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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 88

ANO DE 1947 13 DE FEVEREIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 88 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 12 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Luís Teotónio Pereira fez várias considerações acerca da conveniência de se prestar todo o concurso do desenvolvimento da margem sul do Tejo, prolongamento natural, da capital.
Os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Rocha Paris ocuparam-se, respectivamente, de assuntos vitivinicolas e do abastecimento de milho às regiões nortenhas.

Ordem do dia. - Terminou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu acerca das reformas de justiça, tendo usado da palavra tos Srs. Deputados Sá Carneiro, Bustorff da Silva, Pinheiro Torres e Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.

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José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Luís Teotónio Pereira.

O Sr. Luís Teotónio Pereira: - Vou referir-me a assunto que diz respeito à região que me deu a honra de eleger-me seu representante nesta Assembleia e de grande interesse para todos os que de Lisboa ou através de Lisboa só dirijam para o Sul.
A margem esquerda do Tejo fronteira à capital, há tantos anos votada ao mais deplorável abandono, viu, finalmente, surgir a sua hora. A obra do abastecimento das águas, em franco progresso, e o plano de urbanização, já elaborado, vão permitir à vila de Almada e arredores converter-se no mais pitoresco, saudável e acessível bairro de Lisboa.
Parece-me só haver vantagem em que isto suceda, sobretudo se considerarmos as condições difíceis impostas à população da capital, forçada a procurar alojamento na cada vez mais afastada periferia da cidade, sem transportes fáceis, e nem mesmo assim escapando a rendas incomportáveis.
Que esta situação não mostra tendências de melhoria prova-o o facto de ainda há dias ter sido coberto a ouro o metro quadrado dos terrenos postos em praça pela Câmara em local que fica a mais de 4 quilómetros do centro da cidade.
Nestas condições, Sr. Presidente, será de louvar tudo quanto se faça para que o nosso lindo Tejo não continue a estorvar a natural e desejável expansão da cidade para o Sul.
As comunicações entre as duas margens, tão fáceis e agradáveis com bom tempo, deixarão de sofrer as já hoje tão raras interrupções por virtude de mau tempo quando, a atracação dos barcos se fizer em docas convenientemente abrigadas, como um dia, que espero não virá longe, acabará por suceder.
Por agora, porém, há apenas que torná-las mais rápidas e cómodas, e isto não é difícil nem oneroso; basta, para tanto, apetrechar as pontes de embarque por forma a permitirem a atracação simultânea de, pelo menos, dois barcos.
Deixarão, assim, de se verificar as aborrecidas demoras provocadas por atracações difíceis, percalços no serviço de ferry-boat e outras causas que tão frequentemente transtornam os horários.
E uma vez, Sr. Presidente, que abordei este assunto das comunicações com o Sul, não posso deixar de me referir à chamada saída de Cacilhas, por, além de tudo mais, ser a preferida pêlos que de Lisboa se dirigem, por estrada, para a fronteira.
Posso testemunhar ter sido este um dos problemas que mais atraiu a atenção do Sr. engenheiro Cancela de Abreu ao teimar conta da pasta das Obras Públicas e não ignoro que se encontram já estudadas duas soluções para o caso: a prevista no plano de urbanização, e que quase se limita à demolição de alguns dos pardieiros que afrontam a rua actualmente existente, e uma outra, que consiste em desviar o trânsito para a rua ou estrada destinada a servir no futuro as projectadas instalações do porto de Lisboa, entre Cacilhas e Alfeite.
Desconheço qual destas terá a prioridade, mas, dada a necessidade premente que há em destruir ou pôr de lado o funil de Cacilhas, apelo para o Sr. Ministro das Obras Públicas, certo de que S. Ex.ª não deixará do dedicar a sua atenção ao assunto e que uma das obras projectadas, que é de desejar seja a de mais rápida execução, não tardará a iniciar-se.
Disse.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: recentemente, quando aqui tratei do problema vitivinícola, que dentro em pouco será aqui apreciado, depois de sobre ele a douta Câmara Corporativa ter elaborado o correspondente parecer, referi-me à enorme carestia de vinho e às "bichas" que se formavam junto dos retalhistas para obter alguns litros de vinho.
E acrescentei constar-me que o vinho assim adquirido era quase sempre "baptizado", segundo, informações que havia colhido.
Mas aquela fraude explicava-se, até certo ponto, em face do apertadíssimo tabelamento que fixara o preço de 3$ por litro para um género que no produtor custava geralmente mais do que isso, havendo ainda a contar com as despesas de transporto e outros encargos e certa percentagem para lucro comercial, sem o que haveria que fechar as portas dos retalhistas.
A última colheita fora muito escassa e as despesas, de produção - salários, sulfato, enxofre, arame e outros artigos -, somadas às de envasilhamento e mais operações indispensáveis, determinaram um agravamento de encargos que necessàriamente teria de reflectir-se no preço do vinho.
Mas em boa hora o Governo compreendeu a injustiça e inoportunidade daquele tabelamento, que a todos prejudicava, e, além disso, convidava à fraude, e houve por bem revogá-lo.
Como é natural, o preço do vinho a retalho logo subiu, e também era de esperar que o tal "baptismo" deixasse de alterar as propriedades tão apreciadas daquela salutar bebida.
Pois consta-me que, embora em grau mais moderado, ainda há vendedores que não trepidam em adicionar grande quantidade de água ao vinho, que vão impingindo

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à clientela a preços que garantiriam lucro razoável mesmo no caso do se tratar de vinho puro.
Mas há mais e pior.
Se o adicionamento de água é absolutamente de condenar, impõe-se severo combate à falsificação do vinho, geralmente com produtos nocivos à saúde, e que, além dos danos causados- aos consumidores, prejudicam seriamente os produtores e, sobretudo, a economia nacional, pelo descrédito lançado sobre um dos seus. principais valores.
A fiscalização, em lugar de se exercer na averiguação de pequenas oscilações da acidez volátil, cujo limite legal poderia, sem inconvenientes para a saúde, ser mais elevado, 'sobretudo1 nós vinhos verdes; na graduação alcoólica, que em certas colheitas, como a última, e sobretudo nos vinhos brancos, acontece não atingir o fixado na lei, mas sem que, em certos casos, a qualidade da massa vinária seja afectada, e noutras características variáveis de ano para ano, independentemente da vontade do vinicultor, a fiscalização, vinha eu dizendo, seria muito mais proveitosa para consumidores, produtores e até pára o próprio Estado se incidisse principalmente, mas de maneira inexorável, no vasto capítulo das falsificações, sem exceptuar o tão frequente e deplorável adicionamento de água.
Sr. Presidente: mas não é só no que respeita ao vinho que a fraude se exerce, em prejuízo de tantos interesses legítimos e, notoriamente, da saúde pública.
O leite não chega para o consumo, em parte devido a não ter a criação e exploração de vacas leiteiras acompanhado a crescente procura daquele precioso alimento, devido à falta e preço incomportável de farelos (quando ao lavrador se exigem os cereais a preços muito inferiores), à prolongada estiagem e ainda por força da muito discutível política de concentração das indústrias de lacticínios, que determinou o encerramento de pequenas unidades fabris, a paralisação da desnatagem caseira e o consequente desinteresse de muitos lavradores por tão importante sector da pecuária, que, aliás, encontra em várias zonas do País condições magníficas de viabilidade.
Tal como na vitivinicultura, que também no território metropolitano encontra excelente habitat, optou-se pela promulgação de restrições, contrariando-se a única política recomendável na época que atravessamos - a da produção -, do que resultou deplorável carestia, que, além das graves consequências assaz conhecidas, vai provocando a fraude, que importa, combater inexoravelmente.
Restrições de outra categoria, do teor das que se opõem à livre circulação de géneros essenciais, como o azeite, o açúcar e o arroz, insuficiente e irregularmente distribuídos (lê-se na imprensa notícias de seis meses de atraso), eliminam a vantajosa intervenção da concorrência e favorecem o "mercado negro", onde não é possível regular preços, nem joeirar qualidades e, portanto, vai servindo, de estímulo perene de toda a gama de fraudes.
Já é andar com sorte que ao azeite apenas misturem óleos tropicais; e que aquele resíduo abundante, que geralmente fica depois de dissolvido o açúcar, se reduza a alguma areia e certa dose de farinha; e que ao arroz se limitem a misturar outras gramíneas, pois é frequente encontrar- variados corpos estranhos e até autênticas pedras, que ameaçam a integridade dentária.
Se faltam, como toda a gente infelizmente sabe, alguns géneros de primeira necessidade em determinados pontos, como se verifica nos grandes aglomerados da capital e da cidade do Porto, porque se continua a exercer tão rigorosa vigilância no transporte de pequenas quantidades geralmente da produção o para o consumo das pessoas à quem se destinam?
Se a resposta se limita à afirmação do que há o recurso às guias passadas pela Intendência é que depois têm de ser visadas pelas comissões reguladoras, as quais chegam a interditar pequenas remessas, com o pretexto do que os respectivos géneros estão reservados ao consumo local, embora não tenham sido requisitados e devam permanecer eternamente em poder do produtor, assim transformado em fiel depositário daquilo que é seu, mas de que não pode dispor o que não lhe requisitam nem pagam, devo dizer que na maioria dos casos, sobretudo tratando-se de pequenas quantidades para o consumo da casa dos respectivos produtores, não vale a pena perder tempo com o preenchimento de tais formalidades, que exigem deslocações às sedes dos concelhos, por vezes situadas a grandes distâncias, e constituem fonte apreciável de incómodos e despesas.
Lá estaria sempre, como deplorável recurso, o "mercado negro", em cuja repressão se vão empregando numerosos fiscais, que acontece não trepidarem em incomodar imensa gente, mas que. seria mais eficaz e economicamente contrariado se houvessem por bem aliviar os travões que impedem a precisa circulação dos géneros essenciais à vida.
E, ainda a propósito do aborrecido problema dos abastecimentos, entendo dever transmitir à ilustre Assembleia Nacional que, ao partir há dias do Porto para aqui, me comunicaram que a distribuição das senhas do pão era feita com tal morosidade que forçava milhares de pessoas a permanecer horas infindáveis sob a acção fustigante da chuva e numa atmosfera glacial. Há que evitar tais infernos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: muito se tem dito, e com fartura de elementos, acerca da preocupadora requisição de lenhas.
Existo, porém, um aspecto do grave problema que julgo não ter sido aqui apreciado e sobre o qual acabo de receber o seguinte telegrama, expedido de Paços do Ferreira e assinado por numerosos proprietários da florescente indústria de marcenaria que labora naquele e noutros concelhos vizinhos.
"Industriais marcenaria de Paços de Ferreira e Paredes enviaram há tempos Excelentíssimo Ministro Economia representação com sessenta assinaturas pedindo suspenda o corte de eucaliptos naqueles concelhos que carecem dessa madeira para a sua indústria onde se empregam anualmente dezoito mil toneladas como se verificou inquérito então feito. A situação agrava-se pois que o corte, tanto por ordem do Estado como pelos lavradores que se vêem prejudicados com o baixo preço que a direcção de requisição de lenhas manda pagar, prossegue aumentando, sendo de recear que em dois ou três anos falte por completo a madeira. Pedem portanto seja ordenada a suspensão do corte de eucaliptos".
Sr. Presidente: de uma maneira geral, tenho em alto apreço todas as modalidades industriais, mas confesso que nutro especial carinho pelos que labutam fora dos grandes centros urbanos, mais indicados, além do vasto sector cultural e do funcionalismo, para o exercício do comércio.
A indústria de marcenaria do vale do Sousa espalha-se sobretudo pêlos concelhos de Paços de Ferreira o de Paredes, laborando lado a lado com a lavoura e contribuindo para um utilíssimo equilíbrio económico entre as diversas actividades, o que é muito para louvar.
Especializada no fabrico de cadeiras construídas com eucalipto, madeira que hoje encontra também grande procura para a construção civil, tanoaria e outras aplicações, saem de muitas das suas oficinas mobílias de alto estilo em contraplacado, no que empregam aquela ou outras madeiras e a cola fabricada com a caseína do leito das vacas leiteiras, que nas admiráveis pastagens da região encontram fartura, de alimentação, o que infe-

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lizmente não se verifica com tal abundância em muitas outras regiões nortenhas.
Cito estas circunstâncias para demonstrar as vantagens daquela indústria, em cuja mão-de-obra se contam milhares de operários pertencentes a famílias rurais também ocupadas na lavoura, e, portanto, mais uma forte razão do ordem social, ajuntar às de natureza económica, para que não se perturbe a sua laboração, desviando para outros fins a matéria-prima que lhe é indispensável.
Sr. Presidente: há tempos publicaram os jornais que da superintendência ferroviária dimanara a noticia de que brevemente grande número de locomotivas passariam a queimar óleo e deixariam assim de concorrer para o desbaste das nossas matas.
E como essa nota surgisse a título de consolação perante as numerosas queixas dos lavradores afectados por sucessivas requisições de lenhas a preços ridículos, ouvi num grupo daquela fundamental actividade o seguinte comentário:

"Estão muito enganados, porque, se existem algumas manchas de arvoredo que deveriam sistemàticamente ser poupadas por exercerem funções úteis e em que seriam insubstituíveis, na sua maioria, especialmente os eucaliptos e pinheiros, destinam-se em grande parte para lenha, e nunca a lavoura poderia felicitar-se por lha substituírem por combustíveis estrangeiros".
Mutatis mutandis, é o caso das importações maciças do carne, de manteiga, batatas e outros géneros que a lavoura nacional pode produzir, e a cuja importação em grandes quantidades só como medida de emergência deverá recorrer-se.
O que importa é estimular a produção da lavoura nacional e, para isso, começar por garantir preços justos aos respectivos produtos.
E se há quem tenha a fobia das fortunas, não receiem que os lavradores enriqueçam.
Só muito esporàdicamente acontece um ou outro auferir bons lucros de uma colheita, mas, infelizmente, é quase sempre sol de pouca dura, porque logo surgem outras deficitárias.
E é tempo de ir aproximando os salários da lavoura dos auferidos noutros misteres, para levantar um dique ao êxodo dos respectivos trabalhadores para os centros industriais, quando não prefiram seguir os diferentes rumos da emigração.
Sr. Presidente: permita V. Ex.ª que, para terminar, diga mais algumas, mas muito breves, palavras sobre o problema do automobilismo, acerca do qual o ilustre Deputado Sr. Dr. Mário Madeira e eu tomámos, numa recente sessão, alguns minutos à ilustre Assembleia.
Foram então aqui abordados vários capítulos daquele momentoso assunto, entre os quais o relativo à distribuído de pneus e o do recente diploma que regulou o aumento, repartição e transferência de taxímetros na cidade de Lisboa.
Sobre pneus havia sido publicado pouco antes, isto é, em 11 de Janeiro último, o seguinte:

A partir de 15 do corrente mês serão satisfeitas quaisquer requisições de pneumáticos para veículos pesados das medidas 32 X 7 e 36 X 8 ou equivalentes.
As respectivas guias serão passadas pela Direcção Geral dos Serviços de Viação, dando direito ao levantamento de dois pneumáticos espanhóis por cada veiculo e os restantes de qualquer outra origem. Para esse efeito, essas guias serão apresentadas no Comissariado do Desemprego, onde serão fornecidos os dois pneumáticos espanhóis, sendo então aposto nas guias o carimbo comprovativo dessa aquisição, perante o qual poderão ser entregues os restantes pneus pelo respectivo importador ou fabricante.

