime actual; os primários perderão efeito verbalmente.
2.º Dispensa-se a intervenção de todos os comproprietários no arrendamento de prédio indiviso.
3.º Resolvem-se casos de caducidade de arrendamento por cessação de usufruto ou do termo da administração de bens alheios, dando-se à passagem de recibo pelo proprietário efeito renunciativo.
4.º A renda passa a ser, em principio, o rendimento colectável ilíquido do prédio, mas o arrendatário pode recusar-se a pagá-la, com o fundamento de não ter meios para os satisfazer ou de ele ser excessivo.
Reconhece que este ponto é o crucial do problema. Em princípio o senhorio pode exigir ao arrendatário como aumento de renda o duodécimo do rendimento colectável ilíquido do prédio. Mas esse aumento não se efectiva se o arrendatário não concordar com ele. E pode não concordar por dois motivos: ou por declarar que não tem bens para pagar, ou por reputar esse duodécimo renda excessiva. No primeiro caso o senhorio tem de fazer a prova de que ele pode pagar, e, se a fizer nessa altura, o inquilino paga, embora sem despejo. Se não fizer essa prova, o senhorio receberá, quando for possível, por um fundo que crio no meu projecto, a diferença da renda.
É claro que se pode dizer que esse fundo é platónico. Mas é menos platónico do que o fundo criado para a construção de casas económicas tal como foi concebido pelo decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928.
Pode ainda o senhorio promover à avaliação do prédio no caso de entender que esse duodécimo é remuneração insuficiente.
5.º Estabelecem-se normas sobre sublocações, algumas inovadoras e outras interpretativas, no sentido da moção a que já me referi.
Mas restringem-se, neste caso como noutros, os direitos dos senhorios, em benefício do fundo destinado a compensar aqueles que não possam cobrar o aumento da renda por insuficiência de meios dos arrendatários.
6.º Amplia-se ao arrendatário da habitação o direito de preferência que a lei actual confere ao de comércio ou indústria.
7.º Restabelecem-se as acções de despejo, com excepção das destinadas a fazer terminar o arrendamento no fim do prazo do contrato, a qual só é admitida em casos excepcionais.
8.º Exceptuam-se as acções de despejo das regras das alçadas, igualando-se desse modo os senhorios e os arrendatários quanto a recursos.
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Um dos votos da moção foi justamente esse. A questão podia ser resolvida de duas formas: ou pela revogação pura e simples do artigo 5.º do decreto n.º 10:774, de 19 de Maio de 1925, ou isentando os processos de despesa das regras das alçadas. Optei por este sistema em face do recente decreto sobre alçadas, pois, doutro modo, rara seria a questão do inquilinato que subiria ao Supremo.
9.º Regulam-se as notificações de depósitos de renda, assunto acerca do qual a jurisprudência era vária.
10.º Conferem-se aos arrendatários de estabelecimentos comerciais ou industriais instalados em prédios rústicos os mesmos direitos que têm os de prédios urbanos.
Houve um ponto que não abordei: o relativo à simplificação dos processos, porque me pareceu que melhor poderia ser resolvido, numa lei geral sobre o contrato de locação e em reforma do Código de Processo Civil.
O Sr. Presidente: - Vai baixar à Câmara Corporativa e depois à Comissão de Legislação e Redacção e à Comissão de Economia.
O Orador: - V. Ex.ª dá-mo licença? Desejo ainda dizer que, depois do exposto e da moção votada, era lógico que eu requeresse a urgência; não a roqueiro, todavia, para que não se cuide que tenho o propósito de contribuir para uma solução precipitada do assunto, que a Assembleia tem de resolver após madura reflexão e que - estou certo disto - resolverá com acerto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei acerca dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.
Tem a palavra o Sr. Deputado França Vigon.
O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna para tomar parte na discussão da proposta relativa aos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra entendo que, primeiro que tudo, deve ser corrigido o pensamento final do relatório que precede a proposta de lei apresentada a esta Assembleia. Tal correcção é dever de consciência que não pode passar despercebido aos que aqui desempenham o mandato da representação nacional.
Mau grado o meu desejo de nada emendar, tudo impõe a obrigação de discordar das últimas palavras desse relatório - sérias, cheias de isenção, magoadas talvez, mas, paradoxalmente no caso presente, injustas.
Permito-me, portanto, concitar o espírito que tem inspirado sempre as nossas atitudes nesta Assembleia para se tributar a justiça que o Governo parece duvidar que se faça, quando o seu merecimento é indiscutido e a oportunidade insubstituível.
Escreveu-se na parte final do referido relatório o seguinte:
O esforço que foi necessário realizar para se chegar a este resultado, as preocupações de administração postas em jogo, as dificuldades vencidas, os atritos que foi imperioso remover e, por outro lado, a dedicação, zelo e intransigente espírito de honestidade no trabalho e de perseverança na disciplina que foi possível encontrar no pessoal dirigente e dirigido que aqui gasta a sua vida não podem ser relatados na presente proposta nem constituiriam assunto próprio para ocupar a atenção da Assembleia dos representantes da Nação. E, porque representa trabalho sério, esforço obstinado em servir a colectividade sem alardes que o valorizem no arraial da insatisfação ou da incredulidade, gasto de energias, somatório de inquietações que se sente fartamente premiado com a consciência do dever cumprido, com a certeza de que se traduz numa melhor utilidade para a comunidade dos portugueses, não será jamais relatado nem sobre ele virão a recair as atenções de estudiosos ou as reticências dos mal-dizentes.
