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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 83

ANO DE 1947 5 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 83, EM 4 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 81 e 82 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
Foram autorizados os Srs. Deputados João do Amaral a depor, como testemunha, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, e Beja Corte-Real de Lisboa.
O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes requereu vários elementos pelo Ministério da Educação Nacional.
O Sr. Deputado João do Amaral ocupou-se do caso dos três professores do Instituto Superior de Agronomia que foram condenados a pagar ao Estado importância soma. Sobre o mesmo caso falaram também os Srs. Deputados André Navarro, Franco Franzão e Bustorff da Silva e por fim o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente referiu-se à constituição do novo Governo.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Marques de Carvalho.
Foi rejeitada a moção do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes e aprovada a do Sr. Deputado Botelho Moniz e outros Srs. Deputados.
Na discussão na especialidade foram aprovadas com emendas, as bases I, II, III e IV.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 3 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.

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Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relves.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luis da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama Van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

De apoio à representação dos grémios da lavoura alentejanos, sobre o problema das lãs, subscritos por: Grémios da Lavoura, de Gouveia, Aveiro e Ílhavo, Mértola, e Leiria o Marinha Grande.
De diversos comerciantes e lavradores da ilha de Santa Cruz da Graciosa protestando contra um alvará do governador civil de Angra do Heroísmo que determina a venda ao grémio da lavoura local de 40 por cento da produção de cevada, ao preço de &65 cada quilograma e para exportação, quando a mesma é necessária ao consumo da ilha.

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 81 e 82 do Diário da Sessões.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre os números do Diário que se encontram em reclamação, considero-os aprovados.
Está na Mesa um oficio do Tribunal do Trabalho de Lisboa solicitando autorização para que o Sr. Deputado João do Amaral possa depor naquele Tribunal como testemunha.
Informo a Assembleia que aquele Sr. Deputado não vê inconveniente em que esta autorização lhe seja concedida.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.

O Sr. Presidente: - O 5.º tribunal cível de Lisboa faz, por oficio idêntico, pedido de autorização para que o Sr. Deputado Beja Corte-Real possa depor naquele tribunal como testemunha numa acção de despejo.
Consultada à Assembleia, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra um requerimento, o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Relação das secções e subsecções da Junta Nacional da Educação que não estão providas;
2.º Relação dos serviços de orientação pedagógica do ensino primário que têm sido executados desde 1938;
3.º Cópia de todas as circulares expedidas pela Direcção Geral do Ensino Liceal, a partir de 1937 em que se comunicam despachos que autorizam concessões extraordinárias e, em especial, épocas de exame não previstas em lei;
4.º Relação das equivalências concedidas pelo Ministério da Educação Nacional, a partir de 1937, de habilitações do ensino técnico a habilitações do ensino geral e efeitos para que o foram;
5.º Cópia dos elementos de estudo ou, pelo menos, os sumários das respectivas conclusões a que se recorreu para elaborar a proposta de lei n.º 99 e a que se refere o relatório da respectiva proposta».

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: tenho de pedir a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia para um assunto que, parecendo interessar exclusivamente a alguns particulares, provocou na opinião pública justificada emoção, dado que um certo ideal de justiça e certos sentimentos de humanidade reagem, por vezes, sem prejuízo do respeito devido à disciplina legal, contra situações criadas por uma estrita, severa, íntegra, mas, pelo menos aparentemente, desumana aplicação dessa disciplina. Faço-o com evidente constrangimento, porque a nossa missão de Deputados é exigir o cumprimento da lei e não tentar subtrair quem quer que seja. ao seu domínio. Mas anima-me a consideração de que é também contribuir para o prestígio da lei manifestar o desejo de que ela se não esvazie do seu conteúdo de justiça, de

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que não teime em sobreviver na forma quando se apagou a chama do imperativo moral que a vivifica, de que não seja, numa palavra, o «sepulcro caiado» de que falam as Escrituras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Constrange-me também a circunstância de pleitear nesta emergência em defesa de interesses pessoais...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pessoais...de outros.

O Orador: - ... mas a verdade é que sempre me impressionou como um flagrante, um eloquente testemunho da alta è divina ascendência do homem, a verificação de que o «caso humano» a todo o momento rompe as fronteiras com que pretendem limitá-lo quer as forças cegas da Natureza, quer as previsões de sábios legisladores fundadas numa experiência milenária da vida social.
Se estas prévias explicações lhe parecerem, Sr. Presidente, desproporcionadas com a singeleza do caso a que vou referir-me, peço-lhe que as entenda como expressão do escrúpulo que tenho sempre em tomar a V. Ex.ª e à Câmara o precioso tempo de que dispomos.
O caso a que pretendo referir-me é o daqueles três ilustres professores do Instituto Superior de Agronomia que, segundo publicaram os jornais, foram condenados a pagar ao Estudo a importante soma de setecentos e tal contos, .que será acrescida de juros de mora; a condenarão foi motivada pelo apuramento de irregularidades cometidas pelo conselho administrativo do Instituto Superior de Agronomia, de que eram membros, sendo que um deles, o Prof. Manuel Sousa da Câmara, foi ainda responsabilizado como director do Laboratório de Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida, em cuja administração se apurou terem sido praticadas irregularidades semelhantes.
Com efeito, além de desfalques cometidos por empregados infiéis, de que não foi, nem podia ter sido, assacada qualquer responsabilidade aos referidos professores, verificou-se que se gastara muito dinheiro, em desarmonia com as regras da contabilidade pública, sem se terem previamente criado as respectivas dotações orçamentais, sem se terem feito as necessárias inscrições nos termos devidos, em face de propostas devidamente justificadas.
Mas igualmente e inequivocamente se verificou no inquérito que serviu de base ao processo, nos autos e na própria sentença do venerando tribunal que julgou o feito:
1.º Que não está em causa a honorabilidade pessoal dos responsáveis, Profs. Manuel Sousa da Câmara, Carlos Eugénio de Melo Geraldes e Eduardo Augusto Mendes Frazão;
2.º Que as irregularidades praticadas contra lei expressa o foram sem intuito de locupletamento, resultando o prejuízo do Estado da própria natureza das irregularidades;
3.º Que o material adquirido e o pessoal remunerado com as verbas irregularmente despendidas e irregularmente contabilizadas tornaram possível o funcionamento do Instituto e do Laboratório, evitando a paralisação do ensino.
Apesar disto, Sr. Presidente, os homens cuja honorabilidade não está em causa, a cujas mãos honradas se não agarrou um ceitil do dinheiro irregularmente despendido em benefício do ensino, foram condenados a embolsar o Estado desse dinheiro, tal qual como seriam condenados a restituí-lo se o tivessem furtado e com ele se houvessem locupletado!
Apoiados.
Teria o Tribunal de Contas julgado mal? Não creio, Sr. Presidente! Creio que julgou nos termos da lei. E não o digo por mera conformidade com a atitude de deferência e de respeito que os membros desta Assembleia dignamente adoptam sempre que consideram e comentam os veredictos da nossa honrada magistratura. Não! Creio sinceramente que julgou bem, em estrita obediência da disciplina legal vigente.
Mas o que também creio, Sr. Presidente, é que o caso humano sub Júdice excede a medida legal com que foi avaliado, ultrapassa a expectativa moral e jurídica expressa na lei: o caso humano sub Júdice é um caso de excepção. E o meu pensamento inteiro, Sr. Presidente, é solicitar de V. Ex.ª que transmita a quem de direito a sugestão que me apresso a formular - de que o Governo considere este caso com o mesmo espírito de justiça e de equidade que o levou a publicar os decretos n.ºs 26:005 de 1 de Novembro de 1935, 26:532, de 18 de Abril de 1936, 26:787, de 13 de Julho de 1936, e 28:183, de 16 de Março de 1937, nos quais relevou as irregularidades formais verificadas nas contas do Instituto de Oncologia, da Comissão Administrativa dos Novos Edifícios Universitários, da Emissora Nacional e da Escola de Regentes Agrícolas de Évora, considerando que tais irregularidades não correspondiam a nenhuma intenção de fraude contra o Estado ou os respectivos serviços.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desejo, entretanto, convencer V. Ex.ª de que as afirmações com que fundamentei esta sugestão não podem ser contestadas.
Afirmando que a honorabilidade dos professores responsáveis não está em cansa e que o prejuízo do Estado resulta da própria natureza das irregularidades, limitei-me a citar textualmente as expressões usadas pela mesma sentença condenatória. A honorabilidade de todos os responsáveis está, com efeito, acima de toda a suspeita. Mas como a personalidade do Prof. Sousa da Câmara, pelo renome de que justamente goza nos meios científicos, sociais e políticos, domina o acontecimento...

