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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76
ANO DE 1947 22 DE JANEIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 76 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 21 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados o n.º 73 do Diário das Sessões e também, com rectificações, os n.ºs 74 e 75. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente declarou que estava na Mesa um esclarecimento do Sr. Ministro das Finanças acerca do assunto tratado numa das últimas sessões pelo Sr. Deputado Botelho Moniz. O refego esclarecimento foi lido na Mesa e vai transcrito neste Diário das Sessões.
O Sr. Presidenta também comunicou à Assembleia que se encontravam na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 298, 1, 10, 12 e 13 do Diário do Governo, respectivamente de 31 de Dezembro último e ,2, 13, 15 e 16 do corrente mês, contendo os decretos-leis n.ºs 36:075, 36:077, 36:079, 36:081, 36:082, 36:083, 36:087, 36:088, 36:095, 36:096, 36:097, 36:008, 36:101 e 36:102.
A Câmara autorizou o Sr. Deputado Joaquim Saldanha a depor no 3.º tribunal cível da comarca de Lisboa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sá Carneiro, Botelho Moniz e Mário de Figueiredo, que versaram largamente o casso da Companhia de Seguros Garantia, assunto levantado na sessão de 16 do corrente pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.
Ordem do dia. - Concluiu-se o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Teotónio Pires, Magalhães Pessoa e Mendes do Amaral, que enviou para a Mesa uma moção, que foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Freilano de Melo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Rocha Paris.
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João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luis Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama Van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho da Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 73, 74 e 75 do Diário das Sessões.
O Sr. Pedro Cymbron: -Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a seguinte emenda ao Diário n.º 74: a p. 284, col. 2.ª, 1. 14, onde se lê: «Governo», deverá ler-se: «Ministro das Obras Públicas».
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª. as seguintes rectificações ao Diário n.º 73: a p. 267, col. 1.ª, 1. 59, acrescentar-se ao ponto final ali existente a seguinte expressão: «K o que passo a fazer»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 19 e 20, onde se lê: «apesar de se ter realizado uma medida muito útil», deverá ler-se: «apesar do aumento de receitas por virtude de se ter realizado uma medida muito útil»; nas mesmas página e coluna, 1. 61, onde se lê: «Mas julgo que para estas obras de grande monta o Estado...», deve ler-se: «Mas julgo que para a urbanização correlativa, obras, de grande monta, o Estado...».
No Diário das Sessões n.º 75, p. 302. col. 2.ª, logo no começo das minhas considerações, onde está escrito «com meios do realização, obras de salubrização», deverá ler-se: «com meios do realização de obras de salubrização».
O Sr. Presidente:- Continuam em discussão.
Pauta.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, considero aqueles números do Diário aprovados, com as rectificações solicitadas pelos Srs. Deputados Pedro Cymbron e Mendes Correia e ainda com a rectificação ao Diário n.º 74 de que o 2.º secretário da Mesa foi o Sr. Deputado França Vigon, e não o Sr. Deputado Marques Teixeira.
Vai ler-se o
Expediente Telegramas
De aplauso à exposição da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, publicada no Diário das Sessões n.º 74, subscritos por: Grémios dos Lanifícios da Covilhã e de Gouveia, comissão concelhia da União Nacional da Covilhã, fábricas de lanifícios da Covilhã e de Portalegre, Grémio do Comércio da Covilhã, Alçada & Filho, Sucessor, Alçada & Rosa, José e João Bernardo Gíria, Francisco Mendes Alçada, Sucessor, António Pereira Mina Júnior, António Joaquim Rodrigues, José Paulo Oliveira Júnior, Francisco Rodrigues Pintassilgo, Ferreira & Conceição, Francisco Rodrigues Marques & Irmãos, Francisco Ribeiro Aibéu, Nova Penteação e Fiação da Covilhã, Sociedade Industrial de Penteação e Fiação de Lãs, Limitada, António da Cruz Inácio, José Carlos Antunes, J. Fernandes F. Simões, Neves & Fazendeiro, José Cruz Saraiva & C.ª, Sociedade de Fabricantes, Limitada, Manuel Lopes Bola, Santos Pinto, Irmãos, Alberto Miguel, Santos Marques & C.ª Limitada, Tavares & Pimentel, António Maria das Neves & Irmãos, João Moza, João Roque Cabral, Feio Moreira & C.a, Manuel Antunes Arara, Inácio da Silva Fiadeiro & Rosa, Elisiário Antunes, Moura & Baptista, Limitada, João Afonso & C.ª, João Pontífice, Manuel Alves Cepas, Filipe Saraiva Teixeira, Sucessores, Pinheiro Fazenda & C.ª, Sousa Ramos & Baptista, Limitada, Ernesto Cruz & C.ª e Empresa Transformadora de Lãs.
Do Sr. comandante Gabriel Teixeira agradecendo os cumprimentos da Assembleia e fazendo-lhe as suas saudações.
Das Câmaras Municipais de Oliveira do Hospital e de Loures congratulando-se com o debate sobre os municípios e pela forma como os interesses das câmaras tem sido defendidos no decurso desse debate.
Da Câmara Municipal da Chamusca pedindo que os municípios sejam desligados dos encargos com os serviços do Estado.
De diversos accionistas da Companhia de Seguros Garantia apoiando as considerações feitas em sessão de 17 de Janeiro pelo Sr. Deputado Jorge Botelho Moniz.
De diversos portadores de títulos de crédito da Companhia de Seguros Garantia acerca do mesmo assunto.
Do Grémio da Lavoura de Campo Maior apoiando as considerações do Sr. Deputado Figueiroa Rego sobre o problema das lãs.
Do Grémio da Lavoura de Elvas confiando ao próximo debate sobre o problema das lãs a sua resolução.
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Exposições
De Manuel Vieira de Aguiar pedindo providências contra a subida dos
Dos grémios da lavoura do distrito de Viana do Castelo manifestando a sua discordância com as considerações feitas pelo Sr. Deputado Rocha Paris sobre a venda do milho e regresso ao regime do mercado livre.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - A Ordem dos Engenheiros teve conhecimento pelo Diário das Sessões n.º 71, de 11 do corrente, de que o Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores dirigiu a V. Ex.ª uma exposição referente à proposta de lei da reforma do ensino técnico, onde, em resumo e no respeitante a ensino, se defende:
l .º Que os cursos médios industriais tem nível desnecessariamente (c)levado ;
2.º Que a designação profissional dos diplomados pelos institutos industriais passe a ser a de engenheiros industriais ;
3.º Que aos alunos ou diplomados destes institutos sejam dadas facilidades de acesso às escolas superiores.
Embora estes pontos estejam tratados no parecer da Câmara Corporativa, não quer a Ordem dos Engenheiros deixar de ir perante V. Ex.ª expor em duas palavras o seu ponto de vista.
Ë inegável que em algumas cadeiras dos institutos industriais se estudam questões em desproporção com o nível médio que a lei atribui a essas escolas, mas é sabido que se trata de anomalias nascidas da insensatez de alguns professores e não de um defeito da organização do ensino..
Se há alguma coisa que mudar é os professores ou a liberdade de ensinarem segundo a sua fantasia.
Quanto às facilidades de acesso às escolas superiores, pensa esta Ordem que a reforma em discussão apresenta a única solução regular, por não parecer aceitável que aos alunos ou diplomados dos institutos industriais se reconheça nível de preparação superior ao do 3.º ciclo liceal, sobretudo se o 2.º ciclo voltar para o 5.º ano, como a coerência parece aconselhar. E quanto a regimes especiais de admissão nas escolas superiores, o quadro da página 80 do parecer da Câmara Corporativa (Diário das Sessões n.º 61) tira todas as ilusões, com a agravante de que aqueles 117 agentes técnicos de engenharia que de 1926 a 1934 se matricularam no Instituto Superior Técnico, e deram tão fracas provas no -curso complementar para eles criado, eram, segundo os termos da lei, "diplomados dos actuais institutos industriais que, por indicação dos respectivos conselhos escolares, sejam merecedores de prosseguir os seus estudos, a fim de obterem um diploma de engenheiro".
Finalmente, quanto ao título de engenheiro industrial agora pretendido, esta Ordem, à qual compete, nos termos do n. º 6.º do artigo 4.º do seu estatuto, velar pela execução das leis e regulamentos relativos ao título e à profissão de engenheiro, julga dever chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de que, se o título de engenheiro auxiliar não é de conceder, pelas razões enumeradas no parecer da Câmara Corporativa, menos o é o de engenheiro industrial, de categoria indiscutivelmente maior.
Acresce que o título de engenheiro industrial já designa hoje uma classe determinada de engenheiros: os diplomados com o curso superior industrial dos antigos institutos industriais e comerciais (alínea é) do artigo 1.º do decreto n. º 11:988) ; e é ainda de notar que a designação de engenheiro industrial se aponta algumas vezes como devendo ser aplicada a todos os engenheiros que não são engenheiros civis, por analogia com o que se passa em Espanha.
Se os diplomados pelos institutos industriais pretendem uma designação que os caracterize, a de agente técnico de engenharia é hoje, inegavelmente, bem conhecida de toda a gente; e se pretendem ser engenheiros, esta Ordem abrir-lhes-á as portas cordialmente, desde que entrem pela mesma via por onde entram todos os outros.
Pelo exposto, a Ordem dos Engenheiros solicita do V. Ex.ª que seja mantida aos diplomados pelos institutos industriais a designação estabelecida na proposta em estudo.
A bem da Nação.
Lisboa, 18 de Janeiro de 1947. - O Vice-Presidente do Conselho Directivo, Carlos Pereira da Cruz.
Ex.mos Srs. Presidente e Deputados da Assembleia Nacional. - Excelências. - A direcção da cooperativa Associação dos Inquilinos Lisbonenses sente-se no indeclinável dever de vir expor o seu pensamento perante V. Ex.ª, com o maior -respeito, como intérprete dos seus milhares de sócios e reflectindo simultaneamente u ansiedade dos inquilinos em geral em face idas diligências realizadas no sentido de serem alterados a favor dos senhorios os diplomas que regulam o inquilinato urbano.
E assim, a avaliar pelas aspirações expressas na representação dirigida à Assembleia Nacional, em Dezembro ido ano findo, pela Associação Lisbonense de Proprietários, em que se preconiza abertamente uma série de alterações, que, não constituindo ainda o regresso puro e simples ao regime de liberdade contratual, é todavia, pela tendência manifestada, alguma coisa que muito se lhe assemelha e que, se viessem a ser atendidas, abalariam profundamente os princípios morais e jurídicos em que há muito assentam as relações entre senhorios e inquilinos, com manifesto prejuízo para estes últimos.
Salienta-se nessa representação que ainda vigore em matéria de inquilinato o regime criado .para acudir às necessidades julgadas imperiosas resultantes da primeira Grande Guerra, como se as actuais circunstâncias da vida económica, criadas por seis longos anos de guerra, que trouxeram ao Mundo a crise mais terrível e angustiosa de todos os tempos, permitissem a revogação de tal regime e, pelo contrário, não justificassem, agora mais do que nunca, a manutenção das restrições impostas à liberdade contratual, conforme corresponde as necessidades do País e ao sentimento unânime da população.
E tanto é certo que assim é -que a alteração às leis do inquilinato no sentido de fazer derrogar as medidas de protecção aos inquilinos é de molde a perturbar seriamente o espírito público- que, sendo há tempo voz corrente em Lisboa que ia ser publicado um diploma alterando as disposições da actual lei do inquilinato e permitindo o aumento de rendas, sem que aliás houvesse qualquer sintoma de carácter oficial que lhe creditasse fundamento, o jornal O Século de 21 de- Novembro do ano findo, em vista das inúmeras e instantes solicitações dos seus leitores sobre o que haveria de verdade em tal assunto, informava que as esferas autorizadas do Ministério da Justiça asseguravam que se tratava apenas de um boato sem qualquer consistência, acrescentando ainda que não se pensava no aumento de rendas e se considerava inoportuna qualquer alteração a lei do inquilinato.
Ficava deste modo tranquilizado o espírito público* estando implícito neste desmentido o desejo de não agravar a crise económica, tão certo que -esta. não pó-
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dera ser atenuada consentindo-se ou promovendo-se a elevação doa preços. Mas outras superiores razões de interesse e ordem pública devem ter contribuído igualmente para que as normas de .protecção aos inquilinos se mantivessem, visto dependerem delas em grande parte a Constituição e a defesa, da família, como fonte de conservação e desenvolvimento da raça, como a tranquilidade, a expansão e a, prosperidade do comércio, da indústria e da agricultura.
Ao Estado incumbe respeitar e favorecer, na sim actividade política e administrativa, o desenvolvimento da fundação e acção familiar, dentro dos princípios da Constituição Política e doutros diplomas complementares, assegurando e garantindo o direito de a família se constituir e de realizar os seus fins próprios de procriação e educação da prole, de aperfeiçoamento e amparo de todos os seus membros. Para a realização de tal objectivo compete, por isso, ao Estado proteger a constituição de lares independentes e estáveis, instalados em habitações de renda razoável.
Ora, em boa verdade, o que os senhorios reclamam, na ânsia de fortalecer o seu bem. individual, não se coaduna com os princípios atrás referidos, que visam à realização do bem comum, tanto mais quanto é certo que a propriedade desempenha hoje no nosso País uma função social dentro de uma finalidade colectiva.