Cerca de três semanas depois, em 29 de Janeiro, isto é, quando as referidas interpelações se ouviram nesta Câmara, foi publicado o seguinte:

Em virtude da evolução das circunstâncias e de se verificar que o fabrico nacional e os importadores estão em condições de satisfazer as exigências do mercado em certas medidas para automóveis ligeiros, o Sr. Ministro das Obras Públicas, com o acordo do seu colega da Economia, acaba de determinar que sejam livres a partir de sábado a compra e venda de pneus e câmaras de ar das seguintes medidas: 5.00 X 15, 5.50 X 15, 5.00 X 16, 5.25 X 16, 5.50 X 16, 6.00 X 16 e 5.50 X 16.
Como é natural, terão preferência na compra os portadores de guias anteriormente passadas pela Direcção Geral dos Serviços de Viação ou aquelas que continuem a ser passadas a pedido dos serviços do Estado. Os vendedores ficam apenas obrigados, de futuro, a não vender mais de seis pneumáticos e câmaras de ar por cada veículo e a remeter semanalmente à Direcção Geral dos Serviços de Viação a nota da quantidade e medida dos pneumáticos e câmaras de ar vendidos, com a indicação dos nomes dos respectivos compradores e o número dos veículos a que se destinam.

É com satisfação que registo o levantamento sucessivo, embora moroso, de restrições que se vinham opondo à circulação de automóveis, aliás tão basilar para o desenvolvimento económico do País.
E bom seria que simultâneamente fossem barateando a gasolina e óleos, pois há que suprir desde já, mas em condições comportáveis, a insuficiência da nossa rede ferroviária, não só no que respeita às suas malhas, que ainda não atingem, como tanto seria para desejar, muitas regiões acessíveis àquele sistema de transportes, mas aos próprios serviços, onde se registam carências no material e noutros aspectos.
Sr. Presidente: como acabo de dizer, nas aludidas interpelações aludiu-se à questão dos taxímetros da cidade de Lisboa, mostrando-se, entre outros inconvenientes do decreto que regulou o assunto, o de não se permitir a transferência de veículos a não ser para industriais ou cooperativas que possuíssem mais de dez daqueles veículos.
Ora há justamente seis dias que foi publicada a seguinte portaria, com o n.° 11:711 e a data de 5 do corrente:

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministério das Comunicações, que o n.° 5.° da portaria n.° 11:652, de 28 de Dezembro de 1946, passe a ter a seguinte redacção:

5.° A transferência de propriedade de qualquer automóvel com taxímetro para continuar no mesmo serviço só pode vir a ser autorizada após um ano de exploração da viatura com taxímetro ou para industrial da mesma classe em Lisboa ou para cooperativas que se constituam com o número mínimo de dez viaturas.

Esta portaria foi ainda assinada pelo antigo e ilustre Ministro Sr. engenheiro Cancela de Abreu e é a afirmação de um critério muito para louvar, porque evitou neste capítulo as concentrações na indústria de taxímetros, as quais não seriam de maneira nenhuma convenientes.
Por isso o saúdo, como dirijo também as minhas saudações ao novo Ministro, Sr. coronel Gomes de Araújo,

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de cuja inteligência, saber e patriotismo o País espera as providências necessárias para que o vastíssimo problema dos transportes acompanhe em todos os seus vastos departamentos as exigências do trabalho nacional, de molde a garantir-nos a prosperidade necessária ao bem-estar dos habitantes e prestígio da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rocha Páris: - Sr. Presidente: ao pronunciar nas sessões de 11 de Dezembro de 1946 e de 14 de Janeiro findo algumas palavras sobre o problema do milho, que tanto continua preocupando, sobretudo a população do Norte do País, tive apenas em vista chamar a atenção do Governo para um assunto cuja gravidade não me parece lícito, nem moral, nem político, ocultar.
Não contava voltar a referir-me ao assunto.
Sou, porém, obrigado a fazê-lo em virtude das exposições ultimamente enviadas a esta Assembleia por alguns grémios da lavoura.
Procurei então ouvir a opinião de organismos de vários concelhos sobre o restabelecimento do mercado livre do milho no corrente ano agrícola, tendo-me respondido afirmativamente ou enviado posteriormente a sua concordância com a sugestão apresentada os seguintes organismos:
Província do Minho:

Distrito de Braga:

Conselho geral do Grémio da Lavoura de Amares.
Câmaras Municipais de Barcelos, Braga, Celorico de Basto, Esposende, Terras do Bouro, Vieira do Minho e Vila Nova de Famalicão.
Juntas de Freguesia de Ponte, Costa e as da cidade de Guimarães, todas do concelho de Guimarães.

Distrito de Viana do Castelo:

Câmaras Municipais de Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Ponte da Barca e Valença.
Grémio da Lavoura de Melgaço.
Juntas de Freguesia de Chaviães (Melgaço), Loivo (Vila Nova de Cerveira) e as do concelho de Viana do Castelo, Alvarães, Amonde, Anha, Areosa, Capareiros, Cardielos, Carreço, Carvoeiro, 'Castelo do Neiva, Darque, Deão, Deocriste, Sou-telo, Lanheses, Mazarefes, Meadela, Meixedo, Moreira de Geraz, Mujães, Nogueira, Outeiro, Perre, Portela Susã, Montaria, Neiva, Santa Leocádia de Geraz, Santa Maria de Geraz, Portuzelo, Sub-portela, Torre, Vila Franca, Vila Fria, Vila Mou, Vila de Punhe e Vilar.

Província do Douro Litoral:

Câmaras Municipais de Baião, Castelo de Paiva, Felgueiras, Lousada, Maia, Matosinhos, Paços de Ferreira, Penafiel, Resende e Vila do Conde.

Província de Trás-os-Montes:

Câmaras Municipais de Alfândega da Fé, Lamego, Miranda do Douro, Mirandela, Moricorvo, Montalegre, Régua, Santa Marta de Penaguião e Valpaços.

Província da Beira Litoral:

Câmaras Municipais de Águeda, Aveiro, Mealhada, Mira, Murtosa, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Penela, Soure, Vagos e Vale de Cambra.

Província da Beira Alta:

Câmaras Municipais de Castro Daire, Mortágua, Nelas, Oliveira do Hospital, Penedono, Sátão, Sernancelhe, Tarouca e Vila Nova de Paiva.

Província da Beira Baixa:

Câmaras Municipais de Arganil, Idanha-a-Nova, Sertã e Vila de Rei.

Os Municípios de Castelo Branco, Condeixa e Mogadouro declararam que o assunto não interessava aos respectivos concelhos e os de Fafe, Mesão Frio e Penacova discordaram da sugestão por mim apresentada.
O Diário das Sessões de 22 de Janeiro passado diz que os Grémios da Lavoura do distrito de Viana do Castelo tinham enviado à Presidência da Assembleia Nacional uma exposição manifestando a sua formal discordância com as considerações que fiz sobre a venda do milho e regresso ao regime do mercado livre.
De facto, o Grémio da Lavoura de Viana do Castelo e Caminha promoveu, com a assistência do engenheiro agrónomo Sr. Pires de Lima, delegado do Ministério da Economia junto dos grémios da lavoura do Norte, uma reunião em que se fizeram representar todos os grémios do distrito.
As deliberações, porém, não foram tomadas por unanimidade, visto dias depois a sua realização - e [...] antes o Grémio de Melgaço se manifestara a favor do meu ponto de vista - se ter efectuado na vila de Melgaço uma grande reunião de lavradores, que deram o seu completo apoio às considerações que tive a honra de fazer nesta Assembleia, que já tomou conhecimento do que ali se passou por telegrama que oportunamente lhe foi enviado pelo presidente do Grémio da Lavoura daquele concelho e que novamente passo a de:

Grémio Lavoura Melgaço interpretando sentir unânime totalidade seus sócios reunidos cerca [...] dia 25 corrente esta vila mantém apoio dado V. Ex.ª telegrama dia 13 Dezembro e representação enviada pela comissão escolhida essa reunião sobre movimentação milho de que faço parte representação Grémio Lavoura. - Presidente Grémio Lavoura.
Na representação a que se refere este telegrama diz-se:

Abordado o assunto do milho, foi também resolvido por unanimidade que se pedisse a V. Ex.ª o seguinte:
Que novamente peça à Assembleia Nacional que a venda e movimento, pelo menos no corrente ano, em que foi abundantíssima, passasse a ser livre, tanto mais que desapareceu o perigo do seu escoamento para a Espanha, o que é bem provado pelas recentes apreensões, efectuadas pela guarda fiscal, de milho que vinha de Espanha para Portugal, sendo a produção de milho em Espanha também muito grande no corrente ano.
Se a movimentação e venda do milho passasse a ser livre, este apareceria nos mercados e feiras em abundância e seria melhor distribuído, fixando-se, é claro, um preço cujo limite justo fosse acessível ao comprador, e não prejudicial ao vendedor; além disso, como V. Ex.ª muito bem sabe, é com a venda do milho que as casas agrícolas modestas vão adquirir outros produtos que lhes fazem falta e encontram nos referidos mercados ou feiras, muitas vezes por simples troca de mercadorias.

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Também das trinta e sete freguesias rurais do concelho de Viana do Castelo, onde reside o maior número de sócios do Grémio de Lavoura de Viana do Castelo e Caminha, trinta, e cinco são unânimes em pedir, de acordo com as suas autoridades, os seus produtores e consumidores, em termos bem expressivos, o mercado livre do milho.
Apenas duas freguesias - a de Afife e a de Serreleis - não responderam à minha pergunta, naturalmente porque o assunto não interessa aos seus habitantes.
Desta última freguesia e de um dos seus mais importantes lavradores e proprietários recebi, porém, o seguinte telegrama:

Como lavrador aplaudo calorosamente vossa intervenção problema milho protestando contra grémios lavoura que não representam vontade geral lavradores.

Os concelhos do distrito de Viana, por intermédio das suas Câmaras a seguir indicadas, disseram-me:

Caminha: "Meu nome e povo concelho felicito vossa atitude problema milho advogando justa causa lavoura nortenha expondo verdadeira doutrina seguir. Presidente".
Monção: "Julgo abundância milho último ano agrícola neste concelho permite restabelecimento mercado livre cereal. Presidente".
Patedes de Coura: "E fora de dúvida assunto merece boa ponderação e estudo devido. Vários factores há a tomar em conta, alguns bastante imprevisíveis no momento presente. Factores há, porém, já evidentes - boa produção e o desejo geral do concelho, nos seus produtores e consumidores, de livremente poderem transaccionar os seus produtos".
Ponte de Lima: "Ressalvando os interesses do concelho, isto é, mantendo o necessário fornecimento de milho à população que dele carece até à próxima colheita, sem intermitências e sem os resultados desastrosos que se verificaram neste ano que está prestes a terminar, sou de opinião que, transitoriamente, a venda do milho por parte dos produtores se faça em regime livre".
Valença: "Sou também de opinião de que deve ser restabelecido o mercado livre do milho no corrente ano agrícola, sob o fundamento alegado: excepcional colheita do cereal em questão".
As Câmaras de Arcos de Valdevez e de Vila Nova de Cerveira, reconhecendo embora que a colheita do milho foi excepcional, não concordam com o comércio livre deste cereal.
Tal é o aspecto da questão no distrito de Viana do Castelo: a grande maioria dos produtores e consumidores preferem o comércio livre do milho, pensando o contrário as direcções dos grémios da lavoura, com excepção do Grémio de Melgaço.
Foram também, lidas na sessão de 6 do corrente duas representações, uma do Grémio da Lavoura de Braga e outra do Grémio do Douro Litoral, e na de 12 do corrente uma do Grémio dia Lavoura de Coimbra, esta particularmente interessante. Nota-se também o mesmo que observei em Viana do Castelo.
Em Braga sobressai mesmo o facto curioso de o conselho geral de um grémio da lavoura - o de Amares - ter dado o seu apoio a uma sugestão apresentada em 27 de Novembro findo (antes, portanto, de eu ter trazido o assunto à Assembleia Nacional), em que um dos Srs. Procuradores diz:

A última colheita foi extraordinàriamente [...] do que sucedeu em 1944, a recolha do cereal foi muito tardia, tendo-se consumido até ao presente muito pouco deste pão.
As grandes disponibilidades de milho nacional temos ainda a acrescentar a existência em armazém do proveniente das colónias e da Argentina, com perspectivas de novos desembarques, o que faz prever uma superabundância que de maneira alguma se harmoniza com as restrições em vigor...
O nosso concelho pode exportar umas boas centenas de toneladas de milho sem deixar de fornecer a cada consumidor a quantidade procurada.
Portanto, o milho existente no nosso concelho ou tem de ser consumido no nosso concelho pelas pessoas e pelos animais domésticos, em regime de liberdade, ou tem de ser em grande parte inutilizado pelos parasitas dos celeiros se for mantido o racionamento em vigor...