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - ... é em referência a ela que no processo se acumulam as homenagens e os protestos de consideração. O funcionário inquiridor semeia o seu relatório de frases e apreciações como estas: «a bondade personificada», «sábio ilustre e distinto professor, «lotado de uma inconcebível boa-fé»; «foi a sua boa-fé, a sua muita bondade e a sua dedicação ao estudo que o colocaram na situação presente»; «as suas responsabilidades são unicamente de ordem moral e foram talvez impostas pela função do cargo desempenhado a mais do que o tempo lhe permitia e de que os outros seus afazeres lhe consentiam»; «não podendo, por amor muito sentido abandonar o seu cargo de professor e o seu trabalho de cientista, confiou noutros que não corresponderam lealmente à sua confiança».
O ilustre magistrado Sr. Dr. Armando Cancela de Abreu, digno representante do Ministério Público junto do Tribunal de Contas, opinando que as irregularidades deveriam ser relevadas, «por se provar nos autos que não houve fraude nem prejuízo para o Estado», fala assim do Sr. Dr. Sousa da Câmara: «professor e cientista eminente, cuja honorabilidade está acima da mais leve suspeita, manifesta neste processo mais uma das suas qualidades de carácter assumindo a responsabilidade de tudo o que se passou...».
A estes testemunhos de consideração e respeito não faltaria em todo o País, e particularmente nesta Assem-

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bleia, que o representa, o concurso autorizado de outros que não julgo necessário invocar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse também que as irregularidades cometidas beneficiaram o ensino. Tenho cópia de um parecer que sobre este caso emitiu, em Janeiro de 1939, a Direcção Geral do Ensino Técnico, e dele extraio esta passagem: «Foram e continuam a ser feitas aos Srs. Ministros da Instrução Pública e da Educação Nacional propostas para aumentar o número de funcionários existentes no Instituto Superior de Agronomia por ter a frequência escolar quase quadruplicado e todos os serviços, na sua actualização, terem crescido bastante de volume e feito resultar uma manifesta insuficiência de pessoal. A frequência escolar subiu de 150 alunos em 1931 para 335 em 1937 e para 450 em 1938. O orçamento do Instituto no período de 1931 a 1937 não aumentou em proporcionalidade com o número de alunos; as despesas de transição motivadas pelo aumento da frequência escolar (criação e melhoria de instalações laboratoriais, ampliação de aulas e aquisição de mobiliário, etc.) foram principalmente realizadas nessa época».
Foi para ocorrer a estas despesas essenciais à manutenção e progresso do Instituto e do Laboratório que os ilustres Profs. Sousa da Câmara, Melo Geraldes e Mendes Frazão despenderam as verbas cuja reposição se lhes impõe. Confiaram inteiramente em funcionários técnicos, cujos malabarismos contabilísticos sancionaram, convencidos, na sua boa-fé, de que eram práticas comummente adoptadas, em circunstâncias semelhantes, em vários serviços públicos.
Concluí, Sr. Presidente, por solicitar, por sugerir, a adopção de uma medida legislativa excepcional que releve as responsabilidades destes ilustres professores e invoquei o precedente criado por vários decretos oportunamente publicados. Qualquer que seja a diferença entre as formas que, nos vários casos, revestiram as irregularidades, o precedente é invocável.
Fundo-me, para dizê-lo, no mesmo parecer da Direcção Geral do Ensino Técnico a que me reportei já; com efeito, apreciando a analogia existente entre este caso e os do Instituto de Oncologia, que foi sanado pelo decreto-lei n.º 26:005. de 1 de Novembro de 1935, e da Comissão Administrativa dos Novos Edifícios Universitários, que foi regularizado pelo decreto-lei n.º 26:532, de 18 de Abril de 1936, a Direcção Geral do Ensino Técnico dá testemunho de que esses precedentes podem ser e devem ser legitimamente invocados, dizendo: «a afinidade parcial destes casos está em não se ter dado entrada nos cofres do Estado de receitas próprias, de se terem consumido receitas sem dependência de orçamento, de se terem efectuado despesas com inobservância dos preceitos regulamentares da contabilidade pública e de se terem aplicado receitas fora do orçamento em proveito dos respectivos organismos».
Quer isto também dizer que no caso do Instituto Superior de Agronomia, como nos outros, as despesas irregularmente feitas aproveitaram ao Estado, aumentaram mesmo o património do Estado. Que, sob a forma de uma multa, se puna a ignorância da lei e se efective a responsabilidade moral, compreende-se. Mas não se compreende, porque parece ilícito, que o Estado beneficie duas vezes das irregularidades cometidas, guardando o benefício que delas auferiu em melhoria do ensino e do material escolar e arrecadando agora o dinheiro que o Dr. Sousa da Câmara e os seus pares foram condenados a pagar.
Sr. Presidente: dois dos ilustres professores condenados são pobres. O Dr. Sousa da Câmara tem alguma coisa de seu, património herdado que a sua devoção pelo magistério e o sou culto pela ciência não contribuíram para aumentar, antes pelo contrário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando um Governo presidido pelo Dr. Afonso Costa estabeleceu a incompatibilidade do exercício do mandato de Deputado com o desempenho de qualquer outro emprego público, o Dr. Sousa da Câmara passou a reger gratuitamente não só a sua cadeira de Silvicultura, mas ainda outra - a de Economia Política; era assim a sua devoção pelo magistério. Quando o Prof. Lima Alves, gerindo o Instituto Superior de Agronomia, atribuiu ao Laboratório de Patologia Vegetal a ridícula subvenção de 300$ anuais, o Dr. Sousa da Câmara recusou-a e, durante essa época, custeou ele próprio, com o seu dinheiro, as despesas do Laboratório; era assim a sua devoção pela ciência.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?