O problema da crise de habitação é essencialmente entre nós um problema económico, grave e urgente, e, por consequência, só com medidas económicas imediatas pode ser resolvido "u ateimado, intensificando-se a construção de casas de renda inacessível às classes média e pobre. Neste sentido já emitiu o seu voto a Assembleia Nacional em sessão de 14 de Dezembro do ano findo, considerando que os problemas do inquilinato urbano não são solúveis ou facilmente modificáveis por instrumentos exclusivamente de ordem legislativa e que este problema não pode ser resolvido modificando apenas as disposições legais que o regulamentam.
Na já referida representação a Associação Lisbonense de Proprietários solicita a elevação das Tendas com base num regime de tabelamento, mas susceptível de ser alterado em ordem a acompanhar (periodicamente as flutuações do valor aquisitivo ida moeda, esquecendo lamentavelmente que a grande maioria dos salários e vencimentos não acompanhou em igual proporção o aumento do custo de Anda, tendo ficado por isso reduzido o poder de compra. Ta "regime de tabelamento, longe de constituir um meio para obter a estabilização das rendas, só serviria para encobrir e consagrar a mais abusiva e reprovável especulação.
"Há no decurso da última guerra a Associação dos Inquilinos Lisbonenses" sugeriu o tabelamento das rendas de casa, especialmente daquelas que vagassem, mas com o objectivo de que fosse fixada definitivamente a renda justa e razoável, de acordo com a média dos salários " vencimentos, a fim de se pôr cobro à especulação de que os novos inquilinos estão a ser vítimas por parte de senhorios gananciosos.
De resto, estamos perante as mesmas causas que levaram noutros tempos o Estado a subordinar o interesses privado ao interesse geral, com a única diferença de a crise de habitação ser hoje mais grave do que nunca.
Não foi só em Portugal, mas nos demais países, que durante e após a primeira guerra mundial se adoptaram providências de protecção aos inquilinos; nalguns países foi-se até mesmo mais longe do que no nosso na protecção aos inquilinos, como, por exemplo, em Espanha, Itália e França.
Países- houve em que foi criado o delito de especulação sobre arrendamento de casas, passando os arguidos
da prática de tal delito a ser inexoravelmente perseguidos.
No nosso País encontram-se já na velha legislação medidas de protecção aos inquilinos. E, assim, no tempo de. D. João IV o juiz do povo de Lisboa representou ao liei contra os aumentos das rendas de casa. E prontamente chegou o remédio, publicando-se o alvará de 11 de Junho de 1644, em que se determinou: "Quando os senhorios das casas levantarem os alugueres se esteja por aquele que já as> casas tiveram, e o não possam daí passar". E o juiz do povo não esteve com meias medidas: propôs ao Bei a pena de perdimento das propriedades "aos que ousadamente o tentassem fazer".
Também no reinado de D. Pedro II foi publicado o alvura de 23 de Junho de 1699, em que se determina e diz: "Hei por bem que os levantamentos dos alugueres das casas não sejam os alugadores obrigados a pagá-los, não só o aluguer
Do mesmo modo, D. José I, por decreto de 9 de Dezembro de 1755, ordenou nos seguintes termos: "Usando da minha paternal e régia providência para ocorrer ao benefício do meu povo aflito: mando que até segunda ordem os proprietários não possam alterar em pouco ou em muito os alugueres das casas, lojas, armazéns, mas que precisamente se conservem no preço que tinham e podiam valer até ao fim do mês de Outubro próximo precedente e que, no excesso, sejam nulos e de nenhum vigor todos os contratos que se houverem feito depois do dito dia, restituindo n" proprietários ou possuidores o que já houverem recebido".
E ainda D. João VI mandou que se pusesse "perpétuo silêncio" às causas de despejo pendentes e baseadas em falta de pagamento de rendas que fossem excessivas.
Actualmente exigem-se pelas poucas casas de habitação que aparecem vagas só rendas .exorbitantes, mas também traspasse" elevadíssimos, o que moral e legalmente é inadmissível, algumas das quais nem sequer foram ainda habitadas; e só se, vêem escritos nos prédios sumptuosos, acabados de construir, mas cujas rendas são de 13, 4 e 8 contos por mês.
Pode avaliar-se ainda, através de exemplos recentes, o preço que atingiram as rendas de casa em Lisboa, onde a própria Santa Casa da Misericórdia recorre a hasta pública para arrendar os andaras vagos em modestos prédios pertencentes a esta instituição de. caridade, cujo piedoso é "Dar uma telha que abrigue, um fato que cubra e um pão que alimente". Na última hasta pública, realizada em 23 de Dezembro passado, um 1.º andar, com quatro divisões e sótão, na Bua de S. Bernardo, >e. cuja base de licitação era de 300$, foi arrematado por 670$ mensais; um 1.º andar, com sete divisões e quintal, na Bua Leandro Braga, a Campulide, foi arrematado por 750$; um 2.º andar, com "eis divisões "e sótão, cuja base de licitação era de 350$, subiu a 760$, e, finalmente, um rés-do-chão, com quatro divisões e pátio, no Beco do Fogueteiro, que foi à praça por 350$, atingiu a loucura -é esta a expressão de um vespertino da capital- de 690$ mensais.
O que acaba de referir-se dispensa quaisquer comentários; e, assim, sobrecarregados os orçamentos domésticos com tão pesadas rendas, desde logo se pode calcular o que um chefe de família das classes média ou .pobre pode destinar à alimentação, ao vestuário e à educação dos filhos.
A Associação Lisbonense de Proprietários, entre as várias pretensões constantes da sua representação
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à Assembleia Nacional, solicita que se modifiquem os princípios respeitantes à sublocação e à sucessão do direito ao arrendamento.
O problema da sublocação, que nos últimos tempos tem sido muito discutido, se bem que nem sempre com pleno conhecimento das normas legais que o condicionam, foi já resolvido a favor dos senhorios pela lei n.º 1:662 è decreto 11.º 15:289.
Assim, pelo primeiro diploma a sublocação não autorizada é sempre proibida, e na sublocação de todo ou parte do prédio o locatário ou sublocatário só poderá receber uma renda proporcional àquela que paga ao senhorio, aumentada de 50 por cento.
No caso, porém, de o inquilino infringir estas regras, o senhorio tem o direito de requerer o despejo imediato.
Pelo segundo diploma os prédios ou parte de prédios que forem sublocados ficam no regime de livre fixação de renda.
Não estando o senhorio adstrito a observar qualquer limite na sua fixação, sucede muitas vezes que o senhorio exige* uma, Tenda, desproporcionada, em que mais transparece o propósito de frustrar a, sublocação ou de hostilizar o inquilino do que o desejo de exercer correctamente os poderes legais. E tal regime tem dado ocasião a que os senhorios pratiquem autênticas iniquidades, que constituem clamojosos casos de abuso de direito.
Na maior parte das vezes quando o inquilino se vê na necessidade de ter de admitir uma pessoa estranha na casa arrendada é para o auxiliar no pagamento de uma renda elevada. E então fica privado das suas comodidades, independência e liberdade. Não se diga, pois, que o inquilino faz um negócio à custa do senhorio, quando na realidade fica diminuído no seu conforto e sujeito a que essa pessoa estranha a quem sublocou a casa o venha importunar, sendo, por via de regra, origem de desavenças familiares, de divórcios e de abusos d e toda a ordem.
Muitos têm sido os senhorios que aconselharam os inquilinos a sublocar as casas quando estes se lamentavam de não poderem suportar sozinhos as elevadas rendas que lhes foram impostas, para depois virem aos tribunais pedir o despejo desses inquilinos, precisamente com o fundamento de não pagarem a nova renda que, por via da sublocação, podem fixar livremente.
Quanto ao problema da sucessão ao direito de arrendamento é que o egoísmo de alguns senhorios fala ainda mais alto, pois a pretensão de ser modificada a lei no sentido de o contrato se rescindir por morte do arrendatário, derrogando o regime de protecção que actualmente vigora relativamente ao cônjuge sobrevivo e aos herdeiros legitimários que estejam a habitar na casa há mais de seis meses, constitui um atentado à unidade da família, visto provocar a dispersão dos seus membros, oriundos de um tronco comum, e, em consequência, dando lugar à extinção de um lar. E, pois, de manter tal direito nas mesmas condições em que a lei vigente o assegura, pois, em caso contrário, seria a negação do respeito e da protecção que o Estado deve à família, como célula fundamental da sociedade.
Falam muito os senhorios das anomalias da legislação do inquilinato e queixam-se de que ainda se mantenha o regime de protecção aos inquilinos; mas esquecem que toda a legislação publicada há cerca de vinte anos tem vindo a restringir esse mesmo regime de protecção que tanto os preocupa.
E assim, conforme se verifica pelo que ficou estabelecido nos decretos n.08 15:289, de 30 de Março de 1928, 22:661, de 13 de Junho de 1933, e 27:235, de 23 de Novembro de 1936, os direitos do inquilinato, tanto
civil como comeTcíal e industrial, sofreram larga restrição.
Pelo primeiro decreto, além de se ter permitido o aumento de rendas mediante a aplicação de determinados coeficientes, permitiu-se desde logo aos senhorios o poderem fixar livremente as rendas dos prédios ou partes de pi-édios sublocados ou vagos a partir da publicação desse decreto; e o mesmo se permitindo em relação às rendas das casas de campo, termas e praias, quando habitadas pelo mesmo arrendatário ou sublocatário apenas durante uma parte do ano ou durante o ano por mais de um arrendatário ou sublocatário.
Pelo segundo decreto os senhorios obtiveram, além de outras garantias, a de que nos arrendamentos, quer de pretérito, quer de futuro, destinados a habitação as disposições vigentes que restringem a liberdade contratual, incluindo as relativas à. elevação de rendas e no despejo por não convir a continuação do arrendamento, pó poderem ser invocadas pelos inquilinos relativamente u habitação em que tiverem a sua residência permanente.
E, finalmente., pelo terceiro decreto os senhorios ficaram favorecidos ao permitir-se-lhes que pudessem requerer a avaliação, no caso de traspasse de estabelecimento comercial ou industrial, para o efeito de fixação de renda. Ora, estando o valor do traspasse dependente do quantitativo da ronda, quanto maior for esse quantitativo menor "era o montante do traspasse, o que .evidentemente prejudica a inquilino.
Não têm sido, por isso, pequenos os benefícios obtidos pelos senhorios; e importa não esquecer que eles foram alcançados durante um período em que nunca deixou de se sentir os angustiosos efeitos da crise económica mundial. E, não obstante, continuam a insistir, como o fazem na representação, em que outras vantagens lhes sejam asseguradas, preconizando a adopção de providências que comprometeriam gravemente a já debilitada economia doméstica, assim como a estabilidade do lar, que são os esteios em que se baseia a família, à. qual toda a. protecção é devida, visto ser ela o grupo social mais digno de respeito e consideração.
Foi apresentado à Assembleia Nacional um projecto de lei tendente a remover as anomalias dos diplomas que regulamentam o inquilinato urbano, versando matéria de alta importância e que interessa A quase toda a população portuguesa. Não precipitaremos a respeito dele os nossos juízos críticos, antepondo-os a quem de direito os deve fazer em primeiro lugar, mas a sua leitura deixou-nos, contudo, a penosa impressão de que nele tiveram acolhimento algumas das principais pretensões dos senhorios, nomeadamente quanto a rendas - o ponto crucial do problema, conforme reconheceu o ilustre autor do projecto-, na sucessão do direito de arrendamento, que é restringido, nas sublocações e nas acções de despejo.
Entre as inovações que o projecto apresenta versam-se os casos de caducidade de arrendamento por cessação do usufruto ou do termo da administração de bens alheios, os quais se procuram resolver dando-se k passagem do recibo pelo proprietário efeito renunciativo. Salvo o devido respeito, parece-nos que tal solução não é a mais conveniente para tão grave problema, antes nos parece que os arrendamentos feitos pelos usufrutuários e por outros administradores de bens alheios não deviam caducar, mas ser imposta uma nova renda, fixada por meio de avaliação, ficando assim salvaguardados os direitos dos proprietários contra possíveis abusos que houvessem sido cometidos pelos usufrutuários ou administradores.
Espera, porém, a cooperativa Associação dos Inquilinos Lisbonenses que a Assembleia Nacional, quando discutir o projecto de lei que lhe foi apresentado, en-
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centrará a solução mais justa e equitativa para o momentoso problema do inquilinato. A bem da Nação.
Lisboa, 18 de Janeiro de 1947. - A Direcção da Cooperativa Associação dos Inquilinos Lisbonenses: António João Regueira - João Maria Tomé - Henrique Carlos Rocha Marques.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um esclarecimento enviado pelo Sr. Ministro das Finanças acerca do assunto tratado numa das últimas sessões pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.
Vai ser lido à Assembleia.
Foi lido, É o seguinte:
N.º 1:382. - Sr. Presidente do Conselho. - Excelência. - Em esclarecimento às acusações feitas pelo Sr. Deputado Botelho Moniz à portaria de 27 de Dezembro de 1946 julga este Ministério dever enviar desde já à Presidência da Assembleia Nacional os elementos seguintes:
Em 1944 duas companhias de seguros entraram em disputa de interesses.
Uma delas, a Garantia, apresentou junto do Ministério das Finanças um pedido de alteração dos seus estatutos, que foi deferido por despacho de 29 de Junho de 1944 e consequente portaria da mesma data, publicada no Diário do Governo de 6 de Julho do mesmo ano.
Da doutrina desses despacho e portaria recorreu a outra Companhia para o Supremo Tribunal Administrativo.