As Câmaras de Barcelos, Braga, Celorico de Basto, Esposende, Terras do Bouro, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão e diversas juntas de freguesia de Guimarães, conforme já tive ocasião de dizer, concordam em absoluto com o que tenho exposto, o mesmo acontecendo com as Câmaras de Baião, Felgueiras, Lousada, Maia, Matosinhos, Paços de Ferreira, Penafiel, Vila do Conde, Castelo de Paiva e Resende, que fazem parte da província da Beira Litoral e julgam também conveniente o mercado livre do milho.
Parece-me, Sr. Presidente, ter infelizmente de concluir-se que se está claramente desenhando uma divergência séria de opiniões entre lavradores e consumidores, por um lado, e as direcções de alguns grémios da lavoura, por outro.

O Sr. Cincinato da Costa: - V. Ex.ª pode dizer-mo quem é que provocou a reunião dos grémios?

O Orador: - Foi o presidente da direcção do Grémio da Lavoura de Viana do Castelo e Caminha.

O Sr. Cincinato da Costa: - Muito obrigado. É que podia ter sido provocada por entidades estranhas.

O Orador: - O sistema que actualmente pretende disciplinar e reger a distribuição do milho folhou em absoluto.
Não se compreende, nem pode admitir-se, que ele permita que se passem semanas sem que se faça distribuição da farinha que o' racionamento atribui a cada pessoa, que assim se vê impossibilitada de poder cozer o seu pão.
Não só compreende que ainda se obrigue a vir à cidade requisitar a necessária guia de trânsito para poder levar na sua aldeia o milho para o moinho, pois caso contrário o milho corre o risco de ser apreendido.

O Sr. Melo Machado: - Aqui para o Sul, para levar o milho ao moinho as guias são distribuídas nu acto em que se faz o manifesto, de maneira que não há necessidade de haver dois critérios.

O Orador: - Assim muitos têm de percorrer bom número de quilómetros para conseguirem a preciosa guia.
Mas para a obter quantas horas perdidas, por vezes, nas "bichas" da Intendência, como lhe chama o bom povo!...
Não se compreende que o actual sistema permita que, sendo proibida a venda de milho a particulares, haja ainda freguesias rurais onde não existam celeiros ou mesmos postos de venda de milho.

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De uma das mais ricas freguesias rurais da ribeira Lima escreve-me um importante lavrador:

É proibida a venda de milho a particulares, não é verdade?
Pois até hoje não há na minha freguesia nem nas quatro mais próximas qualquer celeiro ou posto de venda de milho!
Donde se tem comido?
A resposta é fácil.

Não se compreende que a cinco meses do início da presente campanha cerealífera a Federação Nacional dos Produtores de Trigo não tenha podido ainda levantar, em muitos sítios, o milho manifestado para venda.
Concordo absolutamente com o que diz o Grémio da Lavoura de Coimbra:

De facto, pelas disposições legais é absolutamente proibido aos produtores vender milho aos consumidores, mas a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, à ordem de quem o milho está retido e única entidade que o pode vender, não abastece os mercados consumidores.
De modo que, não se podendo vender milho, mas tendo de se comer, é evidente que se tem de ir buscar onde ele estiver, com todas as suas graves consequências.
Se não fora o "mercado negro", muita gente teria morrido de fome.

Para mim e para muitos o grande erro está em confundir as duas palavras "produzir" e "manifestar".
De facto, Sr. Presidente, o defeito consiste em dizer-se: produziram-se tantos milhões de quilogramas em vez de manifestaram-se tantos milhões de quilogramas.
E é assim que, por vezes, os números nos (podem induzir em graves erros...
Desejo, finalmente, acentuar que de facto se trata de um assunto que reveste aspecto político de grande importância, visto não dever ser indiferente a quem governa tomar conhecimento do que se passa naqueles sectores em que mais intensamente vibra, por vezes, a própria alma nacional.
O erro, o perigo político, está, não em demonstrar a verdade, não em apontar sinceramente defeitos e erros que se vão notando, mas precisamente em procura? ocultá-los, deturpando-os ou escondendo-os à consideração dos que têm sobre os seus ombros o pesado encargo de governar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Cancela do Abreu acerca das reformas da justiça.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: a V. Ex.ª e aos ilustres colegas os meus cumprimentos, hoje que falo pela primeira vez neste período legislativo.
Como o Sr. Deputado Cancela do Abreu, raramente advogo nos tribunais criminais, e, portanto, não estou especialmente indicado para versar os assuntos do aviso
prévio. Mas nesta assembleia política temos todos igual competência, e, por isso, com prazer vi o Sr. Deputado Melo Machado subir ontem a esta tribuna, que mesmo nestas questões não deve ser exclusiva dos juristas.
Embora não me dedique à advocacia criminal, isso não obsta a que me interesse pelo aperfeiçoamento desse importante ramo da justiça e a que me julgue obrigado a estudar problemas de direito e dó processo penal, quer pela necessidade de apreciar arestos proferidos nessas especialidades, quer por mera curiosidade intelectual.
Foi, portanto, com alvoroço que ouvi anunciar o aviso prévio do Sr. Dr. Cancela de Abreu, e quero dizer desde já que admirei a forma elevada como S. Ex.ª o tratou.
De um modo geral, concordo com as observações feitas pelo ilustre Deputado, com os louvores e críticas aos diplomas cuja apreciação constituía o objecto do aviso prévio.
Todavia, não se me afigura fundada a censura ao decreto n.° 35:007, de 13 de Outubro de 1945, por não haver integrado no processo do Código de Processo Penal, as suas disposições inovadoras.
É certo que o artigo 5.° do decreto n.° 16:489, do 15 de Fevereiro de 1929, que aprovou o citado Código, prescreve que todas as modificações a esse corpo de leis seriam pelo Ministro da Justiça mandadas inserir nele.
Esse preceito é menos explícito que os similares das cartas de lei de 1867, 1876 e 1888, que aprovaram os Códigos Civil e de Processo Civil e Comercial, os quais obrigaram a inserir no lugar próprio todas as modificações ulteriores, por meio da substituição dos artigos alterados ou pela supressão de artigos inúteis ou pelo adicionamento dos necessários. O artigo 5.° daquele decreto não obriga a que a inserção seja feita simultaneamente com as modificações.
Ao comentar o citado artigo, o grande magistrado que foi o Dr. Luís Osório mostrava-se descrente da sua observância, já que raramente tinham sido cumpridas aquelas outras disposições.
Seria muito difícil - senão impossível - integrar no Código de Processo Penal os cinquenta e dois artigos do decreto-lei n.° 35:007, não falando do 53.°, que é de índole transitória.
Trata-se, como todos reconhecem, de reforma profunda, que obrigaria, quando introduzida imediatamente no Código, a alterar variadíssimas disposições do mesmo. Em muitos casos, os quadros romper-se-iam, e só alfabetando um mesmo artigo ou alterando toda a numeração se poderia conseguir aquele objectivo.
Quer dizer: fazia-se, afinal, ura. código novo, tarefa que não podia ser concluída em curto prazo, nem antes da reforma da lei penal substantiva.
Deve ter sido este o motivo da não integração, e não o carácter experimental da reforma, fruto de uma orientação doutrinária firme e de reflectido estudo, o que não significa que a mesma seja ne varietur, pois em matéria legislativa nada há definitivo.
Na sua primeira intervenção o Sr. Dr. Cancela do Abreu aludiu à revisão dos problemas da organização e competência dos tribunais colectivos civis, da produção da prova, da oralidade, da competência quase inoperante das Relações, do exagero das alçadas e da escassez de vencimentos de alguns funcionários.
Parece que para não versar esses pontos imperaram no espírito do nosso eminente colega duas razões: o receio de fatigar a Assembleia e o desejo de, por lealdade, se cingir à matéria do aviso prévio.
O primeiro terror era, evidentemente, injustificado, como se verificou pelo interesse com que a Câmara acompanhou o desenvolvimento do notável discurso.
Quanto ao âmbito do aviso prévio, a verdade é que não deixa de compreender-se nele o problema candente da oralidade, já que esta foi mantida para o julgamento

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dos crimes mais graves; também têm inteiro cabimento no assunto do aviso a constituição dos tribunais colectivos e a remuneração dos funcionários dos tribunais criminais.
E, se alguns daqueles pontos não estão expressamente abrangidos no aviso prévio, o certo é que os diversos ramos da administração da justiça não constituem compartimentos estanques, podendo sem violência, a propósito dos tribunais criminais, aludir-se aos cíveis.
Não me proponho ampliar as considerações do douto Deputado abrangendo todos aqueles pontos, até porque tal complemento, feito por quem não dispõe de recursos oratórios, não manteria o ritmo da interpelação.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Cingir-me-ei a breves considerações sobre a matéria em debate, aflorando, ainda que levemente, aqueles outros pontos.
A necessidade que havia de modificar o processo penal pode inferir-se pela passagem do relatório do decreto-lei n.° 35:007 em que se revela que um terço dos crimes perpetrados no Pais não é submetido a julgamento, em grande parte por insuficiência processual.
Isto é deveras alarmante e não permitia diferir a modificação do processo penal para depois da anunciada reforma do Código Penal.
Após a publicação deste poderá organizar-se então o novo Código de Processo Penal. Para já era mister introduzir no actual modificações que assegurassem mais eficaz punição dos delinquentes, sem esquecer a justa defesa dos acusados.
O decreto-lei n.° 35:007 contém a inovação fundamental de subtrair a instrução do processo ao juiz. Também aplaudo essa providência, pois, alheado da fase instrutória, o juiz decidirá o feito mais serenamente.
Mas poderão os agentes do Ministério Público arcar com mais essa tremenda responsabilidade?
Já aqui foi notado que eles estão excessivamente sobrecarregados de trabalho.
Ainda que fossem bem remunerados -e sabemos que não ganham o bastante para proverem a uma decente subsistência- seria humanamente impossível desempenharem as múltiplas funções que a lei lhes atribui.
Por isso se impõe a dupla tarefa de remunerar condignamente os agentes do Ministério Público e de os aliviar dos trabalhos que possam ser cometidos a outras entidades.
A falta de delegados do Procurador da República que agora se nota é idêntica à que se verificava à data da publicação da lei n.° 1:001, que melhorou a situação da magistratura judicial e do Ministério Público. Há muitas comarcas vagas e outras ocupadas por delegados interinos.
O problema não é exclusivo dos delegados, mas abrange também os juizes e, de um modo geral, todo o funcionalismo.
O Estado e as câmaras estão arriscados a, num futuro mais próximo do que se pensa, ficar sem funcionários, porque eles não ganham o suficiente.
Apoiados.
Por maior que seja o amor à profissão, não há quem possa continuar a exercê-la quando não aufere, ao menos, o estritamente necessário para viver, quando das actividades privadas tanto se solicitam pessoas que no exercício de funções públicas deram provas de valor.
Com desgosto vemos abandonar a magistratura pessoas que a dignificavam e cuja falta não pode deixar de ser sentida.
Delegados e juizes só contrariados vão, em regra, para as grandes cidades, pela dificuldade de ai se alojarem com as suas famílias.
O grande Ministro, que foi o Dr. Manuel Rodrigues obrigou todos os municípios, com excepção dos que fossem sede de Relação, a fornecerem casas mobiladas para habitações de juizes e delegados.
Nessa altura não havia nas grandes cidades a dificuldade de habitação que hoje se nota. Essa providência tendeu a evitar que o magistrado fosse obrigado a instalar-se em pensões impróprias para a sua categoria e a viver em condições que o decoro proíbe. Não se cogitou nas grandes cidades, em que havia casas disponíveis.
Apoiados.
A crise de habitação não só se generalizou com o acréscimo do urbanismo como se tornou mais aguda nos maiores centros, por forma a impor a todas as câmaras municipais a obrigação de fornecerem casas para magistrados, que, aliás, pagariam a justa remuneração dos capitais empregados nesse empreendimento.
Actualmente, muitos magistrados, por não terem fortuna própria, estão impedidos de requerer comarcas como Lisboa e Porto, onde metade dos seus vencimentos não chega para a renda da casa.
Apoiados.