Fui Deputado quando o foi o Dr. Sousa da Câmara, meu adversário político. Posso testemunhar a V. Ex.ª que ele foi das pessoas que mais mereceram o nosso respeito e a nossa admiração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E por estes processos não poderia evidentemente ter aumentado esse património familiar sobre que recai agora todo o ónus da condenação...
Duro e cruel epílogo, Sr. Presidente, para a vida dum homem que os próprios factos e actos incriminados revelam como um servidor do Estado e da Nação, pronto a fazer-lhes a dádiva que efectivamente fez do seu trabalho, do seu talento, do seu dinheiro! Duro e cruel epílogo para a vida de um sábio que honrou e honra o nome de Portugal nesse vasto império sem fronteiras que é o mundo da ciência; dum professor que distribuiu pelas muitas gerações que o escutaram o seu próprio quinhão no património da verdade, o único - escreveu Maurras - que quanto mais se reparte mais aumenta! Duro e cruel epílogo para a vida dum cidadão que foi sempre modelo de virtudes e, entre todas, de probidade e isenção!
Sr. Presidente: a medida legislativa, excepcional mas não sem precedentes, que sugiro ao Governo para regularização equitativa deste caso beneficiaria, além de outros que bem o merecem, um homem público que serviu o Estado, honradamente, como Ministro, sob o regime político a que a Revolução de 28 de Maio pôs termo. Refiro-me ainda ao Dr. Manuel Sousa da Câmara. É timbre deste Governo, que a Assembleia Nacional particularmente aprecia, não fazer entre os portugueses outra distinção que não seja aquela que os seus méritos justificam e que os seus serviços à Pátria imperiosamente reclamam. Não duvido, pois, de que uma iniciativa do Governo no sentido que preconizei seria acolhida com sincero e unânime aplauso.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para manifestar o meu inteiro apoio às considerações que acabam de ser feitas pelo ilustre Deputado Dr. João do Amaral na sua brilhante exposição.
Fui a pessoa que sucedeu ao Prof. Manuel Sousa da Câmara na direcção do Instituto Superior de Agronomia e na presidência do conselho administrativo desta es-

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cola. Tive por isso oportunidade de avaliar com justeza o notável esforço que esse grande mestre de Agronomia teve de realizar para colocar a escola ao nível exigido pelos anseios do progresso da agricultura nacional. Foi, na realidade, o mestre Sousa da Câmara quem conseguiu que essa escola técnica, apenas apta para a preparação de umas escassas dezenas de alunos, se transformasse no estabelecimento de ensino responsável pela prepararão de centenas de técnicos, a quem se deve, em grande parte, os progressos já hoje nítidos dos vários sectores da agricultura nacional.
Lutou, porém, esse insigne professor e cientista de renome internacional com a falta, quase absoluta, de meios materiais. Foi esta a circunstância determinante do não cumprimento rigoroso de certas normas de contabilidade pública. Ouso por isso chamar a atenção do Governo, pedindo que este melindroso caso seja olhado pelo prisma da nobreza das intenções que levaram o Prof. Sousa da Câmara a proceder como procedeu.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: incapaz de acompanhar o Sr. Deputado João do Amaral na elegância da sua palavra, que sempre cativa o nosso espírito, anima-me, com a mesma sinceridade, o mesmo desejo de reparar aquilo que a. primeira vista parece irreparável e sem remédio.
Trata-se, Sr. Presidente, de sentença de tribunal.
A Assembleia Nacional não pode ser pretório de causas mesmo justas, salvo se revestirem aspectos de generalidade ou feição moral, que é sempre lícito focar aqui.
Acresce que o assunto se refere a prestação de contas perante tribunal cujas funções são fundamentais para a ordem e equilíbrio da administração pública e que, pela sua alta competência e pela equidade dos seus juízos, tem conquistado autoridade indiscutível na sua ingrata e difícil missão. Na verdade, era urgente, era indispensável, remediar erros que de longe vinham, tornar a administração justa, parcimoniosa, equilibrada, garantia do renascer de uma pátria cujo prestígio estava seriamente abalado.
Temos de aceitar, portanto, a sentença proferida com toda a sua dureza. O tribunal julgou e não podia talvez julgar de forma diferente.
Mas não posso ignorar, Sr. Presidente, e o próprio tribunal o reconhece, quanto é melindrosa e delicada a situação dos conselhos administrativos de certos estabelecimentos de ensino, e principalmente daqueles onde as actividades dos laboratórios de estudo e de investigação exigem a presença de pessoas que, pela sua formação especializada, estão normalmente afastadas de quaisquer preocupações de natureza contabilística ou de pura administração.
A história da ciência está cheia do relato das chamadas distracções dos sábios. Umas vezes enternecedoras, como a de um Pasteur, que, após larga dissertação relativa aos micróbios, bebe a água do copo onde, com infinitas precauções, acabara de lavar um cacho de uvas poeirento; ou trágicas, como a de um Pierre Curie, absorto no seu sonho, onde o radium brilhava como estrela fulgurante, morto, vítima da sua imprudência, numa rua enlameada de Paris.
Mas essas distracções são fruto de intensa vida interior, de sublime e constante ascensão do espírito para esferas em que preocupações de ordem material pouco contam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As horas mais felizes da Humanidade têm nascido dessa imensa distracção do sábio.
Será justo, então, Sr. Presidente, será mesmo possível, sem graves inconvenientes, amarrar arteiramente esses técnicos às intrincadas dificuldades da classificação orçamental e das suas rubricas ? É responsabilidade de gerências, quantas vezes ainda complicadas pela ausência dos indispensáveis elementos de apoio de ordem administrativa? Julgo que não.
Sr. Presidente: o Prof. Manuel Sousa da Câmara pertenceu a esta Casa como Deputado numa época em que ardia em labareda alta a paixão política, ameaçando obscurecer com seus fumos envenenados os mais claros espíritos. Não hesitou, contudo, a tomar aqui atitude, cheia de nobreza, na defesa de colega seu da Escola, adversário político, vítima da aplicação rígida da lei.
Ligam-me ao Instituto Superior de Agronomia intensos laços sentimentais. Teimosamente, continuo a pensar que dessa escola, com largas tradições, devem sair as gerações novas de agrónomos, que. aliando ao conhecimento das realidades do campo o alto ideal da perfeição técnica, sejam capazes de transformar o agro português.
Não posso, assim, deixar de vibrar profundamente ao ver essa escola atingida em três dos seus mais ilustres mestres.
O professor de Tecnologia Agrícola Colonial Melo Geraldes, alma do Museu Colonial, com larga folha de serviços, é bem conhecido entre nós e no estrangeiro.
O professor de Física Agrícola Mendes Frazão, dedicado a Ecologia autor de um interessante reconhecimento agro lógico do Ribatejo, é o sucessor do grande mestre que foi Filipe de Figueiredo.
Mas impressiona ainda mais, sem qualquer desprestigio para seus colegas, a figura do Prof. Sousa da Câmara.
Viveu para a sua Escola, onde entrou muito novo, e para a ciência. Como político, como Deputado, como Ministro, em seu favor se bate e se sacrifica. Renovador da velha Escola Agronómica, em longos anos de direcção, a ele se devem, em grande parte, as suas instalações tecnológicas mais modernas, como a oficina de máquinas, os laboratórios de arboricultura e de genética. O seu desejo era que a Escola não parasse, progredisse sempre, ganhando em autoridade e prestígio. E quando uma torrente de alunos a veio procurar, quando o Estado nela foi basear os seus largos movimentos de fomento cultural nas Campanhas do Trigo e da Produção Agrícola, deve ter vivido as horas mais felizes de toda a sua carreira.
A par desta dedicação constante, é o trabalhador infatigável do Laboratório de Patologia, o micologista exímio, que não cessa de alargar o âmbito da microflora lusitana, descrita num latim elegantíssimo, prova de vasta cultura humanista, que neste País tanto se vai perdendo. O seu nome, com inteira justiça, há muito ultrapassou as nossas fronteiras.
No entanto, é este homem de ciência, este professor, este dedicado obreiro da renovação na nossa primeira escola agronómica, quem está em causa.
Conhecedor da primeira deficiência, solicitou, numa atitude digníssima, inquérito imediato, tomando sobre si todas as responsabilidades.
O inquérito faz-se e reconhece a perfeita honorabilidade da gerência. O Estado não fora prejudicado; apenas foram infringidas as normas usuais de administração.
Entretanto o limite de idade atinge Sousa da Câmara. Esta lei inexorável, triste como o dobrar dum sino que incita a rever todo o passado e obriga a sondar o futuro numa interrogação, que o homem, tantas vezes pela vida fora, procura adiar. E nesse instante, quando mais necessárias são as facilidades materiais, quando mais indispensáveis se tornam todos os carinhos, é brutalmente atingido materialmente e na sua sensibilidade de homem de bem.