A fim de manter a sua imparcialidade perante o litígio de interesses, agora convertido em discussão de doutrina, o Ministro das Finanças, por despacho de 19 de Agosto de 1944. suspendeu até à resolução do Supremo Tribunal Administrativo a, autorização concedida pela portaria de 29 de Junho, vindo o mesmo Tribunal a pronunciar-se definitivamente por seu acórdão de 21 de Novembro de 1946, cuja cópia se junta.
Como segundo a lei vigente as decisões- definitivas do Supremo têm efeito executório imediato, a Companhia vencedora no recurso veio, em requerimento entrado em 10 de Dezembro de 1946, acompanhado da certidão do acórdão, pedir a sua imediata execução.
Ouvidos os serviços da Inspecção de Seguros sobre o requerimento, emitiram os seguintes pareceres:
O consultor jurídico, em 18 de Dezembro:
No caso presente entendo que deve publicar-se a portaria revogando definitivamente a autorização conferida e actualmente em suspensão, com todas as suas consequências legais, como seja a de impor a anulação de todos os actos que à sua sombra se tenham realizado.
Por sua vez o inspector de seguros concluiu o seu, com data de 24 de Dezembro, nos termos seguintes:
É de parecer es tu Inspecção que as medidas a tomar devem ser as seguintes:
1.º Publicar portaria anulando a inicial (de 29 de Junho de 1944, que autorizou a modificação dos estatutos e o aumento de capital de 125.000$;
2.º Anular ainda na mesma portaria:
a) No artigo 13.º dos estatutos, a segunda parte, que se transcreve: «exceptuando, porém, os casos de ser o aumento de capital aplicável à aquisição de carreiras ou activos de outras sociedades ou ainda, a qualquer outra operação para realização da qual convenha aos interesse» da Companhia a cedência das próprias acções»;
b) Todos os actos realizados à sua sombra;
3.º Comunicar à Companhia que deve proceder aos lançamentos de escrita que resultarão da publicação da portaria que sugere.
Resta acrescentar que, em face do artigo 15.º do decreto-lei n.º 23:185, de 30 de Outubro de 1933, os acórdãos do tribunal pleno são imediatamente executórios
Sobre este parecer, e com a mesma data, recaiu o despacho ministerial seguinte: a Passe portaria de harmonia com o acórdão. E a respectiva portaria foi publicada no Diário ao Governo, 2.ª série, de 27 de Dezembro.
Logo em 30 de Dezembro veio a Companhia de Seguros Garantia «solicitar a aclaração do final da portaria», ou seja das palavras «consequentemente nulos todos os efeitos dos actos praticados à sombra das disposições anuladas pela presente portaria».
Podendo considerar-se estas palavras como pleonásticas, visto a anulação dos efeitos ser consequência inelutável da lei e da decisão a que a portaria dava execução, o consultor jurídico foi de parecer que o requerimento, por impertinente, nem legal nem moralmente devia ser considerado; mas, não desejando o Ministério das Finanças que subsistissem dúvidas sobre a sua clara intenção de simples e leal execução de uma decisão judicial contrária ao seu primeiro despacho, foi lançado em 13 de Janeiro de 1947 o seguinte:
O despacho de 24 de Dezembro de 1946 mandou .passar a portaria em causa de harmonia com o acórdão a que dava cumprimento; consequentemente, dela não consta, nem podia constar, doutrina ou consequência jurídica que não tenha por fundamento a decisão executada, e, se esta pudesse carecer de esclarecimentos, não seriam da competência deste Ministério. Notifique-se aos interessados.
Julgam-se suficientes os elementos transcritos para elucidar a Câmara.
Apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos.
A bem da Nação.
Lisboa, 17 de Janeiro de 1947. - O Ministro das Finanças, João Pinto da Costa Leite.
Presidência do Conselho - Supremo Tribunal Administrativo.-Tribunal pleno.-Recurso n.º 375, em que são recorrentes a Companhia de Seguros Douro e outros, recorridos o Ministro das Finanças e outros, e de que foi relator o Ex.mo. Conselheiro Dr. Guilherme Augusto Coelho.
Acordam os do Supremo Tribunal Administrativo em sessão plena:
O requerimento de fl. 199 dia que:
«A Companhia de Seguros Douro, sociedade anónima de responsabilidade limitada, e todos os demais recorrentes no recurso administrativo n.º 2:226, não se conformando com o acórdão de fl... , que negou provimento ao recurso, por o mesmo acórdão ter julgado contra direito, pretendem recorrer dele para o tribunal pleno, ao abrigo do disposto no artigo 12.º e § 2.º do decreto-lei n.º 23:185, de 30 de Outubro de 1933».
O recurso foi interposto em tempo e com legitimidade; acha-se alegado pelos recorrentes e recorridos, tendo aqueles junto um parecer de um douto mestre.
O acórdão recorrido manteve o despacho de 29 de Junho de 1944 do Sr. Subsecretário de Estado das Finan-
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ças que autorizou a Companhia de Seguros- Garantia, com sede no Porto, a elevar o seu capital, como consta da portaria publicada no Diário do Governo, 2.º série, de 6 de Julho do referido ano.
As recorridas Companhias de Seguros Garantia o Social, bem como o digno magistrado do Ministério Público, entendem e pedem que a decisão recorrida seja mantida.
Nada se opõe a que se entre desde já na apreciação da matéria do recurso.
O que tudo visto:
Considerando que os recorrentes alegam que pelo despacho recorrido ficou a Campanha Garantia autorizada a alterar os seus estatutos, aumentando o seu capital em mais 125.000$, divididos e representados por 1:250 acções do valor nominal de 100$ cada uma;
Considerando que também alegam que a mesma Companhia ficou autorizada a subscrever as suas próprias acções e a trocá-las por 4:000 acções da Companhia Social;
Considerando que os recorrentes dizem ser tal operação ruinosa, por as acções da Garantia terem a cotação de 4.000$ cada, ao passo que as da Social não tem sequer cotação, sendo o seu valor nominal de 100$, pelo que equivaleria a entregar valores no montante de 5:000 contos contra valores de 400 contos;
Considerando que também alegam que tal despacho foi proferido com violação do disposto no artigo 25.º do decreto de 21 de Outubro de 1907 e artigo l.º do decreto n.º 3:876, de 1 de Março de 1918; mas,
Considerando que, sendo este recurso de revista, só interessa averiguar se houve ofensa de lei substantiva;
Considerando que o acórdão recorrido diz: conforme vem provado que, na hipótese dos autos, não houve contingentes não consistindo em dinheiro, pois que as acções emitidas foram subscritas e pagas pela sociedade emitente e, por consequência, pagas pelos fundos sociais»;
Considerando que a mesma decisão também diz: «Verificando-se a condição ali exarada, e reconhecida pelos recorrentes, de ser o aumento de capital destinado à aquisição da carteira da Social»;
Considerando que assim vem dada por provada a matéria de facto alegada pelos recorrentes, isto é, que o despacho recorrido autorizou que a Companhia Garantia subscrevesse as suas próprias acções a emitir e também as trocasse pelas acções da Social;
Considerando que assim há que averiguar se houve ofensa das citadas disposições legais;
Considerando que o invocado artigo 25.º do decreto de 21 de Outubro de 1907 diz:
As sociedades de seguros não poderão emitir obrigações e adquirir acções próprias, nem fazer quaisquer operações sobre elas.
Considerando que, tendo a ora recorrida Companhia Garantia subscrito as suas referidas 1:250 acções, houve violação do transcrito artigo na parte em que elo determina «não poderão adquirir acções próprias»;
Considerando que, tendo a mesma recorrida trocado, ou pretendido trocar, as referidas arções pelas acções da Social, houve, ou haveria, nova violação do mesmo artigo na parle em que dispõe «nem fazer quaisquer operações sobre elas», pois, salvo o devido respeito pela opinião em contrário, trocar, comprar, vender, etc., acções é fazer operações sobre acções, ou com acções, o que é a mesma coisa; e
Considerando que o citado artigo l.º do decreto n.º 3:876 determina:
Não se poderá autorizar a constituição definitiva de sociedade de seguros, ou o aumento do capital respectivo, quando não se justifique o valor atribuído aos contingentes que não consistam em dinheiro e não se mostre a solvabilidade dos subscritores ...
Considerando que, como vem dado por provado, a operação em discussão consistia em trocar acções da Garantia pelas da Social, e assim o contingente do aumento do capital não consistia em dinheiro, mas em «acções desta última Companhia, que os recorrentes dizem estar em estado de falência (fl. 213); mas
Considerando que no acórdão recorrido se afirma «que no inquérito .a que se procedeu oficialmente veio a averiguar-se não haver prejuízo e não ser de qualificar como ruinosa a operação efectuada»;
Considerando que, sendo vedado neste recurso conhecer de provas, ou se estas foram erradamente apreciadas ou ainda erradamente fixados factos materiais cia causa (artigo 722.º (c) seu n.º 2.º do Código de Processo Civil), não se pode nesta decisão apreciar se houve violação do transcrito artigo 1.º;
Considerando que, com referência às violações atrás aludidas do artigo 25.º do decreto de 1907, sustenta o acórdão recorrido que elas se acham sanadas em virtude de o artigo 13.º dos seus estatutos (Companhia Garantia) dispor:
Nos casos de aumento de capital os accionistas têm preferência nas novas acções, na proporção das que já possuírem, exceptuando-se, porém, os casos de ser o aumento de capital aplicável à aquisição de carteiras ou activos de outras sociedades ou ainda a qualquer outra operação para a realização da qual convenha aos interesses da Companhia a cedência das próprias acções.
Considerando, porém, que as normas estatutárias são de carácter meramente particular, não podendo, por isso, em qualquer caso, alterar ou revogar a lei publicada pelos órgãos legais competentes; e
Considerando que nem o facto de os estatutos terem sido aprovados por uma portaria daria a força suficiente para alterar ou revogar o estabelecido num decreto com força de lei, pois é princípio fundamental em direito que um diploma legal só pode ser alterado ou revogado por outro de força pelo menos igual;
Considerando que acresce que o § 6.º do artigo 3.º deste mesmo decreto diz:
O Ministro da Fazenda negará autorização sempre que o projecto dos estatutos c as bases adoptadas para as operações se não conformem com as leis ou não ofereçam garantias bastantes aos segurados.
Considerando que, em virtude de tal preceito, o Ministro só pode aprovar os estatutos quando as suas disposições estejam de acordo com as normas legais, pelo que a aprovação genérica dos estatutos das sociedades de seguros não importa validade das disposições que forem contrárias à lei;
Considerando que, assim, é de concluir que houve violação de lei substantiva:
Por estes fundamentos, concedem provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido e anulam o despacho impugnado, e condenam as ora recorridas no pagamento de 6.000$ na secção e 12.000$ neste tribunal pleno.
Lisboa, 21 de Novembro de 1946. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - Guilherme Augusto Coelho - António Francisco Pereira - José Augusto Vaz Pinto - Vicente Ribeiro Leite de Sousa e Vasconcelos - Antó-
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nio Lopes Vaz Pereira - Alfredo Mendes de Almeida Ferrão - Manuel Joaquim Tavares da Costa (vencido. Porque o artigo 13.º dos estatutos da Garantia prevê a elevação do capital social - e o caso de o aumento ser aplicável à aquisição de carteiras ou a qualquer outra operação que convenha, e por isso a emissão de acções para troca por acções de outra companhia, operação esta que, segundo se me afigura, o artigo 25.º do decreto de 21 de Outubro de 1907 não contraria.
A troca não era, portanto, operação sobre acções que estivessem em carteira, mas apenas uma maneira de colocação, permitida pelos estatutos. (Como não seria também proibida unia operação se as acções tivessem sido distribuídas por um valor mais elevado que o valor nominal ou mesmo mais alto que o valor corrente.
Por outro lado, o artigo l.º do decreto n.º 3:876 permite que a compensação das acções representativas do aumento de capital se faça por meio de dinheiro ou de valores realizáveis em dinheiro. E deu-se por verificado que a operação de troca por acções da Social não se deve qualificar de ruinosa, o que significa que o valor destas últimas era realizável) - José de Meneses Pita e Castro (vencido, pelos mesmos fundamentos). - Fui presente, Eugénio de Lemos.
Está conforme. - Secretaria do Supremo Tribunal Administrativo, 3 de Dezembro de 1946. - O Secretário, José António Marques.
Tem aposto o selo branco do Supremo Tribunal Administrativo.
Está conforme a cópia do acórdão enviada pela mesma secretaria.
1.º Secção da Secretaria da Inspecção de Seguros, 18 de Janeiro de 1947. - O Primeiro-Oficial, Franklin Teixeira Nazaré.
O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que se encontram na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 298, l, 10, 12 e 13 do Diário do Governo, respectivamente de 31 de Dezembro findo e 2, 13, 15 e 16 do corrente mês, contendo os decretos-leis n.ºs 36:075, 36:077, 36:079, 36:081, 36:082, 36:083, 36:087, 36:088, 36:095, 36:096, 36:097, 36:098, 36:101 e 36:102.
Está também na Mesa um oficio do juiz de Direito do 3.º tribunal cível da comarca de Lisboa pedindo autorização para que o Sr. Deputado Joaquim Saldanha vá ali depor no dia 15 de Fevereiro, pelas 15 horas.
Consulto a Câmara sobre se autoriza este pedido.
Consultada a Assembleia, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: quase me limitarei a fazer a declaração de que, se tivesse assistido à sessão do passado dia 16 e houvesse sabido que o ilustre Deputado Botelho Moniz pensava tratar aqui o caso da Companhia de Seguros Garantia, lhe teria pedido para não se ocupar de um assunto que nesse mesmo dia foi afectado ao Supremo Tribunal Administrativo.