O Sr. Madeira Pinto: - Essas câmaras municipais deviam ser obrigadas a construir casas para magistrados nas respectivas comarcas.

O Orador: - É exactamente o que penso.
Voltando, porém, aos delegados, lembro que devia existir um para cada juízo, o que não acontece no regime do decreto-lei n.° 35:044, de 20 de Outubro de 1945, em que para cada dois juízos correccionais há um só delegado e também um só para cada grupo de três tribunais cíveis de Lisboa e Porto.
Com este sistema sucedem casos tais que se vai tornando anedótico o mau funcionamento desses tribunais.
Consta-me que já sucedeu num juízo correccional ser convidado a fazer a acusação o assistente de melhor aspecto que na sala se encontrava; notou-se nele certo constrangimento, cujo mistério só foi desvendado quando, no julgamento imediato, se viu ser o acusador improvisado o réu do segundo processo...
Os subdelegados fazem muita falta em todos os tribunais; e seria fácil encontrar quem quisesse desempenhar esse cargo, desde que o mesmo fosse remunerado, ainda que modestamente.
Outra maneira de aliviar os delegados consistiria em criar, submetido à Procuradoria Geral da República, um corpo de advogados públicos, semelhante ao dos advogados do Estado que também funciona na vizinha Espanha.
Em todas as capitais de província há um destes advogados, que representam o Estado e as entidades públicas como pessoas de direito privado, apenas não podendo pleitear contra elas, pois no mais têm pulso livre.
No nosso País os delegados são também advogados em processos cíveis, com prejuízo do andamento regular deles, pois usam pedir sucessivas prorrogações de prazo para os articulados.
Por outro lado, eles estão habituados a promover, mas não a advogar; têm dificuldades na obtenção de prova. E, ainda quando competentes e dedicados, muitas vezes não disporão dos elementos necessários para assegurarem o triunfo da causa que lhes é confiada.
Voltando ao decreto-lei n.° 35:007, sem querer apreciá-lo desenvolvidamente (nem este seria o lugar próprio para isso), noto que há nele disposições cuja viabilidade se antolha como duvidosa logo ao primeiro exame.
Está nesse caso o artigo 24.°, que manda o Ministério Público, do mesmo passo que formula a acusação, re-

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querer, se for caso disso, a instrução contraditória, que ó forçosa nos processos de querela.
De duas uma: ou o Ministério Público tem elementos para a instrução contraditória ou não. Se os tem, deve estabelecer-se no seu espírito o estado de dúvida antes da acusação; se não tem elementos, há-de acusar, a sério, e depois, a brincar, deduzir a instrução contraditória?
Se os elementos para esta são de molde a influir na acusação, poderiam determinar a não formulação desta; se não têm esse efeito, serão inoperantes para a instrução contraditória.
Eu admitiria que o juiz nomeasse um advogado oficioso para a instrução contraditória, como aqui foi sugerido pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Ernesto Subtil.
Mas obrigar a mesma entidade a dizer -ou permitir-lhe sequer que o faça - o contrário do que antes afirmara não me parece curial, nem sequer lógico e consentâneo com a seriedade da função.
Outro reparo: não encontro no decreto-lei n.° 35:007 um único preceito, ainda que platónico, tendente a sanear u atmosfera dos tribunais criminais. No entanto, é do domínio público que o ar que ai se respira está empestado por miasmas que impõem a intervenção de uma polícia sanitária.
O assunto é daqueles que não tentam ningém, não apetecendo desenvolvê-lo.
Convenho em que o Governo não poderá solucioná-lo sem a cooperação da Ordem dos Advogados na execução das respectivas providências; mas parece-me que seria indispensável evitar-se a exploração dos réus, que muitas vezes mal são notificados logo recebem indicação de quem há-de defendê-los e por esses intermediários são sugados até ao fim do seu calvário. E o mais grave é que nem sempre tais pessoas são estranhas ao serviço do tribunal, de onde deveriam ser banidos todos esses elementos parasitários.
Ao Governo incumbe estudar as normas que ponham cobro à exploração dos réus, que devem ser protegidos das espoliações de que ora são vítimas.
Seguindo a ordem cronológica dos diplomas em apreciação, referir-me-ei ao decreto-lei n.° 35:042, que reorganizou os serviços da polícia judiciária.
Já ontem foi aqui notada a insuficiência do número de agentes dessa, polícia. Há milhares de processos, em que ainda se não iniciou u investigação, o que é devido, principalmente, a serem poucos os agentes, quer para o serviço da mesma polícia em Lisboa, Porto e Coimbra, quer para destacar para as diversas comarcas onde a sua acção se torne necessária. Sabendo-se que naquelas cidades essa polícia tem obrigatòriamente de proceder à instrução dos processos, poderá conceber-se quanto essa. paralisação prejudica a acção da justiça.
O caso é de tal gravidado que estou convencido de que o Sr. Ministro da Justiça se apressará a solucioná-lo, ainda que com agravamento de despesa.
Outro aspecto que me parece de considerar é o da integração da polícia internacional e de defesa do Estado na judiciária, o que faz com que aquela esteja também submetida à orgânica do direito comum.
Considero perigoso conferir aos presos garantias que os directores e subdirectores das polícias não podem reconhecer-lhes, sob pena de ser prejudicada a instrução dos processos e de perigar até a segurança do Estado.
O artigo 254.°, § 2.° do Código de Processo Penal manda que, não sendo a prisão ordenada pelo juiz (cujas funções, quanto à instrução dos processos, cabem aos directores e subdirectores das polícias em Lisboa, Porto e Coimbra), os presos terão de ser-lhes apresentados em quarenta e oito- horas, devendo, por força do artigo 278.° do mesmo Código, ser interrogados dentro das vinte e quatro horas imediatas à apresentação.
A incomunicabilidade, normalmente, dura até ao interrogatório, podendo o juiz, a título excepcional, prorrogá-la por tempo não superior a quarenta e oito horas, com as limitações constantes do § único do artigo 274.°
Quer dizer: em caso algum a incomunicabilidade pode durar mais de cinco dias, e apenas nos três primeiros ela é completa.
Sabe-se, porém, que a polícia internacional tem mantido incomunicabilidade de presos por tempo superior.
Ora acho preferível dar a essa polícia a faculdade de exceder aqueles prazos a manter uma fachada de garantias que não podem ser efectivadas.
Os preceitos da reforma prisional que fazem depender as visitas aos reclusos das determinações do director do estabelecimento prisional e que proíbem as restrições da liberdade dos detidos que não sejam exigidas pelo próprio fim da detenção ou pela ordem interna do estabelecimento não justificam o prolongamento de uma incomunicabilidade que a lei não consente.
Se o arguido tem a dupla qualidade de parte e de pessoa cujo testemunho pode ser aproveitado, o certo é que. quando interrogado pelo juiz, ele figura apenas como parte; e esse interrogatório, em regra, põe termo à incomunicabilidade.
Impossibilitar o detido na polícia internacional e de defesa do Estado de falar, por exemplo, com o seu advogado, como já tem acontecido, após aquele período considero-o ilegal.
Se a aplicação do regime de direito comum é inconciliável com a própria índole da dita polícia, dêem-se aos respectivos director e subdirectores a faculdade regulamentada de prolongarem o período de incomunicabilidade, mas não se coloquem os mesmos na situação de desrespeitarem a lei ou prejudicarem a instrução de processos contra a segurança do Estado.
Não quero deixar de me referir ao facto de na cidade de Braga não funcionar subdirectoria da polícia judiciária. O movimento criminal da dita cidade justifica plenamente que a mesma aí seja estabelecida, mantendo-se uma tradição que vinha de há muitos anos.
Tenho recebido de Braga informações alarmantes sobre a forma como são feitas as investigações, tão alarmantes que, se outro colega não tratar o caso, terei de o expor numa das próximas sessões.
As testemunhas são inquiridas por agentes da polícia de segurança sem competência para isso, resultando daí que em juízo têm de repetir-se todos os inquéritos, o que demora as investigações e faz aumentar muito o trabalho do tribunal.
O decreto-lei n.° 35:044, também de 20 de Outubro de 1945, reorganizou os tribunais ordinários e extinguiu o militar especial. Seria injusto não reconhecer que tanto em Lisboa como no Porto este tribunal teve notável acção punitiva e intimidativa; todavia, porque sou partidário do exercício da judicatura por tribunais de direito comum, acho louvável essa extinção.
É igualmente de aplaudir que na composição normal dos tribunais em Lisboa e Porto deixassem de entrar os conservadores.
Simplesmente eles continuam a funcionar na generalidade dos colectivos criminais e nos cíveis, sem qualquer vantagem para a justiça e com manifesto incómodo para esses funcionários.
Compreendo que os conservadores substituam os juizes nos seus impedimentos, e devo dizer que tenho encontrado alguns que, pela inteligência, saber e rectidão, podem pôr-se a par dos mais competentes magistrados de carreira.
Discordo, porém, de que os mesmos, por imposição da lei, entrem na composição dos tribunais colectivos - se estes forem mantidos.

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Ao ingressarem no quadro respectivo, antes do estado judiciário vigente, os conservadores sabiam que estavam sujeitos às substituições, que, aliás, deviam ser remuneradas quando excedessem três meses, como em tempos acontecia.
Mas o que não podiam supor é que haviam de ser feitos membros natos dos colectivos.
Os casos aqui revelados pelo Sr. Dr. Ernesto Subtil - que só poderia ter conhecimento dos mesmos por inconfidência - mostram alguns inconvenientes de, a título normal, organizar os tribunais com juizes togados e com juizes improvisados.
No Porto - a comarca que melhor conheço, pois aí advogo - a reforma dos colectivos cíveis operada por aquele estatuto nem sequer podo explicar-se por razões de economia.
Havia dois tribunais colectivos, constituídos com os juizes das seis varas. O chamamento dos conservadores permitiu formar três colectivos. No entanto, não se tem observado o aceleramento dos julgamentos, que, quando adiados - e os adiamentos atingem números que assombram, pois sendo, em regra, de dois, por vezes há três, quatro, cinco, seis, sete e mais! -, são marcados para daí a um, dois, três ou quatro meses.
Para tais adiamentos contribui muito a falta dos conservadores. Ou por estarem impedidos noutros julgamentos, que continuam além do período do seu serviço em corto tribunal, ou por outro motivo, é frequente os dois magistrados aguardarem a chegada do conservador.
Fazem-se, por vezes, tentativas baldadas para o encontrar. Mandam-se recados. Funciona o telefone. Se algum litigante solícito e empenhado em que o julgamento se efectue vai buscá-lo de automóvel ainda o tribunal se constitui. Se não há a felicidade de trazer o conservador, telefona-se para a Relação, a fim de ser designado outro.
Novas horas de espera. O indicado, se aparece, não raro pede vista do processo, para se habilitar a decidi-lo. E, se não usar de tal faculdade, com todas essas peripécias um julgamento marcado para as 12 horas começa às 16 ou 17, fazendo-se um simulacro de iniciação com a exposição do artigo 653.°, alínea a), do Código e, quando muito, o depoimento de uma testemunha.
A reforma de 1945 manteve os tribunais colectivos, isto é, a oralidade.
Esta tem tradições no nosso processo criminal, como as tinha no comercial, mas estava ligada à existência do júri. Extinto este, deveria também desaparecer.
Subsiste, porém, o contra-senso de os crimes mais graves serem decididos em colectivo sem depoimentos escritos, enquanto dos crimes menos graves o julgamento pode, se a acusação ou a defesa o quiserem, ser escrito, com apreciação da prova pela 2.ª instância.
A minha posição relativamente à oralidade continua a ser a que, como a quase totalidade dos advogados, assumi-a de inimigo irreconciliável.
E não compreendo como, ao mesmo tempo que se fazem economias drásticas nos serviços de justiça, no nosso Pais existam nada menos de quatro tribunais de revista, sem falar nas Relações ultramarinas. De facto, além do Supremo Tribunal de Justiça, as nossas Relações só por grande excepção funcionam como tribunais de prova. Nestas circunstâncias, a manter-se a oralidade, a 2.ª instância devia desaparecer, caso não se permitisse a repetição da prova ou se criasse outra forma de tornar possível a apreciação dos depoimentos à 2.a instância.
Mas eu, receando embora que esta opinião possa ser julgada pelo nosso distinto colega e douto magistrado Sr. Dr. Armando Cândido "um indefensável retrocesso", ouso afirmar que a oralidade é um mal.

O Sr. Armando Cândido: - Defendo a oralidade, sim. Evidentemente que não posso, num breve aparte, dizer as razões por que a defendo, entre as quais avultam, necessàriamente, as derivadas dos abusos cometidos com os depoimentos escritos. De resto, os argumentos estão produzidos e alinhados. Desejo só lembrar a V. Ex.ª isto: a medida não está só na lei processual; está acompanhada de uma condição, de uma exigência - a do juiz capaz. E neste ponto muito se tem feito em Portugal.

O Orador: - Não pretendo negar a competência da maioria dos nossos magistrados; o que sustento é que os próprios juizes muito capazes podem constituir tribunais colectivos que cometam erros judiciários irreparáveis.
A regra é a comarca de província, em que vem um juiz de outra comarca completar o colectivo. E pergunto se é defensável que um juiz durante dois, três e até dez dias no mês - senão vinte - esteja ausente da sua comarca para julgamentos demorados noutra.
Actualmente o magistrado judicial é mais juiz de fora que do comarca.

O Sr. Armando Cândido: - Mas isso é outro problema: o da constituição dos tribunais colectivos.

