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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 104

ANO DE 1947 18 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 104 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.° 102, que insere o parecer n.º 21 da Câmara Corporativa à proposta de lei n.° 146 (Carta dos solos de Portugal).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.° 100. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Froilano dn Melo ocupou-se da situação dos médicos e de outros funcionárias na índia Portuguesa quanto a vencimentos e licenças.
O Sr. Deputado Madeira Pinto tratou da grave crise da indústria do sal.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu reforçou as considerações daquele Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Duarte Silva reclamou a defesa do porto de S. Vicente (Cabo Verde) e providências para a defesa económica do arquipélago.

Ordem do dia. - Começou a discussão acerca da proposta de lei relativa, ao imposto sobre Sucessões e doações, tendo usado da palavra os Srs. Deputadas Braga da Cruz e Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 48 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Crua.
José Maria de Sacadora Botte.
José Martins de Mira Qalvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.

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José Pereira doe Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Bui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gtarsão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 100.

O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: no meu aparte ao discurso do Sr. Deputado Soares da Fonseca, a p. 798, col. 2.ª, 1. 26.ª, onde só lê: «absurdo!», deve ler-se: «absoluto!». E na p. 800, col. 1.ª, 1. 15.ª, onde se lê: «ovinos», deve ler-se: «bovinos».

O Sr. Soares da Fonseca: -Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário: a p. 797, col. 2.ª, 1. 9.ª, onde se lê: «elementos, deve», leia-se: «elementos: Deve».
A p. 798, col. 1.ª, 1. 32.ª, onde se 16: «era», leia-se: «eram»; na col. 2.ª, 1. 1.ª onde se lê: «precisa», leia-se: «possível», e na mesma coluna, 1. 49.ª, onde se 16: «não pode separar-se; é também, felizmente», leia-se: «não pode separar-se, e também felizmente».
A p. 800, col. 2.ª, 1. 12.ª, onde se lê: «prosseguiu», leia-se: «prossegui».
A p. 801, col. 1.ª, 1. 39.% onde se lê: «8 ou 10», leia-se: «8 a 10», e na mesma página, col. 2.ª, 1. 12.ª, onde se lê: «dia», leia-se: «época».

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre o referido Diário, considero-o aprovado com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio do Comércio de Lamego, apoiando o projecto do lei do Sr. Deputado Mendes de Matos sobre o descanso dominical.
Subscrito por proprietários do concelho de Estarreja, de apoio ao projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro, sobre o inquilinato.
Subscrito pelas emissoras de radiodifusão do Porto - Ideal Rádio, Rádio Porto, Rádio Clube do Norte, Portuense Rádio Clube e Emissor Electro-Mecânico -, manifestando a sua consideração pelo director dos serviços radioeléctricos, engenheiro Amaro Vieira.
Idêntico de Rádio Peninsular, estação centralizadora dos postos particulares radiodifusores de Lisboa.
Da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, solicitando a criação naquela cidade de uma escola de magistério primário.
Idêntico das Câmaras Municipais do Calheta e de Velas, secundando também a intervenção do Sr. Deputado Teotónio Machado Pires em favor da criação em Angra do Heroísmo da referida escola de magistério primário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Froilano de Melo.