Saídas, na maior parte dos casos, de uma situação caótica quanto a equipamento fabril, posição financeira, disciplina, produtividade e rendimento do trabalho, as fábricas militares aí estão com apetrechamento e condições de rendimento que fazem honra à indústria nacional, situação desafogada na tesouraria e nos armazéns, exemplo de ordem nas contas e no trabalho que não deslustra a administração do Estado num período fulgurante da sua existência.
Isto, porém, não pode passar no todo sem contestação.
Não é de aceitar que sobre o trabalho sério de que resultou a recuperação nacional dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra não venham a recair as atenções dos estudiosos. Também não será certo que o não manchem as reticências dos mal-dizentes. Antas se quer crer que a maledicência o colha, vareje e torture. Mas mais alguma coisa sucederá também. E essa é que, compenetrados dos seu deveres de representantes da Nação, os homens desta Casa, falando por alguns milhões de portugueses espalhados pelas cinco partes do Mundo, medem a obra feita há uns tantos anos nas nossas desconhecidas oficinas militares e sentem orgulho em proclamá-la excelente entre as mais úteis para o bem comum e das mais valiosas na defesa da nossa posição perante o Mundo inteiro.
Não. A voz dos Deputados da Nação não se apaga com o desalento que parece irradiar das magoadas palavras que acabei de ler.
A voz desses homens proclama primeiro que tudo o reconhecimento ao Governo, ao Ministério da Guerra, aos dirigentes e aos dirigidos das suas fábricas; o reconhecimento do País pelo trabalho destas no rearmamento do exército, e sobretudo pelo seu trabalho nos negros anos de guerra, que há pouco findaram. Proclama o reconhecimento do zelo, da dedicação, do espírito intransigente de honestidade no trabalho e de perseverança na disciplina que levou as fábricas militares do caos em que viviam à posição exemplar em que se encontram hoje. Proclama o gasto de saúde, de vidas, de todos os que têm labutado nessas casas de indústria do Estado e as têm alevantado como unidades de trabalho úteis. Proclama o mérito dos seus operários e, cheia de legítimo orgulho, designa em primeiro lugar com este honroso título os seus dois primeiros e mais esforçados e mais cumpridores e mais sacrificados operários: Salazar e Santos Costa.
Isto se impunha afirmar como correcção respeitosa do que se leu há pouco no preâmbulo da proposta de lei.
É agora, Sr. Presidente, a altura de alguma coisa dizer acerca da proposta de lei no aspecto económico-social.
Impressiona, antes de mais, o extremo cuidado que foi posto na sua elaboração para respeito dos princípios enunciados na Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional.
Invadidos o Mundo e as economias de muitos países, mesmo os mais proclamadamente democráticos e
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liberais, pela onda de socialização das actividades económicas, conturbado por vezes o nosso pelas queixas da exagerada intervenção do Estado, a presente proposta de lei marca um rumo exacto com desassombro que importa reconhecer: o Estado só intervém nessas actividades na medida era que o bem comum o exige. No caso presente a sua insuficiência ou inconveniente utilização para os fins da defesa nacional constituem o motivo de que melhor serviço obterá o bem comum pelo exercício, até certo ponto, por parte do Estado de uma produção que não devia ficar entregue à indústria particular.
Mas, sendo assim, o Estado, ao fazê-lo, coloca-se na posição desta e assume idênticos encargos.
Nenhuma correcção, creio, há a fazer no critério. Antes todo o louvor lhe é devido.
Da sua aplicação, porém, resulta imediatamente que ele deve ser aplicado em todas as consequências, ressalvados os casos em que o não consentir a natureza especial desta actividade do Estado.
Em resumo:
O relatório e a proposta de lei reafirmam princípios de política económica expressos na Constituição e no Estatuto do Trabalho Nacional, limitando a acção dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra no campo económico nacional (base II).
O relatório defende, e bem, e a proposta estabelece a regra de que aqueles estabelecimentos «vivem em regime de industrialização e se regulam pelos princípios e normas que regem a actividade das empresas privadas» (bases VII e XIII).
Assim, verifica-se: decorre naturalmente para o campo da empresa privada a política da mão-de-obra dos estabelecimentos fabris.
Estão em inteiro acordo com estes princípios as seguintes considerações do relatório, a p. 478 do Diário das Sessões:
Por outro lado, todas as parcimónias são poucas no que respeita à fixação dos quadros do pessoal permanente, que deve, quer quanto à mão-de-obra especializada, quer no que se refere ao pessoal de administração, limitar-se ao indispensável para garantir o enquadramento e a condução técnica da massa de pessoal eventual a manter ao serviço, variável com a soma de trabalho a executar. Pessoal dos quadros pouco numeroso, mas muito competente, disciplinado, diligente e profissionalmente bem habilitado, deve ser a regra fundamental a atender.
Outra preocupação dominante será a de evitar a existência de pessoal inactivo. Quando uma oficina não tem trabalho forçoso é encerrá-la, empregando noutra o pessoal que não puder ser despedido ou mesmo deslocando-o transitoriamente para outro estabelecimento cujas condições momentâneas de trabalho permitam a absorção eventual da mão-de-obra que noutros abunda ou se mantém imobilizada.
