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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74
ANO DE 1947 17 DE JANEIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 74 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mo Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às l5 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovou-se, o n.º 72 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Henrique, Galvão requereu a convocação da Comissão de Colónias Já Assembleia Nacional para expor a questão do indigenato.
Usou da palavra o Sr. Deputado Botelho Moais, que se referiu: ao problema dos abastecimentos, reservando-se para mais largas considerações quando for apresentado um aviso prévio sobre esta mataria; a uma portaria e a um despacho do Ministro das Finanças sobre determinado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, despacho e portaria acerca dos quais requereu esclarecimentos ao Ministério das Finanças, e ainda sobre, explicações, dada pelo Ministério das Obras Públicas quanto às condições acústicas da sala das sessões da Assembleia Nacional.
O Sr. Deputado Figueiroa Rego usou da palavra para apresentar um aviso prévio sobre o problema das lãs.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na generalidade, do aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris sobre a crise dos municípios.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo Machado, Mário Madeira, Pedro Cymbron e Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 8 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Rocha Paris.
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João Garcia, Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 72.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero aprovado esse Diário.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama .
«Excelência. - Em representação dos alunos Instituto Comercial do Porto, ousamos submeter apreciação de V. Ex.ª e Ex.mos Deputados algumas considerações que a nossa posição de estudantes e profissionais nos sugeriu: a) rogamos inclusão ciclo preparatório de um curso prático dactilografia, 2.º ano, e de língua francesa; mais pedimos que caligrafia não seja suprimida. Como indica parecer da Câmara Corporativa, antes seja ministrada nos dois anos em duas aulas semanais. Dispensamos de argumentar a tal respeito, dado o carácter geral destas disciplinas e correlativa vantagem seu conhecimento em qualquer ramo de actividade. Damos nosso inteiro aplauso estrutura do ensino técnico complementar aprendizagem e mestrança, lembrando premente necessidade da legislação profissional, sem o que incorrerá em palavras sem ficção; b)deseja-mos que nosso curso médio de comércio continue ser ministrado em quatro anos de estudos, pois não compreendemos como se poderão obter resultados satisfatórios dado facto lê actualmente nossas aulas ocuparem cinco, seis e sete horas por dia. Acresce ainda importante factor de actual curso de contabilistas não incluir estudos contabilidade pública, administrativa e corporativa, planificações contabilísticas e peritagens - estatística; legislação civil, administrativa e industrial; legislação do trabalho e. outras de carácter geral consideradas de imprescindível domínio para uma completa formação profissional a altura das responsabilidade» imputadas nossa profissão. Não compreendemos a razão por que se vai reduzir um curso que de há mais de vinte anos foi fixado em quatro num momento em que se renova o direito dos diplomados ao magistério - e muito bem - nas escolas técnicas elementares. A redução para três anos faz supor uma maior acumulação de horas aulas contraproducente para um estabelecimento de ensino que é frequentado também por indivíduos que trabalham e vêem-se ocupados com uma média de cinco e seis horas por dia, além das seis de trabalho normal escritórios. (Esperamos sinceramente a compreensão destes inconvenientes de ordem pedagógica e sanitária. 2) Traduz uma esclarecida visão do problema em foco criação curso habilitatório para profissão de correspondente em quatro anos de estudo, dado o elevado número raparigas.
Passa de uma centena que frequentam o nosso Instituto. Aproveitamos oportunidade para pedir criação curso em três anos de química comercial para o desempenho funções, de analista ou verificador. Já que abordamos a questão, com mágoa lembramos que o Deputado Sr. Doutor Prof. Mendes Correia tenha pedido há tempo que os lugares de verificadores das alfândegas, pouco concorridos pelos indivíduos curso superior, pudessem ser ocupados pelos funcionários, esquecendo diplomados com cursos médios em que há cinco cadeiras de físico-químicas. Sugerimos a vantagem criar um curso em três anos de especialização tecnográfica e publicitária, destinada» uma formação capaz de (professores de caligrafia, estenografia, dactilografia e arte comercial; a elevada percentagem de alunos muito beneficiaria com este novo curso, assim como ensino elementar. 3) Dada a usurpação que tem sido feita ao nosso titulo de contabilistas, sugerimos que aos diplomados com qualquer dos custos propostos seja dado o título de agentes técnicos de administração. Necessariamente criar-se-ia o título de agente técnico de agronomia em substituição do de regente agrícola. Aos indivíduos que concluíssem os quatro cursos médios seria dada a licenciatura em comércio, no presente inexistente no País. Correlativamente a todos os indivíduos com os três cursos-base dos institutos industriais seria dado o título de engenheiro industrial, também inexistente. A comissão respeitosamente cumprimenta e agradece á V. Ex.ª - Manuel Rodrigues de Paiva, Adílio Dias da Costa, António de Sousa Couto, António Viegas de Barros, Armindo Teixeira de Morais, Maria Judite Cabral, Deolinda Costa, Humberto Ramos, Joaquim Fernandes da Silva, José Teles, David Cavalcanti Moreira.
Representação
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Pela segunda vez, em menos de um ano, o problema das lãs nacionais, nos seus aspectos industrial e pecuário, foi tratado na Assembleia Nacional da ilustre presidência de V. Ex.ª: em 23 de Março de 1946 e em 3 de Janeiro deste ano.
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Como, para além do inquérito da comissão parlamentar, a que preside o insigne Prof. Doutor Mário de Figueiredo, foi agora solicitado por um membro dessa comissão novo inquérito à actividade dos organismos representativos dos interesses em causa, desde já devemos afirmar sem o menor receio, que o desejamos, certos de um completo esclarecimento que tudo reponha em seu devido lugar.
Na parte que nos coube na defesa do interesse público e na dos interesses que, por vontade expressa dos industriais, nos estão confiados, cumprimos o melhor que podemos e sabemos.
No entanto, e para facilitar esse estudo, temos a honra de submeter à alta consideração de V. Ex.ª o seguinte:
a) A importação e a exportação das lãs estão reguladas pelas «portarias n.ºs 11:197 e 11:566 e para que uma e outra se realizem basta apenas a prévia licença da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
b) Os industriais realizam as compras segundo as suas necessidades e conforme a sua previsão quanto à oscilação dos preços no mercado externo, sendo ainda circunstancia ponderante na sua decisão o nível dos preços no mercado interno. Se estes são altos, a indústria defende-se naturalmente da exigência dos produtores e comerciantes de lã, adquirindo no estrangeiro matéria-prima que reputa melhor e mais barata.
A curva dos preços no mercado interno revela-nos que o quilograma da lã merina valia em 1939 17$ e em 1940 60$; revela-nos mais que a lã do Cabo e da Austrália em 1939 valia 27$ e em 1946 43$60. O ritmo da alta, como se observa, não sofre termo de comparação. Mas, se pusermos em paralelo os preços da lã nacional e estrangeira nos anos de 1930, 19:37 o 1939 anos em que os valores económicos se determinavam pela lei da oferta e da procura, verificamos que a lã nacional se cotava por menos 60 por cento do que a lã estrangeira. Assim, 1 quilograma de lã nacional, que não deveria, custar presentemente mais de 27$20, custa, todavia, 60$.
Como podia a indústria deixar de considerar os preços do mercado interno para ?e determinar no volume das suas compras no estrangeiro?
Devemos observar que a indústria, se não tivesse; de ter em conta as possibilidades económicas do consumidor, só conviria, como é óbvio, trabalhar com matérias-primas de alto preço, porquanto as suas percentagens de lucro incidem sobre o valor total do produto manufacturado. Mas a indústria, na sua própria defesa, tem de utilizar matérias-primas que se ofereçam a preços acessíveis para que possa manter o ritmo das suas vendas ao nível das exigências crescentes do mercado. Só assim, evita, o retraimento do consumidor, contribuindo, por esta forma, para a elevação do nível de vida da nossa gente. É
precisamente devido ao alto preço das lãs nacionais que o trabalhador dos nossos campos tem de pagar 1 metro de surrobeco ou casimira cardada a preços sensivelmente iguais aos que pagam as classes abastadas pelos melhores tecidos de lã estrangeira. Se a lã no mercado interno tivesse o preço que resultaria do livre jogo dos valores económicos, o tecido fabricado com lã nacional custaria menos 30 por cento. E, se concedermos que a lã nacional satisfaz a 50 por cento das necessidades da indústria, teremos que da totalidade dos tecidos produzidos (600:000 contos) a metade correspondente a aplicação da lã nacional deveria ter sofrido uma redução de 90:000 contos. Foi esta elevada quantia, acrescida do lucro do comércio, a arrancada à economia do consumidor em 1945!
Deve dizer-se, em abono da verdade, que só em 1946 (e até 30 do mês de Julho) se praticou uma política aberta de protecção, sobrecarregando cada quilograma de lã importada em 4$ e 2$ (conforme o seu estado de lavada ou suja), destinados à constituição de um fundo especial da Junta Nacional dos Produtos Pecuários para evitar a quebra brusca dos preços da lã nacional.
c) Esta não pode deixar de cotar-se de acordo com o seu valor de utilização. Manter-lhe um preço artificial seria condenável, por contrariar o interesse público. Assim o reconheceu o ilustre presidente da Junta Nacional dos Produtos Pecuários em circular que dirigiu aos representantes da lavoura em 6 de Dezembro de 1945, ao comunicar-lhes que era impossível satisfazer os seus desejos de aumento de preço.
Dessa circular transcrevemos os seus n.ºs 4.º, 5.º e 6.º:
4.º A produção nacional não conseguiu nunca, não .obstante os progressos realizados, satisfazer, em qualidade e quantidade, as necessidades do consumo, pelo que se recorreu sempre à importação. Nestas condições, torna-se difícil, senão impossível, evitar os reflexos dos preços do mercado internacional sobre o preço da lã de produção nacional.
5.º Durante a guerra, e mais por falta de transportes e execução do bloqueio, foi possível manter a lã nacional ao abrigo de qualquer concorrência e, portanto, melhorar o seu preço até onde o desequilibrado mercado interno actuou como único regulador.
Tornava-se bem claro que essas excepcionais condições; seriam radicalmente afectadas pela normalização do mercado internacional, a menos que fosse possível defender posições anormais, eleva não a protecção pautai para além do razoável.
6.º A política de protecção pautal não é viável nem defensável. Não é viável porque, independentemente da reacção dos países compradores dos nossos produtos de exportação, a nossa posição credora não permite ao Governo recorrer às pautas aduaneiras para defender a posição excepcionalmente alcançada pelas lãs de produção nacional.
Esta situação de facto é, por enquanto, irremovível. Portanto, a política de protecção pautai é inviável.
E indefensável porque a entrega de matéria-prima a indústria a preços bastante superiores aos do mercado internacional pode criar a esta condições de não aguentar concorrência dos tecidos estrangeiros. E já este seria um grande motivo de ponderação.
Considere-se agora que a carestia na matéria-prima leva à carestia do produto acabado e, portanto, ao sacrifício económico do consumidor, Temos assim um novo motivo, e este mais grave ainda, para se não considerar a política de protecção pautai.
De resto, é necessário encorar a normalização dos preços e salários e não deve contrariar-se essa tendência e necessidade por uma política artificial insustentável e das mais profundas e catastróficas consequências de ordem política, económica e social.
Portanto, a política proposta -constituição de um fundo de estabilização conseguido por meio de taxas administrativas é a única possível e a que, dentro do condicionalismo actual, evitará à lavoura sacrifícios incomportáveis.
d} Não há oficialmente conhecimento de existências de lã em poder dos produtores. A Junta Nacional dos Produtos Pecuários, entre cerca de 264:000 produtores, só um pequeno produtor se lhe dirigiu pedindo in-
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dicações sobre a maneira de colocar rapidamente a lã de sua produção.
A que existe está de posse dos comerciantes. Se até hoje a não colocaram, não é porque não seja necessária ao consumo da indústria. Verifica-se até uma grande necessidade dessa matéria-prima, mas há impossibilidade de obtê-la a preços suportáveis pela indústria o pelo consumidor. E que os negociantes pedem pela lã nacional lavada e pela penteada preços superiores ao da lã australiana, depois de pagos todos os encargos (aberturas de crédito, portes, seguros, direitos aduaneiros, taxa para a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, comissões, etc.). E agora refira-se que não há termo de comparação quanto à sua qualidade e toque e que 1 quilograma de lã nacional da melhor qualidade dá, na mais favorável das hipóteses, 45:000 a 50:000 metros de fio, enquanto que com a lã australiana se produzem 75:000 a 80:000 metros.
e) Também não são justas as considerações produzidas sobre especulação.
O Governo, reconhecendo talvez a dificuldade de estabelecer o princípio da requisição, por se tratar de um produto cujo valor real varia em razão da qualidade e rendimento em lavado, adoptou o regime de estabelecer anualmente uma tabela de preços, mandando ouvir os representantes da produção e da indústria. Essa tabela acusa as seguintes alterações: 27$, em 1940; 38$, em 1941; 38$94, em 1942; 44$, em 1943$; 46$60, em 1944, e 49$30, em 1945.
A tabela de 1945 não pôde vigorar devido à manifesta resistência dos produtores. A indústria teve de aceitar, como encargo seu, uma sobretaxa de 3$ por quilograma, e, assim, a lã passou a ser adquirida aos comerciantes a 52$30. Como ainda persistisse a resistência especulativa de muitos dos grandes produtores, teve de ser adquirida directamente por uma comissão delegada dos Grémios dos Industriais de Lanifícios.
Esta comissão comprou-lhes 426:623 quilogramas.
Pelos preços que imperiosamente se pagaram a merina branca ficou à indústria entre 59$40 e 67$85 cada quilograma. Foram beneficiários destes altos preços 141 produtores.
Em 1946, restabelecido o mercado livre pela portaria n.º 11:197, as lãs merinas foram adquiridas, em mediu, a 60$ o quilograma. Nesse ano a lã do Cabo, apesar de pagar uma sobretaxa para a Junta Nacional dos Produtos Pecuários de 5$80 por quilograma, em lavado, até 31 de Julho, e apesar de todos os encargos de importação já atrás referidos, ficou à indústria a 55$ cada quilograma.
f) Mas, não obstante o que acabamos de afirmar sobre os preços da lã nacional, é indispensável saber-se que os industriais não podem entrar no cômputo dos preços dos tecidos com a lã nacional merina por preço superior a 49$30, preço da tabela em 1945. A indústria tem assim de arrostar com a desmedida ambição dos vendedores, suportando um encargo que, de justiça, pertenceria ao consumidor, dado que se não levantaram entraves à sua acção, manifestamente perigosa.
Sobre isto não são legítimas quaisquer dúvidas. Se, todavia, as houvesse, encontrará a Assembleia Nacional entre os seus membros um ilustre Deputado, que, pela sua função de presidente da comissão de fiscalização de tecidos, poderá depor acerca dos preços de utilização da lã nacional.
Com manifesto sacrifício e na defesa dos interesses do consumidor, ainda há dias a direcção da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios teve de punir com a multa de 100.000$ uma empresa que vendeu fio ao preço resultante do custo real da lã nacional, mas superior ao disciplinarmente admitido. Outras multas foram ainda aplicadas aos compradores desse fio.
No entanto, apesar da violência, a preocupação de defender o nível médio dos preços dos tecidos levou-nos àquele extremo. A indústria sujeita-se, assim, a um sacrifício material e até moral que talvez não encontre paralelo em qualquer sector da economia nacional.
g) A importação não prejudicou a venda da lã nacional, pois nunca, como agora, a indústria teve tanta necessidade dela para a lotar com a do Cabo, de fibra mais curta, dando por isso tecidos moles e quebradiços. Foram os preços que atingiu na campanha de 1946 que concorreram para acelerar o ritmo daquela. Acrescente-se a contracção dos preços imposta pelo tabelamento e ainda o necessário regresso ao nível de fabrico anterior à guerra e concluir-se-á que o industrial não podia pagar o penteado nacional a 75$ quando o tinha, das melhores qualidades de lã estrangeira, a 68$90 e a 70$.
A imobilização de algumas quantidades de lãs nacionais é consequência das ilusões dos que as pagaram por todo o preço, confiando na rarefacção da importação ou na alteração da política anteriormente iniciada pelo Governo e que possibilitou o ressurgimento da indústria.
h) Mais uma vez se traz à colação o problema da modernização das instalações. Todos observam que a indústria fabrica tecidos com as melhores lãs do Cabo e da Austrália. Se assim é, porque se fala na necessidade de a modernizar para trabalhar as lãs nacionais?
Poderá a técnica dai-lhes qual idades que não possuem, como seja o toque e a finesse?
No fundo da questão das lãs só existo um problema o uma finalidade: o de evitar a queda do seu preço. Este é, porém, da competência do Governo. Se se quiserem melhorar as condições de vida da população, não há dúvida de que a lã tem de baixar, e baixará, forçosamente, quaisquer que sejam os artificialismos praticados para sustentar o actual nível de preços.
i) Também se trouxe à discussão a instalação de uma nova fábrica de penteação de lã, prevista no despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria de 17 de Dezembro de 1946.
A decisão tomada era a única viável, já porque à economia nacional interessa que se tire o devido rendimento de maquinismos existentes no País, que valem muitos milhares de contos, e dos quais, pelo menos, 50 por cento são de construção mais recente que aqueles que se encontram instalados na única fábrica em laboração, já porque tal empresa poderá vir a laborar dentro de poucos meses. Se não se tivesse optado por esta solução, qualquer outra nova empresa só poderia vir a laborar, na melhor das hipóteses, daqui a quatro anos. Não era possível esperar mais, e, afinal, vai-se voluntariamente para a concentração recomendada pela Assembleia Nacional, sem necessidade de recorrer à imposição prevista na lei.
Afirma-se, para de uma vez se pôr termo a menos justificadas interpretações, que idêntica solução já foi defendida em 1941 pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, contrariando o pedido pendente de um industrial agremiado; pela Comissão Reorganizadora da Indústria de Lanifícios, da presidência do Ex.mo Sr. engenheiro José Queirós de Vaz Guedes; perfilhada pelo Ex.ma Sr. engenheiro José do Nascimento Ferreira Dias, quando Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, e defendida pelo Conselho Superior da Indústria em diversas oportunidades. Quer dizer, todas as pessoas com conhecimento dos problemas industriais que, por dever de função, tiveram de se pronunciar chegaram sempre à mesma solução. Certamente que não se cuidou de outros que não fossem os superiores interesses da Nação. E, se os industriais, em princípio, optam pela Covilhã como o
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lugar mais indicado pura a instalação da nova fábrica, é porque tem motivos decisivos a determiná-los.