O Sr. Froilano de Meio: - Sr. Presidente, dignos Deputados: em 13 de Fevereiro de 1946 levei ao conhecimento do Governo, por intermédio da Assembleia Nacional, certas observações sobre pontos restritos de administração colonial. E fi-lo também por ocasião da discussão às alterações à Carta Orgânica. «Críticas» foi o qualificativo dado pelo Sr. Ministro a essas observações.
O nosso papel na Assembleia Nacional não é de crítica destrutiva: é de uma patriótica colaboração. Representamos o elemento popular: é das suas queixas, das suas aspirações, que temos de dar conta ao Governo e à Nação por intermédio desta Casa, cujos trabalhos V. Ex.ª, Sr. Presidente, dirige com o prestígio da sua inconfundível autoridade.
As minhas considerações foram, pois, observações para o conhecimento do Governo; não tiveram o prurido de serem críticas aos actos do Governo. As palavras têm num determinado momento da evolução da língua uma psicologia própria! Mas tenho inteira fé que S. Ex.ª as empregou em sentido lato, porque tive a honra de apreciar a largueza de vistas e a fina espiritualidade que caracteriza o Sr. Prof. Marcelo Caetano, por quem nutro a mais sincera admiração.
Salvo o devido respeito pela opinião alheia, a informação prestada pela repartição ao Sr. Ministro e publicada nesse Diário não altera essencialmente o que afirmei; e se me refiro somente agora ao assunto, é por dois motivos:
1.° Porque a parte essencial da questão, a que se refere ao limite de idade dos médicos militares do extinto quadro colonial, é já assunto resolvido, fait accompli, e portanto sinto-me à vontade para o tratar sem receio de que se possa apodar de oratio pró domo mea;
2.° Porque sinto que ó meu dever prestar estes esclarecimentos à Câmara para que ninguém pense que aproveitaria, porventura, da minha estada nesta sala para dar aos meus colegas na Assembleia Nacional informações que possam ser classificadas de aleivosas e de má fé. Poderei errar na apreciação dos factos; nunca, porém, conscientemente cometerei uma incorrecção que traia o respeito que devo a mim mesmo e a esta Casa.
No n.° 2.° dessa informação (o n.° 1.° não interessa, nem foi motivo de controvérsia por parte de ninguém), em que se procura justificar a retirada dos impedidos escudando-se no artigo 103.° do regulamento geral dos serviços do exército, segundo o qual só têm direito a impedido os oficiais que pertençam ao efectivo das unidades militares ou que a elas estejam adidos, prestando serviço, tenho de esclarecer: o serviço de saúde, que era dantes militar, foi transformado em civil pelo decreto

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n.° 5:719, garantindo-se, porém, aos oficiais médicos todas as regalias, no activo o na reforma, dos seus camaradas do exército. Esses médicos continuaram a tratar, como dantes, no Hospital do Estado doentes militares o civis; ficaram esses médicos adidos, não a uma unidade militar, mas à chefia de todas as unidades que é o quartel general e continuaram a ter os seus impedidos. Somente de há uns seis anos para cá esses impedidos lhes foram tirados.
A hermenêutica jurídica militar acha que isso está bem? É sempre tempo de aprender! Sòmente o espirito jurídico e lógico que existe imanente na alma humana sorri-se e riposta: e per se muove!
Vem finalmente a parte final da informação de que «a modificação do limite de idade acarreta prejuízos para os actuais tenentes-coronéis médicos». Parece-me estranho que a questão se colocasse nesse pé. De resto, não vejo em que essa prorrogação poderia prejudicar os postos inferiores, que, ipso facto, gozariam a seu tempo das mesmas regalias. Esta constatação, oficialmente feita, recorda-me a observação que uma avó, sorridente o railleuse, fez à sua netinha que chorava lágrimas quentes ao distribuir o cake de noivado no dia da boda da sua irmã mais velha: «Tu, porque choras? Também há-de chegar-te a vez!».
Não mo referirei à extensa argumentação com que S. Ex.ª o Ministro das Colónias procura explicar as divergências criadas pelo decreto n.° 27:294, estabelecendo, quanto à concessão de licenças graciosas, regimes diversos para europeus o naturais das colónias. E pela simples razão de que esta Assembleia Nacional, na aprovação das modificações à Carta Orgânica, resolveu o caso por uma forma verdadeiramente feliz, que veio satisfazer tírios e troianos, acabando para sempre com quaisquer resquícios de teorias étnicas de que estava eivada a respectiva legislação anterior, para considerar em pé de igualdade na concessão de licenças todos os funcionários dos quadros comuns, complementares e mesmo privativos cuja nomeação fosse da competência do Ministro das Colónias, e independentemente de cursos superiores, especiais, das suas durações ou da permanência na metrópole por qualquer período que não chego a perceber porque arbítrio se desejaria fixar em oito anos, quando o limite normal dos cursos superiores para um estudante que se preze e tenha brio ó de cinco anos apenas. Refiro-me ao artigo 132.°, alínea b), da Carta Orgânica.
É do esperar que, h sombra deste despacho do Ministro, publicado no Diário das Sessões n.° 58, e da dialéctica desenvolvida na alínea b) do seu n.° 9.°, não surjam sofísticas que tentem torcer a doutrina clara do artigo 132.°, alínea b), da Carta Orgânica, promulgada após a aprovação da Assembleia Nacional, que é lei do País, e, como tal, tem de ser cumprida.
Sr. Presidente: resta-mo tratar do exposto no n.° 11.° do citado despacho, relativo à chamada subvenção colonial, que - frase textual do despacho -, «abolida em quase todas as colónias, é apenas subsistente em três das mais pequenas».
Os vencimentos dos funcionários no Estado da Índia obedeceram sempre ao seguinte princípio: vencimento X, acrescido para os funcionários não naturais da índia de um quantitativo y, a título de subvenção colonial. Vencia essa subvenção o português da metrópole exercendo na Índia; vencia-a também o português de Timor exercendo na Índia. E vencia-a o português da índia exercendo nas outras colónias. Era uma espécie de subsídio de deslocamento para quem se encontrava fora da terra natal.
Um dia, sob o impulso de doutrinas que, por momentos e contra a tradição portuguesa, toldaram as mentes de alguns dos nossos sociólogos, veio a lei restringindo a subvenção colonial apenas a filhos do pai o mãe europeus. Foi o decreto n.° 29:244, de 8 de Dezembro de 1938, que exara o seguinte princípio, que representou o começo da desagregação do nosso aglomerado nacional. Ei-lo:

Os funcionários naturais das colónias que não descendam de europeus, nos termos do artigo anterior, não terão direito ao abono de subvenção colonial, seja qual for a colónia em que prestem serviço.

Assim rezou a lei! E a subvenção colonial foi cassada aos portugueses e de Timor que a venciam na índia e aos portugueses da Índia que a venciam nas outras colónias.
Nesse mesmo decreto (orçamental, note-se bem!) estendeu-se a sulvenção e o direito à licença graciosa aos filhos de pai e mãe europeus portugueses, embora nascidos nas províncias ultramarinas, e a todos os seus descendentes em linha recta e por filiação legítima, desde que não exista cruzamento com indivíduos das raças nativas das colónias (artigo 8.°).
É escusado frisar, sobretudo no estado actual da ética mundial, o quanto a doutrina desse artigo 8.° contém de vexatório para as raças nativas das colónias - às quais pertenço e com orgulho - e que a Assembleia Nacional, num assomo de justiça, quis reparar relativamente às populações da Índia, Macau e Cabo Verde, não as considerando indígenas na sua acepção legal.
Relativamente à Índia, eu gostaria de saber sobre que testes se basearia o legislador para formular uma escala diferencial na grande mescla do grupo caucásico que constitui a maioria da população indiana e gostaria de saber que provas concretas poderiam os interessados aduzir para demonstrar, na maioria dos casos, essa pureza de sangue português, que mesmo aqui no continente está eivado do tanto glóbulo estranho e na índia largamente se misturou com a população local, de étnicas tão variadas - como, de resto, em todas as partes do Mundo! -já desde os casamentos ordenados por Afonso de Albuquerque! E, supondo mesmo que houvesse raças puras, de puro tipo nórdico, é sobre um substracto rácico que se deverá fundar a legislação de um país moderno em tempos de hoje?
O espírito do legislador procurou, todavia, acalmar os ressentimentos, cujos ecos chegavam já aos bastidores do Ministério. E o decreto n.° 35:231 suprimiu na Índia (artigo 36.°, n.° II, alínea b), § 2.°) a subvenção colonial, que já fora extinta em Angola o Moçambique em 1933 e 1938, respectivamente.
Mas suprimiu-se, porventura, na realidade a essência da subvenção colonial, restrita nos últimos anos apenas a funcionários europeus ou classificados de europeus? Não! Não só se o não fez, mas, camuflada, encapotada em um novo avatar, ela subsiste plenamente nas suas primitivas concepções étnicas, tendo ainda a agravante de ter criado mais uma casta de funcionários, através da peregrina teoria do suplemento de 50 por cento aos que tivessem tido residência na metrópole por mais de dez anos, teoria que deixa, quando menos, transparecer visão curta e sobre a qual pode pesar a acusação de querer vexar os que levaram os seus brios a concluir os seus cursos em menos tempo e de encurtar assim a duração dessa residência! Vexar, repito-o, porque o legislador procurou justificar essa diferença de suplemento com as exigências resultantes da carestia da vida, deixando daí inferir que o Standard da vida destes últimos ó de um padrão inferior.
Na verdade vos afirmo, Sr. Presidente e Srs. dignos Deputados, que essa concepção, expressa em articulado de lei, foi a mais dolorosa farpa que feriu muitos funcionários dos mais briosos da índia. E pena tenho de o declarar aqui: fere-me a mim, cuja vida está patente à