Desde que sou advogado nessa Companhia, é manifesto que não posso discutir a questão nesta Assembleia.
Apoiados.
Estou absolutamente impossibilitado de defender aqui a Companhia de Seguros Garantia ou o Ministério das Finanças. Quanto à Garantia, tudo o que eu dissesse poderia representar uma forma de pleitear (apoiados), e eu tenho de abster-me de tratar, como Deputado, qualquer hipótese da minha advocacia.
Também não posso defender o Ministério, pois, embora com sacrifício, fui obrigado a recorrer contra o Sr. Ministro das Finanças e contra o Sr. Subsecretário de Estado; mas desgosta-me que este caso, que não é político e pode não ser considerado de interesse geral, fosse aqui tratado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os actos da Companhia de Seguros Garantia estão sujeitos à apreciação da sua assembleia geral, que é soberana em tudo aquilo que não infrinja a lei. E a mesma Companhia acha-se sujeita à fiscalização do Ministério das Finanças, por intermédio da Inspecção de Seguros, com recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando os respectivos actos administrativos estejam eivados de qualquer vício.
Por considerar ilegal a portaria em causa, interpus recurso da mesma para o Supremo Tribunal Administrativo. Fiel ao meu princípio, não discutirei o recurso.
Sob o aspecto político, e sem quebra da consideração tributada ao Sr. Deputado Botelho Moniz, parece-me que esta discussão lançou certa perturbação no País e é, sob todos os aspectos, inconveniente.
É claro que não podia estar no pensamento de S. Ex.ª causar alarme público a propósito de um pleito que tem de dirimir-se no lugar próprio - nos tribunais.
E permita-me S. Ex.ª que eu manifeste o parecer de que a intervenção de S. Ex.ª não favorece a causa da minha constituinte. Evidentemente que os tribunais não negarão razão à Garantia pela intervenção do Sr. Deputado Botelho Moniz. Mas creia S. Ex.ª que magoa a sensibilidade dos juizes a discussão, em pretório improvisado, de questões submetidas ao seu veredicto.
Por isso fiquei penalizado pela intervenção do Sr. Deputado Botelho Moniz, embora lhe faça a justiça de que S. Ex.ª se determinou tão-somente pela indignação que lhe causou o relato de factos que se lhe afiguraram revoltantes.
Se me fosse permitido, pediria que não levantasse novamente a questão, pois, se o Sr. Deputado Botelho Moniz a versar outra vez, pode quem pense de modo diverso sustentar parecer contrário, e esta Assembleia, essencialmente política e legislativa, converter-se-ia em tribunal, ao qual seria submetido um caso que nem o ilustre Deputado Botelho Moniz conhece a fundo, pois - modéstia à parte sou o único Deputado que possui elementos que podiam esclarecer completamente a Câmara. Declaro, porém, que, diga-se aqui o que se disser, não discuto, nem pleiteio e nem sequer informo, pois neste caso falo apenas como Deputado, e não como advogado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Botelho Moniz pediu a palavra, mas não indicou qual o assunto que queria tratar.
O Sr. Botelho Moniz: - Pedi a palavra para responder precisamente à nota que o Ministério das Finanças publicou nos jornais, e que acaba de ser lida na Mesa desta Assembleia, e também para apresentar dois requerimentos, em que solicito esclarecimentos sobre o assunto.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: em primeiro lugar, algumas palavras de louvor para a rapidez com que o Ministério das Finanças veio apresentar à apreciação da Câmara, o mais objectivamente que é possível, através de cópias de documentos oficiais, as explicações que reputou necessárias para esclarecimento da questão.
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A meu ver, essas informações são preciosas.
Tive grande, enorme alegria ao lê-las nos jornais e ao vê-las confirmadas pela leitura que foi feita do alto dessa tribuna.
Em segundo lugar, mais algumas palavras de louvor para a conclusão do parecer do consultor jurídico da Inspecção de Seguros, que disse: «no caso presente entendo que deve publicar-se a portaria revogando definitivamente a autorização concedida e actualmente em suspensão, com todas as suas consequências legais, como seja a de impor a anulação de todos os actos que à sua sombra se tenham realizado».
Quer dizer: o consultor jurídico aconselha que se anule a portaria, e consequentemente todos os actos que à sua sombra dela portaria se tenham realizado. E era só isto que devia fazer-se ...
Em terceiro lugar, uma explicação em resposta ao ilustre Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro: compreendo completamente, perfeitamente, nitidamente, os seus escrúpulos; no seu caso, o meu procedimento, se eu fosse advogado de uma das partes em litígio, seria exactamente igual ao que acaba de expor.
No seu lugar, talvez também eu dissesse uma coisa que foi apoiada por uma parte desta Assembleia e com a qual não concordo: S. Ex.ª declarou que o caso da Garantia não era de interesse geral. Não é de interesse geral porquê?
Estabelecido o precedente desta forma de intromissão do Estado na administração das empresas onde é que nós iríamos parar?
O nosso grande Salazar ...
O Sr. Soares da Fonseca: - O caso da intervenção do Estado em problemas de emissão de acções não tem nada com o chamado intervencionismo do Estado, a que V. Ex.ª se quis referir. Tanto que no próprio Estado liberal existiu sempre aquela primeira intervenção. Uma coisa não tem nada com a outra.
O Orador: - V. Ex.ª dizendo isso que acaba de afirmar forneceu-me, dito pela boca de V. Ex.ª, o argumento que eu queria empregar.
Devo acrescentar que o pensamento de V. Ex.ª agora expresso consta destes dois requerimentos que tenciono apresentar, e que aqui trago já escritos.
Mas parece-me que V. Ex.ª neste momento é um Deputado da oposição, porque me interrompeu precisamente para que não se ouvisse a minha referência ao chefe político da actual situação quando eu lhe chamava o nosso grande Salazar.
Risos.
O nosso grande Salazar, a propósito do demasiado intervencionismo do Estado, no seu último discurso político classificou-o com o nome de uma doença repugnante: elefantíase. Aproveito esta oportunidade para recordar que, por parte de muitos burocratas «intervencionistas», os seus serviços consistem em atraiçoar a situação que nós, os militares, com o nosso sangue, criámos e que eles desfrutam.
Apoiados.
Peço a V. Ex.ªs todos que me escutam que me interrompam quando supuserem que estou em erro, porque eu, que não sou católico militante mas profundamente cristão, quero cumprir os princípios que no tempo dos Césares de Roma os verdadeiros cristãos andavam a difundir pelo Mundo, entre os quais se contava o da humildade, traduzida na confissão do erro. Se me convencerem de que errei, não terei dúvida em realizar, como nesse tempo se fazia, a minha confissão pública.
Oscar Wilde, num conceito genial, afirmou que não é o padre que absolve o pecado, mas sim a confissão.
Procedam os outros como eu prometo proceder, se me demonstrarem que errei.
O Sr. Madeira Pinto: - Não é difícil.
O Orador: - Vamos a ver se o é ou não!
O Sr. Deputado Sá Carneiro declarou que o caso da Garantia não tem interesse geral. Entendo que são de interesse geral todas as causas de moralidade. (Apoiados). São de interesse geral todos os precedentes administrativos. Quanto ao aspecto jurídico, não quero focá-lo, porque não sei embrenhar-me nos labirintos da legislação. Conforme V. Ex.ª ouviram na sessão anterior, e como vão verificar nesta sessão, não segui qualquer dos caminhos adoptados quer pelo grupo da Garantia, quer pelo da Tagus e da Douro. Tão-pouco me deixo guiar pela argumentação do advogado da Garantia ou pelas subtilezas empregadas aqui e acolá. A minha argumentação, se acaso se lhe pode chamar assim, é simples e humilde, como eu próprio, como a linha recta, que, sem floreados nem arabescos, se dirige ao objectivo pelo caminho mais curto.
Trata-se, não de uma questão de doutrina, como alguém pretende, mas de simples questão de facto. Vou demonstrá-lo com clareza, por meio de uma série de raciocínios elementares, ao alcance de toda a gente que, como eu, não tenha formação jurídica.
Para julgar bastará bom senso, respeito pela verdade e, principalmente, conhecer alguma coisa de administração.
Ora vamos a ver. Diz a nota do Ministério das Finanças: «Em 1944 duas- companhias de seguros entraram em disputa de interesses. Uma delas, a Garantia, apresentou junto do Ministério das Finanças um pedido de alteração dos seus estatutos, que foi deferido por despacho de 29 de Junho de 1944 e por consequente portaria da mesma data. Da doutrina desses despacho e portaria recorreu a outra Companhia para o Supremo Tribunal Administrativo. A fim de manter a sua imparcialidade perante o litígio de interesses, agora convertido em discussão de doutrina ...
Até aqui, Sr. Presidente, estava tudo certo. Mas, em meu entender, este «agora convertido em discussão de doutrina» pode constituir critica aos advogados da Tagus ou da Garantia ou a quem quer que seja, menos a mim, que me limitei a apresentar a questão de facto.
Não faço confusão sobre o assunto, nem pretendo transformar em questão de doutrina um caso que, a meu ver, é puramente administrativo ...
O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Darei a V. Ex.ª a oportunidade para me interromper quando para isso tiver fundamento.
A prova de que V. Ex.ª também admitia a solução administrativa está em que, antes de ter posto o recurso no Supremo Tribunal Administrativo, havia pedido oficialmente um esclarecimento da portaria por via administrativa. Poderá V. Ex.ª agora interromper-me.
O Sr. Sá Careiro: - Quando há pouco admitia a possibilidade de haver quem pensasse que a questão não era de interesse geral não neguei, nem podia negar, que a solução injusta de um caso particular possa ferir o interesse geral.
Mas o ilustre Deputado, dizendo-a questão de facto, subjectiva portanto, parece recusar-lhe interesse geral.
O Orador: - Então o interesse é ou não geral?
O Sr. Sá Carneiro: - Pelas razões que expus, estou impedido de responder-lhe. V. Ex.ª afirma que tanto eu
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reconheci que se tratava de, acto administrativo que pedi a aclaração à portaria. E certo que a Garantia, a conselho meu, solicitou essa aclaração. For sinal que um Sr. consultor jurídico negou ao requerimento base jurídica e até moral!
Mas eu jamais impugnei a índole administrativa do acto, e por isso mesmo recorri dele para o Supremo Tribunal Administrativo.
O Orador: - Podia responder ao Sr. Deputado Sá Carneiro que, assim. como ele diz que conhece aspectos da questão que eu ignoro, felizmente para mim, também conheço outros aspectos que S. Ex.ª ignora. Ora vai ver-se, precisamente, como eles se objectivam.
Quando fui interrompido ia para ler a continuação seguinte da nota ministerial:
«.. o Ministro das Finanças, por despacho de 19 de Agosto de 1944, suspendeu «até resolução do Supremo Tribunal Administrativo» a autorização concedida pela portaria de 29 de Junho, vindo o mesmo Tribunal a pronunciar-se definitivamente por seu acórdão de 21 de Novembro de 1946, cuja cópia se junta».
Portanto, ficámos conhecendo, por esta parte da nota, uma coisa que eu, pelo menos, não sabia. A portaria de 29 de Junho de 1944, que foi revogada ou anulada em 24 de Dezembro de 1946, acha-se suspensa!
Sendo assim, por que motivo seria tão urgente, tão urgente, tão urgente, anulá-la antes da assembleia geral da Garantia, a realizar em 28 de Dezembro? Se ela já estava suspensa, que efeitos maléficos poderia produzir?!
Vou perguntar num requerimento se a suspensão da portaria de 1944, mandada efectuar pelo Sr. Ministro das Finanças, era conhecida pelo Sr. consultor jurídico da Inspecção de Seguros, pelo Sr. inspector e pelo Sr. Subsecretário de Estado das Finanças.
Conheço antecipadamente a resposta...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Dessa nota resulta que era conhecida, pois não tem outro sentido uma passagem na qual se diz «definitivamente anulada», o que quer significar que os serviços conheciam que ela, a portaria, estava suspensa. De outra maneira não empregavam aquelas palavras.
O Orador: - Tenho precisamente a mesma convicção de V. Ex.ª Por isso mesmo não percebo, e peço a alguém que tenha mais conhecimentos do que eu que me explique o motivo da pressa em anular uma portaria já suspensa ...
O Sr. José Cabral: - V. Ex.ª dá-me licença? Sr. Presidente: desejaria saber se V. Ex.ª está na disposição de conceder a palavra a qualquer Deputado que deseje usar dela sobre a matéria em causa, pois tenho a impressão de que se está a realizar um debato sobre o assunto, e parece-me que, sob o ponto de vista regimental, isso não é possível.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças mandou a esta Assembleia, a propósito do assunto tratado numa das últimas sessões pelo Sr. Deputado Botelho Moniz, os esclarecimentos que foram lidos há pouco. Não me parece que numa questão em que é posta em causa a moralidade da Administração se deva negar a palavra a qualquer Deputado que se deseje pronunciar sobre os esclarecimentos enviados à Câmara pelo Governo. Não se trata de um debate, mas de intervenções singulares sobre o assunto, observando-se todavia o Regimento quer quanto ao tempo do uso da palavra nesta primeira parte da sessão, quer quanto à ausência de deliberação colectiva da Assembleia.
O Sr. José Cabral: - Fico então entendendo, e comigo creio que todos os Srs. Deputados, que, sem ser um debate generalizado, qualquer Deputado pode pedir a palavra sobre essa matéria.