O do transporte das lãs é secundário, porquanto o que mais há a ter em conta é a qualidade e a abundância de água, o custo da força motriz, a preparação técnica do pessoal e os locais de consumo. Na decisão deste aspecto do problema só pode ser legitimamente ouvida a opinião daqueles que têm de defender a exploração económica da empresa, e esses, em momento oportuno, apresentarão a quem do direito os motivos justificados da sua pretensão.
j) Não há importação desnecessária nem intempestiva. A indústria, antes da guerra, quando o seu ritmo de laboração estava muito longe de atingir o máximo, importava anualmente, em média, 3.500:000 quilogramas de lã em vários estados (peso bruto).
A política então seguida e o bloqueio impediram que a indústria de 1939 a 1944 deixasse de importar 12.600:000 quilogramas.
Esta diminuição de importação teve um reflexo catastrófico na laboração, pois as fábricas ficaram privadas da fonte principal do seu abastecimento.
Só com o mercado devidamente abastecido, cobrindo as necessidades do consumo, se consegue evitar com eficácia a alta dos preços e dominar a especulação.
Não há possibilidade nem nunca a houve de subordinar uma indústria de transformação à compra obrigatória de uma matéria-prima, em bruto, quando a consome já seleccionada e lavada.
Insuficiente na quantidade, variável no valor de utilização e de rendimento e, no seu conjunto, de baixo nível qualitativo, a lã nacional encontra-se na posse de 264:000 produtores, o que torna impraticável a compra directa pela indústria e dificulta a sua própria recolha para efeitos de comércio e lavagem. Obrigada a consumir ou a pagar uma matéria-prima que em dado momento pode não interessar à sua exploração pelo preço ou pela qualidade, ninguém pensa certamente que seria possível garantir às fábricas o consumo do tecido acabado. O que é possível em produtos alimentares não o é em artigos de vestuário, pois em matéria tão caprichosa e delicada intervêm factores de natureza individual.
Em 1945 importaram-se 2:300:000 quilogramas de lã em bruto, menos 1.200:000 do que anteriormente a 1939, e em 1946 os números apurados de Janeiro a Novembro revelam uma importação de 7.980:000 quilogramas em bruto.
Só quem desconhecesse as necessidades e os imperativos da laboração quando há a compensar um deficit e a refazer as existências de um mercado exausto poderia afirmar ser excessiva a importação realizada.
Desta (7.980:000) pouco mais do dobro da normal -, 2.500:000, pelo menos, foram, destinados à penteação, que durante a guerra esteve a trabalhar, em grande parte, lãs impróprias para o pente.
A penteação exige características de finesse, elasticidade e resistência que a lã nacional só possui em percentagem mínima.
A cardação, principal consumidora das lãs nacionais, tem sido esquecida nas referências que a produção costuma fazer ao problema. Apenas se referem os 75:000 fusos de penteado, como se fossem os únicos susceptíveis de consumir os 6.300:000 quilogramas da produção interna.
Mas a cardação tem instalados cerca de 100:000 fusos, e em 1945 trabalhou 8.200:000 quilogramas de lã e outras fibras, dos quais pertencem à lã 6.200:000. Anote-se que dos 6.300:000 quilogramas da produção nacional adquirida a lavoura, segundo os documentos oficiais da campanha de 1944, ha, pelo menos, 2.500:000 de churra. Da restante só metade poderá ser aproveitada para o pente, não por deficiência de aparelhagem ou por atraso técnico, mas por carência de qualidades específicas da matéria-prima.
Assim, abatendo aos 6.300:000 quilogramas os 2.500:000 de churra, a produção nacional fica reduzida a 3.800:000 de lã «utilizável para vestuário» - distinção estabelecida pelos serviços técnicos da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, u que, em relação a 10.000:000 de quilogramas (consumo provável de .1946), não chega a representar 40 por cento.
As importações de 1945 e 1946 foram de 10.284:000, que, acrescidos dos 7.600:000 de Jus nacionais utilizáveis para vestuário, totalizam 17.884:000. O consumo de 1945 foi de 6.000:000 e o de 1946 aumentou em cerca de 35 por cento, ou sejam 8.100:000 quilogramas. Deduzida a diferença, encontramos um stock de 3.764:000.
Se considerarmos que o stock normal da indústria é representado pela totalidade do consumo de um ano, teremos de concluir que a actual existência não só não traz desafogo para as crescentes necessidades da laboração, como ainda está longe de permitir a constituição das reservas habituais.
k) A indústria teve o cuidado de não dar preferência às lãs estrangeiras sobre as nacionais para efeitos de penteação.
Com efeito, na Empresa Nacional de Penteação de Lãs, Limitada, entraram em 1946, para serem transformados, 1.247:000 quilogramas de lã nacional e 3.083:000 de estrangeira. Daquela foram transformados 1.057:000 (84,74 por cento) e da estrangeira 2.391:000 (77,58 por cento).
l) Para terminar, algumas considerações sobre os lucros da indústria de lanifícios:
1.º Talvez não exista tabelamento mais rigoroso do que o imposto à indústria e comércio de lanifícios. Toda a produção está tabelada e as percentagens de lucro são em muito inferiores às da restante indústria o comércio de têxteis;
2.º A lã nacional não pode ser considerada para os cálculos de fabrico de tecidos a preços superiores aos da tabela que o Governo fez vigorar, em 1945, nos máximos de 49$30 para lã lavada e 68$90 para penteada, conquanto custem, em média, no mercado, mais 20 por cento;
3.º Os salários pagos subiram de 40:000 contos, em 1942, para 91:770, em 1945, e os encargos sociais passaram de 2:746, em 1940, para 11:246 contos, em 1945;
4.º O rendimento atribuído à indústria para efeitos fiscais subiu de 11:510 contos, em 1939, para 69:000, em 1947 (mais de 500 por cento);
5.º Apesar de todos estes agravamentos, é indispensável acentuar-se que nenhum tecido da melhor qualidade de lã estrangeira ou nacional é vendido pela indústria a preço superior a 138$50;
6.º Se, proporcionalmente, o custo do fato feito excede o aumento verificado nos tecidos, à indústria de lanifícios não cabe qualquer responsabilidade;
7.º Esta pôde manter o actual nível de preços graças à intensificação da produção num ritmo jamais atingido, satisfazendo inteiramente as necessidades do consumidor em quantidade e qualidade;
8.º Os legítimos lucros da indústria, na quase totalidade, estuo sendo devidamente imobilizados no seu reapetrechamento e na melhoria das suas instalações;
9.º Do exposto resulta que não aufere, nem nunca auferiu, lucros fabulosos, pois em 1943 e 1944 esteve reduzida a menos de 50 por cento da matéria-prima indispensável à sua laboração (os seus stocks tinham sido completamente absorvidos em 1942), e que, apesar destas circunstâncias e da redução da sua laboração
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por falta de força motriz, continuou a manter os seus encargos sociais.
Não consideraremos o aspecto de fundo de lodo este problema - se deve ser dispensada protecção à lá nacional e, em caso afirmativo, como deve ser orientada a produção (cruzados ou merinos).
A sua solução compete ao Governo!
Até lá, e enquanto a lavoura não consegue melhorar os seus processos de trabalho de sorte a arrancar à terra portuguesa todas as suas possibilidades de produção, preconizamos uma política que lhe seja favorável mas sem afectar os interesses do consumidor, o equilíbrio económico da indústria e o trabalho dos seus 20:000 operários.
Também a industria tem muito a fazer no sentido de melhorar as suas condições de exploração. O reapetrechamento está em curso, apesar de todas as dificuldades originadas pela guerra. A deficiente preparação técnica do pessoal, que é, sem dúvida, uma das que mais sobrecarrega o custo do produto, foi objecto de aturado estudo. Para a resolver a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios vai construir e manter por sua própria conta uma escola, que espera possa suprir as suas necessidades de mão-de-obra em qualidade e rendimento.
Não pode, por isso, dispensar o amparo do Governo e a devida liberdade de movimentos para se abastecer e laborar por maneira a satisfazer às exigências do interesse colectivo.
Apresentando a V. Ex.ª os nossos respeitosos cumprimentos, pedimos, ao abrigo do n.º 18.º do artigo 8.º da Constituição Política da República Portuguesa, se digne, em sessão, mandar ler esta representação à ilustre Câmara dos Srs. Deputados.
A bem da Nação.
Lisboa, 15 do Janeiro de 1947.-O Presidente da Direcção da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, João Ubach Chaves.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Comunico à Câmara que está na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Henrique Galvão pedindo a convocação da Comissão de Colónias, à qual esse Sr. Deputado deseja expor a questão do indigenato.
Fica convocada, desde hoje, a referida Comissão.
O requerimento é do seguinte teor:
"Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Conforme o artigo 26.º, alínea a), do Regimento da. Assembleia, compete às comissões permanentes cinteirar se dos problemas fundamentais que dominam o sector da Administração Pública que lhes interessa".
Desejando expor à Comissão de Colónias da Assembleia matéria sobre a qual julgo que esta Comissão deve inteirar-se, pois diz respeito à questão indígena nas nossas colónias africanas de indigenato -questão que certamente se considera problema fundamental da Administração Pública nas colónias - requeiro a V. Ex.ª se digne convocar ou promover a convocação da referida Comissão, para o fim enunciado.
Lisboa, 16 de Janeiro de 1947. - Henrique Carlos Malta Galvão.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que a proposta de lei da reforma do ensino técnico profissional publicada no Diário das Sessões não reproduz textualmente a proposta que foi enviada à Câmara Corporativa; não foram publicados os títulos das diversas secções em que os assuntos estão arrumados. Em virtude disso, vou mandar fazer nova publicação da referida proposta de lei tal qual veio do Ministério para a Câmara Corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra autos da ordem do dia o Sr. Deputado Botelho Moniz.
O Sr. Botelho Moniz: -Sr. Presidente: algumas das palavras que vou proferir têm gravidade natural e -talvez seja modesto dizê-lo- serão de alguma importância no momento económico que atravessamos. Outras, aquelas por que penso terminar, constituem crítica ligeira, embora de ordem técnica, a um ofício do Ministério das Obras Públicas que consta do expediente da Câmara o foi lido numa das sessões anteriores, a hora a que eu não podia estar presente, por motivo do serviço na comissão parlamentar de inquérito aos elementos da organização económica e corporativa.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, perdoará a parte dramática e talvez se divirta um pouco com a parto cómica.
A hora a que eu não podia estar presente, porque também me encontrava em serviço da comissão parlamentar de inquérito, o meu querido amigo, companheiro de luta o digno camarada no nosso querido exército português Deputado Alberto Cruz abordoa o problema económico. Não digo que o tenha realizado com aquela competência especial que dá a sua qualidade de médico, mas não há dúvida que utilizou o saber de experiência feito, que muitas vezes é superior a todas as teorias. O ilustro Deputado Alberto Cruz referiu-se largamente a vários casos a que os jornais costumam chamar "vicissitudes do abastecimento público".
E, naturalmente porque desde o 28 de Maio Braga tem sido para ele a cidade mãe (e antes do 28 de Maio também o era), citou especialmente o que se passava por esse verde Minho, tão querido dos poetas e infelizmente tão desprezado pelos economistas burocratas.
Sei que V. Ex.ª tem recebido, não só do Minho mas também de numerosos pontos do País, telegramas sobre telegramas do felicitação, a juntar-se à opinião já expressa nos jornais, pelas suas palavras nobres, saudáveis, do verdadeiro português, que não se preocupa em agradar seja a quem for e que acima das conveniências afectivas põe o interesso nacional.
Houve talvez quem perguntasse qual o motivo por que eu, que não sou médico, mas às vezes também tomo o pulso ao doente económico, não intervim e não o apoiei nessa ocasião ou logo a seguir.
As razões são simplesmente duas: a primeira, já a expliquei, começou por ser a minha ausência; a segunda, o sentimento das oportunidades.
Penso que o problema é grave, talvez ainda mais grave que aquele que vai sor objecto de um aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Bustorff da Silva.
O problema económico talvez seja a causa, o não o efeito, de certos males financeiros...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Por consequência, entendo que, em vez de assunto para tratar-se no período curto de "antes da ordem do dia", deve motivar um aviso prévio a apresentar em tempo devido, para o qual se requeira a generalização do debate.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Qual será a boa oportunidade? Existe uma comissão parlamentar de inquérito aos elementos da organização económica e corporativa. Trabalha sob a presidência de um homem que todos nós admiramos e respeitamos, o ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Fi
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gueiredo. S. Ex.ª já explicou em que estado só encontram os nossos estudos e quais as disposições tomadas pelos parlamentares inquiridores eleitos pela Câmara. Já garantiu que, graças a um esforço titânico - que é principalmente seu- (apoiados), os resultados hão-de ser apresentados na presente sessão legislativa. Por isso julgo que, para melhor esclarecimento da Câmara e de todo o País, será essa a ocasião verdadeiramente oportuna do julgar, se tivermos de julgar, de elogiar se tivermos de elogiar - felizmente há muitas coisas dignas de louvor-, o de acusar, sem dó nem piedade, sejam quais forem os responsáveis, se houver réus a trazer perante V. Ex.ª
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho estado silencioso, mas isso não quer dizer que tenha permanecido inactivo, ou que não sinta as responsabilidades que me advêm da posição de combatente, desde a primeira hora, em prol da situação gerada em 28 de Maio.
Quer perante estes problemas económicos, ou quer em relação a questões gerais de administração financeira, ouso garantir a V. Ex.ª que seria mais fácil arrancar do peito a Torre e Espada, que Sua Excelência o Presidente da República me concedeu, c pisá-la aos pés, castigando-me a mim próprio por indigno de usá-la, do que deixar-me dominar quer por influências vindas de cima, quer pelo demagogismo torpe proveniente do homens que não possuem direito a acusar ninguém, porque esses, sim, durante anos infindos da nossa história política, foram verdadeiros réus.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Está dito o que havia a esclarecer da minha atitude sob o ponto de vista económico.
Em segundo logar, vou referir-me agora a qualquer coisa dimanada do Ministério das Finanças. Embora não seja verdadeiramente um problema financeiro, provém desse Ministério. E, apesar do aspecto jurídico que se pretende emprestar-lhe, é com certeza, acima de tudo, uma questão de moralidade.
Está presente a ouvir-me a pessoa que chamou a minha atenção para o assunto. Não digo que me forneceu os elementos para esta intervenção, porque os dois únicos documentos a que vou referir-me são uma portaria e um despacho, a primeira publicada no Diário do Governo e o segundo, de que tenho aqui cópia, comunicado aos interessados. Essa pessoa, por se ter habituado há muitos anos a ser meu mestre e a guiar-me em algumas ocasiões difíceis da vida, entendeu que devia comunicar-me o que se passava, porque, como infelizmente não posso ser leitor assíduo do Diário do Governo, a questão passara-me despercebida.
Nela não possuo interesses nem directos nem indirectos. Não sou advogado nem accionista da empresa prejudicada.
A portaria a que me refiro, publicada no Diário do Governo, 2.a série, de 27 de Dezembro de 1946, tem a data de 24, véspera do Natal. Pela data o pelo que vai ouvir-se, diriam as más línguas tratar-se de uma espécie de broas. Dadas a quem?
Para que não possam dar-se interpretações erradas, desejo que o assunto se esclareça por completo.
Pergunto, e peço que me respondam.
A portaria diz o seguinte:
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro das Finanças, para cumprimento do um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Novembro do corrente ano, e de harmonia com o parecer da Inspecção de Seguros, considerar nula para todos os efeitos a portaria de 29 de Junho de 1944, publicada no Diário do Governo n.º 155, 2.º série, de 6 de Julho seguinte, que autorizou a Companhia de Seguros Garantia, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede no Porto, a alterar os seus estatutos, aumentando o sen capital por meio de 1:250 acções de 100$ cada, destinadas a serem trocadas por 4:000 acções de A Social, Companhia Portuguesa de Seguros, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede no Porto; considerar igualmente anulado o artigo 13.º dos estatutos daquela Companhia, na parte em que se lê: "exceptuando-se, porém, os casos de ser o aumento de capital aplicável à aquisição de carteiras ou activos de outras sociedades ou ainda a qualquer outra operação para a realização da qual convenha aos interesses da Companhia a cedência das próprias acções", e, consequentemente, nulos todos os efeitos dos actos praticados à sombra das disposições anuladas pela presente portaria.
Ministério das Finanças, 24 de Dezembro de 1946.-Pelo Ministro das Finanças, Joaquim Dinis da Fonseca, Subsecretário de Estado das Finanças.
Quando um dos interessados desejou explicar-me o que significava isto, pedi-lhe que não me dissesse coisa nenhuma, pois pretendia ajuizar por mim próprio e servir-me apenas de textos oficiais.
O mestre já citado, que está presente, vai verificar se o discípulo é capaz, não de ir mais além do que o mestre, mas de, sem lição alguma, ter percebido tudo.
Solicitei ao meu querido e ilustre amigo, antigo Deputado e antigo Presidente do Conselho, Sr. engenheiro Francisco Pinto da Cunha Leal, que me fizesse o favor de assistir a esta sessão para verificar pessoalmente a liberdade com que aqui se fala.
Está a ouvir-me. Em primeiro lugar tenho muito prazer em confirmar, perante a Câmara e perante o País, o respeito e a amizade que de há muitos anos me ligam a S. Ex.ª, apesar de todas as adversidades políticas, umas comuns, outras de um contra o outro.
Posto isto, pergunto, também sem necessidade de que ninguém me ensine a fazer perguntas, qual é a razão por que um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo deve ser confirmado por portaria ministerial. Julgo que nem precisa de portaria, nem de decreto, nem de despacho ministerial para ser exequível.
Os ilustres colegas que são jurisconsultos melhor do que eu poderão responder a isto.
O Sr. Mário de Figueiredo: -É só para esclarecer que não precisa realmente disso, mas precisa de um despacho de execução.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua explicação.
Por consequência, se eu fosse Subsecretário de Estado das Finanças, despacharia: "Cumpra-se", sem mais nada.
De resto, parece-me que os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, sempre redigidos em linguagem clara, não necessitam de ser explicados por diplomas do Executivo. E muito menos precisam que tais diplomas lhes acrescentem matéria nova. Ora, na portaria de 24 de Dezembro há qualquer coisa a mais, que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não diz. São as palavras seguintes: "e, consequentemente, nulos todos os efeitos dos actos praticados à sombra das disposições anuladas pela presente portaria". Se em vez desta redacção, que se presta a interpretações erradas, tivesse sido empregada a adequada, isto é, "o, consequentemente, nulos todos os efeitos da portaria anulada", ou se, mais
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simplesmente, se mandasse cumprir apenas o acórdão, não haveria agora tanto "dize tu, direi eu".