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Sr. Presidente: julgo em plena consciência que posso apelar, com inteiro aplauso desta Assembleia, para o Governo, que na sua política renovadora tão alto tem colocado as coisas do espírito.
Que seja revisto, sem quebra do prestígio devido ao tribunal julgador, o caso do Prof. Manuel Sousa da Câmara o dos seus colegas e que lhe seja dada solução condigna.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: duas palavras apenas. Sinto a impertinência da minha intervenção neste debate, pois apenas por uma rápida leitura dos jornais, há dois ou três dias, tive conhecimento da notícia cuja crítica acaba de ser feita, com brilho acima de todo e qualquer elogio, pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. João do Amaral.
Ao ouvir, porém, as suas palavras candentes de indignação, senti que a minha consciência me impunha o dever de juntar os meus aplausos à corajosa atitude definida por S. Exa e pelos outros ilustres Deputados que o seguiram no debate.
O problema está posto nas suas linhas gerais: sabemos todos que a lei é dura, mas é lei; mas também nenhum do nós ignora que a interpretação da lei só pelas palavras que a definem conduz a soluções que por vezes não são as mais razoáveis. Já o velho Borges Carneiro acoimava de «legoleios» aqueles que interpretavam a lei aferrados ao texto, dominados pela preocupação da análise gramatical das palavras que o exprimem. Por outro lado, porque não desconheço o alto espírito dos juízes que julgaram este caso. não duvido de que oles decidiram conformo a lei aplicável e de harmonia com o espírito que informa essa lei. Seja, porém, como for, ainda que de harmonia com a lei e com o espírito que a inspira, é inegável que o resultado obtido não só harmoniza com aquelas aspirações de justiça que vivem no subconsciente de todos os homens de alma bem formada.
É que a lei tem de ser uma fórmula moral; e, desde que assim o entendamos, há que amoldar o seu próprio espírito ao caso excepcionalíssimo que está sendo considerado. Para mais, entre as pessoas visadas encontra-se alguém que, embora do lado de lá da barricada, numa situação política adversária desempenhou altas funções na vida portuguesa. Mais uma razão, portanto, para levarmos em conta o valor indiscutível do professor ou professores atingidos e os altos, serviços por eles prestados à Nação.
Existem já precedentes que facilitam a resolução equitativa da hipótese.
Por consequência, Sr. Presidente, julgo que interpreto o sentir dos Srs. Deputados que fazem parte desta Assembleia ao concluir afirmando que um Governo do Estado Novo e - mais! - um Governo presidido pelo Sr. Dr. Oliveira Salazar, desde que depara com caminho aberto para a arrumação de uma situação tão manifestamente injusta, não deixará de seguir corajosamente o respectivo trilho, tomando uma atitude que, reconhecida a probidade desses homens, a absoluta ausência de intenções dolosas, os serviços por eles prestados e o destino que em grande parte tiveram as importâncias mal contabilizadas, publicará o diploma indispensável para que se pratique o acto de reparação que a todos nós se impõe como imperativo categórico.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Em vista das manifestações com que a Camará apoiou o pedido do Sr. Deputado João do Amaral e dos oradores que do mesmo assunto se ocuparam, transmitirei com prazer ao Governo as sugestões que o Sr. Deputado João do Amaral fez e o acolhimento que a Camará lhes dispensou.

Vozes : - Muito bem, muito bem!
Pausa.

O Sr. Presidente: - A imprensa da manhã inseriu hoje a notícia oficial da solução da crise ministerial que insistentemente há dias vinha anunciando-se como certa.
Embora o estatuto fundamental da Nação estabeleça a independência da posição do Governo em relação às votações desta Assembleia, ele não veda, e o Regimento permite, a este alto corpo político comentar acontecimentos políticos e sociais que tenham o relevo suficiente.
E, sem dúvida, a mudança ou a renovação do grupo de homens que ocupam os lugares de comando superior da Nação, neste momento, tão cheio de dificuldades, é o acontecimento político máximo. A Câmara não pode ignorá-lo.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente : - E se constitucionalmente não é permitido à Assembleia exprimir a sua concordância ou discordância da solução, que é da exclusiva responsabilidade do Chefe do Estado, eleito pelo sufrágio directo da Nação, o nosso silêncio podia ter uma interpretação que não está certamente nos sentimentos da Câmara.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - E nada nos veda reconhecer publicamente que mais uma vez a solução se dá sob a direcção do ilustre Presidente do Conselho, cuja permanência continua a ser a garantia para nós todos e para o País da continuidade de uma ordem de coisas política ao serviço da Nação e não de grupos políticos...