Daqui o disposto nas bases XIV e seguintes, donde resulta a seguinte classificação de pessoal e definição da sua Situação profissional:
Pessoal militar.
Pessoal civil:
Do quadro permanente:
1. Pessoal administrativo (incluindo o de saúde e enfermagem e o menor) - provido por contrato.
2. Técnico - provido por contrato.
3. Fabril de categoria igual ou superior a operário - provido por contrato.
4. Ajudantes de desenhador, apontadores, serventes, aprendizes - provido por assalariamento.
Do quadro eventual - provido por assalariamento.
Quanto à rescisão do contrato de trabalho, determina-se:
1. Que os contratos- sejam rescindidos pelo Ministro da Guerra quando as conveniências do serviço ou da disciplina o exigirem, apenas com as restrições neles previstas (base XVI, 4.ª parte);
2. Que os contratos do pessoal assalariado (porque contratos são também) possam ser rescindidos livremente pela direcção do estabelecimento (base XVI, 4.ª parte).
Quanto a remuneração do trabalho, resulta da proposta de lei:
1. Que os vencimentos do pessoal obedecerão às normas previstas para o funcionalismo público, tendo, porém, em atenção os salários pagos pela indústria particular (base XVII, 1.ª parte);
2. Que os vencimentos do pessoal dirigente e da administração serão fixados pelos Ministros da Guerra e das Finanças (base XVII, 2.ª parte);
3. Que a remuneração da mão-de-obra será fixada pelo Ministro da Guerra e Subsecretário de Estado das Corporações (base XVII, 2.ª parte).
Tudo isto é corrente com o sistema de funcionamento dos estabelecimentos fabris no regime de empresas privadas, encontrando-se assim o pessoal civil sujeito às regras gerais das relações entre entidades patronais e trabalhadores, reguladas, em princípio, na lei do contrato de trabalho.
Tudo isto é coerente com o sistema de funcionamento relatório acerca da situação financeira dos estabelecimentos fabris, quando se diz (fl. 478, n.º 9, do Diário das Sessões):
Através de um modelo uniforme de escrita fácil é verificar quão desafogada é a actual situação financeira dos estabelecimentos fabris, quão sorridentes são as expectativas, como todos se encontram apetrechados para resistir a uma crise que porventura venha a atingi-los se um menor movimento de trabalho lhes for imposto.
Quer dizer:
O Estado, pessoa de bem, não deve eximir-se a encargos idênticos aos das empresas privadas quando exerça as actividades a que elas poderiam entregar-se e a situação dele, Estado, permita assumi-los, como no caso da exploração dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.
O contrário seria concorrer com essas empresas no sentido de obter um maior lucro industrial à custa de no que se refere à remuneração do trabalho.
Parece-me, porém, que o Estado, no caso presente, pode ir mais longe não adoptando este critério apenas no que se refere à remuneração do trabalho.
Estou convencido de que é consentâneo com o pensamento do Governo e harmónico com o regime proposto por este, consentâneo com a natureza e fins dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, e nem sequer mais grave nas suas consequências de ordem financeira, ir-se um pouco mais longe na aplicação desse pensamento e desse regime.
E, assim, parece-me que, no que respeita à situação do pessoal fabril, se poderá determinar que o seu regime de trabalho terá como condições mínimas as estabelecidas na legislação geral do «contrato de trabalho por que se regem as empresas privadas.
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O Estado será, assim, o primeiro a dar o exemplo de sujeição àquilo que impõe nos particulares como condições mínimas da ordem social para o exercício das actividades industriais, quando ele, Estado, tenha de as exercer por razões do bem comum, a cujas exigências não se furta.
Sr. Presidente: na mesma ordem de pensamentos que venho expondo falta apenas sabor em que medida se prevê a protecção destes trabalhadores no quadro da previdência social.
A proposta de lei estabelece que o pessoal civil gozará das regalias previstas na lei de aposentação ou reforma, prevendo também a constituição de um fundo de assistência destinado ao tratamento na doença e à protecção e assistência ao pessoal feminino na gravidez e durante a criação dos filhos até u idade de quatro anos (bases XIV e XIX).
Não é fácil, em vista do conteúdo desta disposição, concluir-se se o regime preconizado é o dos funcionários públicos ou se o dos trabalhadores das empresas privadas instituído pela lei n.º 1:884.
É legítimo, porém, supor que se pretende adoptar o primeiro, visto que na proposta de lei se considerou o tratamento na doença como uma modalidade de assistência independente do respectivo subsídio, cujo pagamento não se consigna.
Se é como parece, convém anotar a circunstância ilógica de se terem considerado os estabelecimentos fabris como empresas privadas para o efeito da exploração e do recrutamento da mão-de-obra, eximindo-os dessa qualidade e libertando-os dos respectivos encargos sociais estabelecidos por lei para tais empresas em matéria de previdência.
A verdade é, porém, que o aspecto financeiro dos encargos não justifica tal solução, uma vez que o relatório da proposta é concludente no que respeita à desafogada situação financeira dos estabelecimentos, tal como se verifica na passagem há pouco lida e nas contas juntas ao relatório.
E vem a propósito notar que outro tanto se não pode dizer acerca da situação das actividades industriais privadas vivendo muitas vezes em situação financeira débil, o que não as isenta dos encargos legais para a previdência do seu pessoal.