Vejamos as consequências da disparidade entro o texto do acórdão e o texto da portaria.
Houve pessoas que confiaram na assinatura honrada do homem de Estado que subscreveu a portaria de 29 de Junho de 1944 e que, em consequência disso, tomaram ou deixaram que fossem tomadas determinadas posições de accionistas.
Cerca de dois anos depois, o mesmo Estado que autorizara a emissão de acções julga-se compelido pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo a anular a primitiva portaria e, por consequência, a anular essa emissão. Tudo estaria certo, fossem quais fossem as consequências económicas, se a nova portaria anulatória se limitasse a isto, ou seja a cumprir uma sentença passada em julgado. O pior é que, pela sua redacção pouco clara, parece ir muito mais além e parece anular outras emissões, anteriores a 1944, realizadas ao abrigo do artigo 13.º dos estatutos, agora revogado. Portanto, há quem suponha que, apesar de o caso resolvido pelo acordo do Supremo se referir exclusivamente à portaria de 1944, a portaria de 1946 tem efeitos retroactivos tão vastos que até afecta emissões muito antigas, confirmadas por sentenças passadas em julgado!
Pergunto: chama-se a isto respeitar a lei?
As sociedades que moveram os processos contra a Garantia, e os perderam em todas as instâncias, são dirigidas por alguns bons amigos meus. Portanto, estou isento de qualquer suspeita nestas afirmações.
O Sr. Carlos Borges: - Estava sempre!
O Orador: - Mas é preciso dizê-lo.
Exemplos: houve um primeiro processo posto nos tribunais com o qual alguém pretendeu invalidar uma primeira emissão de acções. Pois desde 1.º instância até ao tribunal pleno foi dada razão à Companhia de Seguros Garantia, como é do conhecimento público, por haver procedido nos termos do artigo 13.º dos estatutos, muito anterior a 1944, e que não foi criado pelos actuais directores.
Um segundo processo, também anterior a 1944, resulta em nova vitória da Garantia nos tribunais, e a questão encontra-se encerrada, sem possibilidade de quaisquer dúvidas jurídicas.
Quando surge a portaria de 29 de Junho de 1944, os adversários da Garantia levantam novo incidente, desta vez no Supremo Tribunal Administrativo, e impugnam a sua validade. E a despropósito deste incidente, que juridicamente já não podia ligar-se aos anteriores, o que acontece? Na portaria aqui lida, do 24 de Dezembro de 1946, que se diz apenas executória de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, publica-se matéria nova que parece anular outras sentenças transitadas em julgado 1 É isto não se encontra, nem podia encontrar, no acórdão de 21 de Novembro de 1946, que é tão sério e tão claro que a própria Garantia, entidade condenada por ele, declarou imediatamente a quem de direito que não só o cumpriria na íntegra, mas também iria mais longe do que ele determinava na reforma de estatutos a propor à assembleia geral.
Pergunto, meus senhores, se é possível a uma portaria ministerial anular sentenças dos tribunais passadas em julgado?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não, isso não é possível.
O Orador: - Mas é o que está lá. Por isso, já nada me parece impossível. Juridicamente, julgo que V. Ex.ª tem carradas de razão. No entanto...
O Sr. Mário de Figueiredo:-Repito: isso não é possível. Eu não conheço, senão por ouvir agora, o problema que V. Ex.ª está tratando, mas há uma coisa que posso afirmar: é que, com o anularem-se todos os efeitos de uma portaria, que também se anula, não se atingem os casos julgados proferidos com base na portaria anulada. Quanto ao resto, direi que se trata de problemas de grande delicadeza no terreno jurídico o não me pronuncio.
Mas há uma coisa sobre a qual posso pronunciar-me: os termos da portaria que V. Ex.ª acaba de ler não conduzem a que sejam atingidos casos julgados proferidos à sombra da portaria que a anula.
O Orador: - Muito bem, e muito obrigado pela sua bela lição de Direito. Eis a ocasião própria para chamar professor, embora ele não goste, ao meu querido amigo Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Permita-mo este tratamento, porque julgo ter-lhe dado nestes últimos meses de convívio algumas provas de amizade sincera ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não há dúvida.
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Botelho Moniz para abreviar as suas considerações, porque já esgotou o seu tempo regimental.
O Orador: - Muito obrigado, e vou terminar.
Ao Sr. professor Mário do Figueiredo agradeço as suas explicações, verdadeiramente essenciais, que vão ficar registadas no Diário das Sessões e vão, com certeza, produzir efeito salutar. Oxalá elas tenham o condão de obrigar alguém a tomar mais cuidado e a ser mais claro nos seus actos futuros. Efectivamente, à portaria de 24 de Dezembro de 1946 seguiu-se um despacho resultante da reclamação ou pedido de esclarecimento da entidade visada. Datado de 13 de Janeiro de 1947, diz o seguinte:
"O despacho de 24 de Dezembro de 1946 mandou passar a portaria em causa de harmonia com o acórdão a que dava cumprimento. Consequentemente, dela não consta, nem podia constar, doutrina ou consequência jurídica que não tenha por fundamento a decisão executada, e, se esta pudesse carecer de esclarecimentos, não seriam da competência deste Ministério. Notifique-se aos interessados. Lisboa, 13 de Janeiro de 1947. Dinis da Fonseca".
O despacho de 24 de Dezembro mandou passar a portaria de harmonia com o acórdão. Portanto, se se verificar que a redacção da portaria não condiz com a letra e o espírito do acórdão, a portaria deve ser modificada ... porque o despacho de 24 de Dezembro não foi cumprido!
A parte final do despacho de 13 de Janeiro parece respeitar o acórdão, mas basta a recusa de esclarecimentos para que persista a possibilidade de baralhada.
Não seria mais simples e mais justo emendar a portaria?
Ora, Sr. Presidente, pela experiência que tenho da vida, já sei que, de vez em quando, nas vésperas da assembleia geral de organismos, quer comerciais, quer associativos, se nomeiam comissões administrativas para que essas assembleias gerais não se façam. E dizem por aí que os intuitos dos adversários da Garantia são realmente que se lhe nomeie uma comissão administrativa.
Para quo? Porque, existindo um recurso legal contra a portaria última, apresentado por aquela empresa, se fosse nomeada uma comissão administrativa, é claro que ela poderia deixar correr os prazos e o recurso ficar invalidado.
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Era esta a ameaça que existia -não entro em mais pormenores porque a oportunidade ainda os não requer - contra uma das instituições de seguros mais importantes e, segundo dizem, melhor administradas do Norte do Pais.
Para terminar este capítulo, requeiro que, pelo Ministério das Finanças, depois do consultado o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, me sejam indicados os motivos que determinaram o emprego, na portaria executória de 24 do Dezembro de 1946, das palavras "e, consequentemente, nulos todos os efeitos dos actos praticados à sombra das disposições anuladas pela presente portarias, em vesse de outras, mais simples, mais claras e mais de acordo com a letra e o espirito do acórdão, como, por exemplo, "à, sombra das disposições da portaria anulada".
Requeiro mais que me sejam indicados quais os funcionários responsáveis pela publicação da portaria anulada e que providências podem ser tomadas para indemnizar os accionistas que confiaram nessa portaria.
E aqui, Sr. Presidente, termina a parte dramática.
Agora vamos ao cómico. São duas palavras apenas. Perdoo-me V. Ex.ª o tempo que fiz perder à Câmara, mas não tenho culpa das interrupções que me fizeram, aliás com agrado meu.
Ouvi ler um ofício do Ministério das Obras Públicas em resposta a uma reclamação de V. Ex.ª sobre as más condições acústicas desta sala, reclamação que era a interpretação fiel de coisas que aqui tem sido ditas, e principalmente de coisas que aqui não tom sido ouvidas, e no qual o Ministério das Obras Públicas declarava que, por caso de força maior, não tinha podido ainda remediar as deficientes condições acústicas desta sala.
E que, entretanto, estava em corso uma experiência do microfones e de auscultadores.
Fiquei entendendo que a solução para o problema acústico desta sala seria que amanhã os Srs. Deputados pusessem auscultadores nos ouvidos e as suas fotografias viessem publicadas nos jornais, como as dos réus duma tragédia que não quero comentar, porque me horroriza, e que todos os dias assim figuravam na imprensa internacional.
Tenho passado muitos anos da minha vida a tratar destas coisas de acústica por efeito de ser presidente da direcção do Rádio Clube Português. E, quando ouço dizer que a única solução deste problema está nos auscultadores e nos microfones, francamente sinto-me, não digo aborrecido, não digo exaltado, mas de tal maneira assustado que me ponho a olhar para os vidros da cúpula desta sala e a contá-los para ganhar serenidade e não fazer uma crítica muito azeda.
O problema não é do microfones ou de auscultadores; É de absorção de sons.
Podemos resolvê-lo sem prejudicar as condições artísticas da sala das sessões.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª ignora, com certeza, os progressos da técnica ...
O Orador: - Disso é que V. Ex.ª sabe muito mais do que eu.
E porque, além dos progressos da técnica no que respeita a absorção de sons, auscultadores e microfones, houve também progresso na política, já não estamos naquele "saudoso" tempo em que era conveniente que não se ouvisse o que os Deputados diziam, para não se protestar contra as liberdades gramaticais, correspondentes às "liberdades" da época. Em linguagem de então, quem estivesse tratando das más condições acústicas de tão linda sala chamar-lhes-ia uma "lacuna" que era preciso preencher, "fisiològicamente falando" ...
Risos.
Se o defeito não se corrigir, receio que na próxima edição do dicionário da Academia, douta instituição presidida por um ilustre antigo parlamentar, a palavra "Deputado" venha a aparecer com esta definição: c senhor que nunca consegue fazer-se ouvir".
Risos.
Por isto de acústica e por outras causas.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: não tive a mais ligeira surpresa ao ouvir que a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios dirigiu à Assembleia Nacional uma representação.
Não a visei, mas é natural que venha à liça.
Não injuriei a indústria; não me faltam argumentos e documentos para provar a sua insubmissão às normas de coordenação económica. Fá-lo-ei oportunamente, quando desligado do compromisso assumido como vogal da comissão parlamentar de inquérito aos elementos da organização corporativa.
A contrapor àquele quase protesto, informo V. Ex.ª Sr. Presidente, de que tenho aqui debaixo de mão vários telegramas de grémios da lavoura aplaudindo a minha atitude.
O problema das lãs, com os seus reflexos na economia nacional, não pode ser tratado a retalho e superficialmente; merece ser debatido em toda a sua extensão.
Por isso apresento o seguinte aviso prévio:
"Em presença da exposição da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, e considerando que o problema das lãs merece ser tratado em toda a sua profundidade, anuncio sobre ele um aviso prévio, rogando a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne marcá-lo com a possível urgência.
Desejo versar, entre outros, os seguintes pontos:
1.º A importação intempestiva o maciça de lãs estrangeiras em 1946;
2.º As perspectivas graves para a lavoura e para a própria indústria derivada dessa imoderada importação;
3.º Os seus reflexos na nossa balança comercial e no mercado de cambiais:
4.º Final e secundariamente, os pedidos de nova ou novas fábricas de lavagem e penteação e respectivas consequências para a lavoura".
O Sr. Presidente: - Considero admitido o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego.
Vai ser comunicado ao Governo e oportunamente será marcado o dia para a sua realização.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris.
O. Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: ainda bem que finalmente este momentoso assunto da administração municipal foi trazido a esta Assembleia.
A administração municipal abraça todo o País e cada município é para nós um Portugal pequenino que o nosso coração canta com enlevo e saudade.
Na administração municipal fizeram a sua experiência muitas das pessoas que vieram a governar esto País. Na administração municipal dei, Sr. Presidente, os primeiros passos da minha vida pública e, por circunstâncias fortuitas, a retomei quando já começo a lobrigar o fim.
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Devo dizer a V. Ex.ª que, agora como então, dediquei a esse trabalho mais do que o meu tempo, a minha boa vontade e dedicação, pus nessa tarefa não só o cérebro, mas também o coração.
Por esse País fora muitos portugueses com igual dedicação e muito maior proficiência se dedicam à administração municipal, mas sinto que começa a vacilar o espírito que os anima, sinto e receio que, por falta de ambiento, vão rareando os voluntários e que, se prevalecerem as actuais circunstâncias, estamos deixando afundar estas instituições de tão gloriosas tradições, que importa manter o defender. A vida das câmaras municipais precisa ser atentamente olhada pelo Governo.
O municipalismo mergulha as suas raízes na dominação romana o começou a desenvolver-se principalmente depois do reinado de Afonso III.
No tempo do liberalismo, lembro-me de que houve várias reformas: a do 1822, a de 1832, a do 1836, a de 1842, de Costa Cabral, a de 1886 e a actual.
Em todas essas reformas houve como que um movimento pendular entro a centralização e a descentralização.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª esqueceu-se da de 1896, que é muito importante. Desculpe V. Ex.ª a interrupção.
O Orador: -Agradeço, como sempre, a alucidação do V. Ex.ª
Estamos agora na fase da centralização. Devo dizer a V. Ex.ª que não tenho nenhuma apreensão nem nenhum parti ^m - permitam-me V. Ex.ª o rancesismo - contra a centralização. O ponto é que ela não seja excessiva nem esterilizadora da iniciativa e da vontade de trabalhar do quem administra os municípios. Nós não temos tradições de bons administradores, infelizmente. Por isso suponho que as câmaras, entregues a si próprias, teriam talvez feito muitos erros.
Tive conhecimento, há muitos anos, de uma camará deste País onde por duas vozes se adquiriu a canalização necessária para instalar o fornecimento de águas e das duas vezes essa canalização desapareceu sem que a água corresse no chafariz respectivo. Por consequência, repito: a administração municipal entregue a si própria poderia cometer erros nefastos.
Mas centralização é uma coisa e a centralização excessiva outra; a centralização que nos obriga a dar constantemente satisfações dos nossos actos, a que nos obriga a pedir autorizações para tudo e para nada e nos aperta os "espartilhos" dos orçamentos, em que não pode fazer-se uma simples transferência de verba, essa centralização excessiva reputo-a inconveniente.
Tem-se complicado extraordinariamente a administração municipal, e eu pude bem avaliar isso, porque, tendo deixado a administração da câmara do meu concelho em 1926 e tendo voltado a ela por circunstâncias fortuitas em 1942, verifiquei que nestes dezasseis anos a administração municipal se tinha complicado de tal maneira que o presidente da câmara quase que não pode levantar cabeça da sua secretária, quase não pode dispor do tempo para tratar da sua vida, porque todo ele é absorvido pelos trabalhos da câmara.
Isto é um facto que suponho não pode ser contestado.
Claro que, nestas circunstâncias, quando um presidente da câmara se vê ilaqueado por todas estas dificuldades, quer andar e não pode; e evidentemente que isso, para quem tem algum espírito de independência, é absolutamente aborrecido.
Mas muito pior do que isso são as dificuldades financeiras que os presidentes das câmaras encontram na gerência da sua administração.
Nós temos visto o desenvolvimento das finanças e das receitas do Estado acompanhar largamente o feliz desenvolvimento da riqueza pública que temos podido observar nos últimos tempos. O Estado, cautelosa e inteligentemente, ao prever um necessário aumento de despesas, acautela-se com a devida antecedência com o indispensável aumento de receitas. Simplesmente, as câmaras municipais, que têm no máximo as suas percentagens sobre as contribuições do Estado e que, além disso, pouco mais têm a que recorrer, não podem prover ao aumento das despesas.
Não faz mal que cada um de nós traga aqui o exemplo da administração do seu concelho, porque isso é um apontamento o uma ilustração que podo, com facilidade, com mais facilidade, dar a perceber aos Srs. Deputados e ao Governo o ambiente em que se trabalha nas câmaras municipais.
Devo dizer a V. Ex.ªs que desde 1942 a 1945, isto ó, no período em que todas as despesas, mercê da guerra, subiram vertiginosamente, as receitas ordinárias da minha câmara municipal subiram apenas 18 por conto, havendo uma despesa de que todos nós temos conhecimento, que é o aumento de 35 por cento para os funcionários, nesse período. Além disso, subiu a mão-de-obra 40 por cento, subiram os materiais e os transportes tanto quanto é do conhecimento geral e o próprio Estado, através dos Hospitais Civis, aumentou as diárias respectivas de 13$60 para 21$, o que dá, por consequência, um aumento de 50 por cento.
Já que falei em Hospitais Civis, seja-me permitido dizer que essa sombra negra que pesa sobre uma grande parte dos municípios deste País é uma questão absolutamente sem solução e -pior do que não ter solução- prejudica a solução adoptada para os hospitais regionais.
Assim é, visto que o Governo manda descontar, através das secções de finanças, das percentagens que pertencem às câmaras municipais, 20 por cento das suas receitas para o pagamento das dívidas aos Hospitais Civis.
Por consequência, as câmaras municipais, que vêem desaparecer 20 por conto do uma parte das suas receitas que é a mais importante, não podem adoptar o recurso, que seria legítimo e que está no seu desejo, de fazerem desenvolver os hospitais locais, porque com isso aumentariam as suas despesas; pagar por pagar, continuam a mandar os doentes para os Hospitais Civis de Lisboa, e a situação continua sem solução, parecendo ter-se esquecido que o Governo, sempre de tão boas contas, não devia continuar a pôr no seu activo as dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis, visto que essas contas nunca serão pagas.
V. Ex.ª sabem que durante muitos anos houve relutância pelo hospital, mas, com o andar dos tempos e maior grau de civilização, isso já não sucede, e, antes, sucede agora justamente o contrário. Tenho quase a impressão de que o nosso habitante das aldeias enquanto não vai ao hospital fazer uma operação não descansa.
Outra tragédia é o abono de receitas aos doentes pobres. Alguns clínicos -que me perdoem os que estão ouvindo - já não sabem senão receitar especialidades farmacêuticas, e para nós, presidentes das câmaras, e para os doentes isso é igualmente gravoso, ficando sem saber se se deve aviar toda a receita, parte dela ou nenhuma, com o receio de que se vá esgotar a verba.
O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - Permita V. Ex.ª que diga o seguinte: com as Misericórdias sucede a mesma tragédia, mas há clínicos nas Misericórdias que, chamados à ordem, passam a receitar medicamentos manipulados nas farmácias.