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente : - ... que garante interna e externamente a nossa convivência num regime de direito e numa situação de alto prestígio.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Nada veda também, antes o espírito de justiça que a Assembleia sempre tem manifestado impõe, que reconheçamos o esforço e o patriotismo dos homens que saem: os propósitos honrados, a dedicação com que serviram o País!

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Mas também nada impede que. sem cumprimentos impróprios da independência que é seu timbre, a Câmara afirme em frente do novo Governo. e perante as altas responsabilidades que assume, a sua confiança na acção que vai desenvolver e lhe assegure que não lho faltará da parte dela o apoio necessário.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Atrevo-me a crer que se deu um passo decisivo na renovação indispensável.
Penso que a Câmara me acompanhará nos sentimentos de esperança e confiança que daqui exprimo ao novo Governo.

Vozes : - Muito bem, muito bem!
Pausa.

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5 DE FEVEREIRO DE 194 465

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Marques de Carvalho, para, como relator da Comissão de Educação Nacional, encerrar o debate na generalidade da proposta de lei relativa à reforma do ensino técnico profissional.

O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: desde já tranquilizo V. Ex.ª e a Câmara afirmando que procurarei não esgotar os quinze minutos que regimentalmente me pertencem para encerrar este debate.
Direi apenas duas palavras de fugidios comentários às réplicas dos ilustres Deputados Srs. Dr. Moura Relvas e capitão Ribeiro Cazaes.
Quanto ao Sr. Dr. Moura Relvas, que havia feito uma vigorosa oposição de substância à proposta, importava ver até que ponto tinha sido por mim abalada ou tornada insubsistente a argumentarão que havia produzido.
O ilustre Deputado veio à tribuna, fez a sua réplica e não se declarou convencido. O que é certo, porém, é que não provou serem menos válidos os argumentos que alinhei em oposição aos seus e não tentou, sequer, fazer reviver a longa teoria de afirmações que a mim me tinha imposto apresentar à Câmara como menos subsistentes e até num ponto, ou noutro, manifestamente ilógicas.
Foi assim que, onde poderiamos esperar uma contradita objectiva, geométrica, argumento contra argumento, assistimos a uma réplica de tipo literário, brilhante, sem dúvida, mas sem qualquer valor probatório. Um ponto apenas S. Ex.ª apresentou de novo: aquele em que fulminou um anátema contra o ensino técnico, essa criação bárbara que viera estancar a fonte magnífica de artistas saídos dos misteres e das corporações medievais...
Mas, Sr. Presidente, S. Ex.ª vai-me desculpar se eu disser que estamos em face de uma nova confusão e se acrescentar que esta. agora, atinge a forma mais grave de ilogismo: o da confusão de causa com efeito. De acto, o ensino técnico não destruiu coisa nenhuma. Ao contrário, foi mesmo chamado a procurar compensar aquilo que havia sido destruído.

O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª está convencido de que compensou?

O Orador: - Regimentalmente, já não podemos manter controvérsia. Estou a fazer história e é ela que vai desmentir as afirmações de V. Ex.ª Foi a Revolução Francesa, ao deflagrar no Mundo a mística da libertação do homem pelo atomicismo político que veio quebrar os vínculos gregários dos misteres das corporações.
Para o demo-liberalismo triunfante, ao artista retrógrado, ue trabalhava para deleite de patrões, deveria aceder, livre e senhor, o cidadão progressivo. Desfeitas, esfrangalhadas ou perseguidas as instituições docentes [...] não pôde fugir o Estado a procurar organizar as [...] O ensino técnico fui mesmo dos últimos sectores acentes a ser encarado pelo Estado liberal. Não teria do o remédio eficaz para encher o vácuo aberto, nesse campo como em tantos outros, pela redução do homem todo, do homem integral, ao homo políticos do demo-lireralismo triunfante.
Mas quererá o Sr. Dr. Moura Relvas contundir a pouca eficiência de um remédio com a própria doença [...] foi chamado a curar? Sim, não encontra agora os [...] magníficos das rendas da Batalha e os decorares excelsos dos nossos mosteiros o palácios, mas não retribua o facto ao ensino técnico; considere, antes, que o mal só pode ser curado, precisamente, pela larga difusão desse ensino, que é remédio, não doença...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis, Sr. Presidente, o único comentário que, para além dos meus agradecimentos pela amabilidade das palavras penhorantes que me dirigiu, julguei dever fazer à réplica do meu amigo Dr. Moura Relvas.

O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª dá-me licença? É que eu não posso ir à tribuna e queria apenas dizer alguma coisa, que será rápida...

O Orador: - Sim. senão, se V. Ex.ª passa a fazer um discurso, tenho eu de passar a interromper V. Ex.ª..
Risos.

O Sr. Moura Relvas: - É muito difícil dizer o que pretendo em duas palavras. No entanto, quero apenas salientar o seguinte: V. Ex.ª acaba de defender a doutrina, com que concordo, evidentemente, de que é preciso defender o ensino técnico. Mas só pergunto que garantias oferece essa reforma, de que com essa difusão se consigam resultados profícuos, se há apenas palavras e mais palavras quanto à diferenciação e nenhum objectivo propriamente dito de diferenciação desse mesmo ensino!...
Quer dizer: tudo se reduz a esta expressão da proposta: far-se-á o ensino de harmonia com as condições locais.
Sobre o problema da tecnologia...

O Orador: - Mus já disse a V. Ex.ª que não há tecnologia; há tecnologias.
Que tecnologia quer V. Ex.ª?

O Sr. Moura Relvas: - Quero a tecnologia da cortiça em Portalegre, porque é um centro corticeiro, quero a tecnologia dos lanifícios na Covilhã...

O Orador: - Mas quem diz a V. Ex.ª que não se fará isso?

O Sr. Moura Relvas: - Mas na proposta não se diz nada.

O Orador: - Diz que se fará uma pré-aprendizagem geral e que se atenderá às condições locais.

Sr. Presidente: permiti muito gostosamente ao Sr. Deputado Moura Relvas que me interrompesse, mas S. Ex.ª derivando do assunto concreto da interrupção, aproveitou essa minha generosidade para novamente falar no seu velho ponto de vista da tecnologia em cursos que não são ainda profissionais, mas apenas de «orientação profissional» .

O Sr. Moura Relvas: - Generosidade que agradeço.

O Orador: - Nada tem a agradecer, pois eu disse que o fiz muito gostosamente ...