Sr. Presidente: pode parecer que a previdência do pessoal civil dos estabelecimentos fabris ficaria assegurada por uma instituição da 4.ª categoria da lei n.º 1:884, ou seja a das instituições privativas do funcionalismo público, civil ou militar, e do mais pessoal servidor do Estado e dos corpos administrativos.
Mas não é assim.
Em primeiro lugar deve notar-se o facto de a própria lei declarar expressamente que as instituições desta categoria serão integradas gradualmente no plano do previdência social que ao Estado incumbe estabelecer.
Em segundo lugar, a mesma lei apenas reconhece como instituições dessa categoria as existentes à data da sua publicação.
Por isso se tem de concluir e se tem concluído que a lei n.º 1:884 não autoriza a criação de novas instituições obrigatórias do pessoal ao serviço do Estado.
Não é ocioso notar que ainda recentemente o Sr. Ministro das Finanças esclareceu quanto aos profissionais não considerados funcionários públicos ao serviço da Emissora Nacional que esta era, no que respeita u organização da previdência desses profissionais, uma entidade patronal sujeita aos encargos gerais estabelecidos.
Mais alguma coisa é necessário dizer ainda a este respeito.
O problema da previdência destes trabalhadores requer uma atenção especial, que resulta de várias circunstâncias patentes na presente proposta de lei: em primeiro lugar a política de recrutamento da mão-de-obra, fazendo prever que a maior parte do pessoal será de assalariados eventuais; depois a previsão do despedimento livre e frequente destes, consequência da exploração económica em regime de empresa privada, e que resultará das grandes variações na necessidade de mais ou menos mão-de-obra.
Se o pessoal pertencesse à Caixa Geral de Aposentações, que apenas concede as modalidades de reforma por invalidez ou velhice, visto não se encontrar organizada actuarialmente, ver-se-ia prejudicado pela impossibilidade de transferência das reservas matemáticas respectivas no caso de despedimento.
Assim, o trabalhador despedido dos estabelecimentos fabris e que passasse a trabalhar numa empresa privada perderia os direitos resultantes das contribuições já pagas, em muitos anos que fosse, e ficaria, assim, em situação de manifesta e injusta inferioridade.
Acresce que a inscrição na Caixa Geral de Aposentações inibiria o pessoal de estar defendido dos riscos de morte e doença, que esta Caixa não cobre.
A previsão de frequentes despedimentos dos assalariados e a impossibilidade de transferência das reservas matemáticas se eles pertencessem à Caixa Geral de Aposentações aconselham, pois, a organização da previdência do pessoal civil dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra em bases actuariais e numa instituição com o esquema geral previsto para o das empresas privadas.
O que se disse quanto à organização da previdência aproveita de certo modo ao abono de família, sem necessidade de repetir argumentos, muitos dos quais se aplicam semelhantemente.
O esquema de previdência de que tenho falado seria o seguinte:
Doença:
Subsídio correspondente a dois terços do ordenado ou salário durante os primeiros noventa dias de doença e metade do mesmo ordenado ou salário durante os cento e oitenta dias seguintes, com o período de garantia de um ano.
Reformas:
Pensão de invalidez aos beneficiários cujo primeiro desconto tenha sido feito antes dos 55 anos de idade e que tenham contribuído durante, pelo menos, dez anos. O quantitativo desta pensão seria correspondente a 2 por cento do ordenado ou salário por cada ano de contribuição, até ao limite máximo de 80 por cento.
Pensão de velhice a todos os beneficiários a partir dos 65 anos de idade, desde que tenham contribuído durante, pelo menos, dez anos. O seu quantitativo seria também correspondente a 2 por cento do ordenado ou salário por cada ano de contribuição, até ao limite de 80 por cento.
Subsídio por morte: o correspondente a seis meses do ordenado ou salário do beneficiário falecido, com período de garantia de três anos.
Abono de família: o do regime do decreto-lei n.º 33:513.
Assistência:
Assistência médica;
Assistência farmacêutica;
Melhoria de pensões;
Pensões a velhos e inválidos antes do prazo de garantia.
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Não é a presente lei o instrumento próprio para consignar este esquema. Possivelmente convirá para o eleito o seu regulamento.
Mas há manifesta conveniência em que ele fique aí claramente consignado, a fim do evitar dúvidas futuras quanto às contribuições necessárias, a calcular actuarialmente para o efeito.
Deve ainda notar-se que na lei n»o se faz referência aos direitos já adquiridos pelos trabalhadores actualmente em serviço.
É de admitir que assim suceda, por se tratar de um diploma com disposições genéricas. Só o seu regulamento poderá atender a situações especiais, depois de sobre elas incidir o necessário estudo.
Mas parece-me indiscutível, quanto à sua justiça e conveniência social, a garantia desses direitos. Em matéria de previdência torna-se necessária para o efeito a constituição das reservas matemáticas suficientes para cobrirem, no esquema que já expus, uma retroacção de idades à data da admissão ao serviço dos estabelecimentos fabris. A medida tem especial interesse se se verificar a existência de muitos profissionais com mais de 50 anos de idade ainda e desde há muito ao serviço dos estabelecimentos fabris.
A resolução deste problema deverá, porém, depender do estudo técnico a fazer na altura da elaboração do regulamento da presente lei.
Sr. Presidente: eis as considerações que me foram sugeridas pelo estudo da presente proposta de lei.