O Orador: - Tenho feito isso, mas é ir contra o hábito, ou, melhor, contra o desabito...
E, de resto, Sr. Deputado, ainda há outra circunstância: é que não são só os módicos municipais que recei-
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tam; também há os que não suo municipais que vêem doentes pobres aos quais não é legítimo por osso facto recusar auxílio.
Para acabar do definir a situação de carência das câmaras e a maneira como o Governo encara a sua situação, há um diploma recente que todos V. Ex.ªs conhecem, mas que talvez, por lhes não interessar, não tivessem visto nesta parte: é aquele que ultimamente aumentou os vencimentos dos funcionários públicos e que na parte dos funcionários municipais é extremamente curioso e denunciador do um espírito que a mim se me afigura preocupante.
Diz o artigo 20.º dos só decreto: "que as câmaras que já gastam com os seus funcionários 00 por cento das receitas ordinárias podem atingir os 60 por cento".
Anteriormente as câmaras municipais não podiam gastar no pagamento aos seus funcionários mais do que 50 por cento das suas receitas. E vejam V. Ex.ªs este caso espantoso.: às câmaras municipais, cuja situação financeira já era grave, deu-se-lhes depois, generosamente, a faculdade de gastarem até GO por cento das suas receitas nesse pagamento, tornando-se assim a sua situação gravíssima.
Foi todo o remédio que se encontrou para a situação do dificuldade em que as câmaras municipais se encontravam, a qual já ora extremamente perigosa.
Posso dizer isto a V. Ex.ª s porque, felizmente, no meu município não só gasta com os funcionários nada que se pareça com 10 por cento dos rendimentos normais. Qual é a situação da câmara? Qual é o remédio que se lhe deu? Apenas esto: atingia os 50 por cento? Pode então gastar até 60 por cento, e está com sorte.
Parece-mo perigoso, Sr. Presidente, que o Governo tenha esta noção e este espírito em relação à administração das câmaras municipais.
Mas para aqueles que pudessem exceder estes perigosíssimos 60 por cento existe a disposição do § 2.º, que permite determinados aumentos.
Devo porém dizer a V. Ex.ªs que estes aumentos são absolutamente insuficientes para ocorrer às despesas a que este decreto dava lugar.
A lei de meios que outro dia aqui discutimos abriu um pequenino postigo por onde entrou uma lufada de ar dentro da administração municipal determinando que os prédios rústicos que não tivessem sido avaliados antes de 1940 teriam um agravamento de 10 por cento, agravamento do que comparticipariam as câmaras municipais. Devo dizer a V. Ex.ª, como exemplo, que esse aumento é para a minha câmara de 27.900$, números redondos, e que o aumento dos funcionários custa à minha câmara 00.000$. Tendo o meu concelho sido elevado à 1.ª classe, esse facto e o aumento dos funcionários públicos implicam um aumento de despesas de 110.000$. Reconheço, com a melhor boa vontade, porque é absolutamente justo, o grande auxílio prestado pelo Estado através dos melhoramentos rurais às câmaras municipais e que sem esse auxílio as câmaras municipais não podiam ter acompanhado, ao menos em parte, o movimento de renovação que o Estado tem realizado no País.
Mas esse mesmo movimento de renovação, tão felizmente realizado pelo Estado, faz criar no espírito dos munícipes a ideia de que a sua câmara municipal não acompanha suficientemente esse movimento, não acudindo às necessidades dos seus munícipes, o daí é natural que venha uma descrença nas qualidades dos que administram o seu município.
Devo dizer aqui, não por espírito de lisonja, que V. Ex.ª sabem que está absolutamente longo do meu feitio, mas porque julgo que é do inteira justiça, que é sempre muito grato para os presidentes das camarás tratarem com o actual director dos serviços do urbanização, que é, além de um engenheiro distintíssimo, uma pessoa que atendo, não só com extrema amabilidade, mas também com extrema boa vontade, bom conselho o auxílio, aqueles que trabalham no espinhoso encargo do administrar as câmaras municipais. Dizendo estas palavras correspondo a um desejo muito sincero de prestar justiça a quem inteiramente a merece.
Quero dizer ainda, Sr. Presidente, que havia, o não sei se ainda há, uma certa mania de grandiosidade que me parece ser de reparar. Nós somos um país pobre. Desejamos e precisamos prover às nossas necessidades, mas com a maior economia possível. Não devemos lançarmo-nos em obras excessivamente grandiosas que estão fora das nossas possibilidades e muitas vezes impedem a realização de outros melhoramentos absolutamente essenciais.
Trago ainda a V. Ex.ª um pequenino exemplo. Tendo criado um fundo de receitas especial para poder renovar o matadouro do meu concelho, que estava carecido do ser actualizado, pedi naturalmente a comparticipação do Estado. Vieram uns senhores, se não me engano do Coimbra, não sei por que bulas, para verificarem o nosso matadouro.
Como resposta, disseram-me que não podiam dar a comparticipação porque achavam que o matadouro estava condenado, e só dariam comparticipação para um matadouro novo.
Perguntando quanto custaria a construção desse novo matadouro, obtive como resposta que seriam necessários 1:000 contos. Um dispêndio de 1:000 contos para duas matanças semanais de meia dúzia de cabeças do gado.
Tive então de fazer a obra exclusivamente com os recursos da câmara; não pude completá-la ainda, mas é já evidente que o que se foz satisfaz inteiramente, não só tendo realizado uma despesa que era, aliás, inteiramente incomportável.
O Governo, por intermédio do Ministério das Obras Públicas, passou de 50 para 75 por cento o auxílio, ou melhor, a comparticipação para as estradas, e com esta medida parecia compreender as necessidades o a situação em que se encontram as câmaras municipais.
Simplesmente, Sr. Presidente, esse aumento do verba determinou a possibilidade de muitas mais câmaras, o com inteira justiça, se aproveitarem dessas comparticipações, sendo o resultado que as verbas orçamentais não chegam para as necessidades. Está a dotação em 30:000 contos, o que dá uma média de 100 contos por concelho, o que V. Ex.ªs compreenderão sor absolutamente insuficiente para satisfazer as crescentes necessidades neste capítulo.
Posso dizer a V. Ex.ªs que o meu concelho tom nada menos, entre estradas e caminhos vicinais, do que 135 quilómetros e que, se considerarmos que é necessária para reparar cada quilómetro de estrada a importância de 100 contos - façamos uma média de 70 contos, visto haver também caminhos vicinais incluídos nesses 135 quilómetros -, V. Ex.ªs deverão compreender que este auxílio de 100 contos é muito pequeno.
Há muitas localidades que não tom estradas nem sequer um caminho por onde se possa passar. Seria de inteira justiça acudir-lhes, mas as câmaras municipais, por mais que queiram, embora reconheçam e sintam essa necessidade, não podem no entanto acudir-lhes, por absoluta deficiência de meios.
Há ainda outro problema: o nosso lamentável atraso em questões de fornecimento de águas e estabelecimento de esgotos.
Ainda há aqui, à volta de Lisboa, aquelas fontes chamadas de mergulho, coisa absolutamente vergonhosa e anti-higiénica, e pior ainda do que isso é a circunstância de haver povoações que não tem ama gota de água, e, todavia, não é possível, na grande maioria dos casos, acudir-lhos tão prontamente como seria necessário.
Há um outro problema em estado de vergonha e a reclamar a solução já estudada e resolvida. É o problema
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das edificações escolares, através do plano chamado dos Centenários.
O Governo, como V. Ex.ª sabem, paga metade e empresta a outra metade; é um bom auxílio, mas há que pagá-lo. Quando o Governo resolve fazer seis ou sete escolas num concelho, ao mesmo tempo, esse facto é um motivo de alegria e de justa preocupação. Poderá, no rigor da palavra, chamar-se administração, se quem administra não pode controlar as suas despesas?
Poderá aplicar-se esta expressão quando quem administra vae surgir-lhe abruptamente a necessidade absoluta de ocorrer a um empréstimo valioso som qualquer contrapartida de receita?
E absolutamente indispensável fazer escolas, mas eu pergunto: para a grande maioria das câmaras será possível a satisfação dos encargos que esse empréstimo lhes vai causar?
Mas não ficaremos só por aqui, porque já aí vem também, e felizmente, o problema da electrificação do País, o qual trará ainda maiores encargos para as câmaras municipais o que eu continuo a dizer que não sei como se hão-de saldar.
Esqueci referir um facto que me impressiona. São as sentenças que as direcções de finanças pretendem dar aos presidentes das câmaras municipais.
As câmaras são obrigadas a fornecer às secções de finanças casa e móveis, mas, talvez porque ainda nos levam uma percentagem pelo dinheiro que cobram, julgam-se as direcções do finanças no direito de exigir que essas secções sejam instaladas por forma que excede às vezes o razoável e o necessário, sendo certo que mesmo em Lisboa há instalações verdadeiramente vergonhosas. Não podem suas exigências, quando injustificadas, ser atendidas, quando há tantas coisas absolutamente indispensáveis que reclamam atenção e providências urgentes.
Eu não quero que as câmaras possam tributar ad libitum; isso seria absolutamente inconveniente e poderia dar lugar a abusos.
Mas acho igualmente inconveniente que elas não possam ter as receitas indispensáveis para satisfazer as suas obrigações, pois que não é decoroso, não está bem e a administração pública não ganha nada com isso que as câmaras vivam uma vida de tristeza e de miséria, sem poder acudir às necessidades dos seus munícipes, às necessidades mais instantes e clamorosas. Essas necessidades existem, por toda a parte, e eu, que estou a 50 quilómetros de Lisboa e sei bem o que sucede no meu concelho e limítrofes, faço ideia do que sucederá para o interior do País, nos pequenos concelhos, onde as receitas devem ser tão minguadas que não sei como se possa fazer qualquer coisa que se pareça com administração municipal.
O aviso prévio em discussão foi trazido em boa hora à Assembleia Nacional e faço votos por que da sua realização saia uma situação mais humana e que as câmaras municipais sejam postas em condições de bem poderem cumprir o seu dever.
Tem o dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário Madeira: - .Sr. Presidente: nunca têm, nem poderiam ter, as minhas palavras nesta Câmara outro significado que não seja o de um depoimento sobre factos que, de longe ou de perto, eu tenha razão e obrigação de conhecer.
Tendo exercido, durante dois anos e meio, as funções do governador civil e exercendo hoje o cargo de vice-presidente das Casas do Povo, que me obriga a manter contacto com as câmaras de grande parte do País, tenho razão para conhecer o problema das câmaras.
Isto sem querer acrescentar uma outra razão, esta de ordem pessoal, que bastaria. Vivendo eu em Lisboa há trinta anos, ainda não fui absorvido pela vida da capital, mantenho-me fundamente provinciano e nem sequer estes doze anos de funcionário, passados no Terreiro do Paço, me fizeram esquecer que uma grande parte da vida da Nação está nos 80 por cento da sua população espalhada pelo País, fora das grandes cidades.
Julgo que é preito da mais inteira justiça dizer
- e eu posso fazê-lo, pois nunca exerci esse cargo, ao contrário dos precedentes oradores- que existem por esse País fora muitos presidentes de câmaras municipais merecedores das nossas mais sinceras e justas homenagens pela sua posição de excepcional sacrifício e devoção.
São eles, Sr. Presidente, que na primeira linha se encontram em contacto directo com as populações, arcando com a antipatia e má vontade muitas vezes das populações, pois representam, o símbolo e a expressão de uma política que não pretende ser popular e que muitas vezes não vai ao encontro dos interesses e da feição demagógica das populações. São eles - pelo menos muitos deles, sem exagerar, a ponto de me querer referir a todos - que, além de tudo isto, fazem um sacrifício pessoal enorme e que na grande maioria ainda tem tempo, coragem e disposição para percorrer dias e dias os corredores dos Ministérios, instando, pedindo, quase mendigando .para os interesses do seu município, com uma dedicação e perseverança que poucos reconhecem e ainda mais raros agradecem.
O Sr. Melo Machado: - Obrigado pela justiça.
O Orador: - Se realmente as instituições municipais, como se disse aqui, mergulham no melhor da nossa tradição nacional, se a elas deve Portugal grande parte da sua formação (histórica, se existem presidentes da câmara que tão bem merecem da gratidão pública, como se compreende e é lícito perguntar porque assistimos neste País a uma indiscutível decadência das instituições municipais.
Talvez pudéssemos encontrar uma explicação em causas de ordem geral, porque todos nós conhecemos os portugueses pelas suas qualidades e defeitos, e com relativa facilidade poderíamos apontar à frente dessas causas o individualismo inato do português, o português patriota como nenhum, bairrista em todos os casos, mas no fundo profundamente individualista, e esse individualismo exacerbado hoje perante a posição tomada pelo Estado, aqui como em todos os países, de um exagerado intervencionismo.
E assim se está perdendo a boa tradição municipalista. As populações de cada concelho vivendo e sentindo os seus problemas, juntando-se em volta da sua camará, apoiando-a moral e materialmente, procurando e colaborando na solução dos seus (problemas, isso não se encontra, e poucos ou caríssimos casos, tão raros que não conheço nenhum que possa apontar como expressão perfeita do que deveria ser regra a apontar como exemplo.
O remédio deste mal, difícil mas possível, reside essencialmente na reeducação do civismo das populações.
E mais do que por teorias, mais do que por discursos, mais do que por processos platónicos, a única forma real e "positiva seria e é a de prestigiar perante os povos as suas câmaras municipais, começando por dar-lhes possibilidades de exercer a sua acção - aquelas múltiplas formas de acção que a leilão se esqueceu de numerar e as circunstâncias de alargar e que se contêm, creio, nos artigos 45.º a 50.º do Código Administrativo, setenta e cinco .finalidades, a acrescentar mais
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às quarenta e três do artigo 51.º do mesmo Código, isto é, cento e dezoito no total, ou seja cerca de dez dúzias as finalidades das c fim aras municipais, e que todas se compreendem, justificam e estuo nu base da sua tradição, mas para satisfação das quais são necessários meios de acção eficientes e adequados.
Disse que fui dois anos e meio governador de um distrito - o distrito de Setúbal. Lá deixei efectivamente dois anos e meio da minha vida, e o pouco que me foi possível fazer, e quase nada foi, resultou da minha muita vontade, que a população reconheceu com benevolente exagero que nunca esqueço. Mas vivi de perto os problemas do distrito, e não é demais lembrar a posição excepcional que Setúbal ocupa, porque esse distrito parece que existe precisamente de propósito para dar um panorama completo dos problemas municipais, todos já citados aqui nesta Assembleia Nacional.
O distrito de Setúbal começa por ter por capital uma cidade que é a terceira em população do País e que, por razões várias, nunca terá, ou só muito dificilmente terá, uma vida económica desafogada. O seu Município seguiu exactamente essas vicissitudes da vida económica da cidade, e houve um momento em que podia dizer-se que ele estava quase totalmente arruinado.
E nesse momento, porque o Governo sentiu a necessidade de lhe dar alma e calor, o município da terceira cidade do País, porque lhe foram dadas especiais facilidades financeiras e foi posto à sua frente um presidente excepcional também, uma pessoa que hoje exerço altas funções na administração do Estado, o Sr. director geral de administração política e civil, viu as suas finanças equilibrarem-se, e uma grande obra de ressurgimento foi possível. Mas o Município de Setúbal conseguiu refazer-se, em parte, porque se lhe não mantiveram algumas das mesmas dificuldades com que lutavam já os outros municípios do País.
Dentro do distrito encontramos os concelhos do norte, os chamados ribeirinhos, entre os quais estão especialmente o Barreiro e Almada, precisamente nas condições que ontem aqui foram ditas pelo Sr. Deputado Rocha Paris, pois, apesar de ser lá que se encontram instaladas algumas das maiores fábricas e empresas do País, do facto de essas empresas possuírem as suas sedes em Lisboa resulta que em pouco ou nada contribuem paru as finanças locais.
Na orla marítima - Sines e Sesimbra- imperam principalmente os problemas da pesca e parte dos rurais. Ao sul, três concelhos, Alcácer do Sal, Grândola e Santiago do Cacém, confundindo-se os seus problemas próprios com os dos distritos do Baixo Alentejo. Encravado no meio do distrito temos o concelho de Palmela, o de mais recente criação.
Os problemas destes quatro concelhos são, como disse, os problemas gerais dos concelhos de tipo rural, muito extensos: fraca densidade de população, dificuldades de comunicação, visto que as pequenas povoações estão muito dispersas; dificuldades de cobrança, e de receitas que permitam resolver os seus problemas.
Assim, o concelho de Palmela, que é dos mais ricos, é precisamente um dos que está em maior dificuldade financeira, e eu assisti, com mágoa impotente, ao facto de, quando era governador civil, ver perder-se grande parte das comparticipações que lhe tinham, sido dadas.
Há dois anos, tendo-me sido confiada a missão de percorrer o Alto e Baixo Alentejo, a braços com uma grave crise de trabalho, deparei com grandes dificuldades da mesma ordem, e nesse tempo ainda não se tinha ido aos 75 por cento, e os concelhos mais pobres e mais necessitados, aqueles que mais careciam do auxilio exterior, eram os que menos estavam em condições de aproveitar essas comparticipações.
Não nego que é absolutamente justo o sistema de as comparticipações serem, como regra, parciais, e que é preciso que cada concelho, com os seus meios próprios, resolva os seus problemas, mas sinto também que é preciso encontrar a devida solução para que não suceda que se ofereça precisamente àqueles que não estão em condições de, por qualquer forma, aproveitar e efectivar o auxílio do Estado.
Soluções definitivas para este estado de coisas? Só podem nascer da perfeita consciência de cada concelho trabalhar em seu próprio proveito.
Mas de momento urge, dentro das atribuições que forem dadas às câmaras municipais, fornecer-lhes os meios para satisfazer as suas finalidades.
Uma maior participação nas receitas do Estado suponho ser imprescindível. As receitas municipais tem aumentado, disse-se aqui, em 25 por cento, e é evidente que de forma nenhuma se fez uma actualização de tais receitas na medida de acudir aos crescentes encargos, excedendo em muito tal proporção.
Uma outra medida que me parece também praticável e absolutamente necessária é a comparticipação das receitas municipais na cobrança de taxas sobre géneros de produção local, com participação das mesmas taxas, que, como já aqui se referiu, com tanta facilidade só criam hoje para fins bem diversos do que este, que se me afigura ser a sua mais lógica e justa aplicação.