O Orador: - Eu aprecio o caso tal como ele se dá presentemente. Se não fora a oralidade, não haveria essas andanças de juizes.
Nem todas as doutrinas inovadoras são aceitáveis. Cada povo deve aproveitar os ensinamentos teóricos que se mostram adaptáveis ao meio ambiente e que são benéficos.
As teorias de Carneluti, Chiovenda, Willougby e outros processualistas não podem ser executadas urbi et orbi, como se fossem dogmas de fé.
Ora o principal defeito do grande reformador Dr. Manuel Rodrigues - cuja obra é imorredoura - consistia em ser intransigente em questões de princípios, sem considerar a sua adaptabilidade ao nosso País.
Recordo o que aconteceu com os votos de vencido. Teoricamente, o julgado unânime impõe-se com mais autoridade.
Porém, na prática verifica-se que é impossível apagar as divergências na decisão de um tribunal colectivo. Se o relator fica vencido, tal facto transparece da redacção do aresto.
A própria lei, que proibia - e em alguns casos continua a proibir- a declaração de voto, se encarregava de a denunciar.
Quando num assento do Supremo intervinha o presidente, sabia-se que houvera empate, e apenas se desconhecia quais os juizes que tinham votado numa ou noutra orientação.
Ainda hoje o vencimento do presidente de um tribunal colectivo criminal é palpável.
Eu entendo que as declarações de voto deviam ser permitidas em todos os casos, não só para elucidação do tribunal superior como também porque, se os juizes da maioria soubessem que o vencido faria tal declaração, porventura arrepiariam caminho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já nas Relações e no Supremo são possíveis declarações de voto.
O pretenso dogma de unanimidade aparente ruiu.
Infelizmente, porém, continuamos a viver sob a ditadura da, oralidade, deusa em cujo altar se sacrificam tantos ë tantos direitos. É o sistema bate-boca, a que alude o relatório do Código de Processo Civil brasileiro.

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A única razão por que a generalidade dos advogados é contra a oralidade é a de a mesma não assegurar garantias de boa justiça.
Fora das comarcas onde há juizes que permitem a formação dos colectivos a oralidade tem o grave inconveniente, a que já me referi, de obrigar os magistrados a constantes deslocações, que desorganizam o serviço da comarca.
Durante grande parto do tempo ela está entregue a substitutos.
O sistema escrito de julgamento não é incompatível com o carácter público que caracteriza o processo moderno, nem com o princípio da concentração. O juiz pode. naquele sistema, possuir os latos poderes de que necessita para bem exercer a sua alta função, e nada obsta a que o julgamento seja, quanto possível, contínuo.
Mas porque não há-de extractar-se o que as testemunhas dizem, para que a Relação tenha possibilidade de apreciar a matéria do facto?
Esse extracto poderia ser esboçado pelo juiz enquanto, sob a sua fiscalização, os advogados inquiriam as testemunhas ; e as reclamações seriam resolvidas pelo magistrado, rápida e definitivamente.
Fala-se de circunstâncias de pormenor: o ar com que a testemunha depõe, certo jeito ou entoação. Tudo isso, porém, pode ser apontado na acta, em vez de sê-lo nas notas particulares do juiz.
Essas notas são indispensáveis a quem vai julgar a causa, pois não há memória, por mais privilegiada que soja. que possa fixar todas as ocorrências de um julgamento que se prolonga frequentemente durante meses.
E isto mostra que a oralidade é um mito. Não há julgamentos orais. Simplesmente naqueles em que não há uma versão oficial das ocorrências cada um dos figurantes tem a sua assentada, nem sempre igual, pois a interpretação dos depoimentos varia consoante o anotador.
Aponta-se a rapidez como virtude máxima da oralidade. Pois até essa eu contesto.
São tantos os adiamentos dos julgamentos que desde o primeiro dia designado até àquele em que a discussão se conclui chegam a mediar vários meses - tempo mais que bastante para se fazer toda a produção escrita da prova.
Acresce que interessa mais boa justiça que justiça rápida. Quantas vezes as respostas do colectivo são dadas com precipitação, para que o juiz de fora não perca uma camioneta ou um comboio!
A rapidez excessiva é incompatível com a boa administração da justiça. Basta considerar que ao decidir um processo em que tudo está escrito o juiz tem tempo para pensar; pode começar por se inclinar para certa versão dos factos, mas, reflectindo, mudar de parecer.
Nada disso é possível no regime da oralidade, em que o juiz decide sob o império da impressão predominante, que num exame de vários dias poderia mostrar-se não decisiva.
Quanto ao decreto-lei n.° 30:043, de 20 de Outubro de 1945, que instituiu o regime do habeas corpus, pouco tenho a dizer, porque, na verdade, é um diploma que merece inteiro louvor, tendo-se por via dele efectivado uma promessa que vinha da Constituição de 1911 e foi renovada na de 1933.
Discordo, porém, do artigo 19.°, que, em caso de petição manifestamente infundada, permite a condenação solidária do requerente com o defensor em indemnização que vai de 5 a 20 contos e a suspensão do exercício da advocacia por três meses a um ano.
A Ordem dos Advogados, muito legitimamente, vindica a manutenção do poder disciplinar sobre os seus membros.
Por isso, aquele artigo deve ser modificado no mesmo sentido do artigo 465.° do Código de Processo Civil, que, em caso de responsabilidade dos mandatários nos actos pelos quais se revelou a má fé na causa, manda dar conhecimento do facto à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, para que estas possam aplicar as sanções respectivas c condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhes parecer justa.
Pelo projecto do ilustre jurisconsulto e antigo Presidente desta Assembleia, Sr. Dr. José Alberto dos Reis. era o juiz quem aplicava tal condenação. Contra isso me insurgi na comissão revisora, chegando a declarar que teria de abandonar a advocacia se o respectivo artigo fosse mantido como estava. E o autor do projecto teve a hombridade de mudar de parecer, triunfando a opinião que defendi.
Estes factos são conhecidos de poucas pessoas, porque, infelizmente, quase a oito anos da promulgação do Código, não se fez ainda a publicação das actas e relatórios da comissão revisora, só parcialmente insertos na esplêndida Revista da Ordem dos Advogados.
Não vejo, Sr. Presidente, que seja mais gravo o pedido manifestamente infundado de habeas corpus do que a responsabilidade do advogado nos actos pêlos quais se revelou a má fé.
Invocam-se, ex adverso, os artigos 93.° e 412.° do Código de Processo Penal e 603.° e 605.° do Estatuto Judiciário.
O 412.°, como o 155.° do Código de Processo Civil e os citados do Estatuto, destina-se a manter a polícia da audiência e a evitar que dos processos constem faltas de respeito às instituições vigentes, às leis ou ao tribunal ou expressões injuriosas ou difamatórias.
O artigo 93.° do Código de Processo Penal não abrange os advogados enquanto no exercício das suas funções.
E nenhum daqueles preceitos faculta ao juiz a suspensão dos advogados. Só a Ordem respectiva, que tem sabido exercer nobremente não só a função disciplinar como a cultural que o Estatuto lhe incumbe, deve poder aplicar tão grave sanção.
Bem sei que nenhum advogado deixará de requerer o habeas corpus que considere legítimo, com receio das sanções aludidas.
Se outros advogados não se incumbirem disso, os membros dos respectivos conselhos farão mais esse sacrifício.
Todavia, magoa-nos o aludido cerceamento dos poderes da Ordem dos Advogados, que o Estado Novo tem o dever de acarinhar, pois constitui uma das suas grandes obras.
Uma das inovações do decreto-lei n.° 35:044 foi a de desdobrar o Supremo Tribunal de Justiça em duas secções cíveis o uma criminal.
Tem-se feito blague a propósito da secção criminal, chamando-se mestres aos respectivos conselheiros. No entanto, considero essa reforma, de há muito esboçada, como plausível.
Simplesmente alvitro que, se as Relações se mantiverem, também nelas se crie uma secção criminal. Desse modo, a especialização começaria na 1.ª instância e, sem solução de continuidade, iria até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Já que trato do funcionamento dos tribunais criminais, não posso deixar de me referir à precária situação de alguns funcionários dos mesmos tribunais.
No relatório do decreto-lei n.° 35:977, de 23 de Novembro de 1946. salienta-se quão injustificável era a diferença de vencimentos entre funcionários da mesma categoria colocados em comarcas da mesma classe.
Ora aos funcionários dos tribunais criminais, igualados aos dos cíveis quanto ao vencimento fixo, não se atribuem direitos iguais aos que estes fruem, o que é manifestamente iníquio e só por lapso pode ter-se praticado.

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Também os ajudantes cios tribunais criminais e cor-reccionais de Lisboa e Porto que são chefes de secção de 3.a classe estão em desigualdade incompreensível relativamente aos seus colegas do cível que chefiam secções; com o mesmo concurso e as mesmas habilitações dos do cível, auferem vencimento inferior.
O Sr. Dr. Ernesto Subtil referiu-se ao elevado montante das alçadas estabelecidas pelo decreto-lei n.° 35:978, de 23 de Novembro de 1946. Adopto inteiramente as suas observações.
Considero excessivos os valores de 20 e 50 contos. Há processos de valor inferior àquela cifra cuja importância justificava o recurso normal para a 2.ª instância, como a quantia de 50 contos é exagerada para limitar a alçada das Relações.
A desvalorização da moeda não permite considerar os quantitativos actuais como mera actualização dos valores que anteriormente fixavam a alçada das instâncias.
E, longe de haver outras razões que aconselhassem subida excedente à da simples actualização, enteado que tudo obriga a facilitar os recursos.
Têm nisso interesse as partes, e os próprios julgadores decidirão mais à vontade se souberem que pode haver recurso, que todos os bons magistrados estimam e até desejam, para que superiormente seja apreciado o seu critério.
Não pode esquecer-se que pelo Código de Processo Civil de 1876 a alçada dos juizes de direito era de 50$ nas causas sobre bens mobiliários e de 30$ nas referentes a imobiliários e a das Relações de 400$, fosse qual fosse a natureza dos bens.
Esses valores foram decuplicados pelo artigo 3.° da lei n.° 1:552, de 1 de Março de 1924.
O estatuto de 1927 (decreto n.° 13:809, de 22 de Junho) fixou para a 1.ª instância o valor de 1.000:5 e para a 2.a o de 4.000$; o de 1928 (decreto n.° 15:344, de 12 de Abril) baixou a da 1.ª instância para 500$ e a das Relações para 2.000$, repondo o decreto n.° 17:955, de 12 de Fevereiro de 1930, a da Relação em 4.000$ e mantendo a da 1.ª instância em 500$, elevando-as o decreto-lei n.° 22:779, de 29 de Junho de 1933, para 3.000-5 e 10.000$, respectivamente, e o de 1944 (decreto-lei n.° 33:548, de 23 de Fevereiro), na esteira do decreto n.° 29:950, de 30 de Setembro de 1931), para 6.000$ e 20.000$, consoante se tratasse da 1.ª instância ou das Relações.
Estes valores poderiam sofrer alguma actualização, mas talvez nem dela carecessem, pois eram já muito elevados em relação aos de 1876.
Todavia, o aumento feito não se justifica com mera actualização. Só pode ter sido determinado pelo intuito de dificultar os recursos, o que consideramos condenável.
Sr. Presidente: bem quereria ocupar-me ainda de outros problemas. Todavia, muito abusei já da benevolência de V. Ex.ª e da Assembleia, que tão pacientemente me escutaram.
Este debate era necessário e foi oportuníssimo.
Ele deve convencer o País de que as reformas operadas, de um modo geral, são boas, o que não deve causar estranheza, atenta a grande competência do Ministro que as subscreveu.
No entanto, têm inconvenientes palpáveis.
E outros existem no funcionamento dos serviços de justiça, urgindo remediá-los.
Estou certo de que as sugestões aqui feitas hão-de ser consideradas com espírito compreensivo e liberto de dogmas doutrinários.
São estes os meus votos muito sinceros.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: as minhas considerações vão ser brevíssimas, principalmente porque após as proficientes críticas que ouvimos às reformas de justiça do Estado Novo formuladas pêlos ilustres Deputados que me precederam no uso da palavra seria mais do que ocioso, seria impertinente repetir apreciações de ordem técnica que trouxeram ao debate horizontes novos. Prefiro portanto fazer um rápido balanço dos diplomas legislativos promulgados e concluir com algumas sugestões, que, embora possam aparentar a pretensão de uma crítica, se limitam, afinal, ao anseio de trazer um contributo, mínimo que seja, no sentido de acudir a males que antevejo assustadores.
Sr. Presidente: as reformas de justiça levadas a efeito pelo Estado Novo assumiram tal vulto, revestem-se de tamanha importância que mesmo os inimigos mais incondicionais da situação unanimemente se curvam perante a magnitude da obra realizada.
Após o movimento de codificação que nos deu o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Comercial, etc., caímos num período de marasmo ou de intensa desordem legislativa, caracterizado pela acumulação de inumerável legislação avulsa enredadora e multiforme, a que a reforma de processo do ilustre homem de Estado que foi o professor Manuel Rodrigues trouxe uma importante ordenação.
Anos decorridos, o actual Ministro da Justiça, professor Cavaleiro de Ferreira, lançando as suas vistas de preferência pelo direito penal e pelo processo penal, fez publicar aquela série de diplomas que ouvimos referenciar ontem e hoje e que se impõem pela sua generosidade, colocando-nos na vanguarda dos países mais adiantados.
Os princípios são excelentes, as ideias têm larga projecção. Teoricamente parece que tudo está certo.
Principiámos por extinguir o júri.
Atraiçoaria a minha consciência se não renovasse o preito de justiça 'que sempre prestei ao júri comercial de Lisboa.
Sei de ciência certa que constituía uma excepção.
Enquanto que o júri criminal funcionava, em regra, lastimosamente e os júris comerciais- das pequenas comarcas não resistiam a certo espírito de bairrismo, os jurados comerciais de Lisboa impuseram-se pela correcção das suas decisões.
Escutam-me colegas que tiveram oportunidade de trabalhar de perto com esses julgadores de facto.
Estou convencido de que concordarão em que, à parte um ou outro caso esporádico, o júri comercial de Lisboa se impôs por um veemente e honrado desejo de acertar.