Ao fazê-las na Assembleia Nacional animam-mo apenas dois fins:
Primeiro, o de contribuir para a obra de justiça social do Estado Novo, de que é honroso padrão esta proposta trazida pelo Governo à Assembleia; depois, o intuito de colaborar com o Governo no sentido em que me parece dever sempre fazê-lo a representação nacional que nesta Casa nos compete.
Tenho, pois, a honra de entregar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a proposta resultante de quanto acabo de dizer.
Tenho dito.
Vozes! - Muito bem, muito bem!
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez a esta tribuna tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações como membro da Assembleia Nacional, a que V. Ex.ª tem presidido com aprumo e galhardia inexcedíveis, o ainda como membro de outra corporação em louvor da qual V. Ex.ª proferiu há poucos dias estas palavras reconfortantes: «Saudemos a força armada nacional, cuja abnegada dedicação é uma alta licito de patriotismo».
Espero, portanto, que a proposta de lei que vai ser posta em discussão mereça iguais louvores de V. Ex.ª e da digna Câmara, sobretudo pela clareza com que é redigida-clareza de linguagem, de conceitos e de intenções.
Se todos os diplomas emanados do Executivo e, com mais frequência ainda, do Judicial fossem assim tão claros o tão explícitos não haveria decretos duvidosos, não haveria lugar para perplexidades indesejáveis ou pata lucubrações jurídicas abstractas, confusas, tenebrosas, na interpretação das leis.
Mas, antes que V. Ex.ª me chame à ordem, vou passar da hermenêutica à técnica.
A parte técnica tem de ser sempre exposta na primeira pessoa do plural, porque adiante de mim está a Comissão de Defesa Nacional.
Comecemos pela análise dos considerandos que precedem as bases do projecto - análise sintética e sucinta, porquanto se afirma nesses considerandos, e é certo, que as disposições essenciais da proposta se justificam por si próprias, dispensando, mesmo para pessoas pouco familiarizadas com problemas desta natureza, orna ampla explicação. As ideias que a inspiram derivam directamente da Constituição e do Estatuto do Trabalho Nacional.
Enunciam-se de antemão os postulados que a informam e conclui-se, de uma maneira geral, que o Estado desiste do concorrer no ramo económico com a actividade particular, desejando apenas fabricar os produtos necessários às munições de guerra e à satisfação das suas necessidades de carácter estritamente militar. Prova-se em seguida, com larga cópia de argumentos, a necessidade e a conveniência de coordenar a organização dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, não RO em benefício do exército, pela satisfação das suas necessidades, como também em proveito da colectividade, pela constituição e aperfeiçoamento dos seus quadros técnicos.
É, como disse, e muito bem, o Sr. Deputado Antunes Guimarães, uma proposta que desvenda novos ramos, uma proposta com reflexos salutares na vida económica da Nação.
Lembro também que na generalidade dos casos a proposta do lei agora submetida à decisão da Assembleia Nacional representa a confirmação da situação já posta em prática em cumprimento de determinações sucessivas da Administração, situação que convém sancionar legalmente no estatuto-base da nossa instituição militar.
Verifica-se portanto que a proposta foi nitidamente inspirada e realizada em consequência da guerra.
Depois de declarar que a orientação do Governo é de considerar a industria militar como um meio e não como um fim, rejeita o princípio de existência de um conselho de administração único para todos os estabelecimentos, subordinando-os à jurisdição do Ministro por intermédio da Administração Geral do Exército, e dá maiores poderes ao órgão do fiscalização, que fica assim em condições de rectificar todas as anomalias. Mostra como é desafogada a situação dás fábricas, cujos encargos subiram a 34:000 contos em 1934, faz às mais rasgadas considerações sobre o zelo e dedicação do pessoal que trabalha nas fábricas e termina com as palavras que acabámos de ouvir no princípio do discurso do Sr. Deputado França Vigon.
Passando agora às bases da proposta, tenho a honra de enviar para a Mesa as propostas de alteração apresentadas pela Comissão de Defesa Nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para usar da palavra sobre a discussão na generalidade desta proposta.
Estão na Mesa várias propostas de alteração, que vão ser lidas à Câmara.
Foram lidas. São as seguintes:
«BASE I (Substituição)
Segundo o parecer da Câmara Corporativa.
BASE II (Alteração)
Na 2.ª linha: Não podem em geral concorrer...
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BASE III (Alteração)
§ 1.º Segando o parecer da Câmara Corporativa; apenas na alínea d) da mesma alteração se acrescente: salvo, em qualquer caso, o que respeita aos órgãos motores.
BASE III (Substituição)
§ 2.º Segando o parecer da Câmara Corporativa.
BASE III (Alteração)
§ 3.º Redacção do último período: Enquanto o mercado não for devidamente abastecido de pólvoras químicas pela indústria particular nacional pode a fábrica estadar e preparar as fórmulas mais adequadas à realização desse abastecimento, e sempre poderá lançar no consumo público os subprodutos da sua laboração, nos limites do estritamente necessário ao seu aproveitamento económico.
BASE III (Alteração)
§ 5.º, alínea a), 4.º linha: e à reparação dos órgãos motores...
Alínea b): ao fabrico e reparação do material.
BASE III (Alteração)
§ 8.º Corta-se na 2.ª linha do último período a palavra livre.
O Redactor da Comissão de Defesa Nacional, Ricardo Malhou Durão».