O Sr. Presidente: - Sim, senhor, sobre a resposta mandada à Assembleia Nacional.
O Sr. José Cabral: - A dúvida que ocorreu ao meu espirito creio que ocorreu a todos os Srs. Deputados, e fica esclarecido que se alguém quiser falar sobre a matéria o pode fazer.
O Sr. Presidente: - Lembro ao Sr. Deputado Botelho Moniz que já esgotou o período regimental, e portanto, peco-lhe para abreviar as suas considerações, tanto mais que, como disse, tenciona apresentar dois requerimentos.
O Orador: - Sr. Presidente: repito hoje o que já afirmei no outro dia: se não fossem as interrupções, aliás sumamente agradáveis, não teria gasto tanto tempo. Um aparte que ouvi deixa supor que estou atacando pessoas. Na verdade, as pessoas não me interessam. Ataco serviços, ou, melhor, a maneira como os serviços são executados.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu pergunto a V. Ex.ª se os serviços comem broas!
O Orador: - A resposta a essa pergunta de V. Ex.ª será dada no final de um dos meus requerimentos. Mas posso já declarar a V. Ex.ª que nem sempre existe crime em dar as broas, embora frequentemente seja criminoso recebê-las e comê-las...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Há broas intragáveis ...
O Orador: - Isso é que é. Quanto a mim, esta é uma delas!
Alguém me procurou paru me esclarecer a esse respeito, e respondi-lhe, como é de uso na justiça inglesa: «Previno-o de que tudo quanto vai dizer poderá ser utilizado contra si próprio».
Mas, por agora, continuemos, com a nota ministerial:
«Como, segundo a lei vigente, as decisões definitivas do Supremo têm efeito executório imediato note-se bem isto, que mostra a desnecessidade da portaria - a Companhia vencedora no recurso veio, em requerimento entrado em 10 de Dezembro de 1946, acompanhado de certidão do acórdão, pedir a sua imediata execução».
Quer dizer: esta nota do Ministério das Finanças, demonstrativa da sua imparcialidade, esclarece que a Inspecção de Seguros procedeu por efeito de um requerimento da Companhia Tagus, vencedora do acórdão.
Ora, Sr. Presidente, não se tornava preciso basear a portaria do 24 de Dezembro de 1946 nesse requerimento, nem ele era preciso para que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo fosse executório.
O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª para abreviar as suas considerações.
O Orador: - Esse desejo tenho eu, creia V. Ex.ª
Continuemos com a nota.
O consultor jurídico, em 18 de Dezembro, deu o seu parecer, cuja conclusão foi ali publicada e rezava assim:
«No caso presente entendo que deve publicar-se a portaria revogando definitivamente a autorização conferida e actualmente em suspensão, com todas as suas consequências legais, como seja a de impor a anulação de
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todos os actos que à sua sombra se tenham realizado». Por consequência, refere-se exclusivamente à portaria de 1944. Não podem existir dúvidas de que a sua proposta é de que só ela seja anulada e com ela as suas consequências.
Por sua vez, o inspector de seguros concluiu o sen parecer, com data de 24 de Dezembro, nos termos que a nota ministerial indica, por um lado muito mais amplos e por outro muito mais vagos do que os do consultor jurídico.
Efectivamente, além de tudo quanto não vale a pena repetir, para poupar tempo e fugir a discussões jurídicas, escreveu nessas conclusões (alínea b) do n.º 2.º): cê todos os actos realizados à sua sombra».
Eis a origem da baralhada: enquanto o consultor jurídico escreve «à sombra da portaria», o inspector de seguros emprega a expressão «à sua sombra», mas em referência ao artigo 13.º dos estatutos.
Deslize? Habilidade? Confusão?
Daqui é que nasceram as palavras dúbias da portaria, que podiam levar a supor que ela não estava em harmonia com o acórdão.
Em todo o caso, quaisquer dúvidas desapareceriam, por parte dos grupos em litígio acerca da maneira como se interpretava a portaria se tivesse sido cumprido pela Inspecção de Seguros o proposto no n.9 3.º das conclusões do seu parecer:
Comunicar à Companhia que deve proceder aos lançamentos de escrita que resultarão da publicação que sugere.
É evidente que o Ministério das Finanças, o Subsecretário de Estado das Finanças ou o inspector de seguros não deviam publicar diploma algum a interpretar a decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Mas é também evidente que, por força da sua função fiscalizadora, eles devem realmente, ao ordenarem actos de contabilidade, dar uma interpretação ao alcance das palavras finais da portaria de 24 do Dezembro de 1946.
Não se trata aqui de uma questão de doutrina, mas de uma série de actos a praticar, que serão estes ou serão aqueles, conforme a verdadeira intenção do legislador.
No caso presente tais actos são simples lançamentos de escrita, a efectivar por determinação do inspector. Ordenados por escrito, oficialmente, serão insofismáveis.
Houve muita pressa em publicar uma portaria duplamente pleonástica, quer por não ser necessária, quer porque, segundo a própria declaração do consultor jurídico transcrita na nota ministerial, toda a sua parte final - única que efectivamente ataco - era também pleonástica.
Ora, as mesmas pessoas que se apressaram a publicar essa portaria - a meu ver desnecessária - não tiveram pressa alguma, desde o dia 21 de Novembro de 1946 até hoje, em intimar a Companhia de Seguros Garantia, submetida à sua fiscalização, a que fizesse os lançamentos consequentes ao acórdão e propostos no seu parecer pelo inspector de seguros.
Se a Inspecção tivesse indicado, como devia, quais eram esses lançamentos, a questão de doutrina nunca poderia aparecer, e ninguém se poderia aproveitar de palavras dúbias de uma portaria para tirar ilações que na vontade e na intenção desse homem de bem que é o Sr. Subsecretário de Estado das Finanças não estavam lá nem podiam estar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todo o mal proveio de até hoje não se ter definido esta coisa absolutamente material: lançamentos de escrita a efectuar. Se se exigem apenas os correspondentes a anular a emissão das 1:250 acções da portaria de 1944, está cumprido o acórdão e satisfeita a verdadeira e honesta intenção do legislador que subscreveu a portaria de 1946.
Na hipótese inadmissível de também se exigirem lançamentos de escrita relativos a outra emissão de 1930 que o acórdão não citou violar-se-ia a sua letra e o seu espírito.
A isto me conduziu o raciocínio simples, sem argúcias nem subtilezas.
E quem conhecer os processos verificará que a questão nunca fora posta nestes termos por qualquer das pessoas que dela se ocupou. Isso prova que não aceitei sugestões fosse de quem fosse.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tem agora a palavra para um requerimento.
O Orador: - Sim, Sr. Presidente. Não é um; dois. Vou apresentá-los. O primeiro diz o seguinte:
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida indicação urgente, clara e discriminada de quais os lançamentos (a que se refere o parecer do inspector geral de seguros transcrito na nota do Ministério das Finanças) que a Companhia de Seguros Garantia deve efectuar na sua escrita em cumprimento do acórdão de 21 de Novembro de 1946 do Supremo Tribunal Administrativo».
O outro requerimento diz o seguinte:
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me sejam fornecidos mais os elementos seguintes:
1.º Indicação dos motivos por que, contrariamente ao seu próprio parecer publicado, a Inspecção de Seguros não intimou a Companhia de Seguros Garantia a efectuar os lançamentos de contabilidade consequentes ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Novembro de 1946 nem fiscalizou a sua efectivação;
2.º Informação sobre a atitude tomada pela Companhia de Seguros Garantia perante a Inspecção de Seguros logo que tomou conhecimento do acórdão citado.
3.º Se a Inspecção de Seguros e o Subsecretário de Estado das Finanças conheciam o facto de estar suspensa a execução da portaria de 29 de Junho de 1944, mandada anular pela portaria de 24 de Dezembro de 1946. _4.º Não seria suficiente aguardar que a assembleia geral da Companhia de Seguros Garantia, convocada especialmente para o efeito para 28 de Dezembro de 1946, isto é, para quatro dias depois, modificasse os estatutos, em cumprimento rigoroso do acórdão? Visto a própria nota do Ministério das Finanças declarar que um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não necessita de ser homologado por qualquer decreto ou portaria do Executivo, por que razão não se seguiu o processo normal, aliás muito mais simples e directo, de determinar que fossem submetidos à aprovação governativa os estatutos modificados e de se verificar se estavam feitos os lançamentos de contabilidade consequentes do acórdão?
5.º Se no prazo próprio as determinações não tivessem sido executadas, não possuem o Subsecretário de Estado das Finanças e a Inspecção de Seguros meios bastantes para compelir qualquer companhia de seguros ao cumprimento dos seus deveres legais? Pode alguma modificação dos estatutos ser realizada sem autorização ministerial?
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gum dos gr apôs em litígio? Se houve inconfidência, quem a praticou e quem beneficiou dela?».
Poderá dizer-se: c Na cauda o veneno».
For isso, a esta pergunta, a do n.º 6.º, respondo eu próprio desde já, antes de terminar, porque não gosto de deixar coisas em suspenso ou deixar supor que ataco inocentes.
Afirmo e provo onde for necessário que o exemplar assinado da portaria de 24 de Dezembro de 1946 foi entregue antes da publicação ao grupo da Companhia Tagus e que foi um dos membros desse grupo o portador dele para o Diário do Governo. Consequentemente, ficou com os poderes necessários para demorar ou antecipar a publicação dessa portaria, porque era ele o portador dela, e tomou conhecimento do seu teor pelo menos quarenta e oito horas antes dos adversários, o que lhe deu vantagem de manobra em relação à assembleia geral de 28 de Dezembro de 1946.
Esta entrega foi-me confessada pelo próprio inspector de seguros ontem, às 21 horas, sem que eu lhe pedisse para ma confessar. De resto, eu já há dias a conhecia.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: já que V. Ex.ª tem sido tão condescendente que consentiu este debate sobre uma série de documentos enviados à Câmara pelo Ministério das Finanças, eu atrevi-me a pedir a V. Ex.ª me consentisse que usasse também da palavra sobre a matéria.
Quero tranquilizar desde já o Sr. Deputado Sá Carneiro, afirmando-lhe que não vou discutir o problema - posso dizer, em debate?- no terreno jurídico. Quero ainda acrescentar que, assim como S. Ex.ª, eu entendo não ser este o lugar próprio para se discutirem questões afectas aos tribunais.
Não veja nisto o Sr. Deputado Botelho Moniz uma crítica à sua teoria geral -insisto: uma crítica à sua teoria geral de que não está vedado a esta Câmara discutir problemas de ordem moral que tenham relação com problemas de ordem jurídica afectos aos tribunais. Pode, com efeito, esta Câmara discuti-los, pois, se são de ordem moral, têm necessariamente projecção política, e aqui é o lugar próprio para arrumar questões que tem projecção política.
Segui com o mais aturado cuidado todas as notas foi-tas pelo Sr. Deputado Botelho Moniz; segui-as quando não conhecia sequer a primeira palavra da questão e segui-as hoje, em que já conheço alguma coisa da questão.
Insisto: já conheço a questão, no que tem de essencial, através do que aqui foi dito na penúltima sessão e através dos elementos fornecidos pelo Governo. E pergunto: na questão, como foi posta aqui no último dia, apareceu ostensivamente algum problema de ordem moral?
A questão foi posta no terreno de duas portarias por que são responsáveis o Ministro das Finanças e o Subsecretário de Estado das Finanças.
Dentro destas portarias, e para quem conhece o caso a que se referem, está posto algum problema de ordem moral? Eu não vejo numa delas senão isto: «Sim senhor, autorizo». À solicitação de uma entidade de carácter privado que por lei carece de uma certa autorização e que a pede diz-se: «Sim senhor, autorizo».
Outro ponto: recorre-se da portaria com fundamento na sua ilegalidade. E a isenção das pessoas responsáveis é tal que dizem: «Então, há dúvidas?».
Suspenda-se a portaria até que os tribunais se pronunciem. E o tribunal pronunciou-se.
O Sr. Sá Carneiro: - Eu não posso pôr em dúvida a isenção dessas pessoas, mas a portaria sustatória foi feita em obediência ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que suspendeu a anterior portaria.
O Orador: - Mais um motivo! Ninguém poderá dizer que nisto as pessoas responsáveis procederam menos correctamente. A questão seguiu os seus termos. É julgada bem? É julgada mal? Não interessa a esta Assembleia sabê-lo. Não me interessa a mim discuti-la, a não ser para efeitos de investigação jurídica, porque, bem ou mal, está julgada, está arrumada; e eu acho mais perturbador da ordem e da justiça deixar de executar-se uma decisão do tribunal, ainda que se esteja convencido de que ela é errada, do que atingir a autoridade do tribunal, não a executando.
Eram precisos os desenvolvimentos de execução do acórdão que aparecem na portaria anulatória?
Eu digo tranquilamente a V. Ex.ª creio que não eram precisos.
Mas a isto é que dão completa satisfação, segundo suponho, os esclarecimentos transmitidos a esta Assembleia pelo Ministério das Finanças, que foram lidos no começo desta sessão. Onde está, até aqui, o caso moral ? Onde está? Onde está o caso moral que possa conduzir o paladino das coisas heróicas, que é o major Botelho Moniz, a pôr a questão nos termos em que então a pôs "í Onde está?
É da natureza dos homens que querem trilhar a vida sempre guiados por uma grande estrela, de quando em quando, porque vão de olhos fitos na estrela, tropeçar... Onde está até aqui o caso moral?