Quanto ao ilustre Deputado Ribeiro Cazaes, devo dizer que S. Ex.ª. no seu discurso, fez como que um acrescenmento a considerações estatísticas aqui produzidas pelo nosso ilustre colega Sr. Teófilo Duarte - a quem aproveito a ocasião para dirigir daqui uma saudação por tão justamente ter sido chamado ao Governo -, considerações estatísticas tendentes a fazer concluir o fraquíssimo rendimento do ensino técnico, definindo como rendimento a relação por percentagem entre os alunos que se inscrevem no respectivo ensino e aqueles que concluem os cursos.

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Eu disse, em aparte, que também tinha a minha interpretaçâo dessa estatística e que S. Ex.ª nos tinha, apenas, dado a sua maneira de ver. Não quero acrescentar agora, Sr. Presidente, novos pontos de vista, o que seria deselegante, porque S. Ex.ª regimentalmente não pode voltar à tribuna e rebatê-los. Apenas pretendo que fiquem registados no Diário das Sessões mais alguns números, para que se possa ver que o rendimento do ensino técnico, sendo de facto baixo, não se afasta muito do dos outros graus de ensino.
Sim, o rendimento do ensino técnico, em absoluto, é pequeno, mas poderia ter ficado no espírito da Câmara que o dos outros graus de ensino é muito maior, o que não acontece.
Sr. Presidente: vou passar à leitura dos números.
No ano lectivo de 1941-1942, para uma frequência total de 374:435 alunos, houve 40:909 aprovados em 4.ª classe, sendo assim de 7,12 a percentagem de conclusões do curso. No ensino liceal, para uma frequência de 33:230 alunos, foram aprovados no 7.º ano 2:364, o que dá 7,11 como percentagem de conclusões do curso. Nas escolas comerciais e industriais, para uma frequência de 37:018 alunos, concluíram os cursos 2:073, o que dá uma percentagem de 5,59. Nas escolas e institutos técnicos médios, para uma frequência de 3:547 alunos, concluíram os cursos 301, o que representa 8,48 de percentagem. Para as escolas de belas-artes, numa frequência de 344 alunos, concluíram os cursos 14, sendo assim de 4 a percentagem de aproveitamento. Nas Universidades clássicas (não consegui obter os números relativos à Universidade Técnica), para uma frequência de 6:844 alunos, concluíram os cursos 830, o que representa 12,1 por cento.
Para não maçar a Câmara, direi apenas as percentagens de rendimento, omitindo os números sobre que se calcularam, relativas aos anos lectivos de 1942-1943 e 1943-1944, os últimos de que me foi possível obter elementos. No ensino primário, 7,13 por cento em 1942-1943 e 7,47 por cento em 1943-1944; no liceal, respectivamente 4,66 por cento e 4,96 por cento; nas escolas comerciais e industriais, 6,35 por cento e 5,89 por cento; nas escolas e institutos médios, 9 por cento e 9,38 por cento; nas escolas de belas-artes, 3,65 por cento e 14,17 por cento; nas Universidades clássicas, 11,3 por cento e 9,48 por cento.
Sem querer, Sr. Presidente, tirar quaisquer ilações, uma vez que o ilustre Deputado Sr. Ribeiro Cazaes não pode voltar à tribuna, parece-me bem que fiquem exarados no Diário das Sessões estes números, dos quais se pode concluir que o rendimento do ensino técnico, calculado pelo critério do ilustre Deputado, com o qual aliás não concordo, é superior ao de alguns graus de ensino e ligeiramente inferior ao de outros.
Dados estes elementos, Sr. Presidente, direi que sempre supus que o Sr. capitão Ribeiro Cazaes, ao voltar a esta tribuna, o fizesse para retirar a sua moção ou então para acrescentar elementos novos em que a fundamentasse, porquanto julgo ter provado que, ao apresentá-la, o fez sem fundamentos ou com fundamentos deficientes.
Mas S. Ex.ª veio aqui e não só não retirou a sua moção como declarou mante-la e não se importar mesmo de a votar sozinho.
É uma atitude de panache pessoal, pela qual tenho a maior consideração e respeito, mas que, no plano parlamentar, me permito considerar estranha. É que as moções são instrumentos destinados a polarizar pontos de vista mais ou menos generalizados, é certo, mas que constituam correntes desenvolvidas no seio das assembleias. Aferindo-se o seu significado peio número de votos que conseguem reunir, as moções só se concebem como instrumentos de solicitação ao sufrágio.
É assim que, tendo-se desenhado durante o debate corrente que considera útil que as reformas parcelares de ensino sejam referidas a um esquema de conjunto logo o ilustre Deputado Sr. Botelho Moniz veio aqui apresentar uma moção, que eu tive a honra de subscrevei na qual se exprime o voto de que o Governo venha oportunamente, a referir a presente reforma a uma planificação geral do ensino, sem prejuízo das melhorias de orgânica e de dotações a conceder desde já a cada um dos seus graus e ramos.
Essa moção, não contrariando fundamentalmente o método do Governo de trabalhar por reformas parcelares vinca, porém, o principio da solidariedade dos diferente graus e ramos do ensino e, assim, da necessidade d considerar cada um deles em ordem à sua articulação com os outros e ao papel que lhes cabe no conjunto de educação nacional.
Parecia, portanto, Sr. Presidente, dado o teor dos seus dois brilhantes discursos, que tal moção deveria dar satisfação aos pontos de vista do nosso colega Sr. capitão Ribeiro Cazaes.
Não o entendeu assim o ilustre Deputado e, mantendo a sua moção, declara não se importar de a votar sozinho
Desiste, desta forma, de a considerar um instrumento ao serviço de qualquer corrente da Câmara, para a colocar num plano de mera afirmação pessoal.
Está certo, Sr. Presidente, e eu renovo a afirmação do meu respeito pela sua atitude. Mas, sendo inerente toda a verdade a existência transbordante e viva de uma ânsia irreprimível de proselitismo, temos de concluir, sem o menor propósito de desprimor para o nosso ilustre colega, que neste ponto, a verdade não está com ele.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente : - Considero encerrado o debate na generalidade da presente proposta de lei.
Vai passar-se à votação das moções apresentadas durante o debate na generalidade.
Será submetida à votação da Assembleia, em primeiro lugar, a moção da autoria do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, que vai de novo ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

«Considerando que a reforma de qualquer dos ramos da educação nacional deverá pressupor um plano conjunto, orientado pelos preceitos constitucionais;
Considerando que a proposta de lei, agora em discussão, sobre a reforma do ensino técnico profissional sendo embora um trabalho honesto, nada contém [...] que se articula no referido plano geral:
A Assembleia Nacional resolve sobrestar na apreciação da proposta da reforma do ensino técnico profissional julga conveniente ponderar ao Governo a necessidade a integrar em um plano geral de reforma da educação nacional, que urge realizar».

O Sr. Presidente : - Vai ler-se agora a outra moção apresentada pelo Sr. Deputado Botelho Moniz e subscreve também por outros Srs. Deputados, no sentido de aprovar na generalidade a actual proposta de lei.