«BASE IV
Proponho a seguinte redacção para o último período da base IV:
Os estabelecimentos fabris previstos nesta proposta de lei podem ainda ser aproveitados para a organização de cursos técnicos e estágios de engenheiros, mecânicos, artífices e mais especialistas das forças militares e também dos indivíduos sujeitos a mobilização extraordinária, nos termos da base XVIII.
O Deputado João Antunes Guimarães».
«BASE VI (Alteração)
Na 2.ª linha: por circunstâncias particulares devidamente...
BASE XX (Substituição)
Segundo o parecer da Câmara Corporativa.
O Relator da Comissão de Defesa Nacional, Ricardo Malhou Durão».
«Proponho que às bases da proposta de lei n.º 68 se acrescente a seguinte, com igual ou mais conveniente redação:
BASE...
As condições do regime de trabalho nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra não poderão ser inferiores às estabelecidas na legislação geral sobre contrato do trabalho por que se regem as empresas privadas.
Mais proponho que a base XIX tenha a seguinte ou equivalente redacção:
O pessoal civil dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra beneficiará do esquema normal de previdência estabelecido nas instituições do previdência da segunda das categorias previstas na lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1930, e bem assim do regime de abono de família fixado no decreto-lei 11.º 33:512, de 29 de Janeiro de 1944.
Os estabelecimentos fabris e pessoal civil ao seu serviço concorrerão, nos termos da lei, com a contribuição necessária determinada actuarialmente, não podendo a comparticipação do pessoal exceder 5 por cento dos vencimentos auferidos.
O Deputado Manuel França Vigon».
O Sr. Presidente: - Em virtude do elevado número de propostas de alteração apresentadas, sobretudo em razão da proposta do Sr. Deputado Dr. França Vigon, de todas a mais complexa, é inconveniente abrir-se o debate na especialidade sem que as propostas apresentadas baixem às respectivas comissões.
Considero, portanto, encerrado o debate na generalidade, iniciando-se o debate na especialidade na próxima sessão, que será no dia 8 de Janeiro de 1947.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Artur Proença Duarte.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João de Espregueira da Rocha Paris.
Jorge Botelho Moniz.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Querubim do Vale Guimarães.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António de Sousa Madeira Pinto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Gosta.
Camilo de Morais Bernardas Pereira.
Fausto de Almeida Frazão.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alçada Guimarães.
José Penalva Franco Frazão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Mário Borges.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Rui de Andrade.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
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Projecto de lei enviado para a Meta na sessão de hoje pelo Sr. Deputado Sá Carneiro:
Artigo 1.º O contrato verbal de arrendamento de prédios urbanos produz efeitos jurídicos.
§ 1.º Exceptuam-se do disposto neste artigo e constarão obrigatoriamente de escritura pública, para que tenham existência jurídica:
1.º Os arrendamentos sujeitos a registo;
2.º Os arrendamentos de prédios onde há menos de um ano tenha existido estabelecimento comercial ou industrial.
§ 2.º Continuam em vigor as disposições referentes aos arrendamentos de pequeno valor, quando os contraentes queiram outorgar contrato escrito.
§ 3.º Subsistem igualmente as disposições fiscais impostas aos senhorios, considerando-se substituída a obrigação de remeterem um exemplar selado do contrato a secção de finanças nos casos em que o arrendamento não seja reduzido a escrito pela participação do senhorio, que nela aporá o selo do arrendamento.
§ 4.º Sendo o contrato reduzido a escrito, nenhuma modificação do mesmo terá eficácia quando não seja feita por documento de igual força e serão inaplicáveis a esses arrendamentos os §§ 6.º e 8.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924.
Art. 2.º O consentimento dos comproprietários de prédio indiviso feito para o arrendamento por um ou alguns deles considera-se dado desde que os não intervenientes recebam a sua quota-parte nas rendas ou manifestem doutro modo o seu acordo ao arrendamento.
Art. 3.º O proprietário do prédio que tenha sido dado de arrendamento pelo usufrutuário pode, terminado o usufruto, pedir o despejo com base na caducidade do arrendamento.
§ 1.º Todavia se aquele proprietário receber alguma renda e passar recibo, perde o direito que este artigo lhe confere.
§ 2.º O disposto neste artigo e seu § 1.º aplica-se a todos os casos de arrendamentos feitos por administradores de bens alheios.
Art. 4.º O direito ao arrendamento não se comunica ao cônjuge do arrendatário.
§ 1.º Transmite-se, porém, ao viúvo se na data da morte do inquilino os dois não estiverem separados de pessoas e bens ou de facto.
§ 2.º O direito ao arrendamento também se transmite, na falia do cônjuge, aos filhos maiores que residam com o primitivo arrendatário no ano anterior à morte dele, sendo aplicável a esta hipótese o § 1.º do artigo 3.º
§ 3.º Nos casos em que o senhorio tem o direito de pedir a declaração de caducidade por morte do arrendatário as pessoas de família que com ele habitassem no ano anterior e para as quais não se transmita o direito de arrendamento têm direito de preferência no novo arrendamento.
§ 4.º Para efectivação desse direito, o proprietário dará conhecimento às, pessoas a que se refere o parágrafo anterior da melhor oferta que tenha para o arrendamento do prédio, por meio de notificação judicial, devendo os ocupantes do prédio declarar, no prazo de dez dias, se aceitam as cláusulas mencionadas pelo proprietário, sob pena, de se entender que não aceitam o arrendamento e do o senhorio ter o direito de obter imediatamente o despejo, pelo processo dos artigos 986.º e 987.º do Código de Processo Civil.