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devassa de quem quiser, para ver se o meu standard é inferior ao do quem quer -perdoem-me V. Ex.ªs que, quebrando os meus princípios, e somente para sublinhar com ênfase a minha afirmação, me seja forçado a aduzir uma nota de carácter pessoal.
Mas quer isto dizer que não é justo que indivíduos que se deslocam das suas terras natais devam ter um suplemento para compensar esse deslocamento? Livre-me Deus de cometer a feia injustiça de o negar! Mas nego a quem quer que seja o direito de julgar do standard de vida dos lares dos funcionários por essa forma como se fez em um documento oficial, agrupando-os em duas classes, de 50 e 150 por conto de suplemento, a título do carestia de vida, segundo tivessem de permanência na metrópole dez anos ou menos! O pão o a carne para estes não são mais baratos, nem ninguém tem o direito de pensar que, dispensando carne e pão, vivem estes últimos avaramente de caldo verde e legumes!
Façam os Srs. Deputados um inquérito na índia e vejam se nos lares indo-europeus ou nos lares puramente indianos dos funcionários que não ficaram mais de dez anos na metrópole o Standard de vida, a hospitalidade, as despesas de representação social, são porventura inferiores às dos lares europeus ou dos que adquiriram o soi-disant grau de europeização de que a lei os investiu através dessa concepção peregrina de mais de dez ou menos de dez anos!
Essa lei, sobre a qual se organizam os orçamentos na Índia, tem de ser revogada por absurda nos seus fundamentos c vexatória nas suas concepções. E mais justo e mais sensato o regresso ao «tatu quo ante: somente a chamada subvenção colonial tem de ser um «subsídio de deslocamento» que vencerão, sem distinções de qualquer outra natureza, os funcionários quo estejam servindo fora da sua terra natal, e não a título de carestia de vida, que afecta a todos igualmente!
Com uma lealdade, com uma franqueza que lhe fax honra, S. Ex.ª o Ministro limitou-se a constatar que há nas leis metropolitanas sobro o recrutamento militar e preparação dos quadros algumas disposições que têm sido alvo de críticas, mas que, não sendo essas disposições da alçada do Ministério das Colónias, se limitará a chamar para o assunto a esclarecida atenção dos Ministérios competentes.
Perdoe-me S. Exa.! Pelo n.° 1.° do artigo 28.° do Acto Colonial a organização militar das colónias é da competência do Ministro das Colónias. Não seria, pois, tempo de ousadamente retomarmos a orientação tradicional da Nação, organizando o exército colonial, como dantes, com quadros privativos adaptados às exigências da ciência e da técnica modernas? Porque ao exército colonial deveu a Nação serviços valiosos que seria feia ingratidão lançar no limbo do esquecimento!
Mas não deixei de folgar que no despacho ministerial se fizesse, pelo menos, a constatação dessas dissonâncias, porque ela representa veladamente o repúdio das opiniões, que no Ministério foram expressas, de que o temperamento dos filhos da índia se não coadunava com as exigências da vida militar. Que dirão os manes de Manuel António de Sousa e de tantos outros soldados e oficiais indianos que lutaram e morreram para assegurar no ultramar, e muito particularmente nas Africas insubmissas, a soberania de Portugal?!
E a propósito, e como simples nota preliminar, que a seu tempo e com elementos concretos conto provar à digna Assembleia Nacional, que dolorosa injustiça se não tem cometido extinguindo os quadros privativos e restringindo algumas das regalias militares dos poucos oficiais que ainda restam nesse quadro em que Paiva Couceiro e João do Almeida recrutaram com orgulho os seus melhores colaboradores - portugueses de Portugal, portugueses do ultramar - na sua grande obra de pacificação africana e do integração das Africas na majestosa Pátria lusitana! Como me dói ter de me referir a essas dissonâncias, que a minha posição nesta Casa me obriga a encarar de fronte erguida e não com a táctica da avestruz, escondendo a cabeça na areia!
Não quero duvidar que questões militares são questões técnicas, dependentes em grande parte de outros Ministérios. Mas todos os Ministérios têm de trabalhar em conjunto harmónico por forma a fomentar a concórdia entre os diversos elementos que constituem a Nação.
Que o presente estado de coisas conduz a injustiças e desarmonias é meu dever revelá-lo à Câmara, para que os dirigentes da Nação lhe dêem o remédio que for preciso. Dessa desarmonia o das injustiças e desigualdades que dela resultam dar-vos-á conta o seguinte telegrama que a Associação Indo-Portuguesa da província de Moçambique dirigiu a S. Ex.ª o Ministro das Colónias. Ei-lo, que me foi transmitido por cópia:

Associação Indo-Portuguesa cumprimenta V. Ex.ª pedindo vénia expor seguinte: Boletim Oficial 46 do 16 corrente publicou anúncio concurso aspirantes quadro administrativo exigindo candidatos termos artigo 128.° Reforma Administrativa Ultramarina terem cumprido serviço militar ou terem sido declarados aptos para ele por junta militar inspecção fins recrutamento. Termos esta disposição foram excluídos anteriores concursos naturais colónias não europeus não indígenas sujeitos pagamento taxa militar abrangidos artigos 20.° e 21.° e seu § único decreto 19:220 de 1931 recrutamento militar colónias. Resultando aplicação disposição citada artigo 128.° R. A. U. injusta discriminação portugueses coloniais esta Associação roga V. Ex.ª ordenar substituição mesma pela condição exigida demais concursos quadros funcionalismo colonial ou seja por comprovação de terem satisfeito lei recrutamento militar na parte aplicável e determinando modificação anúncio concurso. Associação aproveita oportunidade rogar V. Ex.ª revisão leis regulamentos expurgando disposições prejudiciais naturais colónias que explicita ou implicitamente contenham distinções bases étnicas contrárias espírito igualitário tradição portuguesa causadoras divisão filhos mesma pátria que querem através tudo ser portugueses. Presidente, Salvador Noronha. Lourenço Marques, 26 Novembro 1946.
Conheço a odisseia de um caso individual, ocorrido aqui em Lisboa, em que um filho de indo-portugueses, residente em Portugal, não podendo apresentar o documento do pagamento da taxa militar, porque era criança quando saiu da Índia, nem obter a guia de apresentação à junta militar de inspecção para os fins de recrutamento, foi despedido dos correios e telégrafos do continente, após ano e meio de serviço, por não poder produzir o documento de serviço militar que lhe exigiam, e foi reduzido à fome asem ter trabalho, nem onde comer, nem onde dormir» (frases de um memorando particular do interessado).
É justo não respeitar o § único do artigo 21.° do decreto n.° 19:220, de 1931, que organizou o recrutamento militar nas colónias, ou não se procurar uma solução condigna que se não preste a esses sofismas pêlos quais aos filhos da minha terra não só é vedada a carreira militar, mas praticamente se tenta agora vedar em Moçambique o próprio quadro administrativo?
Perante V. Ex.ª, Sr. Presidente, e perante os meus dignos colegas na Câmara, à consciência da Nação peço resposta à pergunta que deixo formulada.
Deveria terminar aqui as minhas considerações. Mas permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que aproveite de