Pode ser que hoje tenha aparecido aqui o rebusco, como dizem para a minha terra, ou o rabisco, como dizem cá para o sul, dum caso moral. Não apareceu no momento em que a questão foi posta aqui.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Botelho Moniz: - Era simplesmente para dizer o seguinte: entendo que uma pessoa pode cometer um erro sem que com ele pratique acto de desonestidade.
Erros são normais. Todos nós os cometemos.
O Orador: - E havemos de, feliz e infelizmente, continuar a cometê-los...
O Sr. Botelho Moniz: - Simplesmente, a partir do momento em que, na nossa própria consciência, estamos convencidos de que esse erro foi cometido não é moral teimar nele.
O Orador: - Não alcanço o alvo das observações de V. Ex.ª...
O Sr. Botelho Moniz: - Então explico melhor.
Na própria nota do Ministro das Finanças se diz que as últimas palavras da portaria de 24 de Dezembro são pleonásticas.
Toda a questão nasceu dessas palavras.
Porque razão não se anularam ou corrigiram?
O Orador: - Eu tenho estado a pôr a questão como ela apareceu no último dia, mas agora acrescento: pelo que se ouviu, a portaria está agora afecta a um tribunal. O que há a fazer-se relativamente a essa portaria é o que o tribunal decidir, e não pode cada qual, não pode qualquer Ministro, estar a reformar os seus despachos, desde que eles tenham atingido os interesses das pessoas a quem possam referir-se. Quem tem de os anular - se for caso disso - é o tribunal.
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O Sr. José Cabral: - E não deve a Assembleia fazer nada que de qualquer modo possa influir, directa ou indirectamente, sobre a decisão que o tribunal entenda dever tomar.
O Orador: - Isso está na ordem de todas as minhas considerações.
Posto isto, concluo o meu pensamento: não há caso que toque o Ministro ou o Subsecretário de Estado.
Prestemos-lhes a nossa homenagem.
Apoiados.
Pode haver, pelo que ouvi no fim das considerações hoje feitas pelo Sr. Deputado Botelho Moniz, algum aspecto moral que não toca nem o Ministro nem o Subsecretário de Estado, que não são os portadores das portarias para o Diário do Governo; se houver, discuta-se e arrume-se.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris acerca da crise dos municípios.
O Sr. Teotónio Pires: - Sr. Presidente: mais uma vez, e desta tribuna, eu desejo apresentar a V. Ex.ª respeitosos cumprimentos, com os protestos da minha maior admiração pelas altas qualidades morais e intelectuais que concorrem na pessoa de V. Ex.ª dando-lhe um lugar inconfundível na vida política da Nação.
Sr. Presidente: em boa hora trouxe o Sr. Dr. Rocha Paris a esta Câmara o seu aviso prévio sobre a situação dos municípios.
Com notável espírito crítico e agudo sentido da oportunidade, para ele requereu a generalização do debate o Sr. Dr. Antunes Guimarães.
Temos tido, assim, o prazer de ouvir, conhecer e apreciar a opinião autorizada de muitos colegas que à vida municipal têm dado o melhor do seu esforço e o melhor do seu saber de experiências feito.
Os oradores que me precederam, esclarecidos uns pela prática que viveram na gestão dos negócios municipais, documentados outros pelos estudos que fizeram da vida dos concelhos do País - todos são unânimes em reconhecer e concluir que a situação é grave e reclama urgente remédio, para se não deixar estiolar e perder no amálgama das coisas incaracterísticas uma instituição multi-secular que mergulha as suas raízes no humo profundo da nossa tradição, como tão eloquentemente o salientou o Sr. Dr. Mário Madeira.
Para que se não assista à rendição incondicional da maioria dos municípios, exangues à míngua de recursos, impotentes para preencher a sua missão histórico-social, necessário se torna procurar providências de excepção, soluções heróicas que ponham cobro ao justo clamor das gentes e que sustem a vaga de desgosto e de desânimo que ameaça invadir e dominar os homens que tão abnegadamente, e quase sempre tão ingloriamente, queimam por esses concelhos de Portugal as suas energias na administração municipal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Da vida municipal do continente não tenho completo conhecimento de visu. Porém, para ajuizar e com segurança concluir da sua situação, da sua actual posição nos depoimentos que ouvi, me louvo.
Dos concelhos açorianos outro tanto não direi. Conheço-os razoavelmente nos seus aspectos fisiográficos e económicos, nas suas aspirações, dificuldades e desalentos.
Ainda há poucos meses, percorrendo na companhia do governador as ilhas do distrito de Angra do Heroísmo, me foi fácil confirmar o estado de necessidade, de penúria mesmo, de um dos seus concelhos, tão pobre, como outro não haverá em Portugal, tirante o de Corvo.
Tão pobre esse concelho e com tantas e tão largas possibilidades latentes para se desentranhar em fecundo progresso, se lhe puderem ser e forem satisfeitas elementares necessidades que pelos seus recursos próprios o não poderá jamais conseguir.
Para cúmulo da má sorte, foi precisamente este concelho o mais duramente castigado pelo grande ciclone que em Outubro último assolou o arquipélago dos Açores.
Tenho em meu poder um apelo impressionante do presidente da respectiva câmara clamando amparo e justiça para aquela gente a quem o mar tudo levou, desde o cais, muralha de protecção, guindaste, até às próprias casas e quintais.
Nunca por ali passara tão inclemente a fúria dos elementos, a não ser em 1757, quando um terramoto totalmente arrasou a vila.
Refiro-me ao concelho da Calheta, da «verdejante e laboriosa ilha de S. Jorge, porventura aquela em que mais dura é a luta com a terra e que mais abandonada de tudo e de todos se sente», na frase incisivamente objectiva e justa do ilustre titular da pasta da Guerra, aquando da sua viagem pelos Açores, no último verão. Se da Calheta passarmos a Velas, o outro concelho ainda em S. Jorge, e depois a Santa Cruz, na ilha Graciosa, por toda a parte sentiremos o mesmo pulsar de generosos anseios de «mais e melhor», quando é certo que eles ainda nem o essencial possuem!
Caminhos, redes de abastecimento de águas potáveis, redes de esgotos e edifícios escolares faltam em quase todos os concelhos rurais de 3.a ordem! E estes, com seus recursos próprios, não podem, nem nunca poderão, satisfazer tão importantes e fundamentais necessidades colectivas.
Há um nível de vida abaixo do qual os povos não podem e não querem descer, nem se deve tolerar que desçam, sob pena de se cair na estagnação, na apatia, na depredação dos valores humanos irrecuperáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a sua indiscutível autoridade de economista e sociólogo, o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia demonstrou com números e irrefregáveis conclusões que uma boa parte dos municípios do País nunca poderá cumprir, através dos seus recursos próprios, as obrigações que legalmente lhes impendem.
São estes os factos, é este o panorama da nossa vida municipal.
Estamos, pois, em face duma situação inelutável, irremediável ou catastrófica? Não o julgo assim, e comigo todos os que não perderam o sentido das realidades e o senso das proporções.
Não subimos a esta tribuna para denunciar os males e depois recolhermo-nos comodamente a um alheamento indefensável. Não! Estamos aqui para pedir, reclamar e enunciar soluções, para apontar deficiências orgânicas ou erros funcionais, mas com generosidade e recta intenção, alto espirito de bem servir o interesse nacional e clara visão das dificuldades da hora presente.
Estamos aqui, em suma para colaborar.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Esta tribuna não é muro de lamentações. Não subi a ela para carpir mágoas, chorar desgraças ou confessar situações inelutáveis.
Estou aqui sem filáucias de orador, que não sou, sem azedumes demagógicos ou espírito jacobino. Estou aqui sem inconformismos, que não sinto, ou derrotismo", que não professo. Estou aqui para dar o meu modesto e apagado esforço a bem da Terra e da Grei.
Está posto à consideração e discussão da Assembleia Nacional um grave problema da nossa vida político-administrativa. Trata-se da defesa de fundamentais interesses de sete décimos da população portuguesa.
Trata-se de consolidar e garantir a vida da boa gente, da melhor gente de Portugal, que moureja paciente c confiante, sóbria e tranquila, sempre à espera de que um dia alguma coisa lhe toque do muito que a Revolução Nacional já outorgou a outros centros mais afortunados do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não pode o problema, julgo, em meu modesto entender, ser resolvido pelo recurso a maior carga tributária.
Exigir a populações desprovidas do elementar equipamento para uma vida modesta, mas confortável e progressiva, o sacrifício do mais contributos seria, além de impolítico, talvez violento e injusto.
Estamos, pois, no âmago do problema e no ponto crucial da sua dificuldade.
Vejamos primeiro quais são as necessidades mais instantes, o seu volume e custo. São, indiscutivelmente, as de comunicações, as de abastecimento de águas, as de redes de esgoto, as de construção de edifícios escolares.
São estas que, pelo seu volume e custo, não podem ser satisfeitas pelos recursos próprios dos municípios; pelo menos neste período anormal e gravemente comprometedor do ritmo tranquilo da nossa vida nacional,
Não sendo, como não ó, aconselhável diminuir as atribuições das câmaras municipais, tão sabiamente reintegradas nas suas funções tradicionais pelo Código Administrativo, que é, na sua traça geral, nos seus dispositivos normativos, um notável documento de arquitectura jurídica e realismo político, só nos resta uma solução: realizar o Estado, por si e suportando integralmente o custo, as obras de construção e grande reparação das estradas municipais e caminhos vicinais de todos os concelhos rurais de 3.a ordem, construção dos respectivos edifícios escolares do Plano dos Centenários e instalação dos equipamentos de sanidade e salubridade-redes abastecedoras de água potável e redes de esgoto.
Uma vez concluídas estas obras e entregues às respectivas câmaras municipais todas as despesas futuras do "conservação e aproveitamento de material", voltariam para cargo das mesmas câmaras.
Para os concelhos rurais de 2.º e 1.º ordem cuja posição financeira não comportasse o recurso a empréstimos adoptar-se-ia a mesma solução, com a diferença, porém, de que as respectivas câmaras reintegrariam o Estado de 25 por cento dos capitais despendidos e em prazo a fixar, nunca inferior a vinte anos.
Uma vez executada esta solução, a consequente valorização da propriedade dos concelhos e o lógico desenvolvimento das suas fontes de riqueza e actividade permitiriam e implicariam fazer um rigoroso balanço, com vista a uma revisão matricial e tributária.
Sabemos todos que o erário nacional não é inexaurível, mas só o Estado poderia, para uma obra de tal magnitude e de efeitos incalculavelmente benéficos, emitir um grande empréstimo - um empréstimo nacional de restauração e reintegração municipal.
Não somos nem pelo centralismo nem pelo paternalismo do Estado, mas o momento grave que atravessamos exige soluções imediatas, inadiáveis, completas.
E estas só o Estado as poderá executar, num grande plano de conjunto.
Nem sé diga que alvitramos uma solução incompatível com as nossas tradições legislativas ou práticas de governo.
Para solução dos problemas de viação de um distrito autónomo o grande estadista que foi Duarte Pacheco não encontrou outra, e, pelo decreto-lei n.º 32:299, a adoptou.
Não tenho ilusões quanto às dificuldades de execução, por parte do Governo, do alvitre que deixei esboçado, mas também não tenho ilusões de que os povos dos concelhos mais pobres (e são quase todos) por esse País fora desejam, esperam e confiam que a Revolução continue.
Não tenhamos ilusões!
Atravessamos um momento difícil, solene e decisivo.
A era atómica, e quando digo atómica quero significar o conceito ético-social das transformações bruscas ou demasiado aceleradas, a era atómica, repito, que surgiu tão cheia de fagueiras promessas e sombrios pressentimentos, atingiu-nos em cheio, na curva ascendente da nossa reintegração nacional, criando à nossa volta uma atmosfera pletórica de excitações e aliciante de perigosos desvarios.
Precisamos não esquecer os nossos conceitos fundamentais - os nossos dogmas ético-sociais de povo latino e cristão- e lembrarmo-nos, com equilibrado bom senso, de que somos um país pobre de recursos materiais.
Não podemos acompanhar o ritmo apressado dos países ricos na conquista do bem-estar material das suas populações.
Não podemos ombrear com eles, mas podemos e devemos, sem optimismos utópicos de fantasias deslumbradas, desejar, querer e realizar aquele mínimo de bem-estar e de progresso compatíveis com as nobres aspirações de homens cristãos.
Só assim teremos ultrapassado aquela "mediocridade detestada" a que um dia Salazar se referiu.
Só assim teremos fortalecido e preparado o arcaboiço moral e material da Nação para as grandes batalhas do futuro.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Magalhães Pessoa: -Sr. Presidente: embora vá já adiantado o debate estabelecido sobre o aviso prévio trazido à Câmara pelo ilustre Deputado Dr. Rocha Paris e neste lugar se tenham produzido judiciosas considerações que muito esclareceram o assunto, julgo do meu dever, por virtude da situação que ocupo num corpo administrativo, vir trazer à discussão o meu modesto contributo e associar-me aos apelos daqui dirigidos ao Governo no sentido de procurar valer à situação mais que precária em que, sob o ponto de vista financeiro, se encontram os municípios do País.
Para não importunar V. Ex.ªs vou procurar ser breve e dar às minhas considerações uma feição essencialmente prática, por entender que é de soluções práticas que este problema necessita.
Pelas intervenções aqui realizadas chega-se a uma segura conclusão: a de que os municípios portugueses atravessam uma crise delicada que convém superiormente considerar.