Notem V. Ex.ªs que, quando falo e cito, a título exemplificativo, estes dois aspectos de ordem financeira, não venho aqui defender a ideia de que se volto ao antigo sistema do imposto ad valorem. Suponho que esses fizeram época, e tal como funcionaram, criando entre concelhos uma autêntica e absurda barreira alfandegária, perturbando a acção económica do País sem um apreciável rendimento útil, não deixaram saudades a ninguém. Se agora tivéssemos de montar toda essa máquina, que tão mal funcionou, para chegar aos mesmos resultados, isso não seria de modo algum uniu prática aconselhável.
Muitos apoiados.
Em resumo, e porque não quero alongar-me mais e outros oradores apresentarão depoimentos de mais valor do que eu, permito-me dizer que no meu espírito é uma certeza absoluta que este problema dos municípios portugueses tem tanta importância na vida politico-administrativa do País como tem a defesa das instituições da família na vida moral e social da Nação Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: falo pela primeira vez na sessão legislativa que decorre e pela primeira vez também subo a esta tribuna, de onde apresento a V. Ex.ª as mais efusivas e mais respeitosas saudações.
Há muito tempo desejava abordar na Assembleia Nacional assuntos que respeitam à vida nos nossos municípios, tão difícil na época que atravessamos, pelas razões que o Sr. Deputado Rocha Paris expôs com o brilho que põe sempre nas soas palavras. Não pensava no entanto fazê-lo agora e só o facto de ter sido ventilado nesta ocasião problema de tanta monta me leva a aproveitar a oportunidade, visto ter sido requerida a generalização do debate, de me referir a factos cujas consequências tom gravidade política.
Duas palavras apenas, porque depois dos discursos dos oradores que me antecederam pouco já há a dizer.
As dificuldades administrativas em que angustiosamente se debatem as câmaras municipais, a limitação
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dos seus privilegio* tradicionais o principalmente a diminuição das suas possibilidades do roalizaçao práticas e produtivas, aquelas que mais tocam a grande massa da população do País, foram tão largamente apresentadas à apreciação desta Assembleia que seria ousadia da minha parte voltar a tratar do assunto, exposto com tão magnífica clareza.
Está indicado o caminho da solução da crise; foram apontadas receitas que lhes poderiam ser atribuídas e esclarecidas as despesas que lhes não devem caber.
Aparte mais uma sugestão que no fim apresentarei, tendo em vista facilitar os trabalhos comparticipados, tratarei apenas da situação política provocada pelas dificuldades camarárias.
Para facilidade e clareza de exposição farei uma rapidíssima corrida pela vida administrativa portuguesa nos últimos vinte e cinco anos.
É bem conhecida de todos nós, a quem os cabelos já enbranqueceram, a situação do País ao estalar a revolta libertadora que arrancou da gloriosa cidade de Braga e que, pela obra realizada e polo consenso unanime que da população obteve desde o início, bem mereceu o nome de Revolução Nacional. Era manifesto o abandono a que toda a gente votara a administração pública, que caíra, de forma quase geral, se não total, nas mãos dos piores, dos menos aptos.
O interesso o a esperança que o movimento levou a todas as almas, verdadeiramente portuguesas, facilitou o recrutar dos melhores para os municípios o para toda a administração pública, à qual logo levaram ordem, dignidade e prestígio. Mas as dificuldades eram grandes o as receitas pequenas.
O problema agravava-se cada dia mais quando surgiu a magnífica política do auxílio a prestar pelo Estado por moio das comparticipações. Só algum valor tem para V. Ex.ª, Sr. Deputado Antunes Guimarães a homenagem do representante de um longínquo distrito de Portugal perdido nas brumas do Atlântico, aqui rendidamente lhas presto pela visão magnífica que revela a política que V. Ex.ª concebeu e iniciou.
Ao abrigo da ajuda que o Estado dá, aqueles municípios que mais se esforçam por diminuir despesas o criar receitas, pois quanto maior for o saldo disponível maior será o montante da comparticipação, são os que mais renovações trazem às suas terras, o assim se vão estendendo os benefícios no campo vastíssimo das obras municipais que os levam a todos os cantos do País, às freguesias e lugarejos mais afastados dos grandes centros. Reacendo-se a luz no coração dos homens; anima-se o nosso camponês, modesto por natureza, simples do costumes, cuja maior aspiração é a estrada que o leva à torra que duramente trabalha e o fontanário que lhe mitiga a sede ou, quando exigente, o lavadouro ou o mercado.
Não vou trazer aqui o rol imenso das obras levadas a efeito por esse Portugal fora, mas quero fazer ressaltar as consequências políticas do facto. É o próprio camponês espantado, é o próprio munícipe de desilusão vencida, são as populações em massa a lançar para a frente, a atirar para as administrações locais, os homens bons, os mais capazes de bem fazer, os melhores administradores, pois o exemplo da prosperidade das povoações vizinhas anima Até os decadentes. Surge, naturalmente, um certo interesse pela administração, onde, desde então, se pode, realmente, fazer obra viva e aparecem os homens de prestígio dando-se ao sacrifício incontestável do tomar à sua conta a coisa pública.
Segue-se época melhor com o aumento do valor da comparticipação, que passa de 20 ou 30 por cento para 50 ou mesmo 7í) por cento quando se trata de reparações de estradas.
No entanto o homem, eternamente insatisfeito, quer realizar mais e tem forçosamente que o fazer porque as necessidades das populações se tornam mais instantes, porque se é obrigado a levar a todos igualmente os benefícios que alguns já desfrutam. Não podem deixar de se fazer mais obras públicas, mais trabalhos de interesse geral. Surgem as dificuldades: por um lado, e pela maior parte, as despesas com os materiais, com os assalariados e com os funcionários aumentam e as câmaras não estão autorizadas a adoptar medidas que permitam aumentar as suas receitas, do que resulta diminuição intensa do saldo para obras, e por outro lado, embora pela menor parte, não vêem os municípios, por falta de verba orçamental, e apesar da melhor vontade possível do Governo, comparticipados senão parte dos pedidos apresentados, encontrando-se as administrações na contingência de ter de arcar com as despesas dos trabalhos a fazer e ver diminuídas assim as suas já tão reduzidas possibilidades de realização.
A propósito relembro que ouvi com a maior atenção as considerações que sobre a lei de meios fez o Sr. Deputado Teófilo Duarte, e apoiei calorosamente as suas palavras quando pedia que fossem aumentadas as verbas destinadas aos melhoramentos rurais e urbanos. Vejo com muita satisfação que a dotação orçamental para melhoramentos rurais foi largamente, generosamente, aumentada para 1947, mas temo que apesar disso não chegue para as necessidades, ou antes para satisfazer todos os pedidos.
Um cálculo muito simples dá-nos uma ideia suficientemente clara.
E de 30:000 contos a verba orçada para melhoramentos rurais e suo 302 os municípios do País, ou seja 100 contos, em média, por município. Minguada verba, conforme muito bem acabou de pôr em evidência o ilustre Deputado Sr. Melo Machado.
O estado actual das coisas conduz politicamente à situação absolutamente inversa daquela que há quinze anos só notava. Agora, os mais capazes, desanimados, pretendem abandonar a administração, donde não podem dar satisfação às justas reclamações das populações e onde podem perder o prestígio, que querem, é justo e indispensável que mantenham. É esta fuga dos melhores e mais desinteressados servidores, a grave consequência política a que queria referir-me. E, dito isto, vejamos a ligeira sugestão que apresento para facilitar a realização das obras comparticipadas. Uma das dificuldades que sentem os municípios e as juntas do freguesia ao executar obras em regime de comparticipação provém do facto de as comparticipações só serem pagas mediante apresentação da medição dos trabalhos realizada pela entidade que os fiscaliza, medição que tem de vir a Lisboa para poder ser autorizado o sou pagamento. Se nos lembrarmos que, para estradas, a comparticipação representa três quartas partes do valor da obra, poderemos compreender que o atraso do pagamento pode comprometer a realização do trabalho. Conheço casos em que homens extraordinários tem, para esse fim, levantado dinheiro sob responsabilidade pessoal.
Ora este movimento burocrático, embora se saiba tão rápido quanto possível, é ainda moroso domais e dificulta o andamento dos trabalhos; pelo menos isto dá-se nas ilhas adjacentes. No distrito que aqui represento fui procurado por entidades que podiam uma solução para esta dificuldade.
Do facto as disponibilidades de tesouraria não permitem muitas vezes suportar o peso total de todas as obras, que, por se tratar de trabalhos em ribeiras de regime torrencial, em estradas reparadas com materiais que só podem ser convenientemente usados no tempo das chuvas mais intensas ou por outra razão qualquer, devem ser feitos em determinada época do ano, por vezes curta.
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Se passar a época própria só alguns meses depois serão iniciados ou continuados os trabalhos, o que traz inconvenientes graves.
Não seria possível obter mais rapidamente, mesmo muito mais rapidamente, o pagamento de parte das despesas que competem à comparticipação, ou, dada a inviabilidade desta solução, não seria possível obter na Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de realização rápida e mecanização simples, a fazer sob caução da própria comparticipação ?
Felicito o Sr. Deputado Rocha Paris por ter levantado este debato e acompanho-o no seu anseio para que seja dado aos municípios o prestígio a que por tradição têm jus e a situação financeira que necessitam para bem cumprirem a missão que lhes cabe, a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: requeri ontem a generalização do debate sobre a matéria do aviso prévio que o nosso ilustre colega Dr. Rocha Paris desenvolveu, com grande cópia de argumentos, seguidos de alvitres oportunos e inteligentes, porque a vida dos municípios interessa fundamentalmente à da Nação, de que eles são as células mais nobres, e constitui preocupação constante dos respectivos munícipes, porque a exagerada limitação de funções resultante de intromissões descabidas de organismos do Estado, a carência de recursos, por derivação para outras entidades (quase todas recentemente constituídas) de receitas que vão exaurindo o contribuinte, muitas vezes sem compensação condigna, e a sucessiva imposição do encargos e obrigações com que o Estado vai onerando as mal fornecidas tesourarias municipais e sobrecarregando de serviços o responsabilidades os respectivos presidentes c as suas repartições, se traduzem na impossibilidade de aqueles corpos administrativos corresponderem à sua alta missão de bem zelarem pela vida do concelho, por muito grande que seja o merecimento e dedicação dos respectivos componentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, daquele cerceamento de receitas, da referida restrição do funções e correspondente estiolamento da iniciativa municipal, de que tem resultado, aqui e ali, certo afrouxamento do dinamismo entusiasta com que os municípios responderam ao apelo patriótico dos fautores do Estado Novo, têm resultado reacções demonstrativas da vontade firme de trabalhar e construir, mas, para preencher a falta do receitas normais, a fim de conseguir os fundos indispensáveis às obras projectadas, houve que recorrer a soluções discutíveis, como a de expropriação do prédios urbanos e rústicos por quantias irrisórias, para depois os negociarem a preços elevadíssimos, sem que aos respectivos proprietários fosse garantido o recurso para os tribunais.
Felizmente que a Assembleia Nacional, no sen último período legislativo, revogou em boa hora o diploma, conhecido por «expropriações dos centenários», que autorizara tão deploráveis processos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas é bom de ver que isto, se é justo, não resolve as dificuldades referidas, e cada vez mais urgente e indispensável se torna garantir que as câmaras municipais disponham de recursos suficientes para dignamente administrarem os respectivos concelhos.
Ê certo quo, pela força do Fundo de melhoramentos rurais e de melhoramentos urbanos, são distribuídos subsídios às câmaras municipais, que muito contribuem para obras indispensáveis, o que é de louvar. E, a propósito, desejo agradecer ao ilustre Deputado Sr. Dr. Cymbron Borges a generosidade das palavras com que aludiu à minha intervenção naquela política que tanto tem frutificado.
Contudo, vinha ou dizendo, aquelas comparticipações, por vezos, são acompanhadas de excessiva invasão das prerrogativas municipais por escusadas determinações da burocracia do Estado, o que importa em todos os casos reduzir ao estritamente indispensável.
Mas tais subsídios, sempre de carácter eventual, não bastam, sendo absolutamente necessário criar receitas certas e regulares que garantam a vida normal dos municípios.
Há, porém, a registar que a única fonte legítima de todas as receitas públicas - o contribuinte - não é inesgotável e até se nota que o nível das suas disponibilidades tende, geralmente, para baixar além do que seria conveniente, tantas são as esguiças que, ao lado da grande torneira que alimenta a contribuição predial (agravada desde o último ano pelo imposto complementar e recentemente com mais 10 por cento sobre o sector rústico), as vão sugando para infinidade de organismos, tais como grémios da lavoura, Casas do Povo e multiplicidade do juntas, federações o tantas outras, das quais algumas sustentam estados maiores de grande representação e correspondentes gastos, a que não faltam palácios, automóveis e outros elementos da moderna sumptuária. Isto sem falar em colossais imobilizações, que chegam a atingir centos de milhares do contos.
Não é, pois, ao contribuinte que seria justo ir pedir maiores encargos, isto é, abrir novas esguiças em mealheiros quase estancados.
O Sr. Querubim Guimarães: - V. Ex.ª tem decerto conhecimento da mobilização do Fundo das caixas de previdência feita pelo Subsecretariado das Corporações para construção de casas económicas. É um benefício que vem daí. Há casos, realmente, em que esses fundos são destinados a fins sociais de importância.
O Orador: - Não ignoro o que V. Ex.ª acaba do afirmar e é-me grato render louvores pela aplicação útil que só vem fazendo desses fundos.
Mas a verdade é que todo esse dinheiro e o dos antigos impostos, agora agravados, saem dos produtores, que assim vêem as suas receitas sucessivamente reduzidas, e, se não travarem esta orientação, ver-se-á reduzido a muito pouco e até lhe faltará o indispensável para aguentar os encargos das suas empresas agrícolas ou industriais.
Há que fazer como o lavrador, que, se a água lho falta no campo, corre logo à levada e vai cuidadosamente tapando todos os buracos por onde ela se escapa, umas vezes para fins úteis, outras para regar terras estranhas e ainda umas outras em pura perda.
Há que reduzir muitas esguiças ao estritamente indispensável para alimentação do serviços úteis, mas outras tem de ser inexoravelmente fechadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aguardamos, para nossa orientação em tão grave capítulo, as conclusões da nossa muito ilustre comissão de inquérito à organização corporativa.
Sr. Presidente: às legítimas reclamações que acabamos de ouvir ao nosso distinto colega Sr. Dr. Rocha Paris, que é também digno presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, não falta a concordância do muitas outras edilidades, desde as de concelhos modestos, situados em zonas rurais, até aos do 1.ª categoria, cor-
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respondentes a zonas citadinas ou grandes centros industriais.
Permita-me V. Ex.ª que leia à Assembleia Nacional as considerações feitas sobre idêntico tema pelo nosso antigo e muito distinto colega o Prof. Luís do Pina, actual e muito digno presidente da Câmara Municipal do Porto, em sessão pública de 19 de Novembro último, algumas das quais já foram ontem aqui focadas pelo distinto Deputado Sr. Dr. Mendes Correia, antigo presidente da Câmara daquele velho mas sempre progressivo burgo. Peço, pois, licença para ler a longa série de reclamações a que acabo de referir-me:
Como V. Ex.ªs sabem, a I Conferência da União Nacional honrou a Câmara convidando o seu presidente a tomar parte nas suas sessões. Agradecendo a distinção concedida - e nela mais não VI cio que homenagem a este Município, na pessoa do seu maior responsável, tão desvaliosa e prescindível -, não me foi possível apresentar, como desejaria, algumas considerações que reflectissem certas das mais instantes aspirações desta cidade.
Contudo, entendo não dever deixar de manifestar a V. Ex.ª os termos em que propunha registá-las. É o que passo a fazer:
I - Revisão das taxas constantes da tabela do Código Administrativo, de modo a, de par com outras providências, se ampliarem as receitais do Município. Conhecida nónio é a estreiteza cias possibilidades .financeiras camarárias, em relação ao tanto que lhes incumbe e se lhes impõe, justo é que tal assunto mereça dos Poderes Públicos a necessária e urgente atenção. Uma cias principais razões desse aumento está no encarecimento extraordinário de materiais de construção e agravamento das despesas obrigatórias (acréscimos de ordenados dos seus funcionários, por exemplo). Identicamente se deverá rever a importância dos subsídios com que o Governo intervém na construção de casas para as classes mais necessitadas.
II - Entre outras providências, é aconselhável criar em Lisboa e Porto um imposto que substitua o do trabalho, lançado nos restantes concelhos do País. A sugestão não ipeca por injusta, visto que assim todos os munícipes comparticipariam nas despesas a que os municípios tem de obrigatoriamente ocorrer, especialmente em benefício desses mesmos munícipes.
III - De par, devem as câmaras municipais ser desoneradas de tantas obrigações de carácter financeiro por parte do Estado. À do Porto incumbem despesas, nesse capítulo, superiores a 2:000 contos, inclusive as respeitantes a serviços municipais, que, a não serem totalmente custeados pelo Estado, deveriam dele receber larga e carinhosa participação nas despesas. De contrário, as câmaras municipais, não podendo dotar convenientemente esses serviços do Estado ou destes congéneres, contribuirão também, embora involuntariamente, para, o desprestígio que provém cia insuficiência de instalações e funcionamento dos mencionados serviços. Recordo, ao aludir a estes, os tribunais, as escolas, as conservatórias e administrações de bairros, etc. O desvio de fundos camarários para obras estranhas à verdadeira função municipal acarreta indiscutível paralisação cias propriamente suas, com duro gravame dos povos.
IV - De par, ainda deve ser justamente condicionada a ingerência ou indevida intromissão de certos serviços do Estado na vida puramente interna dos municípios, facto que causa, não só injustificável quebra da sua autonomia, mas naturais perturbações e delongas na preparação e execução das suas tarefas.
V - Concessão às autoridades sanitárias dos concelhos de mais largas e eficientes faculdades de intervenção no que respeita à defesa da saúde pública. Lembro, em especial, o concernente à higiene habitacional e à fiscalização dos alinhamentos.