O Sr. João do Amaral: - V.Exa. dá-me licença? Não foi um júri comercial que, em resposta a um certo quesito, declarou não estar provado que em 5 de Outubro de 1910 tenha havido uma revolução em Lisboa?

O Orador: - Nem V. Ex.ª imagina como lhe agradeço a sua interrupção. Não estava sequer formado nessa época - 1914 -, salvo erro. Cursava ainda a Faculdade de Direito.
Na escola, como na vida profissional, a anedota do júri que negara a existência da revolução de 5 de Outubro era o leit-motif de todas as críticas a essa instituição.
Informei-me completamente.
A realidade dos factos não se harmonizava com a versão, picante, da anedota.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Ainda há um caso mais curioso, referente ao processo de seguro de um navio que naufragou. O seguro estava feito só até ao Rio de Janeiro e o naufrágio tinha-se dado entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires.

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A pergunta que foi feita ao júri era esta: está provado que Buenos Aires fica situado mais ao sul do que o Rio de Janeiro ? A resposta, pasmem V. Ex.ªs, foi esta: "Não está provado"!

O Orador: - Eu respondo primeiro ao Sr. Dr. João do Amaral e depois ao Sr. Dr. Cunha Gonçalves.
Vamos à interrupção do Sr. Dr. João do Amaral.
Dei-me ao cuidado de ver o processo e o quesito.
O caso fora este: caiu uma das granadas da Rotunda num prédio da Avenida da Liberdade. Sobreveio um incêndio que destruiu por completo a mobília de um dos inquilinos.
Este garantira-se com o seguro contra riscos de fogo. Solicitou da companhia seguradora o pagamento da indemnização. Foi-lhe recusado. Demandou-a. E o júri respondeu, não dando como não provado que tivesse existido a revolução de 5 de Outubro, mas proferindo uma resposta ambígua, que autorizava a condenação da companhia de seguros na indemnização reclamada. V. Ex.ªs não esqueçam que o júri respondia por equidade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso suscita outro problema: é se a equidade se aplica às questões de facto ou só às de direito?

O Orador: - Já lá vamos.
Quanto à interrupção do Sr. Deputado Cunha Gonçalves, devo dizer que não conheço o facto e não me atrevo, portanto, a discuti-lo.
Coloco o problema de outra maneira: elaboremos uma estatística das respostas menos razoáveis dos jurados comerciais e outra das decisões absurdas dos tribunais colectivos de todo o País. Façamos depois o confronto.
Haverá dúvidas de que todas as vantagens serão a favor da primeira?
Retomo, por isso, o fio das minhas considerações.
Eliminado o júri, criaram-se os tribunais colectivos.
For motivos de ordem política, e levada em conta a comodidade dos povos, não se reduziu, praticamente, o número das comarcas: alterou-se a categoria de algumas, modificaram-se limites de outras, e Portugal continua com uma organização judiciária que comporta, só na 3.ª classe, nada mais nada menos que cem comarcas.
Dei-me ao trabalho de apurar o que as estatísticas informam a respeito do número de processos ordinários, de acções cíveis de relativa importância julgadas nos anos de 1944 e 1945 em várias dessas comarcas.
Encontrei algumas em que o número não excedeu seis - meia dúzia.
Quer isto significar que os juizes têm pouco trabalho a realizar? De nenhum modo.
Todos que vivem a vida forense atestarão que os magistrados portugueses estão obrigados a uma tarefa esgotante, insuperável. Entram nos tribunais de manhã, saem - quanta vez! - pela noite adiante, arrastam os dias na obsessão de montes de processos que têm de despachar, dó por onde der.
Mais! Passam-me neste momento pela memória os nomes de dois ou três juizes, e dos mais dignos, que, transferidos para os tribunais de Lisboa, de tal modo se aferraram ao pontual desempenho dos seus deveres que a morte os arrebatou, esgotados de forças.
Os magistrados não são, por conseguinte, em número sobrante para o serviço a desempenhar.
O mal é outro.
E por cada dia que passa a sua gravidade avoluma.
A única fonte de recrutamento da magistratura portuguesa emana das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra.
O número de licenciados que, em média, ambas estas Faculdades produzem por ano anda muito perto de cem.
Desta centena de licenciados destacam-se os que preferem a advocacia e recrutam-se os que se destinam ao registo predial, ao registo civil, ao notariado, às organizações corporativas e até ao remanso do lar, na calma de uma vida de lavoura em qualquer risonho recanto da província.
Não fantasio: de todos os cursos fazem parte rapazes que, por tradições de família ou mero desejo de ilustração ou de situação social, se contentam com o acto de licenciatura, seguido ao qual tomam a administração das suas empresas agrícolas, comerciais ou industriais.
Ora, para acudir às necessidades de provimento de vagas nos quadros de delegados e juizes é indispensável que em cada ano pelo menos vinte e cinco candidatos saiam aprovados dos concursos de admissão.
Uma quarta parte do rendimento anual, em alunos, das Faculdades de Direito deveria portanto ser necessariamente aplicada nessa finalidade.
Para tanto impõe-se a criação de um ambiente que induza ao ingresso nos quadros das magistraturas judiciais.
Dá-se, todavia, absolutamente o contrário.
A um delegado de 3.ª classe oferece-se a remuneração de 1.200$ por mês.

O Sr. França Vigon: - O mesmo que a de um oficial de qualquer actividade metalúrgica em Lisboa.

O Sr. José Cabral: - Muito menos.

O Orador: - Com os 50 por cento posteriormente concedidos pelo Governo eleva-se o seu ordenado a 1.800$, cativos de descontos.
Isto significa, portanto, que, com 1.800$ por mês, um rapaz na força da vida, muitas vezes com encargos de família, tem de se deslocar para sítios remotos de Portugal e manter aí uma situação decente, a braços com uma carência de fundos que, creio, nenhum dos que me escuta se atreve a pôr em dúvida.
Dir-se-á, porém, que o sacrifício é de pouca dura, que se trata apenas de uma ponte de passagem e que dentro de poucas semanas ou meses é certa a promoção à classe imediata.
Infelizmente, também não é verdade. O tempo médio de exercício da delegacia numa comarca de 3.ª classe anda por seis anos. Ao fim de seis anos o delegado de 3.ª é promovido a delegado de 2.ª e, em vez de 1.800$ por mês, passa a receber 1.600$ de vencimento mais 800$ de subsídio, o que lhe dá 2.400$, cativos de descontos. Como delegado de 2.ª classe pode ter a certeza certa de que não será promovido antes de dois anos de exercício do cargo.
Digam-me V. Ex.ªs se na época que atravessamos é possível descobrir abnegação, espírito de sacrifício ou de renúncia integral que mova um rapaz que fez um curso sem dúvida dos mais difíceis, prolongado por sete anos de liceu e .cinco de Universidade e que obrigou a despesas avultadíssimas, que só com enorme sacrifício alguns pais podem suportar, digam-me V. Ex.ªs se é humano, lógico ou, pelo menos, decente forçá-lo a uma tal situação?

O Sr. Armando Cândido: - Há ainda a provação dos concursos...

O Orador: - De quanto tenho salientado resulta o aterrador quadro que passo a descrever: há mais de trinta comarcas de 3.* sem delegado; anunciam-se concursos e não aparecem candidatos; para acudir à tragédia de falta de magistrados do Ministério Público nes-

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sas comarcas, mormente após as recentes reformas da justiça, o Sr. Ministro desta pasta teve de nomear treze delegados interinos.
Assim mesmo, dezassete comarcas continuam sem delegados. Um pavor!
Nada se descortina no futuro que alimente a esperança de uma melhoria.
Pergunto, pois: o que sucederá se não remediarmos sem perda de um momento e num amplo espírito de liberalidade crise tão grave?
Encontrar-nos-emos com reformas excelentes; leis do mais generoso e moderno espírito; códigos preciosos do clareza e de doutrina - mas sem juizes para os aplicar.
Não exagero. Continue-se a pagar à magistratura como se está pagando, e veremos se os meus vaticínios se realizam ou não.
Repito, apenas, que há que pagar mais e melhor.
E ainda não basta.
Impõe-se uma revisão da organização judiciária que altere esta prodigalidade do centenas de comarcas presididas por magistrados com funções de sentenciar.
Para desempenharem esta alta missão carecemos em Portugal, só para os tribunais de 1.ª instância, do bastante mais de duas centenas de juizes.
Pois sabem V. Ex.ªs quantos juizes existem em toda a Inglaterra insular, exclusão feita, é certo, da Escócia e da Irlanda, aos quais é cometido o encargo de aplicar a lei ? Apenas cinquenta - a quarta parte do número do magistrados existentes em Portugal.

O Sr. Armando Cândido: - O juiz em Inglaterra trabalha sem as complicações de ordem processual que nós' temos. A comparação não ó possível.

O Orador: - E aquilo que se passa em Inglaterra constata-se, de uma maneira absolutamente sensível, em Espanha, repete-se na Itália e verificava-se também na Alemanha.
E porquê? Porque todos estes países, levando, aliás, em conta a comodidade dos seus povos, organizaram a sua justiça em termos de evitar o risco de se perderem as elites em holocausto ao número. Muitas comarcas, muitos juizes o todos excelentes não ó objectivo fácil de atingir.
Que sistema se adoptou então nesses países?
Abstendo-me de detalhes que seriam descabidos numa intervenção despretensiosa e a largos traços, como esta, limitar-me-ei a recordar que em qualquer das referidas nações, em toda a parte em que a comodidade dos povos e a existência de centros populacionais o justificavam, foram instalados tribunais que têm a seu cargo julgar as pequenas questões e os processos penais ato ao de querela e preparar as acções de maior vulto e os processos penais daquela última natureza.
Na Itália esses tribunais eram (ignoro se ainda são) designados por preturias e na Alemanha por amtegericht.
Nas sedes das respectivas divisões administrativas funcionavam tribunais, em Espanha designados por "tribunais de audiência" e na Alemanha por landgericht, a que presidiam magistrados selecionados entre os melhores da sua categoria, criando-se assim uma elite de julgadores, privilegiada tanto social como materialmente.
Ora nas tradições dos tribunais portugueses os corregedores, os juízos de fora parte e as alçadas têm flagrantes semelhanças com a organização que descrevo.
Porque não pensar a sério no assunto e apurar se alguma coisa de útil resultaria do regresso ao que for aproveitável desses sistemas passados?
Manter-se-iam os tribunais de 1.ª instância actualmente existentes até onde as necessidades da administração de justiça indicassem; esses tribunais julgariam as acçÕos de pequeno valor e os processos correccionais e de polícia correccional; nos processos de maior valor e nos de querela organizariam a respectiva prova; e o saneador, o questionário, a presidência do julgamento final e a sentença ficariam a cargo dos juízos especialmente designados para presidirem aos tribunais que no nosso País correspondessem aos tribunais de audiência da nação vizinha ou aos landgericht alemães.
E bom? É mal? É uma sugestão que me ocorreu nesta altura.
Apresonto-a porque estou pensando em voz alta, preocupado com a crise do recrutamento de magistrados a que fiz alusão e convicto de que é impossível conciliar a ideia do um grupo de juizes de alta categoria com a pulverização de judicaturas por cerca de duas centenas de tribunais de 1.ª instância.
E vou mais longe.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro criticou com severidade o funcionamento dos tribunais colectivos e condenou a oralidade, do que tanto se tem abusado.
Não lhe falta razão em ambos os pontos; e eu acompanho-o incondicionalmente.
A intervenção dos conservadores do registo predial ou do registo civil nos colectivos cria situações de melindre, a que urge pôr cobro.
Relativamente à oralidade não se admite que o julgamento duma dosordem de pataco ou uns guarda-lamas de automóvel amachucados num acidento banal possam ser objecto do um julgamento que se arrasta por várias sessões, com numerosos depoimentos escritos, desde que se não prescinda do recurso, ao passo que acções de investigação de paternidade ilegítima, uma anulação de testamento ou outros processos de importância igualmente elevada, moral, social e materialmente, esses se liquidem com uma produção de provas de que não fica vestígio nos autos, impedindo-se a Relação - pelo menos teoricamente, ainda tribunal de prova- de controlar ou verificar o que só passou na instância inferior.
Ainda há bem poucos dias me foi oferecida a oportunidade de constatar os riscos da tal oralidade.
Procedeu-se em Fiança ao julgamento de um homem que, pelo seu passado, inquebrantável fervor patriótico, espírito de abnegação, virilidade de consciência e largos serviços de doutrinação, representa um dos maiores valores da intelectualidade latina contemporânea.
Após um julgamento tumultuário, condenaram-no a prisão perpétua.
No processo ficaram apenas os elementos da acusação, ordenados por um agente do Ministério Público apaixonado, contraditório e ... pouco vulgar.
Quem o ler daqui por cinquenta anos concluirá que se puniu um traidor banal.
Mas, em boa hora, houve quem se desse ao trabalho de estenografar esse julgamento. As enredadoras intervenções do Ministério público, as respostas do arguido, tudo consta desse relato estenográfico. Maurras - porque é dele que estou tratando -, que, pelo simples relato oficial do julgamento, poderia parecer aos olhos de muitos um culpado, à face das provas estenográficas do seu ajusto de contas com a justiça sobe às regiões onde só encontram os santos, os heróis o os génios.
Apoiados.
Há um Ministério Público que acusa convulsivamente, do princípio até ao fim do julgamento. Há um juiz que acumula artifícios sobre induções em erro. E, cara a cara com ambos, avulta a figura do acusado de traição à pátria, que, a cada resposta que opõe aos seus acusadores, se engrandece e se afirma o patriota e o inimigo encarniçado das influências alemãs que toda a sua obra revela. Aqueles setenta e tantos anos do idade são uma lição inesquecível para inúmeros rapazes de vinte!