Foi lida. É a seguinte:

«A Assembleia Nacional, depois de aprovar, na generalidade, a reforma do ensino técnico, emite o voto que ela venha a ser integrada num plano geral de [...] do ensino primário, médio e superior logo as circunstâncias o permitam, pelo Ministério da Educação Nacional, sem prejuízo da continuação e ampliação

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da louvável política constantemente seguida pelo Governo de, entretanto, ir reforçando as dotações e melhorando o rendimento de todos os ramos incluídos no plano geral de reformas».

O Sr. Presidente: - A primeira das moções lidas, que foi apresentada pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, é no sentido de retirar da discussão a actual proposta de lei, visto se pedir para sobre ela se sobrestar até que haja um plano geral de reforma de todo o ensino.
A moção apresentada pelos Srs. Deputados Botelho Moniz, Cortês Lobão e outros frisa também o desejo de que esta reforma venha a ser integrada num plano de reforma do ensino, mas dá a sua aprovação na generalidade à presente proposta de lei.
Em primeiro lugar, submeto à votação a moção do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a outra moção.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão na especialidade. Interrompo a sessão por uns momentos.

Eram 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta da Comissão de Educação Nacional para que seja adoptado como base da discussão o texto da Câmara Corporativa.
Há outras alterações propostas pela mesma Comissão, mas a que vou submeter à votação da Câmara é aquela a que acabo de me referir.
Submetida à votação a proposta da Comissão de Educação Nacional, foi aprovada.

O Sr. Presidente:- Em virtude da votação que acaba de ser feita, a discussão recai sobre o texto da Câmara Corporativa, que funcionará como se fosse o texto da proposta de lei.
A Comissão de Educação Nacional propõe a alteração do título da parte I, que passaria a ser o seguinte: «Do ensino profissional, industrial e comercial».
Está, pois, em discussão esta proposta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se esta proposta.

Submetida à votação, foi aprovada.

Sr. Presidente: - Há também uma proposta da mesma Comissão para alteração do titulo da parte III, mas na devida altura será submetida à apreciação da Câmara.
Está em discussão a base I.
Sobre esta base há na Mesa propostas de alteração apresentadas pela Comissão de Educação Nacional, propostas essas que são as seguintes:

«Propomos ns seguintes alterações:

Na base I:

Que o primeiro período da base I tenha a seguinte redacção:

O ensino profissional industrial e comercial abrangerá dois graus:

ue a alínea a) da base I tenha a seguinte redacção:

a) O 1.º grau será constituído por um ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem geral, com a duração de dois anos, destinado a ministrar aos candidatos aprovados na 4.ª classe de instrução primária a habilitação necessária para a admissão nos cursos respeitantes às profissões qualificadas da indústria e do comércio.

Que ao n.º 5) da alínea b) se acrescentem as palavras «e nas escolas de belas-artes».

O Sr. Presidente : - Estão em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se em primeiro lugar a proposta para nova redacção do primeiro período da base I.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a alínea a) da mesma base segundo a proposta apresentada pela Comissão de Educação Nacional.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente : - Vai votar-se a alínea b) e os seus números, com o aditamento proposto pela Comissão de Educação Nacional ao n.º 5) da alínea 5).

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o restante da base I que não foi alterado pelas votações já feitas.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está, portanto, aprovada a base I, com as alterações propostas pela Comissão de Educação Nacional.
Está em discussão a base II.
Sobre esta base existem na Mesa várias propostas da Comissão de Educação Nacional, que vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes

«Que o primeiro período da base II tenha a seguinte redacção:

As escolas de ensino profissional, industrial e comercial são assim classificadas:

Que na 18.ª linha sejam suprimidas as palavras «de ensino técnico profissional».

O Sr. Presidente : - Vai votar-se toda a base II, com as alterações propostas pela Comissão de Educação Nacional que acabaram de ser lidas.

Submetida à votação, foi aprovada, com as alterações propostas.

O Sr. Presidente : - Está em discussão a base III.
Sobre esta base estão na Mesa duas propostas: uma do Sr. Deputado Mário Borges e outra do Sr. Deputado Antunes Guimarães, que vão ser lidas à Câmara.

Foram lidas. São as seguintes:

«Proponho a eliminação da base III proposta pela Câmara Corporativa».

«Proponho que, onde se diz: a O Governo, pelos Ministérios da Educação Nacional e da Economia, poderá

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468 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83

impor...a conveniente organização do ensino dos aprendizes», se escreva: «deverá estimular».
E no período seguinte da mesma base III se substituam as palavras «poderá ser imposta» por «poderá ser estimulada».

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Antunes Guimarães: - A proposta que acaba de ser lida na Mesa e tem a minha assinatura foi determinada pelo seguinte: concordo, de unia maneira geral, com o princípio afirmado nesta base, isto c, de se recorrer às diferentes instalações industriais privadas para melhorar o ensino técnico.
Evidentemente que o Estado não dispõe de todas as oficinas e laboratórios que seriam necessários para atingir plena eficiência na aprendizagem prática das diferentes modalidades industriais.
Repito: concordo com o princípio aqui afirmado, mas discordo da redacção adoptada, em que se diz que o Governo imporá às indústrias privadas a sua colaboração no ensino, por conhecer a índole do povo português, o qual não deixará de reagir perante a imposição de obrigações que mais propriamente, competem ao Estado.
Conheço bem o efeito que a palavra «imporá» produziria não sómente nos industriais, ciosos do seu direito de propriedade, mas nos próprios trabalhadores portugueses, prontos a ensinar por devoção, mas sem o carácter rígido de obrigação.
Recordo-me de quando passei pelo Governo e se estudou o decreto conhecido por «melhoramentos rurais» ter surgido a ideia de se impor aos proprietários a cessão gratuita de terrenos e a colaboração, também gratuita, dos trabalhadores rurais com determinados serviços, com carretos e até com diversos materiais. Ora eu, que nasci entre os trabalhadores do campo e entre eles me criei, não ignorava o resultado que sobre eles teria a tal imposição e logo previ uma reacção no sentido negativo. Por isso aquele diploma foi orientado noutro sentido, isto é, de se deixar aos proprietários e mais interessados no desenvolvimento rural do nosso País, sector vastíssimo que então se achava atrasadíssimo (não havia estradas, faltavam as fontes de boa água e outros recursos essenciais para se poder trabalhar com proveito e se garantir algum conforto na vida), a faculdade da iniciativa dos melhoramentos a realizar nas suas terras e graduarem o seu patriótico concurso, retirando-lhe todo e qualquer carácter de imposição.
Desta forma, ao redigir a lei de melhoramentos rurais, que tive a honra de propor ao Conselho de Ministros, garantiu-se-lhes a indispensável iniciativa, e não só a iniciativa, mas a faculdade da respectiva administração, e a liberdade de graduarem a sua generosidade expressa em terrenos, carretos, diferentes materiais e até no trabalho dos seus braços.
Hoje, volvidos bastantes anos e analisando o período de vigência do diploma conhecido por «melhoramentos rurais», todos sabem como as iniciativas se vêm multiplicando do ano para ano, limitando-se o Estado a comparticipar com alguns subsídios e assistência técnica, porque, geralmente, os terrenos e muitos materiais precisos, bem como carretos e diferentes prestações de trabalho, são oferecidos gratuitamente.
Sabemos que quase não há hoje uma aldeia em Portugal que não tenha beneficiado largamente dessa política rural estabelecida no nosso País pelo Estado Novo. Ora eu entendo, Sr. Presidente e meus ilustres colegas, que, em grande parte, o milagre assim operado se deve justamente à circunstancia de se ter tirado a esse diploma o carácter de imposição e assegurar aos interessados a faculdade de tomarem as respectivas iniciativas e de o seu concurso não ser obrigatório, mas livremente deliberado por cada um conforme suas posses e generosidade.
Por isso, e a exemplo do que então fizera e orientado pelo critério que nos melhoramentos rurais tanto tem frutificado, e de harmonia com outras considerações que acabo de fazer, propus a substituição da palavra «impor» por «estimular», que, em meu entender, é a que melhor corresponde à legítima intervenção do Estado neste importante capítulo da instrução publica, e que não deixará de contribuir para uma eficaz colaboração das actividades nacionais na aprendizagem dos futuros trabalhadores.
Tenho dito.