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O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
De facto a crise dos municípios é muito grande, mas eu não gostaria que se fizesse confusão, porque eu, que estive nos municípios untes da actual situação e que presentemente me encontro também à frente de um município, posso dizer que, se agora se faz pouco, porque as condições são más, anteriormente não se fazia absolutamente nada.
Tenho a impressão de que as nossas lamentações podem levar o País ao convencimento de que as câmaras municipais estão hoje numa situação pior em relação ao passado, o que não é certo, visto que, comparado ao que se fazia antigamente, hoje se produz muito.
O Orador: - Absolutamente de acordo, Sr. Deputado Melo Machado. Essa comparação nem por sombras se pode estabelecer.
Determinadas as causas, alvitradas as sugestões, aguardam confiadamente as autarquias, e com elas o País, que o Governo de Salazar, sempre atento aos grandes problemas nacionais, lhe dedicará a devida atenção, procurando acabar com um estado de coisas que dia a dia mais se agrava e complica.
É dentro deste espírito de colaboração e confiança que venho fazer a minha intervenção.
Eu sou, Sr. Presidente, dos que julgam não ser necessário criar receitas especiais tendentes a revigorar as depauperadas finanças camarárias. Antes penso que a resolução do problema consiste principalmente em as desonerar de inúmeros encargos estranhos às manifestações da sua actividade, encargos respeitantes a serviços do Estado e que portanto só o Estado deve suportar.
Apoiados.
Deixem as câmaras com as receitas que a lei lhes estabelece; libertem-nas das despesas que a outras entidades pertencem: aliviem-nas dos encargos incomportáveis resultantes da manutenção dos doentes nos hospitais ; melhore-se a mecânica, das comparticipações - e o ambiente de sobressalto em que presentemente vivem os que tem sobre os seus ombros as responsabilidades da administração municipal melhorará sensivelmente, por verem que assim já podem exercer a sua acção, promovendo o progresso local e levando às boas, às laboriosas populações rurais um mínimo de comodidade e bem-estar, a que indiscutivelmente tem direito, mas que, infelizmente, muitas delas ainda não lograram obter.
Sobre as receitas municipais, o Estado cobra as seguintes percentagens: 4 por cento sobre o produto dos adicionais das contribuições gerais do Estado; 5 por cento do imposto que incide sobre o peixe pescado nos concelhos; 5 por cento do produto do adicional sobre a contribuição predial rústica paru o fundo de cadastro; 20 por cento sobre as receitas ordinárias das zonas de turismo.
Em contrapartida, Sr. Presidente, as câmaras nada recebem pela cobrança, feita por seu intermédio, das receitas que pertencem ao Estado -imposto de trânsito, adicionais sobre taxas cobradas por meio de licenças e sobre multas, imposto do selo, etc.-, e ainda por cima têm de fornecer aos serviços do mesmo Estado, além da instalação, mobiliário, água, luz o aquecimento. E digo aquecimento, porque quase todos utilizam caloríficos eléctricos.
Sr. Presidente: as despesas com as escolas primárias, reparação de edifícios, expediente, fornecimento de mobiliário e material didáctico pesam enormemente nos orçamentos camarários.
Na câmara que me está confiada atingiram durante o ano findo a importante cifra de 82.019£25. * Um outro problema a rever, e já aqui focado, é o da responsabilidade das câmaras no internamento de doentes pobres nos hospitais. Se ele sempre foi preocupante para a administração municipal, acha-se hoje muito mais complicado, por virtude das circulares de 28 de Junho e 10 de Julho do ano findo enviadas pela Direcção Geral da Assistência aos estabelecimentos que da mesma dependem.
Eu quero aqui prestar a devida justiça à boa fé e pureza de intenções que orientaram aquela Direcção Geral na expedição das circulares referidas.
A verdade, porém, é que, em vez de esclarecerem o assunto, muito mais o vieram complicar.
Determina-se nessas circulares, que tenho aqui presentes, que os estabelecimentos hospitalares não podem receber qualquer doente sem uma guia de responsabilidade e sem o internamento ser precedido de um inquérito sobro a sua situação económica ou a dos seus ascendentes, descendentes e irmãos.
Quem faz esses inquéritos?
Como ainda não estão criadas na província as delegações ou secções dos centros de inquérito assistêncial previstas no decreto-lei n.º 35:108, de 7 de Novembro de 1945, incumbem tais inquéritos às comissões paroquiais de assistência, que, como V. Ex.ª calculam, resultam necessariamente muito deficientes. As fichas enviadas àquelas comissões são, por via de regra, preenchidas em face das declarações dos inquiridos, que, sistematicamente, afirmam nada possuir além do produto do seu trabalho, sempre incerto.
As comissões dão o seu parecer de conformidade com as declarações recebidas, e, em face delas, os hospitais - pelo menos o do meu concelho - debitam u câmara por 50 por conto da importância do internamento ou, quando muito, por 45 por cento, se se considera o doente incluído no escalão A dos porcionistas.
Resultados práticos: o hospital do meu concelho, que não cobrava da. câmara importância alguma pelo internamento dos doentes pobres, recebendo apenas um modesto subsídio de 12.000$ anuais, passou, alegando que assim lho impunha a Direcção Geral da Assistência, a exigir guias de responsabilidade e a apresentar as suas contas, contas que importaram nos três últimos meses do ano findo respectivamente em 12.120)5, 13.432$50 e 15.048,5, ou seja, em média, 13.533&50 mensais.
Convencido de que as determinações da Direcção Gemi da Assistência oram unanimemente observadas e cumpridas em todos os estabelecimentos hospitalares e que, assim, a câmara passaria a ficar aliviada em metade nas contas respeitantes aos internamentos dos doentes nos outros hospitais, fiquei admirado quando, passado tempo, se recebeu uma conta dos Hospitais da Universidade de Coimbra na qual as diárias apareciam debitadas por inteiro.
Foi chamada a atenção para as determinações da Direcção Geral da Assistência; a resposta foi que naqueles Hospitais ainda não vigorava o regime dos escalões!
Quer dizer: a câmara continuou a pagar por inteiro os internamentos dos doentes nos hospitais de Coimbra e possivelmente de Lisboa.
Assumiu um novo encargo com os doentes internados no hospital da sede do concelho; e, como tem de suportar ainda os que lhe acarretam os existentes nos hospitais e casas de saúde de doenças especializadas, tanto de Coimbra como de Lisboa, chegará dentro de poucos meses a atingir o limite fixado no decreto-lei n.º 35:108, de 7 de Novembro de 1945 10 por cento das receitas da câmara- ou seja, números redondos, 250 contos. E eu pergunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se há algum organismo municipal que possa suportar tamanho encargo, principalmente se já se achar onerado com outros!
Será este problema dos doentes um problema insolúvel, como aqui declarou o nosso distinto e estimado colega Sr. Deputado Melo Machado?
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Eu tenho de há muito, Sr. Presidente, a convicção de que este assunto ficará em grande parte resolvido no dia em que se conseguir alargar a previdência às classes rurais. Sei que o problema oferece dificuldades, principalmente no Centro e Norte do País, onde a propriedade está muito dividida e o trabalho se reveste das condições mais variadas.
Mas o activo de realizações no sector de previdência é já tão considerável que nos deixa antever a possibilidade de se vir a atingir essa finalidade. No dia em que tal suceder, o internamento dos doentes passará a ser suportado, total ou parcialmente, pelas respectivas caixas sindicais, com manifesta vantagem para o Estado e para as autarquias.
É este, de resto, o sistema seguido em alguns cantões da Suíça.
Por último, Sr. Presidente, desejo referir-me ao auxílio que o Estado pode prestar as autarquias no capítulo das comparticipações.
Todos reconhecem e louvam o muito, o muitíssimo, que o Estado Novo tem feito em benefício de todos os concelhos do País.
Já neste debate foram postos em devido relevo o valor e a oportunidade da publicação do decreto-lei n.º 34:924, de 19 de Setembro de 1945, que determinava possam ser elevadas para 75 por cento as comparticipações destinadas a estradas e caminhos.
Esta providência é de incalculável valor para os municípios, porque lhes faculta a possibilidade de melhorarem comunicações dentro dos seus concelhos. Mas é preciso que os serviços não se agarrem demasiadamente à burocracia e à técnica, diminuindo muitas vezes o efeito de tão salutares e úteis providências. O que se passa com a execução do Plano dos Centenários é elucidativo. O despacho de 15 de Julho de 1941 que o apresentou prescreve que as câmaras suportarão 50 por cento do custo total das obras, a pagar nos cinco anos seguintes ao da conclusão do plano.
Mas na prática tal não se verifica. O encargo das câmaras municipais excede em muito aquela percentagem, porquanto, além de terem de fornecer os terrenos na base de 2:000 metros quadrados para Cada edifício gémeo, ou de duas salas uma para cada sexo -, ainda são obrigadas a construir à sua custa os muros de vedação, as cisternas para água e bem assim as respectivas bombas elevatórias.
O Sr. Melo Machado: - E dá-se até o caso de os terrenos que são oferecidos pelas populações nunca servirem. São sempre precisos outros, que se tem de comprar.
O Orador: - O que V. Ex.ª acaba de referir deu-se há pouco tempo na câmara que administro. Foi oferecido o terreno, mas não pôde ser utilizado.
Porque não se cumpre a doutrina, bem expressa no despacho, que manda que os edifícios sejam construídos totalmente pelo Estado, embora a câmara suporte metade das despesas?
Daqui resulta a seguinte situação: o Estado constrói os edifícios evidentemente sem as vedações, as cisternas e as bombas elevatórias. As direcções dos distritos escolares e muito bem- não autorizam o funcionamento das escolas enquanto não forem abastecidas de água. E se a câmara não tem verba inscrita em orçamento e nem a pudor inscrever, por já haver elaborado os orçamentos suplementares, só no ano seguinte as obras podem executar-se.
Entretanto os edifícios ficam fechados, com grave prejuízo para o ensino e para a comodidade e higiene das crianças.
Qual a cansa destas anomalias?
A meu ver, o excesso de burocracia, a eterna complicadora das soluções mais simples.
É inegável a boa vontade, o interesse e o zelo do todos os chefes de repartições do Ministério das Obras Públicas.
A começar pelo distinto director geral dos serviços do urbanização, a cuja competência, correcção e dinamismo aqui já foi prestada a devida homenagem, a que calorosamente me associo, todos os restantes funcionários superiores desse departamento do Estado o acompanham na inexcedível dedicação aos serviços que lhes estão confiados. Mas em alguns dos seus colaboradores mais subalternos notam-se por vezes demasiadas formações burocráticas.
Há cerca do dez anos que tido de perto com todos os sectores desse departamento do Estado, e por vezes se me tom deparado atritos dessa natureza, que entorpecem a acção e, a meu ver, contrariam o progresso.
Eu compreendo o aplaudo inteiramente que os serviços sejam implacáveis na fiscalização das obras, porque daí só advêm vantagens, mas o que já não posso compreender é que no estudo dos projectos e na revisão dos orçamentos se levantem dificuldades- desnecessárias que posteriormente se reflectem no montante das comparticipações.
Parte-se do princípio bem errado princípio- de que defender o Estado é reduzir os seus encargos nas obras, embora a diferença vá pesar sobre as autarquias, sempre depauperadas.
Quem assim pensa e assim procede esquece que as autarquias fazem parte do Estado e que auxiliá-las é auxiliar o próprio Estado.
Que inconvenientes advêm de se conceder uma comparticipação mais folgada a uma autarquia pobre, se a obra a que só destina é vincadamente de interesse local?
Entendo que, quando os projectos forem apresentados por câmaras ou juntas de reduzido rendimento, ao realizar-se o seu estudo devem tomar-se em conta estas realidades.
Nos municípios do mais fracos recursos e afastados dos centros urbanos, os presidentes das câmaras voem-se em sérios embaraços para arranjar quem se encarregue dos projectos e, mais ainda, para os pagar. Como as câmaras não podem gastar muito dinheiro, servem-se geralmente de práticos falhos de competência, cobertos por técnicos que generosa mas condenàvelmente lhes assinam os projectos, sem muitas vezes se darem, sequer, ao trabalho do os rever.
Isso dá em resultado que os processos sobem às repartições competentes mal organizados e não podendo merecer aprovação.
As autarquias têm de mandar fazer novos projectos, de gastar novas importâncias, as obras sofrem atrasos na sua execução, com prejuízo para os povos que delas necessitam. Torna-se absolutamente necessário e daqui o solicito ao Governo e em especial ao ilustre titular das Obras Públicas- que seja aumentada a assistência técnica gratuita às autarquias pobres, principalmente juntas de freguesia, por meio da qual possam elaborar-se os projectos relativos às obras da mais reconhecida utilidade.
Porque não tentar a organização, por acordo entro as câmaras, de gabinetes de engenharia distritais, custeados pelos municípios na proporção das suas receitas e permanentemente assistidos por um funcionário da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização, pago pelo orçamento dos serviços de que depende?
Esse funcionário, além de orientar tecnicamente, todos os trabalhos, podia encarregar-se da revisão e informação dos projectos o ao mesmo tempo da fiscalização das obras em curso no distrito. Desta maneira, os trabalhos eram organizados em harmonia com as directrizes superiormente estabelecidas, arredando-se o tão perniciosos critério da improvisação.
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Pode objectar-se-me que isto representa mais um encargo para as câmaras. Penso, pelo contrário, que daí lhes adviria uma economia considerável, com a vantagem de trabalharem mais seguramente e sem perigo de posteriores percalços.