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O Sr. Armando Cândido:-Mas isso foi um julgamento político, onde se acumularam paixões e mais paixões.

O Orador: - Sem dúvida. Mas ao qual presidia um juiz togado e onde acusava um magistrado de carreira.

O Sr. Armando Cândido: - Não tomos magistrados dessa ordem.

O Orador: - Refaço, porém, o rumo de que me não devia ter afastado e volto a trilhar o caminho que conduz ao único, objectivo que me moveu a participar neste debate: acudir às condições de funcionamento e de facilidades materiais dos magistrados portugueses.
O Estado há-de acabar por reconhecer que é impróprio transformar o serviço público da administração de justiça num abundante manancial de. rendimentos. Não pode ser. A justiça é um encargo; não um negócio.
Leis excelentes, reformas e mais reformas, projectos grandiosos, separações do magistraturas, inovações generosas em matéria penal, tudo será inoperante por falta de magistrados que o executem e morrerá na poeira dos arquivos onde se guarda o Diário do Governo, coberto de pó por falta de uso..
Remédio?
Remunerar condignamente os magistrados. Pôr ponto à tragédia em que se vê colocado o juiz transferido para Lisboa ou Porto, onde não consegue arrendar uma casa por menos de um terço dos seus vencimentos.
Se as câmaras dos pequenos concelhos têm quase todas cumprido o dever que a lei lhes impõe, porquê isentar de tão justa participação precisamente aquelas a que melhor caberia dar o exemplo? Porquê?
Facilitar o trabalho e o estudo dos que julgam, revendo uma organização judicial somente perdulária quanto ao número; eliminar a intervenção dos magistrados em inúmeros serviços de secretaria e outros, até impróprios da sua alta, posição; criar, ainda que pequenas, biblioteca cujo importe não empobreceria seja quem for e que habilitariam os juizes e delegados a leituras de que hoje estão privados por insuficiência de meios.
E, antes dê outras considerações, sem perda de tempo, pagar mais, muito mais e melhor.
A separação das magistraturas facilita a execução do programa que defendo.
Bastará que partamos do princípio de que remunerar magistrados com vencimentos iguais ou inferiores aos de qualquer trabalhador manual de primeira categoria é um erro social, uma economia absurda e uma injustiça que não pode continuar..
Há que assegurar-lhes uma situação de prestígio material que corresponda àquele prestígio moral de que todos, sem excepção, merecidamente gozam.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinheiro Torres: - Sr. Presidente: Salazar encontrou em Manuel Rodrigues, cuja figura de estadista cada vez avulta mais, o reformador da Justiça da Revolução Nacional e no Dr. Cavaleiro, de Ferreira - um dos grandes valores do Estado Novo - o continuador à altura dessa gigantesca obra, comparável, e em muitos aspectos superior, ao que de melhor se tem feito no estrangeiro.
Bastava, a publicação da lei que instituiu entro nós o regime do habeas corpus para o consagrar definitivamente. Regime originário do uma democracia, aspiração de todas as democracias, só Portugal, no continente europeu, possui essa medida proclamada, indispensável para garantia da liberdade individual, como princípio, meio e fim das democracias ...
Em Portugal, desde a Revolução do Maio, passou-se do palavriado balofo dos comícios - onde esses remédios eram receitados mas nunca aviados ... - às realizações dos problemas, serenamente equacionados e, a seu tempo, resolvidos.
A atenção do ilustre Ministro da Justiça tem sido especialmente dirigida para o campo penal.
Através da sua vida de professor, de advogado, de magistrado, dominou-o esse aspecto do direito.
A dignidade da pessoa humana é para elo um dogma, e daí vêm as medidas tendentes a proteger a liberdade individual, a suavizar o humanizar a lei, a estudar com especial atenção, porque não dizer até com carinhosa atenção, a pessoa do delinquente no duplo aspecto da culpabilidade e da perigosidade, para determinar com alto sentido cristão as tutelas repressiva e preventiva.
No nosso País houve sempre uma grande indiferença pêlos estudos do direito penal.
Esta indiferença desce mesmo do campo das ideias para o campo prático.
Por exemplo, quanto à advocacia criminal, ela ó, para muitos, pouco digna da sua atenção. Só raras vexes surge um Alexandre Braga, um Cunha e Costa, um Francisco Fernandes, o para só falar de mortos - que indiferentemente iam a qualquer das barras.
Ao contrário, no estrangeiro, especialmente na França e na Itália, os maiores advogados são criminalistas.
O actual Ministro da Justiça tem em tanta consideração os tribunais criminais que na escolha dos seus magistrados faz uma especial e cuidadosa selecção.
Sr. Presidente: não pude assistir, por motivo de doença, de que ainda não estou inteiramente curado, às sessões em que o nosso ilustro colega e eminente advogado Dr. Paulo Cancela do Abreu fez o seu aviso prévio. Não ouvi, pois, o seu discurso, mas li-o, creio que integralmente, no Diário da Manhã. É notabilíssimo sobro todos os títulos: erudição e crítica. Pode não se concordar com algumas das suas críticas, mas o que tem de se reconhecer é que S. Ex.ª produziu uma das mais importantes peças de oratória parlamentar dos últimos tempos. Felicito, pois, o eminente colega.
Na evolução das ideias que dominam as nossas leis penais, salienta S. Ex.ª a que determinou a abolição da pena de morte há mais de um século.
Eu sou também contra a pena de morte. Ela não se compraz nem com os nossos sentimentos nem com a nossa inteligência.
Creio que o maior argumento contra a pena de morte está na sua irreparabilidade perante o erro judiciário.
E o erro judiciário foi, é e há-de ser de todos os tempos.
Em todos os tempos e em todos os tribunais podeis inscrever aquela legenda que os doges de Veneza mandaram esculpir junto da entrada do Palácio da Justiça, na chamada parede de S. Marcos, lembrando a condenação à morte de um pobre forneiro, executado inocentemente, mas que os indícios fulminaram; em todos os tempos e em todos os tribunais os juizes podem ordenar, como o presidente dos doges de Veneza, que em todas as sessões, antes de principiarem, um dos secretários grite aos julgadores, como se fosse a voz da Justiça, a proclamar uma permanente espiação ao erro cometido: "Lembrai-vos do pobre forneiro!".
Ao erro judiciário não há reparação possível. Há palavras de piedade pela memória do sentenciado inocentemente! Nada mais! E é pena! A vida ó só uma, só a pode tirar quem no-la deu! É a nossa doutrina a nossa lei, a nossa ética. Estamos sozinhos. Mas não é apenas nesse aspecto que somos originais!

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Sr. Presidente: quero focar dois assuntos que dizem respeito às reformas da justiça do ilustre titular dessa pasta e que interessam a uma cidade e a uma classe.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao decreto n.° 35:042, que organizou os serviços da polícia judiciária, que veio afectar os legítimos interesses da capital do meu círculo, a velha mas sempre progressiva cidade de Braga.
Com a reforma judiciária operada por esse diploma foi suprimida a polícia de investigação criminal, que foi integrada no plano geral do sistema prisional comum e das instituições de prevenção e repressão criminal.
Além de Lisboa e Porto, existiam delegações da polícia de investigação criminal em Braga e Coimbra.
Com a reforma da polícia judiciária a única dessas cidades onde foi suprimida foi em Braga.
Tal medida não se justifica.
A criação em Braga de uma delegação da policia de investigação criminal correspondeu a uma necessidade, derivada da sua importância como centro de grande densidade populacional.
Bastava esta circunstância para a manter. Nos anos que imediatamente precederam a sua extinção, em 1945, só a delegação da polícia de investigação criminal em Braga investigava uma média de 900 processos anuais.
Se não esquecermos que a polícia de investigação criminal não tinha competência exclusiva para a instrução preparatória dos processos crimes, e que, portanto, muitos deles eram tratados directamente pela polícia de segurança pública, e estes eram enviados directamente ao tribunal, poderemos inferir do importante movimento criminal daquela cidade.
Extinta a delegação pelo novo diploma, toda a instrução preparatória de todos os processos crimes ficou a cargo do delegado da polícia de segurança pública junto do tribunal criminal, com limitada colaboração das autoridades policiais.
É bem sabido que por toda a parte os agentes do Ministério Público têm grande dificuldade em cumprir esta sua nova obrigação legal, não só porque a sua actividade no tribunal era já absorvente, mas também porque não dispõem de pessoal, nem em número nem especializado, para os auxiliar na instrução preparatória das diversas espécies criminais.
Pelo que respeita à comarca de Braga, o problema apresenta a maior gravidade, não só por causa do seu grande movimento judicial, mas ainda pela circunstancia de o delegado do Procurador da República servir nos dois tribunais da comarca, o que necessariamente o impede de dar à instrução criminal o tempo e a soma de trabalho que ela reclama.
Além de que acontece que, sendo a comarca de Braga de 1.ª classe, o delegado ali demora pouco tempo e sempre preocupado com a sua preparação para o concurso de juiz, e assim menos tempo tem ainda e não chega a conhecer o meio, o que é indispensável para a investigação criminal.
Os resultados são facilmente calculáveis e os prejuízos evidentes: má administração da justiça. O decreto que organizou a polícia judiciária prevê a criação nas capitais dos distritos de brigadas de polícia judiciária, dirigidas por subinspectores.
Sem discutir, por agora, se a solução legal será capaz de resolver o problema tal como cie se põe em relação a uma cidade com a importância de Braga, parece im-por-se como solução de emergência a criação de uma brigada que constituiria um núcleo de pessoal especializado, cuja colaboração com o Ministério Público e restantes autoridades policiais seria altamente vantajosa para a prevenção e repressão da criminalidade.
Para o caso devo chamar a esclarecida atenção do ilustre Ministro da Justiça, certo de que são justos os reparos que acabei de fazer e legítimas as reclamações daquela cidade, que nunca devemos esquecer ter sido berço da Revolução Nacional, que permitiu a obra de ressurgimento em que todos andamos empenhados!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães:- Sr. Presidente: a preocupação com que subo a esta tribuna demonstra o grande interesse com que ouvi a brilhante lição do nosso ilustre colega Sr. Br. Cancela de Abreu, bem como as dos também ilustres colegas nossos que, após a generalização do debate, dissertaram sobre tão importante e oportuno tema.
Preocupação, dissera eu ...
E assim é porque ouvi números tão expressivamente desanimadores sobre as proporções das enormes rimas de processos amontuados nos tribunais que fico apavorado perante os (resultados da diagnose do seu considerável conjunto e também sobre o prognóstico social que o respectivo exame promenorizado nos imporia.
Estaremos desgraçadamente perante uma horrível exacerbação do crime?
Ou o aumento dos casos registados resultaria de maior rigor de apreciação, ou de melhores métodos de investigação criminal, tal como no campo da patologia, em que o número de determinadas doenças vai subindo paralelamente com o aperfeiçoamento dos métodos de observação clínica?
Tratar-se-á de uma crise originada pelas vicissitudes da guerra e cujo ciclo irá terminando à medida que se atenuem as dificuldades que ainda Testam da grande conflagração?
Ou terão os sintomas apontados pêlos ilustres oradores de ser ligados a lesão mais grave e de maior permanência?
Sr. Presidente: pelo que conheço da sociedade portuguesa, estou convencido de que a ordem e disciplina que a política do Estado Novo tem consolidado nas ruas, nas oficinas, na vida doméstica e, portanto, nos espíritos, mercê de acertadas providências na organização do trabalho e da sua bem conhecida actuação no campo social, cujos benefícios já se fazem sentir, estou certo, vinha dizendo, de que o ambiente tem melhorado acentuadamente e de dia para dia se mostra menos propício à prática do crime.
Nessas volumosas pirâmides processuais que atulham os cartórios palpita-me que abundarão os casos que nunca deveriam ter subido aos tribunais, pois que melhor caberiam na alçada de um regedor criterioso ou, quando muito, da autoridade policial do concelho.
Tenho a impressão de que hoje se verifica o mórbido prurido, por ignorância, por comodismo ou pelo temor das responsabilidades, de tudo relegar aos tribunais, sem trepidar perante preocupações, incómodos e gastos que daí resultariam paia os acusados, os quais, na maioria dos casos, poderiam ser evitados com um pouco de paciência e alguma dose de bom senso da parte das pessoas investidas aias funções de autoridade, sempre de importância fundamental, desde o regedor e simples agente policial às autoridades policiais e administrativas do concelho, e por aí acima, antes do recurso aos tribunais, que deveria ser reservado para os casos de maior monta ou insusceptíveis de solução idónea noutras instâncias.
Recordo o caso de num dos concelhos do distrito do Porto o presidente da câmara ter requisitado, há anos já, uma brigada policial para averiguar sobre a quantidade de milho reservada pêlos proprietários para consumo das respectivas1 casas agrícolas, a qual, depois