O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: o Sr. Dr. Antunes Guimarães diz que a proposta tem no seu texto a expressão «o Governo imporá». Ora nesse texto não se encontra «o Governo imporá», mas sim «o Governo poderá impor».
A Comissão de Educação Nacional concorda com o Sr. Dr. Antunes Guimarães quanto à alteração que propõe para o segundo parágrafo, mas não quanto à do primeiro. É que, aqui, diz-se que o Governo «poderá impor» a organização de centros de ensino às indústrias de qualquer forma beneficiadas pela lei n.º 2:005.
Entende a Comissão de Educação Nacional que a essas indústrias, se receberam benefícios, se pode impor também, como contrapartida, a organização de centros docentes de ensino técnico.
Porém, no segundo parágrafo trata-se de indústrias para além das tais beneficiadas pela lei n.º 2:005. Quanto a estas, a Comissão de Educação Nacional concorda com a emenda proposta pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se, em primeiro lugar, a proposta do Sr. Deputado Mário Borges para eliminação desta base.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a primeira parte da base III. Encontram-se na Mesa duas propostas, uma do Sr. Deputado Antunes Guimarães, com a qual não concorda a Comissão de Educação Nacional, e outra proposta de aditamento, apresentada pela mesma Comissão, para que na linha 7.ª se acrescentem as palavras «onde se encontre ensino adequado».
Em primeiro lugar será submetida à votação a proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarães, porque envolve a substituição de parte do texto.

Feita a votação, foi rejeitada a proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarães e aprovada a primeira parte da base, com a alteração imposta pela Comissão de Educação Nacional.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a segunda parte desta base, com a emenda apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães.

Submetida à votação, foi aprovada a segunda parte, da base III, com a proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta da Comissão de Educação Nacional, para aditamento, ao final do segundo período, das palavras: quando não para todo o território nacional, nos termos da base XXIII».

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a restante parte da base: terceiro, quarto e quinto períodos.

Submetida à votação, foi aprovada.

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O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Manuel Lourinho, uma outra do Sr. Deputado Pedro Cymbron e outra da Comissão de Educação Nacional.
Vão ler-se estas três propostas.

Foram, lidas. São as seguintes:

«Proponho que à base IV seja aditado o seguinte § único:

A frequência do ensino complementar de aprendizagem será sempre precedida de um exame-prova de orientação profissional».

«Proponho que se acrescentem ao § 2.º da base IV do texto da Câmara Corporativa as seguintes palavras: «devendo sempre assegurar-se o desenvolvimento conveniente ao ensino do desenho como forma de expressão e de educação plástica e artística dos alunos».

«Proponho que os terceiro e quarto períodos da base IV tenham a seguinte redacção:

Os trabalhos manuais serão de oficina - preferentemente de modelação, de madeira, de metal, de costura e análogos - ou de campo - designadamente de jardinagem e de horticultura -, em vista no disposto na base XVIII.
A aptidão escolar dos candidatos à matricula poderá ser verificada em exame de admissão, que substituirá, para todos os efeitos, a 4.ª classe de instrução primária».

O Sr. Marques de Carvalho: - Desejo informar a Assembleia de que a Comissão de Educação Nacional nada tem a opor à proposta do Sr. engenheiro Pedro Cymbron, no sentido de dar desenvolvimento conveniente ao desenho, como forma de expressão plástica e de formação artística.
Quanto à proposta do Sr. Dr. Manuel Lourinho a Comissão de Educação Nacional entende que ela não deve ser votada, porquanto pretende criar mais uma disciplina, aumentando assim o enciclopedismo, já no debate considerado exagerado, desse ciclo preparatório.
Parece-me que a lacuna que o Sr. Deputado Manuel Lourinho pretende preencher com esta sua emenda tem solução numa outra proposta de emenda que está na Mesa, da autoria do Sr. Deputado Antunes Guimarães, que diz, ao tratar dos quadros docentes, que, além dos professores de Educação Física. Canto Coral e Educação Moral e Cívica, haverá os médicos escolares convenientes, a cargo dos quais ficará o ministrar noções de higiene no trabalho.
Parece à Comissão de Educação Nacional que a lacuna se preencherá melhor com a emenda do Sr. Deputado Antunes Guimarães, na altura própria, do que, aqui, com a emenda do Sr. Deputado Manuel Lourinho.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se. Em primeiro lugar vai votar-se o primeiro período da base IV sem o aditamento apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, isto é, só o texto da Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vou agora pôr à votação o aditamento apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, aditamento a esse primeiro período.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o segundo período desta base. Vai votar-se o texto da Câmara Corporativa, sem o aditamento do Sr. Deputado Cymbron Borges de Sousa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de aditamento do Sr. Deputado Cymbron Borges de Sousa.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o terceiro período da base, com a alteração da parte final, apresentada pela Comissão de Educação Nacional.

Submetido à votação, foi aprovado com a alteração proposta.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o quarto período da base IV. Sobre este período há também uma proposta de aditamento da Comissão de Educação Nacional.
Vai votar-se primeiramente o quarto período tal como consta do texto da Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o aditamento apresentado pela Comissão de Educação Nacional.

Submetido à votação, foi aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

A próxima sessão será amanhã, sendo a ordem do dia a continuação da discussão, na especialidade, da presente proposta de lei.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teotónio Machado Pires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Gosta.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.

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470 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83

José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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