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estar no uso da palavra para prestar nesta sala a minha homenagem à memória de um grande morto. Refiro-me ao Prof. Aires Kopke. Faço-o como cientista, como português e como Deputado do ultramar!
As minhas responsabilidades de parasitologista não me permitem rever neste momento, a dois dias apenas da sua morte, a sua obra com aquela minúcia e concatenação lógica que seria mister para a desvendar com o devido relevo a olhos de nacionais e estrangeiros. Forque Aires Kopke transpôs as fronteiras nacionais para ter amplo ingresso nos domínios da medicina internacional.
Filho da escola pasteuriana, que recruta entre nós cultores brilhantes e devotados como Câmara Pestana, Carlos França e os irmãos Bettencourt, Aires Kopke abraça o campo da medicina colonial, que desvenda ao Mundo mundos novos sob a égide de Patrick Manson o Ronald Ross, dos malariologistas italianos e do grande Laveran.
Estou a vê-lo no seu modesto gabinete na Junqueira, ensinando os seus alunos com uma tenacidade de lutador que não desanima, com um método e disciplina científicos que constituíram o grande segredo do seu triunfo. Tenho o orgulho de ter sido seu discípulo. E em mim, como em muitos mais, o ensino de Aires Kopke conseguiu infundir, mais do que a sua ciência, o rigor da sua técnica e a sede da investigação científica, que tem dado à patologia e à parasitologia páginas novas para benefício do Mundo e, notavelmente, das populações coloniais e que foram inspiradas em trabalhos de médicos portugueses discípulos do mestre Aires Kopke.
O reflexo que esse ensino teve desde logo na gestão da política ultramarina fica acima de todo o elogio. Ele realizou plenamente a visão que bem mais tarde sonharam Gallieni em Madagáscar e o marechal Lyautey em Marrocos. E esse trabalho foi levado a cabo num modesto gabinete da Escola de Medicina Tropical, na Junqueira !
Aires Kopke viveu a vida dos sábios da antiguidade: formou escola, plantou a semente da investigação científica na alma dos seus alunos, escreveu livros que mereceram o aplauso dos seus confrades dos mais notáveis em patologia tropical e criou muitos filhos, porque os seus filhos somos todos nós, os médicos coloniais, que cantaremos perante nacionais e estrangeiros a vida de ciência, de labor e de virtude que caracterizaram o grande mestre que foi Aires Kopke.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Madeira Pinto: - Na sessão desta Assembleia de 6 de Fevereiro do ano passado tive ensejo de solicitar a atenção do Governo para a crise que já então atravessava a indústria do sal marinho, mais antiga no continente português cio que a própria nacionalidade, e para a instante necessidade cie promover a sua organização económica, naturalmente em moldes corporativos, como, aliás, era e é desejo dos que a ela se dedicam.
A indústria do sal marinho viveu sempre, tem de viver, da exportação, natural saída para o excedente do consumo nacional. Mormente a partir da última guerra fecharam-se-lhe os mercados externos e a desorganização da economia mundial não tem permitido o seu restabelecimento na medida desejada.
Em 1944 mais de metade da produção salineira do País ficou nas eiras das marinhas. A essa existência juntou-se a colheita de 1945, e esta mesma não pôde ser toda recolhida, em muitos centros produtores, por falta de lugar onde armazenar o sal, sabido como é que não é normalmente conservado, de safra a safra, em serras ou moitões ao ar livre, que se cobrem de palha--carga ou de junca para o livrar das chuvas.
Perante o clamor dos interessados, em meados de 1945 o Governo mandou proceder ao estudo do problema. O presidente da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos percorreu todos os salgados do País; tomou conhecimento das condições de funcionamento da indústria salineira, dos capitais nela investidos, do volume da produção, da população operária que dela vive, dos encargos, dos preços correntes da mercadoria.