VI - Urgente e ainda mais produtivas providências tendentes à solução da crise de habitações, grave em todo o País, mas de especial acuidade nos grandes aglomerados populacionais. A natural expansão destes, o afluxo de população estranha, a paralisação da construção, por parte dos particulares, de edifícios pequenos para as classes mais desprotegidas, o actual sistema de inquilinato R tantas outras razões impedem a solução do problema, pelo menos com a rapidez que requer. Tal como se tem feito quanto ao emergente largo financiamento por parte do Estado de portos, hospitais, estradas, material de guerra, estabelecimentos prisionais, proceder-se-ia no caso da construção de casas para famílias pobres e para a classe média, atendendo a que o problema habitacional é um dos mais sólidos fundamentos de saúde dos povos e a atenuação da sua insuficiência, concorre poderosamente para o decréscimo de outros encargos de assistência u doença, à inaptidão, à invalidez, tanta vez evitáveis por mera política profiláctica.
VII - No caso de construção de casas para famílias pobres e classe média urge; adoptar sistema de edificação mais económico, no que concerne a localização e a terreno, a despesas com urbanização, à manutenção de seus arruamentos e zonas verdes e à conservação das casas. Pesa sobre os municípios grande encargo nesse particular. Simultaneamente com o bairro já consagrado, urge edificar habitações em pequenos blocos, em ruas já feitas e não distantes dos centros de actividade ou trabalho dos interessados. Os empréstimos a que se obrigam os municípios para a satisfação da lei, quanto à construção de bairros, devem revestir a forma de simples adiantamentos a longo prazo. O pagamento de juros antes, neste caso, acho-o impróprio, por ser injusto.
Deve acarinhar-se imediatamente a constituição e acção de cooperativas construtoras, sem esquecer que as câmaras municipais deixem de receber as competentes verbas de receita concernentes a licenças, quanto a edificação de casas a que aludi.
VIII. - Cabendo às câmaras numerosas tarefas respeitantes a obras públicas (urbanização, embelezamento, salubrização, etc.), tudo o que seja desvio do seu poder económico para outras obras de carácter estadual ou menos municipal acarreta a paralisação de tais obras públicas, a sua insuficiência ou a sua intolerável demora.
IX - A obrigatoriedade de os municípios concederem terrenos para obras que lhes não digam directamente respeito deve ser severamente condicionada. No Porto, como nos meios grandes, o preço dos terrenos está a ser inacessível e incomportável para os erários municipais.
Exigir-se-lhes a concessão gratuita de terrenos é contribuir injusta e duramente para o agravamento das finanças camarárias.
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cipal, totalmente a cargo da Câmara, e o Conservatório Municipal de Música, ainda insuficientemente subsidiado pelo Governo (menos de um quarto das suas despesas totais).
XI. - Na política de urbanização que em boa. hora se inaugurou em Portugal deve caber especial lugar à salubrização dos velhos bairros e melhoria das habitações.
XII. - Nas tarefas de assistência deve conceder-se à infantil e à materna, em seus variados meios, um lugar especialíssimo e preferente a qualquer outro.
Neste particular urge descentralizar a assistência pública, reduzir os seus encargos com pessoal e unificar os sistemas de execução. Neste particular o Porto é dos meios mais dignos de atenção.
XIII. - Solicita-se mais firme e definido espírito de colaboração e conselho das repartições superiores do Estado para as grandes e tão injustamente tratadas e compreendidas, por vezes, tarefas dos municípios.
XIV. - É de aconselhar a frequente congregação ou assembleia dos municípios do País sob a égide da Direcção Geral de Administração Política, e Civil e a superior presidência do Ministro do Interior.
Eis, sucintamente, algumas das aspirações portuenses. Ouvi e todos ouvimos da boca de S. Ex.ª o Ministro do Interior consoladoras promessas da satisfação de alguns problemas ali apresentados e que com aquela intimamente se relacionam.
Esperamos que o ilustre titular, a quem vão ser transmitidas, lhes dê o seu valioso interesse, no alto espírito de justiça que põe em todos os seus actos.
Sr. Presidente: o tempo que acabo de tomar à Assembleia Nacional com a leitura das inteligentes aspirações do muito distinto presidente da edilidade do grande centro económico e cultural do Norte reputo-o, o creio ser também a opinião de todos V. Ex.ª, bem aproveitado, porque se encontram ali reclamações indiscutivelmente justas, ao lado de sugestões que bem mereciam ser largamente glosadas, como se põem vários problemas de franca oportunidade e larga envergadura dignos de ponderado estudo e discussão.
A cidade do Porto, onde muito se tem trabalhado e progredido, apesar de reduzida quase exclusivamente ao esforço próprio (o dos seus habitantes laboriosos em colaboração com a respectiva Câmara Municipal, sempre zelosa e diligente, as suas perseverantes associações o outras entidades de reconhecido mérito), muito carece de progredir, sobretudo se a compararmos com esta capital (condigna metrópole do nosso grande Império, onde a Vida é brilhante e os negócios prosperam), para continuar a preencher as suas funções no ritmo acelerado que os tempos de hoje exigem, e no grau elevado que sempre se registara na sua tradição bela e dinâmica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, Sr. Presidente, repito as afirmações já feitas de que os réditos municipais não deverão, sob pena de agravarem incomportàvelmente a economia doméstica dos seus habitantes, ou de desequilibrarem os orçamentos de milhares de empresas que ali trabalham afadigosamente para garantirem a prosperidade daquele burgo e da Nação, ser robustecidos com novas tributações, seja qual for a sua proveniência ou designação, nem com lucros provenientes de expropriações, que iriam agravar injustamente uns tantos proprietários que confiadamente haviam colocado suas economias em prédios urbanos ou rústicos daquele concelho, em vez de as orientar noutros rumos, inclusivamente os que levam ao estrangeiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que o Estado cubra os encargos de obras, instituições e serviços que não sejam iniludívelmente de carácter municipal.
Que não se desviem para novos organismos, juntas, federações, grémios o similares quantiosas verbas que, na sua maior importância, bem poderiam entrar nos cofres municipais.
Que se não transfiram para outras terras as sedes de actividades económicas com longa o brilhante tradição no burgo portuense.
E, ainda, que não se prossiga, antes se emende, a política exageradamente centralizadora que tudo chama para o Terreiro do Paço o anexos, com manifesto prejuízo das autarquias, das actividades económicas, e efeitos manifestamente inibitórios das iniciativas locais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A população portuense, ao ler, em Novembro último, o relato da sessão em que o ilustre e activo presidente da sua Câmara Municipal tão interessado se mostrara no progresso da sua terra, registou mais uma razão para lhe ser agradecida, bem como à ilustre vereação, que ainda recentemente valorizaram os serviços municipalizados, de que tantos benefícios vem resultando, com o importante sector dos transportes colectivos, que já no semestre que findou (primeiro da administração municipal) registou um aumento de 4 milhões de passagens e melhorou a exploração com importantes aquisições, modificações nos percursos, tarifas para operários, estudantes, etc., e outras reformas de valor.
E a população tripeira, ciosa, como é, das actividades privadas o de um justo grau do liberdade de trabalho, vai recebendo com aplauso, a municipalização de serviços fundamentais, como a água, energia eléctrica e transportes colectivos, porque, além de benéfico reflexo no bem-estar geral, não deixará de contribuir para o robustecimento de todas as empresas, que assim poderão defender-se de todos os assaltos contra a actual estrutura económico-social, venham de onde vierem.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentada:
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem do dia:
1.ª parte: continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris;
2.ª parte: discussão da proposta de lei sobro a reforma do ensino técnico. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 8 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Indalêncio Freilano de Melo.
José Alçada Guimarães.
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José Soares da Fonseca.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luis Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Gaspar Inácio Ferreira.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luis Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel Marques Teixeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez
Nova publicação da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional, a que o Sr. Presidente se referiu na sessão de hoje:
Proposta de lei n.º 99, sobre a reforma do ensino técnico profissional
1. Criada pelo decreto-lei n.º 31:431, de 29 de Julho de 1941, a Comissão de Reforma do Ensino Técnico, iniciou ela desde logo os seus trabalhos. A recolha e análise dos mais diversos elementos de estudo a que se entendeu dever recorrer para uma nova organização das escolas e dos institutos industriais e comerciais e das escolas agrícolas não podiam fazer-se precipitadamente, sob pena de não conduzirem a conclusões que pudessem ser consideradas seguras.
Causas de ordem vária, entre as quais a guerra mundial, não permitiram que as conclusões da primeira fase dos trabalhos da Comissão se traduzissem imediatamente em providências legislativas. Com o decurso do tempo novos problemas se suscitaram e a novos estudos se procedeu ; e, assim, veio naturalmente a verificar-se a conveniência de, em mais de um ponto, alterar o sistema que fora esboçado.
Formulam-se agora as bases da reforma do ensino técnico profissional e médio e do ensino agrícola. Algumas palavras se tornam necessárias para esclarecer o sentido geral das soluções apresentadas e as inovações introduzidas no plano de estudos até hoje adoptado.
2. Presentemente a admissão nas escolas industriais p comerciais verifica-se aos 12 anos ou, mais precisamente, aos 12 anos incompletos, exigindo-se aos candidatos à matrícula a habilitação no exame da 4.º classe de instrução primária. Daqui resulta, não raro, uma forçada suspensão na carreira escolar das crianças que se propõem seguir os cursos técnicos; não se torna necessário acentuar as consequências nocivas que dessa suspensão necessariamente derivam.
Encontra-se hoje largamente difundida e parece que firmemente aceite a corrente doutrinal que, baseando-se nos dados das ciências psicológicas e em razões de carácter social e económico, preconiza a elevação para os 14 ou 15 anos do mínimo de idade em que deve iniciar-se qualquer aprendizagem de natureza estritamente profissional. E, embora se pense que, em virtude das condições educativas que lhe são inerentes, o trabalho na oficina escolar pode, sem grande inconveniente, antecipar-se à iniciação empírica, realizada nas oficinas e demais estâncias «lê trabalho imediatamente produtivo, não se afigura vantajoso distanciar excessivamente as idades correspondentes a nina e outra. Por isso, a tendência geral é no sentido de retardar a admissão nas escolas profissionais. O mínimo de idade fixado na nossa actual legislação constitui um caso isolado.
Reconhece-se, assim, a necessidade de instituir um ciclo escolar que articule o ensino profissional com o primário, necessidade que de há muito vem sendo posta em relevo por todos aqueles que destes problemas se têm ocupado.
Normalmente, os alunos abandonam a escola primária aos 11 anos. Os que não transitam para cursos de preparação geral, de longa duração, como o do liceu, não deviam mesmo abandoná-la antes. Há realmente alguma coisa de essencial, embora muito simples, a aprender nas quatro classes até àquela idade. O rendimento obtido no 1.º ano dos cursos profissionais demonstra-o a toda a luz. Fixa-se, pois, rigidamente, nos 11 anos a idade de admissão no ciclo preparatório elementar das escolas técnicas.
As características e os fins educativos deste ciclo foram já indicados no relatório do decreto-lei. n.º 35:402, de 27 de Dezembro último, que criou a escola da vila do Barreiro. Dispensável se torna, pois, repetir neste lugar o que então se disse.
Uma observação importa, porém, acrescentar-lhe. Não se tratando ainda do ensino técnico, mas de uma introdução geral a todos ou quase todos os cursos profissionais, poderíamos ser levados a situá-lo no quadro da escola comum, da escola primária superior, por exemplo. Julga-se, porém, que no período inicial, que poderá classificar-se de experiência, muito terá a ganhar no íntimo convívio com as escolas técnicas. Espera-se que delas receba o forte sentido activo, o gosto pela expressão prática do saber, o cultivo atento dó sentido plástico. Uma vez suficientemente definida e fixada a sua índole, chegará por certo o momento de decidir sé este grau de ensino merecerá ou não maior, autonomia e poderá vir a desempenhar a função de vestíbulo de acesso a todas as escolas secundárias.
3. Igualmente ficaram suficientemente caracterizados, no decreto já citado de 27 de Dezembro de 1945, os cursos complementares de aprendizagem. Nem sempre a eles se poderá recorrer, umas vezes por virtude, das condições em que, fora da escola, é feita a aprendizagem, outras porque haverá sempre famílias que não se
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disporão a vincular a educação dos filhos a um contrato de aprendizagem. Para esses casos se prevêem os cursos de formação profissional, isto é, com ensino oficial e prático feito na escola.
Algumas críticas se têm feito, nem sempre destituídas de fundamento, a esta forma de ensino. Melhorados os cursos na sua estrutura e postas as escolas em condições de executarem satisfatoriamente os planos de trabalho -para elas legalmente fixados, tudo leva a crer que as deficiências e inconvenientes até agora verificados se removerão definitivamente, e a escola técnica diurna irá a ser aquilo que o desenvolvimento da vida económica portuguesa exige. Não se lhe peça, porém, como alguns inadvertidamente reclamam, o operário, o agente de trabalho altamente especializado, senhor de todos os segredos e particularidades da profissão. A escola, exactamente porque o é, nunca poderá levar a sua acção preparatória a tais extremos. Todas as autoridades no assunto reprovam os excessos prematuros de especialização na aprendizagem escolar, como claramente se infere dos tão numerosos votos emitidos sobre esta matéria nos congressos internacionais de ensino técnico.
O mérito da formação profissional obtida em ciclo escolar, fornecendo à execução das operações técnicas o apoio de sólidas noções científicas e o quadro de unia educação geral de nível conveniente, consiste em facilitar, por um lado, a rápida especialização posterior, w assegurar, por outro, ao jovem trabalhador a liberdade de escolher a sua profissão numa zona relativamente ampla de actividade. Está é a sua melhor justificação como processo educativo.
4. O regime do ensino nocturno carece de ser ajustado à sua finalidade específica. Cabe-lhe fornecer aos adultos, que durante o dia se encontram ocupados, a instrução geral e técnica necessária ao seu aperfeiçoamento profissional e que lhes faculte a ascensão nos quadros de actividade a que pertencem. Até agora vêm recorrendo indistintamente ao ensino nocturno aprendizes, profissionais de mais elevada categoria e candidatos sem ocupação definida. Uns e outros vêem-se forçados a escolher qualquer dos cursos profissionais que, aparte determinados ramos de aprendizagem oficinal, são à noite ministrados no ensino industrial, com as disciplinas, tempos semanais e programas fixados para a escola diurna.
Embora a lei lhes não imponha a sujeição ao plano fio respectivo curso, é grande a percentagem de alunos que, pela matrícula, se obrigam a três e quatro horas "l K frequência escolar em cada noite. A tarefa excede normalmente a capacidade de resistência de quem completou já um dia de trabalho profissional, em local muitas vezes distante da escola e da própria residência, e terá ainda, para satisfazer aos programas, de realizar em casa o estudo que é lícito exigir aos alunos sem ocupação. extra-escolar. Por isso muitos se vêem, em breve, forçados a abandonar, ao menos parcialmente, os encargos assumidos, de que resultam para a organização e funcionamento dos serviços escolares inconvenientes de toda a ordem.
Destacado da escola nocturna e sistematizado em moldes próprios o ensino complementar de aprendizagem, a cargo da primeira fica o ensino de aperfeiçoamento, que, salvo casos muito especiais, deve deixar aos alunos mais ampla liberdade na escolha das matérias de estudo, estabelecendo-se, porém, para essa eleição os limites que a higiene do trabalho, a preservação da saúde, a interdependência dos programas e a estabilidade da organização escolar tornem indispensáveis. Cada um receberá da escola aquilo que reputar mais útil. Não ficará vedado a estes alunos a obtenção dos diplomas
dos cursos profissionais, desde que, dentro e fora da escola, adquiram a aptidão para isso necessária.
5. Em casos especiais o ensino nocturno poderá, como já se disse, assumir carácter orgânico, aglutinando-se em conjuntos de relativa rigidez. Assim acontecerá, por exemplo, nos cursos de mestrança, previstos na presente proposta.
Vários dirigentes industriais formularam oportunamente o voto de que na reforma do ensino técnico viesse a ser considerada a organização desses cursos, aliás já existentes num ou noutro ramo, visto corresponderem a uma real necessidade de muitos sectores da produção industrial. Pensa-se naturalmente nas indústrias eléctricas, mecânicas e metalúrgicas, na construção civil, na indústria têxtil, na da moagem, na de conservas e na de minas.
Na opinião de alguns técnicos, em geral estranhos à prática diurna do trabalho fabril, a formação dos quadros oficinas deveria constituir a finalidade imediata dos institutos médios. Ora, as realidades mostram que o mestre ou chefe de oficina é um profissional competente, com noções gerais suficientes sobre a vida industrial e sobre a legislação do trabalho, ao qual longos anos de prática e de observação deram o conhecimento dos homens, o que, aliado aos seus dotes pessoais, lhe confere o prestígio e as qualidades de comando necessários à sua posição de responsável pela disciplina oficinas.
A selecção dos mestres faz-se, pois, nas fileiras da produção, entre os operários mais hábeis e instruídos, com maior dedicação pelo trabalho, e não pode obter-se com base imediata num diploma escolar. A função do ensino é, neste caso, simplesmente adjuvante ou complementar da educação conseguida no exercício da sua actividade profissional. Se é certo que a acção da escola tem de considerar-se indispensável para que aquela educação atinja o nível adequado, é igualmente certo não estar ao alcance da escola conferir aptidão de chefia, de génese tão complexa.
A frequência dos cursos de mestrança deve, pois, ser facultada àqueles que previamente tenham revelado capacidade pessoal para o exercício das funções que lhes correspondem, e desejável será que as empresas tomem a seu cargo a designação dos candidatos à frequência.
Em harmonia com estes princípios se prevê que, salvo para as indústrias dispersas, o ensino seja ministrado em conjunção com a actividade profissional, portanto em regime nocturno, solução, aliás, adoptada noutros países, precisamente naqueles que dispõem, nesta matéria, de mais larga experiência.
6. Certamente que, não obstante o que fica exposto, o ensino destinado à preparação dos mestres industriais pedia ser confiado aos institutos, o que aliás não representava qualquer novidade. Assim se fez na vigência de organizações anteriores, sem que, todavia, deixasse (U ser neles simultaneamente ministrado o ensino correspondente ao do currículo actual. Só recentemente mesmo é que foram transferidos para as escolas do ensino técnico profissional os últimos cursos desta natureza, por se ter reconhecido, afinal, a sua ineficácia, resultante precisamente dos moldes em que tinham sido planeados. Supôs-se que era possível obter mestres com preparação exclusivamente escolar: os resultados foram pouco menos do que nulos. Uma coisa é a formação de mestres, outra a formação de agentes técnicos de engenharia, e não parece indicado resolver o primeiro destes problemas à custa do segundo.