§ 5.º O proprietário que requeira o despejo do prédio com base na caducidade do arrendamento por morte do arrendatário e que o dê de arrendamento dentro do prazo de cinco anos sem oferecer o direito de preferência aos ocupantes, ou que o arrende por forma diversa da participada aos mesmos, pagará multa correspondente ao triplo do rendimento colectável líquido anual do prédio, a qual será imposta pela secção de finanças onde o prédio estiver inscrito, mediante participação de qualquer pessoa, e que reverterá para um fundo destinado a indemnizar os senhorios cujos arrendatários não possam pagar o aumento da renda estabelecido nesta lei.
Art. 5.º A partir da vigência da presente lei, o senhorio pode reclamar como renda mensal o duodécimo do rendimento colectável ilíquido do prédio.
§ 1.º Se o arrendamento tiver por objecto dependências cujo rendimento colectável não esteja destrinçado, o direito facultado por este artigo será efectivado após a destrinça feita na secção de finanças respectiva, a requerimento do senhorio.
§ 2.º O aumento das rendas permitido neste artigo não depende de notificação judicial quando o arrendatário concorde em pagá-lo e o dito aumento conste dos recibos.
De contrário, o senhorio tem de exigi-lo por meio de notificação judicial.
§ 3.º No acto de notificar o arrendatário, o oficial de justiça perguntar-lhe-á se concorda com o aumento, consignando-se na certidão a resposta dada.
O arrendatário pode rectificar a sua resposta por carta registada com aviso de recepção dirigida ao senhorio nas quarenta e oito horas posteriores à noticação.
§ 4.º A exigência do duodécimo não se efectivará se o arrendatário alegar que a sua situação material não lhe permite pagar essa renda.
§ 5.º O senhorio pode demandar o arrendatário para o convencer de que ele está em condições de pagar a renda exigida.
§ 6.º Se o juiz julgar, no todo ou em parte, procedente a acção, condenará o arrendatário a pagar as diferenças de rendas desde a notificação, sem que este procedimento dele constitua motivo de despejo, e condenará ainda o arrendatário em multa, que fixará no seu prudente arbítrio e que reverterá para o fundo a que se refere o § 5.º do artigo 4.º
§ 7.º Se o juiz julgar, no todo ou em parte, improcedente a acção, o senhorio será indemnizado das diferenças da renda pelo dito fundo, no todo ou rateadamente, consoante a situação desse fundo.
Art. 6.º O arrendatário pode não concordar com o aumento da renda, alegando que a mesma é excessiva, e, nesse caso, o aumento não se efectivará desde logo.
Art. 7.º Ao senhorio é também lícito, sem prejuízo da exigência imediata do duodécimo, reclamar do arrendatário renda superior àquele, com o fundamento de o duodécimo constituir remuneração exígua.
Art. 8.º Nos casos a que se referem os dois artigos anteriores o senhorio pode requerer a avaliação fiscal do prédio, sendo a renda, a partir da notificação, a correspondente ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido rectificado.
Art. 9.º A sublocação de prédios urbanos caduca com a rescisão do arrendamento, mesmo nos casos em que aquela produza efeito em relação ao senhorio.
Art. 10.º A cláusula permissiva da sublocação não dispensa a notificação desta, a qual tem de ser requerida no prazo de quinze dias, sob pena de não produzir efeitos se o senhorio não consentir especialmente na sublocação ou não reconhecer o sublocatário, sendo irrelevante o simples conhecimento de o prédio ter sido sublocado.
Art. 11.º A autorização da sublocação, seja qual for a data do contrato, não priva o senhorio do direito de fixar livremente a renda, salvo se houver renunciado, por escrito, ao exercício desse direito.
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§ 1.º O arrendatário não pode alegar abuso de direito por parte do senhorio e terá de pagar a renda reclamada se não abandonar o prédio no fim do período vigente na data da exigência.
§ 2.º Se o arrendamento se renovar com a nova renda, o arrendatário pagará ao senhorio a renda anterior, acrescida de 25 por cento, depositando o restante, sob pena de despejo imediato, para o fundo a que se refere o § 5.º do artigo 4.º
Art. 12.º O senhorio do prédio parcialmente sublocado pode receber as rendas directamente dos sublocatários, que passarão a ser reputados arrendatários directos, considerando-se rescindida a sublocação.
§ 1.º Neste caso o senhorio terá de depositar ate ao fim de cada mês, para o fundo mencionado, a quantia que tiver cobrado além da renda que pagou o arrendatário, acrescida de 25 por cento.
§ 2.º O senhorio que não cumpra essa obrigação pagará como multa o triplo da quantia que devia ter depositado, sendo essa multa imposta nos termos do § 5.º do artigo 4.º
Art. 13.º Quando a sublocação seja total e o senhorio deseje conservar os sublocatários, é aplicável o disposto no artigo anterior.
Art. 14.º Presume-se que há sublocação ou cessão do direito ao arrendamento quando, durante mais de um mês, resida com o arrendatário pessoa que não vivesse com ele à data do contrato e que não seja descendente ou ascendente dele.
Art. 15.º O recebimento de chave pelo sublocador do prédio arrendado para habitação continuará a ser punido nos termos do artigo 110.º do decreto n.º 5:411, mas o dobro da quantia recebida não será restituído ao sublocatário e reverte para o fundo mencionado.