Assim se poderiam evitar muitas arrelias e despesas.
Um exemplo apenas dos muitos que me passaram pelas mãos:
Quando estava à frente do Governo Civil do distrito de Beja, a câmara do concelho sede do distrito, competentemente presidida por quem hoje ocupa uma alta função no Ministério das Colónias, no louvável desejo de promover o progresso do concelho e da cidade, que efectivamente conseguiu, mandou elaborar dois projectos- para um novo matadouro e para o estádio municipal. Encarregou desses trabalhos um engenheiro diplomado inscrito no Ministério das Obras Públicas e Comunicações.
Esses projectos, como é de calcular, custaram ao município muitos milhares de escudos, gastos afinal ingloriamente, por ambos haverem sido reprovados.
O Sr. Melo Machado:-Há um processo muito simples: é ajustar esses projectos depois de aprovados.
O Orador:-Mas é que muitas vezes há condições estabelecidas na melhor boa fé..
O Sr. Melo Machado:-A principio escapou. Agora não pode escapar.
O Orador: -A Gamara teve de escolher novos técnicos, de gastar novas importâncias o -o que foi pior- as obras sofreram um atraso de dois anos, durante os quais os materiais e a mão-de-obra se agravaram consideravelmente.
E como este quantos outros casos se não darão por toda a parte e que só por si justificam a criação dos gabinetes de engenharia a que há pouco me referi!
A sugestão aqui fica, para ser considerada por quem do direito.
Acabei de expor. Sr. Presidente, embora sucintamente, o que penso sobre a actual crise dos municípios e os meios de melhor a debelar.
Outras sugestões e alvitres, bem melhores do que os meus, aqui foram apresentados, e por certo não deixarão de merecer superiormente o necessário acolhimento.
Sr. Presidente: no dia 25 de Setembro de 1925, na sala do risco, onde se realizava o julgamento dos bravos oficiais do 18 de Abril, uma nobilíssima figura de militar, que pelas suas excelsas qualidades e virtudes ascendeu à mais alta magistratura da Nação, que profundamente o venera e respeita, declarou que a Pátria estava doente.
Pedindo licença para parafrasear as palavras de tão eminente português, digo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, pelas considerações que aqui largamente foram feitas, que os municípios portugueses estão doentes.
Tenhamos, porém, fé e confiança!
Confiemos, como sempre, no Homem que a Providência colocou à frente dos destinos do Portugal.
Se, mercê, da sua inteligência, do seu esforço perseverante e do seu patriotismo sem par, conseguiu salvar a Pátria da ruína e da morte, também há-de melhorar as condições de vida dos municípios que fazem parte dessa mesma Pátria, aumentando-lhes o prestígio e o esplendor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem 1 O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Assembleia, apresento a V. Ex.ª as minhas saudações e respeitosas homenagens.
Quando pensei em intervir no debate suscitado pela apresentação do aviso prévio do nosso ilustre colega Rocha Paris acerca da angustiosa situação dos municípios tive a veleidade de supor que a minha curta experiência de presidente de um remoto município rural poderia trazer a Assembleia qualquer coisa de inédito que porventura fosse desconhecido dos ilustres Deputados.
Porém, verifico neste momento, depois das brilhantes orações aqui produzidas, depois de ver o assunto tratado com tanto pormenor e com tanta elevação e tanto carinho, que só me restava dar o meu caloroso aplauso aos oradores que me antecederam.
Não tinha dúvidas de .que o assunto deveria merecer a esta Assembleia um grande carinho e uma grande atenção, porque, como já aqui foi dito, a administração .municipal é o prolongamento em extensão geográfica e, pode dizer-se, também em projecção política da administração central do Estado.
Por outro lado, quando há dez anos aqui se discutiram as bases apresentadas pelo Governo .para a elaboração do futuro Código Administrativo, o assunto mereceu também a esta Assembleia um elevado interesse, um verdadeiro carinho nacional, e durante as três sessões que durou essa discussão produziram-se notáveis e relevantes afirmações.
Sem melindre para nenhum dos oradores que então intervieram no debate, eu quero recordar duas afirmações aqui produzidas, que se relacionam de certo modo com o estudo que estamos fazendo do assunto. Disse, por exemplo, o ,Sr. Deputado Águedo de Oliveira que os regimes administrativos são quase sempre, senão sempre, independentes dos regimes propriamente políticos, como realização e como triunfo renovador, que podem, quando bem traçados, sobreviver a todas as contingência de natureza política e podemos acrescentar a todas as emergências de natureza económica e social.
Disse também nessa ocasião o ilustre Deputado Dr. João do Amaral que estranhava que, havendo na Constituição Política da República um reconhecimento da soberania social da família e havendo no Estatuto Nacional do Trabalho igual reconhecimento da soberania social, todavia não encontrasse nas bases propostas para elaboração do Código Administrativo o mesmo reconhecimento da soberania social dos municípios.
Eu suponho, Sr. Presidente, que se de facto se tivesse dado um pouco mais de atenção a essas judiciosas observações na elaboração do Código Administrativo, se tivessem dotado os municípios com maiores condições de vitalidade e de resistência às contingências da vida económica, talvez não estivéssemos aqui a discutir e a debater a difícil situação em que eles actualmente se encontram.
No fundo, quero crer que não se tratava propriamente de lhes dar maior ou menor descentralização, mas apenas uma maior autonomia, de movimentos, uma maior confiança da parte do Poder Central no patriotismo das populações e dos seus representantes legais, e ainda, citando aã palavras do ilustre presidente do Município do Porto, "uma solidariedade compreensiva" da parte das repartições centrais superiores da Administração pais com as administrações locais.
Não há dúvida, porém, de que a difícil situação em que actualmente se encontram os municípios é ainda um efeito das perturbações produzidas pelo abalo dó seis anos de guerra e pelas alterações das condições económicas do Mundo, perturbações que não foram
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apenas de ordem material, mas que foram também, talvez não menos, gravemente, incidir sobre certos princípios morai" que se deveriam considerar "ternos e se revelam no esmorecimento do amor à terra onde se nasce, à família a que se pertence e até à própria Pátria, tendendo a substituir esses sentimentos por atitudes inexplicáveis- de egoísmo e desinteresse e até de desprezo para qualquer coisa que possa representar um contributo de solidariedade social.
Nos últimos "nos transcorridos, à parte o Estado e algumas actividades industriais e comerciais mais ou menos protegidas, não há dúvida de que quase, todas as unidades orgânicas da, Nação, a começar pelas famílias, se viram a braços com o desequilíbrio dos seus orçamentos, pela razão simples de. que lhes não foi possível irem actualizando as suas receitas à medida que a inflação monetária e a rurefacção dos bens do consumo lhes iam elevando o nível das suas despesas.
E se já há dez II nos, como aqui se disse na discussão dias bases do Código Administrativo, havia despesas a cargo dos municípios que rigorosamente lhes não pertenciam, e que eram até incomportáveis, o que diremos hoje, depois de .agravadas, como se agravaram, as condições materiais da sua. vida em todos os- aspectos, porque, constituindo os adicionais às contribuições directas do Estado o fundo das receitas dos municípios, eles não tem beneficiado de qualquer actualização, a não ser recentemente aquela que proveio do aumento de 10 por cento da contribuição predial. As taxas de licenças previstas no Código estão quase todas no máximo e até os rendimentos dos serviços chamados municipais, que em alguns casos estão industrializados, tendo os seus- preços de venda fixados antes da guerra, viram enormemente agravadas as despesas com a conservação e manutenção desses serviços, despesas quase todas de carácter material.
Isto no que diz respeito à vida normal do município; mas nós temos de olhar para a natural tendência de expansão desses organismos, expansão determinada também pela influência da conjuntura de guerra e que, contra o que muita gente supunha, não se fez sentir apenas em determinados países, anãs sim em todos e. dentro deles, não só nos grandes centros populacionais, mas também nos pequenos centros concelhios e rurais. A crise de habitação em quase todos os concelhos é gravíssima. Já aqui foi vincado com toda a proficiência o problema propriamente de sanidade das populações e ia aqui se demonstrou como esse problema pesagravemente sobre as condições financeiras dos municípios.
Não vale a pena estar a repetir o que representa para as administrações municipais a questão da assistência sanitária.
Esse assunto é dos mais graves para a vida dó município, mas nós esperamos, pelo que ouvimos há pouco tempo ao Sr. Ministro do Interior, que ele tenha uma solução favorável e que deixe de constituir um verdadeiro pesadelo para a gerência das finanças de qualquer concelho a contribuição para a hospitalização dos seus doentes nos hospitais centrais do País.
Quero referir-me também a um aspecto que já aqui foi ventilado por vários oradores e que é a indiscutível acção de assistência que o Estado tem prestado à vida dos municípios: a das comparticipações. E quero referir-me a esse assunto porque, como já foi dito, a questão das comparticipações, indiscutivelmente de louvar e agradecer, poderia ser levada a efeito em condições de se tornar mais {profícua e mais útil para os municípios.
As comparticipações para serem obtidas exigem por parte das câmaras o cumprimento de um condicionalismo que, na maior parte dos casos, lhes é difícil cumprir, principalmente no que respeita à prévia apresentação de projectos e orçamentos rigorosos.
Esses projectos são, naturalmente, caros, e, na maior parte dos casos, uma das dificuldades com que as câmaras lutam é a de encontrar a verba necessária para o seu pagamento, porque, se algumas têm conseguido obter esses projectos para serem pagos depois de devidamente aprovados, na maior parte dos casos, segundo me consta, os autores dos projectos não dispensam o pagamento antecipado de uma parte pelo menos.
Além disso, por experiência pessoal, já tive ocasião de verificar que, contra o que eu supunha, uma comparticipação, uma vez concedida, está muito longe de ser uma comparticipação dada, pois ela vai sendo dada às câmaras em regime de prestações, depois de convenientemente fiscalizada e verificada a obra, e com notável atraso sobre a execução dela, a ponto de muitas vezes a comparticipação, em lugar de ser de financiamento à câmara, se transformar num financiamento da câmara à comparticipação.
Também me consta que as comparticipações são, em regra, muito oneradas com as grandes despesas que a sua apertada fiscalização acarreta.
Quer-me parecer que, em conformidade com o princípio que há pouco enunciei de que devia existir uma maior confiança da parte das repartições do Poder Central para com as administrações locais, essas comparticipações, uma vez aprovadas, deviam ser postas imediatamente à disposição da câmara que as tinha requerido.
Quanto aos empréstimos, também me parecia que poderiam ser facilitadas as formalidades para a sua obtenção e também que, uma vez autorizados, ou, melhor, uma vez verificada, u face das disposições do Código, designadamente as dos artigos 673.º e 674.º, a capacidade financeira da câmara para contrair determinado empréstimo, devia ser a administração municipal o único juiz da oportunidade e do objectivo da aplicação do empréstimo.
Sr. Presidente: tenho resumido o mais que posso as considerações que tencionava trazer a esta Assembleia.
Mas eu sairia daqui com um espinho se não aproveitasse este ensejo para, depois de tudo quanto aqui se pronunciou acerca das dificuldades que existem hoje na gerência de uma administração municipal, na minha qualidade de representante político da Nação e pondo de parte completamente a circunstância acidental de ser presidente de um município, dirigir daqui uma calorosa saudação a todos esses abnegados portugueses que nesta hora estão à frente das administrações municipais e que certamente não encontram nessa honraria qualquer espécie de compensação para o sacrifício que fazem dos seus interesses e conveniências particulares e sobretudo dos desgostos e dissabores com que vão marcando a pedras negras o trilho das suas jornadas administrativas.
Quero dirigir esta saudação porque sinceramente afirmo a minha admiração por verificar que, a despeito de tudo, ainda se encontram devotados patriotas que estejam dispostos a fazer esse autêntico sacrifício.
Sr. Presidente: espero que ao Governo da Nação este assunto mereça uma atenção e um carinho pelo menos iguais aos que esta Assembleia demonstrou por ela. É nessa presunção peço licença para apresentar, em meu nome e no dos Srs. Deputados Rocha Paris, Manuel Lourinho e Melo Machado, uma moção, em que procuramos condensar as considerações e os votos aqui formulados, e pedir a V. Ex.ª que dela seja dado conhecimento ao Governo da Nação.
Essa moção é a seguinte:
"Considerando que importa manter vivo o espírito municipalista, de tão antiga tradição;
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Considerando que as circunstâncias em que actualmente decorre a administração municipal não permitem nem atender as crescentes e aliás imperiosas necessidades dos munícipes nem acompanhar em ritmo semelhante a obra de renovação empreendida pelo Estado;
Considerando que os municípios prolongam a acção do Estado até às mais recônditas aldeias;
Considerando que os municípios tem uma função política e administrativa do mais alto valor e conveniência:
A Assembleia Nacional, verificando as dificuldades crescentes das finanças da maior parte dos concelhos do País e que tais dificuldades podem agravar-se ainda mais:
Sugere ao Governo a conveniência de estudar a forma de libertar as administrações municipais de todos os encargos que em rigor devem pertencer à administração central e de as habilitar a ocorrer aos sempre crescentes encargos resultantes das actuais circunstâncias económicas, quer por mais largas comparticipações, quer pela revisão geral das suas fontes de receitas".
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não se encontra mais ninguém inscrito para este debate. Declaro encerrada u discussão.
Vou pôr à votação a moção apresentada pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral.
Submetida â votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a seguinte ordem do dia: discussão da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Artur Proença Duarte.
José Luís da Silva Dias.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel Maria Múria Júnior.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.