A utilidade dos institutos industriais encontra-se cabalmente demonstrada pela frequência, em contínuo aumento, e pela crescente eficiência do trabalho que os
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antigos alunos vão tomando a seu "cargo em vário ramos de actividade, tanto na metrópole como nas colónias. Se, durante .muitos anos, os técnicos saídos dos institutos procuravam quase exclusivamente os serviços públicos, muitos são os que actualmente optam pelos quadros da indústria. Os inquéritos feitos por iniciativa da Comissão de Reforma demonstraram de forma irrecusável que, para o ensino destas escolas produzir todo o rendimento económico de que é susceptível, não carece de ser alterado no seu nível científico ou na sua estrutura, mas de ser beneficiado no que respeita a trabalhos de aplicação e de laboratório e a exercícios oficinais. Em face destes factos, parecem inúteis as discussões em torno de um escalonamento abstracto e supostamente ideal das escolas do mesmo ramo. Bem anais defensável será promover o aperfeiçoamento de cada uma, respeitando-lhe as características adquiridas em longo período do útil funcionamento.
Aos institutos se atribui, pois, preferentemente, a missão de fornecer às indústrias nacionais técnicos especializados e competentes, com preparação científica para virem ocupar os lugares de comando, que, de acordo com o interesse nacional, se multiplicarão certamente no futuro, pela organização de novas indústrias e pelo progresso das existentes. Concomitantemente, os serviços públicos terão, com frequência, vantagem em recorrer, como até agora, aos técnicos deste grau para á formação dos seus quadros médios e de auxiliares das funções de direcção, e o próprio ensino profissional não poderá difundir-se na necessária medida sem utilizar em larga escala a sua colaboração.
Deve dizer-se que, procedendo assim, apenas nos mantemos na linha das soluções adoptadas nos países da Europa e da América, cujo exemplo pode ser de maior proveito, visto corresponder a mais ampla experiência da vida e da organização industrial. As escolas médias de engenharia têm, nesses países, função bem definida, precisamente a que deixamos mencionada; por isso são, em regra, mais numerosas do que as escolas superiores do mesmo ramo.
Já se tem afirmado que o número crescente de engenheiros torna injustificável a existência dos institutos médios; mas vê-se claramente que, posto nestes termos, o problema se n 7. Também, ou mais ainda, em relação à utilidade dos institutos comerciais se formulam dúvidas e restrições. Entendem alguns que as suas funções poderiam ser incorporadas, sem inconveniente, nas que presentemente são confiadas às escolas comerciais. Segundo este ponto de vista, os institutos, como é transparente, não estão a mais: há, sim, institutos a menos. Condenam outros o carácter híbrido destas escolas: secundárias na base, convizinham excessivamente com o ensino superior nalguns aspectos da sua organização. Sem negar certo fundamento a esta última observação, antes tornando-a em conta para fixar aos institutos comerciais posição mais adecuada, deve no entanto acrescentar-se, como já ficou referido, que a eficiência social das escolas não pode aferir-se pela justeza com que se adaptam a esquemas rígidos de classificação. O problema talvez ganhe em ser analisado mais de perto. Os dois institutos existentes em Portugal receberam 757 alunos em 1935-1936, 1:114 em 1940-1941 e 1:207 em 1914-1945. O número anual de diplomas concedidos está, porém, muito longe de acompanhar este movimento de matrículas e tem sido diminutíssimo, raramente correspondendo a 3 "por cento da frequência total. Não ê, porém, difícil encontrar as causas de tão impressionante anomalia. A aprovação no 2.º ano dos institutos permite o ingresso, mediante exame de admissão, no ensino superior de ciências económicas e financeiras e o número de alunos que utilizam esta faculdade legal é muito superior ao dos que concluem o curso de contabilista. Em seguindo lugar, porque nestas escolas se faz ensino nocturno, muitos dos que as frequentam tem durante o dia outras ocupações, e limitam-se, por isso, a procurar a habilitação das matérias escolares que mais intimamente se "relacionam com a sua actividade profissional, renunciando frequentemente à obtenção do diploma. Acresce que não se encontra ainda regulamentado o exercício da actividade profissional dos técnicos de contas, a respeito da qual os antigos alunos dos institutos comerciais justificadamente pretendem ver definida a sua posição: falta-lhes para a conquista do diploma, enquanto aquela aspiração não for satisfeita, o mais forte estímulo. O que se torna necessário é ter em consideração a dupla função dos institutos como escolas preparatórias e como escolas profissionais, não esquecendo nunca os fins que lhes são específicos: oferecer aos quadros das actividades dos nossos dois maiores centros mercantis contabilistas e auxiliares de administração com a preparação técnica adequada à complexidade das organizações comerciais de maior vulto; proporcionar aos melhores alunos saídos das escolas comerciais os meios de melhorar a sua formação profissional para assim se tornarem aptos a ocupar, na carreira que escolheram, situações de mais alta responsabilidade; facultar aos alunos que iniciaram os seus estudos nos liceus e que se não propõem entrar no ensino superior um curso técnico de duração moderada, que os habilitará utilmente na luta pela vida. Nem pode deixar também de ter-se em conta o aproveitamento dos diplomados no campo do ensino comercial elementar. 8. Sendo o menos difundido de todos os ramos do ensino técnico, o ensino agrícola é simultaneamente o menos equilibradamente distribuído pelas escolas dos diferentes graus actualmente existentes: duas escolas práticas de agricultura (elementares) e três de regentes agrícolas (médias). A isto deverá acrescentar-se que, embora se tenha como necessária a criação de novas escolas de categoria idêntica ou análoga às primeiras, não parece ser esse ainda, nas actuais circunstâncias, o tipo de ensino a instituir com mais largueza noa meios rurais. Exigindo amplos terrenos para demonstrações práticas e exercícios de aprendizagem e destinando-se a servir zonas extensas, as escolas de feitores funcionam em regime de internato ou com internato anexo, pelo que, apesar de nelas se ministrar gratuitamente o ensino, a frequência escolar envolverem geral, encargos que o pequeno proprietário dificilmente pode assumir. For isso se reputa como necessário ir mais longe: por um lado, levar a escola até junto doa que trabalham a terra, ou se dispõem a fazê-lo, já que a grande massa desses, mesmo quando a desejam, não a encontram ao seu alcance; por outro lado, promovendo a plena execução de disposições legais já existentes, organizar nos centros de ensino fixo. formas de instrução intensiva, com definida finalidade prática e utilitária, que permitam reduzir ao mínimo indispensável, para aqueles que pretendam acompanhá-las, o período de afastamento das actividades agrícola" em que se ocupem. Fará criar gradualmente a rede deste ensino elementar couta-se com a colaboração do professorado prima-
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rio e do pessoal técnico dos serviços agrícolas e pecuários, dispersos pelo Pais, em seguimento, aliás, para estes últimos, de iniciativas próprias e atinentes à difusão, entre os trabalhadores de campo, das mais úteis técnicas agrícolas. De cada escola, de cada núcleo permanente de ensino, deverá irradiar a acção docente, deslocando-se, sempre que necessário, até onde for possível, sem prejuízo da assistência que àqueles deverá ser prestada.
Para servir as áreas que por esse processo não sejam atingidas terá de recorrer-se para as matérias de natureza técnica a agentes especiais que, nas épocas mais apropriadas, agora numa localidade, meses depois noutra, ministrem à juventude rural a preparação de que carece, a fim de, extraindo maior rendimento da terra, conquistar mais alto nível de vida. Gomo se vê, qualquer coisa de análogo às escolas de inverno e às cátedras ambulantes, tão frequentes nos países agrícolas.
9. No actual plano de estudos a formação dos regentes agrícolas é obtida pela inserção das disciplinas técnicas no curso geral dos liceus, fazendo-se exclusivamente ensino profissional nos dois últimos anos dos sete de frequência escolar.
O Estado mantém assim três liceus cuja frequência está condicionada pela lotação dos internatos das escolas. O pensamento do legislador foi, sem dúvida, o de proporcionar à educação dos filhos de lavradores, que desejassem guardar fidelidade à estirpe rural, ambiente que neles suscitasse e alimentasse o gosto pela vida do campo e o amor da profissão a que os destinavam.
Simultaneamente, os que viessem a desinteressar-se do fim próprio do curso não teriam perdido o seu tempo.
Não pode negar-se o valor de tal orientação; mas tem igualmente de reconhecer-se que o regime adoptado reproduz, agravando-a, a situação que todos condenam na organização actual do ensino técnico profissional, isto é, forçar crianças de 11 anos a decidir da sua carreira futura.
Além disso, verifica-se que, pelo menos, 75 por cento dos lugares dos internatos se encontram ocupados por alunos que recebem ensino liceal, impedindo assim as escolas de atender, em maior número, os candidatos à frequência do ensino técnico, que evidentemente constitui a sua verdadeira e única razão de ser.
Ë este o motivo por que se assenta, em princípio, na supressão do curso liceal até agora ministrado em tais escolas, prevendo-se, porém, que, transitoriamente, possa nelas ser feita, pelo menos parcialmente, a preparação para o ingresso no curso profissional.
A organização do ciclo preparatório a que se refere a presente proposta, com feição agrícola e rural, onde isso se tiver por vantajoso, parece dar satisfação, embora por forma diferente, ao intento que presidiu à criação dos liceus agrícolas.
10. Se atentarmos no processo de desenvolvimento do ensino profissional nos países da civilização atlântica, somos levados a concluir que em Portugal muito pouco se deve nesta matéria à iniciativa particular; por tendência ou por hábito, tudo esperamos do Estado.
As instituições económicas, os colégios profissionais e as empresas particulares raramente têm desempenhado, pelo que respeita ao ensino técnico, a função que lhes compete. E certo que esse alheamento tem significado muitas vezes discordância das soluções oficialmente adoptadas ou descrença nos seus resultados. E não seria justo deixar esquecidos animadores exemplos de iniciativas beneméritas, pôr parte de diversos organismos, como a Associação industrial Portuense, a Companhia Portuguesa de Caminhos de Ferro, as Companhias Reunidas Gás e Electricidade, a Sociedade Nacional de Fósforos, a União dos Grémios dos Industriais Gráficos.
A organização corporativa, enfeixando as actividades profissionais e vertebrando a vida económica da Nação, oferece presentemente à cooperação de todas as entidades interessadas na manutenção e aperfeiçoamento do ensino a base sólida e estável que lhe faltava.
A acção do Estado no domínio da produção é, além de orientadora e coordenadora, meramente supletiva; mas, no terreno da instrução profissional e técnica, as responsabilidades do Estado são por certo mais amplas e imediatas, cabendo-lhe tomar a iniciativa da realização de um programa escolar mínimo. As entidades patronais e organismos profissionais cumpre, porém, dar apoio efectivo à execução daquele programa educativo e completá-lo onde se mostre insuficiente.
Para a obra da formação profissional dos trabalhadores portugueses se convocam, pois, todos os órgãos da vida económica nela directamente interessados. Espera-se que a tomem como empresa sua.
11. Deliberadamente se evitaram no plano proposto, até onde foi possível, esquemas excessivamente rígidos, que, impondo a uniformidade do ensino, afastam facilmente as escolas das realidades circundantes e muito diminuem a eficácia da educação profissional.
O ensino técnico destina-se a servir imediatamente a vida, e para isso há-de cingir-se à rica pluralidade das suas manifestações, graduar-se segundo as exigências do meio, adaptar-se às formas elementares em correspondência com as actividades mais simples, subir de complexidade onde o trabalho põe em jogo técnicas de rigor científico, escolher o regime mais consentâneo com a sua rápida difusão, actuar sempre pelos métodos que mais directamente conduzam à aplicação do saber transmitido.
Dos que o exercem reclama o ensino profissional, além de muitos outros predicados, comuns a todas as formas de magistério, conhecimento exacto das necessidades locais, vigilância contínua sobre as modificações nelas operadas, constante esforço de ajustamento e renovação. Isto significa que só se tornará profícuo se for confiado a quadros docentes estáveis, em harmonia com o volume da frequência escolar e recrutados com base em habilitação verdadeiramente séria.
A sustentação deste ensino representa para o País um encargo sempre crescente. Não será, porém, dinheiro perdido, pois as escolas o devolverão multiplicado em trabalho mais eficiente e mais perfeito, em portugueses dotados de mais esclarecido sentido social, mais aptos para as batalhas da produção, numa palavra, em mais riqueza.
12. Poucas são as escolas existentes que dispõem de instalações convenientes. O funcionamento dos serviços actuais faz-se em muitos casos com extrema dificuldade, e noutros acusa deficiências cuja gravidade não pode ocultar-se.
O novo plano de estudos seria inexequível em edifícios como os que são presentemente utilizados pelas escolas. Para que entrem em completa execução torna-se indispensável realizar, sem demora, as obras necessárias.
As instalações escolares não devem ser luxuosas, mas precisam de ser higiénicas e suficientes para a população discente, que não cessa de multiplicar-se. Estamos perante um problema de ordem material que, como problema prévio, condiciona a solução de todos os outros. Não podia deixar de ser aqui considerado.
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Nestes termos, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
PARTE I
Do ensino técnico profissional
BASE I
As escolas de ensino técnico profissional suo assim classificadas:
a) Escolas técnicas elementares, em que será exclusivamente ministrado o ensino das matérias do ciclo preparatório;
b) Escolas técnicas complementares, destinadas ao ensino complementar de aprendizagem ou ao de aperfeiçoamento profissional, embora nelas possa ser ministrado também o ensino do ciclo preparatório;
c) Escolas industriais, em que serão instituídos cursos industriais de formação ou de mestrança ou secções preparatórias, podendo nelas ser ministrado também o ensino mencionado nas alíneas anteriores;
d) Escolas comerciais, destinadas a ministrar o ensino comercial de formação profissional, associado ou não ao ciclo preparatório, ao ensino complementar de aprendizagem ou ao de aperfeiçoamento;
e} Escolas industriais e comerciais, que abrangerão o ensino mencionado nas duas alíneas anteriores.
Cada escola de ensino técnico profissional será dotada com os cursos e tipos de ensino que melhor se adaptem à s formas de trabalho industrial e de actividade comercial predominantes na respectiva região.
Em ligação com as escolas para tal fim designadas poderão organizar-se oficinas de aprendizagem de natureza artística (nomeadamente de rendas, tapeçaria e claria) estranhas aos cursos ministrados nessas escolas, mas cuja produção deva ser orientada pelo Estado. As condições de admissão e de funcionamento serão, para cada caso, fixadas em regulamento.
Fica o Governo autorizado a criar as escolas do ensino técnico profissional que as condições económicas e sociais do País justificarem. As escolas serão criadas por decreto dos Ministros da Educação Nacional e das Finanças.
BASE II
O ensino técnico profissional, abrangerá dois graus: a) 1.º grau, que será constituído por um ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem geral, normalmente com a duração de dois anos, destinado a ministrar aos candidatos com a idade mínima de 11 anos, aprovados na 4.º classe de instrução primária, a habilitação necessária para a admissão nos cursos técnicos respeitantes às profissões qualificadas da indústria, do comércio e da agricultura;
6) O 2.º grau, que compreenderá os cursos complementares de aprendizagem e os cursos industriais e comerciais de formação profissional e de mestrança, ou outros que vierem a ser organizados em seguimento do ciclo preparatório, com duração variável segundo a natureza da profissão, sem, todavia, poderem exceder o período de quatro anos.
BASE III
As matérias do ciclo preparatório compreenderão as seguintes unidades docentes: língua e história pátria, ciências geográfico-naturais, aritmética e geometria, desenho geral, caligrafia, trabalhos manuais, educação moral e cívica, educação física e canto coral.
O ensino assumirá, na medida conveniente, características de orientação profissional e os programas e os tempos destinados a cada uma das unidades docentes
poderão variar de escola para escola, em correspondência com as condições naturais e económicas da respectiva região, dentro dos limites que assegurem ao ciclo de ensino valor educativo equivalente.
Os trabalhos manuais serão de oficina - preferentemente de modelação de madeira, de metal, de costura, e análogos; ou de campo - designadamente de jardinagem, de horticultura, de pomologia, de zootecnia e análogos.
A aptidão escolar dos candidatos à matrícula poderá ser verificada em exame de admissão.
BASE IV
O ensino complementar de aprendizagem será ministrado paralelamente e em correlação com a iniciação profissional realizada nas oficinas, fábricas, estabelecimentos comerciais e semelhantes, e instituído nas localidades onde o número de aprendizes e praticantes das profissões qualificadas justifique o seu funcionamento.
Os cursos complementares serão constituídos pelas disciplinas de cultura geral e de aplicação, cujo estudo, associado à prática obtida fora da escola, concorra para a educação profissional, moral e cívica dos alunos, podendo ainda incluir sessões de trabalho oficinal quando assim se torne aconselhável.
As lições não excederão, em regra, doze horas semanais, compreendidas no período de trabalho do aprendiz, que terá direito à remuneração correspondente, salvo nos casos de manifesta falta de aproveitamento, e os horários serão organizados, ouvidas as entidades patronais, pelo modo que mais facilite a frequência escolar.
Relativamente às profissões cujo ensino complementar se encontre suficientemente difundido poderá ser estabelecida a obrigatoriedade da frequência escolar para o efeito de promoção às categorias profissionais superiores ao aprendizado.
O ensino complementar de aprendizagem poderá ser organizado tendo por base a habilitação da escola primária em relação às profissões para as quais tal preparação se mostre suficiente; e, transitoriamente, proceder-se-á de igual modo em relação às demais (profissões, enquanto não puder subordinar-se a admissão no aprendizado à habilitação obtida no ciclo preparatório.
BASE V
Os cursos industriais de formação profissional serão ministrados em regime exclusivamente diurno e compreenderão, além das matérias de cultura geral necessárias a uma conveniente educação intelectual, moral e cívica, as disciplinas tecnológicas e de aplicação relativas a determinado ramo de trabalho, e, nas oficinas, a aprendizagem metódica e quanto possível completa de um ofício, tendo sempre em vista conferir aos alunos a aptidão exigida no exercício da correspondente profissão industrial.
Com o fim de facilitar aos alunos a escolha da carreira futura, poderá o ensino, sempre que daí não resulte inconveniente, desdobrar-se em cursos de base, comuns a diversas profissões, e cursos de especialização.
Mediante acordo entre as direcções das escolas e as entidades patronais, os alunos do último ano dos cursos
Soberão realizar nas oficinas dessas entidades as sessões e trabalhos oficinais a que foram por lei obrigados.
BASE VI
Os cursos comerciais de formação profissional serão constituídos pelas matérias de cultura geral adequadas a uma conveniente educação intelectual, moral e cívica, e pelas disciplinas, exercícios de aplicação e cur-
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sós práticos susceptíveis de conferir aos alunos a aptidão necessária ao exercício de determinadas profissões comerciais.
BASE VII
Sempre que o número de candidatos o justifique, será organizado nas escolas, em regime nocturno e para indivíduos maiores de 15 anos que durante o dia trabalhem na indústria ou no comércio, o ensino das disciplinas de cultura geral, tecnológicas ou de aplicação incluídas nos cursos complementares de aprendizagem ou nos cursos de formação profissional ministrados nessas escolas ou ainda o de outras matérias que possam interessar ao aperfeiçoamento profissional desses indivíduos, podendo igualmente realizar-se, com o mesmo fim, sessões de trabalhos oficinais de duração moderada.
Os trabalhos escolares do período nocturno não se prolongarão, normalmente, além das 22 horas e não poderão exceder, em regra, doze horas semanais.
Aos indivíduos aprovados nas disciplinas cujo ensino se fizer em regime de aperfeiçoamento poderão ser conferidos diplomas dos cursos profissionais nas condições que vierem a ser fixadas em regulamento.
BASE VIII
Em ligação com os cursos industriais e comerciais será, nas escolas designadas em regulamento, ministrada aos candidatos a admissão aos institutos industriais e comerciais, bem como às escolas de belas-artes, a habilitação necessária, podendo constituir-se para tal fim secções preparatórias.
A matrícula nas disciplinas compreendidas nas secções preparatórias realizar-se-á mediante adequadas provas de selecção escolar.
BASE IX
Os cursos de mestrança terão por fim ministrar a operários com habilitação suficiente que trabalhem nas profissões dos ramos relativos a esses cursos, e que pretendam vir a exercer funções de contramestres, mestres e chefes de oficina, a instrução geral e técnica de que, para tal efeito, careçam.
Estes cursos serão organizados nas escolas dos grandes centros industriais, por iniciativa do Ministério da Educação Nacional ou das empresas e organismos interessados, à medida que as necessidades o justifiquem e as condições daquelas escolas o permitam.
O ensino dos cursos de mestrança será feito em regime nocturno, paralelamente ao exercício da actividade profissional, salvo quando respeite a ramos industriais cuja dispersão não permita que se conjugue a frequência escolar com o trabalho profissional.
BASE X
De todos os cursos especificamente femininos, bem como do ensino ministrado, (nos restantes cursos, a turmas femininas, farão parte as disciplinas de economia doméstica e de puericultura.
Em regulamento serão designados os cursos industriais em que poderá ser autorizada a matrícula de alunos do sexo feminino.
BASE XI
O pessoal dos quadros docentes do ensino técnico profissional será constituído por professores ordinários e professores extraordinários e por mestres, contramestres e auxiliares de ensino. Haverá também professores de educação moral e cívica, de educação física e de canto coral.
Segundo a natureza dos grupos de disciplinas cuja regência lhes competir e os graus de ensino ministrado nas escolas a que se destinarem, os candidatos a professores ordinários e extraordinários serão recrutados de entre os diplomados com os cursos técnicos superiores ou médios, ou cursos superiores ou especiais de belas-artes, os licenciados pelas Faculdades de Letras e de Ciências, ou os indivíduos habilitados nos cursos especiais que vierem, para o efeito, a ser organizados com matérias professadas naqueles estabelecimentos de ensino.
A formação pedagógica dos candidatos a professores será obtida num curso da duração de dois a quatro semestres, e a aprovação neste curso dará direito ao título de professor agregado do ensino técnico profissional e ao ingresso nos quadros, nos termos que vierem a ser fixados em regulamento.
O quadro privativo de cada escola será constituído por professores ordinários, ou por professores ordinários e extraordinários, segundo a natureza do ensino que nela for ministrado.
Só poderão ser nomeados professores ordinários os candidatos habilitados com os cursos superiores a que se refere a presente base, salvo o caso especial de professores actualmente em serviço, cuja situação será definida em regulamento.
Quando, por manifesta conveniência do ensino, o serviço docente respeitante a disciplinas tecnológicas ou que constituam inovação pedagógica deva, em qualquer escola, ser confiado a profissionais de reconhecida idoneidade, nacionais ou estrangeiros, serão estes para tal fim contratados pelo tempo, com a remuneração e segundo o regime de trabalho a fixar por despacho do Ministro da Educação Nacional.
No impedimento dos professores do quadro ou quando estes não possam assegurar todo o serviço, serão nomeados professores agregados e, na falta destes, professores provisórios.
A condução dos trabalhos de cada oficina das escolas de ensino técnico profissional ficará a cargo de um mestre, coadjuvado pelos contramestres necessários, devendo um e outros ser recrutados de entre os candidatos habilitados em curso que inclua os trabalhos dessa oficina.
No ensino comercial, bem como no ciclo preparatório, a regência dos cursos práticos de caligrafia e esteno-dactilografia e dos trabalhos de escritório, quando os haja, será confiada a um ou dois mestres, segundo as necessidades da frequência, coadjuvados, quando necessário, por auxiliares de ensino, devendo uns e outros ser recrutados de entre os candidatos habilitados com os cursos correspondentes do ensino técnico profissional.
No impedimento dos mestres, contramestres e auxiliares do quadro e para a execução do serviço que pelos mesmos não possa ser distribuído serão nomeados contramestres e auxiliares provisórios.
Os quadros docentes das escolas serão ajustados às actuais necessidades do ensino, procedendo-se à transferência do pessoal actual para as categorias que lhe corresponderem.
PARTE II
Dos institutos industriais e comerciais
BASE XII
O ensino médio industrial, que será ministrado nos actuais institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de engenharia e chefes de indústria; e os cursos que o constituem compreenderão aulas teóricas, aulas práticas, trabalhos gráficos, de laboratório e de oficina.
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Cada instituto será dotado com cursos de base, que terão quatro anos de duração, funcionando em regime diurno, nos quais poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 15 anos que tiverem obtido aprovação em exame de admissão.
Os cursos de base serão os seguintes:
a) Electrotecnia e máquinas;
b) Construções civis e minas;
c) Química industrial.
O diploma de qualquer dos cursos de base confere o direito ao uso do título profissional de agente técnico de engenharia.
A aprovação no 3.º ano do curso de química industrial será para todos os efeitos legais equivalente ao actual curso de química laboratorial.
Nos institutos industriais será também ministrada a habilitação necessária para a admissão nos cursos superiores de engenharia e no de maquinistas da Escola Naval.
BASE XIII
Nos institutos industriais poderão ainda ser organizados cursos de aperfeiçoamento e cursos de especialização, sempre que as necessidades o justifiquem.
Os cursos de aperfeiçoamento serão criados com o fim de facultar aos agentes técnicos estudos complementares referentes a indústrias nacionais relacionadas com os cursos de base que os mesmos possuírem e funcionarão em regime nocturno, durante um ou mais semestres.
Os cursos de especialização destinam-se a formar técnicos para os ramos da indústria nacional para os quais não se encontre organizado o ensino especial nas escolas superiores de engenharia do País e no caso de, para tal efeito, não poder recorrer-se eficientemente ao regime de ensino de aperfeiçoamento. Estes cursos serão diurnos, de frequência limitada, com duração não superior a quatro semestres, e nenhum deles será ministrado em mais de um instituto.
BASE XIV
O ensino médio comercial, que será ministrado nos actuais institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de administração e contabilistas e será organizado em curso com a duração de três anos, constituído por aulas teóricas, aulas e cursos práticos c trabalhos de laboratório.
O ensino será diurno ou diurno e nocturno, segundo as necessidades.
Nos institutos comerciais poderá ser organizado um curso especial preparatório para a admissão ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, e o curso de contabilista compreenderá a habilitação preparatória para a matrícula nos cursos de administração militar c administração naval das Escolas Militar e Naval.
A matrícula nos institutos comerciais será facultada aos candidatos com a idade mínima de 15 anos e que tenham sido aprovados em exame de admissão.
Os diplomados pelos institutos comerciais têm direito a usar o título profissional de contabilista.
BASE XV
O pessoal dos quadros docentes dos institutos industriais e comerciais será normalmente recrutado por concurso e constituído por professores ordinários e professores auxiliares, escolhidos de entre os diplomados pelos cursos superiores técnicos mais adequados, ou por outros a designar oportunamente, e por mestres de oficinas e de cursos práticos, que deverão possuir a habilitação dos cursos técnicos do ramo correspondente.
Compete especialmente aos professores ordinários a regência das aulas teóricas e aos auxiliares a dos trabalhos práticos, de laboratório e dos cursos de línguas estrangeiras; aos mestres cabe designadamente a condução dos trabalhos de oficina e das sessões de esteno-dactilografia e caligrafia.
Nos casos de impedimento do pessoal docente dos quadros ou quando este não possa encarregar-se dê todo o serviço, recorrer-se-á ao recrutamento de professores e de mestres provisórios.
PARTE III
Do ensino agrícola
BASE XVI
O ensino elementar agrícola, quer de índole geral, quer especial, destina-se a ministrar aos trabalhadores do campo conhecimentos gerais e noções técnicas referentes à agricultura e à pecuária ou a qualquer dos seus ramos de exploração; será organizado tomando como base a habilitação da instrução primária; e será ministrado em regime periódico, que utilize .as épocas, de mais moderada actividade agrícola, e com carácter móvel sempre que tal se mostre aconselhável.
Mediante acordo a estabelecer entre os Ministérios da Educação Nacional e da Economia, promover-se-á a instituição de núcleos deste ensino junto dos organismos de fomento c assistência técnica mantidos por este último Ministério que, para tal efeito, reúnam as condições necessárias. Simultaneamente será intensificada a acção de fomento e assistência técnica à lavoura, por lei atribuída às escolas dependentes do Ministério da Educação Nacional, cujas explorações passarão a ser administradas segundo o regime análogo ao estabelecido no artigo 45.º do decreto-lei n.º 27:207, de 16 de. Novembro de 1936.
O serviço docente relativo ao ensino elementar agrícola poderá parcialmente ser confiado a professores de instrução primária em exercício nas localidades ou regiões onde o mesmo vier a ser instituído, quando daí não resulte inconveniente para qualquer dos ensinos, devendo ser remunerado como serviço extraordinário.
Serão organizados nas escolas de regentes agrícolas ou práticas de agricultura, sempre que seja necessário, cursos de férias especialmente destinados a professores primários dos meios rurais.
O ensino elementar agrícola poderá ser ministrado nas sedes de Grémios da Lavoura, de Casas do Povo, nas escolas primárias e noutros locais para tal fim apropriados, preferindo-se os que disponham de terrenos anexos para demonstrações.
Logo que se torne necessário, será criado um quadro especial d c professores de ensino elementar agrícola móvel.
BASE XVII
As escolas práticas de agricultura continuarão a ministrar o ensino destinado a preparar feitores e capatazes, mas o seu plano de estudos será revisto no sentido de nele se constituir o ciclo preparatório mencionado na base III da presente proposta, seguido de um ou mais cursos profissionais, podendo a admissão nestes vir a ser condicionada pela realização de estágios de adaptação, feitos pelos candidatos fora da escola e sob a vigilância desta.
Os trabalhos de campo e de oficina, integrados no ensino, terão a duração e distribuição adequadas a uma conveniente aprendizagem profissional e serão distribuídos de acordo com o ciclo anual de actividade agrícola.
Nestas escolas poderão ser ministrados, sempre que o num eiró de candidatos o justifique, cursos periódicos de ensino elementar agrícola, a que se refere a base anterior.
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Fica o Governo autorizado a criar duas escolas práticas de agricultura, que poderão ter diferente organização.
BASE XVIII
O ensino médio agrícola destina-se a preparar regentes agrícolas e será ministrado, em regime de internato, mas actuais escolas de Coimbra, Évora e Santarém.
O plano de estudos destas escolas será .revisto no sentido de nelas se constituir um curso profissional com duração não superior a três anos, em que poderão matricular-se os candidatos com idade mínima de 15 e máxima de 18 anos que em exame de admissão provarem possuir a necessária habilitação geral.
Na distribuição dos períodos lectivos e dos exercícios práticos de campo e de oficina ter-se-á em conta o ciclo anual doa trabalhos agrícolas, com o fiou de assegurar a participação efectiva dos alunos em todos os que interessem à sua preparação profissional.
Transitoriamente, poderá ser organizado nas escolas, e também em regime de internato, um curso preparatório para o exame de admissão a que se refere a presente base, e, sempre que as circunstâncias o justifiquem, poderá ser criado um curso técnico abreviado destinado a adultos maiores de 20 anos e em regime de externato.
Também nestas escolas poderão funcionar, sempre que o número de candidatos o justifique, cursos periódicos de ensino elementar agrícola.
Em ligação com o curso de regente agrícola continuará a ser ministrada a habilitação necessária para a admissão no Instituto Superior de Agronomia ou na Escola Superior de Medicina Veterinária.
BASE XIX
O pessoal dos quadros docentes do ensino agrícola será constituído por professores ordinários, professores extraordinários, regentes de internato e regentes de trabalhos; o das escolas práticas de agricultura por professores ordinários e extraordinários e regentes de trabalhos.
Seguindo a natureza das disciplinas cujo ensino lhes competir e a índole da escola a que se destinarem, os professores e regentes de internato serão recrutados de entre diplomados com os cursos superiores de agronomia e de medicina veterinária ou com o de regente agrícola e ainda de entre os citados na base XI da presente proposta que forem, para este efeito, de considerar.
A nomeação far-se-á precedendo concurso público, que incluirá obrigatoriamente uma prova de aptidão docente para os candidatos que não possuam a habilitação de qualquer curso de preparação para o magistério.
Para os regentes agrícolas que pretendam consagrar-se ao ensino poderá ser organizado um curso especial de habilitação.
Os lugares de professores ordinários só poderão ser ocupados pelos candidatos habilitados com os cursos superiores que facultam o ingresso neste ensino.
Os professores ordinários serão substituídos nos seus impedimentos por professores provisórios.
Os regentes de trabalhos serão recrutados por concurso de entre os diplomados com o curso de regente agrícola, com a especialização que, para cada caso, for indicada, podendo, porém, ser nomeados regentes de trabalhos das escolas elementares indivíduos com a habilitação do curso de feitor agrícola.
PARTE IV
Disposições gerais
BASE XX
A frequência dos trabalhos escolares será, nas escolas de todos os graus e ramos, obrigatória para os alunos matriculados, e o seu aproveitamento será verificado e classificado periodicamente, podendo dispensar-se, nos termos em que for regulamentado, o exame final no caso em que aquele processo de apreciação dera considerar-se suficiente. Para a obtenção do diploma, os alunos, depois de concluírem a frequência escolar e realizarem os estágios de adaptação que para cada caso vierem a ser fixados, serão submetidos a uma prova de aptidão profissional.
Aos alunos com bom aproveitamento e comportamento exemplar que não disponham de recursos materiais suficientes será concedida isenção total ou parcial de propinas e serão distribuídas, mediante concurso, bolsas de estudo nas condições que vierem a ser fixadas.
As bolsas de estudo poderão respeitar à frequência da escola em que o aluno se encontre matriculado ou a estudos posteriores, a realizar em escola de grau mais levado, quer no País, quer no estrangeiro.
BASE XXI
Os vencimentos do pessoal dos quadros docentes das escolas dependentes da Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio serão fixados na base da sua equiparação aos que se encontrem legalmente estabelecidos para os lugares dos serviços técnicos do Estado a cujos titulares é exigida a habilitação com os cursos que dão ingresso nas diferentes categorias do magistério técnico, devendo ter-se em conta a correspondência entre os diversos graus das escalas dos dois serviços.
O pessoal docente a que se refere a presente base terá direito ao aumento de vencimentos por diuturnidade aos dez e aos vinte anos de bom serviço.
BASE XXII
Às autarquias locais, aos organismos de coordenação económica e organismos corporativos, às empresas industriais e comerciais e aos proprietários rurais cumpre colaborar activa e permanentemente na obra de educação e de formação profissional dos agentes de trabalhos dos ramos de actividade que representam e dirigem.
Essa colaboração poderá consistir em:
a) Organização de comissões de patronato das escolas mantidas pelo Estado, com o fim de facilitar o seu funcionamento, promover o aperfeiçoamento do ensino, dar assistência aos alunos desprovidos de recursos, auxiliar o ingresso dos diplomados na vida profissional e outros semelhantes;
b) Criação, a expensas daquelas entidades, nas escolas do Estado, de disciplinas ou de cursos especializados que constituam útil complemento dos planos de estudos dessas escolas e assegurem o seu mais eficiente ajustamento às exigências de preparação técnica de qualquer ramo da produção económica;
c) Criação de centros de ensino próprios, designadamente nas localidades onde não existam escolas do Estado e onde, embora existindo, não disponham de capacidade para todos os candidatos à matrícula ou para proporcionar todas as formas de aprendizagem que interessem às actividades profissionais aí exercidas.
As escolas e cursos criados e sustentados pelas entidades a que se refere a presente base serão, sempre que as suas condições de funcionamento o justifiquem, oficializadas e poderão ser subsidiadas pelo Estado nos termos que vierem a ser definidos.
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BASE XXIII
O Governo promoverá, pelos Ministérios competentes, a regulamentação da aprendizagem, tomando esta como ciclo educativo, em que se incluirá, sempre que necessário, a frequência da escola complementar.
Nas profissões para as quais venha a ser aprovado pelo Ministro da Educação Nacional um plano de ensino complementar da aprendizagem exequível em todo o País, as entidades patronais e os organismos corporativos do respectivo ramo, em colaboração com as autarquias locais, criarão as escolas necessárias para assegurar, em conjunção com as escolas do Estado, a rápida e completa execução desse plano.
BASE XXIV
A Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio será coadjuvada, nas funções de orientação e fiscalização que por lei lhe competem em relação na escolas oficiais e oficializadas, por um corpo de cinco
inspectores-orientadores, quatro para o ensino técnico
Profissional e um para o ensino agrícola, e o seu quadro e pessoal será ampliado de harmonia com as necessidades.
BASE XXV
Serão construídos, adaptados ou ampliados e devidamente equipados os edifícios necessários à instalação dos estabelecimentos de ensino a que se refere a presente proposta, de harmonia com o plano de execução & fixar pelo Governo.
O plano das obras e aquisições a que se refere esta base será aprovado por despacho dos Ministros das Finanças, das Obras Públicas e da Educação Nacional, inscrevendo-se anualmente no orçamento as verbas necessárias à sua regular execução.
O Ministro da Educação Nacional, José Caeiro da Matta.