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de dar varejo a quase todos os celeiros, levantou autos a bastantes pessoas das mais gradas, porque em seu critério policial citadino entendera execessivos alguns alqueires previdentemente reservados para os usos normais, autos que foram logo remetidos para o comando do Porto.
Pois aqueles autos foram imediatamente relegados ao Tribunal Militar Especial sem previamente serem joeirados pela autoridade do concelho ou pelo comando da polícia.
Constou-me depois que nada resultara no sentido condenatório, mas muitos incómodos e despesas se teriam evitado paira as pessoas autuadas e trabalho para o tribunal, onde a montanha de processos se ia avolumando, se tivesse funcionado, como eu entendo, a intervenção oportuna das instâncias concelhia e do comando policial, interpostas entre o critério rudimentar dos simples agentes policiais e o recurso extremo ao Tribunal Especial, para joeiramento dos elementos de suspeita de culpa, cuja apreciação não deve confiar-se à ignorância, ainda que bem intencionada, daqueles modestos agentes.
Mas, infelizmente, depara-se muitas vezes com o polo oposto.
Tal o caso das autoridades administrativas que não remetem determinados autos aos tribunais se os acusados concorrerem com alguns milhares de escudos para obras de beneficência e ainda para outros fins.
Falou-se em pletora de inquirições policiais e correspondente apinhamento de autos.
Sr. Presidente: hoje adoptou-se o sistema absolutamente condenável de em tudo e para tudo fazer intervir a polícia.
Imagine V. Ex.ª que é agora corrente os inquilinos que pretendem certas obras em manifesta desproporção com as rendas antiquadas e exíguas que entregam, quando entregam, aos senhorios, ou que pela força das cláusulas contratuais dos respectivos arrendamentos são da sua obrigação, não competindo assim aos proprietários dos prédios, dirigirem-se a uns fiscais de saúde e estes, por sua vez, arbitram em seu critério as obras a realizar e o prazo em que devem estar concluídas.
E, não curando de saber a quem compete realizá-las, sem prévio aviso aos interessados, não trepidam em remeter logo a participação para a polícia. Esta, por sua vez, dispensando-se do insignificante trabalho de enviar pelo correio cópia da notificação, também não trepida em intimar o proprietário para, sob pena da lei faltando, comparecer nessas repartições em determinado dia e hora, lado a lado com criminosos, e sujeitar-se a longos interrogatórios e outras formalidades, que, por vezes, constituem autênticos vexames, a que não escapam senhoras, ainda que idosas e doentes.
Sr. Presidente: o decoro do Estado Novo não é compatível com processos deste jaez.
Assunto de tanta gravidade merecia bem ser largamente debatido, mas aguardo ocasião mais propícia para o fazer, se tanto for necessário.
Talvez a discussão da proposta de lei sobre o inquilinato me ofereça melhor oportunidade para isso.
Contudo, muito seria para louvar que o Governo se informasse ou ordene rigoroso inquérito ao que se passa em tão aborrecido capítulo da acção policial e dos fiscais de saúde, a fim de tomar prontas medidas para evitar a continuação de tão insólito procedimento.
Para eles chamo, em especial, a atenção dos ilustres titulares do Interior e da Justiça.
Sr. Presidente: se em certos sectores policiais se incomodam, como acabo de dizer, as pessoas - no caso exposto os proprietários urbanos -, obrigando-as a deslocar-se às esquadras e a submeter-se a demorados interrogatórios, quando uma simples nota pelo correio bastaria na maioria dos casos, tem-se verificado, após a publicação do diploma que regula o habeas corpus, sobretudo na província, falta "de repressão da delinquência, especialmente da gatunagem, por má interpretação da sua doutrina ou tomando-a como pretexto para o habitual "não-te-rales", deixando à solta autênticas quadrilhas, que vão pondo a saque as propriedades rurais e exercendo, quase certas da impunidade, o seu rendoso mister nos comboios, nos "eléctricos" e, de uma maneira geral, em todos os locais e ocasiões em que as arrecadas saiam dos arcazes e as carteiras andem mais recheadas.
Informaram-me de que já foram expedidas instruções para a justa interpretação da doutrina do habeas corpus, que de nenhuma maneira é inibitória da repressão de variados delitos que ultimamente se têm multiplicado, ameaçando a tranquilidade pública e criando um ambiente de desprestígio, que importa combater custe o que custar.
Sr. Presidente: já aqui se apontaram remédios para tão grandes males: aumentar o número dos agentes policiais e, para isso, subir-lhes os ordenados.
Estou de acordo com a segunda parte, pois é, infelizmente, bem notória a insuficiência de retribuição auferida pêlos que servem o Estado, desde os simples agentes policiais até aos quadros da magistratura e, de uma maneira geral, em todos os sectores do funcionalismo civil e militar.
Mas entendo, quanto ao primeiro alvitre - o da elevação do número de agentes -, que primeiramente haveria que simplificar os serviços, reduzindo os volumosos processos de agora ao estritamente indispensável e descongestionando as esquadras e mais repartições de polícia e dos tribunais, reservando-as ao que não possa ou não deva ser tratado por outras entidades mais intimamente ligadas ao povo e, portanto, mais em contacto com as realidades.
E, consoante aqui afirmei há poucos dias, ao referir-me à polícia das estradas -que eu criara aquando da publicação do Código da Estrada -, que às suas funções corresponde melhor o policiamento do trânsito em plena estrada e nos lugares onde ele é mais perigoso do que nos tais pavilhõezitos construídos por quantiosas somas em plenas povoações, também entendo que a acção policial, antes de repressiva, deve ser preventiva e educativa, competindo-lhe mais os locais adequados à transgressão do que o comodismo das repartições.
E no que respeita à defesa da propriedade, tanto nos aglomerados como nas zonas rurais, e à manutenção da ordem e disciplina, quer na vida normal, quer nos ajuntamentos de qualquer natureza, entendo que seria possível conseguir-se rendimento maior e mais útil da multiplicidade de organizações policiais que sob títulos diversos o público vai pagando através das tesourarias do Estado, das câmaras e de outros organismos, desde que se procedesse a um estudo da respectiva coordenação, no sentido de aumentar-lhes a eficiência sem agravar os encargos dos contribuintes, que já estão bastante sobrecarregados.
Sr. Presidente: mas não basta policiar. Há que edusar, sobretudo nas idades em que é ainda possível fazer de crianças vagabundas e abandonadas cidadãos prestimosos.
Recordo a acção educativa da Junta Geral do Distrito do Porto, à qual sucedeu a Junta de Província do Douro Litoral, organismos a que tive a honra de presidir e que têm valido a muitos milhares de crianças órfãs e abandonadas, algumas das quais em grave perigo moral.
E cito também a obra grandiosa do padre Américo, iniciada em Paço de Sousa, com irradiações para as

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cidades do Porto, de Coimbra o julgo que para Miranda do Corvo, que já abriga cerca de 150 rapazes, na sua maior parte pequenos vagabundos, que o "eu tacto inteligente e a sua perseverança de verdadeiro apóstolo vão transformando (c)m hábeis operários da lavoura e da indústria, futuros servidores da Pátria.
Se o ilustre titular da Educação Nacional, na execução das bases aqui votadas sobre a reforma do ensino técnico, conseguir oficializar aqueles utilíssimos institutos,, dotando-os com a assistência de bons técnicos e anexando-lhes grandes áreas de baldios que os rapazes arroteariam e onde colheriam os géneros para as suas escolas, nos termos da proposta de aditamento que eu tive a honra de assinar juntamente com quatro distintos colegas nossos, tudo isto, claro está, de acordo com aquele ilustre e devotadíssimo pedagogo, que obra colossal se realizaria para eficaz combate à delinquência infantil, que, abandonada, poderia vir, por desgraça, a constituir a génese de muitos criminosos!
É já de certo vulto a obra do Estado Novo para a regeneração dos delinquentes e, especialmente, das crianças.
Mas há neste fundamental capítulo muito que fazer, e mais útil será o dinheiro que nele se despender do que o destinado a prisões e organismos policiais, embora não deixe de reconhecer a indispensabilidade, lamentável sim, de se ir despendendo nesses organismos o que for preciso para garantia da ordem e da propriedade.
Contudo, não se me afigura grave o prognóstico neste aspecto social português.
A delinquência, segundo se me afigura, pois não disponho agora de estatísticas a que recorra, incide principalmente no capítulo da gatunagem, para o que deve ter concorrido a carestia de géneros de primeira necessidade, resultante do longo período da recente guerra, a prática do "mercado negro", com larga margem de lucros, e a ausência de eficaz policiamento nas zonas consagradas à lavoura, nos caminhos de ferro, nas feiras e outros locais assim propícios às manobras dos meliantes.
Confio em que a sã política do Estado Novo não tardará em expurgar a sociedade de tão nocivas e degradantes explorações.
Sr. Presidente: entre tantos assuntos do maior interesse focados pelo ilustre autor do aviso prévio e outros oradores impressionou-me o da separação das jurisdições de acusação e de julgamento.
Aludiu-se à deformação profissional psicológica originada pela longa prática da acusação.
Mas o distinto Deputado Sr. Dr. Armando Cândido mostrou-nos, com eloquência, como o delegado pode deixar de ser acusador sistemático para propor a absolvição do réu.
Referiu-se há momentos o Sr. Dr. Bustorff da Silva ao júri comercial, e eu, que fizera, como médico que sou, parte de muitos júris que intervieram na apreciação de delitos gravíssimos, sei, por experiência própria, a acção utilíssima daquela antiga instituição na apreciação do crime e adaptação da pena "àquelas aspirações de justiça que vivem no subconsciente de todos os homens de alma bem formada", como oportunamente ouvimos ao distinto Deputado Sr. Dr. Bustorff da Silva quando foi aqui tratado o caso da condenação pelo Tribunal de Contas de três ilustres professores do Instituto Superior de Agronomia.
Disse mais o ilustre Deputado:
"A lei tem de ser uma fórmula moral; e, desde que assim o entendamos, há que amoldar o seu espírito ao caso excepcionalíssimo que está sendo considerado".
Eu tive sempre a impressão de que a lei corrresponde a um momento que passou, devendo a sua interpretação, para não constituir fonte de injustiças irreparáveis, adaptar-se à evolução do sentimento humano que segue paralelamente à marcha célere do Mundo.
Foi esse o critério que sempre me orientou nas respostas aos quesitos formulados pelo juiz, e que muito contribuíram para que as sentenças se ajustassem geralmente à boa opinião pública, não se verificando então a discordância aqui registada há dias entre a sentença de meritíssimos juizes do Tribunal de Contas, que julgaram conforme a lei, e as aspirações de justiça que vivem no subconsciente dos oradores que tivemos a honra de escutar.
Sr. Presidente: de acordo' com o que venho de dizer, chocou-me o diploma que extinguiu o júri, substituindo-o por tribunais colectivos, onde deveriam intervir três juizes togados, isto é, com longa prática de acusadores e tendo de julgar dentro de normas rígidas, que não permitiam a aplicação do critério a que venho de aludir.
Mais tarde verifiquei com satisfação que lhes era assegurada a faculdade da intervenção, em certos limites, da sua consciência na apreciação do crime e elaboração da respectiva sentença.
Mas o que ouvi na brilhante dissertação do autor do aviso prévio e nos discursos notáveis aqui pronunciados sobre o mesmo tema, além da separação das jurisdições de acusação e julgamento, que defendem o juiz da influência que as averiguações porventura pudessem criar no seu espírito, a competência da organização da defesa não é encargo exclusivo do acusado, pois passou a constituir função obrigatória do próprio tribunal, que exerce a sua acção não sòmente na investigação de elementos acusatórios, mas na averiguação da verdade, para garantia da justiça.
Oxalá que todas estas tão oportunas e louváveis inovações concorram para que as sentenças caiam bem no espírito público, e não possa verificar-se o facto deplorável de o criminoso se transformar em vítima.
De contrário teríamos de restabelecer a velha instituição do júri, embora expurgada de inconvenientes conhecidos e adaptada às condições e exigências da nossa época.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente; - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito sobre este debate. Considero, portanto, encerrado o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu.
Comunico à Assembleia que recebi uni telegrama do Sr. coronel Passos e Sousa, em que declara que, estancio ausente de Eivas por motivo de serviço, recebeu ontem o telegrama que lhe foi enviado no dia 7 do corrente e exprime os seus mais sinceros agradecimentos pelas saudações que lhe foram dirigidas e as quais tem no mais elevado apreço.
A próxima sessão será no dia 20 do corrente, à hora regimental, sendo a ordem do dia a discussão sobre o decreto n.° 36:062, que estabelece a protecção ao cinema nacional e cuja ratificação foi pedida por vários Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Herculano Amorim Ferreira.

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João Ameal.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Maria de Sacadura Botte.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardas Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernâo Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Carlos de Sá Alves.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Borges.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

Telegrama a que o Sr. Presidente se referiu no final da sessão:

"Estando ausente Eivas motivo serviço recebi hoje telegrama V. Ex.ª 8 corrente quero enviar V. Ex.ª meus mais rendidos agradecimentos pela honrosa homenagem fui distinguido sessão Assembleia Nacional 7 Fevereiro que tenho mais elevado apreço. - Passos Sousa, coronel".

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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