Art. 16.º O principal locatário de prédio urbano arrendado para habitação ou para comércio ou indústria tem direito de preferência na venda, particular ou judicial, do prédio, sendo esse direito graduado em último lugar na escala das preferências.
§ 1.º Se o principal arrendatário não quiser usar desse direito, competirá o mesmo aos outros, por ordem decrescente das rendas.
§ 2.º Sendo a venda judicial, todos os arrendatários serão citados para assistirem aos termos do processo, sob pena de nulidade.
§ 3.º Não terá o direito de preferência o arrendatário que haja sublocado, total ou parcialmente, o prédio, nem aquele que há mais de um ano não resida permanentemente no prédio nem explore aí comércio ou indústria.
Art. 17.º Consideram-se revogados a partir da vigência desta lei os preceitos limitativos da acção de despejo de prédios urbanos.
§ 1.º Subsiste, porém, a proibição de requerer o despejo para o fim do prazo de arrendamento, com as seguintes excepções:
1.ª Nos casos em que a lei faculta actualmente a mesma acção, esclarecendo-se que, no caso de o arrendatário não residir permanentemente no prédio, não é preciso que viva noutra casa, arrendada ou própria;
2.ª Ter o prédio sido sublocado na vigência deste diploma;
3.ª Não ser o arrendamento para habitação ou para comércio ou indústria;
4.ª Necessitar o senhorio da casa para sua habitação ou para a de seus ascendentes ou descendentes. O senhorio que, tendo usado desta faculdade, dê o prédio de arrendamento nos cinco anos posteriores ao despejo pagará multa equivalente ao rendimento colectável de três anos, a qual reverterá para o fundo referido e será imposta nos termos do § 5.º do artigo 4.º
§ 2.º Quando se decrete o despejo de repartição pública, estabelecimento de assistência hospitalar, associação desportiva ou recreativa ou de organismo corporativo ou de coordenação económica, o juiz fixará um prazo razoável, não excedente a seis meses, para a desocupação.
Art. 18.º A notificação do depósito de renda é facultativa, considerando-se equivalente a ela a junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito com a contestação da acção de despejo baseada em falta de pagamento de renda.
§ único. Se o senhorio impugnar o depósito na resposta, o arrendatário pode, no prazo de cinco dias, responder por seu turno.
Art. 19.º Intentada a acção de despejo por falta de pagamento de renda, o arrendatário pode, até execução da sentença de despejo, pôr termo definitivo ao processo desde que cumpra as obrigações do § 1.º deste artigo, mostrando ter depositado o triplo das rendas em cuja falta de pagamento a acção se funde e das vencidas durante ela, sem necessidade de notificação.
§ 1.º Neste caso o arrendatário pagará as custas do processo e a verba de procuradoria que o juiz fixe, bem como as despesas de levantamento do depósito; não satisfazendo qualquer dessas verbas, será passado mandado para o despejo.
§ 2.º É lícito ao arrendatário fazer o pagamento voluntário do triplo de qualquer renda que não tenha pago, por sua culpa, no prazo do depósito.
§ 3.º Se o senhorio se recusar a receber o triplo, o arrendatário pode efectuar o depósito de harmonia com o artigo 993.º do Código de Processo Civil e requerer a notificação ao senhorio no prazo de cinco dias, discutindo-se nesse processo apenas o facto do oferecimento do triplo.
§ 4.º O arrendatário tem a faculdade de no prazo da contestação, fazer o depósito condicional do triplo das rendas cuja falta de pagamento sirva de fundamento à acção. Se esta for julgada improcedente, o senhorio será pago, pelas forças desse depósito e até onde chegue, das rendas simples em dívida, devendo o arrendatário, quando a quantia depositada não chegue, efectuar, no prazo que o juiz fixe, o depósito do que faltar para pagamento das rendas simples, sob pena de despejo imediato. Procedendo a acção, o senhorio levantará o triplo das rendas vencidas quando da propositará da acção e as rendas simples que o arrendatário deve ter depositado ou que depositará no prazo estabelecido pelo juiz, sob a cominação de despejo.
Art. 20.º Esta lei e os anteriores diplomas reguladores do inquilinato urbano aplicam-se também aos arrendamentos de prédios rústicos onde funcionem estabelecimentos comerciais ou industriais, nos termos do artigo 1.º da lei n.º 1:503.
Art. 21.º Os contratos mistos de arrendamento e aluguer reputar-se-ão, para todos os efeitos, de arrendamento, sendo considerada renda tudo o que o locatário pagar.
Art. 22.º Os preceitos da presente lei não se aplicam às acções pendentes em 18 de Dezembro de 1946.
O Deputado José Gualberto de Sá Carneiro.
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212 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 68
RECTIFICAÇÃO
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Por ter saído com inexactidão, novamente se publica o texto do artigo 9.º da proposta de lei para autorização de receitas e despesas para o ano de 1947, que é o seguinte:
Art. 9.º Os serviços do Estado e os organismos corporativos e de coordenação económica não poderão criar nem modificar qualquer taxa ou receita de idêntica natureza, de carácter permanente ou temporário, sem prévio despacho de concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer do serviço competente.
Lisboa e Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 23 de Dezenbro de 1946. - O Presidente, Mário de Figueiredo.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA