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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 83

ANO DE 1947 5 DE FEVEREIRO

CÂMARA CORPORATIVA

IV LEGISLATURA

PARECER N.º 16

Projecto de lei n.º 104

INQUILINATO

A Câmara Corporativa, tendo de pronunciar-se, nos termos do artigo 103.º da Constituição Política, acerca do projecto de lei n.º 104, da iniciativa do Deputado Dr. José Gualberto de Sá Carneiro, emite, por intermédio das suas secções de Política e administração geral, Finanças e economia geral e Justiça, o seguinte parecer:

Introdução

1. O ilustre Deputado signatário do projecto não teve o intuito de fixar num diploma único todo o regime do contrato de locação, ou mesmo, mais limitadamente, o regime do contrato de arrendamento de prédios urbanos. Por entender, segundo parece, que esse objectivo devia ser, com mais propriedade, realizado pelo Governo, o autor do projecto propôs-se apenas tomar a iniciativa da resolução de «alguns casos mais urgentes» que atingem a economia do País e perturbam a vida dos tribunais, tendo em atenção, particularmente, as consequências da desvalorização da moeda, ou subida de preços, em face do regime de renovação dos arrendamentos, e ainda a imperfeição técnica dos nossos diplomas legislativos sobre a matéria.
É de reconhecer que há, na verdade, problemas instantes de ordem económica e de ordem social a resolver dentro deste domínio, como mais desenvolvidamente se
mostrará adiante, e que há disposições legais que carecem também urgentemente de uma interpretação autêntica e definitiva. São necessidades que têm provocado um mal-estar de que a própria Assembleia Nacional se tem feito eco, designadamente em duas moções recentemente aprovadas.
E é de crer também que certa dificuldade na resolução de alguns desses problemas tenha contribuído para que não exista ainda entre nós um Código da Locação, a dar unidade a toda a legislação dispersa, actualmente vigente, que martiriza os juristas e os tribunais, e que torna, por vezes, incerta, perante a lei, a posição dos inquilinos e dos senhorios, com desvantagem para uns e para outros e com agravo para a boa administração da justiça.
O antigo Ministro da Justiça Prof. Dr. Vaz Serra chegou a ter em condições de ser promulgado um diploma de 145 artigos sobre o contrato de locação, que viria substituir toda a legislação extravagante sobre a matéria. Elaborou o respectivo projecto o Dr. José Pinto Loureiro e sobre ele trabalharam o Prof. Dr. Alberto dos Reis e o Ministro. Não surgiram dificuldades de ordem técnica que não tivessem sido vencidas. Mas, apesar disso, esse diploma não chegou a ser publicado. Pode este facto ser apontado para corroborar a expectativa do Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro de que

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a aprovação do seu projecto, e a resolução, portanto, de alguns problemas do inquilinato, não prejudicará, antes facilitará, a elaboração do Código da Locação.
Não tem, pois, a Câmara Corporativa nenhuma objecção a fazer à aprovação do projecto na generalidade. Resolvem-se problemas e facilita-se a resolução de outros, o que é já muito. E, porque se trata de um projecto que visa apenas a resolução de algumas questões e a interpretação de algumas disposições legais, a Câmara Corporativa, integrada no pensamento que o inspirou, põe de lado, por não virem a propósito, todas as críticas de que ele é susceptível na generalidade, baseadas na falta de unidade, na falta de sistematização, na junção de disposições de direito substantivo com disposições de processo e de direito fiscal, ou na circunstância de se aumentar a legislação do inquilinato com mais um diploma, para entrar na apreciação de cada um dos seus preceitos e pronunciar-se sobre a sua oportunidade e conveniência.

CAPITULO I

Formação do contrato

2. Admissibilidade do contrato verbal de arrendamento. - O corpo do artigo 1.º do projecto, admitindo o contrato verbal de arrendamento de prédios urbanos, altera o regime estabelecido no artigo 44.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, que exige, em princípio, o escrito particular com a assinatura do senhorio e do inquilino, como condição de validade ou de existência do contrato.
Esta matéria da forma tem sido objecto de constantes remodelações legislativas, e elas, só por si, quase explicam o alcance da reforma projectada e os uns que se pretendem obter.
O Código Civil não exigia nenhuma formalidade externa para a validade do contrato, deixando apenas ao domínio da legislação administrativa a determinação da forma do arrendamento dos bens do Estado e de quaisquer estabelecimentos públicos (artigo 1604.º). Foi o decreto de 12 de Novembro de 1910 que veio estabelecer uma solução diametralmente oposta, considerando, no artigo 2.º, necessário título autêntico, ou autenticado nos termos do artigo 2436.º do Código Civil 1. Esta solução ainda foi consagrada, nas suas linhas gerais, pelo decreto n.º 4:499, de 27 de Junho de 1918 (artigo 2.º).
O artigo 44.º do decreto n.º 5:411, ainda hoje em vigor, exige, como se disse, que o arrendamento seja feito por escrito com a assinatura do senhorio e do inquilino, exceptuando apenas os arrendamentos de quantia inferior a 2$50 cada mês, não sujeitos a registo, os quais podem ser feitos verbalmente.
A solução deste decreto revelou-se inconveniente num aspecto. Foi logo descoberto um processo prático e simples de os senhorios evitarem a aplicação do regime desfavorável do inquilinato. Em vez de reduzirem a escrito os seus contratos, celebravam-nos verbalmente e ficavam, assim, com a possibilidade, a todo o momento, contra as prescrições legais, de obterem o despejo do prédio, reivindicando-o em acção ordinária. Ao arrendatário era vedado invocar a sua posição de inquilino desde que não exibisse o título escrito exigido naquele artigo 44.º
Contra esta prática abusiva reagiu a lei n.º 1 :662, de 4 de Setembro de 1924, prescrevendo no seu artigo 4.º que «os arrendamentos de prédios urbanos serão, não: obstante a falta de título escrito, reconhecidos em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável a negligência, coacção, dolo ou má fé do senhorio».
Ainda, porém, se verificou que o problema não ficava inteiramente resolvido. Se, por um lado, se evitava que, em prejuízo do arrendatário, o senhorio usasse de coacção, dolo ou má fé, deixava-se este desprotegido quando a falta fosse imputável ao arrendatário. E as consequências podiam ser igualmente danosas, desde que se impunha neste caso o recurso à acção ordinária para se obter o despejo. O senhorio não podia obtê-lo por meio de acção própria, desde que não exibisse o título escrito, e o arrendatário podia muitas vezes evitar a procedência do pedido feito em acção ordinária, provando a existência de um arrendamento.
Contra este inconveniente reagiu o decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, ainda em vigor, preceituando no artigo 1.º: «Os arrendamentos de prédios urbanos serão, não obstante a falta de título escrito, reconhecidos em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatários.
Ficou, assim, estabelecido o princípio de que qualquer dos sujeitos da relação pode invocar o contrato, desde que a falta de título seja imputável à parte contrária, não sendo preciso, mesmo, fazer-se a prova de negligência, coacção, dolo ou má fé, como se exigia nu lei n.º 1:662, em relação ao senhorio. Afastou-se, pois, mais um inconveniente, mas criaram-se as mais duvidosas situações e os maiores embaraços aos tribunais, do que é reflexo a jurisprudência vária e hesitante dos últimos tempos neste domínio.
É que não se notou que, afinal, se regressava à regra da oralidade do contrato adoptada no Código Civil, pois, de futuro, os tribunais só poderiam atender à falta de título escrito quando essa falta fosse imputável a ambos os contraentes conjuntamente, o que, precisamente, tem embaraçado a justiça e a rectidão dos julgamentos.
Posta a questão nestes termos, parece indicado um destes caminhos: ou o regresso à solução pura do decreto n.º 5:411, ou a solução do projecto. O primeiro tem os inconvenientes que já apontámos, e a prática dos tribunais revela exuberantemente a necessidade de o afastar.
Passemos ao segundo:
Num ponto de vista de pura lógica jurídica parece condenado o sistema da oralidade. Não assim se se reconduzisse o contrato de arrendamento à sua primitiva natureza, de acto de onde emanam simples relações obrigacionais, mas sim se se atender à eficácia complexa, quase de natureza real, que tem no nosso País, como, de resto, na generalidade dos países estrangeiros. Na prática, o senhorio aliena perpetuamente uma parcela do seu domínio, dada a renovação que lhe é imposta, e o arrendatário adquire um direito real, que as leis têm reconhecido ao ponto de atribuírem a este o encargo de uma parte da contribuição predial, que é um imposto que incide sobre os rendimentos do prédio. Ora não se concebe, em princípio, que um contrato de natureza real sobre bens imobiliários possa ser realizado verbalmente. A regra é até a de se exigir escritura pública como único meio de se assegurar a seriedade e a autenticidade na manifestação de vontade.
É esta, fundamentalmente, a razão por que desde longe se vem exigindo no nosso direito uma forma escrita, e, todavia, não considera a Câmara Corporativa inteiramente procedente o raciocínio.

1 Estabeleciam-se todavia excepções em relação aos contratos realizados em freguesias onde não houvesse notários públicos e aos arrendamentos de pequeno valor (§§ 1.º o 2.º do artigo 2.º).

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Há um elemento de excepcional relevo a atender: a facilidade de prova do contrato de arrendamento. Quem habita um prédio alheio e paga uma renda não pode ocupar em relação ao proprietário senão uma posição jurídica - a de arrendatário do prédio.
Não pode essa situação confundir-se com qualquer das propriedades imperfeitas admitidas em direito, porque essas são facilmente identificáveis. E não pode confundir-se com a cedência gratuita do uso do prédio (comodato), desde que é efectivamente paga uma renda. Por outro lado, a autenticidade e seriedade da vontade por parte do proprietário está também assegurada por uma série de manifestações representadas pelo recebimento das rendas.
Ainda o acto jurídico que na realidade mais se confunde com o arrendamento é o contrato de albergaria ou pousada, quando não haja, ao lado da prestação de albergue, a prestação de alimento. Essa confusão só é, porém, possível nos arrendamentos de partes de casa feitos por pessoa que habita o prédio (proprietário ou arrendatário), e, normalmente, as dúvidas são fáceis de esclarecer entre os sujeitos da respectiva relação. Difícil é fazê-lo muitas vezes ao proprietário, quando arrendatários e sublocatários se concertam para evitar a sanção imposta à sublocação não autorizada (problema que adiante será versado), mas não é esse o aspecto que interessa neste momento. E de notar que para uma das consequências mais importantes desta distinção entre arrendamento e albergaria já hoje a lei dispensa a forma escrita em relação àquele contrato. Lê-se, na verdade, no artigo 109.º, n.º 4.º, do Código Administrativo que compete aos administradores dos bairros «o julgamento, com recurso para o auditor administrativo, dos despejos sumários...dos que abusivamente estejam a morar em casa alheia sem contrato de arrendamento, ainda que verbal».
A solução que geralmente os países estrangeiros dão a este problema é o da oralidade. É de notar até que em muitos deles se adopta um sistema precisamente orientado no sentido inverso ao do nosso direito. Enquanto os arrendamentos de prédios urbanos podem ser feitos verbalmente, salvo quando contraídos a longo prazo, os arrendamentos de prédios rústicos têm de ser sempre reduzidos a escrito, dada a confusão possível com os contratos de parceria ou de simples prestação de serviços (Código Civil Alemão, § 506.º; Código Civil Espanhol, artigo 1280.º).
Pensa, nestas condições, a Câmara Corporativa que não há inconvenientes, e antes há vantagem, em se regressar abertamente ao sistema da oralidade prescrito no artigo 1.º do projecto. Mas entende que devem estabelecer-se duas limitações:
Uma delas resulta um pouco do que está já dito. Se o proprietário não recebe rendas nem assina recibos, o contrato pode confundir-se com o de comodato, e não é conveniente que a cedência gratuita de uma casa possa transformar-se num contrato de arrendamento pelo simples depoimento de duas testemunhas. É preciso evitar essa possibilidade de fraude, que até pode prejudicar aquelas cedências, pelos perigos a que os proprietários naturalmente se não quererão sujeitar.
No projecto elaborado pela Comissão de Legislação do Senado acerca do projecto de lei n.º 328, de que veio a sair a lei n.º 1:662, foi certamente ponderado este facto, pois, em face das dificuldades criadas pelo decreto n.º 5:411, propôs-se, em relação aos arrendamentos anteriores à publicação da lei que não satisfaziam às formalidades exigidas, que se admitisse a sua prova, desde que existisse escrito assinado pelo senhorio de onde constasse que o arrendatário ocupava a casa a título de arrendatário. Na última redacção do projecto veio a
admitir-se todo o meio de prova. Como vimos, no artigo 4.º da lei não se aceitou nenhuma destas sugestões, solucionando-se o problema por uma forma que se mostrou inconveniente.
A outra limitação diz respeito às cláusulas que estabelecem elementos acidentais e àquelas que alteram o regime supletivo da lei. Como se disse, é fácil em regra a prova do contrato, porque há factos que inequivocamente (revelam a sua existência. Já não pode, porém, dizer-se o mesmo em relação às cláusulas acima referidas. Não há nada de exterior que as revele e há algumas de importância decisiva para a vida jurídica do contrato, como as que autorizam a sublocação, as que fixam uma duração ao arrendamento superior à dos usos locais, as que fixam domicílio especial para o pagamento das rendas, etc.
A Câmara Corporativa é de parecer que, nestas condições, deve impor-se sempre o regime supletivo legal aos contratos verbais, com o que não só se evitam as contingências da prova testemunhal, como se obrigam os interessados a reduzir a escrito o contrato sempre que pretendam modificar aquele regime. As mesmas considerações levam à doutrina de que, para os próprios contratos escritos, deve exigir-se a forma escrita para quaisquer alterações ou aditamentos ao regime supletivo legalmente estabelecido.
Também parece a esta Câmara que por outra razão deve ser modificada a redacção do corpo do artigo 1.º A simples afirmação de que o contrato verbal de arrendamento produz efeitos não exprime correctamente a doutrina que se pretende sancionar. Já hoje o contrato sem forma escrita produz efeitos ou pode produzi-los. O que é preciso é que do texto da lei resulte inequivocamente que produz todos os que são próprios e específicos do arrendamento.
Adiante se redige a disposição em harmonia com o parecer desta Câmara.

3. Casos em que deve exigir-se escritura pública. - A semelhança do que se encontra legislado, o projecto refere no § 1.º do artigo 1.º (artigo 2.º do projecto segundo a redacção desta Câmara) dois casos em que o contrato de arrendamento tem de constar obrigatoriamente de escritura pública - arrendamentos sujeitos a registo e arrendamentos de prédios onde há menos de um ano tenha existido estabelecimento comercial ou industrial.
O primeiro caso encontra-se previsto no n.º 6.º do artigo 163.º do Código do Notariado (decreto n.º 26:118, de 24 de Novembro de 1935). Nada se altera e, portanto, nada há que dizer a seu respeito.
Com o segundo já se não passa o mesmo. Pelo n.º 7.º do artigo citado do Código do Notariado também esta» sujeitos a escritura pública cos traspasses de estabelecimentos comerciais ou industriais, bem como os arrendamentos e sublocações dos locais aos mesmos destinados, e esta disposição, embora um pouco equívoca, tem sido geralmente interpretada no sentido de que todos os arrendamentos comerciais ou industriais devem constar de escritura pública.
No entanto, não é doutrina que se possa considerar indiscutível. O Código do Notariado não fala em arrendamentos para comércio ou indústria, mas em arrendamentos dos locais ao mesmo destinados. Ora, sabendo-se que esta disposição, como a do anterior Código do Notariado de 1931, é reflexo da doutrina do artigo 3.º do decreto n.º 17:331, de 13 de Setembro de 1929, que exigiu a escritura pública para os novos arrendamentos t isto é, para os arrendamentos de locais onde já existia comércio ou indústria, não fica inteiramente excluída a possibilidade de sustentar que em face do Código só os novos arrendamentos (comerciais ou não) estão sujeitos a es-

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critura pública, e não todos os arrendamentos comerciais ou industriais2.
Pois é precisamente esta última a solução que o projecto consagra. Não importa que o arrendamento seja comercial; o que importa é ter estado o prédio afectado há menos de um ano a comércio on indústria. E, assim, necessário aproximar este n.º 2.º do projecto, do artigo 1.º do decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, que hoje substitui o citado decreto n.º 17:331.
Preceitua este artigo: «A escritura de traspasse ou o documento de novo arrendamento de prédio ou parte de prédio urbano ocupado por estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências, os consultórios ou escritórios de profissões liberais e bem assim os locais onde se tenha exercido comércio, indústria ou profissões liberais há menos de um ano continuam sujeitos à taxa do imposto do selo de 5 por cento».
Mostra-se assim o carácter puramente fiscal da segunda excepção à oralidade do contrato de arrendamento, e seria, por isso, até de levantar o problema da supressão desse n.º 2.º, se esse simples facto não importasse imediatamente a suposição de que se pretendia revogar em parte este artigo 1.º do decreto n.º 27:235, deixando de se exigir a escritura pública como meio de assegurar o pagamento da taxa do imposto do selo de 5 por cento. E fiscais são também as disposições dos §§ 2.º e 3.º do artigo 1.º do projecto, e esta última dificilmente poderia ser eliminada, como se verá adiante.
É de parecer, pois, a Câmara Corporativa de que o n.º 2.º do projecto deve manter-se, mas não concorda que se não considere obrigatória a escritura pública para todos os arrendamentos destinados ao comércio ou u indústria.
Não é difícil apreender o sentido evidentemente lógico da tese do projecto. Foi, na verdade, o artigo 3.º do decreto n.º 17:331 que, pela primeira vez, veio exigir, no nosso direito, escritura pública para certos arrendamentos, desviando-se dos princípios gerais relativos à forma do contrato3. Mas fê-lo, não por motivos especiais inerentes ao destino comercial do arrendamento, mas por motivos puramente fiscais. Pretendia-se, como acima se disse, evitar a fuga da taxa do imposto do selo de 5 por cento, criada pelo artigo 2.º do decreto n.º 16:732, de 13 de Abril de 1929. O mesmo sentido tiveram e têm os decretos n.º 27:154, de 13 de Outubro de 1936, e n.º 27:235, de 23 de Novembro do mesmo ano. E, possivelmente, o mesmo se poderá dizer dos Códigos do Notariado de 1931 e de 1935.
Dir-se-á, portanto: desde que se assegure, através de uma escritura pública, o pagamento da taxa nos casos em que ela é devida, devem manter-se os princípios gerais nos outros casos, porque, de facto, não existem maiores dificuldades de prova nos arrendamentos para comércio ou indústria do que nos restantes arrendamentos.
São várias as objecções que se podem fazer a este raciocínio.
Bem ou mal interpretados os Códigos do Notariado, o que é certo é que desde 1931 se vive na convicção da obrigatoriedade da escritura pública em todos os arrendamentos para comércio ou indústria, e o sistema não tem sido mal recebido nem tem suscitado dúvidas, embaraços ou fraudes de qualquer ordem, a não ser pelo que respeita ao problema da aplicação ou não aplicacão, nestes casos, do artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, problema que adiante será referido.
Este o primeiro aspecto a considerar. Mas há outros de maior relevo e importância.
Se a figura arrendamento, de uma maneira geral, se apreende facilmente na vida jurídica, por não se confundir com outras situações, já não pode dizer-se o mesmo dos arrendamentos para comércio ou indústria postos em confronto com os arrendamentos destinados a outros fins. Postos de parte os casos em que ao arrendamento para comércio e indústria corresponde uma loja aberta ao público ou uma fábrica, e alguns outros, muitas vezes não há, na verdade», realidades facilmente verificáveis, e podem os interessados ter de cair nas contingências de uma prova testemunhal, para definir posições profundamente diferentes e profundamente graves. O arrendatário comercial pode traspassar o estabelecimento e sublocar o prédio, o que não acontece nos outros casos; pode exercer o direito de preferência; a sua posição transmite-se mortis causa em condições muito mais favoráveis, etc. É por isso que as rendas são, em geral, mais elevadas, em correspondência com a situação mais gravosa para o senhorio. Tais arrendamentos são verdadeiros negócios, e nem sequer se justifica que gozem daquela protecção económica que é devida aos arrendamentos que se destinam a satisfazer a necessidade primária da habitação. Tudo o que se disse a respeito das cláusulas acidentais do contrato pode, no fundo, dizer-se a respeito dos arrendamentos comerciais.
Um outro aspecto ainda a atender diz respeito ao próprio assentimento do senhorio. Trata-se de um acto mais grave para o seu património, e é razoável que se exija não só prova concludente do consentimento, como se assegure, com a intervenção do notário, seriedade na celebração do contrato.
Esta é uma razão que parece ser decisiva, se se fizer o confronto entre os arrendamentos comerciais ou industriais e os arrendamentos sujeitos a registo. Estão sujeitos a registo, segundo a alínea e) do § 2.º do artigo 949.º do Código Civil, os arrendamentos por mais de um ano, havendo adiantamento de renda, ou por mais de quatro, não o havendo. A escritura pública é exigida nestes casos em consequência das razões acima apontadas. Ora não pode duvidar-se de que é muito mais gravoso um arrendamento para comércio do que um arrendamento a longo prazo. A longo prazo são, afinal, hoje todos, sendo mínimas as faculdades que advêm ao senhorio em consequência do termo do prazo contratual, ao passo que os direitos de preferência, os direitos de traspasse ou os direitos latos de transmissão mortis causa só os têm os arrendatários comerciais ou industriais4.
É de parecer, pois, a Câmara Corporativa que aos dois casos referidos no § 1.º do artigo 1.º se acrescente o dos arrendamentos para comércio ou indústria; e bem assim o dos arrendamentos para profissões liberais, a que a lei actual faz referência destacada, mas que entram na mesma ordem de considerações.

4. Consequências da falta de escritura. - Dispõe-se no § 1.º do artigo 1.º que os arrendamentos nele referidos constarão obrigatoriamente de escritura pública para que tenham existência jurídica. Faz-se uma afirmação com as mais graves consequências jurídicas. Não se tendo definido o alcance da inexistência jurídica em matéria de contratos de arrendamento, será certo que os

2 Vide Dr. Castro Pita na Rev. de Dir. de Est. Soc., ano 2.º, p. 73 (nota).
3 Dizia esse artigo 3.º: «Os novos arrendamentos serão, como os traspasses, reduzidos sempre a escritura, sem o que não podarão os respectivos contratos ser invocados nem admitidos em juízo ou perante qualquer autoridade ou repartição pública».

4 No projecto Pinto Loureiro exigia-se escritura pública para todos os arrendamentos comerciais e industriais (artigo 96.º).

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intérpretes se louvarão de futuro nos ensinamentos da escola clássica francesa, que apresenta, ao lado das duas sanções que podem atingir um negócio jurídico - nulidade absoluta e nulidade relativa -, uma terceira - a inexistênciab-, cujas consequências são estas: o acto não pode produzir qualquer efeito de direito, pois tudo se passa como se ele não existisse materialmente.
Ora, é de crer que não esteja nas intenções do autor do projecto eliminar, ;por exemplo, a possibilidade de redução de um arrendamento sujeito a registo a um arrendamento anual ou semestral quando não conste de escritura pública. À própria economia do projecto repugna essa solução. Desde que se admite o contrato verbal e desde que a prova do arrendamento passa a poder fazer-se quase só através do recebimento das rendas e do facto de habitação, não há motivo para destruir toda a juridicidade do acto apenas porque oralmente se convencionou que o contrato duraria por quatro ou mais anos.
É precisamente a propósito de hipóteses como esta que o comum da doutrina alude à figura da redução dos negócios jurídicos, atribuindo-lhe este alcance: se o negócio a que os contraentes dão vida só parcialmente infringe a lei, importa aproveitar dele o que não vai do encontro à mesma lei. Quer dizer: o negócio passará a valer menos, reduz-se nos seus efeitos, até se acomodar dentro dos limites que lhe são permitidos. Mantém-se, é claro, o mesmo tipo de figura negocial. E nisto se distingue precisamente a redução da conversão dos negócios jurídicos.
Em termos mais ou menos explícitos acordam os autores todavia em não admitir a redução do negócio e este resultado chocar com a vontade presumível de uma ou de ambas as partes. O contrato deverá ser totalmente nulo, afirma-se, se, não podendo valer em toda a linha, puder razoavelmente presumir-se que as partes teriam preferido não celebrar negócio algum a ter de contentar-se com uma simples validade parcial. É, porém, um ponto em que os autores e as legislações enveredam por duas posições antagónicas. Uns afirmam, em princípio, a invalidada de todo o acto e só permitem a redução se puder presumir-se que os interessados não teriam deixado de celebrar o contrato reduzido. É a posição do Código Civil Alemão (§ 139.º) e a de quase todos os tratadistas tedescos5.
A doutrina tradicional considera, porém, como regra a validade da parte no negócio não afectada (utile per inutile non vitiatur), com ressalva dos casos em que se demonstre que as partes teriam preferido a nulidade total. E esta a posição do Código Austríaco (§ 878.º) e a do Código Suíço das Obrigações (artigo 20.º, § 2.º). E é esta também a solução que foi dada a este problema no projecto Pinto Loureiro6.
Parece, no entanto, à Câmara Corporativa que não deve, nesta matéria de arrendamentos sujeitos a registo, aceitar-se qualquer destes doia pontos de vista, e antes impor júris et de jure a redução do negócio, como o fazia o Código Civil, no § único do artigo 1601.º, no caso de o usufrutuário ter arrendado por tempo que excedesse o do seu usufruto7. É que há uma fortíssima presunção, não obstante a eficácia do contrato ficar limitada quanto ao tempo, de que os contraentes não deixariam de o celebrar; e permitir a prova do contrário seria admitir uma fonte de dúvidas e de conflitos. De resto, mesmo supondo-se falta de vontade de manter o arrendamento no caso de redução, o que só muito excepcionalmente acontecerá, os inconvenientes nunca serão grandes porque o inquilino tem sempre a faculdade, dentro de um prazo curto, de pôr termo ao contrato.
Mas há ainda razões especiais para, dentro do sistema sugerido pela Câmara Corporativa, aceitar sempre a redução.
A estipulação de um prazo longo funciona como uma daquelas cláusulas do negócio que não devem poder ser provadas senão por escrito. Ora, a lógica desta solução leva a considerar como inexistente a própria cláusula, e não o contrato, se este não consta do documento exigido por lei. É preciso também não deixar aberta uma porta a fraudes destinadas a afastar o regime legal rio arrendamento e a protecção devida aos arrendatários. Na solução, pelo menos aparente, do projecto bastaria celebrar o contrato por escrito particular (para se evitarem dificuldades futuras de prova) e atribuir-lhe a duração de cinco anos para que, considerado inexistente o acto, o senhorio pudesse a todo o momento obter o despejo do prédio por meio de uma acção de reivindicação.
O problema põe-se diferentemente quanto aos arrendamentos para comércio ou indústria. Este último argumento já não colhe. De parte a parte se discutem agora interesses patrimoniais. Não se procura a satisfação de uma necessidade primária, e, por isso, cada um dos interessados pode muito mais livremente defender a sua posição e os seus direitos exigindo a escritura como prova do contrato.
Isto não quer dizer, porém, que haja necessidade de proclamar, mesmo para este caso, a inexistência jurídica do acto, eu que essa declaração tenha os resultados desejados.
Com a afirmação categórica feita no § 1.º deve ter-se tido em vista a resolução de um problema que é certamente um dos que mais têm ocupado nos últimos tempos os tribunais e os autores - o da aplicação, neste caso da exigência de escritura, da doutrina do artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, que (preceitua: «Os arrendamentos de prédios urbanos serão, não obstante a falta de título escrito, reconhecidos em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário».
Há quem sustente que este princípio só não tem aplicação nos casos em que, para efeitos fiscais, se exige a escritura pública; há quem entenda que em caso nenhum é aplicável; há quem, inversamente, sustente que sempre deve ser aplicado, e têm aparecido ainda soluções intermédias, que atendem à data em que o contrato foi realizado.
Como pelo projecto só se exige escritura no caso em que é necessário evitar a fuga ao imposto do selo, a questão ficou muito simplificada, pois se identificaram as duas primeiras soluções.
Mas desde que a Câmara Corporativa se pronunciou acima no sentido de que deve manter-se a exigência da escritura em relação a todos os arrendamentos destinados ao comércio ou indústria, para ela a questão permanece em toda a sua complexidade, e nesses termos tem de ser apreciada.
Como já dissemos, a possibilidade de suprir a forma escrita, imputando-se a falta de título a um dos sujeitos, surgiu em 1924 (lei n.º 1:662), num momento em que ainda não se exigia escritura pública para os arrendamentos comerciais ou de locais destinados ao comércio ou indústria. Essa exigência só aparece em 1929 (decreto n.º 17:331). Tratava-se, portanto, de um prin-

5 Cf., por todos, Ennecoerus, Tratado (§ 169.º, IV, n.ºs 1 a 7).
6 § único do artigo 65.º: «Se for celebrado por título particular um arrendamento que devia constar de escritura pública, far-se-á a redução ao tempo necessário correspondente aos arrendamentos para que & suficiente o título particular, salvo se for manifesto que o contrato se fez em razoo do prazo nele estipulado».
7 § único do artigo 1601.º: «O usufrutuário por tempo limitado não pode fazer arrendamento por tempo que exceda o do seu usufruto; porém, se o fizer, não ficará de todo nulo o arrendamento, mas só pelo que toca ao tempo que exceder à duração do usufruto».

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cípio que originàriamente surgira para evitar fraudes quanto aos arrendamentos que deviam constar de título particular, e só mais tarde se pôs o problema da sua aplicabilidade aos arrendamentos que obrigatoriamente deviam constar de escritura pública. Admitido agora o contrato verbal, fica a questão limitada aos arrendamentos para que se exige escritura pública, que não foram os originariamente previstos pela lei n.º 1:662.
Algumas considerações acima feitas conduzem à solução pretendida pelo autor do projecto, embora relativa apenas aos arrendamentos de locais onde já se exerce o comércio. As fraudes que se pretenderam evitar com a lei n.º 1:662 não são de presumir, como se disse, nos casos em que se exige escritura pública, porque o arrendamento comercial é, para ambos os lados, um negócio em que as partes podem livremente defender os seus interesses e impor condições.
Ao lado desta consideração há uma outra que não se deve afastar. A escritura pública é, neste caso, como sempre, exigida por motivos de interesse e ordem pública, embora se vise directamente a protecção dos sujeitos do acto jurídico, e concebe-se mal que se afastem as disposições imperativas da lei, com o fundamento na simples culpa de um dos interessados8.
É de parecer, portanto, a Câmara Corporativa que, não obstante a exigência de escritura pública para todos os arrendamentos comerciais e industriais, e não sómente para os arrendamentos dos locais onde já existe comércio ou indústria, se deve considerar inválido o contrato quando não obedeça a esse requisito. Observa-se, porém, que, não obstante a forma com que se procura arrumar a questão - declaração de inexistência -, ela é susceptível de continuar. Poderá sempre dizer-se que o contrato inexiste ou é nulo quando a forma não possa suprir-se em atenção à culpa de uma das partes. Sugere-se, pois, uma disposição especial que revogue o artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, o que é preferível à adopção de uma doutrina de resultados incertos. Poderia desta maneira evitar-se uma expressão equívoca como é a da inexistência, que pode trazer embaraços à aplicação dos princípios da redução ou conversão do acto, ou até à simples ratificação por parte de interessados não intervenientes.

5. Arrendamentos de pequeno valor. - Dispõe o § 2.º do artigo 1.º do projecto que "continuam em vigor as disposições referentes aos arrendamentos de pequeno valor, quando os contraentes queiram outorgar contrato escrito".
O decreto n.º 5:41/1, de 17 de Abril de 1919, estabelecia nos artigos 47.º, § único, 48.º e § 1.º, 50.º e §§ 1.º a 3.º, e 51.º algumas isenções quanto a selo e emolumentos notariais, se o prazo de arrendamento fosse inferior a seis meses e a renda não atingisse as importâncias neles designadas9.
Dada naturalmente a exiguidade das importâncias previstas como renda, estas isenções foram esquecidas, quer nas várias tabelas do imposto do selo que têm sido aprovadas desde 192110, quer no próprio regulamento do imposto do selo, aprovado pelo decreto n.º 12:700, de 20 de Novembro de 1926. Em vigor encontra-se, pois, sómente o artigo 51.º do decreto n.º 5:411, relativo aos emolumentos devidos aos notários pela abertura do sinal para o reconhecimento de assinatura nos contratos referidos nos §§ 1.º e 2.º do citado decreto n.º 5:411, conforme o n.º 23 da tabela de emolumentos.
Nestas condições, é de opinião a Câmara Corporativa de que o § 2.º do artigo 1.º do projecto deve ser eliminado, por não interessar em relação a certos princípios e ser equívoco em relação a outros.
Não interessa quanto aos emolumentos notariais, porque nunca se poderá considerar revogado o artigo 51.º do decreto n.º 5:411, confirmado pela tabela dos emolumentos notariais. É equívoco quanto às isenções fiscais, porque pode parecer que se pretende pôr em vigor disposições revogadas, o que importaria diminuição de receitas para o Estado. Acresce a tudo isto que não se fazem hoje praticamente contratos de rendas tão diminutas como ás previstas naquele decreto.

6. Participação à secção de finanças. - O § 3.º do artigo 1.º do projecto visa a salvaguarda dos interesses fiscais do Estado, que poderiam ser atingidos com a oralidade dos arrendamentos. Hoje, em face dos artigos 46.º do decreto n.º 5:411 e 16.º e 92.º da tabela do imposto do selo, fazem-se dos contratos de arrendamento, por título particular, feres exemplares, um dos quais é remetido à secção de finanças. E este exemplar que está obrigado ao selo do papel e ao selo do contrato.
Como a falta de título escrito não isenta o arrendamento do imposto do selo (regulamento, artigo 196.º, § único), e como é de prever uma maior generalização dos contratos verbais, estabelece-se no § 3.º um meio fácil de obter a liquidação desse imposto. O processo proposto é simples e prático e é semelhante ao que as leis estabeleciam para o pagamento da taxa proporcional à renda, abolida pelo § 1.º do artigo 42.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928. Essa taxa, que devia ser paga anualmente com a contribuição predial,

8 No projecto Pinto Loureiro admite-se, não obstante a falta de escritura, que qualquer dos interessados invoque o arrendamento em juízo se puder demonstrar que essa falta é unicamente imputável à parte contrária (§ único do artigo 96.º). Trata-se da doutrina sugerida pelo Prof. Dr. Alberto dos Reis e que se não continha no projecto primitivo.
9 Artigo 47.º................................................................
§ único. Os arrendamentos por menos de seis meses cuja renda corresponda mensalmente a menos de 20$ em Lisboa e Porto, a menos de 10$ nas restantes capitais de distrito e a menos de 5$ no resto do Pais não precisam de ser escritos em papel selado.
Art. 48.º Os arrendamentos inferiores a seis meses cuja renda mensal corresponda a menos de 10$ em Lisboa e Porto, a menos de 5$ nas outras capitais de distrito e a menos de 2$50 no resto do País não estão sujeitos nem a selo do contrato nem a selo do arrendamento.
§ 1.º Nos arrendamentos por menos de seis meses cuja renda mensal seja superior as quantias mencionadas neste artigo, mas inferior a 20$ em Lisboa e Porto, a 10$ nas outras capitais de distrito e a 5$ no resto do País, os selos de contrato e de arrendamento serão metade dos exigidos pela legislação em vigor.

Artigo 50.º No reconhecimento dos arrendamentos observur-"e-á o seguinte:

§ 1.º Nos arrendamentos por menos de seis meses cuja renda mensal seja inferior a 10$ em Lisboa e Porto, & 5$ nas outras capitais de distrito e a 2 $50 no resto do País o reconhecimento não está sujeito a selo e o emolumento será de $02.

§ 2.º Nos arrendamentos por menos de seis meses cuja renda mensal seja superior às quantias designadas no numero antecedente, mas que não exceda o dobro dessas quantias, os selos de reconhecimento e emolumentos serão os correspondentes a metade dos exigidos na legislação em vigor.

§ 8.º Nos arrendamentos por seis meses ou mais ou em que a renda mensal seja inferior às quantias mencionadas no mesmo número antecedente os selos de reconhecimento e os emolumentos serão os que a legislação em vigor exigir.

Art. 51.º Os notários que abrirem sinal para efectuar o reconhecimento de qualquer signatário do contrato de arrendamento, nos casos previstos nos §§ 1.º e 2.º do artigo antecedente, não podem levar emolumento algum por este serviço e a abertura será sem "elo.

10 Decretos n.º" 7:772, de 8 de Novembro de 1921, 10:089, de 26 de Agosto de 1924, 16:804, de 28 de Dezembro de 1928, e 21:916, de 28 de Novembro de 1932.

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por meio de selo de verba, seria lançada na declaração, em duplicado, que os senhorios deveriam apresentar na secção de finanças até oito dias depois da data em que tivesse sido feito o contrato (regulamento, artigo 69.º, § único). Pelo projecto, mais simplificadamente, sujeitam-se os locadores, quanto à participação, às mesmas obrigações a que estão sujeitos quanto aos duplicados do título escrito.
Entende a Câmara Corporativa que o preceito deve aprovado, embora com nova redacção.

7. Alterações ao contrato. - Estabelecem-se dois princípios no § 4.º do artigo 1.º do projecto. Na sua primeira parte declara-se que, "sendo o contrato reduzido a escrito, nenhuma modificação do mesmo terá eficiência quando não seja feita por documento de igual força" e, na segunda, que "serão inaplicáveis a esses arrendamentos os §§ 6.º e 8.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924".
Quase se pode considerar desnecessária aquela primeira parte, se se aceitar a redacção sugerida pela Câmara Corporativa para o artigo 1.º Não sendo permitida a celebração verbal do contrato senão para este vigorar nos termos precisos da lei, passa a ser de toda a evidência que o arrendamento escrito não pode ser modificado senão por documento de igual força, sob pena de se admitirem (o que seria inexplicável) alterações verbais a um contrato escrito quando não seriam permitidas em relação a um contrato verbal. Está suficientemente vincado naquele artigo l.º o princípio de que em matéria de arrendamentos só valem a lei e os documentos escritos, salvo pelo que respeita à existência do contrato.
Mas, se não é absolutamente necessário, não é, todavia, inteiramente inútil fazer uma reafirmação da doutrina. Os documentos escritos podem, por um lado, revestir diversas modalidades de valor probatório diferente, e, rigorosamente, o artigo 1.º só afasta as estipulações verbais; e, depois, não obstante o princípio da identidade, ou da correspondência do contrarius actus, expresso no projecto, ser adoptado pelos autores, já o Supremo Tribunal de Justiça admitiu que pudessem ser provadas por testemunhas alterações ao arrendamento escrito 11. Evitar-se-ão, com o parágrafo, julgados desta natureza.
A segunda parte deste parágrafo contém matéria que parece estar evidentemente deslocada, e a referência ao § 6.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662 é equívoca.
Nesta disposição contêm-se duas afirmações: uma a admitir a acção de despejo imediato, com fundamento na sublocação não autorizada ou de renda superior à permitida no § 2.º do artigo 7.º, e outra a prescrever um prazo de caducidade para a propositura dessa acção 12.
Não poderá estar no ânimo do autor do projecto atingir de alguma maneira o primeiro princípio, mas a verdade é que o § 4.º, tal como está redigido, pode induzir em erro. Deve ter-se em vista somente, do § 6.º do artigo 5.º citado, a sua segunda parte, a que contém doutrina paralela à do § 8.º do mesmo artigo 13.
Deve dizer-se desde já que a Câmara Corporativa é de opinião que os prazos de caducidade referidos nesses dois parágrafos devem ser abolidos em qualquer hipótese, por motivos que adiante se expõem, e, sendo assim, está prejudicada a distinção, proposta no projecto, entre arrendamentos escritos e arrendamentos verbais. Mas, mesmo que se aceite esta distinção, nunca este princípio de caducidade deve ser formulado num artigo que diz respeito à forma do contrato, devendo antes inserir-se entre as disposições que enumeram os fundamentos para o despejo imediato, como acontece actualmente na lei n.º 1:662.
Ter-se-á portanto de voltar adiante a este tema; por agora poder-se-á, porém, dizer por que motivos a Câmara Corporativa não concorda com essa distinção, sem se curar de saber, para já, se devem ou não em princípio ser abolidos os prazos de caducidade.
A doutrina do projecto é esta: se o arrendamento foi reduzido a escrito, o senhorio pode intentar em qualquer tempo a acção de despejo com fundamento na sublocação ilegal ou com o fundamento de que foi dado ao prédio destino diferente do convencionado; se u arrendamento foi feito verbalmente, a acção de despejo caduca dentro do prazo de seis meses a contar do momento em que o senhorio teve conhecimento da sublocação ou do novo destino.
Porque será isto assim? A razão que inspirou o autor do projecto não pode deixar de ser esta: se o arrendamento foi reduzido a escrito, só por escrito se pode dar consentimento, não sendo, pois, de admitir um assentimento tácito pelo decurso do tempo. Se o arrendamento é verbal, já pode supor-se um assentimento tácito, a que se atribui relevância. Por isso se relacionou esta matéria com o princípio da identidade formulado na primeira parte do parágrafo. Sendo o contrato escrito, só por escrito se pode alterar ou completar; sendo oral, já oral ou tacitamente se poderão introduzir alterações no seu regime.
Tendo a Câmara Corporativa sugerido que não se atribuam ao contrato verbal de arrendamento outros efeitos que não sejam os prescritos supletivamente na lei, não pode nunca considerar-se, uma vez aceite este pressuposto, autorizada a sublocação em consequência do contrato. Há sempre, pois, que obter um consentimento escrito. Ora, logo se vê por que motivo a Câmara Corporativa, pelo menos quanto à sublocação, não pode admitir aquela distinção. Sendo em qualquer caso exigido o consentimento escrito, não deve em qualquer caso também admitir-se o consentimento tácito, ou então deve admitir-se essa forma de consentimento em relação aos dois. Distinções é que não são justificáveis.
Por outro lado ainda, não parece de muito rigor atribuir apenas a um hipotético consentimento tácito o fundamento da caducidade prescrito nos §§ 6.º e 8.º citados. Sem se discutir o problema, o que desvirtuaria o sentido deste parecer, sempre se dirá que a caducidade do direito de intentar acções se funda sobretudo numa outra razão: a de evitar que se prolonguem no tempo situações incertas, a que a actuação de um interessado possa trazer modificações prejudiciais a terceiros. Este é um princípio permanentemente latente no nosso direito em todos os domínios em que estão em perigo meros interesses privados, e até, em certos casos, interesses públicos. E o princípio que, de uma maneira geral, inspira os institutos da caducidade e da prescrição e que conduziu o legislador, a cada passo, a legalizar aquelas situações que teimosamente se afastam da legalidade.
Não vê, nestes termos, a Câmara Corporativa vantagem na distinção proposta e reserva-se para mais adiante, ao estudar o problema do despejo, justificar

11 Acordão de 6 de Dezembro de 1938 na Colecção Oficial n.º 37, p. 457.
12 § 6.º Poderão igualmente ser intentadas e prosseguir as acções e execuções de sentença de despejo com fundamento aos §§ 1.º e 2.º do artigo 7.º, considerando-se todavia supridas as respectivas formalidades nas sublocações em que se mostre que o senhorio teve conhecimento das respectivas infracções seis meses antes da propositura da acção.
13 § 8.º O direito de o senhorio intentar acção de despejo pelos fundamentos mencionados no parágrafo interior (aplicação do prédio a fim diferente) prescreve no fim de seis meses, contados a data em que o senhorio tiver, por qualquer meio, notícia da transgressão.

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a sua opinião de que devem, em qualquer caso ser abolidos os prazos de caducidade dos §§ 6.º e 8.º referidos.

8. Consentimento dos comproprietários. - Prescreve o artigo 5.º do decreto n.º 5:411 que o comproprietário do prédio indiviso não pode dá-lo de arrendamento sem consentimento dos outros proprietários. E a doutrina que já se encontrava formulada no artigo 1598.º do Código Civil. Embora, pois, cada consorte tenha, em princípio, o uso e a administração da coisa (Código Civil, artigo 3179.º e n.º 1.º do artigo 1270.º), é-lhe coarctado o direito de arrendar o prédio indiviso.
Mais do que na vigência do Código, há motivos hoje para manter essa incapacidade ou inabilidade. Trata-se de um acto que, embora no rigor dos princípios caiba no conceito de acto de administração, traz consigo consequências graves, quer pela renovação do contrato, que pode verificar-se contra a vontade, do senhorio, quer pela impossibilidade que gera para todos os consortes de exercerem o direito de uso que a lei igualmente lhes confere durante o prazo do arrendamento.
É, assim, uma solução que se impõe, mas que pode acarretar consequências graves, estando os nossos tribunais cheios de casos de injustiças flagrantes. Não se referem apenas as possíveis fraudes ou expedientes dos senhorios, destinados a evitar a aplicação dos princípios legais que disciplinam o contrato, quando haja um condomínio, fazendo intervir intencionalmente no arrendamento apenas um ou alguns dos consortes; referem-se também aqueles casos em que os comproprietários que não autorizaram o contrato estão durante muito tempo a perceber as suas quotas nas rendas, para depois aparecerem a pedir a anulação do acto com o fundamento na falta de autorização.
É por isso feliz a doutrina do artigo 2.º do projecto, que corresponde, de resto, a uma tendência já marcada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, considerando autorizado o contrato desde que os não intervenientes manifestem por qualquer modo o seu acordo ao arrendamento.
É de fazer, porém, uma modificação no texto. A referência especial ao recebimento de uma quota-parte das rendas é perigosa, porque em alguns casos esse recebimento não tem o significado que sempre lhe ficaria a ser atribuído. E que pode acontecer que o comproprietário receba rendimentos em globo, entregues pelo consorte administrador, sem conhecer especificadamente a sua origem e sem saber, portanto, que foi celebrado um contrato de arrendamento de certo prédio. E por isso mais conveniente não fazer referência em especial a esse facto, tanto mais que ele está indiscutivelmente contido na generalidade da condição exigida em último lugar - manifestar o consorte por qualquer modo a sua adesão ao arrendamento.
Mas qual a amplitude deste preceito?
Não há dúvida que se aplica aos arrendamentos verbais. Mas, quanto aos constantes de documento particular, podem já começar as hesitações desde que se proclama no projecto que não é permitida nenhuma alteração no contrato escrito que não seja feita por documento de igual força. É de notar que, em face da lei vigente, a grande dificuldade que a doutrina tem encontrado para admitir precisamente a solução proposta é a de a lei exigir um documento escrito, incompatível com manifestações tácitas de consentimento, e pode julgar-se que este artigo 2.º do projecto contém apenas uma aplicação ou prolongamento da doutrina do artigo 1.º (admissibilidade de arrendamentos verbais), devendo, portanto, deixar de se aplicar se o arrendamento tiver sido reduzido a escrito.
Não é esta, evidentemente, a boa doutrina. Sendo o contrato nulo por falta de intervenção de todos os consortes, não há que aplicar o § 4.º do artigo 1.º do projecto; há que considerar o arrendamento como se não existisse escrito nenhum, e portanto susceptível de um arrendamento tácito. Mas isto é o que parece dever ser, o que não quer dizer que a lei o não deva declarar expressamente.
É mais grave a questão quando o arrendamento conste de escritura pública. Se os contraentes celebraram por esta forma o acto voluntariamente, isto é, nos casos em que a escritura não é obrigatória, impõe-se doutrina idêntica. Os motivos são ainda os mesmos. Mas quando a escritura é obrigatória?
Numa solução rigorosamente jurídica o assentimento de um consorte, posterior ao contrato, dado tacitamente, ou mesmo expressamente, deve considerar-se irrelevante se não constar de documento de igual força. É que, destinando-se a escritura a assegurar e a autenticar o consentimento, deve ser exigida em relação a todos os consortes, e não apenas em relação a um ou alguns 14.
Este rigor deve, porém, ceder num caso: no dos arrendamentos sujeitos a registo. Assim como, pelo princípio da redução dos negócios jurídicos, quando não existe escritura, se entende que o contrato é válido, ficando apenas sujeito ao prazo de seis meses, também deve dar-se a mesma relevância ao assentimento do consorte. O contrato será válido, mas não pode considerar-se senão como eficaz, em princípio, dentro do mesmo prazo de seis meses.
Em harmonia com esta sugestão se redige o artigo 5.º do texto adiante apresentado.

CAPITULO II

Caducidade do arrendamento

9. Arrendamentos feitos pelo usufrutuário. - A publicação da lei n.º 1:662 veio suscitar, quanto aos arrendamentos feitos pelos usufrutuários durante a pendência do usufruto, uma questão. O artigo 5.º desse diploma não permite que sejam intentadas acções de despejo de prédios urbanos, seja qual for o seu destino ou aplicação, salvo as excepções previstas nesse mesmo artigo. Ora, em nenhum dos seus parágrafos se prevê como fundamento da acção o termo do usufruto. Ter-se-ia pretendido revogar o artigo 9.º do decreto n.º 5:411 e o artigo 2197.º do Código Civil? 15. A doutrina mostra-se hesitante, mas os tribunais têm decidido no sentido negativo, distinguindo entre as acções de despejo propriamente ditas e as acções tendentes a obter a caducidade do arrendamento. Só às primeiras se refere a lei n.º 1:662, pelo que se mantêm os princípios de caducidade previstos em leis anteriores. É esta a solução adoptada no artigo 3.º do projecto. Terminado o usufruto, portanto, o arrendamento caduca e o proprietário pode reivindicar o prédio.
É esta, num ponto de vista jurídico e lógico, a melhor doutrina. A figura do usufruto é ainda, no nosso direito, não obstante se afastar já muito da sua tradição romanista de mera pensão alimentar, a de um jus in re aliena. O usufrutuário não goza senão temporariamente do uso e da fruição da coisa. Pode, nestas condições, arrendar o prédio, percebendo os respectivos

14 No projecto Pinto Loureiro expressamente se diz, em relação aos comproprietários, que a manifestação do consentimento há-de revestir a forma exigida para a celebração do contrato (artigo 8.º, § único).
13 Artigo 9.º do decreto n.º 5:413: "Os administradores dos bens dotais e os usufrutuários ou fideicomissários não podem dar de arrendamento, por tempo que exceda a sua administração, usufruto ou fideicomisso".

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frutos civis; mas o que não se concebe é que possa, sem se lhe atribuir também o abusus, que modificaria estruturalmente tal figura jurídica, constituir sobre a coisa encargos, ónus ou simples direitos que ultrapassem no tempo os limites daquelas faculdades. Não está, neste caso, preponderantemente em causa o regime do arrendamento, mas o próprio usufruto, que é preciso guardar na sua pureza para que possa continuar a desempenhar a função social a que se destina.
O texto do artigo 3.º do projecto não resolve, porém, algumas dúvidas que têm sido levadas aos tribunais e que convém esclarecer.

Uma diz respeito à forma do processo judicial a empregar.
A questão tem sido largamente debatida na doutrina e na jurisprudência, e, antes do actual Código de Processo Civil, chegou a ser proferido assento pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de ser competente a forma de processo comum (assento de 23 de Julho de 1929).
No § 1.º do artigo 977.º do Código de Processo Civil d e 1939 dispôs-se o seguinte: «O processo estabelecido neste artigo (processo especial de despejo imediato) é aplicável a todos os casos em que se pretenda fazer cessar imediatamente o arrendamento, seja qual for o motivo». E na prática tem dominado a opinião, logo sustentada pelo Prof. Alberto dos Reis no seu Código de Processo Civil Explicado, a p. 602, de que este novo preceito se teria proposto resolver a velha questão, agora no sentido da aplicabilidade do processo especial de despejo.
A verdade é, porém, que já depois disso se pronunciaram outros jurisconsultos em sentido diferente: observou-se, não sem razão, que o § 1.º do artigo 977.º do Código de Processo, sendo aplicável a todos os casos em que se pretenda fazer cessar imediatamente o arrendamento, abrange decerto todas as hipóteses em que se pede a rescisão do contrato, mas não as hipóteses de caducidade. É que, nestas, o que se pretende é, não fazer cessar o arrendamento, mas sim que o tribunal declare que ele cessou. Como diz, por exemplo, o Prof. Dr. Galvão Teles nas suas lições sobre Arrendamento de 1944-1945, Fazer cessar e declarar que cessou são realidades inteiramente distintas: além a sentença é constitutiva, aqui meramente declarativa (ou de condenação); além põe-se termo à relação jurídica, aqui certifica-se que a relação jurídica findou, morreu». E outras razões se têm citado a abonar a doutrina de que ainda hoje a forma própria seria o processo comum de declaração.
Nestas circunstâncias, impõe-se, sem dúvida, definir legislativamente qual o processo a aplicar.
O artigo 3.º do projecto, ao referir que o proprietário cio prédio pode «pedir o despejo com base na caducidade do arrendamento», parece querer resolver a questão no sentido da aplicabilidade do processo especial (doutrina já aliás defendida pelo autor do projecto na Revista dos Tribunais, ano 57.º, p. 290). Mas a expressão empregada presta-se ainda a dúvidas: como a palavra «despejo» é susceptível de vários entendimentos, poderá pretender-se que «pedir o despejo» significa «pedir a providência de desocupação judicial da casa», independentemente de se tomar posição sobre a forma de processo aplicável. E voltar-se-ia a cair na incerteza que tem atormentado a jurisprudência.
Entende a Câmara Corporativa que nos casos de caducidade do arrendamento não há razão para recorrer ao processo comum de declaração. Embora a questão de caducidade seja diferente da questão de rescisão, o processo especial de despejo mostra-se idóneo para o processamento de ambas, e a ambas deve ser, portanto, estendido. Isto é, convém adoptar, em linguagem legal inequívoca, a doutrina defendida de jure condito pelo Prof. Dr. Alberto dos Reis e pelo autor do projecto.
Em rigor devia mandar aplicar-se o processo especial para os casos de despejo imediato (artigo 977.º), e não o processo especial para os casos de despejo no fim do prazo (artigo 970.º). A resolução do arrendamento, mesmo que se conceda um certo tempo ao arrendatário para organizar novo alojamento, aproxima-se mais do despejo imediato do que do despejo diferido.
Mas se se mandar aplicar a disposição do artigo 977.º, o resultado será que o proprietário se verá obrigado por lei a recorrer a acção judicial, quando a todas as luzes se vê que lhe devia ser facultado qualquer dos outros dois meios que, para os casos de despejo diferido, a lei prevê no artigo 970.º: notificação judicial avulsa ou aviso extrajudicial. Com efeito, nos casos de caducidade do arrendamento, não existe normalmente uma prévia situação de conflito entre senhorio e arrendatário, que justifique o recurso sistemático à acção contraditória; e. de outro lado, os factos determinativos da caducidade são nítidos e não abrem complicadas questões de prova, o que torna compreensível a aplicabilidade daqueles outros meios.
Assim, parece que a solução melhor está em prescrever que o proprietário, verificada a caducidade do arrendamento, pode obter o despejo por qualquer dos meios regulados nos artigos 970.º e seguintes, e exprimir claramente que a aplicabilidade destes artigos não tem o alcance de obrigar o proprietário a aguardar o fim do período do arrendamento em curso, para só então conseguir a desocupação da casa. Os meios são os do artigo 970.º e seguintes, mas a sua aplicação será feita, não para fazer cessar o arrendamento no fim do prazo, antes para fazer reconhecer que a cessação já ocorreu ou ocorrerá em data certa, e para obter a efectiva desocupação da casa logo que tenha decorrido o tempo complementar concedido ao ex-inquilino para organizar nova instalação.
Daí, os preceitos do artigo 9.º, maxime do seu n.º 1, segundo a redacção sugerida por esta Câmara.

Outra dúvida diz respeito à caducidade ou não caducidade do arrendamento se o usufruto se extinguir por confusão entre as posições de usufrutuário e de proprietário. A circunstância de ser neste caso feito o arrendamento pela pessoa que vem a ser investida na propriedade do prédio e a analogia com o que se dispõe no § único do artigo 1555.º do Código Civil podem conduzir a uma solução que tem sido já sancionada pela jurisprudência: a de não considerar caduco o arrendamento pela verificação do facto que deveria extinguir o usufruto se não estivesse já extinto por confusão. Quer dizer: o titular do usufruto e senhorio, por passar, em certo momento, a ser também proprietário, ficaria sujeito para sempre à renovação imposta pelo arrendatário.
Não parece ser esta a solução mais aceitável. Tem, ou pode ter, todos os inconvenientes que normalmente resultam da aplicação retroactiva de uma lei. O contrato é feito pelo usufrutuário (que ainda não é proprietário) com um certo ânimo, com a ideia em certo regime - neste caso com a convicção da caducidade do arrendamento pelo termo do usufruto -, e essa convicção, muitas vezes determinante do contrato, deve respeitar-se.
Também o problema da renúncia tem sido levado aos tribunais. Agora a questão põe-se inversamente. Enquanto que o usufruto só se extingue normalmente pelo termo do prazo ou pela morte do usufrutuário, a renúncia deste pode atingia a justa expectativa do arrendatário e, mais do que isso, pode transformar-se essa renúncia num processo fraudulento de obter o despejo

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antes do termo normal do usufruto. Por isso, parece de aceitar a doutrina do § único do artigo 9.º do projecto Pinto Loureiro, que preceitua: «A extinção do usufruto ou do fideicomisso em consequência de renúncia do respectivo titular não produz resolução do contrato».
Todas estas questões são atendidas e resolvidas, no sentido indicado, no texto que a Câmara Corporativa adiante sugere.

Em representações da União de Grémios de Lojistas de Lisboa e da Associação dos Inquilinos Lisbonenses foi pedida a atenção da Câmara Corporativa para o facto de os inquilinos de prédios dados de arrendamento por usufrutuários (e bem assim por outros administradores de bens alheios) poderem ignorar que o outro contraente não é proprietário nem seu legítimo representante, o que tornaria o evento da caducidade do contrato particularmente injusto, sobretudo se por facto do arrendatário veio o prédio a beneficiar de mais valia. E aventava-se como solução de melhor equilíbrio a de manter o arrendamento, e só dar ao proprietário o direito de, por meio de nova avaliação do prédio, obter possível actualização da renda.
A circunstância referida é na verdade de ponderar, luas considera esta Câmara que o remédio deve ser outro, que evite situações de injustiça, sem perturbar a pureza dos princípios e das instituições. Deixar subsistir o arrendamento, embora com a possibilidade de aumento de renda, não deixa de ser aberrante vinculação ao proprietário a uma situação, por vezes pesadamente inconveniente, criada por quem para tanto não tinha poderes.
Assim, o que está indicado nos casos apontados é reconhecer a caducidade do arrendamento e atribuir ao inquilino, obrigado a desocupar a casa, justa compensação pela valorização que tenha trazido ao prédio, se desconhecia os factos que davam carácter resolúvel ao arrendamento. Daqui, a providência do n.º 6 do artigo 9.º do texto sugerido por esta Câmara.

10. Arrendamentos feitos por administradores legais de bens alheios e por fiduciários. - A aplicação da doutrina prescrita para os usufrutuários aos arrendamentos feitos por entidades que têm a mera administração de bens alheios (§ 2.º do artigo 3.º do projecto) harmoniza-se com as considerações que foram feitas. A posição de um administrador não difere, no aspecto que interessa, da do usufrutuário. É certo que o administrador não percebe os rendimentos em proveito próprio, pois age em nome e por conta do proprietário, o que não acontece com o usufrutuário, que age em seu próprio nome e por conta própria. E, porém, de atender à natureza muito especial que o arrendamento reveste desde 1919. Só formalmente se pode continuar a afirmar que se trata de um acto do mera administração, atribuindo-se-lhe a plenitude dos seus efeitos actuais, porque a realidade, dada a renovação imposta ao senhorio, é muito diferente, e é sobre a realidade que o legislador tem de assentar as suas soluções, se não quiser, perigosamente, desvirtuar o sentido de outros institutos.
Já pelo regime do Código Civil, em vigor por força do artigo 11.º do decreto n.º 5:411, se não permite ao tutor arrendar os imóveis dos menores ou interditos por tempo superior a três anos (artigos 243.º, n.º 6.º, e 264.º) nem ao conselho de família autorizá-los por prazo que exceda a época da maioridade (artigo 224.º, n.º 14.º), e a este limite de prazo estão também sujeitos os pais administradores dos bens dos filhos menores (artigo 226.º). Trata-se, portanto, agora de adaptar estas soluções e os principies que as informam ao regime de renovação actualmente imposto aos senhorios e generalizá-las a todos os casos de administração de bens alheios, interpretando, ao mesmo tempo, restritivamente, a disposição ao artigo 5.º da lei n.º 1:662, que para muitos autores tinham revogado aquele artigo 11.º do decreto n.º 5:411.
Devem, no entanto, fazer-se algumas objecções ao § 2.º do artigo 3.º do projecto. Este artigo correspondi, no decreto n.º 5:411, aos artigos 9.º, 10.º e 11.º, atrás referidos. Não pode deixar de se entender, portanto, que estes artigos ficam revogados, se é que o não estavam já pelo artigo 5.º da lei n.º 1:662. Isto quer dizer que, enquanto se protegem agora os interesses dos proprietários, havendo um usufruto ou uma administração, não se protegem os direitos do fideicomissário em relação aos poderes do fiduciário, como eram protegidos por aquele decreto.
É de reconhecer que, em matéria de fideicomissos, a situação é muito diferente, porque o fiduciário é proprietário dos bens fideicomitidos e, portanto, administrador de coisa própria. Mas há, mais uma vez, que procurar soluções que não contrariem a estrutura de outros institutos, e deixar-se-ia de respeitar a vontade testamentária se ao fiduciário fosse permitido criar encargos futuros sobre os bens. E que não se transmitiriam, afinal, ao fideicomissário os bens recebidos, mas alguma coisa diferente; em vez de um prédio, ele receberia uma renda, alterando-se a vontade do próprio testador.
Por outro lado, a referência que se faz genericamente o os administradores de bens alheios não está certa nem deve corresponder exactamente ao pensamento do autor do projecto. Não se trata de todos os administradores de bens alheios, mas sómente dos administradores legais, porque os outros, agindo por vontade do proprietário, e em nome e por conta deste, devem sujeitá-lo a todas as consequências do mandato. É preciso também não deixar aberta uma porta à possibilidade de se afastarem as disposições proteccionistas do direito de habitação, fazendo-se outorgar o contrato por um procurador com meros poderes de administração.
Entende, por isso, a Câmara Corporativa que nesse § 2.º deve prever-se também o arrendamento feito por um fiduciário e fazer-se referência expressa aos administradores legais de bens alheios.

11. Arrendamentos feitos pelo administrador dos bens do casal. - Mas este parágrafo suscita uma outra objecção. Deve ou não considerar-se revogado, em alguma medida, o artigo 10.º do decreto n.º 5:411, que preceitua: a O cônjuge administrador dos bens do casal pode, sem outorga do outro cônjuge, dar ou tomar bens de arrendamento quando este não seja sujeito a registo»? Este artigo, portanto, salvo pelo que respeita aos arrendamentos sujeitos a registo, permite ao cônjuge administrador dos bens do casal dar prédios de arrendamento sem outorga do outro. O princípio mantém-se, sem dúvida, mas, como se trata de hipótese que parece caber na generalidade do § 2.º do artigo 3.º do projecto, teríamos que os arrendamentos feitos pelo marido de bens da mulher, ou pela mulher administradora de bens do marido, sem outorga ou consentimento, caducariam sempre que a administração cessasse ou passasse para o outro cônjuge.
Imagine-se um caso limite: o marido administrador dá de arrendamento um prédio da mulher; em seguida ausenta-se e a administração passa para esta. Em consequência desse facto parece que o arrendamento deve caducar. Se é essa a intenção do autor do projecto, o que não é de supor, a Câmara Corporativa manifesta o seu desacordo. Estaria, por um lado, descoberta a maneira de fraudar a lei em relação aos prédios do pessoas casadas, facultando-se, inclusivamente, despejos antes

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de findo o prazo do arrendamento, enquanto, por outro lado, se esquecia a natureza muito especial da administração do património dos cônjuges.
Entende a Câmara Corporativa que essa natureza justifica um desvio u doutrino do § 2.º, mantendo-se o estado jurídico actual e reconhecendo-se, por consequência, os arrendamentos mesmo para além do termo definitivo da administração de um dos cônjuges, pela dissolução do casamento ou separação. O arrendamento feito, pois, pelo cônjuge administrador deve corresponder, para todos os efeitos legais, ao arrendamento feito pelo próprio proprietário. Assim o impõe a necessária unidade familiar.

12. Arrendamentos da bens dotais.-O problema dos bens dotais, referido pelo artigo 9.º do decreto n.º 5:411, também está omisso no projecto e carece de ser resolvido. O facto de o prédio arrendado ser dotal traz aspectos novos à questão. É que, mesmo quando feito o arrendamento pelo marido com outorga da mulher, ou até pela mulher com consentimento do marido, ou só, quando administradora, pode duvidar-se, dado o regime particular deste contrato e a disposição do artigo 1156.º do Código Civil 16, se o arrendamento deve ou não caducar. Não é, portanto, a circunstância de ser feito o arrendamento pelo marido sem outorga da mulher que interessa a este caso; é o facto de os bens serem dotais, e impor aquele artigo que, dissolvido o matrimónio ou havendo separação, seja o dote restituído livre de quaisquer encargos ou ónus reais.
Julga a Câmara Corporativa que é preferível neste caso manter a doutrina vigente, ou seja a da caducidade. Este artigo 1156.º, pela sua letra, apenas se reportará aos arrendamentos sujeitos a registo, únicos considerados ónus reais, mas está já no espírito do artigo 9.º do decreto n.º 5:411 a ideia da caducidade do vínculo contratual em qualquer hipótese. As razões em que a Câmara Corporativa se funda são ainda as já invocadas na análise de outros problemas. 32 que não deve o regime do contrato de arrendamento afectar a índole e o fundamento de outros institutos ou de outros negócios jurídicos, e afectar-se-iam, sem dúvida, a razão de ser do próprio regime dotal e as suas finalidades se fosse dado ao marido onerar, passe o termo, com arrendamentos perpétuos os bens dotais da mulher.

13. Momento em que caduca o arrendamento. - O momento da caducidade dos arrendamentos acima referidos é, segundo o projecto, o do termo do usufruto ou da administração, e nesta orientação se declarou no § 1.º do artigo 3.º que, se o proprietário receber alguma renda e passar recibo, pez de o direito de obter a declaração judicial de caducidade.
Não considera a Câmara Corporativa conveniente esta última solução. Reconhece que há um certo rigor lógico no princípio. Desde que é admitido o contrato de arrendamento sem forma escrita e desde que são admitidas manifestações tácitas de vontade, parece dever considerar-se formado um novo vínculo obrigacional pela simples oferta de renda e sua aceitação. Mesmo no regime actual, e não obstante a exigência de documento escrito, esta doutrina já tem tido defensores, sobretudo no caso de se poder provar que cabe a culpa ao proprietário de se não ter reduzido a escrito um novo arrendamento.
Parece, porém, que à lógica jurídica não corresponde, neste caso, conveniência prática. Os embaraços daquele princípio podem ser graves, quer para o senhorio, quer para o arrendatário. Para aquele, porque se vê compelido a não aceitar as rendas e até perdê-las por completo (a redacção do projecto não é muito clara a este respeito), pelo menos enquanto não obtiver a citação ou notificação do arrendatário. Para este, porque, se, por um lado, pode ter o prémio de habitar a casa gratuitamente durante algum tempo, se vê necessariamente constrangido a um despejo rápido, por ser impossível ao senhorio conferir-lhe qualquer prazo que não constitua um novo contrato de arrendamento, sujeito à sua disciplina apertada e a posterior renovação. É certo que se deixa no projecto uma porta de saída - receber o senhorio as rendas e não passar recibo -, mas é sempre uma porta de saída irregular essa de constranger o arrendatário a entregar dinheiro sem poder exigir a respectiva quitação.
Pensa a Câmara Corporativa que há uma melhor solução para o caso: a de se estabelecer um prazo certo para a caducidade do direito de obter o despejo, permitindo-se ao mesmo tempo ao senhorio receber as respectivas rendas dentro desse prazo, durante o qual pode, sem pressas escusadas e inconvenientes, regularizar-se a situação, quer através de um novo arrendamento, quer pela saída do arrendatário.
No projecto Pinto Loureiro preconiza-se uma outra solução, para evitar certamente esses mesmos inconvenientes que se apontam ao sistema do projecto. Estabelece-se que ase a locação houver sido contratada por tempo não excedente a um ano, cessará no fim do prazo; se houver sido contratada por período superior, cessará logo que finde o ano que estiver a correr à data da extinção" 17. Esta doutrina tanto pode conduzir a uma solução aceitável como a uma solução inconveniente, visto que o ano tanto pode terminar no dia seguinte ao do termo do usufruto ou da administração, como trezentos e sessenta e quatro dias depois. Se o que se pretende é conferir um prazo razoável em que o contrato possa perdurar, sem vinculação do senhorio, o melhor é a lei prescrevê-lo.

CAPITULO III

Transmissão do direito ao arrendamento

4. Incomunicabilidade entre cônjuges. - A afirmação de que o direito ao arrendamento não se comunica ao cônjuge do arrendatário justifica-se. Trata-se de um direito que, embora em rigor seja de índole patrimonial, é constituído muitas vezes intuitu personae e é um direito que se adapta mal ao mecanismo de uma contitu-laridade entre marido e mulher. Podem surgir, e têm efectivamente surgido, embaraços graves de construção a quem, vendo nele um elemento patrimonial comum, procura regular a sua transmissão nos casos de morte de um dos cônjuges ou de divórcio ou separação. É, pois, preferível, por todos os títulos, proclamar a incomunicabilidade desse direito e regular a sua transmissão, por forma a satisfazer os interesses atendíveis dos cônjuges.

15. Cônjuges divorciados ou separados. - Entre os interesses atendíveis dos cônjuges estão, em primeiro lugar, os dos cônjuges divorciados ou separados. E matéria que não foi prevista no projecto, talvez porque o seu autor entendesse que, na impossibilidade de atribuir aos dois o mesmo direito, o devia atribuir ao cônjuge arrendatário, e talvez ainda porque, tratando-se de um desvio das regras normais exigido pelas necessidades de

16 Artigo 1156.º: "Dissolvido o matrimónio ou havendo separação, será o dote restituído à mulher ou a seus herdeiros, com quaisquer outros bens que directamente lhes pertencerem, livres de quaisquer hipotecas ou ónus reais que neles ou nos seus rendimentos tenham sido impostos durante o matrimónio, ficando os bens livres do respectivo ónus dotal só por falecimento de qualquer dos cônjuges".
17 Redacção do Prof. Dr. Alberto dos Reis.

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habitação, não eram de proteger situações anormais como as do divórcio ou separação.
Entende a Câmara Corporativa que não deve ser aceita essa doutrina. Já num ponto de vista familiar é discutível a tese, porque, podendo a separação ou o divórcio ser decretados por culpa tanto do cônjuge arrendatário como do outro, acontecerá em muitos casos que se venha a conceder protecção precisamente àquele dos cônjuges que a não merecia, e sómente pela razão, muitas vezes puramente formal, de ter outorgado no contrato como chefe da família e administrador dos bens.
O que se pretende com estas medidas excepcionais em matéria de arrendamentos é proteger o facto da habitação, e portanto, em princípio, deverá atribuir-se o direito aos dois, e não apenas ao que figura como arrendatário, visto o contrato ser normalmente celebrado em benefício do agregado familiar, e não de um cônjuge apenas. Como, porém, isto é impossível desde que seja decretado o divórcio ou a separação, parece indicado que acima de um critério, muitas vezes puramente ocasional, como é o da outorga do contrato, se atenda efectivamente às necessidades de habitação de cada um dos cônjuges, facultando-se-lhes um acordo, e atribuindo ao juiz, na falta dele, o poder de dirimir o conflito, conferindo a posse da casa a quem melhor direito invoque, baseado na culpa do outro cônjuge, na situação patrimonial de cada um, no interesse dos filhos, etc.
Trata-se, de resto, da resolução de um problema que para o senhorio é, na generalidade dos casos, indiferente, pois, tendo de ocupar um dos cônjuges a posição de arrendatário, pouco ou nada lhe deve interessar que essa posição seja conferida ao marido ou à mulher. O que é essencial é que ele saiba que houve uma transmissão e que de certo momento em diante deixou de ser arrendatário o que outorgou no contrato, por ter transmitido essa situação ao seu cônjuge ou ex-cônjuge. E deve também notar-se que a solução do projecto deixaria quase sempre a mulher desprotegida, por ser normalmente o marido o administrador do património conjugal, e portanto a pessoa indicada para tomar prédios de arrendamento, direito que à mulher nem sequer é facultado.
Em harmonia com estas considerações se propõe adiante o seguinte sistema: requerida a separação ou o divórcio, podem desde logo os cônjuges acordar que o direito ao arrendamento fique pertencendo ao que figura como arrendatário no contrato ou ao outro. Se não chegarem a acordo, o juiz decidirá na sentença, a requerimento de qualquer dos interessados, tendo em atenção a sua situação patrimonial, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa do arrendatário na separação ou no divórcio e o de o arrendamento ser anterior ou posterior à celebração do casamento. Havendo, porém, filhos e devendo a situação destes sei fixada pelo tribunal de menores, deve transmitir-se para este tribunal a competência para decidir, visto um dos principais factores atendíveis ser o interesse dos filhos. Feito o acordo ou proferida a decisão judicial, se o direito ao arrendamento for atribuído ao que figura no contrato como arrendatário, não é preciso levar o acordo ou a decisão ao conhecimento do senhorio. Noutro caso, é necessário notificá-lo, dentro do prazo de trinta dias, para que tome conhecimento da transferência do direito.

16. Arrendamentos para comércio ou indústria. - Regulando-se nos §§ 1.º e 2." do artigo 4.º do projecto os casos de transmissão mortis causa, não se faz alusão aos arrendamentos comerciais ou industriais, que estão hoje, segundo a doutrina corrente, sujeitos à disciplina do artigo 58.º do decreto n.º 5:411: «O arrendamento de estabelecimentos comerciais ou industriais subsistirá, não obstante a morte do senhorio ou do arrendatário e ainda havendo transmissão, salvo o único caso de expropriação por utilidade pública».
Tudo leva a crer que não há o intuito de revogar esse artigo 58.º, tanto mais que no § 2.º acima citado se fala em convivência do arrendatário com as pessoas a quem é atribuído o direito ao arrendamento, e essa convivência só é possível em casas de habitação. Todavia o problema deve ser esclarecido, porque já se dizia o mesmo na dei n.º 1:662, no artigo correspondente, e apesar disso sustentou-se que essa lei tinha revogado o citado artigo 58.º
A manutenção deste artigo impõe-se por todos os títulos. As regras fixadas no artigo 4.º do projecto só são compreensíveis e justas quando se tem em vista a protecção da residência, e portanto quando se visam os arrendamentos de casas destinadas à habitação. Nos arrendamentos para comércio ou indústria o interesse é o de manter o estabelecimento e impõe-se que, assim, este se transmita aos herdeiros, e não às pessoas mencionadas no projecto. A aplicação do artigo 4.º aos arrendamentos comerciais conduziria mesmo a absurdos, como o de o direito ao arrendamento se transmitir para uma pessoa e o estabelecimento para outra. A fixarem-se regras limitativas da transmissão do arrendamento comercial, seria forçoso, pois, adoptarem-se critérios diferentes dos mencionados, admitindo-se, por exemplo, um sistema paralelo ao da lei espanhola de 29 de Dezembro de 1931, que, quanto a casas de habitação, atribui o direito ao respectivo arrendamento às pessoas de família que viviam com o inquilino e, quanto aos estabelecimentos comerciais, aos sócios ou herdeiros de arrendatário. Ainda em favor da manutenção do artigo 58.º pode ser invocada uma outra razão: é que o senhorio não deve beneficiar da mais valia do prédio devida ao trabalho, ao esforço e à iniciativa do arrendatário, razão que levou o legislador a atribuir-lhe em muitos casos direito a uma indemnização quando tenha de o abandonar.

17. Transmissão mortis causa dos arrendamentos para habitação. - Os §§ 1.º e 2.º deste artigo 4.º do projecto interpretam e modificam em alguns pormenores o n.º 3.º do § 1.º do artigo 1.º da lei n.º 1:662, que prescreve a caducidade dos arrendamentos por morte do arrendatário quando a este não sobrevivam cônjuge ou qualquer herdeiro legitimário que com ele estivesse habitando há mais de seis meses.
É de notar que não é muito rigoroso regular o fenómeno da transmissão mortis causa como excepção ao princípio da incomunicabilidade, versando a matéria em parágrafos e, além disso, fazendo acompanhar o primeiro da conjunção «porém». São dois (princípios distintos e que importa portanto separar. As excepções previstas não o são à regra da incomunicabilidade, mas a uma outra regra, que só implicitamente se contém no texto: a da caducidade do arrendamento por morte de arrendatário. Trata-se de um princípio oposto ao do artigo 1.º da lei n.º 1:662; mas, no fundo, as soluções aproximam-se. Enquanto que, segundo este diploma, o arrendamento não caduca por morte do arrendatário, excepto se a este não sobreviver consorte ou qualquer outro herdeiro legitimário, pelo projecto o arrendamento caduca, excepto se ao arrendatário sobrevivem certas pessoas de família. A fórmula é, no fundo, indiferente, mas não deixa de ser mais correcto considerai como regra o contrário dos casos especialmente especificados, e portanto prescrever expressamente uma regra de caducidade.

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Vejamos as excepções admitidas nos parágrafos:
O direito ao arrendamento transmite-se em primeiro lugar ao viúvo (melhor se dirá ao cônjuge viúvo ou ao consorte sobrevivo, para não se dar a impressão de que a viúva não goza do mesmo direito), se à data da morte do arrendatário os dois não estiverem separados de pessoas e bens. Confrontando-se este texto com o da lei n.º 1:662 e com o § 2.º do mesmo artigo 4.º, vê-se que houve o intuito de resolver várias dúvidas que perturbam actualmente o bom entendimento da lei. Discute-se, por exemplo, se o prazo de seis meses de convivência, hoje exigido, se refere apenas aos herdeiros legitimários ou também aos viúvos e se, referindo-se também a estes, se pode aplicar a disposição aos cônjuges casados há menos de seis meses. Desde que no projecto o prazo é exigido apenas no § 2.º, há que concluir que os próprios casados in articulo mortis gozam do direito de transmissão e que nunca é necessário o decurso de seis meses. É a doutrina geralmente adoptada e que parece ser a melhor. Não é, na verdade, a duração da convivência conjugal que justifica a transmissão do arrendamento, mas a situação de cônjuge, e esta nasce no momento da celebração do casamento. Repugna tornar dependentes quaisquer direitos conjugais do decurso do tempo, como se este pudesse imprimir à união uma relevância e uma eficácia novas. O mesmo já não pode dizer-se em relação aos herdeiros legitimários, que não são obrigados a residir com o arrendatário e que só quando residam há um certo tempo mostram ter jus à protecção legal.
Hesitante tem sido também a doutrina no que respeita à separação de facto dos cônjuges. Também sobre este ponto a Câmara Corporativa concorda com a solução do projecto. Concede-se um direito especial, um direito que se apresenta quase como homenagem ao convívio conjugal, para que à morte de um dos cônjuges não se acrescente a esse um outro mal, que é o do abandono da/própria casa. Ora se os cônjuges já estão separados de facto, se o lar já está destruído, não se impõe qualquer desvio à disciplina jurídica normal, e, por consequência, à cessação do arrendamento. Nem o direito à habitação carece de ser protegido quando o cônjuge sobrevivo já não habita o prédio.
O § 2.º contém doutrina nova. A lei n.º 1:662 atribui o direito de transmissão a qualquer herdeiro legitimário que estiver a habitar com o arrendatário há mais de seis meses. O projecto apenas o atribui aos filhos maiores que residam com o primitivo arrendatário no ano anterior à morte. São quatro as modificações ou interpretações que se pretende introduzir. Restringe-se o direito em primeiro lugar quanto às pessoas: enquanto pela lei vigente todos os herdeiros legitimários gozam desse direito, pelo projecto ele é conferido apenas aos filhos. Exige-se em segundo lugar a maioridade do herdeiro. Em terceiro lugar amplia-se o prazo de convivência de seis meses para um ano. Por último admite-se apenas a transmissão do direito do primitivo arrendatário, e não daqueles que já tenham sucedido no arrendamento.
Nem todos estes pontos entende a Câmara Corporativa que devem ser aprovados, embora reconheça a existência de razões para limitar um regime odioso que, segundo certos entendimentos, parece querer transformar o arrendamento, à custa do senhorio, num vínculo perpétuo em benefício da família do arrendatário.
Será, porém, razoável, por exemplo, retirar o direito de transmissão aos filhos menores, aos netos, e aos ascendentes? Veja-se um caso da vida real: morre o arrendatário, com quem conviviam os pais e os filhos menores. O arrendamento caducaria, e, todavia, tudo leva a supor que os netos continuariam a conviver com os avós, seus presuntivos tutores, e estes membros da família merecem, aos olhos do legislador, tanta ou maior protecção do que os filhos maiores. Não se encontram motivos fundados para modificar, neste aspecto, o regime legal existente, sujeitando certas pessoas de família às exigências de um novo arrendamento.
O problema deve ter sido encarado muito unilateralmente. Pode realmente acontecer que, por serem menores os filhos, eles venham a ser entregues a um tutor, e que tudo acabe ou por saírem aqueles da casa ou por vir o tutor beneficiar do arrendamento. Mas é preciso notar que tudo isto é transitório; os filhos atingirão um dia a maioridade, e não está certo que se lhes negue o direito ao arrendamento que teriam se já fossem maiores à data da morte do arrendatário. A situação dos ascendentes é também de atender. Eles muitas vezes quase se enquadram, na vida jurídica, na posição dos filhos, e com a agravante de não poderem já atingir uma nova maioridade.
Bem fundada é a doutrina, afirmada pelo projecto, de não se admitir senão uma transmissão. Como se disse acima, não pode aceitar-se a solução de criar à volta do arrendamento, e à custa alheia, uma verdadeira instituição vincular. Por isso, e até por mais fortes razões, parece que entre cônjuges também deve poder verificar-se apenas uma transmissão do direito ao arrendamento, para que o segundo cônjuge de um indivíduo casado em segundas núpcias não possa beneficiar de um direito adquirido pelo primeiro cônjuge.
Há, no entanto, uma modificação que a situação particular da mulher casada impõe quanto à transmissão para herdeiros legitimários. O marido é normalmente o administrador dos bens do casal. Nessa qualidade é ele que outorga os contratos de arrendamento. Só a mulher, portanto, não sendo arrendatária nem tendo comunhão no arrendamento, morre, continua o marido titular do direito, e este, como primitivo arrendatário pode, por sua morte, transmiti-lo aos descendentes ou ascendentes. Se morre, porém, o marido, verifica-se desde logo uma transmissão para a mulher, e já não pode, por morte desta, verificar-se outra. Não é justo este resultado. Importa, neste caso, permitir uma segunda transmissão.
A ampliação do prazo de seis meses para um ano está de harmonia com a economia do artigo e com a sua índole restritiva do regime vigente. É preciso, por outro lado, evitar fraudes muito fáceis com o curto prazo fixado na lei actual.
Este § 2.º termina pela afirmação de que é aplicável a testa hipótese* o § 1.º do artigo 3.º Há um evidente lapso. Esta hipótese não pode ser senão a prevista no mesmo parágrafo, e nessa - a da transmissão do direito ao arrendamento - não pode admitir-se um novo arrendamento tacitamente constituído pelo recebimento de rendas, porque se mantém o antigo. Não é, portanto, essa a hipótese que se pretende prever, mas precisamente a outra - a de o arrendamento se não transmitir. Neste outro caso está certo que se aplique a doutrina do § 1.º do artigo 3.º ou o artigo 9.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa, que lhe corresponde, e isto pelas razões que já se produziram.
O artigo 12.º do texto da Câmara Corporativa foi redigido em harmonia com estas sugestões. Substituiu-se da lei actual a referência aos herdeiros legitimários pela referência aos descendentes ou ascendentes para não relacionar a transmissão do arrendamento com o fenómeno sucessório, o que pode ter inconvenientes e conduzir a soluções não pretendidas. Se, por exemplo, o arrendatário vive com ascendentes, e não com os filhos, são aqueles que têm o direito de transmissão e são estes os herdeiros legitimários.

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Solução a considerar, e que tem a simpatia de alguns, seria a de se restringir a subsistência do arrendamento por determinado lapso de tempo (por exemplo, cinco anos), em vez de ficar dependente do número de transmissões.

18. Preferencia no direito ao arrendamento. - O § 3.º propõe-se introduzir uma inovação no nosso direito. Entre as pessoas que têm direito à transmissão e as que têm de abandonar o prédio por morte do arrendatário aparecem outras a quem é conferido o direito do preferência - são as pessoas de família não compreendidas nos parágrafos anteriores.
Embora não repugne, evidentemente, admitir uma solução intermédia entre duas soluções extremas, entende a Câmara Corporativa que não deve ser aprovada a doutrina desse parágrafo. É que, não se conferindo, afinal, um direito de relevo - o arrendamento entra no regime de liberdade contratual -, cria-se um sistema embaraçoso para o senhorio, que pode ser obrigado a notificações dispendiosas e a demoras prejudiciais. Obtida a oferta de novo arrendamento, tem necessidade o proprietário de aguardar, pelo menos, o tempo da notificação e mais dez dias (§ 4.º) para a poder aceitar, o que é prazo mais do que suficiente para que a oferta seja retirada e se perca o proponente. A nossa lei é já fértil em embaraços desta ordem, que, a não ser em casos muito justificáveis, devem ser removidos.
Para o caso de a Assembleia Nacional entender que deve ser conferido este direito, sugerem-se as seguintes modificações ao texto dos §§ 3.º, 4.º e 5.º:
a) A expressão «pessoas de família» é equívoca. Num sentido jurídico a família é constituída por todas as pessoas que estão entre si ligadas pelos vínculos de casamento, parentesco e afinidade, ao passo que em sentido vulgar essa palavra já comporta muitos outros significados. É preciso, pois, fazer uma especificação, e parece que não se deverá ir além dos parentes ou afins até ao 4.º grau.
b) Para que os parentes possam exercer o direito de preferência obriga-se o senhorio, no § 4.º, a uma notificação judicial. Deve prescindir-se dessa notificação se os interessados renunciarem, por escrito, a esse direito. É a doutrina geralmente aceita em relação a todos os casos de preferência admitidos por lei.
c) No § 5.º estabelece-se uma sanção para o caso de o senhorio arrendar o prédio, sem oferecer a preferência, dentro do prazo de cinco anos. Este prazo parece ser excessivo. Há que reconhecer que ao fim de dois ou três anos, ou ainda menos, já não interessará ao parente voltar para o prédio, pagando uma renda em regime de liberdade contratual. Por outro lado, um prazo mais curto é suficiente para evitar a fraude tendente a afastar uma simples preferência.
d) Nunca a sanção deve ser aplicada se o arrendamento foi feito às pessoas adiante mencionadas no n.º 4 do artigo 17.º do projecto. Se o senhorio, na verdade, tem a faculdade de pôr termo ao arrendamento, findo o prazo convencionado ou o período vigente, não se compreende que se mantenha neste caso o direito de preferência.
e) O destino da multa está em desacordo com a opinião da Câmara Corporativa quanto à criação de um fundo destinado a indemnizar os senhorios cujos arrendatários TI ao possam pagar o aumento de renda permitido pelo projecto. Mas é de notar que essa multa é puramente teórica. Desde que não haja um interesse directo no seu pagamento, a não ser para dar satisfação recto no seu pagamento, a não ser para dar satisfação a intuitos vingativos e, consequentemente, imorais, ninguém comunicará o facto à secção de finanças. O próprio interessado no arrendamento não o fará se a lei lhe não atribuir alguns direitos efectivos. A única sanção viável ainda parece ser a que a lei aplica em todos os casos análogos, e que é a de permitir que o preferente venha em acção judicial exercer o seu direito, dentro de certo prazo, sem prejuízo de uma multa, em benefício deste, a título de indemnização.
Em harmonia com estas sugestões, os §§ 3.º, 4.º e 5.º deveriam formar um artigo em que se dissesse:

ARTIGO...

1. Nos casos em que o arrendamento caduca por morte do arrendatário, os parentes ou afins até ao 4.º grau que com ele habitassem durante o ano anterior, e para os quais não se transmite o direito ao arrendamento, têm direito de preferência no novo arrendamento.
2. Para efectivação desse direito, o proprietário dará conhecimento às pessoas a que se refere o número anterior, se estas não tiverem renunciado ao seu direito, da melhor oferta que tenha para o arrendamento do prédio, por meio de notificação judicial, devendo, no caso de notificação, os ocupantes do prédio declarar, no prazo de dez dias, se aceitam as condições mencionadas pelo proprietário, sob pena de se entender que desistem da preferência e de o senhorio ter o direito de obter imediatamente o despejo pelo processo dos artigos 986.º e 987.º do Código de Processo Civil.
3. Se o proprietário requerer o despejo do prédio com base na caducidade do arrendamento por morte do arrendatário e o der depois de arrendamento a pessoas diferentes das mencionadas no artigo 29.º, alínea c), sem oferecer a preferência, podem os parentes referidos no n.º 1 do presente artigo requerer judicialmente, dentro do prazo de seis meses, a contar do mesmo contrato, que lhes seja reconhecido aquele direito. Sendo julgada procedente a acção, será ordenado o despejo do prédio pelo processo indicado no número anterior e investido o preferente na situação de arrendatário. Além disso, será o proprietário condenado numa multa correspondente ao rendimento colectável de três anos, a qual reverte em benefício do preferente. Esta multa pode ser exigida em acção própria se as pessoas a quem devia ser oferecida a preferência não quiserem usar desse direito.
4. São aplicáveis à acção de preferência a que se refere o número anterior as disposições dos §§ 4.º e 5.º do artigo 2309.º do Código Civil, na parte em que o puderem ser, devendo ser citados para a acção o proprietário e o novo arrendatário do prédio.

Mas, volta-se a dizer, todo este mecanismo é cheio de inconvenientes, que aconselham vivamente a sua não adopção.

CAPITULO IV

Actualização de rendas

19. Princípios gerais. - O princípio da não actualização das prestações pecuniárias tem-se mantido persistentemente no nosso direito. A influência da economia liberal e a ideia dominante de que pacta sunt servanda levaram-no, como a quase todos os códigos que se publicaram durante o século XIX, a banir o tão salutar preceito do Digesto - contractus qui habent tractum successivum et dependentionem de futuro rebus sic stantibus intelliguntur - para criar situações que as grandes desvalorizações da moeda que se seguiram às guerras de 1914 e 1939 tornaram por vezes injustíssimas e absurdas.

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Mas o problema do inquilinato não se integra apenas dentro da esfera desse problema geral. Ultrapassa-o em muito, porque não se trata, sob o domínio do pacta sunt servanda, do simples respeito pelo convencionado, o que seria em certa medida compreensível, mas de uma sujeição aos imperativos da lei que, para resolver certos problemas de ordem social, impõe aos senhorios a renovação do arrendamento. Enquanto não expira o prazo convencionado será em certa medida compreensível que a renda não possa ser alterada, pelo respeito devido ao próprio contrato. Mas expirado esse prazo e continuando vinculado o senhorio por imposição da lei, podendo entretanto ter-se alterado o valor da moeda, ou as condições do contrato ou da localidade, ter o prédio recebido benfeitorias, ter sido urbanizado o local da construção, etc., parece não se compreender que a essa renovação não se faça corresponder uma actualização da renda.
Andam dois aspectos muito confundidos nas nossas leis: o da impossibilidade do despejo em ocasiões de crise de habitação, com a correspondente necessidade de se não permitir ao senhorio aumentar livremente as rendas, e o da impossibilidade para este de exigir uma renda justa quando o arrendatário lhe imponha a continuação do contrato. O primeiro compreende-se e justifica-se tão bem que até é possível presumir que a renovação, hoje admitida em quase todos os Estados que suportaram a grande crise da guerra de 1914, entre na normalidade do contrato, se perpetue, embora tenha aparecido sempre com carácter nitidamente excepcional e transitório. Não se vê muito bem, na verdade, que se possa regressar tão cedo a esse regime chamado de liberdade contratual.
Mas para quê e porquê a impossibilidade de se fazer acompanhar a renovação de um aumento justo de renda? Num ponto de vista jurídico, é evidente que a pergunta não tem resposta. Não é o princípio pacta sunt servanda que pode ser invocado, porque a renovação não é convencionada, mas imposta; não é a impossibilidade de determinar o coeficiente exacto da valorização ou desvalorização da renda ou da mercadoria, porque neste domínio são possíveis aproximações justas e quase rigorosas, através, por exemplo, de uma avaliação; não é, por último, a circunstância de o devedor ter sofrido também, ou podido sofrer, as consequências da desvalorização da moeda, porque o facto habitação é permanente e actual.
A justiça do aumento das rendas já foi reconhecida algumas vezes em Portugal. A lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922, permitiu o aumento até ao rendimento ilíquido correspondente ao respectivo rendimento colectável, calculado nos termos dessa lei (artigo 25.º, § 3.º). O decreto n.º 9:118, de 10 de Setembro de 1923, permitiu igualmente que se elevassem as rendas segundo critérios fixados nesse diploma. Estabeleceram-se coeficientes de valorização, que variavam consoante o destino do prédio e a data em que os arrendamentos tivessem sido feitos. A lei n.º 1:662 estabeleceu também novos coeficientes de valorização, atendendo a idênticas circunstâncias. Sistema paralelo foi seguido ainda pelo decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, que fixou novas regras para a determinação do rendimento colectável dos prédios urbanos, e que na parte relativa às rendas ainda se encontra em vigor.
Os aumentos permitidos não acompanharam, porém, o movimento da desvalorização da moeda. Basta notar que só os rendimentos colectáveis de prédios destinados ao comércio e indústria, ou arrendados ao Estado e corpos administrativos, que não fossem destinados exclusivamente a habitação, foram multiplicados por 14, e só quando os prédios tivessem inscrição na matriz anteriormente a 31 de Dezembro de 1914. Todos os outros coeficientes são inferiores a este, e nunca superiores a 10, em relação a prédios destinados a habitação 18.
No estrangeiro sempre se permitiram também actualizações de renda. É difícil hoje determinar, dadas as variações de valor das respectivas moedas, o sentido exacto destas actualizações. Nada significa saber-se, por exemplo, que na Polónia, em certo momento, as rendas anteriores à guerra foram multiplicadas por 39, na Hungria por 49, na Áustria por 510 e na Alemanha por 600. Já interessa, porém, notar que em alguns países se atribuíram poderes para a fixação de rendas, ou a tribunais ou a comissões arbitrais19, procurando-se por esta forma obter uma renda justa.
Cremos que o exemplo francês, com a sua legislação posterior à guerra de 1914, é, porém, o mais frisante de todos os dos países da Europa, revelando-se nela a preocupação constante de se atribuir aos senhorios uma renda compensadora. A primeira lei do inquilinato, em França, é de 9 de Março de 1918. Estabelece-se a prorrogação forçada dos contratos até 1 de Janeiro de 1923 e uma prorrogação facultativa até 1 de Janeiro de 192o. Deixa-se, porém, ao juiz o encargo, não sómente de decidir em cada caso pelo que respeita à própria prorrogação, como também o de fixar as condições do contrato f> a renda. Em 31 de Março de 1922 publica-se o primeiro grande diploma sobre a matéria. As prorrogações, embora temporárias, ficam sendo obrigatórias para o senhorio, mas atribui-se ainda ao juiz a faculdade de fixar a renda se os outorgantes não chegarem a acordo. Em qualquer destes diplomas é nítida a distinção, que nas leis portuguesas nunca foi feita, entre a prorrogação ou renovação do contrato e a fixação da respectiva renda.
Em 29 de Dezembro de 1923 publica-se nova lei. Apenas para Paris se fixou uma taxa de actualização (75
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18 Artigo 23.º: "Relativamente aos prédios ou parte de prédios inscritos nas matrizes até 31 de Dezembro de 1914 tomar-se-á o rendimento ilíquido que constava das matrizes naquela data, multiplicando no ano civil de 1928 por 10 quando se destinem ou estejam servindo a habitação e por 34 quando se destinem ou estejam servindo a estabelecimento comercial ou industrial ou a sua dependência.
§ único. Os prédios ou parle do prédios tomados de arrendamento pelo Estado e pelos corpos administrativos consideram [...] afectos ao inquilinato comercial ou industrial quando não sejam destinados exclusivamente a habitação, ficando revogado o § 5.º do artigo 10.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924.
Art. 24.º Relativamente aos prédios ou parte de prédios inscritos nas matrizes desde 1 de Janeiro de 1915 até 31 de Dezembro de 1931 tomar-se-á, o rendimento ilíquido com que foram inscritos pela primeira vez, multiplicando, conforme os casos, por um dos coeficientes seguintes:
a) Quando os prédios ou parte dos prédios se destinem ou estejam servindo a habitação, multiplicar-se-ão:
1) Por 6,67 os rendimentos inscritos de 1 de Janeiro de 1915 até 31 de Dezembro de 1918;
2) Por 2,23 os rendimentos inscritos desde 1 de Janeiro até 31 de Dezembro de 1919;
3) Por 1,38 os rendimentos inscritos desde 1 de Janeiro de 1920 até 31 de Dezembro de 1921.
b) Quando os prédios ou parte dos prédios se destinem ou estejam servindo a estabelecimento comercial ou industrial ou a sua dependência, multiplicar-se-ão, respectivamente, por 9,36, 3,51 e 1,75 os rendimentos ilíquidos inscritos na matriz, conforme a data da primeira inscrição dos prédios for a fixada nos n.ºs 1), 2) e 3) da alínea anterior.
Art. 25.º Os prédios urbanos cuja primeira inscrição nas matrizes foi feita a partir de 1 de Janeiro de 1922 continuam ali inscritos com o mesmo rendimento.
Artigo 27.º Não é permitido aos proprietários do prédios urbanos elevar as respectivas rendas, quanto a cada arrendatário e seja qual for a duração dos contratos, além do rendimento ilíquido dos mesmos prédios ou parte de prédios, calculado nos termos dos artigos 23.º e 24.º deste decreto com força de lei".
19 Posteriormente à guerra de 1914 podem citar-se, por exemplo, a lei holandesa de 25 de Março de 1918, a lei suíça de 2J de Abril de 1921, a lei austríaca de 7 de Dezembro de 1922 o a lei alemã de 22 de Março de 1922.

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por cento). Nas outras terras a fixação das rendas passou a ser feita por comissões de proprietários e inquilinos designados pelo tribunal de apelação, indicando esse diploma as normas e critérios que deveriam ser seguidos na avaliação dos prédios. Posteriormente, na lei de 1 de Abril de 1926, fixa-se para todo o país o aumento de 100 por cento, mas respeitam-se as decisões daquelas comissões, quando tenham fixado valor locativo superior, e ainda se admite a prova de que a renda anterior a 1 de Agosto de 1914 era baixa em relação ao valor locativo do prédio. Em 30 de Junho de 1929 fixa-se nova percentagem (150 por cento) até 1931 e permite-se a partir desta data um aumento anual de 15 por cento, até ao fim das prorrogações previstas. Este aumento anual durou até 1932, tendo sido suprimido desde esta data até 30 de Junho de 1937 20. Em 31 de Dezembro deste ano publica-se nova lei, que eleva para 180 por cento o aumento permitido pela lei de 1929 e passa para 10 por cento o aumento anual a partir de 1 de Junho de 1937. Este aumento de 10 por cento foi suprimido pela lei de 27 de Abril de 1940 e entra-se então no período da legislação incaracterística da guerra, em que se chegou a dispensar em certos casos o pagamento de toda a renda, como também sucedeu em Espanha após a guerra civil.
Por ordennance de 28 de Junho de 1945 (n.º 45-1:421) silo já as rendas aumentadas, de pleno direito, 30 por cento, ou 15 por cento, conforme os casos, ficando isentos dessa actualização os prédios de rendas baixas. Mas não se descura o direito dos senhorios neste caso, porque se impôs ao Estado a obrigação de os indemnizar (artigo 7.º). A forma de obter esta indemnização e o quantitativo foram regulados em 29 de Julho do mesmo ano.
Não será necessário mais para ver o espírito que domina toda essa legislação do inquilinato, tão distante do espírito que tem dominado a nossa. Em França procurou-se constantemente actualizar as rendas em harmonia com o valor locativo fios prédios; em Portugal fixaram-se até 1928 limites muito baixos de actualização e dali por diante partiu-se do princípio de que o arrendatário era titular do próprio domínio e impôs-se-lhe inclusivamente o pagamento de uma parte da contribuição predial, porque o Estado, esse, não prescindiu da actualização do rendimento colectável. Continua a manifestar-se a confusão entre renovação do contrato e fixação da renda e a permitir-se uma situação que, pelos seus resultados, chega a ser incompreensível e imoral 21.

20. Oportunidade da actualização. - Mas, sendo de justiça a fixação de uma renda actualizada no caso de renovação do contrato, pode perguntar-se: o momento será oportuno? Não deverá aguardar-se um melhor equilíbrio económico?
O clamor que se tem levantado nos últimos tempos à volta do problema do inquilinato mostra existir um certo mal-estar provocado pela legislação que nos rege. Esta reacção provém de causas bem conhecidas: o índice do custo da vida subiu consideràvelmente nos últimos tempos; as despesas de reparação dos prédios aumentaram; os encargos tributários subiram e as rendas continuam a ser as mesmas. Os proprietários dos prédios urbanos sentem-se lesados, apontam a situação de classes mais protegidas pelo Estado, como a dos industriais, a dos proprietários rurais, a dos comerciantes, a dos trabalhadores de todas as espécies e até a do funcionalismo público. A um desejado equilíbrio económico vem, pois, opor-se um desequilíbrio entre um grupo de interesses e todos os outros, ou, como se diz na representação dirigida à Assembleia Nacional pela Associação Lisbonense dos Proprietários, criar-se "no meio da vida económica da Nação um sector estanque, ao qual se proibiu ir-se pouco a pouco adaptando às novas condições de vida, como se estas não afectassem por igual os que empregam os seus capitais na agricultura, na indústria e no comércio e os que os empregam na construção das propriedades urbanas".
Afastando-se a ideia errónea e infundada de muitos do que o proprietário é sempre um homem rico e de que o inquilino é sempre um homem pobre, e de que é aquele, consequentemente, que deve em primeira linha suportar os efeitos de uma crise económica provocada pela alta de preços, o argumento é, nas suas linhas gerais, irrespondível. Ao sacrifício que hoje é exigido a todos quanto às suas despesas de alimentação e vestuário deve corresponder também um sacrifício nas despesas de habitação, tudo encaminhado no sentido de um futuro equilíbrio. Não está em jogo apenas o orçamento de quem paga; está em jogo o orçamento de quem recebe, a quem são exigidos idênticos sacrifícios. E depois é preciso não esquecer que estas sucessivas crises da propriedade urbana geram a desconfiança e com ela o retraimento de capitais destinados à construção. É por todas estas razões que à Câmara Corporativa parece ser da maior oportunidade a resolução do problema das actualizações.
Há, no entanto, uma objecção séria que pode fazer-se: vivendo-se num momento em que, mercê da legislação do inquilinato que nos rege, há, em muitos casos, senão na generalidade, uma desproporção grande entre as rendas que efectivamente se pagam e as rendas justas, as perturbações provocadas nos orçamentos privados pela subida repentina de uma despesa (renda actualizada) podem ser económica e até socialmente graves. É o que pode acontecer em relação àqueles a quem o aumento de receitas não cobre o aumento das despesas necessárias à satisfação de outras necessidades fundamentais da vida. Vive-se, sem dúvida, num momento em que, ao lado de grandes disponibilidades de capitais, ha orçamentos já demasiadamente comprimidos. O problema será adiante considerado.

21. Em que termos deve ser permitido o aumento das rendas. - No artigo 5.º do projecto estabelece-se que, a partir da vigência da nova lei, o senhorio pode reclamar como renda mensal o duodécimo do rendimento colectável ilíquido do prédio. O critério seguido é, pois, o de fazer corresponder a renda ao rendimento colectável do prédio.
É este o nosso sistema tradicional.
A lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922. já referida, permitiu aos senhorios elevar as respectivas rendas até ao rendimento colectável ilíquido numa época, aliás, em que as matrizes se não encontravam ainda actualizadas, pelo que poucos ou nenhuns benefícios advieram desse diploma para os proprietários. O decreto n.º 9:118, de 10 de Setembro de 1923, modificou os rendimentos colectáveis constantes das matrizes prediais urbanas e as respectivas rendas, multiplicando-as por coeficientes que variavam conforme o fim a que o prédio se destinava e a data do arrendamento. Critérios idênticos foram seguidos, como se disse já, na lei n.º 1:662 e no decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928.
Até, portanto, esta data, às oscilações das rendas corresponderam sempre oscilações no rendimento colectá-

20 Leis de 25 de Junho de 1934, 30 de Junho de 1935, 30 de Junho de 1936 e 30 de Junho de 1938.
21 Entre os muitos casos eloquentes trazidos ao conhecimento da Câmara Corporativa pode citar-se este: um primeiro andar de um prédio de uma rua central rende 150$ mensais; o segundo andar do mesmo prédio 3.000$.

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vel, embora este fosse fixado por meio de coeficientes de valorização.
Afastou-se este sistema sòmente a partir da reforma tributária aprovada pelo decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929. A reacção contra os antigos princípios resultou de estarem já muito longe da verdade os valores matriciais e terem, consequentemente, diminuído as receitas do Estado em matéria de contribuição predial. Criou-se, em razão disso, um sistema novo para a actualização das matrizes e, porque não se permitiu o aumento das rendas, impôs-se ao arrendatário a obrigação de pagar a parte da contribuição predial correspondente à diferença entre o rendimento colectável e a renda (artigo 21.º).
Lê-se no relatório da reforma tributária: "A solidariedade entre o imposto predial e a legislação do inquilinato, há já longos anos mantida, é responsável pelo baixo rendimento, pelas desigualdades dos valores matriciais, por uma lamentável repercussão na sisa e no imposto sobre as sucessões. Há que cortar por uma vez a ligação e tentar resolver separadamente os dois problemas, que já são difíceis em si e mais se complicam quando se juntam". Bem vistas as coisas, estas palavras suo exactas; a culpa era da legislação do inquilinato, o que não quer dizer que fosse impossível ter resolvido os dois problemas conjuntamente, como sempre se tinha feito até aí.
O relatório do Orçamento Geral do Estado para 1947 parece já revelar uma orientação diferente daquela. Aí se lê: "Nos prédios urbanos o regime do inquilinato e a maior actualidade das rendas não aconselhavam providências semelhantes, o que não quer dizer que os dois problemas -o do regime contratual e o do regime fiscal - não careçam de solução a tomar certamente em conjunto"23.
Este desvio da reforma de 1929 manteve-se até hoje, através dos decretos-leis n.ºs 25:502, de 14 de Junho de 1935 (artigo 44.º), e 20:851, de 14 de Setembro de 1935 (artigo 4.º). Somente se tem admitido uma excepção no caso de traspasse de estabelecimentos comerciais ou industriais, em que o senhorio pode pedir a avaliação nos termos do Código da Contribuição Predial e exigir do novo inquilino a renda fixada pela comissão avaliadora. E a doutrina hoje consagrada expressamente no artigo 4.º da lei n.º 1:981, de 3 de Abril de 1940.
Mas, além de tradicional, o sistema da correspondência entre o rendimento colectável e a renda parece à Câmara Corporativa ser o mais aconselhável.
Os sistemas que além deste têm sido admitidos em leis estrangeiras ou propostos pelos autores são os seguintes:
a) Recurso aos tribunais;
b) Recurso a comissões especialmente constituídas para esse "feito;
c) Fixação de rendas por meio de coeficientes de valorização.
De todos, nenhum se apresenta tão perfeito, tão lógico e até de resultados tão justos como o do rendimento matricial, no fundo, é o sistema indicado na alínea b), com a simples diferença de que, em vez de se constituírem comissões especiais, atribui-se o encargo às comissões permanentes ide avaliação dos prédios urbanos para efeitos fiscais.
O recurso a tribunais, quer especiais, quer comuns, como se permite em certa medida na Inglaterra e no Brasil, não é um meio muito conveniente. Um arbitramento pertence mais a peritos do que a juizes, mesmo quando estes são chamados a decidir, e, ou se estabelecem regras uniformes para todos os tribunais, e a função jurisdicional apaga-se - o juiz passa na realidade a ser também um perito-, ou se permite liberdade de apreciação e de nomeação de árbitros, e teremos uma multiplicidade tal de critérios dentro do País que não poderão deixar de se prever graves injustiças relativas e o mal-estar social que essas injustiças sempre provocam.
Acresce ainda uma outra circunstância que contraria não só este sistema como os outros: o de se admitirem duas verdades contraditórias: admitir-se que para efeitos fiscais um prédio tenha um certo valor locativo e um valor diferente para efeitos da fixação da renda.
Dentro do sistema do recurso aos tribunais especiais estava integrado o projecto Pinto Loureiro. Desde que não houvesse "acordo entre senhorio e inquilino, tinha de proceder-se à fixação arbitrai da renda, observando-se o que se acha disposto no Código de Processo Civil relativamente à constituição e funcionamento dos tribunais arbitrais. O tribunal decidiria ex aequo et bono, segundo o mesmo projecto. Simplesmente, como um dos árbitros seria nomeado pelo senhorio e outro pelo inquilino (não seria de supor o acordo como facto normal), e como o terceiro, nomeado pelo juiz, seria obrigado a conformar-se com um dos laudos (Código de Processo Civil, artigo 1578.º), ver-se-ia instituído um processo de se fixarem rendas arbitrárias, que nem em princípio se podiam considerar as mais justas. Podia, quando muito, falar-se numa justiça aproximada, que não é a que convém.
A nomeação de comissões especiais não tem justificação, desde que já existem comissões permanentes de avaliação, que operam por meio da aplicação de normas objectivas emanadas da Direcção Geral das Contribuições e Impostos23.
Só haverá que unificar todas as instruções e circulares dessa Direcção Geral e, porventura, alterá-las,

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22 No Diário do Governo de 30 de Dezembro de 1946 (suplemento). Também, era diferente a orientação da comissão nomeada em 1926 pelo Ministro das Finanças para dar parecer sobre as bases de uma reforma relativa nos traspasses de prédios ou parte de prédios ocupados por estabelecimentos comerciais ou industriais. O relatório dessa comissão (publicado no Diário do Governo n.º 98, 2.ª série, de 2 de Maio de 1928) foi sintetizado no parecei1 da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 59, em que se converteu o decreto-lei n.º 29:449, nos termos seguintes: "A comissão, depois de mostrar como era modesta a cifra da contribuição predial urbana e como ela estava em desproporção com a contribuição predial rústica, que era então igual a vinte e três vezes a paga em 1914, ao passo que a urbana era igual a sete vezes apenas a paga naquele ano, apreciou a legislação do inquilinato baseada na restrição da liberdade contratual para a realização do princípio fundamental da garantia da, estabilidade da habitação a preços baixos, afirmando que ela não tinha garantido a paz social, e antes tinha mantido em luta aberta duas grandes classes da população, e que era responsável em grande parte não só pela crise da habitação e pela diminuição do valor da propriedade urbana, mas também por um grande prejuízo para o Estado, pois tinha anarquizado a matéria colectável da contribuição predial urbana, que não estava em relação com a importância das rendas e mantinha numa importância mais que modesta a soma daquele imposto, dizendo que era urgente modificar um semelhante estado de coisas e formulando os princípios que a tinham orientado no seu trabalho, entre os quais aparecem os seguintes:
1.º 35 necessário estabelecer em prazo de tempo relativamente curto o principio da liberdade contratual; este princípio deve desde já ser adoptado em todos os casos em que não vai contrariar um interesse individual digno de defesa;
2.º É necessário que no período de transição se vá permitindo a elevação gradual das rendas".
23 Vejam-se designadamente as instruções constantes das circulares de 26 do Setembro de 1930 e de 14 de Abril de 1937, publicadas, respectivamente, no Código da Contribuição Predial e Leis Complementares, de Oliveira Coutinho, 2.ª edição, pp. 444 e seguintes, e no Boletim da Direcção Geral das Contribuições e Impostos de 1937, pp. 364 e seguintes.

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tendo em vista a nova função das avaliações, publicando-se um decreto pelas pastas da Justiça e das Finanças que torne conhecidos muitos preceitos que hoje só são do conhecimento dos funcionários de finanças e dos membros das comissões permanentes das avaliações. Designadamente deverá esse decreto resolver em pormenor a questão da organização de recursos das avaliações, decerto sem excessiva e inconveniente generalização deles, mas existindo em termos suficientes para assegurar melhor a seriedade e objectividade das primeiras avaliações.

O sistema dos coeficientes de valorização a aplicar às rendas, conforme a data do contrato, foi o adoptado em todos os países depois dia guerra de 19114 e também o adoptado em Portugal até ao movo regime de avaliação da propriedade urbana para a actualização das matrizes prediais 24. É um sistema que oferece as vantagens da simplicidade, da economia e dia rapidez, mas que tem graves inconvenientes.
É, em primeiro lugar, por sua natureza, um sistema transitório, deixando ficar em suspenso um problema, que tem de ter uma solução definitiva. O exemplo da França, que acima se citou, é eloquente sob este aspecto. Constantemente se tiveram de publicar novos diplomas legislativos e o mesmo se teria passado em Portugal se não se tivesse confundido a renovação do contrato com a fixação da renda. Ao contrário do que resulta deste sistema, os rendimentos matriciais estão ou podem estar sempre actualizados. Somente, e para evitar oscilações constantes que perturbam o regime do contrato e os serviços das finanças, a Câmara Corporativa sugere que se fixe um prazo de três anos, a contar de uma avaliação, dentro do qual não pode ser requerida uma nova.
Em segundo lugar, o sistema dos coeficientes supõe a valorização uniforme de todos os prédios, o que não é exacto. Há prédios que se valorizaram muito e outros que se desvalorizaram ou, pelo menos, se têm valorizado menos do que outros. O movimento que se tem acentuado nos últimos tempos de urbanização, embelezamento e higienizei cão de muitas povoações do País - e não só de Lisboa - tem profundamente alterado o valor das construções. A abertura de uma nova artéria, a demolição de um bairro, as modificações dos hábitos citadinos, a simples construção de um edifício, de uma linha de caminho de ferro ou de carros eléctricos têm repercussões muito sensíveis no valor locativo dos prédios, e esses elementos são esquecidos num sistema de coeficientes de valorização. Se se tratasse de fixar uma simples correcção que atendesse, por exemplo, à desvalorização da moeda de 1939 para cá, ainda se poderia conseguir, com grande aproximação, a fixação de uma renda justa. Mas o problema vem de 1919, e de então até hoje quantos prédios de rendas elevadas estão transformados em habitações pobres, quantas habitações pobres se encontram hoje situadas em locais de rendas elevadas! Se for preciso um exemplo para ilustrar esta afirmação, compare-se o que se passa entre a Alta da cidade de Coimbra e os bairros novos de Celas ou de Santo António de 1919 para cá. Prescrevam-se coeficientes comuns de valorização e ver-se-ão as injustiças flagrantes a que eles conduzem. Nuns casos teríamos rendas exageradas; noutros, rendas ainda diminutas. Trata-se, como diz o Prof. Dr. Alberto dos Reis, de um "sistema de actualização de renda puramente mecânica e casual... Tanto pode suceder que a renda esteja num nível justo como num nível escandalosamente baixo, tanto pode encontrar-se actualizada como profundamente desactualizada"25.
Por último, há muitos prédios construídos ou arrendados desde 1919, depois que surgiu ou se acentuou a crise de desvalorização da moeda, e, portanto, nas diferentes fases dessa desvalorização, o que torna muito difícil a adopção de escalões. E há também arrendamentos, celebrados recentemente, que não correspondem ao valor locativo do prédio, e que representam simples concessões aos senhorios.
Por todas estas razões é de parecer a Câmara Corporativa que deve ser aprovada a doutrina do projecto, segundo a qual a renda que os senhorios podem exigir deve ser igual ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido do prédio, e, para esse efeito, torna-se necessário preceituar, como se preceitua no § 1.º, que, se o arrendamento tiver por objecto dependências cujo rendimento colectável não esteja destrinçado, se procederá na secção de finanças (melhor se dirá, pela comissão permanente de avaliações) à respectiva destrinça.
Não tem a Câmara Corporativa a pretensão de supor que este sistema ou qualquer outro que se adopte traga uma era de cordialidade nas relações entre senhorios e inquilinos. Estes, de há vinte e cinco anos para cá, habituaram-se com tanta persistência à ideia de que gozam de um direito real sobre o prédio, que hoje o que é justo, o que é moral, o que é jurídico, o que é económica e socialmente vantajoso, até pode parecer uma monstruosidade aos olhos de muitos. Aqueles, por outro lado, talvez venham a queixasse da excessiva brandura das avaliações fiscais. Mas nas duas reacções se deve encontrar a prova da bondade do sistema.

Aceitando-se a solução do projecto, importa, porém, resolver unia dúvida que ele imediatamente suscita. A leitura do artigo 5.º induz à suposição de que se quis apenas resolver o problema actual e não o problema futuro, quando parece à Câmara Corporativa que ambos devem ser resolvidos.
Por isso, segundo as alterações sugeridas adiante, se passa a regular separadamente o que é transitório, ou seja a actualização das rendas em arrendamentos já celebrados à (Laia em, que a lei começar a vigorar (artigos 13.º a 19.º), e o que é permanente, ou seja o sistema de actualização a aplicar no futuro a quaisquer arrendamentos que venham a ser celebrados (artigo 20.º).
Isto permite, inclusivamente, adoptar o sistema proposto das matrizes como sistema futuro e qualquer outro como sistema transitório.
A adopção de um sistema permanente de actualização capaz de abranger todos os arrendamentos de futuro, sem prejuízo da justa e prudente defesa dos interesses dos inquilinos contra abusos doa proprietários, será a mais eficaz das providências para atrair capitais à construção de casas e resolver assim, nos factos e não apenas no papel, a crise da habitação.

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24 Na representação enviada ao Governo pela Associação dos Proprietários o Agricultores do Norte do Portugal em 27 de Março de 1946 propunham-se os seguintes escalões e coeficientes:
a) Arrendamentos celebrados até 31 de Dezembro de 1918, 40 vezes;
b) De 1 de Janeiro de 1919 até 31 de Dezembro de 1925, 20 vezes;
c) De 1 de Janeiro do 1926 até 31 de Dezembro do 1939, 3 vezes;
d) De 1 de Janeiro de 1940 até 31 de Dezembro de 1942, 2 vezes.
Tratando-se de arrendamento para estabelecimentos comerciais ou industriais, estes coeficientes subiriam, respectivamente, para 60, 30, 4 e 3.
25 Em notas manuscritas no projecto Pinto Loureiro, arquivadas no Ministério da Justiça.

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22. Forma de tornar efectivo o aumento e momento em que se verifica. - O processo de tornar efectivo o aumento é, segundo o projecto, na falta de acordo, o da notificação- judicial. Essa notificação (tendo-se em vista exclusivamente,, ou, sobretudo, o regime transitório) foi certamente exigida para tornar possível ao arrendatário alegar que a sua situação económica lhe não permite pagar a nova renda. Nem de outra forma se compreende este regresso ao sistema do § 3.º do artigo 10.º da lei n.º 1 £62, que tem o grave inconveniente de tornar muito oneroso o benefício que se atribui aos senhorios. Uma notificação judicial é bastante cara quando se trata de pequenas, rendas. Por isso o sistema da lei n.º 1:662 foi substituído pelo do artigo 3.º, § 2.º, do decreto n.º 10:774, de 19 de Maio de 1925, e pelo do § 1.º do artigo 27.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, considerando-se as rendas actualizadas independentemente de notificação. Somente se passou a discutir, depois destes decretos, se, dispensando a lei a notificação, devia a elevação de rendas considerar-se automática ou se era necessária a interpelação do inquilino por qualquer modo. Esta questão foi resolvida pelo assento de 16 de Dezembro de 1932, estabelecendo-se que "a elevação de rendas permitida pelo § 1.º do artigo 27.º do decreto n.º 15:289 depende de aviso por qualquer forma ao inquilino".
Desde que a função atribuída pelo projecto à notificação desaparece (e deve desaparecer segundo o parecer da Câmara Corporativa, como adiante se dirá), e desde que se tomem certas providências para evitar surpresas, quer da parte do senhorio, quer do arrendatário (a seguir se dirão quais), ela perde todo o seu interesse e só pode trazer inconvenientes. E deve desde já dizer-se, passando-se ao problema transitório, adiante versado, que neste caso ainda os inconvenientes são maiores. Crê a Câmara Corporativa que seria muito difícil aos tribunais existentes no País fazer todas as notificações que certamente seriam requeridas após a entrada em vigor da nova lei.
O assento acima referido entendeu que era preciso um aviso feito por qualquer forma. Este aviso tem um inconveniente. E que, carecendo de ser provado, transformar-se-á numa fonte de questões e desinteligências entre senhorios e arrendatários, e, além disso, não parece que seja necessário.
Segundo o sistema que a Câmara Corporativa leva à consideração da Assembleia Nacional, os aumentos de renda ficam sujeitos ao seguinte regime:
Quanto aos arrendamentos de futuro, os aumentos de renda resultantes de novas avaliações só se tornam efectivos findos os períodos de arrendamento que estiverem em curso (artigo 20.º, n.º 1.º, alínea b). Assim como durante o prazo do contrato a renda não pode alterar-se, pelo respeito devido à vontade dos contraentes, também se deve entender que, renovado o arrendamento por novo período, embora forçadamente, a renda igualmente se deve manter sem alteração durante esse novo prazo. Seria complicaçã0 escusada e injustificada o permitirem-se modificações durante a vigência de uma prorrogação, tanto mais que podem existir rendas pagas antecipadamente e relativamente às quais se suscitaria logo o problema da sua actualização. Sendo assim, da dispensa de notificação ou aviso resulta apenas a obrigação, para o inquilino que se queira aproveitar da faculdade que a lei lhe confere de impor uma renovação ao senhorio, de ir saber à secção de finanças respectiva se foi feita alguma avaliação do prédio durante o período anterior. Parece não ser demais nem obrigação muito pesada.
Quanto ao problema transitório - o dos arrendamentos já celebrados à data da entrada em vigor desta lei -, adiante se verá que, nos termos sugeridas, os
arrendatários não precisarão normalmente de obter informações senão duas vezes: a primeira, quando for publicada a lei, para saberem em que medida as rendas são aumentadas desde 1 de Julho de 1947; a segunda, quando estas estiverem a atingir o rendimento colectável, o que pode só acontecer alguns anos decorridos.
Só em alguns casos especiais, em que certos aumentos se verifiquem mercê de circunstâncias eventuais, não genèricamente cognoscíveis pelos arrendatários, é que se justifica a necessidade de notificação, com alguma antecedência. Daí, o preceito que se sugere na segunda parte do n.º 2 do artigo 16.º Os casos aí contemplados justificam por si mesmos a providência.
Como as secções de finanças, salvo em certos períodos do ano, podem não dar gratuitamente as informações necessárias, exigindo que se requeiram certidões, introduziu-se no artigo 18.º, n.º 1, do texto da Câmara Corporativa uma. disposição destinada a obviar a esse inconveniente.

23. Futuras alterações ao rendimento colectável. - Sendo o regime de actualização de rendas baseado no rendimento colectável, não pode deixar de ser atribuído ao proprietário o direito de requerer novas avaliações, com fundamento em que o valor locativo do prédio é superior ao que consta da matriz.
O sistema seguido no projecto é este: estas avaliações têm de ser sempre requeridas pelo proprietário; mas podem-no ser voluntariamente ou forçadamente. Sá o proprietário entende que a renda é exígua, tem a faculdade de requerer a avaliação (artigos 7.º e 8.º); se é o inquilino que entende que a renda é exagerada, isto é, que o prédio tem um valor matricial excessivo, pode recusar-se a pagar o excesso com esse fundamento, forçando o senhorio a requerer a avaliação (artigos 6.º e 8.º).
Quanto à primeira faculdade nada há que dizer. Pode o prédio valorizar-se, pode a quantia estipulada como renda baixar de valor, pode a avaliação anterior não ter sido exacta, etc. Porém, como se disse já, deve estabelecer-se um prazo dentro do qual não é possível requerer novas avaliações, para se evitaram constantes oscilações das rendas.
Quanto à posição do arrendatário é que não parece ser conveniente o sistema. Desde que o rendimento colectável é exagerado, em vez de o inquilino forçar o senhorio a requerer a avaliação, parece mais lógico que ele a requeira directamente, para não se criar um intervalo de tempo em que o montante da renda é incerto. Dentro da sugestão da Câmara Corporativa, de não permitir para futuro aumentos ou diminuições senão nos fins dos períodos de prorrogação, não se concebe mesmo este sistema de recusa do pagamento do excesso. Esse excesso é sempre devido até à renovação do contrato. Como problema transitório, também o sistema se compreende mal dentro do critério da subida gradual das rendas preconizado pela Câmara Corporativa.
A faculdade de o arrendatário requerer avaliações pode, à primeira vista, parecer anómala e ilógica, e talvez considerações dessa ordem tivessem impressionado o autor do projecto. Todavia essa faculdade já é actualmente reconhecida em certos casos aos inquilinos. Dispõe o artigo 1.º do decreto-lei n.º 26:590, de 14 de Maio de 1936, que "dentro do prazo fixado no § único do artigo 33.º do decreto-lei n.º 25:502, de 14 de Junho de 1935, poderão os inquilinos de prédios urbanos com arrendamentos anteriores a 31 de Dezembro de 1925, e desde que os senhorios ainda não tenham reclamado, requerer à Direcção Geral das Contribuições e Impostos a avaliação do prédio ou parte do prédio que ocupem, quando julguem excessiva a diferença do rendimento

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colectável a que se refere o artigo 44.º do mesmo decreto-lei".

24. O problema da actualização quanto aos contratos já celebrados. - Deixou-se atrás dito que a actualização das rendas suscitava, de momento, um problema sério, dada a exiguidade de muitas, que teriam de ser multiplicadas várias vezes para atingirem o rendimento colectável actual, ou o que viesse a ser fixado em novas avaliações. Sofre-se com mais resignação um mal que advém com lentidão, quase imperceptivelmente, do que um mal repentino. Aquele permite uma adaptação; este pode ser fatal, porque os hábitos e as necessidades criadas não se alteram de um momento para outro. O primeiro é o que vem atingindo os senhorios de 1919 para cá; o segundo é o desequilíbrio que atingiria os arrendatários com uma subida repentina das suas despesas destinadas à habitação. São estas considerações que têm de ser ponderadas.
No projecto de lei procurou-se remediar a situação com a doutrina dos §§ 4.º e seguintes do artigo 5.º O arrendatário pode alegar que a sua situação material não lhe permite pagar a nova renda, e se o senhorio não o convencer judicialmente do contrário, ou só o convencer em parte, o arrendatário continuará a pagar a antiga renda ou suportará apenas um aumento reduzido, sendo o senhorio indemnizado da diferença através de um fundo que se projecta criar.
Trata-se de um sistema que a Câmara Corporativa reputa impraticável.
Tal qual ele aparece regulado, sempre que o inquilino não esteja em condições económicas que lhe permitam pagar a nova remiu, e o alegue, o senhorio, para obter a indemnização, terá necessariamente de recorrer aos tribunais, pois se o não fizer, seja falso ou verdadeiro o alegado pelo arrendatário, terá de conformar-se com a renda antiga. Esta acção obrigatória traria desde logo aos tribunais, em todo o País, um serviço incomportável, e aos senhorios despesas com advogados e solicitadores e com possíveis custas e multas (cf. § 6.º) que, em relação às pequenas casas, poderiam absorver as rendas de muitos anos.
Imagine-se uma renda de uma casa pobre, (a lei é feita para todo o País) de 50f mensais, que é elevada para 70$, quando, porém, o inquilino não pode pagar o aumento. Para obter os 20$ de diferença seria preciso começar o senhorio por fazer as despesas de uma notificação judicial (§ 2.º). Alegada depois a impossibilidade de satisfazer o novo encargo, seria preciso um novo processo judicial, com possíveis devassas à situação económica do inquilino, para que o senhorio, perdendo a acção e pagando as custas, obtivesse do fundo criado pelo projecto 20$ mensais ou o que lhe coubesse no rateio.
O caso seria flagrantemente injusto e até imoral, mesmo um relação às casas médias ou ricas. Reconhecendo o senhorio que o inquilino não está em condições de satisfazer o aumento de renda, não pode aceitar-se esta obrigação que se lhe impõe de intentar uma acção reconhecidamente injusta, alegando factos que sabe que não são exactos, porque só perdendo a acção pode obter a indemnização pelo fundo. No entanto, é de reconhecer, na lógica do projecto, a necessidade da intervenção judicial, porque, se dela se prescinde, todo o inquilino passaria a alegar a impossibilidade de pagar, certo de que todo o senhorio, para evitar demandas inúteis, iria antes buscar a esse fundo o aumento de rendas permitido. Para este seria indiferente receber de um lado ou receber do outro. E isto só não se passaria assim, partindo-se desde já do pressuposto de que o fundo não teria receitas para cobrir as diferenças de renda, e então seria inútil criá-lo.
A doutrina do § 5.º do artigo 5.º não é, pois, de aceitar em nenhum caso. A criar-se o fundo em harmonia com a doutrina do projecto, deveria então substituir-se essa acção por uma devassa judicial ao património do inquilino, não para o convencer de que pode pagar, porque do contrário pode estar convencido o senhorio, mas para se saber se as suas receitas comportam um aumento de renda e em que medida. Tratar-se-ia, porém, e tratar-se-á em qualquer caso, com o § 5.º ou com ele modificado, de uma intervenção judicial imposta pela necessidade de evitar que, por conluio ou por simples comodidade, senhorio e inquilino resolvam não discutir o assunto e, com o fundamento na impossibilidade por parte deste de pagar, aquele venha exigir a indemnização prevista no projecto.
E conseguir-se-ia o fim desejado com a demanda judicial? E de presumir que não. Tratar-se-ia de uma acção em que o único interesse do senhorio seria o do não pagamento das custas, porque, do inquilino ou do fundo, sempre viria a receber a renda fixada. O senhorio acabaria sempre por se desinteressar da prova, sabendo que conseguia do fundo o suficiente para cobrir as diferenças, ou uma grande parte delas, cobertura que está no espírito do projecto, embora seja muito duvidosa essa possibilidade.

Mas há outros aspectos não menos graves do que este.
Não sabe a Câmara Corporativa até que ponto pensou o autor do projecto em levar as investigações judiciais acerca das possibilidades económicas do arrendatário; mas a verdade é que, ou o sistema não dá os resultados desejados ou não podem estabelecer-se quaisquer limitações. Ora, a não ser em casos raros e justificáveis, como falências, insolvências civis, execuções, arrestos, arrolamentos, etc., a lei tem respeitado, e até garantido em certa medida, o segredo acerca da vida patrimonial das pessoas. Mas, mais do que a lei, os costumes e os nossos próprios sentimentos reagem contra tais investigações, que, para serem completas, exigiriam diligências repugnantes, como buscas domiciliárias, devassas aos depósitos e aos cofres dos bancos, às transferências dos rendimentos do estrangeiro, aos lucros provenientes do trabalho de qualquer natureza, etc. E tudo isto, afinal, para se isentarem inquilinos que no dia seguinte poderiam aparecer a exercer o seu direito de preferência na compra do prédio. Se já é fácil sonegar bens mobiliários, mais fácil é ainda esconder proventos do trabalho, sobretudo aqueles que se recebem dia a dia, e sobretudo é facílimo evitar que se faça prova que possa convencer o juiz da sua existência. Conhecem-se as dificuldades e as providências que foi preciso adoptar para pôr em execução o novo sistema de imposto complementar, que incide sòmente sobre os grandes proventos. E agora discutem-se sobretudo os pequenos, porque os problemas terão de surgir naturalmente em relação às classes menos abastadas e em relação às rendas mais baixas, e esses são os que menos vestígios deixam.

Passe-se a um terceiro aspecto:
Está no espírito do projecto obter-se uma indemnização para o senhorio, no caso de o arrendatário não se encontrar em condições económicas de pagar a nova renda. E um princípio, em si, aceitável. Não parece ser, na verdade, razoável que o proprietário sofra um prejuízo neste caso, porque isso seria legitimar o princípio de que os senhorios devem assistência aos seus inquilinos quando dela careçam. E muitos senhorios não são ricos; podem ser tão pobres como os arrendatários. A assistência social não pode ser imposta apenas a certos indivíduos que tiveram a infelicidade de arren-

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dar as suas casas a inquilinos pobres; tem de constituir um encargo geral.
Simplesmente, o meio proposto não é eficiente, porque as receitas não podem cobrir todos os prejuízos. Já cautelosamente se prevê no § 7.º do artigo 5.º um rateio. Mas admiti-lo é admitir a negação do próprio princípio e a negação quase total, se esse rateio conduzir a uma indemnização muito baixa. Quaisquer que sejam as condições do funcionamento da devassa, é de prever uma despesa larga em indemnizações, e para essas despesas prevêem-se as seguinte receitas:
a) Multa imposta ao senhorio que arrendar o prédio sem oferecer a preferência, nos termos dos §§ 3.º, 4.º e 5.º do artigo 4.º;
b) Multa imposta ao arrendatário que alegar injustificadamente a impossibilidade económica de pagar as rendas, nos termos do § 6.º do artigo 5.º;
c) Aumento de renda no caso de sublocação, nas condições do § 2.º do artigo 11.º;
d) Multa imposta ao senhorio que não fizer o depósito referido no § 1.º do artigo 12.º (§ 2.º do mesmo artigo);
e) Restituição em dobro das quantias recebidas a título de cedência de chaves (artigo 15.º) ;
f) Multa imposta ao proprietário que, obtendo o despejo com o fundamento no n. º 4.º do § 1.º do artigo 17.º, arrende o prédio nos cinco anos posteriores.
A primeira já se fez referência, chamando-se a atenção para a falte, de interesse em se fazer a denúncia na secção de finanças. A Câmara Corporativa entende, de resto, como se disse já, que é inconveniente atribuir aquele direito de preferência.
Quanto à segunda, já se disse também o bastante para mostrar que não deve esperar-se receita sensível dessa fonte.
Não se antevêem também receitas apreciáveis no sistema proposto no artigo 11.º e seus parágrafos. Adiante, ao tratar-se do problema da sublocação, ver-se-á a inconveniência do meio proposto. Por agora bastará notar o seguinte: se o senhorio pretende efectivamente o despejo do prédio, pedirá certamente ao arrendatário uma renda exagerada e, como o arrendatário sai, desaparece a receita; se pretende manter o arrendamento, não tem interesse em exigir senão a renda antiga, acrescida dos 25 por cento que lhe cabem, e só exigirá mais se tiver o ânimo condenável de prejudicar, sem proveito para si, o arrendatário.
Quanto à doutrina do § 1.º do artigo 12.º, pode dizer-se o mesmo que se disse em relação ao artigo 11.º, e, quanto à multa referida no § 2.º, o mesmo que se disse a respeito do § 5.º do artigo 4.º
Restam duas multas: da do artigo 15.º, correspondente ao artigo 110.º do decreto n. º 5:411, não se pode esperar receita sensível; da do n.º 4.º do § 1.º do artigo 17.º também não, sobretudo porque é uma sanção demasiadamente grave para que o delito seja muitas vezes cometido.
Ora, postas em paralelo estas receitas, tão problemáticas e tão diminutas, com o problema das rendas, que se apresenta como problema de larga repercussão, e que por isso mesmo se tenta resolver, é de concluir que do sistema proposto não há que esperar qualquer benefício para os senhorios e sòmente uma profunda perturbação.
Fica ainda um último aspecto, que não é >menos importante do que qualquer dos outros. Como se há-de organizar esse fundo? Quem o dirige? Quem procede ao rateio previsto no § 7.º? Quem autoriza o levantamento das indemnizações? O projecto é omisso a este respeito e não vemos a que serviço ou repartição pública possam ser atribuídas tais funções. Dizendo respeito a lei a todo o território continental e insular, importaria criar um organismo central em Lisboa, designadamente para efeitos do rateio, e para tanto não se dispensaria uma nova repartição, com o seu chefe, oficiais, dactilógrafos e contínuos, e ao mesmo tempo criar-se-iam novos embaraços e encargos para os senhorios conseguirem levantar os respectivos complementos de renda, sempre sujeitos a oscilação, por aumento ou diminuição de receitas ou de despesas do respectivo fundo.
Por todas estas razões supõe a Câmara Corporativa impraticável e inútil o sistema apresentado para atenuar a situação de alguns inquilinos e sugere à Assembleia Nacional, na impossibilidade de se impor ao Estado, como se fez em França, o pagamento dos aumentos em relação às rendas das casas modestas, a aprovação de um outro que já foi proposto em 19,26 pela comissão nomeada pelo Ministro das Finanças para dar parecer sobre as bases de uma reforma tributária, nos seguintes termos: "É necessário que no período de transição se vá permitindo a elevação gradual das rendas antigas"26.
A admitir-se, na verdade, um aumento de rendas, e esse aumento parece ser de uma justiça indiscutível, só há um processo lógico de evitar fundas repercussões na economia privada dos inquilinos que se habituaram a usufruir, mediante o pagamento de rendas muito baixas, os prédios alheios e que criaram, por esse motivo, um nível de vida em desarmonia com a sua condição económica ou que, por motivos de economia geral, não têm ainda as suas receitas em correspondência com os encargos hoje exigidos para a satisfação de outra" necessidades primárias: não lhes impor bruscamente o aumento das rendas. Esta foi a política seguida em França desde a lei de 30 de Junho de 1929, como acima se disse.

O sistema que se apresenta como preferível à Câmara Corporativa, e que adiante aparece traduzido nos artigos 13.º a 20.º, atende às seguintes considerações fundamentais:
Em primeiro lugar, importa ter presente que se está perante dois problemas diversos.
Um, mais recente e mais geral, é o que respeita à desactualizarão das rendas verificada já depois do começo da guerra mundial de 1939-11940: toda as rendas que se encontravam fixadas - e quer estivessem actualizadas na altura em que a guerra começou, quer já então desactualizadas se mostrassem - sofreram nova e grave desactualização a partir de 1939, e especialmente a partir de 1942, mercê de circunstâncias que todos conhecem. O poder de compra da moeda baixou consideràvelmente, de forma que as situações do princípio da guerra, a esse tempo equilibradas, ou pelo menos estabilizadas, entraram em nova crise. Segundo o índice ponderado do custo da vida (alimentação e outros produtos de consumo doméstico em Lisboa), organizado pelo Instituto Nacional de Estatística, passou-se da, base média mensal de 100, relativa ao período de 1 de Julho de 1938 a 30 de Junho de 1939, para o índice de 187,9, em 1945, e para o índice de 207,9, nos primeiros dez meses de 1946. Segundo o índice dos preços por grosso, do Banco de Portugal, subiu-se, da base de 100, relativa a Junho de 1927, para 103,4 em 1939, 241 em 1945, e 237,1 nos referidos dez meses de 1940. Aumentaram os preços, aumentaram os salários, subiram em medida particularmente forte as despesas de conservação dos prédios, e as rendas mantiveram-se as mesmas. O contraste é flagrante.
Admitindo-se que no princípio da guerra, bem ou mal, as situações estavam de facto estabilizadas, há que

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26 Diário do Governo, 2.ª série, de 2 de Maio de 1928.

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reconhecer que este fenómeno novo, de alteração geral das condições económicas nos últimos anos, exige atenção especial e providências próprias. A bem dizer, foi ele, com a sua projecção de ordem geral e a sua nova gravidade (pois, além do mais, agravou singularmente a desactualização já verificada antes da guerra nas rendas mais antigas, como que duplicando a desactualização), que veio dar à questão a urgência e acuidade que hoje tem.
O outro problema, menos agudo e generalizado, mas porventura mais profundo e complexo, refere-se à falta de actualização dais rendas antigas, mesmo tal como pé encontravam antes da última guerra. Decerto, em diferentes épocas, como já se observou acima, foram essas rendas objecto de algumas providências de actualização, mas sempre em termos insuficientes, como inequivocamente reconhece a própria legislação que permite ao Estado lançar sobre o inquilino parte do encargo cia contribuição predial, que deveria ser todo suportado pelo senhorio se recebesse a renda justa.
Se há dois problemas diversos, convém procura.]- resolvê-los em separado. Daqui, o regime dos artigos 13.º e seguintes, adiante sugeridas.

Vejamos o primeiro problema: actualização das situações estabelecidas ante" de se ter entrado na fase de grande alteração das condições económicas, ocorrida durante a guerra de 1939-1945. Porque, aqui, o problema é de ordem geral e afecta todas essas situações, o remédio indicado está naturalmente em conceder, quanto a todas elas, uma primeira actualização, consistente num aumento de rendas por meio de percentagem sobre a sua cifra actual, cifra que é anterior à referida alteração das condições económicas. As próprias circunstâncias do fenómeno a que se pretende obviar fazem com que, neste caso, se deva conceder o aumento, seja qual for o rendimento colectável ilíquido constante da matriz.
Acontece, até, que as avaliações gerais da propriedade urbana se realizaram normalmente quando o poder de compra da moeda ainda não havia diminuído, o que faz com que seja o próprio rendimento colectável constante da matriz que está desactualizado, em função dessa diminuição de poder de compra. Isto não se dá nos casos em que, tendo-se celebrado recentemente novo arrendamento por renda mais alta, o valor da matriz subiu por causa desta elevação de renda contratualmente estabelecida; mas semelhantes casos, sendo de arrendamentos ulteriores à época de relativa normalidade de preços e salários, por isso mesmo não interessam ao problema agora em exame.
Cabe observar que o aumento de renda que for realizado por meio de percentagem fixa sobre a renda actual deve, ele, produzir correlativa actualização no rendimento colectável ilíquido constante da matriz: sempre que este esteja aquém da nova cifra da renda, os serviços de finanças farão oficiosamente a correcção. É o que decorre dos princípios já atrás desenvolvidos.
Abrem-se, porém, duas questões delicadas. A de saber qual a percentagem do aumento a conceder e a de fixar a data que servirá de divisória para distinguir entre arrendamentos beneficiando daquele aumento automático e arrendamentos mais modernos sujeitos a outro regime.
As duas questões tem de ser prudentemente resolvidas em conjunto. A variação do valor da moeda ocorre gradualmente, tão gradualmente que sem certo arbítrio não se pode fixar uma data: em vez de data certa, caberia fixar muitas datas e adoptar para as diversas épocas outras tantas percentagens diferentes. Mas não só o arbítrio e a imperfeição persistiriam na determinação dos escalões (tão verdade é que a realidade económica e contratual foge a moldes rígidos e é variável de caso para caso), como também a multiplicidade de datas e de percentagens se mostra cheia de inconvenientes práticos, impedindo a execução simples e correntia da lei.
Assim, o caminho aconselhável parece ser este: fixar uma só percentagem e uma só época em termos tais que a maioria dos casos fiquem abrangidos, mas não haja o risco de alguns o serem indevida ou excessivamente; e deixar para um segundo lanço de actualização, já dependente da cifra do rendimento colectável ilíquido constante da matriz ou de avaliação a realizar em tempo oportuno, os casos que não tenham conseguido obter justa e total (actualização naquele primeiro lanço.
Desde que se adopte esta orientação, a percentagem a fixar tem de sei- não muito alta, isto é, deve ficar nitidamente aquém da diminuição do poder de compra da moeda e da elevação dos preços e salários, e a escolha da data passa a ter menos importância, pois os casos que não forem abrangidos pelo aumento genérico conseguirão ser actualizados por meios da evidenciação do justo rendimento colectável ilíquido que lhes diga respeito.
Sugere a Câmara Corporativa que a percentagem de aumento genérico seja de 20 e que este aumento seja indiscriminada mente aplicado a todos os arrendamentos celebrados, até 31 de Dezembro de 1942. Se se tiver presente o quadro que se publica em nota27 e as circunstâncias notórias dos últimos anos, reconhecer-se-á que este aumento de modo nenhum pode considerar-se excessivo.
Ocorre perguntar porque se escolheu a data de 31 de Dezembro de 1942, e não outra. A resposta é esta: foi em 1943 que se verificaram, de facto, no tocante às casas, as grandes diferenças que traduzem desactualização relativamente às rendas fixadas antes desse ano. O exame de muitos casos ostra que, independentemente da curva dos preços em geral, foi a partir do fim de 1942 que as rendas estipuladas em novos arrendamentos passaram a ser sensivelmente mais altas do que as anteriores. Até ao fim de 1942 a alta das rendas em novos arrendamentos é muito menos sensível. E como, para os índices de 138,4 e 177,3 relativos a 1942 (vide o quadro da nota 27), se encontram os índices de 154,3 e 220,7 relativos a 1943, e os de 207,9 e 237,1 relativos a 1946, parece líquido que a atribuição do mencionado aumento de 20 por cento para as rendas anteriores a 1943 constitui incontestável justiça. E actualização que peca largamente por defeito, mas a falta é propositada; tira todas as dúvidas que uma percentagem mais alta ou uma data mais recente poderiam suscitar; pode ser corrigida nos semestres seguintes mediante novo aumento determinado por referência ao rendimento ilí-

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27 Evolução do custo da vida e dos preços por grosso:

[Ver tabela na imagem]

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quido constante da matriz; e sobretudo está de harmonia com a necessidade fundamental de a elevação das rendas, mesmo quando flagrantemente justa, se fazer de modo muito gradual, sem causar incomportáveis perturbações nos orçamentos familiares de quem vive em casas arrendadas.
Fica deste modo justificada a providência da alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do novo texto.

Consideremos o segundo problema.
Com o aumento de 20/por cento concedido a partir do 2.º semestre de 1947 às rendas fixadas antes de 1 de Janeiro de 1943, ficar-se-á, em muitos casos, bem longe da actualização completa das rendas. Sobretudo quanto aos arrendamentos anteriores a 1919, continuará a verificar-se grande diferença entre a cifra da renda em vigor e o justo valor locativo da casa. Para tais casos, a solução a aplicar deverá ser a de elevação das rendas até se atingir, caso por caso, o rendimento colectável ilíquido reconhecido como justo, e adoptado pelo Estado para efeitos tributários. Mas elevação a realizar em que termos? Com que ritmo?
Aqui se põe, com a maior delicadeza, a questão central e candente - falta de correspondência entre os recursos financeiros de grande parte da população e o valor para que as rendas teriam de ir se se facultasse imediatamente a actualização total. Tão longe se foi na sujeição dos rendimentos dos prédios urbanos a forte desvalorização, que algumas vezes a renda actual, em arrendamentos do princípio deste século, terá de ser multiplicada por dez e mais vezes para se igualar ao rendimento colectável ilíquido.
Tomemos o caso de dez vezes: a actualização da renda importaria num aumento de 1000 por cento. Basta sugerir esta percentagem para logo reconhecer que, por muito errada e injusta que seja a situação actual, é impossível sair dela, a não ser muito devagar.
Solução que à primeira vista se afigura natural seria esta: determinada a diferença entre a renda actual e o rendimento colectável ilíquido, fazer-se a divisão dessa diferença por certo número de anos, por exemplo cinco, e aumentar-se a renda, em cada ano, da parte correspondente. O longo tempo em que a actualização importaria parece abonar a suavidade do processo. E no entanto o processo é impraticável: se se escolhesse o já longo prazo de cinco anos, sucederia que em casos como o figurado acima (elevação total de 1000 por cento) a renda teria de sofrer em cada ano um aumento igual ao dobro dela mesma (200 por cento), o que sem esforço se reconhecerá incomportável para muitos, orçamentos. O ritmo tem de ser, pois, ainda muito mais lento.
O processo do aumento gradual necessita assim de regular-se, não pelo montante da importância final a atingir, mas pela própria importância actual da renda. Se os orçamentos dos arrendatários apresentam pouca elasticidade, a elevação tem de ser doseada de tal modo que o aumento de encargos, em cada período semestral, possa ser suportado sem graves sacrifícios. Isto é, o aumento semestral deve, também aqui, consistir numa percentagem sobre a renda actual.
Sugere a Câmara Corporativa que o aumento seja de 10 por cento em cada semestre.
Decerto isto importará, em alguns casos, o decurso de dezenas de anos até a renda ficar completamente em harmonia com o justo valor locativo do prédio. Sem ir mais longe: no coso de a diferença entre a renda actual e o rendimento colectável ser de dez vezes o montante daquela, a actualização só se completaria ao cabo de cinquenta anos!
Resultado inconveniente e injusto, sem dúvida: ele é porém imposto pelas circunstâncias imperiosas que já ficaram apontadas. Pode, quando muito, procurar-se atenuar a sua extensão, estabelecendo que, se a actualização dever protrair-se por anais de cinco anos, o aumento semestral será maior, mas sem nunca exceder 20 por cento da renda actual. A Câmara Corporativa considera ser esta a cifra máxima de aumento de encargo de renda que, em cada semestre, pode e deve ser imposto aos arrendatários antigos (cf. artigo 13.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2).
Ao legislador caberá, no futuro, se as condições económicas tiverem mudado em termos de ser possível aumentar a percentagem semestral, adoptar então nova percentagem mais alta, abreviando conseguintemente a actualização. O legislador actual tem de proceder com a maior prudência.

A aplicação do sistema exposto não obsta a que - podendo haver, e havendo decerto, fixações de rendimento colectável indevidamente feitas na matriz (por defeito ou por excesso) - sejam entretanto requeridas avaliações, nas termos gerais já justificados como sistema permanente de actualização. Os resultado(r) dessas avaliações, sejam elas requeridas pelo senhorio ou sejam requeridas pelo inquilino, deverão ser atendidos na determinação da importância final a atingir como renda, mas, se importarem em elevação, subordinar-se-ão ao ritmo de aumentos semestrais entre 10 e 20 por cento, conforme os casos. Quer dizer: nunca poderá haver agravamento da percentagem de 20 por cento, e só o número de semestres necessário para se completar a actualização sofrerá acrescentamento (vide alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º e n.º 2 do mesmo artigo).

Preconiza esta Câmara (n.º 1 do artigo 14.º) que as percentagens de aumento devem ser elevadas ao dobro nos casos em que tenha havido, por parte do arrendatário, alguma das transgressões do contrato previstas nos §§ 6.º e 7.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662, sem embargo de terem decorrido os prazos de caducidade estabelecidos naqueles parágrafos. Fácil é justificar esta providência: nos casos referidos - que são os de sublocação sem autorização do senhorio e de aplicação do prédio a fim diverso do contratualmente estabelecido - a economia ido contrato ficou frustrada em razão da transgressão cometida pelo arrendatário. Se inicialmente se tivesse estipulado a possibilidade de sublocação ou a aplicação do prédio a outro fim, a renda teria sido outra, mais elevada.
Pode a situação, ilegítima em si mesma, ter-se regularizado, por obra dos curtos prazos de caducidade, de seis meses, que as citadas disposições da lei n.º 1:662 estatuíram, e isso impedirá que a transgressão dê agora lugar a despejo; mas aquela perturbação da economia contratual subsiste, e fica a reclamar que ao menos se abrevie a actualização da renda.
A norma de elevação das percentagens ao dobro não deve, porém, aplicar-se se, por outra razão, a actualização integral dever demorar ainda menos tempo. É o que acontece com os casos em que, contratado o arrendamento para habitação, esteja a exercer-se comércio, indústria ou profissão liberal: a transgressão do contrato, quanto ao destino da casa, não pode colocar o arrendatário em situação mais favorável do que a estabelecida para os casos em que o exercício de comércio, indústria ou profissão liberal seja contratualmente permitido. Ora, como se mostrará adiante, a actualização dos arrendamentos para comércio, indústria ou profissão liberal deve realizar-se por um processo que muitas vezes se mostrará menos moroso do que o das percentagens semestrais, ainda que duplicadas.
Quanto aos arrendamentos contratados para comércio, indústria ou profissão liberal, e aplicados indevidamente a habitação, dá-se coisa semelhante: aqui, o facto da

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transgressão contratual não deve ter relevância para evitar o sistema de actualização, mais rápida, que corresponda ao destino estipulado no contrato.

Aos princípios expostos (em particular aos do novo artigo 13.º) devem prescrever-se excepções, quer em relação ao Estado ou serviços públicos com autonomia financeira, quer em relação às autarquias locais, organismos corporativos e de coordenação económica e pessoas morais que não tenham fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação, quer em relação às Tendas dos prédios destinados ao comércio, indústria ou exercício de profissões liberais. Trata-se, em qualquer dos casos, de arrendatários em relação aos quais se não justificam medidas especiais de protecção ou, pelo menos, se não justificam em grau tão elevado.
Pode ainda citar-se a este respeito, pelo seu interesse, o sistema francês.
Enquanto os prédios destinados à habitação estiveram desde 1929 sujeitos a um aumento gradual das rendas, estabelecia-se no artigo 5.º da lei de 12 de Julho de 1933, relativamente aos arrendamentos para comércio ou indústria, o seguinte: "Si les conditions économiques se sont modifiées au point dentralner une variation de plus dun quart de la valeur locative fixée conformément à la presente loi, les parties pourront demander la révision du prix précédemment établi ... "28.
Mais longe vai ainda a lei de 13 de Julho de 1933, que nas alíneas 6) e 7) do artigo 3.º preceitua: "Si le propriétaire justifie, six móis ou moins avant l'expiration du bail, d'une offre faite par un tiers, les arbitres vérifieront. la sincérité et la réalité de cette offre, que le propriétaire pourra accepter si le locataire ne peut faire une offre égale. Le prix du loyer sera alors fixé au montant de l'offre recannue sincère et réelle... Les arbitres devront, en outre, examiner si cette offre est hors de proportion avec la valeur du loyer ser lequel le propriétaire pourrait raisonnablement compter. Dans ce cas, le locataire qui renoncera au renouvellement du bail pourra réclamer une indemnité d'éviction dans les termes de l'art 4 ci-après".
Pois, em Portugal, e salvo pelo que respeita às taxas de actualização, que são ligeiramente superiores, os arrendamentos para comércio ou indústria estão sujeitos, quanto a rendas, à mesma disciplina dos outros arrendamentos e, noutros aspectos, estão mesmo mais favorecidos, parecendo que a pretexto de se resolver a crise de habitação.
De uma maneira geral pode dizer-se que as condições económicas do comércio e da indústria não são as menos favorecidas na actual crise económica. E se é sobretudo em nome dessa crise que se sugere um sistema cauteloso de actualização de rendas, esse sistema deve ceder, neste caso, para se atender de preferência à crise que atinge os proprietários. Por isso, em 1 de Janeiro de 1948 devem estar actualizadas todas as rendas, segundo o que se sugere adiante, e em 1 de Julho do corrente ano serão elevadas, pelo menos, em 50 por cento da diferença entre a renda actual e o rendimento colectável ilíquido.
A solução preconizada pela Câmara Corporativa para a actualização dos arrendamentos comerciais e industriais tira a acuidade a um problema que, se não fora aquela solução, teria de ser resolvido em separado: o relativo aos casos em que, sendo arrendatária uma sociedade por quotas, se verifica haver, em favor de pessoas que ao tempo do arrendamento não tinham a qualidade de sócios, a transmissão inter vivos de mais de metade do capital social, ou arte, às vezes, a transmissão da totalidade deste. Semelhantes casos, a despeito de formalmente a sociedade arrendatária se manter com a mesma personalidade jurídica, correspondem substancialmente a operações de traspasse, e envolvem a frustração de o proprietário do prédio exercer os direitos que a lei actual lhe confere no caso de traspasse, designadamente o de requerer avaliação para correcção do rendimento colectável e da renda. Desde que na no vá lei se atribua ao proprietário a faculdade de requerer sempre a avaliação, e se prescreva que a actualização completa da renda, nos arrendamentos comerciais e industriais, se realizará em pouco mais de um ano, a situação ficará automaticamente remediada. No caso contrário, impor-se-ia declarar que, ,pelo menos para efeito de poder ser requerida avaliação e corrigida a renda, a referida transmissão de quotas ficava equiparada ao traspasse do estabelecimento.
O sistema de actualização que se sugere para os arrendamentos destinados a comércio ou indústria deve ser aplicado às outras referidas entidades.
Mas, em relação ao Estado e serviços públicos com autonomia financeira, não se vê motivo para que não se permita uma imedata actualização. Dá-se, até, esta circunstância estranha, que urge remediar: o Estado, por um lado, como entidade fiscal, a exigir e cobrar contribuição predial relativamente a um rendimento colectável elevado, a título de este rendimento ser justo; e o mesmo (Estado, pelo outro lado, como arrendatário, a prevalecer-se de leis proteccionistas da habitação e a abster-se de pagar ao proprietário esse rendimento colectável que a justiça impõe. Esta dualidade necessita de desaparecer quanto antes. Mas, além disso, é princípio dificilmente contestável o de que os encargos da ocupação de casas por serviços públicos têm de ser custeados por todos os cidadãos, pela via do imposto, e não de um modo particular pelos (proprietários das casas tomadas de arrendamento. Este princípio é paralelo do que levou recentemente à remodelação do regime das expropriações por arbitragem, em termos de se evitar que por vezes o proprietário expropriado tenha de suportar individualmente o peso de encargos que, a todos aproveitando, por todos devem ser repartidos.
Demais, é um traço geral que não pode esquecer-se: a organização de um sistema, em que a actualização se faça muito lentamente e se molde sobre a própria importância actual da renda, qualquer que ela seja, inspira-se e justifica-se nas condições especiais do arrenda/mento para habitação. Em princípio, esse sistema só deve ser aplicado a casos em que a satisfação da necessidade de habitação esteja em causa, ou haja outras razões muito fortes (como acontece em relação às pessoas colectivas que se proponham fins humanitários, beneficentes, assistenciais ou educativos, quer com projecção local, quer com projecção geral).
Os organismos corporativos não carecem de ser isentos do sistema de actualização em dois semestres: os arrendamentos são sempre, neste caso, relativamente recentes, e a actualização em dois semestres nunca se mostrará, por isso, muito pesada.
Neste sentido se redigiu o novo artigo 15.º

25. Contribuição a cargo do arrendatário. - A subida gradual das rendas importa modificação na contribuição predial a cargo do arrendatário, nos termos do artigo 44.º do decreto-lei n.º 25:502, de 14 de Junho de 1935.
Pela legislação actual 29 o senhorio deve obter um certificado na secção de finanças respectiva, do qual

28 Estas revisões já eram, de resto, permitidas pelas leis de 6 de Julho de 1925 e 30 de Junho de 1926.
29 Decreto-lei n.º 25:851, de 14 de Setembro de 1985.

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conste a parte da contribuição que compete ao inquilino, e é com base nesse certificado que pode ser exigida, juntamente com a renda, essa parte, dividida em duodécimos. Subindo-se gradualmente a renda, a senhorio parece que terá de obter, de seis em seis meses, um novo certificado, o que é inconveniente, oneroso e perturbador para os serviços de finanças. Um sistema a adoptar seria, possivelmente, o de se obter um único certificado em que se indicassem desde logo todas as reduções na quota-parte a cargo do arrendatário, até completa actualização. Mas também não vê a Câmara Corporativa que seja de aconselhar esse processo, pelas dificuldades que criaria ainda nas secções de finanças. Mais aconselhável lhe parece ser o de manter o actual certificado e, num sistema que não é rigorosamente jurídico, mas que a equidade aconselha, impor ao arrendatário o pagamento de toda a quota a seu cargo, até o aumento da renda atingir metade da diferença entre a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido à data da entrada em vigor da lei, e libertá-lo em seguida de qualquer responsabilidade no pagamento da contribuição. O excesso de um lado é praticamente compensado pelo excesso do outro.

26. Limitação de rendas excessivas. - No projecto, enquanto se atribuem aos senhorios aumentos das suas lendas quando inferiores ao rendimento colectável ilíquido, nada se diz acerca das rendas exageradas que estão a ser exigidas, sobretudo em alguns centros populacionais do País. O exame do projecto não impunha, portanto, à Câmara Corporativa pronunciar-se sobre a matéria. Foram, porém, aprovadas na Assembleia Nacional, na sua sessão de 14 de Dezembro último, duas moções sobre o problema do inquilinato e em ambas se reconheceu a necessidade de o Estado reagir contra as especulações por parte dos senhorios. Na previsão de que na discussão do projecto o problema de novo se suscite - e porque do ponto de vista social a questão da limitação "lê rendas excessivas constitui um dos mais importantes aspectos do arrendamento e da habitação -, entende a Câmara Corporativa que deve desde já dar o seu parecer.
A questão das rendas excessivas, que tem tomado especial acuidade nos grandes centros do País, tem uma causa: a falta de habitações e, designadamente, a falta de habitações para as classes médias. A oferta diminuiu em consequência da diminuição de construções durante o período de guerra e a procura tornou-se maior em virtude de factores vários de ordem económica, que se acentuam sempre durante os conflitos internacionais. Para reagir contra esta realidade há dois processos: o económico e o jurídico.
O económico será o de o Estado construir ou o de fomentar a iniciativa particular por qualquer dos modos doutamente referidos nas quatro primeiras alíneas da moção do ilustre Deputado Manuel Lourinho 30. Não há que curar agora desses meios, mas não deixará de se citar a ordonnance francesa n.º 45-1:421, de 28 de Junho de 1945, que instituiu um serviço nacional de alojamentos, cujo objectivo é o de construir ou fomentar a construção de imóveis. Na exposição dos motivos explica-se que "ce service, qui ne jouira daucun monopole de fait ou de droit, sera un organisme d'intervention de l'Êtat pour la construction, mais qui ne doit pas assurer lui-même la gestion des immeubles, qui seront pris en charge par des sociétés d'hábitation à bon marché, par des offices communaux ou départementaux ou tous autres organismes" 31.
O processo jurídico será o de o Estado tabelar as rendas, como tem tabelado os géneros de primeira necessidade. Em três considerandos daquela moção é sustentada uma tese a que a Câmara Corporativa dá o seu aplauso: a de que a solução do problema do inquilinato não deve ser apenas de ordem jurídica e que nem o problema é solúvel por instrumentos exclusivamente de ordem legislativa32.
Se se tivessem em vista apenas os arrendamentos já celebrados no momento da entrada em vigor da lei, a questão podia resolver-se radicalmente, como foi resolvida em alguns Estados. Reduzindo-se as rendas por força de uma disposição legal, certos inquilinos teriam, para futuro, um encargo, num ponto de vista objectivo, mais justo.
Medidas desta natureza foram adoptadas em todos os tempos, e até no tempo de Júlio César, mas, em regra, de eficácia limitada a uma certa cidade - capital, centro de estudos, grande mercado internacional, etc. - e de duração transitória, para evitar a fuga de capitais destinados a construções 33.
Não atendendo àquelas medidas que as excepcionais condições de alguns países devastados pela última guerra tiveram de adoptar, podem citar-se, dentro desta orientação, os exemplos da França e da Alemanha.
Naquele primeiro país, pelo artigo 1.º da lei de 12 de Julho de 1933, relativa aos arrendamentos para comércio ou indústria, "les prix des baux à loyers, normaux, prorogés ou renouvelés d'immeubles ou des locaux à usage commercial, industriel ou artisanal, ayant pris cours ou conclus avant le 1er juill 1932 et d'une durée contractuelle égale ou supérieure à six ans, pourront être révisés, en une d'une réduction de prix. Les baux conclus au choix des parties pour des périodes successives at ayant pris cours avant le 1er juill 1932, dont, l'ensemble égale ou dépasse six ans, pourront de même être révisés".
Apesar do alcance muito restrito deste diploma (diz respeito apenas a arrendamentos a longo prazo), mostra-se pela justificação que foi feita pelo autor da proposta (Raymond Susset) que não foi o abuso dos senhorios que a justificou, mas a crise do comércio em França em 193234. Mas, embora de alcance limitado,

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30 "a) Construção de bairros económicos para as classes media e pobre;
b) Facilitar a criação d organizações particulares com a finalidade de ajudar a solução do problema habitacional;
c) Facilitar a aplicação de capitais dos organismos de previdência na construção de casas económicas para os seus associados;
d) Facilitar a aplicação de capitais particulares nas construções referidas".
31 Instituições semelhantes foram criadas noutros países devastados pela guerra, mas delas não pôde obter-se conhecimento directo.
32 "1.º Considerando que a solução do problema do inquilinato urbano não deve ser apenas de ordem jurídica;
2.º Considerando que ele é também consequência de fenómenos de ordem económica, que não são solúveis ou facilmente modificáveis por instrumentos exclusivamente de ordem legislativa;
3.º Considerando que um problema assim não pode ser resolvido modificando apenas as disposições legais que o regulamentam:".
33 É curioso, por exemplo, notar o cuidado que se pôs em Avignon em seguida à instalação do Papado naquela cidade. Estabeleceu-se uma sanção religiosa para as rendas excessivas: a excomunhão; como medida jurídica, o seu tabelamento por uma comissão de taxatores domorum; mas, como medida de precaução económica, declarou-se que seria livre a fixação de rendas em relação aos edifícios novos (Vide Gonzalez y Martinez, Arrendamentos urbanos, p. 3).

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esta lei foi recebida cora apreensões. Trasbot, comentando-a, escreveu: «Le fondement économique et juridique de la loi parait assez faible. Depuis que dês lois incessantes viennent prasque chaque année modifier lês conditions dês contraís de louage librement consentis, au profit tantót du locataire, tantôt ãu propriétaire, U nexiste plus aucun set&timent de sécurité dons lês loca-tions immobilières. Nest-il pás permis de croire que Ics conséquences économiques regrettables et durables de cette instabilité dans lês rapports juriMques Vem-portent de bcaucoup ser lês avantages momentances es-comptés et inême obtenus par cês lois?»35.
Ainda em França, mas só muito cautelosamente, se estabeleceram também limites de rendas de casas para habitação. Segundo a lei de 30 de Junho de 1929 (artigo 11.º), expirada uma prorrogação, não poderia, até 1 de Julho de 1939, arrendar-se de novo o prédio por uma renda superior em 300 por cento ou em 325 por cento do valor locativo em 1 de Agosto de 1914, mas esta limitação só dizia respeito aos prédios construídos até esta data 36.
A fixação do tipo legal de renda a que teriam de submeter-se em qualquer caso ambos os contraentes, e a pedido de qualquer deles, apareceu sobretudo nos países germânicos até à guerra de 1939. Na Áustria, em 26 de Janeiro de 1917, em relação apenas a certas cidades, e depois, em 20 de Janeiro de 1918 e 7 de Dezembro de 1922, em relação a todo o país. Na Alemanha em 24 de Março de 1922 e 20 de Fevereiro de 1928. Estas leis alemãs não se aplicavam contudo, é preciso acentuá-lo, aos contratos concluídos de novo por mais de dois anos sobre locais desocupados ou que se desocupassem depois de 31 de Março de 1928. Tratava-se portanto de um sistema afinal correspondente ao da renovação imposta ao senhorio, adoptado pela generalidade dos países.
Vê-se, pois, que nenhuma destas medidas resolveria o problema que hoje é posto no nosso País, porque ele diz respeito precisamente, ou sobretudo, às rendas novas. O problema dos abusos dos senhorios só ficaria resolvido se se fixassem limites para as rendas dos contratos futuros e quaisquer que fossem os prédios arrendados, à semelhança do que se tem feito para os géneros necessários à alimentação. Ora é essa limitação que à Câmara Corporativa se afigura impraticável, além de poder ter as mais nocivas consequências no ponto de vista económico, consequências que nenhuma das bis citadas deixou de considerar.
A mercadoria habitação não é uma mercadoria sujeita, pela sua própria natureza, como o milho, o trigo ou o azeite, a ser lançada forçadamente no mercado em tudo o que exceder as necessidades do produtor. Salvo casos raros, que só se verificam nos grandes centros e, com relevo, apenas em Lisboa, a casa tanto pode servir para arrendar como para habitação do proprietário ou de quem o proprietário quiser, a título gratuito. Não se trata, portanto, de uma mercadoria susceptível de um regime de stockage, paralelo ao adoptado para aqueles géneros, ou de qualquer espécie de mobilização seguida de arrendamentos forçados. Ainda se poderia pensar em onerar com tal encargo os prédios que uma vez tivessem sido arrendados ou que, pela própria natureza da construção, se mostrassem destinados a esse fim. Mas o nascimento de um simples ónus, em consequência de um prévio arrendamento, podia ter consequências graves 37.
Dir-se-á, porém: ao proprietário convém sempre arrendar, porque sempre é melhor receber a renda justa do que não receber nada. Não é esta a questão. E que, continuando a iniciativa do arrendamento a ter de pertencer ao proprietário, .não há possibilidade de fiscalizar e de evitar o mercado negro das habitações. As rendas ficariam mais baratas, é certo, porque o inquilino teria a garantia de uma vez celebrado o contrato, pagar a renda fixada na lei, mas ver-se-iam imediatamente instituídos os sistemas de luvas, de pagamento das chaves, de intermediários, das vendas fictícias de mobílias, etc., por mais severas, que fossem as sanções legais. Esses expedientes serviriam para compensar a diminuição da renda; os senhorios não sofriam, portanto, uma real diminuição dos seus lucros excessivos, e os inquilinos, em vez de suportarem o encargo de uma renda exagerada, teriam de suportar um dispêndio imediato de capital, o que podia ser muito pior, porque seria para muitos incomportável.
O Estado não tem meios de evitar este mal (e podia citar-se o exemplo de alguns Estados estrangeiros), bem pior do que o de um transitório agravamento de rendas. Apenas se poderia, com certo optimismo, pensar que, assim como há proprietários rústicos que entregam todo o seu milho e todo o seu trigo ao Estado para uma distribuição equitativa pela população, sempre alguns proprietários cumpririam a lei, e o problema, ao menos, ia-se resolvendo em mais um sector. Simplesmente parece que são antieducativos todos os sistemas jurídicos restritivos que só tenham aplicação aos homens honestos. Só como medidas de extrema necessidade se deverão, pois, adoptar.
E essa extrema necessidade parece não existir neste caso.
A crise é grave porque as rendas são em alguns centros exageradíssimas; mas a crise não é profunda. Não houve cidades destruídas pela guerra; o que houve, sobretudo, foi, a par do aumento da população, uma diminuição no movimento das construções durante a última guerra, que se acentuou sobretudo no ano de 1941, em Lisboa e no Porto, e em 1943, em Coimbra 38, e tudo leva a crer que esse déficit possa ser preenchido nos anos próximos com uma adequada política económica por parte do Estado e das câmaras municipais.

37 Não atendendo ao período da guerra e às medidas excepcionais que foi preciso tomar em alguns países em consequência das devastações ou das deslocações em massa, houve no entanto um pais - a Alemanha, não sabemos se único - que adoptou um sistema de arrendamentos obrigatórios. A lei de 26 de Julho de 1923 impôs aos proprietários o dever de comunicarem às autoridades da região a existência de locais do habitação não utilizados (§ 3-º)» podendo essas autoridades obrigar, dentro de um prazo prudente, o proprietário ou usufrutuário a celebrar um contrato de arrendamento com pessoas necessitadas de habitação. Esta lei, todavia, não se aplicava aos novos edifícios (§ 12.º) nem às moradias caras, nem às casas existontus em povoações com monos de 15:000 habitantes.

38 Prédios para habitações construídos nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra e número de pavimentos:

35 Em Dalloz, Zoe. cit.

38 Aquele prazo foi prorrogado até 1 de Junho de 1939, pelo " " 31 de Dezembro de 1937. Esta matéria foi re-

artigo 9.º da lei de 31 de Dezembro de 1937. Esta matéria foi regulada ainda por leis posteriores, que continuaram a referir-se aos prédios antigos ou aos casos de prorrogação que tivessem expirado em virtude dessa lei (vide sobretudo leis de 28 de Fevereiro de 1941 e 30 de Março de 1943, já em pleno período de guerra).

[ver tabela na imagem]

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Melhor parece pois à Câmara Corporativa que se resolva a crise de habitação pelo seu meio natural e único eficiente: fomentar a construção de novas casas, sobretudo de casas de frenda média e de renda módica. O próprio aspecto mais agudo daquela crise - serem excessivas as novas rendas pedidas pelos senhorios - só por aquele meio pode de facto ser resolvido. Providências restritivas, insertas no regime jurídico do arrendamento, não seriam eficazes (pois nestes domínios é inevitável a fraude) e revelar-se-iam contraproducentes: iriam provocar precisamente o contrário do que é necessário - o retraimento dos capitais destinados à construção de casas.
Do que há mister é atrair e fixar capitais, na edificação de casas que estejam - pela sua quantidade, pelo seu tamanho e composição, e pelo seu preço - em harmonia com as verdadeiras necessidades da população. Ora, para este efeito, o que pode e deve fazer-se juridicamente, numa lei sobre regime do inquilinato, não está descurado no projecto nem nas considerações deste parecer.
Entre resolver o problema pelo permanente (fomento de novas construções) e resolvê-lo, só na aparência, pelo transitório (ilusórias limitações de novas rendas), a escolha consciente deve recair no primeiro termo.
Outras providências jurídicas podem porventura ser estudadas e tomadas - tais como a dificultação por algum tempo das construções luxuosas, nas grandes cidades, a fim de se poder intensificar a edificação de casas médias e económicas; a orientação da política da venda dos terrenos no sentido de ser facilitada e assegurada essa edificação; a permissão de construir em maior altura; a acomodação do tipo das casas às necessidades que vão servir (a fim de evitar os inconvenientes de construir grandes habitações que logo vão ser utilizadas fora do seu destino normal ou tem de ser ocupadas por várias famílias vivendo em falanstério, dado serem a renda e o tamanho da casa excessivos para as posses de uma família só); etc. Mas essas ou outras providências da mesma sorte, quer jurídicas quer económicas, estão fora do âmbito de um projecto de lei sobre contrato de arrendamento.
A Câmara Corporativa formula no entanto o voto de que o problema da habitação seja urgentemente encanado em todos os seus outros aspectos, por forma que as providências sobre regime jurídico do inquilinato sejam a breve prazo seguidas de outras, igualmente destinadas a fazer regressar à normalidade e ao1 equilíbrio tão importante elemento da vida da população.

CAPITULO V

Sublocação

27. Subordinação das sublocações ao arrendamento.- O problema das sublocações do prédios urbanos é o que, ao lado do da renovação dos contratos e fixação das lendas, mais se tem discutido no nosso País dentro desta matéria do inquilinato. É que as sublocações têm sido, na verdade, fonte de constantes e flagrantes injustiças, tendo o sistema actual, cheio de imperfeições técnicas e jurídicas, permitido criarem-se à sua sombra situações socialmente parasitárias, em que indivíduos, sem outra espécie de trabalho que não seja o pagamento da renda ao senhorio, auferem lucros por vezes consideráveis, negociando com um objecto que lhes não pertence. Várias medidas têm sido adoptadas para combater esta situação, mas a sua eficiência, mercê de causas várias que adiante serão apontadas, não tem sido perfeita.
Tão graves são as injustiças e os abusos a que se tem assistido, que, à primeira vista, podia parecer que a melhor solução seria a de se proibirem, pura e simplesmente, para futuro, as sublocações. Mas, por um lado, poderá considerar-se isso lesivo da liberdade contratual: se o senhorio concede ao arrendatário a faculdade de sublocar, não deve o Estado impedir essa convenção. Por outro lado, há casos em que ao senhorio convém delegar no arrendatário a sublocação, como são os de residir longe, não poder ocupar-se do recebimento de rendas, não encontrar pessoas que pelas suas relações de intimidade possam ocupar conjuntamente o mesmo prédio, etc. O que importa, pois, é que os abusos que hoje frequentemente se notam se tornem impossíveis, e parece à Câmara Corporativa que a orientação geral do projecto neste sentido satisfaz.
Dispõe o artigo 9.º que o a sublocação de prédios urbanos caduca tom a rescisão do arrenda mento, mesmo nos casos em que aquela produza efeitos em relação ao senhorio".
Para o completo entendimento deste artigo convém aproximá-lo na disposição do artigo 32.º do decreto n.º 5:411, que preceitua: "A sublocação de qualquer prédio urbano só produzirá efeitos em relação ao senhorio quando este haja consentido nela ou quando lhe tenha sido notificada pelo arrendatário ou sublocatário". É esta uma disposição difícil de compreender, não obstante o § 2.º deste mesmo preceito declarar que "o disposto neste artigo não prejudicará os direitos e obrigações recíprocas entre o arrendatário e o sublocatário, nem os direitos do senhorio em relação àquele, nos termos do artigo anterior". E que, sendo a sublocação um segundo arrendamento, em que o arrendatário, na posição de senhorio, dá de novo de arrendamento o prédio, em rigor não se pode saber quais são os efeitos da sublocação em relação ao senhorio. A sublocação pode impor-se ao senhorio, se este a autoriza; se a não autoriza pode pedir o despejo; mas o que ela não produz, em princípio, são efeitos em relação ao proprietário, porque toda a sua eficácia se situa nos respectivos contraentes, ou seja no sublocador é sublocatário.
Porque são estes os princípios rigorosos, e o texto da lei parece afastar-se deles, os autores e a jurisprudência tem procurado atribuir um certo alcance àquela afirmação legal; e nessa orientação têm surgido as mais desencontradas opiniões. Há quem entenda, por exemplo, que a acção de despejo, neste caso, tem de ser intentada contra o arrendatário e subarrendatário ou até apenas contra o subarrendatário (cf. artigo 987.º, alínea 6), do Código de Processo Civil); há quem entenda que a rescisão do contrato de arrendamento, por si, não afecta os direitos do sublocatário; há quem sustente que os actos ilegais par parte do sublocatário implicam para o senhorio - proprietário - o direito de obter o despejo, etc., e há quem sustente precisamente as opiniões opostas.
Ora o artigo 9.º do projecto pretende imprimir uma certa orientação na resolução destes problemas, fazendo uma afirmação de subordinação do segundo contrato ao primeiro: o segundo não atribui ao primeiro uma maior soma de validade ou de relevância nem lhe altera o regime nas relações entre os contraentes; sempre que o primeiro se rescinda, o segundo desaparece.
Marca-se, deste modo, logo de começo o caminho pretendido e louvável de não beneficiar os contratos de sublocação. Os sublocatários só têm, em princípio, a protecção devida aos arrendatários, estando os seus direitos inteiramente dependentes dos direitos destes, pelo que o senhorio nunca pode ser beneficiado ou atingido pelo facto de autorizar uma sublocação.
A palavra rescisão é que parece não ter amplitude bastante para traduzir o intuito visado. A extinção da relação jurídica arrendamento tanto pode resultar da rescisão do contrato como do seu termo por não reno-

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vação, ou da sua revogação ou resolução, e em qualquer destas hipóteses deve considerar-se extinta a sublocação. Assim, por exemplo, se o arrendamento, foi feito por um usufrutuário e o usufruto cessa, se o arrendatário declara não pretender a renovação do contrato, se na mia vigência os contraentes resolvem revogá-lo JLOS termos do artigo 702.º do Código Civil, o> contrato extingue-se, e essa extinção deve importar extinção de todos os contratos de sublocação que lhe estão subordinados. Entende, nestas condições, a Câmara Corporativa que a palavra rescisão deve ser substituída pela palavra extinção.
A parte final do artigo parece, por seu turno, ser desnecessária e até equívoca. Por um lado, nada fica a significar e, por outro lado, permite manter as incertezas que tem provocado a afirmação da eficácia da sublocação em relação ao senhorio. O que deve expressamente resolver-se é a questão da legitimidade dos réus, porque pode entender-se, não obstante a subordinação afirmada no artigo de um contrato ao outro, que continua em vigor a alínea ò) do artigo 987.º do Código de Processo Civil39.
Também (parece à Câmara Corporativa conveniente preceituar no artigo, que os actos de receber rendas e de passar recibos aos sublocatários importam anuência para a continuação do arrendamento com estes. Esta solução está no espírito do projecto, como se nota sobretudo através do artigo 13.º, e na dispensa de forma solene para a celebração do contrato. Não há, porém, motivos para atribuir um prazo, como se propõe nos casos de caducidade por cessação do usufruto, visto haver um facto novo de especial relevo: o receberem-se as rendas de uma pessoa que ocupa já a posição de arrendatário. Aqui, ao contrário do caso do usufruto, o receberem-se rendas do sublocatário tem significação inequívoca.

28. Notificação da sublocação. - A necessidade da autorização do senhorio para a sublocação nem sempre foi exigida no nosso direito. O artigo 1605.º do Código Civil permitia a sublocação desde que ela não fosse proibida por cláusula do contrato, e a mesma doutrina transitou para o artigo 31.º do decreto n.º 5:411. A lei n.º 1:662, actualmente em vigor nesta matéria, estabelece o princípio de que a sublocação é sempre proibida, salvo quando autorizada por lei, pelo contrato ou pelo consentimento escrito do senhorio (artigo 7.º), e prescreve como sanção o despejo imediato de todo o prédio, mesmo que se trate de sublocação parcial.
O artigo 32.º do decreto n.º 5:411 exigia, porém, para que a sublocação produzisse efeitos em relação ao senhorio, que ele tivesse conhecimento dela ou que ela lhe fosse notificada no prazo de quinze dias seguintes ao contrato. (Este regime foi estabelecido, como se viu, num diploma que dispensava a autorização para a sublocação, e portanto uma de duas: ou tinha sido autorizada e não era necessária a notificação ou não tinha sido autorizada e a notificação não podia dispensar-se. Publicada a lei n.º 1:662, exigindo sempre a autorização, duvidou-se da possível aplicabilidade para futuro da segunda parte daquele artigo 32.º Na verdade, desde que a autorização passou a ser sempre necessária, em nenhum caso, parece, haveria lugar à exigência da notificação. As dúvidas são no entanto legítimas, porque se pode entender, e efectivamente tem-se entendido, que o legislador, ao referir-se ao conhecimento do senhorio, na primeira parte do artigo 32.º, teve em vista um conhecimento especial do caso, e portanto um conhecimento que não resulta da autorização geral dada no contrato.
São estas as dúvidas que aparecem resolvidas no artigo 10.º do projecto, e nestes termos: se o senhorio consentiu especialmente na sublocação ou reconheceu posteriormente o sublocatário, não há necessidade de notificação; se o senhorio se tiver limitado a autorizar genericamente a sublocação por cláusula contratual, a notificação é necessária, não podendo considerar-se suprida esta formalidade pelo simples conhecimento de que o prédio foi sublocado.
Esta solução, que já é a mais aconselhável segundo a lei vigente, é a única aceitável dentro da orientação seguida, com a qual a Câmara Corporativa concorda, de atribuir à sublocação mais enérgicos efeitos pelo que respeita à posição do senhorio. O contrato de sublocação atinge por tal forma essa posição, facultando ao senhorio o exercício de direitos que até aí não tinha, que não pode aceitar-se a possibilidade da realização de um desses contratos sem o seu conhecimento, e este não pode ser assegurado senão por meio de uma notificação judicial.
E compreende-se que não se admita o arrendatário a provar que efectivamente o senhorio teve esse conhecimento. E quase sempre uma prova falível, com base em presunções ou em depoimento de testemunhas, e as consequências são graves demais para que se considere suprida por essa forma a notificação.
Se a notificação não for requerida em tempo oportuno, a consequência será naturalmente considerar-se ilegal a sublocação. Sem esta sanção, a providência seria ineficiente.
Tais são as bases em que foi redigido o novo artigo 22.º

29. Possibilidade do aumento de rendas. - No artigo 111.º do projecto contém-se um princípio que aparentemente já se encontra prescrito na alínea c) do artigo 29.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928. Nesta alínea preceitua-se, na verdade, que podem ser livremente fixadas pelos respectivos proprietários "as rendas dos prédios ou parte dos prédios que forem sublocados ou vagarem a partir da publicação" desse decreto. Este diploma, limitando-se, porém, a permitir o aumento da renda em relação às sublocações posteriores a 30 de Março de 1928, não se refere, pelo menos claramente, aos arrendamentos celebrados antes dessa data, o que tem provocado hesitações na jurisprudência.
A questão resolve-se agora em termos genéricos e radicais: qualquer que seja a data do contrato, o senhorio pode fixar livremente a renda, e só o não pode fazer se houver renunciado por escrito a esse direito. Esclarece-se assim uma dúvida, e no sentido mais conforme com o espírito e economia do projecto.
O aumento da renda só se torna efectivo, como resulta do § 1.º, a partir do momento da renovação. Não pode ser de outra maneira, pois que o permitir-se desde logo esse aumento importava a inutilização completa do regime da sublocação. O arrendatário ou ficava obrigado até ao fim do período vigente a pagar a renda que lhe fixassem, e, sendo assim, evidentemente que nunca subi oca vá, ou tinha a possibilidade de abandonar o prédio, e a sublocação afinal passaria a constituir sempre, de facto, mesmo que autorizada, um motivo para o despejo imediato.
O momento até o qual deve ser feita a notificação do aumento deve ser fixado expressamente na lei. O arrendatário deve ter ainda a possibilidade de fazer cessar o arrendamento no fim do prazo estipulado ou do prazo

____________________

39 Artigo 967.º: "O mandato de despejo executar-se-á, seja qual for a pessoa que esteja ria detenção do prédio, excepto:
a) ............................
b) Se existir título de sublocação emanado do executado".

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de renovação, e para isso deve ter conhecimento do aumento, pelo menos, dez dias antes de começarem os prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil.
O facto de praticamente a livre fixação da renda funcionar como um meio de obter o despejo e de no entanto, a lei distinguir as duas possibilidades tem levado alguns autores a limitar o âmbito da primeira através da teoria do abuso do direito. Há, afirma-se, a possibilidade legal de aumentar a renda, mas não pode exercer-se esse direito abusivamente, fixando-se uma renda superior ao justo valor do prédio. No projecto afasta-se ostensivamente esta construção, e, realmente, desde que se admite adiante o despejo para o fim do prazo no caso de subarrendamento, toma-se incompreensível qualquer limitação baseada naquela teoria.
O que pode é considerar-se inútil este artigo 11.º Todavia ele ainda desempenha uma certa função. É que o proprietário pode não querer efectivamente o despejo, mas unicamente um aumento de renda. A lei faculta-lhe o meio de o poder obter sem ter de despejar o prédio.
A Câmara Corporativa entende, pois, que é de aprovar a doutrina deste artigo, eliminando-se o § 2.º, que não tem razão de ser, desde que não se crie o fundo referido no § 5.º do artigo 4.º Mesmo, como se disse já, não havia muito a esperar desta receita. O senhorio não deixaria, se a renda pretendida fosse acessível, de requerer o despejo e arrendar de novo o prédio, para não ficar sujeito à diminuição prescrita neste parágrafo.
Parece, porém, à Câmara Corporativa que se deve preceituar claramente que este artigo não é aplicável às sublocações autorizadas anteriormente à entrada em vigor da lei, senão nos termos em que os aumentos eram já facultados anteriormente, para não se admitir, afinal, contra o preceituado no n.º 2.º do § 1.º do projecto, que o senhorio ponha termo a todos os arrendamentos anteriores, havendo sublocação. Não está esta última solução no espírito do projecto e não se compreende, na verdade, que, em certa medida, não sejam atendidas situações que regularmente se constituíram à sombra das leis actuais, como adiante se mostrará mais desenvolvidamente ao tratar-se do problema do despejo.

30. Possibilidade de o senhorio se substituir ao arrendatário. - Ao lado do direito de o senhorio aumentar as rendas, prescrito no artigo 11.º, e do direito de despejar o prédio findo o prazo do arrendamento ou da renovação, prescrito no n.º 2.º do § 1.º do artigo 17.º, nos artigos 12.º e 13.º do projecto é-lhe conferido o direito de se substituir ao arrendatário, recebendo directamente as rendas dos sublocatários, que passarão, para todos os efeitos, a ser havidos como arrendatários directos.
A autonomia e o interesse desta faculdade reflecte-se num aspecto: é que, em princípio, caducando o contrato de arrendamento, as sublocações caducam também (artigo 9.º do projecto), ao passo que nesta hipótese caduca o arrendamento mas mantêm-se as sublocações, que ficam sujeitas ao regime proteccionista daquele.
Que dizer desta nova faculdade?
Limitando-se a acção de despejo, ou a possibilidade do aumento de rendas, às sublocações posteriores à entrada em vigor da nova lei, compreende-se, em relação às anteriores, o largo alcance que tal faculdade pode ter. E que, através dela, pode pôr-se fim a todas essas situações imorais e especulativas contra as quais tanto se tem procurado reagir. O senhorio não tem o direito de despejar o prédio nem de aumentar a renda, mas poderá substituir-se ao arrendatário, passando os sublocatários à posição de arrendatários directos. Os intermediários e as especulações desaparecem e os sublocatários não sofrem as consequências da rescisão do contrato de arrendamento, pois se lhes assegura o direito de habitação do mesmo modo que é assegurado a todos os arrendatários.
Assim interpretou a Câmara Corporativa os artigos 12.º e 13.º do projecto, não obstante haver uma afirmação equívoca neste último artigo. Dizendo-se nele «e o senhorio deseje conservar os sublocatários«, parece que se refere especialmente, senão exclusivamente, à hipótese de o senhorio poder, se quiser, despedir os sublocatários, quando o grande interesse do preceito está precisamente naqueles outros casos em que o despejo e o aumento livre das rendas não são facultados, por a sublocação ser anterior à entrada em vigor da lei. Parece dever tratar-se, portanto, especialmente, de regular aqueles casos em que os sublocatários têm o direito de permanecer no prédio, embora se possa também aplicar o princípio quando, por ser a sublocação posterior à lei, o senhorio tenha a possibilidade de obter o despejo.

O direito de substituição aparece regulado, como se disse, nos artigos 12.º e 13.º O artigo 12.º visa a sublocação parcial e o artigo 13.º a sublocação total.
Quanto à sublocação total, quer a um único sublocatário, quer a vários, o princípio não é susceptível de nenhuma crítica, embora deva ser hoje de aplicação rara, dadas as possibilidades que têm sido conferidas aos senhorios de obterem neste caso, de farto, o despejo do prédio findo o prazo do arrendamento. Será um caso de verificação rara, como rara será a aplicação do artigo em relação às sublocações posteriores à entrada em vigor da lei, em que igualmente se passa a facultar sempre o despejo. Mas o ser rara a sua aplicação não quer dizer que não seja conveniente a existência do artigo, sobretudo porque se concilia muitas vezes o interesse dos sublocatários com o direito do senhorio. Este, em vez de despejar o prédio, pode manter a situação constituída, ficando aqueles na situação de arrendatários directos.
Tratando-se, porém, de uma sublocação parcial, em que continuou, portanto, o arrendatário a habitar uma parte do prédio, não se justifica a doutrina dos artigos, nem quanto às situações já constituídas no momento da entrada em vigor da lei, nem quanto às futuras.
Pelo que respeita às anteriores, por mais que se reconheça a sua imoralidade ou inconveniência, não pode esquecer-se o legislador, por um lado, de que essas situações foram constituídas legitimamente e por vezes com autorização expressa do senhorio, pelo menos de 1924 para cá, e, por outro lado, que não se podem, de um momento para o outro, despojar, quantas vezes da sua única fonte de receita, todos aqueles que, particularmente nos grandes centros, hoje vivem à sombra das actuais leis do inquilinato. Nem juridicamente, nem socialmente, portanto, o problema deve ter a solução radical que resultaria da aplicação do artigo 12.º do projecto. O ideal teria sido não criar o mal; mas, agora, remediá-lo pode ser pior, porque o remédio é susceptível de provocar um outro e mais grave problema de ordem social.
Desde que as situações estão legalmente constituídas, parece preferível deixá-las permanecer nos termos em que se constituíram, e os senhorios não têm fundamento real para se considerarem lesados, porque as suas rendas beneficiam da actualização, como todas as outras. Nos casos em que não tenha havido autorização do senhorio para a sublocação e sómente se tenha legalizado a situação por ter caducado o direito de intentar a acção de despejo, a actualização das rendas deve ser, no entanto, mais rápida, como acima se sugeriu.
Pelo que respeita às sublocações posteriores, também não parece de aprovar a doutrina do artigo 12.º Os se-

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nhorios já gozam de duas faculdades: podem obter o despejo e podem aumentar as rendas. Não há, portanto, um interesse de relevo em lhes conferir uma outra. E há inconvenientes: a substituição, nestes casos de sublocação parcial, importando a quebra do vínculo que liga o arrendatário ao sublocatário, tem como consequência poder o senhorio realizar mais tarde novos contratos, se os antigos caducarem, com outros arrendatários, relativamente às partes sublocadas do prédio, criando-se com isso situações insuportáveis para o primitivo inquilino. Se as sublocações dissessem sempre respeito a partes perfeitamente distintas de um prédio, podia o inconveniente não ser grande; mas há que contar com sublocações de um ou mais aposentos dentro do mesmo prédio, sem nenhuma separação material com o resto a casa, e que tiveram lugar sómente porque as relações de intimidade entre arrendatário e sublocatário permitiam uma convivência que seria intolerável com pessoas estranhas.
O intuitus personae, que é vivo em casos desta ordem, inibe, pois, que se aceite uma solução jurídica que faça quebrar as relações entre os originários contraentes.

Admitindo-se o direito de substituição no caso de sublocação total do prédio, importa prever a forma de levar ao conhecimento dos interessados essa substituição e fixar o momento em que ela se torna efectiva. Parece indicado que se exija a notificação judicial tanto do arrendatário como do sublocatário e que esse direito só possa exercer-se dentro dos prazos em que a lei faculta a notificação para a cessação do arrendamento (Código de Processo Civil, artigo 970.º) para ter lugar no fim do prazo do contrato ou da renovação.

31. Prova da sublocação. - Dispõe o artigo 14.º do projecto: «Presume-se que há sublocação ou cessão do direito ao arrendamento quando durante mais de um mês resida com o arrendatário pessoa que não vivesse com ele à data do contrato e que não seja descendente ou ascendente dele». E este um princípio do maior alcance prático. Todas as medidas que se tomem para combater as situações irregulares, que até hoje tem sido possível constituir à sombra da legislação que nos rege, serão improfícuas se não se facilitar a prova da sublocação. São os factos que o mostram. E que ao lado do contrato de arrendamento existe um outro, de contornos mal definidos, que tem pontos de contacto com o primeiro e que com ele se confunde: o contrato de albergaria ou pousada, regulado nos artigos 1419.º e seguintes do Código Civil.
Em que se distinguem os dois?
O contrato de arrendamento supõe, nos termos dos artigos 1595.º do Código Civil e 1.º do decreto n.º 5:411, a transferência para outrem, por certo tempo e mediante determinada retribuição, do uso e fruição de uma coisa imóvel; a albergaria importa a prestação a outrem de albergue e alimento, ou só de albergue, mediante retribuição ajustada. Implicando o albergue o alojamento da pessoa e, por consequência, a cessão do uso do prédio, além de outras obrigações, como a cessão de móveis e a prestação de serviços pessoais inerentes ao próprio alojamento, neste contrato está implícito um contrato de arrendamento, e como tal teria de ser considerado se, precisamente, as outras obrigações que lhe são inerentes lhe não alterassem a fisionomia jurídica e lhe não imprimissem uma natureza própria - além de contrato de prestação de coisas, tem a natureza de contrato de prestação de factos (de serviços).
A circunstância que, portanto, permite distingui-los é esta: enquanto no arrendamento há apenas prestação de coisas, no albergue há prestação de coisas e de serviços. Mas, se num ponto de vista jurídico é fácil a distinção, na prática surgem embaraços, e não só se tem tentado e conseguido fraudar a lei, dando ao arrendamento (sublocação) o aspecto de um contrate de albergaria, como os senhorios têm tido sempre dificuldade em fazer a prova da sublocação. Por isso se disse que este artigo 14.º tinha o maior alcance prático.
Estabelecendo-se uma presunção legal de sublocação quando durante certo prazo resida com o arrendatário pessoa que não vivesse com ele à data do contrata, a prova para o senhorio passa a incidir apenas sobre essa convivência, ficando a cargo do inquilino ilidir a presunção.
Somente parece que os usos normais da vida aconselham a limitar um pouco, sob este aspecto, a presunção. Não só a convivência, embora duradoura, de um descendente ou ascendente deixa de ter, presumivelmente, o carácter de uma sublocação, mas também a convivência de outras pessoas, como irmãos, sobrinhos, pupilos e até o próprio cônjuge, que o autor do projecto inadvertidamente excluiu. Sem dúvida que, nestes casos, pode haver sublocação; mas estamos aqui no domínio das presunções, e essas têm de basear-se na normalidade das relações sociais. Ora, quando alguém recebe em sua casa, embora por tempo superior a um mês, um irmão, um sobrinho, um pupilo, normalmente pretende albergá-los, gratuita ou onerosamente, e não arrendar-lhes uma parte de casa. Acresce ainda que com esta presunção se pretendem evitar fraudes, e essas fraudes ficam tendo, mesmo com uma ampliação do artigo, um campo muito limitado de eficiência.
Entende também a Câmara Corporativa que é demasiadamente curto o prazo de um mês para a existência da presunção. Esse prazo deve ser elevado a três meses, embora deixe de se exigir que seja a mesma pessoa, durante esse período, a habitar a casa para se evitar que a sublocação ao mês fique fora da alçada da presunção.
E, para evitar a fraude grosseira de se inutilizar a disposição, pela fácil prova de algum ou alguns dias de intervalo, deve ainda acrescentar-se que o tempo de habitação pode ser seguido ou interpolado, o que obriga por sua vez à fixação de limites dentro doa quais haja de verificar-se esse tempo de habitação. Assim: noventa dias seguidos ou interpolados, no espaço de um ano.
Também é de parecer a Câmara Corporativa que a presunção seja júris et de jure quando na prestação de albergue não se contenha a prestação do alimento, isto é, a prestação normal do alimento da pessoa ou pessoas alojadas, não a simples prestação de qualquer refeição secundária e incaracterística. Nesse caso, o contrato de albergaria, caracterizado apenas através da prestação de alguns serviços de mínimo relevo, não se distingue, afinal, estruturalmente, do contrato de arrendamento e contém em si todos os elementos, de direito e de facto, que justificam o regime apertado da sublocação. Não há um motivo sério, pois, para os distinguir, e podem evitar-se quase radicalmente as fraudes.
No texto adiante sugerido ainda a Câmara Corporativa introduz um quarto princípio: o de que para a prova de sublocação não é necessário fixar-se o quantitativo da renda nem o prazo do contrato. Trata-se de reagir contra certa jurisprudência dos nossos tribunais, que tem inutilizado, praticamente, com aquelas duas exigências, o regime legalmente estabelecido para â sublocação, designadamente quanto aos direitos que assistem ao senhorio de aumentar a renda ou despejar o prédio.
Deve dizer-se, por último, que não é conveniente falar-se, como se fala no artigo 14.º, em cessão do direito ao arrendamento. Conceitualmente, as duas figuras - sublocação e cessão do direito ao arrendamento - distinguem-se: numa há um segundo arrendamento, em

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que o primeiro arrendatário figura como senhorio e o sublocatário como segundo arrendatário; noutra substitui-se a pessoa do arrendatário por outra que vem ocupar na relação jurídica a posição daquela. Simplesmente, a transmissão ou cessão do arrendamento não é permitida por negócios jurídicos intervivos, sendo para todos os efeitos havida como sublocação. E a própria lei, no § único do artigo 91.º do decreto n.º 5:411, que equipara as duas figuras, e com a referência no novo texto à cessão pode parecer que se pretende de alguma maneira autonomizá-la, criando-se uma figura que não deve existir senão nos domínios dos traspasses de estabelecimentos comerciais ou industriais. A autonomia dessa figura caracterizar-se-ia praticamente pelo facto de ficar o senhorio obrigado a receber directamente as rendas do cessionário, que seria para futuro havido como arrendatário directo.

CAPITULO VI

Recebimento de «chave»

32. Destino da multa. - Ao dispor-se no artigo 15.º do projecto que «o recebimento de chave para habitação continuará a ser punido nos termos do artigo 110.º do decreto n.º 5:411, mas o dobro da quantia recebida não será restituído ao sublocatário e reverte para o fundo mencionado», pretendeu-se, como é óbvio, simplesmente obter uma receita para o fundo de indemnizações dos senhorios. Eliminando-se no fundo, como se sugere, este artigo deve ser eliminado.

CAPITULO VII

Direito de preferência dos arrendatários na alienação dos prédios

33. O direito de preferência em relação aos prédios para habitação. - O artigo 16.º do projecto contém uma importante inovação em matéria de direitos de preferência resultantes do contrato de arrendamento ao conferir esse direito aos arrendatários e prédios destinados a habitação. Hoje, de uma maneira geral, só os arrendamentos para comércio ou indústria dão lugar à preferência nas vendas, nos termos do artigo 11.º da lei n.º 1:662.
É de parecer a Câmara Corporativa que esta inovação não deve ser aprovada.
O direito de preferência, quando direito real de aquisição, implica uma séria restrição ao direito de propriedade e, além disso, embaraça gravemente o comércio jurídico. Por isso esse direito tem carácter muito excepcional em todos os sistemas legislativos, sendo admitido apenas naqueles casos em que, acima de um interesse privado a satisfazer, há o interesse público em pôr termo a uma situação inconveniente sob o ponto de vista económico ou social. É deste meio que em geral as legislações se servem para reagir contra os condomínios e as figuras chamadas entre nós propriedades imperfeitas ou contra certos ónus ou restrições que prejudicam o livre ou melhor aproveitamento das coisas.
A nossa lei, em confronto com as legislações estrangeiras, é já bastante fértil neste domínio dos direitos de preferência. Haverá razões para ir mais longe ainda? Pensa a Câmara Corporativa que não.
Anteriormente ao Código Civil, e à parte o exercício dos direitos de avoenga, de carácter puramente familiar, apenas se admitia um caso de direito de preferência ou de opção: o conferido aos senhorios directos em relação às alienações do domínio útil (Ordenações, liv. IV, tít. 38). O Código criou vários: no artigo 1566.º, em matéria de alienação de quotas de coisas indivisíveis; nos artigos 1678.º e 1703.º, em relação às alienações do domínio útil e do domínio directo, e no artigo 2195.º, em matéria de quinhões. Em leis posteriores, tanto públicas como privadas, tem sido criados a todo o propósito direitos reais de preferência, dos quais alguns se encontram hoje regulados no Código Civil, onde foram introduzidos pela reforma de 1930.
A linha geral do pensamento do legislador tem-se mantido, no entanto, fiel ao princípio acima enunciado, de que só interesses económicos ou sociais, e portanto a inconveniência de certas situações jurídicas, justificam a atribuição de direitos de preferência como meio de lhes pôr termo.
Em matéria de arrendamentos há já, pelo menos, onze casos de preferência. Alguns não têm, porém, relevo jurídico, porque são determinados por motivos particulares que não interessam à construção do instituto (bairro da Ajuda, prédios do Estado, prédios construídos por associações de socorros mútuos, caixas de reforma e caixas económicas); outros não importam para a apreciação deste artigo do projecto, porque dizem respeito apenas aos arrendamentos por tempo superior a dez anos e tem em vista evitar que, por fraude, se dê a forma de arrendamento a longo prazo a uma alienação perpétua quando sobre essa alienação alguém possa exercer direitos de preferência; outro ainda do respeito ao traspasse do estabelecimento comercial. Da natureza do conferido no artigo 16.º do projecto há apenas um - o do artigo 11.º da lei n.º 1:662 -, que preceitua: «O principal locatário, comercial ou industrial, de prédio urbano pode usar do direito de opção, nos termos da legislação geral, quando o senhorio vender o prédio. § único. Se o principal locatário não puder ou não quiser usar desse direito, poderá usá-lo qualquer dos outros locatários, pela ordem decrescente das rendas».
Pelo projecto, atribuindo-se ainda o direito de preferência ao locatário do prédio onde se encontre instalado um estabelecimento comercial ou industrial, ele é atribuído também aos locatários de prédios arrendados para habitação.
A faculdade conferida pelo artigo 11.º da lei n.º 1:662 tem sido discutida, mas os autores procuram justificá-la dentro da índole geral do direito de preferência. A situação do prédio arrendado para um estabelecimento comercial ou industrial é muito semelhante à de uma propriedade imperfeita. Claro que, no rigor dos princípios, não há fraccionamento do domínio, pois o prédio pertence exclusivamente ao senhorio, sendo meros direitos de crédito os direitos de uso e fruição atribuídos ao arrendatário. Mas, de facto, desde que o legislador impõe àquele a renovação do contrato, desde que não se extingue o vínculo nem por morte de um nem por morte do outro, e sobretudo desde que é admitido livremente o traspasse e se reconhecem em certos casos aos inquilinos direitos sobre a mais valia do prédio, tudo aparece, afinal, como se existisse um fraccionamento perpétuo do direito de propriedade.
Em relação aos arrendamentos de casas destinadas a habitação as coisas passam-se de maneira muito diferente. Basta não se admitir o traspasse ou a cessão do direito ao arrendamento por negócio jurídico inter vivos nem o direito a indemnização pelo termo do arrendamento para a diferença ser sensível, vincando-se mais fortemente a natureza obrigacional do contrato, e isso parece ser o bastante para não se dever atribuir ao locatário, neste caso, o direito de preferência.
Deve notar-se que já é preciso forçar o rigor das situações jurídicas e atender antes às realidades para considerar legítimo o direito de preferência nos arrendamentos mercantis. Ora, é da economia do projecto, aliás revelada em várias das disposições a que se tem feito

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referência, e sobretudo na do artigo 17.º, a que se fará referência a seguir, o aproximar o contrato da sua natureza originária, isto é, de contrato criador de meros vínculos obrigacionais. Sobretudo, o carácter de quase perpetuidade que actualmente tem, e que o aproxima de uma verdadeira enfiteuse, é profundamente atingido, e isso parece que devia conduzir antes a uma revisão da doutrina do artigo 11.º da lei n.º 1:662, e não a uma ampliação do direito de preferência 40.
É a isto que conduz a lógica dos princípios. E parece que também a lógica dos factos.
A doutrina nova do artigo 16.º é, realmente, inconveniente sob vários aspectos.
Em primeiro lugar, e ao contrário do que acontece, nos casos de preferência admitidos pelo Código Civil, não há nos arrendamentos uma situação anómala que à lei caiba permitir, mas não proteger. O arrendamento importa uma situação normal, porque todos carecem de uma habitação e nem todos possuem ou podem possuir uma casa. É, pois, uma situação que o legislador não tem que contrariar, porque não é socialmente inconveniente, e o direito de preferência conferido sómente para proteger interesses privados não tem justificação. Não se esqueça que ele constitui uma grave restrição ao direito de propriedade, e que todas as restrições ou são impostas pelo interesse público ou pelas relações de vizinhança. Não há outras no nosso direito.
Mas os inconvenientes sobressairiam ainda sob outros aspectos: o proprietário teria de obter, para que pudesse alienar o prédio «em o perigo de uma acção de preferência, uma renúncia por escrito do arrendatário. Não renunciando o arrendatário, seria preciso notificá-lo judicialmente. Ora tudo isto demoraria, e às vezes há urgência em efectuar uma transacção; as notificações custam dinheiro, e só um prédio pode ter dez ou vinte inquilinos; as preferências diminuem o valor da propriedade, e os capitais destinados a construções precisam de ser protegidos e não afugentados.
Se se persistisse, pois, na ideia de que não há motivo para distinguir entre arrendamentos para fins comerciais e arrendamentos para habitação, a Câmara Corporativa entenderia então, ser preferível revogar o artigo 11.º da lei n.º 1:662, e o correspondente § único do artigo 9.º da mesma lei, a atribuir o direito de preferência neste caso.

34. O direito de preferencia em relação a prédios destinados ao comércio ou à indústria. - Mantido o direito de preferência em matéria de arrendamentos para comércio ou indústria - mais pela razão, tantas vezes invocada pelos jurisconsultos do século passado, de que é absolutamente necessário não alterar as leis quando não seja absolutamente necessário modificá-las, do que por qualquer outra -, é de parecer a Câmara Corporativa que o artigo 16.º deve ser aprovado, eliminadas as referências, no corpo do artigo e no § 3.º, aos arrendamentos para habitação e feitas algumas outras modificações.
No corpo do artigo atribui-se o direito de preferência no caso de venda particular ou judicial. Deixa-se em branco uma questão que se tem suscitado à volta, sobretudo, do artigo 1566.º do Código Civil, e que é a de saber se a dação em pagamento de uma obrigação pecuniária importa igualmente a possibilidade da preferência. Em regra o Código Civil faz referência aos dois actos (artigos 1678.º, 1703.º e 2195.º), mas naquele caso, como em matéria de arrendamento, apenas se refere ao contrato de venda, e tem havido necessidade de atribuir à dação em pagamento uma natureza distinta da que rigorosamente comporta, para justificar a melhor solução, que é a de equiparar os dois negócios jurídicos. É, pois, preferível, a deixar-se uma dúvida em aberto, resolvê-la expressamente.
A referência à venda judicial parece ser inteiramente inútil. Antes da publicação do Código de Processo Civil de 1939 era de duvidar se no caso de venda judicial se mantinha o direito de preferência, e isto porque o artigo 848.º do Código de 1876 mencionava os preferentes que deviam ser citados para a praça, e nessa enumeração, feita em harmonia com o Código Civil, não se indicavam os arrendatários de prédios destinados ao comércio ou indústria, nem outros, cujos direitos só foram reconhecidos depois de 1876. Hoje, porém, não são possíveis quaisquer dúvidas em face do artigo 892.º do novo Código, que preceitua: «As pessoas a quem a lei reconhecer o direito de preferência (trata-se evidentemente da lei substantiva) serão notificadas do dia e hora da arrematação ou dia e hora da entrega dos bens ao proponente para poderem exercer o seu direito no acto da praça ou da adjudicação».
Em relação à venda judicial, dispõe-se no § 2.º do artigo 16.º do projecto que «todos os arrendatários serão citados para assistirem aos termas do processo, sob pena de nulidade». Também se compreende mal este preceito, em face do citado artigo 892.º do Código de Processo. A exigência da citação para os termos do processo parece implicar a exigência de uma citação para os termos da acção ou da execução, o que não é necessário. O único interesse em causa, do arrendatário, é o da preferência, se vier a efectivar-se a venda judicial, e, portanto, não há senão que o notificar, nos termos prescritos no Código, para a arrematação ou para o dia da entrega dos bens ao proponente.
Também não se compreende a razão da nulidade neste caso especial de arrendamento. Em qualquer outro caso de direito de preferência, e quer se trate de venda particular ou judicial, a única consequência que resulta da falta de notificação é o preferente poder vir exercer o seu direito dentro de certo prazo. Dispõe, na verdade, o § único daquele artigo que «a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular». E na venda particular, em todos os casos de preferência (§ 4.º do artigo 1566.º do Código Civil), o interessado pode «haver para si a parte vendida a estranhos, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que tenha conhecimento da venda, depositando, antes de efectuada a entrega, o preço que, segundo as condições do contrato, estiver pago ou vencido». E este o processo mais simples de salvaguardar os interesses dos preferentes, não havendo necessidade de anular a praça,

40 O autor do projecto sustentou de jure constituendo a doutrina que ora se contém no artigo 16.º, relativamente aos arrendamentos para habitação, na Revista dos Tribunais (ano 46.º, p. 177), escrevendo: «Já se disse que o direito de preferência de que nos estamos ocupando devia ser aplicado aos arrendatários de habitação. Não vemos inconveniente em que essa ampliação se faça, pois, na verdade, as razões que determinam o arrendatário a exercer o direito de preferência - por vezes motivos de ordem sentimental - existem talvez em maior grau no inquilinato de habitação. E, se é certo que pode considerar-se ao presente quase igual a protecção dispensada a todos os arrendatários, desde que cessem as disposições transitórias que regulam o contrato de arrendamento, voltariam a ser os arrendatários comerciais e industriais muito mais favorecidos e portanto os que menos necessidade têm de se valer da preferência para se furtarem à acção do senhorio, aliás mais platónica do que real».

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e sobretudo de estabelecer para este caso um regime diferente do regime geral.
O que convém é, expressamente mandar aplicar neste caso as disposições dos §§ -4.º e 5.º do artigo 2309.º do Código Civil, evitando-se possíveis dúvidas, se forem vários os arrendatários a poderem exercer, com posição igual, o direito de preferência 41.

Declara-se na parte final do artigo 16.º que o direito de preferência atribuído aos arrendatários é graduado em último lugar na escala das preferências. Embora omissa a lei a este respeito, as tendências da doutrina são já estas e as razões em que se funda são procedentes. "Só depois de arrumados os direitos visando a singularidade da propriedade (emergentes da indivisão e da propriedade quinhoeira), como escreveu o Sr. Dr. Pinto Loureiro, se deverão considerar... os
concorrentes ao regresso da propriedade imperfeita (enfiteuse e censo) à forma perfeita, para em último lugar se pensar na passagem da propriedade de onerada a
livre (traspasse de estabelecimentos comerciais ou industriais, alienação de prédio arrendado em que se encontrem instalados esses estabelecimentos, etc.)" 42.
O § 1 .º do artigo 16.º contém a doutrina do § único do artigo 11.º da lei n. º 1:662. À parte modificações na forma, apenas se eliminou a referência ao caso do arrendatário não poder usar do direito de preferência, ao que não corresponde nenhuma alteração do conteúdo.
O § 3.º é que contém doutrina nova, quer pelo que respeita à sublocação, quer pelo que respeita ao não exercício de comércio ou indústria no prédio. Segundo o direito vigente, o sublocador que fica a explorar uma parte do prédio não perde o seu direito de preferência, embora fique a concorrer com o sublocatário se a sublocação puder impor-se ao senhorio. Dado o fundamento do direito de preferência e o regime muito particular da sublocação e dos traspasses, neste domínio dos arrendamentos comerciais, a doutrina do projecto não tem justificação clara. Talvez ela tivesse sido formulada em vista dos arrendamentos para habitação, e, como é de parecer a Câmara Corporativa que neste caso não deve admitir-se o direito de preferência, considera prejudicado o preceito do § 3.º
A exclusão do direito de preferência em certos casos é de aceitar. O não exercício do comércio ou indústria no prédio deve afastar todos aqueles direitos ou prerrogativas que só existem para protecção das actividades mercantis. Mesmo, portanto, nos casos em que é vedado ao senhorio requerer o despejo - caso de força maior ou encerramento do estabelecimento por decisão judicial (artigo 5.º, § 9.º, da lei n.º 1:662) - justifica-se a solução do projecto.

CAPITULO VIII

Acções de despejo

35. Despejo imediato. Casos em que é admitido. - Dispõe-se no artigo 17.º do projecto que se consideram "revogados a partir da vigência desta lei os preceitos limitativos da acção de despejo de prédios urbanos". Confrontando-se este texto com o do § 1.º do mesmo artigo, vê-se que se pretende regular no corpo do artigo a acção de despejo imediato e no § 1.º a acção de despejo para o fim do prazo estipulado no contrato ou da renovação. Tratando-se de duas acções distintas, é de toda a conveniência regulá-las em disposições separadas para que se não confundam nos seus fundamentos ou nos princípios que as dominam.
A revogação de todos os preceitos limitativos da acção de despejo imediato importa, como consequência, a aplicação ao contrato de arrendamento de prédios urbanos do princípio geral contido no artigo 709.º do Código Civil. Segundo este artigo, sempre que um dos contraentes falte ao cumprimento do contrato (e os contratos obrigam tanto ao que neles é expresso como às suas consequências usuais e legais - artigo 704.º) o outro contraente pode ter-se igualmente por desobrigado, considerando-se rescindido o negócio jurídico. E a denominada condição resolutiva tácita.
Nunca se entendeu até hoje aplicável o artigo 709.º. ou esta condição, em matéria de contratos de arrendamento. Já as Ordenações limitavam a quatro os casos em que era permitida a rescisão do contrato por parte do senhorio 43. O Código Civil fez igualmente uma especificação no artigo 1607.º 44 e indicou, paralelamente, nos artigos 1610.º e 1611.º, os casos em que a rescisão podia ser requerida pelo arrendatário. A mesma orientação foi seguida em todos os diplomas legislativos que depois do Código regularam esta matéria. E, bem vistas as coisas, tão complexa se apresenta sempre a relação jurídica de arrendamento que é muito difícil, através do contrato, através da lei e através dos usos, dizer com segurança se foi ou não violada uma obrigação contratual. E as consequências são demasiadamente graves para que possa deixar-se ao arbítrio e ao critério do tribunal a apreciação de cada caso em concreto. Importa, pois, criar um direito certo.
Foi sempre essa, como dissemos, a preocupação do nosso legislador. Veja-se, por exemplo, o artigo 40.º do decreto n.º 4:499, de 27 de Junho de 1918, considerando falta de cumprimento do contrato o praticarem-se actos que incomodem ou perturbem os vizinhos, "como bater, arrastar móveis, e outros semelhantes, durante a noite", ou ter em casa animal que perturbe o sossego dos moradores do prédio. Este e muitos outros são factos que, em rigor, nunca se poderiam considerar, ou não considerar, compreendidos em alguma cláusula tácita do contrato ou nos usos da terra.
É de parecer, nestas condições, a Câmara Corporativa de que a afirmação genérica de que se consideram revogados os preceitos limitativos da acção de despejo não deve ser aprovada, porque dela resultaria a aplicação ao contrato de arrendamento do princípio geral do artigo 709.º do Código Civil, com todos os seus inconvenientes e incertezas.
De resto, daquela afirmação parece induzir-se uma conclusão errónea: a de que há na legislação nova do inquilinato limitações à acção de despejo imediato que careçam de ser afastadas quando a orientação seguida desde o Código Civil até agora tem sido, bem pelo con-

41 Artigo 2309.º ...............................................................
§ 4.º Apresentando-se, mais de um proprietário a usar desse direito, abrir-se-á licitação entre eles, e o maior valor produzido reverterá a favor do vendedor.
§ 5.º No caso de haver mais do um proprietário com direito de preferência, não poderá nenhum deles fazer valer em juízo o seu direito sem previamente notificar os outros, nos termos do artigo 641.º do Código de Processo Civil (hoje artigos 1511.º e seguintes), e, no caso de alguns dos notificados se apresentarem a preferir, será aberta licitação entre os preferentes, sendo adjudicado o respectivo direito a quem por ele maior preço oferecer e em seguida depositar, no prazo de três dias, a favor do vendedor o excedente sobre o preço primitivo do contrato e pagar dentro de trinta dias a respectiva sisa.
42 Manual aos Direitos de Preferência, I, p. 94.
43 Liv. IV, tit. XXIV: "A pessoa que der de aluguer alguma casa a outrem por certo preço, e a certo tempo, não o poderá lançar fora dela durante o dito tempo, se não em quatro casos. O primeiro he...
44 Artigo 1607.º: "O senhorio poderá, contudo, despedir o arrendatário, antes de o arrendamento acabar, nos casos seguintes:
1.º ............................................................................

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trário, a de ampliar, e não a de limitar, os fundamentos do despejo.
O Código Civil admitia apenas dois - falta de pagamento de renda e uso do prédio para fim diverso daquele que lhe é próprio ou para que foi arrendado (artigo 1607.º). O decreto n.º 5:411 veio acrescentar a estes um outro fundamento - o de necessitar o prédio obras indispensáveis e urgentes (artigo 21.º). A lei n.º 1:662 fez uma enumeração muito mais larga no artigo 5.º, e outros têm aparecido em diplomas posteriores. A causa destas ampliações tem sido a proibição do despejo para o fim do prazo do arrendamento. Compreende-se que, sendo imposta ao senhorio a renovação do contrato, se lhe procurem assegurar por outros meios os seus direitos sobre o prédio, tornando-lhe mais acessível a acção de despejo imediato.
O que importa, pois, desde que se mantém a proibição de requerer o despejo para o fim do prazo, é ampliar ainda (e neste sentido concorda a Câmara Corporativa com a economia do projecto), mas através de uma especificação, os casos de despejo imediato, para se não cair no princípio praticamente inaplicável do artigo 709.º do Código Civil 45.

E que fundamentos novos devem ser previstos?
É difícil fazer uma previsão completa de causas justas. Podem, no entanto, referir-se algumas, sem que se negue a possibilidade da existência de outras.
Assim, entende a Câmara Corporativa que, à semelhança do que se passa no usufruto, deve admitir-se o despejo imediato do prédio se o arrendatário fizer dele mau uso, de forma a prejudicar consideràvelmente o proprietário 46. Trata-se de um direito que era facultado pelas Ordenações, "quando o alugador usa mal da casa, assi como danificando-a, ou usando nella de algus actos illicitos, e deshonestos, ou dannosos á casa" 47, e que é reconhecido também em leis estrangeiras.
No texto sugerido pela Câmara Corporativa inseriu-se precisamente a fórmula do artigo 2249.º do Código Civil, por já estar o seu significado fixado pela doutrina e pela jurisprudência.
Não em sentido muito diferente, mas certamente mais impreciso, se exprime a lei francesa de 9 de Março de 1918, ao dizer que há fundamento para a rescisão se "le locataire ne jouit pas des lieux loués en bon père de famille".
Outro fundamento justo é o de o arrendatário se ter comprometido a fazer obras e não cumprir essa obrigação. Por mais absurdo que isso pareça, o que é certo é que, dado o artigo 5º da lei n.º 1:662, parece que está hoje vedado ao senhorio obter a rescisão do contrato por este fundamento e é-lhe sempre muito difícil conseguir por meios judiciais o cumprimento desta obrigação.
O terceiro fundamento sugerido é o de ser inerente no contrato de arrendamento a obrigação para o arrendatário de prestar serviços pessoais e estes deixarem, por qualquer causa, de ser prestados. Não se trata de matéria nova. Pelo artigo 1.º do decreto n.º 13:980, de 25 de Julho de 1937, e não se consideram abrangidas pelas disposições de quaisquer diplomas que regulam o contrato de arrendamento de prédios urbanos as concessões de habitação feitas pelas empresas agrícolas ou industriais, individuais ou colectivas, ao pessoal nelas empregado, quer as habitações concedidas sejam em edifícios pertencentes às empresas, quer arrendadas por estas". E acrescenta-se no artigo 2.º: e As concessões de habitação feitas nos termos do artigo antecedente durarão enquanto vigorar o contrato de prestação de serviços" 48. Trata-se, portanto, agora de generalizar este preceito a concessões de casas para outros fins que não sejam agrícolas ou industriais. Nas cidades de Lisboa e Porto o problema põe-se sobretudo em relação àqueles indivíduos a quem são fornecidos aposentos para o exercício das funções de porteiro.
E, por outro lado, a providência é particularmente aconselhável, desde que se vá, como o projecto propõe, para a solução de o arrendamento poder ser celebrado sem título escrito.

Além da admissão de fundamentos novos, entende a Câmara Corporativa ser indispensável regular melhor um dos fundamentos já existentes - o de ser indevidamente aplicado o prédio ao exercício de indústria.
A lei n.º 1:662 faculta, no § 7.º do artigo 5.º, a acção de despejo imediato "quando, sendo o prédio arrendado para habitação, for aplicado... ao exercício de qualquer comércio ou indústria". E o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1929 (Diário do Governo de 5 de Fevereiro seguinte) dispõe que "há uso do prédio para fim diverso do convencionado quando, tendo sido arrendado para habitação, nele for exercida a indústria de casa de hóspedes ou pensão".
Dado que um dos mais frequentes abusos na aplicação do prédio a fim diverso do convencionado está no exercício habitual do contrato de albergaria ou pousada, do qual o arrendatário aufere consideráveis proventos, ao mesmo tempo que se aproveita do regime de fixação de baixas rendas estabelecido para o inquilinato habitacional, compreende-se o interesse que tem definir-se quando esse exercício constitui indústria, em termos de evitar que a protecção da lei seja concedida a situações que não a merecem. Nem se deve esquecer que a existência generalizada de hóspedes traz reais prejuízos ao senhorio, já no que respeita à conservação da casa, já pelo que toca à categoria do prédio.
Ora acontece que as disposições da lei n.º 1:662 e do assento de 1929 tem sido interpretadas de modo demasiado amplo. Designadamente já se tem entendido que o exercício de indústria de casa de hóspedes ou de pensão só existe quando a prestação de albergaria ou pou-

45 No projecto Pinto Loureiro continha-se uma disposição que praticamente conduzia à solução do projecto. O n.º 4.º do artigo 41.º exprimia-se assim: "Em quaisquer outros casos em que esse direito (despejo imediato) seja expressamente reconhecido por lei ou convenção". Esse artigo mereceu o seguinte comentário do Prof. Dr. Alberto dos Reis: "Sou de parecer que a violação de uma cláusula especial do contrato só deve ser causa de despedimento imediato quando com tal violação se altere profundamente a economia do contrato ou se façam sofrer ao locador prejuízos consideráveis. Não se compreende que o contrato se interrompa e rescinda por qualquer falta ligeira e insignificante cometida pelo locatário. Porém, desde que a transgressão praticada por este exponha o locador a prejuízos avultados ou se destrua o equilíbrio do contrato, é de justiça que possa conduzir à rescisão imediata, quer se lhe tenha convencionalmente atribuído tal efeito, quer não tenha. Não é possível obter uma fórmula de tal modo precisa que evite o arbítrio do julgador. Em face de cada caso concreto competirá ao tribunal decidir se a infracção deve ou não, pela sua gravidade, provocar a rescisão imediata do contrato. Pode, pois, o n.º 4.º ficar redigido nestes termos: "Quando o locatário infringir alguma cláusula especial do contrato, se a infracção for suficientemente grave para justificar a rescisão imediata da locação".
É precisamente este arbítrio do tribunal que à Câmara Corporativa parece ser fundamental evitar. Trata-se de matéria que pela sua gravidade deve ser regulada em normas de direito estrito.
46 Cf. artigo 2249.º do Código Civil, assim redigido: "O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário, faça mau uso da coisa usufruída; mas, se o abuso se torna consideràvelmente prejudicial ao proprietário, poderá este requerer que se lhe entregue a coisa...".
47 Loc. cit.
48 Ainda outras aplicações do mesmo princípio se encontram na nossa lei, em relação, por exemplo, a casas fornecidas aos funcionários públicos (decreto n.º 20:181, de 24 de Julho de 1981, artigo 3.º, § 4.º), a empregados ferroviários (decreto n.º 11:928, de 21 de Julho de 1926), etc.

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sada corresponde aos requisitos prescritos na legislação tributária ou na legislação administrativa; e assim se eximem à sanção da lei flagrantes casos de transgressão do contrato. Não se trata de sublocação indevida, porque a hipótese é de contrato de albergaria; não se trata de ilegal aplicação do prédio a fim diverso do convencionado, porque faltam requisitos para a qualificação como verdadeira "indústria". E, no entretanto, o negócio vai-se fazendo, à margem do espírito da lei.
Considera a Câmara Corporativa não ser conveniente nem talvez possível proibir totalmente a prestação de albergaria ou pousada nas casas arrendadas só para habitação; mas julga necessário limitar essa tolerância a situações bem definidas, em que o desvio do fim contratual revista pouca importância.
Assim se justifica a disposição do n.º 2 do artigo 27.º segundo o texto sugerido por esta Câmara.
Tal disposição deve ser conjugada com a do artigo 25.º (já atrás explicada), para se apreender o alcance do sistema proposto.

36. Prazos de caducidade. - No § 4.º do artigo 1.º do projecto, fazendo-se a distinção entre arrendamentos escritos e arrendamentos verbais, prescreve-se em relação àqueles a inaplicabilidade dos prazos de caducidade referidos nos §§ 6.º e 8.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662. A Câmara Corporativa, pronunciando-se acima a respeito daquele parágrafo, disse já que em seu parecer não devia ser feita tal distinção, justificando-se em qualquer caso a supressão dos prazos de caducidade.
É de concluir, como já foi dito, que em princípio se impõe ao legislador fixar esses prazos para evitar que se prolonguem no tempo situações duvidosas e incertas; mas, neste caso em particular, os factos têm demonstrado que aqueles dois parágrafos só tem servido fins ilícitos ou desonestos, ou só têm sido aproveitados para se obterem, sem possível oposição, presuntivos consentimentos tácitos para a sublocação. São bem conhecidas também as dificuldades com que tem lutado os tribunais para a apreciação da prova do conhecimento da sublocação ou do destino do prédio, através de depoimentos de testemunhas 49, e as fraudes de que se servem alguns inquilinos para obterem premeditadamente uma prova falsa, no caso de vir a ser intentada a acção de despejo.
A situação actual, de facto, tem esta configuração, que urgentemente exige remédio do legislador: quando ao senhorio começa a constar que o inquilino transgride o contrato, a transgressão é ainda de tal modo cautelosa e discreta, que o senhorio não pode fazer prova, e por isso não tem outro remédio senão abster-se de exercer a acção de despejo; quando a transgressão se torna ostensiva e grave, e já a prova seria fácil de produzir, está o inquilino a coberto de ser eficazmente accionado, porque sem dificuldade mostra que o senhorio conhece o facto há mais de seis meses. Isto, sem contar com os riscos de fabulação da prova do conhecimento, por meio de testemunhas.
Já se tem proposto, desde que o pior mal advém de se tratar de um prazo muito curto, aumentá-lo para dois anos, e exigir-se prova documental da sublocação, no caso de ser esse o fundamento do despejo. O vício do sistema ficaria, sem dúvida, atenuado; mas desde que não se estabelecem também prazos de caducidade em relação aos outros fundamentos do despejo, e desde que o simples conhecimento da sublocação não importa consentimento (artigo 10.º do projecto e artigo 22.º, n.º 3, do texto da Câmara Corporativa), o mais lógico e razoável é suprimir esses prazos.
Trata-se de situações ilícitas, que não comportam a forte protecção que dos prazos de caducidade deriva.
Acresce que a lei actual se mostra verdadeiramente absurda, na medida em que estende tal protecção (caducidade do direito de despejo, no fim de seis meses) aos próprios casos de aplicação da casa a fins ilícitos ou desonestos! (Cf. lei n.º 1:662, artigo 5.º, §§ 7.º e 8.º).

37. Despejo para o fim do prazo do arrendamento. Falta de residência do arrendatário no prédio. - A proibição de requerer o despejo para o fim do prazo do arrendamento, ou da renovação, mantém-se, em princípio, no projecto, e é expressa no § 1.º do artigo 17.º nestes termos: "Subsiste, porém, a proibição de requerer o despejo para o fim do prazo de arrendamento, com as seguintes excepções:".
Entende-se, assim, que não é este o momento oportuno para se entrar em regime de liberdade contratual. Realmente, o problema põe-se hoje com quase tanta acuidade como se punha em 1919, depois da outra guerra. A falta de habitações e a tendência que logo se manifestaria para uma subida desproporcionada das rendas aconselham uma solução cautelosa, para não se fomentar uma crise de maiores proporções do que a já existente. O projecto sómente amplia os casos em que ao senhorio é permitido o despejo, e é de reconhecer que, de uma maneira geral, se vai ao encontro de necessidades instantes, ou se afastam injustiças evidentes.
A excepção 1.ª é de natureza interpretativa. O artigo 5.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, preceitua que "nos arrendamentos, quer de pretérito, quer de futuro, destinados a habitação, as disposições vigentes que restringem a liberdade contratual, incluindo as relativas à elevação de rendas e ao despejo por não convir a continuação do arrendamento, só podem ser invocadas pelos inquilinos relativamente à habitação em que tiverem a sua residência permanente". Pretende-se precisamente interpretar este preceito esclarecendo-se que no caso de o arrendatário não residir permanentemente no prédio não é preciso que viva noutra casa, arrendada ou própria.
Ficam resolvidas, directamente, duas dúvidas: uma, pela aceitação da doutrina do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1945. Houve quem entendesse que o artigo 5.º do decreto citado facultava o despejo imediato e não o despejo para o fim do prazo do arrendamento. Era uma doutrina errónea, porque a falta de residência permanente não podia considerar-se um facto ilícito ou lesivo dos direitos contratuais do senhorio que devesse importar a possível rescisão do contrato, por invocação da condição resolutiva tácita em que a acção de despejo imediato se funda. O arrendatário, pelo contrato, não se obriga a habitar o prédio; adquire a faculdade de o fazer. O assento veio, pois, formular a boa doutrina, estabelecendo que "a falta de residência permanente no prédio arrendado não é, de per si, motivo de despejo, mas apenas condição que investe o senhorio na plenitude do exercício dos direitos contratuais", e é essa a doutrina que agora se consagra.
Uma segunda dúvida, suscitada em alguns pleitos judiciais, consiste em saber se aquela disposição do artigo 5.º pode ser invocada quando o arrendatário, embora não habite o prédio, não tenha outra residência permanente em casa sua ou arrendada. O caso mais vulgar é o de o arrendatário se instalar num hotel ou em qualquer outro prédio como simples hóspede.
A interpretação dada pelo projecto é a preferível. A razão de ser do artigo 5.º citado é esta: não deve gozar da protecção legal, quando com essa protecção se afectam os interesses legítimos de outrem, aquele que

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mostra não precisar da casa para sua residência permanente, e, sendo assim, é indiferente que o arrendatário resida numa outra casa sua ou arrendada, ou que satisfaça de qualquer outra maneira a sua necessidade de habitação 50.
Há uma outra dúvida cuja resolução não está prevista e que convém esclarecer. O arrendatário pode ser obrigado a ausentar-se de sua casa e a domiciliar-se noutra localidade, por períodos mais ou menos longos, em razão da prestação de deveres militares de carácter transitório ou dê designação para o exercício de funções públicas que tenham o mesmo carácter. A aplicação literal das disposições do projecto comportaria para o senhorio a possibilidade de despejo, o que não é justificável.
Entende a Câmara Corporativa que nos referidos casos deve-se garantir a subsistência do arrendamento.

38. Sublocação do Prédio. - Já acima se fizeram algumas considerações acerca deste segundo fundamento de despejo. Se para as sublocações anteriores à nova lei se justifica um regime de especial "protecção, por dizer respeito a situações constituídas à sombra de uma lei que as admitia ou sancionava, para futuro as sublocações devem importar a aplicação ao contrato de arrendamento dos princípios gerais dos contratos, isto é, a sua caducidade no prazo fixado pelos contraentes. Por isso é de parecer a Câmara Corporativa que a doutrina do projecto deve, em princípio, ser aprovada.
À primeira vista, pode parecer, desde que a sublocação não é um facto ilícito e foi autorizada pelo senhorio, que não deve admitir-se o despejo, tanto mais que o arrendatário pode, em certa altura, não precisar de todo o prédio, e convir-lhe, sem inconveniente para o senhorio, sublocar a parte disponível.
Em absoluto não procedem estas razões. Deve atender-se a que não se trata aqui de permitir um despejo imediato que tenha de ser fundamentado num facto ilícito praticado pelo inquilino, mas de fazer regressar o contrato ao seu regime normal de caducidade pela expiração do prazo. E o que é lógico, no caso previsto de o arrendatário não precisar em certo momento de todo o prédio arrendado, é este abandonar o prédio e tomar de arrendamento um mais pequeno que satisfaça as suas necessidades. Os inconvenientes para o inquilino, de futuro, são, de resto, mais aparentes do que reais. Tendo sempre a sublocação de ser autorizada, e, portanto, havendo sempre necessidade do assentimento do senhorio, se ambos estiverem de acordo em criar uma situação perdurável, podem fazer um novo arrendamento apenas da parte do prédio que o arrendatário pretenda continuar a ocupar.
Mas se aquelas razões não procedem em absoluto, devem ser atendidas quando se trate da sublocação de uma parte restrita do prédio, e em que, portanto, o objecto principal do contrato continua a perdurar. É realmente de pouca equidade impor ao arrendatário um regime inteiramente diferente só porque arrendou uma ou duas dependências disponíveis de uma casa, com autorização do senhorio. Por estas razões sugere a Câmara Corporativa o seguinte regime intermédio: só é permitido o despejo se for sublocada uma parte do prédio que corresponda a uma área superior a metade da área total das suas dependências.
Podia pensar-se numa outra solução intermédia, que seria a de admitir o despejo apenas da parte sublocada, reduzindo-se a renda fixada inicialmente. Os inconvenientes desta solução seriam, porém, os mesmos que foram apontados que não se versou a questão da substituição do senhorio ao arrendatário em hipótese idêntica de sublocação parcial. Poderia vir a impor-se ao arrendatário uma convivência insuportável se a parte do prédio sublocada não fosse distinta ou convenientemente separada da ocupada por este.
Uma outra dúvida que pode suscitar esta excepção 2.ª diz respeito aos traspasses de estabelecimentos comerciais ou industriais, dada a disposição do artigo 55.º do decreto n.º 5:411, em que se preceitua: "Em caso de traspasse de estabelecimento comercial ou industrial, considera-se nele compreendida a sublocação do prédio ou parte do prédio em que esse estabelecimento esteja instalado...". Não é de crer que esteja na mente do autor do projecto revogar certos preceitos proteccionistas das actividades comerciais ou industriais, despojando os arrendatários do direito a valores que muitas vezes se devem mais ao seu trabalho do que ao capital-edifício. Mas não se negará a possibilidade de vir a sustentar-se de futuro que no caso de traspasse, e, por força da disposição do projecto que está em apreciação, será permitido também o despejo findo o prazo do arrendamento. Por isso entende a Câmara Corporativa que o caso deve ser previsto, embora se reconheça a incorrecção do artigo 55.º do decreto n.º 5:411, que confunde sublocação com cessão do direito ao arrendamento.

39. Não ser o arrendamento para habitação ou para comércio ou industria. Na excepção 3.ª do artigo 171 prevê-se o caso de o arrendamento não se destinar a habitação ou ao comércio ou indústria. A razão lógica desta excepção é, possivelmente, esta: a legislação especial do inquilinato, e designadamente o princípio da renovação imposta ao senhorio, tem em vista a protecção, ou da necessidade de habitação ou das necessidades do comércio ou da indústria, e onde cessa a razão de ser da [...] deve cessar a disposição.
Inteiramente lógico este princípio, ele seria talvez de aceitar se se estivesse a criar neste momento um regime proteccionista da relação jurídica arrendamento Mas a situação é outra. Esse regime já existe e vive-se um momento de grave crise resultante da falta de casa, e é claro que os proprietários, não satisfeitos com a rendas actuais, nem mesmo com os aumentos, que lhe são facultados, pela lei em projecto, deixariam de procurar obter o mais cedo possível o despejo dos prédio para os arrendarem de novo nas condições particularmente favoráveis do mercado actual. Sendo assim, podem calcular-se as perturbações que esse facto causaria todas pessoas morais que tem a sua sede em casas arrendadas. E maiores perturbações causaria o regime proposto em relação aos arrendamentos feitos ao Estado às autarquias locais, ou às pessoas colectivas que se propõem fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação.
Segundo a lei especial vigente (artigo 23.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928), os arrendamento de prédios aplicados aos serviços do Estado ou dos corpos administrativos são considerados afectos ao inquilinato comercial ou industrial quando não sejam destinados exclusivamente a habitação. Mas este preceito diz respeito apenas à matéria das rendas, como acontecia já com o correspondente § 5.º do artigo 10.º da 1 n.º 1:662. Portanto, todos os serviços do Estado, com repartições públicas, escolas, etc., poderiam ter [...]

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abandonar em prazos curtos os edifícios em que se encontram instalados. As perturbações não seriam menos graves aqui do que em matéria de habitação ou em relação aos prédios destinados ao comércio ou à indústria 51.
Nestas condições, é de parecer a Câmara Corporativa que essa excepção não deve ser admitida.

40. Necessidade do prédio para habitação do arrendatário ou de sua família. - À excepção 4.ª prevista no projecto é a de necessitar o senhorio da casa para sua habitação ou para a de seus descendentes ou ascendentes. Trata-se de um fundamento para o despejo no fim do prazo, que não existe na nossa legislação actual e que, no entanto, tem sido admitido na generalidade das legislações estrangeiras 52 e que era admitido também pelas nossas Ordenações como um dos fundamentos de despejo imediato 53.
A medida proposta reveste-se do maior alcance e não pode pôr-se em dúvida, num ponto de vista jurídico ou social, a sua oportunidade e o fundo de justiça em que se inspira. Havendo colisão entre os interesses do proprietário e os do arrendatário, pelo que respeita ao uso do prédio, e depois de respeitado o prazo convencionado, aqueles devem prevalecer sobre estes, e isto partindo já do pressuposto de que nenhum deles tem outra casa em condições de habitabilidade, porque, segundo a lei vigente, pode até dar-se o caso de ter o arrendatário outros prédios disponíveis, sem que o senhorio possa obter a entrega do seu.
Encarado o problema num aspecto mais geral, também é de reconhecer que é ilusória a vantagem resultante do regime actualmente em vigor. Protege-se, é certo, o arrendatário contra a crise da falta de habitações, mas deixa-se o senhorio, que também não tem casa, sem protecção e sujeito portanto à mesma crise. Fica pois a questão por resolver, num ponto de vista social. Dá-se apenas preferência a um dos sujeitos em relação ao outro e dá-se a preferência àquele que juridicamente menos a merece, por ser mero inquilino do prédio.
O artigo 6.º da lei n.º 1:662 contém doutrina paralela à do projecto em relação às partes de casa arrendadas por associações de socorros mútuos, hospitais, Misericórdias, asilos e outros institutos de beneficência legalmente reconhecidos que careçam da parte arrendada para ampliação das suas instalações. Neste artigo domina, porém, mais o interesse público do que o interesse do senhorio em oposição ao do inquilino. Tanto assim que cessa o direito de despejar a parte arrendada quando o arrendatário seja também associação, hospital, Misericórdia, asilo ou outro instituto que preste assistência e esteja legalmente reconhecido (§ 3.º).
Também no projecto Pinto Loureiro se admitia a solução proposta (artigo 137.º), e até o despejo imediato quando o arrendamento devesse ainda durar mais de um ano (artigo 81.º).
Entende a Câmara Corporativa, pelas razões expostas, que deve ser aprovada a excepção 4.ª do § 1.º do artigo 17.º Atendendo, porém, às circunstâncias especiais que se verificam e à impossibilidade de o arrendatário prever a sua saída do prédio, é de preceituar que não deve, neste caso, o aviso para o despejo ser feito apenas com a antecedência prescrita no artigo 970.º do Código de Processo Civil, mas sempre com uma antecedência não inferior a três meses, para que o arrendatário tenha tempo de tomar providências respeitantes ao seu futuro alojamento.
No projecto estabelece-se uma sanção para o caso de o senhorio, obtido o despejo, não aplicar o prédio ao destino devido. Torna-se realmente necessário prescrever uma penalidade. Mas qual?
A solução da multa a reverter para o fundo das indemnizações tem de ser sacrificada, e a sua reversão para o Estado também não resolve o problema, pelas razões já enunciadas a propósito do § 5.º do artigo 4.º do projecto. Na nossa lei regula-se um caso paralelo no § 2.º do artigo 6.º da lei n.º 1:662. O inquilino despejado tem o direito de reocupar o prédio quando o senhorio lha não dê dentro de um ano a aplicação prevista naquele artigo. Esta é uma solução razoável, mas não é suficiente. O proprietário poderia esperar a oportunidade de ao ex-arrendatário já não convir a reocupação para arrendar de novo o prédio. Parece, pois, preferível, sem prejuízo deste direito, manter uma multa e fazê-la reverter para o ex-arrendatário a título de indemnização 54.
A multa, segundo o projecto, será equivalente ao rendimento colectável de três anos. Desde que ela reverta para o ex-arrendatário e desde que a este seja conferido também o direito de reocupação, aqueles três anos devem ser reduzidos. Sugere-se adiante uma multa correspondente a dois anos do rendimento colectável.
Mas em que casos deve ser paga a multa e conferido o direito de reocupação?
Segundo o projecto, é necessário que se dê de arrendamento o prédio nos cinco anos posteriores ao despejo. Aquele requisito de dar de arrendamento o prédio não é conveniente, por várias razões: em primeiro lugar, permite fraudes, podendo ser difícil ao ex-arrendatário provar a existência de um novo arrendamento; em segundo lugar, parece não dever ser preciso arrendar de novo o prédio, bastando que se lhe não dê uma das aplicações previstas na excepção 4.ª; por último, pode haver um arrendamento e não se deverem aplicar as sanções - arrendamentos aos ascendentes ou descendentes. Por tudo isto parece preferível exigir, não um novo arrendamento, mas um destino diferente do previsto na lei, ou o ter o proprietário o prédio desabitado durante mais de um ano, à semelhança do preceituado no § 2.º do artigo 6.º da lei n.º 1:662.
Não se previu no projecto uma hipótese em que a multa não deve ser aplicada: a de por circunstâncias supervenientes, deixar o arrendatário ou deixarem as pessoas de sua família de precisar da casa. Pode, inclusivamente, morrer a pessoa que se propunha habitá-la e pode, em muitos casos, sobrevir uma deslocação forçada não prevista à data do despejo. Em qualquer destes casos impõe-se uma única solução: libertar o pro-

51 As tendências na legislação estrangeira são para equiparar os arrendamentos feitos ao Estado aos arrendamentos para habitação. Vide, por exemplo, a lei francesa de 1 de Abril de 1926 e depois, mais largamente, a lei de 30 de Junho de 1929.
52 O artigo 5.º da lei francesa de 13 de Junho de 1933 dispõe: "le propriétaire aura le droit de refuser tout rénouvellement du bail lorsqu'il reprendra les locaux loués, soit pour les occuper lui-même, soit pour les faire occuper par son conjoint, ses descendants, ses ascendants ou leurs conjoints. Também a lei espanhola de 18 de Dezembro de 1924 atribui o mesmo direito ao arrendatário, para si, seus descendentes ou ascendentes, ou para estabelecer na casa a sua própria indústria (artigo 5.º, alínea c).
53 "O quarto he quando o senhor da casa por algum caso que de novo lhe sobreveio, a ha mister para morar nella, ou para algum seu filho, irmão ou irmã, porque nestes casos poderão lançar o alugador fora durante o tempo do aluguer, pois lhe he tão necessária, pelo caso que de novo lhe sobreveio, do que não tinha razão de cuidar ao tempo que a alugou". (Liv. IV, tít. XXIV).
54 Esta solução encontra-se no § único do artigo 81.º do projecto Pinto Loureiro, assim redigido: "Se o senhorio der ao prédio destino diferente daquele que motiva a rescisão, o arrendatário prejudicado terá o direito de reocupar o prédio e de exigir indemnização de perdas e danos, nunca inferior à importância correspondente a dois anos da renda que pagava".

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prietário ou os seus herdeiros da multa e manter para o ex-arrendatário sómente o direito de reocupação.

41. Ampliação do prédio. - Aos casos previstos no § 1.º do artigo 17.º entende a Câmara Corporativa que deve acrescentar-se um outro: o de se propor o senhorio efectuar obras de ampliação do prédio, das quais resulte poder ser aumentado o número de inquilinos. Sob o ponto de vista económico, são inegáveis as vantagens que podem advir desta faculdade, e, por isso mesmo, ela se vê adoptada no estrangeiro em épocas de crises de habitações 55; sob o ponto de vista estético, ela permitirá transformar casas velhas e pequenas, impróprias muitas vezes dos locais onde se encontram, em edifícios novos; sob o ponto de vista jurídico, não advirão incomportáveis prejuízos para os arrendatários, desde que se tomem providências para que eles possam reocupar o prédio e sejam indemnizados desses prejuízos.
O sistema que a Câmara Corporativa sugere é este: na petição inicial da acção de despejo, que será acompanhada do respectivo projecto, devidamente aprovado, o senhorio tomará o compromisso de executar as obras e de celebrar novamente arrendamento com os arrendatários, se eles o pretenderem, pela renda devida anteriormente, ou a correspondente ao rendimento colectável ilíquido se este for superior. Entende-se que dentro de um sistema em que todas as rendas devem corresponder ao rendimento colectável não deve admitir-se uma excepção, permitindo-se aos arrendatários habitar o novo prédio por uma renda inferior. Em compensação confere-se-lhes uma indemnização equivalente a um ano do rendimento colectável ilíquido e, além disso, o direito de escolher a parte da casa que desejem habitar. Aquela indemnização deverá compensar os prejuízos da deslocação forçada durante o período de reconstrução.
Faltando o senhorio ao compromisso tomado, ou se as obras não estiverem iniciadas, salvo caso de força maior, dentro do prazo de três meses, a contar da saída do arrendatário, este pode pedir judicialmente a reocupação do prédio antigo ou a ocupação do novo, conforme as circunstâncias, e tem, além disso, direito a uma indemnização correspondente a mais três anos do rendimento colectável.
A única objecção séria de que é susceptível este novo fundamento de despejo 56 é a de ser possível o caso de o arrendatário não poder pagar, dada a sua condição económica, a renda correspondente ao valor locativo do novo prédio. Este inconveniente é, porém, compensado pela indemnização recebida, e tem como contrapartida o benefício social de se aumentarem as habitações.

42. Despejos decretados contra o Estado e outras entidades de direito publico. - Estabelece o § 2.º do artigo 17.º do projecto que "quando se decrete o despejo de repartições públicas, estabelecimentos de assistência hospitalar, associações desportivas ou recreativas ou de organismo corporativo ou de coordenação económica, o juiz fixará um prazo razoável, não excedente a seis meses, para a desocupação".
Esta disposição, subordinada directamente ao corpo do artigo, tem em vista tanto o despejo imediato como o despejo para o fim do prazo do arrendamento, e, a aceitar-se a doutrina da excepção 3.ª do parágrafo anterior, ela teria largo campo de aplicação, porque os serviços públicos e todas as entidades visadas deixariam de gozar dos benefícios atribuídos aos arrendatários de casas de habitação ou de casas destinadas ao comércio ou à indústria. Estariam sempre sujeitas ao despejo, por mera vontade do senhorio, logo que terminasse o prazo convencionado ou a prorrogação consentida.
Mostrou acima a Câmara Corporativa o seu desacordo com esta tese do projecto, o que não quer dizer que entenda, por isso, que também deve ser rejeitada a doutrina deste parágrafo. É certo que ele fica com um campo de aplicação muito mais limitado; mas poderá aplicar-se sempre que, por algum dos motivos previstos na lei, seja possível ao senhorio obter o despejo imediato ou o despejo para o fim do prazo.
A posição do Estado ou de certas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa tem beneficiado, por vezes, na nossa lei, em matéria de arrendamento, de um regime privilegiado, aliás fácil de compreender 57. É que, tratando-se de serviços públicos ou serviços de utilidade pública, é de interesse geral assegurar a sua continuidade, e essa continuidade pode ser perturbada por uma acção de despejo julgada procedente. Por outro lado, as formalidades a que estão sujeitos os pagamentos do Estado por vezes impedem o cumprimento nos prazos legais das obrigações contraídas, e a essa falta não se deve atribuir o mesmo significado que tem o não cumprimento de uma obrigação na data do vencimento por qualquer outra pessoa.
Não repugna, pois, e antes é de aplaudir, a criação de um regime especial para o despejo de prédios onde funcionem serviços do Estado ou serviços de utilidade pública, e a atribuição ao juiz da faculdade de fixar um prazo para a desocupação, desde que não exceda seis meses, é preferível à sua fixação legal, porque com mais justiça se poderão atender as circunstâncias particulares de cada serviço e os interesses gerais.
Mas que entidades devem gozar deste benefício?
A não se adoptar uma solução paralela à que era proposta pelo projecto Pinto Loureiro, atribuindo o benefício a todos os arrendatários 58, parece à Câmara Corporativa que devem ser sujeitas ao regime geral, de entre as referidas, as associações desportivas e recreativas, e que, por outro lado, devem ser abrangidas todas as pessoas morais com fins humanitários, beneficentes, assistenciais ou educativos.

CAPITULO IX

Depósito de rendas

43. Depósito das rendas simples. - Dispõe o artigo 18.º do projecto que "a notificação do depósito do renda é facultativa, considerando-se equivalente a ela

55 Vide, por exemplo, artigo 12.º da lei francesa de 31 de Dezembro do 1987, que alterou o artigo 21.º, alíneas 1.ª, 2.ª e 3.ª, da lei de 29 de Junho de 1929.
56 Aliás velho, porque já era admitido pelas Ordenações: "O terceiro he quando o senhor o quer renovar, ou reparar de adubios necessários, que se não poderão fazer convenientemente morando o alugador nella..." (loc. cit.).
57 O artigo 1.º da lei n.º 1:020, de 18 de Agosto de 1920, tinha suspendido até à revisão da lei do inquilinato todas as acções de despejo de prédios urbanos de que fosse inquilino o Estado, mas esta lei foi revogada pelo artigo 12.º da lei n.º 1:662. Hoje apenas são concedidas certas facilidades ao Estado e corpos administrativos pelo que respeita ao pagamento de rendas de edifícios onde funcionem escolas ou estabelecimentos de assistência ou beneficência legalmente reconhecidos. Vide decreto n.º 10:774, de 19 de Maio de 1925 (artigo 2.º e § único), decreto n.º 11:260, de 23 de Novembro de 1925 (artigo 1.º), e decreto n.º 23:262, de 28 de Novembro de 1933 (artigo 2.º).
58 Artigo 108.º, assim redigido: "Quando o despejo for decretado por não convir ao senhorio a continuação do arrendamento, o arrendatário, posto que avisado com a antecipação legal, não será obrigado a entregar o prédio senão seis meses depois do termo do contrato. Em caso de existirem embaraços para o arrendatário, cuja apreciação fica ao prudente arbítrio do juiz, poderá este prorrogar por mais seis meses a data da entrega do prédio".

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a junção do duplicado das guias de depósito com a contestação da acção de despejo baseada em falta de pagamento de renda".
Esta disposição vem alterar e interpretar o regime estabelecido nos artigos 994.º e 996.º do Código de Processo Civil sobre o depósito de rendas. São dois artigos que, juntamente com outros, que se referirão adiante, sobre o depósito do triplo das rendas, estão a adquirir a triste celebridade dos artigos 2.º do Código Comercial e 1236.º do Código Civil. Os debates são já tantos e tão numerosas as questões a que têm dado origem que este facto seria, só por si, razão bastante para se justificar uma remodelação legislativa.
De todas essas dificuldades de interpretação apenas se dirá o suficiente para apreender o sentido do artigo 18.º do projecto.
O artigo 993.º do Código de Processo Civil considerou facultativo o depósito das rendas. Era duvidosa a solução em face do artigo 93.º do decreto n.º 5:411, mas, sendo posteriormente o decreto n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, declarado no artigo 2.º que "nas acções de despejo por falta de pagamento de rendas vencidas posteriormente a 1 de Julho do corrente ano o réu deverá juntar com a impugnação documento comprovativo de ter feito o pagamento ou o depósito no prazo legal, sob pena de aquela não ser admitida e de se haver por confessado o despejo", entendeu-se desde então que o depósito era sempre obrigatório, pelo que não podia o arrendatário remisso defender-se, com fundamento na mora accipiendi, desde que o não tivesse feito.
A situação do arrendatário alterou-se, portanto, com o Código de Processo. Já não precisa hoje de fazer o depósito para invocar falta de culpa no não cumprimento da obrigação. Pode reservar-se para a acção judicial e fazer aí essa prova, o que terá como consequência a improcedência do pedido, não obstante a falta do pagamento de rendas e a falta de depósito.
Mas isto não quer dizer que, num ponto de vista processual, o depósito seja irrelevante. Dele resulta, nos termos do artigo 978.º do Código de Processo, este efeito importante: evita o despejo provisório se vier a ser intentada acção fundada na falta de pagamento de rendas. E isto assim porque, feito o depósito nos oito dias imediatos ao vencimento, cessa a presunção de culpa que sempre incide sobre o devedor remisso. Não é de presumir, na verdade, que, sem motivo justificado, o devedor tivesse deixado de pagar ao senhorio para ir depositar a renda na Caixa Geral de Depósitos. Embora facultativo, não deixa, portanto, o depósito de ter esta importante consequência de ordem processual, além de poder reflectir-se decisivamente na apreciação do fundo da questão.
Veja-se agora o problema da notificação, especialmente visado no artigo 18.º do projecto.
A um depósito facultativo não se compreende que corresponda uma notificação obrigatória. Não precisando o arrendatário, para evitar o despejo definitivo, de depositar a renda, bastando-lhe fazer a prova, na acção, de que se verificou algumas das circunstâncias previstas no artigo 759.º do Código Civil (designadamente, mora accipiendi), parece não fazer sentido que da falta de notificação do depósito, se este tiver sido feito, resultem consequências que atinjam o seu próprio direito. Todavia, o artigo 996.º do Código de Processo dispõe que "o depósito feito em tempo útil impedirá o despejo provisório, independentemente de notificação; mas não impedirá o despejo definitivo se não for notificado". Isto quer dizer, em resumo, que se o arrendatário não fizer o depósito, como este é facultativo, ainda pode evitar o despejo definitivo, provando a mora do credor; mas, se o fizer e o não notificar ao senhorio, sujeita-se necessariamente a sanção de ter de abandonar o prédio, embora tenha tido motivos legais para não pagar a renda. Esta obrigatoriedade da notificação resulta tanto deste artigo 996.º como do artigo 994.º, em que se declara que "efectuado o depósito, deve o arrendatário requerer que o senhorio, sendo certo, seja notificado para o impugnar".
Este pelo menos aparente contra-senso é que tem provocado as primeiras grandes controvérsias sobre a matéria, tanto mais que a lei, estabelecendo tão grave sanção para a falta de notificação do depósito, não diz com clareza até quando ele pode ser requerido. Não interessa agora analisar pormenores, porque eles não são atingidos directamente pelo projecto. O que interessa é a própria obrigatoriedade da notificação, que é expressamente afastada na primeira parte do artigo 18.º
Dadas as considerações produzidas, entende a Câmara Corporativa que deve ser aprovada a nova doutrina. Não deve a questão da notificação ou da falta de notificação do depósito reflectir-se no fundo da acção, como não se reflecte a própria questão do depósito ou da falta de depósito. Estas são questões sempre incidentais que não têm que repercutir-se na decisão final quanto ao despejo. Deve aceitar-se esta doutrina, claro, enquanto se mantiver o sistema do depósito facultativo, sistema, aliás, muito discutível, mas que não está ao presente em causa.
O artigo 18.º acrescenta, porém: "considerando-se equivalente a ela (notificação) a junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito com a contestação da acção de despojo baseada em falta de pagamento de renda".
Esta equivalência da junção do documento do deposito à notificação não resulta do Código de Processo. Embora pareça dever deduzir-se tal solução da parte final do artigo 994.º 59, ao permitir-se ao senhorio impugnar o depósito neste caso (não se pode falar rigorosamente em impugnação sem se supor feita uma notificação), é certo que os artigos 978.º e 996.º a contrariam, pois se prevê a suspensão do despejo provisório pela junção com a contestação do documento comprovativo do depósito (artigo 978.º), e, todavia, mesmo nesse caso, se admite que seja decretado o despejo definitivo por falta de notificação (artigo 996.º).
Considera a Câmara Corporativa a solução proposta, sob este último aspecto, preferível. Não é de admitir que, tendo o senhorio conhecimento do depósito através da contestação ou da vista dos documentos, a tempo de o impugnar, possa invocar para qualquer efeito legal a falta de notificação. Seria sobrepor a forma ao fundo da questão.
Mas, se são de aplaudir em si os dois princípios contidos no artigo 18.º do projecto, ambos, um em relação ao outro, parecem contraditórios. Considerando-se, na verdade, a notificação facultativa, afirma-se, por um lado, que a sua falta não produz quaisquer efeitos que possam prejudicar o arrendatário; considerando-se, porém, por outro lado, equivalente a junção de documentos à notificação, afirma-se implicitamente que alguns efeitos sempre dela derivam. Se a junção de documentos, na verdade, equivale à notificação, é porque há efeitos que lhes são comuns. Quais?
Viu-se acima que, embora facultativo o depósito, dele sempre resultam alguns efeitos de ordem processual. Verificar-se-á agora o mesmo?

59 Artigo 994.º: "... Efectuado o depósito, deve o arrendatário requerer que o senhorio, sendo certo, seja notificado para o impugnar, salvo se já tiver sido cifrfido para a acção de despejo e ainda não tiver oferecido a contestação. Neste ultimo caso, junto o documento do depósito com a contestação. o senhorio poderá impugnar o depósito na resposta".

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Um efeito importante que resulta da notificação ao depósito é o de provocar a acção de despejo, nos termos do artigo 990.º do Código de Processo. Mas este não pode ser o visado no artigo 18.º, porque se supõe nele a acção já intentada.
Outro efeito, e esse resultante do projecto, é o de ter o arrendatário direito a mais uma resposta se houver impugnação do depósito (§ único do artigo 18.º).
Desde já se declara que a Câmara Corporativa não concorda com a aprovação daquele § único, que se encontra assim redigido: «Se o senhorio impugnar o depósito na resposta, o arrendatário pode, no prazo de cinco dias, responder por seu turno». A razão de ser desta disposição deve ser esta: se a notificação é anterior à acção, o senhorio tem de deduzir na petição os fundamentos da oposição ao depósito e o arrendatário pode responder-lhe na contestação. Se a notificação é feita depois (e tem de presumir-se que o senhorio não teve ainda conhecimento do depósito), pode este alegar na sua resposta factos novos, destinados a destruir a alegada mora accipiendi, e a esses factos ficaria sem poder responder o arrendatário 60.
Não parece procedente esta razão. É de notar que, sendo a demora da notificação devida ao arrendatário, não se compreende que ela tenha como consequência colocá-lo numa situação de favor, facultando-se-lhe um novo articulado. Aprovada a doutrina do § único do artigo 18.º, claro que os arrendatários deixariam sistematicamente de requerer a notificação dos depósitos para se assegurarem, na acção, da posição vantajosa de poderem responder em último lugar. Na petição, na contestação e na resposta deve a questão ficar esclarecida, e de facto assim acontece normalmente. Só em casos muito excepcionais - o de o senhorio alegar fundamento legítimo para recusar o pagamento - é que poderá supor-se teoricamente o contrário. Mas, mesmo nestes casos, não é crível, praticamente, que o arrendatário não tenha podido, pelo conhecimento directo dos factos, articular na contestação o bastante para produzir prova que destrua a alegação do senhorio.
Há uma outra consideração que parece decisivamente contrariar a doutrina do projecto. É que, não tendo sido feito o depósito e intentando o senhorio a acção de despejo fundada na falta de pagamento de rendas, podem passar-se as coisas precisamente como no caso previsto no artigo 18.º, e a lei não permite, em hipótese nenhuma, que à resposta do senhorio na acção de despejo responda ainda o arrendatário 61. A aceitar-se, pois, essa alteração legislativa, ela deveria incidir genericamente sobre o processo de despejo, existam ou não existam depósitos, para não se criar para um caso especial uma solução que se justificaria igualmente para todos.
Afastada também esta consequência da notificação do depósito através da contestação, fica apenas um efeito a poder atribuir-se-lhe: o de havendo condenação no pagamento das rendas, não poderem ser consideradas aquelas que foram depositadas se nem o autor nem o tribunal tiveram conhecimento do depósito. Não interessa, portanto, a notificação para o efeito do despejo; interessa somente para o efeito da condenação nas rendas vencidas. Mas, para dizer tão pouco (ou mesmo nada, pois não é preciso dizê-lo), não é de aconselhar uma disposição embaraçosa como a da segunda parte do artigo 18.º, a seguir a afirmação de que a notificação é facultativa, ou então deve-se-lhe dar uma redacção diferente para destruir a sua equivocidade. Crê a Câmara Corporativa, sem o poder evidentemente assegurar, que há na base deste artigo 18.º um equívoco, que não é de estranhar, porque ele se reflecte em, pelo menos, duas disposições do Código de Processo - o de que o depósito das rendas anteriormente à propositada da acção de despejo é liberatório, pelo que pode o arrendatário livrar-se do cumprimento da sua obrigação de pagar a renda depositando-a, independentemente da verificação de alguma das circunstâncias previstas no artigo 759.º do Código Civil. Quer dizer: quaisquer que sejam as cláusulas contratuais sob a forma do pagamento da renda, ao arrendatário é sempre lícito libertar-se, ou obedecendo aos comandos contratuais ou legais, ou depositando-a na Caixa Geral de Depósitos. Foi esse equívoco que permitiu a afirmação feita no artigo 980.º do Código de Processo de que o autor será condenado como litigante de má fé se o arrendatário tiver feito o depósito em tempo útil, quando o depósito não vale juridicamente nada se primeiro não foi feita a oferta da renda ao senhorio, ou se não se verificou nenhuma das outras circunstâncias do artigo 759.º do Código Civil; e foi ele que inspirou o princípio contido na segunda alínea do artigo 996.º, em que se preceitua: «Tendo a acção de despejo sido proposta antes da notificação do depósito, será o arrendatário condenado nas custas e nos honorários dos mandatários do autor, nos termos do § 3.º do artigo 978.º, se o depósito não for impugnado». Funda-se esta disposição, evidentemente, na ideia de que a acção de despejo pode ter sido intentada pelo facto de o senhorio não ter tido conhecimento do depósito, e portanto do cumprimento da obrigação, quando o depósito só é meio legítimo de a cumprir quando haja mora do credor ou circunstância equivalente. Se o senhorio não impugna o depósito, é porque reconhece a sua culpa, e não se compreende, como consequência, que se condene o arrendatário nas custas e nos honorários.
Ora, dentro deste equívoco da lei processual, em colisão, aliás, com a doutrina dos artigos 993.º e 997.º do respectivo Código, é possível encontrar para a segunda parte do artigo 18.º um alcance mais largo. Notificado o depósito, considerar-se-ia, para todos os efeitos, cumprida a obrigação, e, por força do artigo 996.º citado, teria de ser logo condenado o réu nas custas e honorários. Mas é bem de ver que esta solução é injustificável. Se o arrendatário depositou efectivamente a renda, mas não procurou cumprir primeiro a obrigação nos termos convencionados ou legais, ao senhorio deve ser possível impugnar com esse fundamento o depósito (alínea a) do artigo 1026.º do Código de Processo) para que a final seja decretado o despejo ou depositado o triplo das rendas não oferecidas, embora depositadas.
Um outro efeito poderá ter a equiparação da junção do documento, de depósito à notificação, mas relativo esse ao depósito do triplo da renda em falta, segundo o sistema que esta Câmara preconiza mais adiante para a matéria de depósito do triplo da renda. Trata-se porém de assunto que só no lugar próprio pode ser apreendido, e que interessa sobretudo dentro do novo sistema que se sugere.
É de parecer, pois, a Câmara Corporativa que, ao lado da afirmação de que a notificação do depósito da renda é facultativa, deve declarar-se expressamente a natureza não liberatória do depósito feito antes da pro-

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positura da acção, e revogar-se o corpo do artigo 996.º do "Código de Processo, exceptuada a primeira parte da alínea 1). Simplesmemte, dada a quase impossibilidade de se fazer a prova de factos negativos, deve admitir-se a presunção legal do que se verifica a circunstância prevista no n.º 2.º do artigo 759.º do Código Civil, se a renda dever ser paga no domicílio do devedor (domicílio geral) ou em algum outro lugar especialmente ligado ao devedor, como por exemplo o seu escritório ou a sua loja (ao que pode chamar-se domicílio particular para efeitos de pagamento de rendas).

44. Depósito do triplo das rendas. - Dispõe o artigo 19.º do projecto que, "intentada a acção de despejo por falta de pagamento de rendas, o arrendatário pode, até execução da sentença de despejo, pôr termo definitivo ao processo, desde que cumpra as obrigações do § 1.º deste artigo, mostrando ter depositado o triplo das rendas em cuja falta de pagamento a acção se funda e das vencidas durante ela, sem necessidade de notificação".
São várias as questões actualmente suscitadas e que são resolvidas neste artigo 19.º As disposições da alínea c) e do § 3.º do artigo 978.º do Código de Processo, relativas ao depósito do triplo das rendas, têm sido, como as referidas a propósito do artigo 18.º, causa de jurisprudência vária e de doutrina incerta. Também, como a respeito deste artigo, não se vai fazer referência a toda a polémica, o que desvirtuaria o sentido deste parecer; apenas se focarão aquelas questões cujo conhecimento é necessário para se apreender o exacto significado do projecto.

O depósito do triplo das rendas em dívida, como meio de pôr definitivamente termo ao processo e evitar o despejo, era admitido antes do Código, pelo artigo 5º da lei n.º 1:662 e pelo decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933G2. Considerava-se, portanto, sanada a falta do inquilino desde que este indemnizasse o senhorio, pagando-lhe, não o devido, mas o quíntuplo ou o triplo das rendas não pagas nem depositadas, em tempo oportuno. Publicado o Código de Processo, surgiu logo a seguinte dúvida: tendo esta matéria sido regulada no artigo 978.º e apresentando-se, portanto, o depósito do triplo das rendas como meio imediato de impedir o despejo provisório, terá o efeito também de impedir o despejo definitivo? Não será antes, agora, um processo apenas de protelar o despejo, facultando-se ao arrendatário a ocupação do prédio até à decisão final?
Esta a primeira questão resolvida no projecto e resolvida no sentido mais justo e razoável. "Mal se compreenderia mesmo, escreve o Prof. Dr. Alberto dos Reis 63, que o depósito do triplo servisse sómente para impedir o despejo provisório. Pagar o arrendatário o triplo da renda e ainda por cima sofrer o despejo definitivo por falta de pagamento, seria profundamente injusto. O pagamento do triplo justifica-se pela circunstância de ser feito fora do prazo; é uma espécie de multa que se impõe ao arrendatário "pelo atraso em que caiu. Mas, à parte a diferença de quantitativo, há-de ter o mesmo valor que o pagamento feito em tempo oportuno. Quer dizer: depósito do triplo é igual a depósito simples feito dentro do prazo quando este depósito não seja impugnado ou a impugnação seja julgada improcedente".

A regulamentação desta matéria no artigo 978.º provocou ainda uma outra dúvida, agora relativa ao momento até ao qual pode ser efectuado o depósito. A lei n.º 1:662 fixava o prazo de oito dias a contar da citação. O § 3.º ao artigo 978.º do Código de Processo, afirmando que "a suspensão terá lugar mesmo quando o documento a que se refere a alínea c) for feito depois, de ordenado o despejo, contanto que este ainda se não tenha efectuado", parece admitir o depósito apenas até ao despejo provisório (única matéria regulada neste artigo), mas não depois.
Na solução do projecto, aliás em harmonia com a doutrina dominante, admite-se o depósito até à execução da sentença definitiva do despejo.
Sem discutir nem apreciar o problema, de jure constituto, é de parecer a Câmara Corporativa, de jure constituendo, que a solução mais conveniente não é a proposta. A sua justificação só pode encontrar-se nas providências que foram tomadas no § 1.º do artigo 19.º, impondo-se ao arrendatário o pagamento das custas do processo e a verba de procuradoria que o juiz fixar, bem como as despesas do levantamento do depósito. Em princípio, portanto, pode dizer-se, o senhorio não sofre nenhum prejuízo em ter de prosseguir com uma acção inútil até à sentença definitiva, porque é afinal compensado de todas as despesas, e o arrendatário tem o benefício de não ter de se precipitar em fazer o depósito, pois pode aguardar o resultado do processo para depois escolher, se for ordenado o despejo, entre o depósito do triplo e a desocupação do prédio.
Não convencem estas razões. Por mais largas que sejam as indemnizações arbitradas é bem sabido que elas nunca compensam os encargos de uma demanda judicial. E há um prejuízo que nunca pode ser compensado: o resultante da situação de incerteza quanto ao despejo do prédio.
Até ao próprio momento da execução da sentença, segundo o projecto, o arrendatário pode libertar-se do despejo depositando o triplo das rendas em dívida, o que quer dizer que, enquanto não é executada a sentença, o senhorio não poderá tomar providências respeitantes ao destino do prédio, por não saber se ele lhe será ou não efectivamente entregue. As vantagens que podem resultar para o arrendatário do sistema proposto também não são apreciáveis, se se lhe vier a conferir expressamente a possibilidade de fazer um depósito condicional, como é doutrina do projecto (§ 4.º do artigo 19.º). Feito este depósito, já ambas as partes ficam o conhecer com precisão quais serão as consequências da sentença: se vier a ser decretado o despejo, o senhorio receberá o triplo das rendas em dívida; se a acção improceder, este receberá as rendas simples e o arrendatário poderá levantar o restante.
Julga, pois, a Câmara Corporativa que o direito de depositar o triplo das rendas só deve poder exercer-se até à contestação.
Uma terceira dúvida resolvida no projecto é esta: desde quando pode ser feito o depósito? Para o depósito produzir os seus efeitos, será necessário contestar a acção, por só na contestação poder ele ser invocado? Há quem entenda que o arrendatário, embora queira efectuar o depósito, é sempre obrigado a contestar a acção de despejo, pois só na contestação ele poderá invocá-lo, nos termos ainda do artigo 978.º do Código. Esta solução é afastada, desde que no projecto se diz: "Intentada a acção de despejo por falta de pagamento de renda, pode... pôr termo definitivo ao processo..." A mesma doutrina resulta do § 4.º, relativo ao depósito condicional, ao atribuir-se ao arrendatário a possibilidade de exercer essa faculdade "no prazo da contestação".
O inquilino não precisa, pois, de contestar a acção para fazer o depósito do triplo, ao contrário do que já se tem sustentado. E essa é, sem dúvida, a melhor solu-

62 Pela lei n.º 1:662 deve depositar-se o quíntuplo.
63 Na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 78.º, p. 227.

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cão, justificada pelo Prof. Dr. Alberto dos reis, nas seguintes palavras 64: "Se realmente o arrendatário está em mora e não tem outro meio honesto de obstar ao despejo senão o depósito do triplo da renda, não faz sentido que, além de oferecer a prova do depósito, deduza contestação. Esta seria em tal caso um acto desairoso, que poderia até sujeitar o réu a condenação como litigante de má fé. A única atitude correcta do réu é reconhecer que está em mora e procurar fugir ao despejo mediante o depósito do triplo. Mas reconhecer que está em mora é precisamente o contrário de contestar a acção".

Ainda uma outra questão, de grande importância, deve ser encarada. Deixando o arrendatário de pagar, por facto que lhe seja imputável, a renda relativa a certo mês, ficará o senhorio com o direito de recusar o recebimento das rendas simples dos meses seguintes?
A questão comporta, em princípio, diferentes soluções:
a) A de o senhorio dever receber as rendas simples relativas aos meses seguintes, se o arrendatário as oferecer dentro do prazo de pagamento de cada mês. Nesta solução, o senhorio conservaria, não obstante dever receber as rendas simples ulteriores, o seu direito de requerer o despejo com base na falta de pagamento da renda anterior, a menos que o arrendatário pagasse ou depositasse o triplo;
b) A solução de o senhorio poder legitimamente recusar o recebimento de quaisquer rendas simples relativas aos meses seguintes, mesmo que oferecidas dentro do prazo de pagamento de cada mês, enquanto não estiver pago ou depositado o triplo das rendas anteriores em falta; mas, logo que este pagamento ou depósito se dê, a mecânica do contrato entra em normalidade, e as rendas que ao diante se forem vencendo deverão ser recebidas em singelo, como se nunca tivesse havido falta de pagamento, e isto quer não haja ainda pendente acção de despejo, quer esteja esta já intentada. Neste último caso, o efeito do pagamento do triplo de todas as rendas em dívida será, naturalmente, pôr termo à acção, cuja continuação seria inútil. O efeito do depósito do triplo dessas rendas variará: se o depósito for definitivo, porá fim à acção; se for condicional (e noutro lugar trataremos desta espécie de depósito), a acção deverá prosseguir, paira se apurar quem tem razão quanto à falta de pagamento de renda que serviu de base à acção, mas o arrendatário fica com a segurança de que não será proferida sentença de despejo. Ou se apurará ter razão o arrendatário, e o senhorio nada mais poderá que pagar-se das rendas simples em dívida; ou se chegará à conclusão de ter razão o senhorio, e a acção será julgada procedente, recebendo o senhorio o triplo das rendas que está em depósito e continuando o arrendatário na casa. - Pela presente solução, é o facto de o triplo ser pago ou depositado, definitiva ou condicionalmente, que decide do regime a aplicar. Até o pagamento ou depósito do triplo, a falta persiste, e as novas rendas recusadas consideram-se também faltosas. Efectuado o pagamento ou depósito do triplo, a situação regularizou-se, e as rendas que depois se vencerem entram no regime normal. - Por outro lado, pode o senhorio em qualquer altura, antes do pagamento ou depósito do triplo, receber qualquer renda simples que lhe seja oferecida, se quiser. Com esse recebimento não perde o direito de obter o despejo ou haver o triplo de todas as outras rendas em falta, e só deixa de poder exigir em triplicado a própria renda que consinta em embolsar;
c) Terceira solução possível está em se entender que, uma vez não paga a renda de certo mês, o senhorio tem o direito de recusar-se a receber as rendas dos meses seguintes e, mais, deve recusá-las se quiser manter o direito de obter o despejo ou receber o triplo. Consequentemente, terá o arrendatário de pagar ou depositar o triplo de todas as rendas até o julgamento definitivo da acção de despejo.
E, além destas soluções, outras ainda se podem gizar, sobretudo combinando alguns dos elementos expostos. Basta, por exemplo, retirar à segunda solução a possibilidade de o arrendatário fazer depósito condicional do triplo das rendas em falta, para logo o teor efectivo da solução se tornar bem diferente.
Qual é a posição tomada pelo projecto de lei? Não parece fácil dizê-lo com segurança. O corpo do artigo 19.º - no passo em que fala do depósito do "triplo das rendas em cuja falta de pagamento a acção se funda e das vencidas durante ela" - inculca ter-se querido afastar a primeira solução e talvez adoptar a terceira ou, quando muito, a segunda.
Mas já o § 4.º do mesmo artigo 14.º, na sua parte final, pode propender para a primeira solução, ao ventilar a hipótese de a acção de despejo por falta de pagamento de rendas ser julgada procedente e prescrever que nessa hipótese "o senhorio levantará o triplo das rendas vencidas quando da propositura da acção e as rendas simples que o arrendatário deve ter depositado...".
Seja como for, o problema necessita de ser resolvido e em termos nítidos.
Considera a Câmara Corporativa que das soluções apresentadas se impõe adoptar a segunda. Por isso mesmo ficou ela já exposta com maior desenvolvimento, que permite ajuizar do seu alcance e do seu valor.
O ponto capital é este: enquanto houver uma renda indevidamente por pagar, e a respectiva falta não estiver sanada (pelo pagamento do triplo, ou pelo menos pelo seu efectivo depósito), não se deve impor ao senhorio o dever de receber rendas simples ulteriores. A situação de falta está em aberto, é estende-se aos meses seguintes, afecta-os, afecta a própria relação de arrendamento no seu todo, enquanto o remédio de pagar ou depositar o triplo não for empregado.
Há uma renda por pagar, o arrendatário encontra-se em plena infracção do contrato. Desta infracção nasce para o senhorio o direito de fazer cessar o arrendamento, e o direito de considerar, portanto, que o contrato está em crise. Tem o arrendatário a faculdade de redimir a falta, entrando com o triplo da quantia faltosa? Pois que se prevaleça desta faculdade - que não existe noutros contratos sinalagmáticos - e pague ou deposite efectivamente esse triplo. Porém a mera possibilidade de vir a usar de tal faculdade não pode ser bastante para tornar curiais e regulares os pagamentos das rendas simples ulteriores.
Está uma renda em dívida; para não se consumar o despejo será necessário o pagamento dela em triplo. Tanto basta para que qualquer pagamento que no mês seguinte o arrendatário queira efectuar deva ser imputado, antes de mais nada, na satisfação dessa divida pendente, e não deslocado para a nova prestação de renda que a esse mês seguinte corresponde. Enquanto houver uma renda em dívida, é essa renda que deve ser paga, e não outra posterior. A regularização tem de começar pelas situações mais antigas.
E, na prática das relações entre senhorios e arrendatários, mostra-se cheia de injustos inconvenientes a solução de permitir que a falta se localize em determinada renda pretérita, continuando regulares os pá-gamentoís de rendas seguintes, independentemente do pagamento e sanação daquela falta. O caso pode repe-

64 Revista cif., p. 229.

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tir-se uma e mais vezes, criando-se, no fluir das relações de arrendamento, diversas irregulares situações de dívida de renda, que a todo o tempo podem ser regularizadas por meio de pagamento do respectivo triplo, e que por isso mesmo não serão de facto regularizadas nem sequer liquidadas: o senhorio ir-se-á abstendo dos trabalhos, encargos e incertezas da acção de despejo, o inquilino ir-se-á habituando a deixar em branco uma outra renda, a instabilidade da situação agravar-se-á pouco a pouco, até que o montante das rendas em dívida, correspondendo já a quantia cujo triplo seja importante, acabe por levar o senhorio a recorrer aos meios judiciários.
A faculdade de sanar as faltas de pagamento da renda com o oferecimento do triplo constitui, de si mesma, uma regalia considerável para o inquilino, especialmente se se pensar em que o contrato vive em regime de renovação obrigatória e em que a actualização das rendas tem de realizar-se em ritmo muito brando. Que essa regalia seja concretamente utilizada logo que a falta de pagamento tenha ocorrido, e não se torne excessiva pela possibilidade de converter-se em instrumento de desorganização das relações contratuais normais e de fomento de insolúveis situações de dívida.
Agora, o reverso da medalha. Desde que o triplo das rendas em falta tenha sido pago ou depositado (e, no caso de depósito, este se torne conhecido do credor por meio de notificação), deixa de haver motivo para exigir novos pagamentos em triplicado e para prosseguir a acção de despejo. Restabeleceu-se a normalidade contratual, e retoma-se o ritmo do pagamento periódico e oportuno das rendas simples que se forem vencendo.
Isto, entenda-se, sem prejuízo do que já ficou dito sobre não dever ir além da fase da contestação, na acção de despejo, a faculdade de tudo sanar por meio da entrada do triplo.
Uma objecção poderia formular-se. Se o arrendatário estiver convencido de que não houve culpa sua quanto à falta de pagamento da renda, parece violento sujeitá-lo ao pagamento imediato do triplo dessa renda, se não quiser correr o risco de no julgamento final da acção de despejo, naturalmente sempre contingente, ver decretar contra si o despejo por causa de o tribunal ter formado convicção diversa.
A objecção não colhe. Assegurada ao arrendatário a faculdade de fazer o depósito condicional, e não definitivo, do triplo das rendas em falta, está totalmente afastado o inconveniente.
Assim se justifica, nas suas linhas gerais, o sistema que a Câmara Corporativa sugere nos artigos 37.º e 38.º do novo texto. Alguns outros pontos serão justificados mais adiante.

Pode, porém, perguntar-se: deve o regime exposto, relativamente às rendas vencidas durante a pendência da acção não pagas nem depositadas, substituir o regime do artigo 979.º do Código de Processo ou devem cumular-se os dois?
Parece, não obstante dominar hoje uma forte corrente em contrário, que não deve deixar de se admitir, neste caso de a acção se fundar na falta de pagamento de rendas, o direito de o senhorio obter o despejo imediato, nos termos daquele artigo.
É o único meio de evitar que o arrendatário fique com a faculdade de habitar o prédio sem pagar rendas até à sentença de despejo transitar em julgado, o que os nossos tribunais por vezes têm consentido. É certo que, julgada definitivamente a acção, o inquilino, para continuar no prédio, teria de pagar em triplicado todas as rendas em atraso (isto é, as rendas não pagas, posteriores à contestação); mas o que se pretende evitar é precisamente que ele continue a habitar o prédio gratuitamente quando tencione desocupá-lo a final, nos casos em que não tenha bens que assegurem uma indemnização ao proprietário.
Devem, portanto, manter-se as duas faculdades para o senhorio, no caso de o arrendatário deixar durante a pendência da acção de pagar nova renda: ou requerer o despejo imediato, nos termos do artigo 979.º do Código de Processo, e obrigar este a pagar ou depositar logo o triplo dessa renda, se quiser continuar no prédio, ou aguardar que mais tarde o arrendatário, para se livrar do despejo, voluntariamente faça o depósito desse triplo.
O pagamento das custas e verba de procuradoria prescrito no § 1.º do artigo 19.º já se impõe no § 3.º do artigo 978.º do Código de Processo Civil. Apenas se referem de novo, à parte algumas alterações de forma sem significado, as despesas de levantamento dos depósitos. É doutrina de aceitar e que se justifica por si.

45. Pagamento voluntário do triplo das rendas. - Dispõe o § 2.º do artigo 19.º que «é lícito ao arrendatário fazer o pagamento voluntário do triplo de qualquer renda que não tenha pago por sua culpa no prazo do depósito».
Esta solução, embora não expressamente formulada na lei vigente, é geralmente admitida. Se ao arrendatário é dado pôr termo ao despejo pagando o triplo das rendas em dívida, não faz sentido que seja obrigado a sujeitar-se a uma acção de despejo e ao pagamento de custas e honorários, só para ter uma oportunidade para efectuar esse pagamento. O inquilino, reconhecendo a dívida da renda em triplicado, deve ter a faculdade de oferecer logo o pagamento ao senhorio e, no caso de recusa deste, deve poder depositá-la, conforme se preceitua no § 3.º, para evitar mais encargos e despesas. Há neste caso duas moras: quanto ao pagamento da renda, há mora solvendi, que teve como sanção o pagamento do triplo; quanto ao pagamento do triplo, há mora accipiendi, que legitima o depósito. E este depósito terá como consequência, como se disse, evitar a acção de despejo.
Trata-se, pois, de um sistema lógico e justo, a que a Câmara Corporativa dá a sua concordância.
Previu-se no § 3.º como fundamento para o depósito do triplo apenas a recusa do senhorio em o receber. E evidente que a este caso devem juntar-se mais três dos previstos no artigo 759.º do Código Civil - se o credor não quiser dar quitação, se se tornar incapaz ou se se tornar incerto.
O prazo curto de cinco dias para se requerer a notificação é de aceitar, para que a tempo se evite a acção de despejo.
Feito o depósito e notificado o senhorio, nos termos do artigo 993.º do Código de Processo, pode este impugná-lo, invocando qualquer dos fundamentos do artigo 1026.º Esta matéria da impugnação do depósito do triplo tem sido muito discutida. A questão está, como se disse, resolvida no melhor sentido. Desde que nasce uma obrigação (pagamento do triplo), embora sob a forma de faculdade para o arrendatário para se livrar do despejo, essa obrigação deve ficar sujeita ao regime de todas as obrigações, só devendo facultar-se o depósito da prestação devida, como meio de lhe pôr termo, se se verificar algum dos casos do artigo 759.º Sendo assim, claro que deve admitir-se sempre, por parte do senhorio (credor), a impugnação, com o fundamento de que não houve culpa de sua parte no não cumprimento.
A razão invocada pelos autores que negam a possibilidade da impugnação do depósito está em correlação com princípios já acima comentados. Diz-se que não há obrigação para o senhorio de receber o triplo, e que,

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portanto, não pode admitir-se um processo que só pode ter como fundamento afastar uma coisa que nunca existe - a mora do credor. Admitida aquela obrigação, o argumento está prejudicado.

Dispõe-se na parte final do § 3.º do artigo 19.º que no processo de notificação só pode discutir-se o facto do oferecimento do triplo das rendas em dívida. A solução é diferente da que se estabelece no Código de Processo Civil para o depósito das rendas simples. Em relação a estas, notificado o depósito, se o senhorio quiser impugná-lo o obter o despejo, tem de intentar a acção respectiva no prazo de dez dias, a contar da notificação. Só quando não queira requerer o despejo é que pode impugnar em acção própria (artigo 995.º).
Porque não se adoptam os mesmos princípios? A situação e realmente diferente. É que, feito o depósito do triplo das rendas, está praticamente condenado ao insucesso o pedido de despejo. Se o depósito é julgado procedente, fica sanada a falta ,que podia fundamentar a acção; se o depósito é julgado improcedente, transitòriamente as coisas passam-se como se não tivesse havido oferta, mas tudo leva a crer que o arrendatário renovará a tentativa para apagar a sua culpa e evitar a saída do prédio. Trata-se, pois, por um lado, de economizar processos e, por outro lado, de não introduzir um outro incidente na acção de despejo, desvirtuando ainda mais o seu significado.
Esta solução impõe uma outra, que deve estar na mente do autor do projecto, mas que não resulta claramente do texto: a da obrigatoriedade do depósito do triplo e da notificação.
Considerando-se o depósito facultativo, poderia o arrendatário alegar na acção de despejo que ofereceu o triplo e que este foi recusado. Esta solução, que seria, porventura, a mais lógica, em confronto com o que se passa relativamente ao depósito das rendas simples, é, sob vários aspectos, inconveniente.
Não convém que se vá discutir no processo de despejo uma questão que lhe é quase inteiramente estranha - o verificarem-se ou não os factos que podem legitimar o depósito (artigo 759.º do Código Civil). Se há um processo próprio para dirimir essa controvérsia, melhor é arrumá-la nesse processo, e, para isso, importa tornar obrigatórios o depósito e a notificação. As perturbações que a análise das circunstâncias referidas no artigo 759.º podem trazer à acção de despejo ainda se compreendem, embora se não justifiquem cabalmente, quando se trate do pagamento de rendas simples. É isso, pode dizer-se, inevitável, para não se impor aos inquilinos, que não têm culpa no não cumprimento da obrigação, o encargo de um depósito, criando-se-lhes um ónus a que não estão sujeitos os
Restantes devedores, para quem o depósito é sempre facultativo. O pagamento do triplo, porém, supõe culpa do devedor. Trata-se já, portanto, de uma sanção de mais o pequeno cargo do depósito, no caso de recusa do recebimento, para se evitar, tanto quanto possível, que na arção de despejo se discutam factos que lhe são estranhos e que a perturbam.
Justifica-se, pois, uma afirmação clara da obrigatoriedade do depósito neste caso.

46. Depósito condicional do triplo das rendas. - A necessidade de um depósito condicional do triplo das rendas tem sido posta em relevo por muitos autores, o se alguns entendem, de jure constituto, que ele não é admitido, outros, com melhores razões, julgam possível já esse depósito em face da lei vigente. Parece que de jure constituendo não se levantam embaraços à sua admissibilidade. É que pode dar-se esta hipótese: o arrendatário tem fundadas razões para crer na improcedência da acção de despejo, mas pretende evitar o despejo provisório, decretado nos termos do artigo 978.º do Código de Processo. Se não depositou em tempo oportuno a renda, só tem um processo de o conseguir: depositar o triplo. Simplesmente, se não se admitir o depósito condicional, e se este tiver de ser havido sempre como definitivo, o processo será suspenso, nos termos do § 3.º do mesmo artigo, ao que corresponde, com todas as suas consequências, o reconhecimento, por parte do arrendatário, de que se encontra em mora. Quer isto dizer que o arrendatário nestas condições não poderia fugir a este dilema: ou sujeitar-se ao despejo provisório ou reconhecer culpa de sua parte e pagar definitivamente o triplo das rendas.
Para obviar a este inconveniente é que a doutrina comum tem admitido a figura do depósito condicional do triplo das rendas, depósito que só se torna definitivo se a acção de despejo proceder. "Não podemos admitir, escreve o Prof. Dr. Alberto dos Reis, que o pensamento da lei fosse colocar o arrendatário na dura alternativa de renunciar à defesa do seu direito ou ser vítima do despejo provisório" 66.
Na solução atrás sugerida pela Câmara Corporativa, de só se permitir o depósito do triplo das rendas até à contestação, o depósito condicional servirá também para evitar o despejo definitivo no mesmo caso de o arrendatário ter razões para crer na improcedência do pedido.
Além disso, como já se justificou no n.º 44 deste parecer, o depósito condicional deve ser admitido ainda antes da acção de despejo por falta de pagamento de rendas. Já a esse tempo o arrendatário pode ter todo o interesse em, com o depósito do triplo, assegurar que as novas rendas podem ser regularmente pagas em singelo, mas do mesmo passo não perder a possibilidade de discutir judicialmente se houve ou não a mora solvendi, sem o risco de, pela penda da acção, ver consumar irremediavelmente o despejo.
Entendendo, porém, a Câmara Corporativa que deve ser aprovado o princípio contido no § 4.º do artigo 19.º do projecto, não concorda com todas as consequências aí atribuídas ao depósito condicional. Diz-se nesse parágrafo: "Se esta (acção de despejo) for julgada improcedente, o senhorio será pago, pelas forças desse depósito e até onde chegue, das rendas simples em dívida, devendo o arrendatário, quando a quantia depositada não chegue, efectuar, no prazo que o juiz fixe, o depósito do que faltar para pagamento das rendas simples, sob pena do despejo imediato. Procedendo a acção, o senhorio levantará o triplo das rendas vencidas quando da propositura da acção e as rendas simples que o arrendatário deve ter depositado ou que depositará no prazo estabelecido pelo juiz, sob a cominação de despejo".
Será da natureza do depósito condicional, como é da natureza de todo o acto sob condição, caducar pela não verificação desta e tornar-se efectivo pela sua verificação. Logo, se a acção improcede, em princípio, o arrendatário deverá poder levantar o depósito; se a acção procede deverá perdê-lo em benefício do senhorio.
Porém, segundo o projecto, se a acção é julgada improcedente, o senhorio será pago das rendas simples em dívida pelas forças desse depósito. Será de aceitar esta primeira consequência? Parece que sim. A mora accipiendi não extingue a obrigação; o arrendatário fica sempre vinculado ao pagamento da renda, que a todo

66 Revista citada, p. 242

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o momento lhe pode ser exigido, e portanto, embora, julgado não provado o fundamento do despejo, a renda, por devida, deve ser paga.
A segunda parte do § 4.º é que já não se justifica. Por um lado, regula-se o caso de o arrendatário não ter pago as rendas, quando a falta do pagamento deverá já ter importado na altura da sentença a sanção do artigo 979.º do Código de Processo, ou seja o despejo imediato; por outro lado, a faculdade atribuída ao juiz de fixar um prazo para o (pagamento das rendas simples supõe a possibilidade legal de o arrendatário não as pagar durante a pendência da acção. Contra tal possibilidade (baseada em que o artigo 979.º do Código de Processo Civil é inaplicável às acções fundadas na falta de pagamento de rendas) já atrás a Câmara Corporativa se pronunciou, apontando as suas razoe» e mostrando a falta de sentido jurídico dessa solução, que a simples análise da fonte próxima daquele artigo - o decreto-lei n.º 22:661 - mostra não ser exacta.
Sendo a acção julgada procedente, segundo o projecto, o senhorio poderá levantar o triplo das rendas vencidas quando da propositura da acção e as rendas simples que o arrendatário deve ter depositado ou que depositará no prazo estabelecido pelo juiz. Começa-se por não se dizer claramente, afinal, se o arrendatário deveria ou não ter depositado, porque as duas afirmações, ligadas pela disjuntiva ou, são contraditórias. Supondo-se a não obrigatoriedade do depósito, harmonizando-se esta última parte do parágrafo com a segunda, nota-se uma contradição, para a qual não se vê explicação possível, entre este regime e o estabelecido no artigo 19.º Enquanto que o arrendatário, para se livrar do despejo, tem, segundo este último artigo, de depositar o triplo de todas as rendas vencidas durante a pendência da acção, não lhe sendo sequer possível pagar as rendas simples no seu vencimento, se o mesmo arrendatário, em vez de reconhecer cedo a sua falta, resolver protelar a lide, se fizer para isso um depósito condicional, e for convencido judicialmente da sua culpa, tem o prémio de ser apenas obrigado ao pagamento das rendas simples, e, para o efectuar, ainda lhe é facultado um prazo pelo juiz. A vingarem estes dois princípios, nenhum arrendatário deixará de fazer um depósito condicional por mais firme que seja a sua certeza da razão do senhorio, deixando seguir a acção até à sentença, para conseguir, além de um benefício no montante da sua responsabilidade, uma moratória para o pagamento das rendas.
Ambas as soluções são exageradas: uma contra os arrendatários, outra em seu benefício. Já se disse o suficiente a respeito do artigo 19.º para que se conheça a posição da Câmara Corporativa nesta matéria. Não há que disciplinar aqui, em especial, o pagamento das rendas vencidas durante a pendência da acção. Elas estão sujeitas ao seu regime normal. O seu pagamento é obrigatório, e, portanto, se o arrendatário não as paga ou não as deposita no caso de recusa, sujeitas à sanção do artigo 979.º do Código de Processo Civil.

Fica assim justificado o novo artigo 39.º, adiante sugerido.

CAPITULO X

Prédios rústicos afectados ao comércio ou indústria

47. Aplicação dos princípios reguladores do arrendamento urbano. - Segundo o artigo 20.º do projecto, «esta lei e os anteriores diplomas reguladores do inquilinato urbano aplicam-se também aos arrendamentos de prédios rústicos onde funcionem estabelecimentos comerciais, ou industriais, nos termos do artigo 1.º da lei n.º 1:503». Dispõe este artigo que «os estabelecimentos comerciais ou industriais instalados em prédios que a lei considera, no todo ou em parte, de natureza rústica gozarão de todos os privilégios e garantias que o decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, concedeu aos estabelecimentos comerciais ou industriais que funcionam em prédios urbanos, desde que nos respectivos contratos ou em virtude da tolerância do senhorio o uso desse comércio ou indústria esteja autorizado ou tacitamente consentido».
A primeira consequência do artigo 20.º será, pois, a de se aplicarem, de futuro, aos prédios rústicos afectados ao comércio ou indústria, não só as disposições do decreto n.º 5:411, mas as de todos os diplomas posteriores que regularem o inquilinato comercial, incluindo a lei em projecto.
Trata-se de uma medida legislativa que deve ser aprovada e com a qual .se evitam dúvidas de interpretação suscitadas u volta da lei n.º 1:503. Entre os privilégios conferidos aos arrendatários estão os relativos à duração do contrato (decreto n.º 5:411, artigo 58.º), às indemnizações no caso de despejo ou .expropriação ( idem, artigos 53.º e 54.º), aos traspasses (idem, artigo 55.º), ao prazo para o despejo (idem, artigo 57.º), às preferências (lei n.º 1:662, artigo 11.º), etc. Ora, estes privilégios não podem considerar-se atribuídos aos arrendatárias em atenção à natureza urbana ou rústica do prédio. São-no para proteger as actividades mercantis que neles se exercem. Parece, assim, não fazei sentido que, por se tratar de um prédio rústico, destinado, com o assentimento do dono, ao exercício do comércio ou da indústria, os arrendatários nem sequer gozem daquelas garantias ou privilégios que lhes são atribuídos nos arrendamentos de prédios urbanos em geral.
A referência, porém, à lei n.º 1:503 parece subordinar o campo de aplicação do artigo 20.º aos termos prescritos nesse diploma, e isso sugere duas dúvidas: uma relativa aos privilégios e garantias dos senhorios e outra relativa à forma do contrato.
Julga a Câmara Corporativa que um dos objectivos visados pelo autor do projecto, senão o principal, foi precisamente o de atribuir também aos senhorios de prédios rústicos os privilégios de que gozam os senhorios de prédios urbanos, para se não manter a anomalia, legal de só serem atendidos os interesses do arrendatário e não os do proprietário. Enquanto, por exemplo, aquele goza do direito de preferência na venda do prédio, este, segundo parece, não tem o mesmo direito no traspasse do estabelecimento; enquanto aquele podo impor ao senhorio a renovação do contrato, este, segundo parece também, não tem o direito de fixar as rendas em harmonia com os princípios respeitantes aos prédios arrendados para estabelecimentos comerciais ou industriais, etc. Sendo esse o objectivo do projecto, ou, pelo menos, devendo-o ser, impõe-se a supressão da parte final do artigo 20.º, onde se diz «nos termos do artigo 1.º da lei n.º 1:503», que é inútil e equívoca.
Esta última afirmação ainda tem outra consequência, agora relativa à forma do contrato. Na lei n.º 1:503 considera-se existente um arrendamento comercial, para os efeitos prescritos no seu artigo 1.º, «desde que nos respectivos contratos ou em virtude de tolerância do senhorio o uso desse comércio ou indústria esteja autorizado ou tacitamente consentido». Quer isto dizer que se admitiriam para futuro não só os contratos verbais como os> tácitos, embora deles resultem as consequências graves que derivam sempre de um arrendamento comercial. Ora, se esta solução não contraria a economia do projecto nesta matéria, pois se admitem, em todos os casos, contratos verbais, salvo se se trata de novos arrenmentos, contraria o pensamento, já emitido acima pela Câmara Corporativa, de que todos os arrendamentos para comércio ou indústria, precisamente em atenção

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aos excepcionais privilégios, que deles resultam para os arrendatários, devem ser feitos por escritura pública.
Para a Câmara Corporativa, não só se justifica, pois, ainda sob este ponto de vista, a supressão da parte final do artigo 20.º, como se mostra conveniente exigir a escritura, em termos expressos.

CAPITULO XI

Contratos mistos de arrendamento e aluguer

48. Renda e preço da locação de móveis. - Pelo artigo 21.º do projecto, «os contratos mistos de arrendamento e aluguer reputar-se-ão, para todos osi efeitos, de arrendamento, sendo considerada renda tudo o que o locatário pagar v. Pretende-se evitar certas fraudes, ou certas injustiças, resultantes da discriminação entre o quantitativo pago a título de renda e o pago a título de preço pela locação de móveis. É uma solução que para certos efeitos jurídicos quase se impõe, mas que não pode admitir-se com a generalidade com que foi formulada. Alguns exemplos mostrarão a evidência do que se afirma. Assim, em matéria de actualizações, aos prédios arrendados com ou sem mobília seria fixada sempre a mesma renda - a equivalente ao rendimento colectável ilíquido; para efeitos fiscais (fixação do rendimento colectável) teria de ser considerado o valor da mobília; em matéria de sublocação, verificando-se n, substituição permitida pelo artigo 13.º do projecto, ficaria o senhorio a receber dos antigos locatários o preço de aluguer da mobília, embora esta pertencesse ao arrendatário, etc.
Nestas condições, apenas se poderá pensar em aceitar o princípio contido no artigo para certos efeitos e nunca para todos os efeitos legais; e um dos que mais interesse apresentaria seria o de atender ao preço de aluguer dos móveis para o efeito da fixação do triplo, no caso do não pagamento da renda simples no prazo legal. Será, porém, de aconselhar uma enumeração de casos em que o preço da locação de móveis seja havido como renda? Parece que não, enquanto se não fizer o estudo e regulamentação do contrato de locação de móveis ou do contrato de arrendamento de casas mobiladas. Tudo o que se dissesse hoje seria unilateral e equívoco, dada a diferença profunda entre o regime dos dois negócios jurídicos, e dificilmente se poderia, fossem quais fossem os limites de equiparação estabelecidos, determinar, para futuro, até que ponto o regime excepcional e proteccionista do arrendamento de prédios urbanos poderia abranger o aluguer das mobílias. Trata-se de matéria que não é susceptível, sem perigo, de ser fragmentàriamente regulada. O que se impõe é uma regulamentação especial do arrendamento de casas mobiladas, visando todos os seus aspectos, mas fazê-lo não está nas possibilidades constitucionais da Câmara Corporativa.
Por estas razões é de parecer esta Câmara que o artigo 21.º do projecto não deve ser aprovado.

CAPITULO XII

Alçadas

49. Recursos em acções de despejo. - O artigo 22.º do projecto dispõe que «as decisões proferidas nas acções de despejo e naquelas de que, directa ou indirectamente, possa resultar o despejo admitem recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça».
A finalidade desta disposição está em perfeita correspondência com o n.º 3.º da primeira moção votada pela Assembleia Nacional em 14 de Dezembro (Diário das Sessões, p. 173, col. 1.ª), em que se reconheceu a necessidade de «Ser assegurada aos senhorios e aos arrendatários igualdade de direitos perante os tribunais em matéria de recursos». E a solução proposta foi assim justificada pelo autor do projecto: «A questão podia ser resolvida de duas formas: ou pela revogação pura e simples do artigo 5.º do decreto n.º 10:774, de 19 de Maio de 1925, ou isentando os processos de despejo das regras das alçadas. Optei por este sistema em face do recente decreto sobre alçadas, pois, de outro modo, rara seria a questão de inquilinato que subiria ao Supremo».
Julga a Câmara Corporativa que a situação dos inquilinos e a situação dos senhorios devem sem dúvida ser igualadas em matéria de recursos, suprimindo-se a anomalia criada pelo decreto n.º 10:774, e julga também, com o autor do projecto, que o simples regresso à regra geral das alçadas não é de aconselhar. Não só as questões relativas ao arrendamento urbano envolvem interesses e melindres que mal se coadunam com a inexistência de recurso (e a verdade é que, em face do § único do artigo 311.º do Código de Processo Civil, raras serão as acções de despejo com valor superior à actual alçada dos tribunais de comarca), mas também não se deve perder de vista que o preceito do decreto n.º 10:774 criou uma situação de facto que está enraizada e seria inconveniente abolir.
Assim, a solução idónea consiste realmente em estender aos senhorios a isenção de alçada que já existe para os inquilinos. São as acções em si que devem eximir-se à alçada, independentemente de a decisão ser favorável ao autor ou favorável ao réu.
Mas, se se deve legislar em termos de assegurar a existência de recurso, já não se vê razão para que em todos os casos fique franqueado recorrer até o Supremo Tribunal de Justiça. A derrogação às regras gerais sobre alçadas basta que seja feita quanto aos tribunais de comarca: assegurado um grau de recurso (recurso da 1.ª instância para a Relação), está satisfeita a necessidade, acima referida, de as acções relativas ao arrendamento urbano não serem deixadas ao julgamento de um único tribunal; e o cabimento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça deve ficar sujeito às normas gerais. Se parece inconveniente que não haja recurso algum, também se afigura prejudicial que em todos os casos, desde os de valor ínfimo aos de valor considerável, haja a possibilidade de a acção ser apreciada por três tribunais diversos, com o acréscimo de demoras e de despesas que a essa tríplice intervenção é inerente. E ainda haveria que mencionar a possibilidade de recurso, dentro do próprio Supremo Tribunal de Justiça, para tribunal pleno. A multiplicação dos recursos, em desconformidade com o valor da causa, não serve bem as necessidades da justiça.
Por isso propõe esta Câmara a solução intermédia que consta da disposição ao diante sugerida (novo artigo 41.º).

Há outro ponto, porém, no texto do artigo 22.º do projecto de lei que merece ser considerado. Refere-se esse texto não só às acções de despejo mas também àquelas de que directa ou indirectamente possa resultar o despejo. Porquê a dupla referência?
Desde o decreto n.º 10:774 (que emprega a expressão «sentença que ordenar o despejo»), tem-se posto o problema de saber se a referência a despejo abrange apenas as acções de despejo stricto sensu, cujo objecto consiste na rescisão do contrato de arrendamento, ou comporta sentido mais amplo, capaz de abranger outras acções que, não sendo de despejo stricto sensu, possam envolver do mesmo modo a possibilidade do apreciação judicial da insubsistência de uma relação de arrendamento. Não vale a pena entrar na pormenorização do problema, que ainda se desdobra em diversas modalidades. Basta observar que sobre ele se desenvolveu variada jurisprudência e que o Supremo

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Tribunal de Justiça emitiu recentemente o seguinte assento: «O artigo 5.º do decreto n.º 10:774 é aplicável às acções de posse ou entrega de prédios urbanos em que a oposição tenha por base a subsistência de um arrendamento» (assento de 23 de Março de 1946, publicado no Diário do Governo de 9 de Abril seguinte).
O texto do artigo 22.º do projecto propõe-se resolver o problema no sentido de a disposição especial que consigna ser aplicável tanto às verdadeiras cascões de despejo como a quaisquer outras que, não obstante terem natureza diferente, possam conduzir ao mesmo resultado material que pelas acções de despejo se verifica.
Esta orientação parece de aplaudir. Se há necessidade de assegurar a existência de recurso quando seja julgada nos tribunais uma questão de despejo, essa necessidade não deriva da forma de processo empregada, nem sequer da caracterização técnica da figura de direito substantivo que esteja em causa: emerge, sim, da própria realidade que está no fundo da questão e é a apreciação da subsistência ou insubsistência de um contrato de arrendamento. Tanto faz que se trate de rescisão do contrato como de não renovação dele, ou de invalidado, ou de revogação, ou de caducidade: a questão respeita a um arrendamento, e é isso que interessa.
Se é assim, importa caracterizar as acções de maneira que todos os referidos casos fiquem compreendidos.
Caberia perguntar até se a providência do artigo 22.º não deveria estender-se a todas as hipóteses em que da acção possa resultar a desocupação judicial de uma casa, independentemente de ser ou não apreciada uma relação de arrendamento. Com efeito, pode dizer-se que, suscite-se ou não a hipótese de arrendamento, está sempre em jogo, de um lado, a protecção da habitação ou do estabelecimento comercial ou industrial, e do outro lado a protecção da propriedade contra ocupações ilegítimas; ora são estas protecções de interesses que estão na base de providências como a do artigo 22.º
A Câmara Corporativa não vai tão longe. As matérias de arrendamento envolvem interesses e melindres especiais - os interesses e melindres especiais a que acima se aludiu, ao justificar a existência necessária de recurso -, e é isso que determina e, portanto, circunscreve, a concessão da isenção de alçada.
Concorda-se, assim, cora a orientação que, nesta parte, adoptou o projecto. Mas algumas restrições devem pôr-se à redacção proposta.
Com efeito, para abranger todas as acções emprega-se, no artigo 22.º, o termo «despejos» em dois sentidos diferentes; e, se um deles é claro, o outro pode dar lugar a dúvidas. Que significa, ao certo, o termo «despejos na expressão final do artigo? Só a cessação de arrendamentos? Ou a desocupação judicial de casas, independentemente de haver arrendamento? Ou terá ainda algum outro sentido especial?
Melhor será exprimir por outra linguagem toda a realidade que se pretende abranger, e, para tanto, fazer referência às acções em que se aprecie a subsistência ou insubsistência de contrato de arrendamento, muito embora não comportem a qualificação rigorosa de acções de despejo.

Ainda outro ponto. Conquanto o texto do artigo 5.º do decreto n.º 10:774 fale em despejo, sem especificar de que espécie de arrendamento se trata, tem prevalecido o entendimento, baseado em outros elementos de interpretação, de que só os arrendamentos de prédios urbanos foram directamente visados. E, na verdade, é a respeito do inquilinato urbano que se abre com acuidade o problema da necessidade de recurso. Quanto ao arrendamento rústico, não se vê razão para o eximir das regras gerais sobre alçadas.
Deste modo se justifica, nus suas diversas partes, a nova redacção adiante sugerida para a disposição relativa às alçadas.

CAPITULO XIII

Disposições finais

50. Retroactividade da nova lei. - Com o objectivo de tranquilizar os «que pudessem pensar que havia o propósito de resolver qualquer pleito em curso», no dizer do autor do projecto, estabeleceu-se no artigo 23.º que «os preceitos da presente lei não se aplicam às acções pendentes em 18 de Dezembro de 1946».
É de parecer a Câmara Corporativa que esta disposição deve ser substituída por outra, em que se fixem precisamente os termos de aplicação da nova lei aos contratos de arrendamento celebrados anteriormente à sua entrada em vigor.
As razões são estas: há no projecto disposições inovadoras e disposições interpretativas. Quanto às primeiras, é equívoca a afirmação de que não são aplicáveis às acções pendentes em 18 de Dezembro de 1946. Pode parecer, a contrario sensu, que são aplicáveis desde essa data, quando a verdade é que - sob pena de se atribuir, inconvenientemente, pleno efeito retroactivo à nova lei - só devem poder aplicar-se a factos verificados depois da sua entrada em vigor. Quanto às segundas, que constituem a generalidade, ou há motivos para a sua aplicação retroactiva, e deve manter-se o preceito do artigo 8.º do Código Civil, devendo os tribunais ser obrigados a atribuir à lei interpretada o sentido que lhe for fixado, pouco importando que sejam ou não acções pendentes em certa data, ou se entende que não devem ter efeitos retroactivos essas disposições, e, nesse caso, não deverão atingir factos do pretérito, mesmo que posteriores a 18 de Dezembro de 1946. A não se adoptar qualquer destas soluções, impõe-se então criar um regime de direito transitório.
Para se escolher um destes caminhos são precisas razões, e a invocada pelo autor do projecto não é atendível, desde que a lei tem de ser aprovada pela Assembleia Nacional.
Ora, é de toda a evidência que, em princípio, a nova lei deve ter eficácia retroactiva, no sentido de que deve aplicar-se a todos os contratos de arrendamento já celebrados, salvo pelo que respeita a certas disposições de forma, como adiante se dirá. Embora, no rigor do direito, se pudesse duvidar desta solução, no caso em concreto, para imediatamente se aceitar a retroactividade, no sentido que lhe foi atribuído, basta notar que os preceitos da nova lei vêm substituir outros que tiveram também eficácia retroactiva.
Parece, portanto, dever partir-se da afirmação de que o nova lei é aplicável aos arrendamentos de pretérito e ver depois se nalguns domínios se justificam desvios.

51. Disposições relativas à forma do contrato. Sua retroactividade. - De todas as disposições contidas no projecto - sem mencionar aquelas que pela sua própria estrutura ou modo de expressão definem qual o domínio de casos a que se aplicam - há apenas as relativas à forma do arrendamento, que devem, por princípio, aplicar-se sómente aos contratos de futuro. Será de manter, porém, em toda a sua pureza esse princípio? Crê a Câmara Corporativa que não. Desde que são admitidos para futuro os arrendamentos verbais, devem igualmente ser reconhecidos os de pretérito, celebrados por essa forma. Além da razão da evidente equidade, outra solução ocasionaria embaraços quando se procurasse saber (o que seria legítimo) se depois da entrada em vigor da nova lei se teriam de considerar taci-

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tamente celebrados novos contratos válidos nos termos do artigo 1.º do projecto.
Também pelo que respeita à exigência de escritura pública não há inconveniente em afirmar a retroactividade da nova lei, quer se aceite a sugestão da Câmara Corporativa, exigindo escritura pública para todos os arrendamentos destinados ao comércio ou à indústria, quer a solução do projecto, admitindo a validade destes contratos quando verbais. A solução da Câmara Corporativa não é inovadora em relação ao período legislativo imediatamente anterior, e, quanto à do projecto, podem produzir-se as mesmas razões que foram acima emitidas.
Neste domínio da forma já se apresenta com real interesse a questão de saber se deve continuar a aplicar-se para futuro, mas em relação aos contratos de pretérito, a disposição do artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, que admite a prova dos arrendamentos de facto quando a falta de forma seja imputável a um dos contraentes. O problema só se põe se forem aceites as sugestões desta Câmara quanto à forma do arrendamento, e põe-se em dois casos: em primeiro lugar, quanto aos arrendamentos verbais celebrados antes da nova lei, se não existirem recibos assinados pelo senhorio, e, em segundo lugar, quanto aos arrendamentos para comércio ou indústria. No primeiro caso justifica-se a aplicação daquele decreto, por todas as razões por que se justifica a não atribuição, em princípio, de eficácia retroactiva à lei. No segundo caso, o problema é mais grave, porque se duvida, no direito vigente, se aquele decreto é aplicável a tais arrendamentos, como acima se disse. Mas a solução deve, em termos gerais, ser a mesma. Se o decreto-lei n.º 22:661 abrange este caso, deve continuar a vigorar para futuro em relação aos arrendamentos do pretérito. Se não abrange, a questão não se põe.
É, porém, de notar o seguinte: a solução que se adopta no texto da Câmara Corporativa no artigo 2.º (nulidade do contrato quando falta a escritura) e a revogação expressa que se faz daquele decreto-lei (artigo 6.º) importarão possivelmente, dado o estado actual da doutrina e da jurisprudência, que se considere como interpretativa aquela primeira disposição e, portanto, que se lhe atribua eficácia retroactiva se na nova lei nada se prescrever era contrário.
Ora, importa à Câmara Corporativa salientar que, em seu parecer, não há nenhum interesse político, económico ou jurídico de relevo em dar ao problema, (em relação aos contratos já celebrados, a solução contida no texto desta Câmara ou qualquer outra que tenha sido defendida pelos autores ou pelos tribunais, e que está pendente no Supremo Tribunal de Justiça uma acção da qual sairá um assento que a resolverá num dos sentidos.
Nestas condições, é de parecer a Câmara Corporativa que a questão deve ficar em aberto, considerando-se que o artigo 1.º citado é aplicável, para futuro, aos arrendamentos de pretérito, mas só nos termos em que, segundo a, lei vigente, esse artigo se considera aplicável.
Há ainda uma outra disposição relativa à forma do contrato no texto sugerido pela Câmara Corporativa: é a da parte final do artigo 40.º Nesse mesmo artigo se resolveu o problema do direito transitório. Atendeu-se a que a escritura só começou a ser exigida pelo Código do Notariado de 1931.

52. Outras disposições relativas à aplicação da lei no tempo. - Ao lado propriamente do regime do contrato, muitas das disposições, do projecto supõem factos futuros que se reflectem nesse regime, tais como sublocações, morte do arrendatário, termo do usufruto ou da administração de bens alheios, etc. Crê a Câmara Corporativa que não são necessárias providências especiais, pelo que respeita à sua aplicação no tempo, além das que foram já tomadas no texto que sugere. Assim, pelo que respeita às sublocações, distinguiram-se as anteriores das posteriores à nova lei, criando-se pára umas a outras regimes diferentes. Quanto à supressão dos prazos de caducidade estabelecidos pela lei n.º 1:662, declarou-se que essa supressão não prejudica direitos adquiridos. E, com respeito à caducidade da acção de despejo fundada na resolução do arrendamento, dispôs-se que, se ao tempo da entrada da lei em vigor já tiverem decorrido seis meses sobre o facto determinativo da resolução, a acção de despejo já não pode ser intentada: considerou-se, neste caso, que a significação e efeito que de futuro se atribuem ao decurso de seis meses sobre a resolução do contrato, devem verificar-se do mesmo modo para o passado.
Por cautela e para evitar possíveis interpretações erróneas, derivadas da circunstância de se considerar expressamente aplicável a nova lei aos arrendamentos de pretérito, a Câmara Corporativa sugere ainda a aprovação de dois princípios que se cantem no seu texto: um relativo à transmissão nortis causa do direito ao arrendamento e outro relativo ao depósito do triplo das rendas. Eles traduzem, aliás, conclusões assentes da doutrina, dentro do problema da aplicação das leis no tempo.

53. Aplicabilidade da nova lei só aos arrendamentos de prédios urbanos. - Entende esta Câmara que as providências do projecto de lei, e bem assim as constantes do texto sugerido no fim deste parecer, devem ter aplicação só aos arrendamentos de prédios urbanos. Muitas há até que só a respeito de tais arrendamentos podem fazer sentido. Mas quanto a algumas outras é legítima a dúvida - se nenhuma disposição geral esclarecer terminantemente o assunto.
Assim, impõe-se esclarecer em termos expressos no final da nova lei - ou no seu começo - qual a espécie de arrendamentos que ela vai regular.
Tal é a razão de ser do novo artigo 46.º

Texto sugerido pela Câmara Corporativa em conformidade com o seu parecer

CAPÍTULO I

Formação do contrato

ARTIGO 1.º

1. O contrato de arrendamento de prédios urbanos não carece de ser reduzido a escrito.
2. Na falta, porém, de escrito de arrendamento, o arrendatário só pode fazer a prova da existência do contrato, desde que exiba recibo ou recibos de rendas assinados pelo proprietário ou por quem suas vezes fizer.
3. Só podem provar-se por documento escrito as estipulações que importem alteração ao regime supletivo do contrato.
4. Na falta de escrito de arrendamento, entende-se que o prédio é destinado a habitação.

ARTIGO 2.º

1. Devem, todavia, constar de escritura pública:
a) Os arrendamentos sujeitos a registo;
b) Os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal;
c) Os arrendamentos de prédios ou partes de prédios onde, há menos de um ano, tenha existido estabeleci-

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mento comercial ou industrial, ou consultório ou escritório de profissão liberal.
2. A falta de escritura pública importa nulidade, excepto se se tratar de arrendamentos sujeitos a registo, que subsistem para todos os efeitos como semestrais.

ARTIGO 3.º

Nos casos em que o arrendamento não seja reduzido a escrito, o senhorio é obrigado a apresentar na secção de finanças participação escrita da celebração do contrato, na qual aporá o selo do arrendamento. Fica por esta forma substituída a obrigação de remeter à secção de finanças um exemplar selado do contrato.

ARTIGO 4.º

O contrato de arrendamento, quando conste de título particular ou de escritura pública, só pode ser alterado por documento de igual força.

ARTIGO 5.º

1. O contrato de arrendamento de prédio indiviso, feito por algum ou alguns dos comproprietários, considera-se validado desde que os restantes comproprietários manifestem por qualquer modo o seu assentimento.
2. Quando a lei exige escritura pública para a formação do contrato, a validação depende de assentimento prestado pelos outros comproprietários, também em escritura pública. Tratando-se, porém, de arrendamento sujeito a registo, e havendo assentimento dos não intervenientes, nos termos indicados no n.º l, o contrato considera-se para todos os efeitos como celebrado por seis meses.

ARTIGO 6.º

é revogado o artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933.

CAPITULO II

Caducidade do arrendamento

ARTIGO 7.º

1. O proprietário do prédio que tenha sido dado de arrendamento pelo usufrutuário pode, terminado o usufruto, obter o despejo, com base na resolução do arrendamento.
2. A extinção do usufruto, em consequência de renúncia do respectivo titular ou de confusão do usufruto com a propriedade, não produz a resolução do contrato de arrendamento. Este só caducará, em qualquer dos casos, quando se verificar alguma das circunstâncias que determinariam a resolução se não houvesse renúncia nem confusão.

ARTIGO 8.º

1. O disposto no artigo anterior é aplicável a todos os casos em que o prédio tenha sido dado de arrendamento por administradores legais de bens alheios ou pelo fiduciário.
2. Exceptuam-se os arrendamentos feitos pelo cônjuge administrador dos bens do casal, salvo tratando-se de bens dotais. Neste último caso, a dissolução do casamento ou a separação de pessoas e bens importa sempre resolução do arrendamento, mesmo que a mulher tenha outorgado o contrato ou dado o seu assentimento.

ARTIGO 9.º

1. Para obter o despejo, com base na resolução do arrendamento, são competentes os meios dos artigos 970.º e seguintes do Código de Processo Civil, mas sem necessidade de aguardar o fim do prazo do contrato ou da renovação.
2. Nos casos em que a resolução do contrato deva dar-se em data certa, o aviso pode ser feito e a acção pode correr ainda antes dessa data, mas a efectivação do despejo ficará sempre diferida para depois dela.
3. Nos outros casos o aviso e o exercício da acção não podem realizar-se antes de a resolução se ter verificado.
4. Em todos os casos, porém, a acção caduca se não for intentada até seis meses, a contar da resolução do arrendamento, e o despejo só pode tornar-se efectivo depois de passados noventa dias sobre o aviso.

. O recebimento de rendas pelo proprietário, depois da resolução do contrato, não prejudica o seu direito de obter a desocupação do prédio.
6. Se se provar que o arrendatário, ao tempo em que de facto seu tenha resultado mais valia para o prédio, desconhecia a circunstância de o outro contraente não ser proprietário pleno, tem o arrendatário direito a receber uma compensação pela mais valia, se em consequência da resolução do arrendamento tiver de desocupar o prédio. A importância da compensação será fixada conforme as circunstâncias, mas sem que possa exceder vinte vezes a importância da renda anual.

CAPÍTULO III

Transmissão do direito ao arrendamento

ARTIGO 10.º

O direito ao arrendamento não se comunica ao cônjuge do arrendatário, seja qual for o regime de bens, e caduca por morte deste, salvo nos casos indicados nesta lei e no artigo 58.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919.

ARTIGO 11.º

1. Requerida a separação de pessoas e bens ou o divórcio, podem os cônjuges acordar em que o direito ao arrendamento do prédio para habitação fique pertencendo ao cônjuge ou ex-cônjuge do arrendatário. Na falta de acordo, decidirá o juiz na sentença, a requerimento de qualquer dos interessados, tendo em atenção d sua situação patrimonial, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa do arrendatário na separação ou divorcio e o facto de o arrendamento ser anterior ou posterior à celebração do casamento.
2. Se existirem filhos e o processo tiver de ser remetido ao tribunal de menores, a este competirá decidir.
3. A transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário, por acordo ou por decisão judicial, não produz efeitos em relação ao senhorio se não for requerida a sua notificação dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença que decretar a separação ou o divórcio, ou da decisão proferida pelo tribunal de menores se este tiver de pronunciar-se.

ARTIGO 12.º

1. O arrendamento destinado a habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário, se na data desta existir consorte que não esteja separado de pessoas e bens ou de facto, ou descendente ou ascendente que estivesse em sua companhia durante o ano anterior à morte.
2. A transmissão do direito ao arrendamento estabelecida no número anterior defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos descendentes, preferindo os mais próximos em grau;

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c) Aos descendentes, preferindo os pais aos avós.
3. A transmissão para os descendentes ou ascendentes do primitivo arrendatário também se verifica por morte do cônjuge deste, a quem, nos termos do presente artigo ou do anterior, tenha sido transmitido o direito. Esta segunda transmissão só pode dar-se em favor de pessoas que, durante o ano anterior à morte do cônjuge do primitivo arrendatário, estivessem em sua companhia.
4. Não se verificando a transmissão do direito ao arrendamento por não existirem pessoas nas condições previstas neste artigo, é aplicável o disposto no artigo 9.º

CAPITULO IV

Actualização de rendas

SECÇÃO I

Arrendamentos já existentes à data da entrada em vigor desta lei

ARTIGO 13.º

1. Em relação aos arrendamentos anteriores a 1 de Janeiro de 1943 observar-se-á o seguinte:
a) A renda actual, quer estipulada, quer resultante dos coeficientes de actualização estabelecidos por lei, terá, a partir de 1 de Julho de 1947 e qualquer que seja o rendimento colectável ilíquido constante da matriz, um aumento de 20 por cento;
b) Nos semestres seguintes, mas só até se atingir, em cada caso, importância mensal igual ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido constante da matriz, as rendas terão, em cada semestre, novo aumento igual a 10 por cento da sua importância à data da entrada em vigor desta lei;
c) Se, em razão da diferença entre a renda inicial e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, a actualização prescrita na alínea anterior devesse demorar mais de dez semestres, o aumento em cada semestre será igual à décima parte dessa diferença. Mas se a décima parte for superior a 20 por cento da renda actual, o aumento semestral fixar-se-á nesta percentagem, e a elevação continuará pelo tempo necessário para completa actualização;
d) Se, em resultado de avaliação, ocorrer alteração do rendimento colectável ilíquido, atender-se-á a essa alteração para determinar a importância da renda, mas sem prejuízo de se a alteração consistir em elevação, se proceder ao aumento da renda pelo modo gradual e nos precisos termos acima estabelecidos. O aumento proveniente de alteração do rendimento colectável só é devido a partir do começo do semestre civil seguinte. Dando-se o caso da alínea c), o aumento da renda, nos semestres seguintes ao da elevação do rendimento colectável ilíquido, será acrescido do necessário para que a actualização possa completar-se dentro dos referidos dez semestres, salvo sempre o limite máximo de 20 por cento da renda actual.
2. Se os arrendamentos forem posteriores a 31 de Dezembro de 1942, aplicar-se-á a doutrina das alíneas b), c) e d) do número antecedente, logo a partir de 1 de Julho de 1947.
3. Quando, entre as mesmas partes e a respeito da mesma casa, tiverem sido sucessivamente celebrado dois ou mais arrendamentos, ou estipuladas sucessivamente diferentes importâncias de renda, o senhorio poderá prevalecer-se da data mais antiga, mas neste caso a actualização incidirá sobre a importância que a renda teria na data da entrada em vigor desta lei, se não tivesse havido as celebrações ou estipulações ulteriores.

ARTIGO 14.º

1. Nos casos em que o arrendatário tenha cometido alguma das transgressões do contrato previstas nos §§ 6.º e 7.º do artigo 5.º da lei n.º 1:663, de 4 de Setembro de 1924, as percentagens referidas no artigo anterior são elevadas ao dobro, sem embargo de terem decorrido os prazos de caducidade estabelecidos naqueles parágrafos, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2. Não se aplica esta disposição se, posteriormente à transgressão do contrato, tiver sido acordada entre as partes qualquer elevação da renda.

ARTIGO 15.º

1. Nos arrendamentos feitos ao Estado ou serviços públicos com autonomia financeira, a autarquias locais, a organismos corporativos ou de coordenação económica, a pessoas morais que não tenham fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação, e nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou exercício de profissões liberais, observar-se-á o disposto nos artigos anteriores, mas com as seguintes modificações:
a) As rendas pagas pelo Estado ou serviços públicos com autonomia financeira são totalmente actualizadas a partir de 1 de Julho de 1947;
b) Pelo que respeita às restantes, o aumento será, quanto aos meses de Julho a Dezembro de 1947, de metade da diferença entre a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, salvo se o aumento dever ser superior por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º A partir de 1 de Janeiro de 1948, estas rendas ficarão totalmente actualizadas.
2. Consideram-se abrangidos na alínea b) do número anterior os arrendamentos de locais onde esteja a exercer-se comércio, indústria ou profissão liberal, ainda que seja outro o fim fixado no contrato.
3. Quanto aos arrendamentos referidos no presente artigo, as alterações do rendimento colectável ilíquido, resultantes de novas avaliações, serão atendidas, na totalidade e por uma só vez, a partir do fim do período de arrenda mento que estiver em curso.

ARTIGO 16.º

1. Os aumentos determinados nos artigos anteriores ficam a fazer parte integrante das rendas, devem constar discriminadamente dos respectivos recibos, e os senhorios podem exigi-los independentemente de notificação ou aviso.
2. É necessária, porém, notificação judicial, com a antecedência mínima de trinta dias, se o senhorio quiser prevalecer-se do disposto no n.º 3 do artigo 13.º, no artigo 14.º e no n.º 3 do artigo 15.º

ARTIGO 17.º

1. A parte da contribuição predial actualmente a cargo do arrendatário continua a ser paga por este até o aumento da renda atingir metade da diferença entre a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido à data da entrada em vigor desta lei.
2. Ultrapassada essa metade da diferença, o encargo passa inteiramente para o senhorio.

ARTIGO 18.º

1. As secções de finanças são obrigadas a prestar gratuitamente e a todo o tempo as informações que lhes sejam solicitadas para os efeitos dos artigos anteriores.

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2. Se o arrendamento tiver por objecto dependências cujo rendimento colectável não esteja destrinçado, a elevação da renda, para além dos 20 por cento referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º, só se torna efectiva após a destrinça feita pela comissão permanente de avaliações de prédios urbanos.
3. O senhorio tem sempre a faculdade de requerer a avaliação do prédio, ou parte do prédio arrendada, para actualização da matriz. O requerimento será dirigido ao respectivo chefe da secção de finanças, que mandará proceder a ela pela comissão permanente de avaliações.
4. De igual direito goza o arrendatário quando entenda excessivo o aumento de renda. Neste caso, qualquer que seja o resultado da avaliação, a renda nunca pode ser inferior à convencionada.

5. Não pode requerer-se uma avaliação sem que tenham decorrido três anos sobre outra anteriormente feita.

ARTIGO 19.º

Denta-o do prazo de sessenta dias, a contar da entrada- em .vigor desta lei, serão expedidas, em decreto, pelos Ministérios da Justiça e das Finanças, novas instruções para avaliação de prédios urbanos e organização dos respectivos recursos.

SECÇÃO II

Arrendamentos celebrados na vigência desta lei

ARTIGO 20.º

1. Em relação aos arrendamentos celebrados depois da entrada em vigor desta lei observar-se-á o seguinte:

a) Se a renda mensal for inferior ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido, o senhorio pode exigir, quando se der renovação do arrendamento, renda igual àquele duodécimo;
b) As alterações do rendimento colectável ilíquido, determinadas por avaliações, não produzem efeitos em relação ao período de arrendamento que estiver em curso, nem os produzem em relação ao período imediato se a avaliação não estiver ultimada até dez dia? antes dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil.

2. São aplicáveis a estes arrendamentos as disposições do n.º 1 do artigo 16.º e do artigo 18.º

CAPITULO V

Sublocação

ARTIGO 21.º

1. A sublocação caduca com a extinção, por qualquer causa, do arrendamento. O sublocatário não pode opor-se à execução da sentença de despejo, proferida em acção movida contra o arrendatário, com o fundamento de que não foi também demandado, considerando-se revogada a alínea b) do artigo 987.º do Código de Processo Civil.
2. Todavia, se o proprietário receber alguma renda do sublocatário e passar recibo depois da extinção do arrendamento, será o sublocatário considerado para os efeitos legais como arrendatário directo.

ARTIGO 22.º

1. A cláusula permissiva de sublocação não dispensa a notificação desta. A notificação tem de ser requerida no prazo de quinze dias, sob perna de a sublocação ser considerada ilegal.
2. E dispensada a notificação se o senhorio consentir especialmente em determinada sublocação ou reconhecer o sublocatário.
3. Não se considera como reconhecimento para os efeitos do número anterior o simples conhecimento de que o prédio foi sublocado.

ARTIGO 23.º

1. A autorização da sublocação, seja qual for a data do contrato, não priva o senhorio do direito de fixar livremente a renda, quando houver renovação, sem que isso possa constituir abuso de direito.
2. O senhorio pode renunciar a este direito, contanto que o faça por escrito.
3. A fixação da nova renda só produz efeitos se for notificada ao arrendatário até dez dias antes dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil.
4. As sublocações anteriores à publicação da presente lei ficam sujeitas, quanto ao direito conferido neste artigo, à lei vigente na data em que tiveram lugar.

ARTIGO 24.º

1. Em todos os casos de sublocação total do prédio, anteriores ou posteriores à entrada em vigor desta lei, o senhorio tem a faculdade, mediante notificação judicial, de se substituir ao arrendatário, considerando-se rescindido o primitivo arrendamento e passando o sublocatário ou sublocatários à posição de arrendatários directos.
2. A notificação a que se refere este artigo deve ser feita ao arrendatário e sublocatários e só pode ter lugar dentro dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil para se tornar efectiva a substituição no fim do prazo do arrendamento ou da renovação.

ARTIGO 25.º

1. Presume-se que há sublocação quando durante mais de três meses residam na casa arrendada pessoa ou pessoas, simultânea ou sucessivamente, que não vivessem na casa à data do contrato e que não sejam parentes ou afins do arrendatário, na linha recto ou até o 3.º grau da linha colateral, ou pessoas relativamente às quais haja obrigação legal de convivência.
2. Verificado o facto referido no número anterior, não pode ilidir-se a presunção provando-se que o contrato é de albergaria ou pousada, se não houver prestação normal do alimento por parte do arrendatário.
3. Para a prova da sublocação não é necessário procurar-se o quantitativo da renda nem o prazo do contrato.

CAPITULO VI

Direito de preferência

ARTIGO 26.º

1. O principal locatário de prédio arrendado para comercio ou indústria tem direito de preferência na venda ou dação em pagamento do prédio, sendo esse direito graduado em último lugar na escala das preferências.
2. Se o principal arrendatário não quiser usar desse direito, compete o mesmo aos outros, por ordem decrescente, das rendas.
3. Não terá direito de preferência o arrendatário que não explore no prédio, b á mais de um ano, comércio ou indústria.
4. São aplicáveis ao caso previsto neste artigo as disposições dos §§ 4.º e 5.º do artigo 2309.º do Código Civil, na parte em que o puderem ser.

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CAPITULO VII

Acções de despejo

ARTIGO 27.º

1. Pode obter-se o despejo imediato com os fundamentos seguintes, sem prejuízo de outros actualmente previstos na lei:

a) Fazer o arrendatário mau uso do prédio de forma a prejudicar consideràvelmente o proprietário;
b) Não fazer o arrendatário as obras a que se tenha obrigado no contrato;
c) Ser inerente ao contrato de arrendamento a obrigação para o arrendatário de prestar serviços pessoais e cessar, por qualquer causa, esta obrigação.

2. Considera-se indústria, para efeito da alínea a) do § 7.º do antigo 5º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, a prestação de albergaria ou pousada a mais de uma pessoa.

ARTIGO 28.º

São suprimidos os prazos de caducidade das acções de despejo referidos nos §§ 6.º e 8.º do artigo 5.º da lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, sem prejuízo dos direitos adquiridos à data da entrada em vigor desta lei.

ARTIGO 29.º

Pode requerer-se o despejo para o fim do prazo do arrendamento ou da (renovação, nos casos seguintes, sem prejuízo de outros actualmente previstos na lei:
a) Destinar-se a casa a habitação e não ter nela o arrendatário a sua residência permanente, viva ou não noutra casa arrendada ou própria. Não tem aplicação este preceito se o arrendatário se ausentou em cumprimento de deveres militares de carácter transitório, ou no exercício de funções .públicas que tenham o mesmo carácter.
b) Ter sido a casa sublocada na vigência deste diploma, totalmente ou numa parte cuja área seja superior a metade da área total das suas dependências. Esta disposição não abrange o caso de transmissão do direito ao arrendamento por traspasse de estabelecimento comercial ou industrial;
c) Necessitar o senhorio da casa para a sua habitação ou para a de seus descendentes ou ascendentes;
d) Propor-se o senhorio efectuar obras de ampliação do prédio, das quais resulte poder ser aumentado o número de inquilinos. Na petição inicial, que será acompanhada do respectivo projecto, devidamente aprovado, o senhorio tomará o compromisso de executar as obras e de celebrar de novo arrendamento com os mesmos arrendatários, se eles o pretenderem, pela renda devida anteriormente ou pela correspondente ao rendimento colectável ilíquido, se este for superior.

ARTIGO 30.º

1. No caso da alínea c) do artigo anterior, o aviso a que se refere o artigo 970.º do Código de Processo Civil tem de ser feito com antecedência não inferior a noventa dias.
2. Se o senhorio, obtido o despejo, der ao prédio, no prazo de três anos, destino diferente do previsto naquela alínea ou o tiver desabitado durante mais de um ano sem motivo de força maior, o antigo arrendatário tem direito a indemnização equivalente ao rendimento colectável ilíquido de dois anos e pode reocupar o prédio.
3. Não é devida a indemnização referida no número anterior no caso de morte ou deslocação forçada, não prevista à data do despejo, dos que tiverem de novo ocupado o prédio.

ARTIGO 31.º

1. No caso da alínea d) do artigo 29.º, o arrendatário que ocupava o prédio tem sempre direito a indemnização, igual ao rendimento colectável ilíquido de um ano, a qual será paga .pelo proprietário no acto da desocupação.
2. Ultimadas as obras, aos arrendatários que ocupavam o prédio cabe sempre a escolha da parte da casa que pretendem habitar, e, não havendo acordo entre eles, decidirá o juiz ex aequo et bono.
3. Se o senhorio faltar ao compromisso tomado ou se as obras não estiverem iniciadas, salvo caso de força maior, dentro do prazo de três meses a contar da saída do arrendatário, este pode pedir a reocupação do prédio antigo ou a ocupação do novo, conforme as circunstâncias, e tem direito a uma importância correspondente a mais três anos do rendimento colectável.

ARTIGO 32.º

À execução da sentença que ordenar a ocupação ou reocupação do prédio, nos casos previstos nos artigos anteriores, é aplicável o disposto no artigo 986.º do Código de Processo Civil.

ARTIGO 33.º

Quando se decrete o despejo imediato, ou para o termo do prazo, de prédios tomados de arrendamento pelo Estado ou serviços públicos personalizados, autarquias locais, organismos corporativos ou de coordenação económica, ou pessoas mortais que se proponham fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação, o juiz fixará um prazo razoável, não excedente a seis meses, para desocupação da casa.

CAPITULO VIII

Depósito de rendas

ARTIGO 34.º

O depósito de rendas feito anteriormente à acção de despejo só é considerado liberatório quando se verifique algum dos factos previstos no artigo 769.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 997.º do Código de Processo Civil. Se, porém, o pagamento das rendas dever ter lugar em domicílio, geral ou particular, do arrendatário, presume-se que o credor não veio nem mandou recebê-las na época do vencimento.

ARTIGO 35.º

O depósito da renda e a sua notificação são facultativos. Produz os mesmos efeitos que a notificação a junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito com a contestação da acção de despejo baseada em falta de pagamento.

ARTIGO 36.º

O corpo do artigo 996.º do Código de Processo Civil passa a ter a seguinte redacção: «O depósito feito em tempo útil impede o despejo provisórios.

ARTIGO 37.º

1. Deixando de se fazer o pagamento de alguma renda, por facto imputável ao arrendatário, o senhorio tem o direito de recusar-se a receber as rendas seguintes, enquanto não estiver pago do triplo da renda em falta, ou não for notificado do depósito desse triplo, feito definitiva ou condicionalmente.

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2. As rendas recusadas nos termos do número anterior serão consideradas como rendas em falta, para todos os efeitos.
3. O arrendatário tem o direito de a todo o tempo efectuar o pagamento voluntário, ao senhorio, do triplo das rendas em falta.
4. Se o senhorio se recusar u receber o triplo das rendas, ou não quiser dar quitação, ou for incapaz ou incerto, o arrendatário pode efectuar o depósito de harmonia com o artigo 993.º do Código de Processo Civil e requerer a notificação do senhorio, sendo certo, no prazo de cinco dias, discutindo-se nesse processo apenas se há fundamento para impugnar o depósito. Na acção de despejo o arrendatário não poderá invocar qualquer dos casos do artigo 759.º do Código Civil, a respeito do não pagamento do triplo, se não efectuar o depósito ou não requerer a notificação nos termos deste número.
5. Efectuado o pagamento ou notificado o depósito do triplo das landas em falta, não é lícito ao senhorio recusar o pagamento voluntário das rendas .simples q u p depois se vencerem.
6. O recebimento de qualquer nova renda não prejudica o direito de o senhorio obter o despejo ou de receber o triplo das rendas em falta.

ARTIGO 38.º

1. Intentada acção de despejo por falta de pagamento da renda, o arrendatário pode. até à contestação, pôr termo definitivo ao processo, desde que mostro ter pago ou depositado definitivamente o triplo das rendias em cuja falta de pagamento a acção se funda e, sem prejuízo do disposto no artigo 979.º do Código de Processo, o triplo das vencidas e não pagas, durante a pendência do processo, sem necessidade de notificação.
2. No caso previsto no número anterior o arrendatário será condenado nas custas do processo e nos honorários dos mandatários do autor que o juiz fixar, bem como nas despesas de levantamento do depósito. Xá o satisfazendo qualquer destas verbas, será passado mandado para o despejo.

AETIGO 39.º

1. O arrendatário tem a faculdade de até à contestação da acção de despejo, fazer o depósito condicional do triplo das rendas em dívida.
2. Se o fundamento de falta de pagamento de rendas for julgado insubsistente, a acção será julgada improcedente, e o senhorio será pago das rondas simples pelas forças do depósito condicional, podendo o restante solevantado pelo arrendatário. No caso contrário, a acção será julgada procedente, atribuindo-se ao senhorio a totalidade do depósito, mas o arrendamento subsiste.
3. O depósito condicional pode Ser feito ainda antes da acção de despejo, nas termos e para os efeitos do artigo 37.º

CAPITULO IX

Prédios rústicos afectados ao comércio ou indústria

ARTIGO 40.º

1. Esta lei e os anteriores diplomas reguladores do inquilinato urbano aplicam-se aos arrendamentos de prédios rústicos ou mistos onde funcionem, com assentimento do senhorio, estabelecimentos comerciais ou industriais, desde que o respectivo contrato esteja reduzido a escritura pública.
2. A exigência de escritura pública não se aplica aos contratos celebrados antes da vigência do Código do Notariado, aprovado pelo decreto n.º 20:550, de 26 de Novembro de 1931.

CAPITULO X

Alçadas nas acções de despejo

ARTIGO 41.º

1. As decisões proferidas nas acções de despejo, e em quaisquer outras .em que se aprecie a subsistência ou insubsistência de contratos de arrendamento, admitem sempre recurso para o Tribunal da Relação. Da decisão deste Tribunal só cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se o valor da causa excedei- a alçada.

2. E revogado o artigo 5.º do decreto n.º 10:774, de 19 de Maio de 1925.

CAPÍTULO XI

Disposições finais

ARTIGO 42.º

1. Esta lei é aplicável aos arrendamentos de pretérito, sem excepção das disposições relativas à forma do contrato. Continua, porém, a aplicar-se o disposto no artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, a tais arrendamentos, na medida em que eles puderem ser abrangidos por esse artigo.
2. O disposto no número anterior não afecta a validade dos contratos, referidos no artigo 2.º da presente lei, que tenham sido celebrados antes da exigência legal da escritura pública.

ARTIGO 43.º

Não pode intentar-se a acção destinada a obter o despejo com base na caducidade do arrendamento, regulada nos artigos 7.º a 9.º, se à data da entrada em vigor desta lei já tiverem decorrido seis meses a contar da resolução do contrato.

ARTIGO 44.º

A lei aplicável a transmissão mortis causa do direito ao arrendamento é a vigente à data da morte do arrendatário.

ARTIGO 45.º

O depósito do triplo das rendas, nas acções pendentes à data da entrada em vigor desta lei, pode efectuar-se até à execução da sentença que tiver decretado o despejo definitivo.

ARTIGO 46.º

As disposições desta lei só se aplicam aos arrendamentos de prédios urbanos, salvo o disposto no artigo 40.º

Palácio de S. Bento, 4 de Fevereiro de 1947.

José Gabriel Pinto Coelho.
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha.
Gustavo Cordeiro Ramos.
João Serras e Silva.
Manuel Gomes da Silva.
Álvaro Machado Vilela.
Rui Enes Ulrich.
Albino Vieira da Rocha.
Ezequiel de Campos.
Fernando Emídio da Silva.
Fernando Pires de Lima, relator.

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