Convocou-se depois uma reunião magna dos produtores do sal marinho e -coisa muito de registar- verificou-se que todos estavam de acordo e que todos desejavam se promovesse, no mais curto prazo possível, a organização da indústria, bastas vezes reclamada.
Contra o que era de esperar, porém, as legítimas aspirações dos salineiros não foram satisfeitas; nenhumas medidas se tomaram superiormente que conduzissem à organização da indústria, tão desejada e tão necessária para a defesa dos interesses comuns e da própria economia nacional. Sobreveio o desanimo, aumentou a desorientação.
E logo certos organismos ligados à organização corporativa - um do sector das mercearias, outro do sector do bacalhau- se aproveitaram do estado de depressão dos salineiros para agravar as suas dificuldades. Abandonando o sistema de compras directas aos seus antigos e normais fornecedores, valendo-se do verdadeiro espado de necessidade dos produtores de sal, derivaram para o sistema de abastecimento por concurso público.
Perante a ânsia da colocação do produto, que a situação facilmente explicava, os preços desceram para nível de ruína.
De novo os produtores de sal apelaram para o Governo para que se acudisse à crise, para que se travasse a desorientação, para que se fixassem os preços. E ainda desta vez não foram atendidos. Tudo continuou como dantes.
E, porque muitas vezes um mal não vem só, eis que ao entrar o ano corrente, nova inquietação veio afligir os industriais de sal marinho. Não bastava que a exportação continuasse praticamente parada, que a organização do respectivo sector continuasse descurada, que a desorientação continuasse a imperar, que os prejuízos seguissem em progressão crescente. Não bastava. A agravar estes males, outro se divisa já, que traz os interessados presos da mais viva inquietação.
Dela me faço porta-voz nesta Assembleia, porque estão em jogo, não só os interesses da economia nacional, mas também os de um grande centro produtor e exportador de sal - o do distrito de Setúbal -, cujo círculo eleitoral tenho a honra de representar nesta Câmara.
Que se passa então? Em princípios de Janeiro último a Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, do Ministério da Economia, tornou público, por éditos, que certa empresa industrial havia requerido a concessão de nada menos do que doze minas de sal-gema: três na freguesia de Parceiros, do concelho de Leiria; seis na freguesia de S. Pedro, do concelho de Óbidos, e três na freguesia da Tornada, do concelho das Caldas da Rainha.
Em Portugal nunca se exploraram depósitos de sal-gema; todo o sal é obtido por evaporação, ao ar livre, de massas aquosas provindas do mar.
O sal-gema, sal de rocha ou sal de mina, encontra-se em terrenos sedimentares, formando por vezes jazigos de grande volume, e provém quase sempre da evaporação de grandes massas de água salgada que em re-

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cuadas épocas da vida do Globo cobriam vastas extensões.
Localizam-se, no dizer dos geólogos, principalmente no andar saliferiano do período triásico Da era secundária e ainda em formações da era terciária.
Em Portugal regista-se a presença de uma grande-bacia salífera na zona, de configuração trapezoidal, limitada, ao norte pelo paraledo de Monte Redondo, a 20 quilómetros de Leiria, a sul pelo de Torres Vedras, a nascente pelo meridiano que passa por Leiria e w poente pela costa atlântica.
Pelos índices geológicos há fortes presunções de que trata - assim o entende o distinto engenheiro Vieira de Sá - de um jazigo importantíssimo, talvez semelhante aos mais poderosos que se conhecem na Europa, sendo precisamente na região de Óbidos, onde se localizam seis das minas a cuja concessão me referi, que a camada salífera quase aflora.
De modo que se está, verosimilmente, em presença de matéria-prima abundantíssima de fácil exploração e a que a utilização de máquinas assegurará um baixo preço de custo e um ritmo de produção aceleradíssimo.
Ali não haverá, como nas marinhas, que esperar, de um ano a outro, que as águas-mães dos meios ou dos talhos se evaporem sob a acção do calor solar; que o marnoto ou salineiro embarache o sal; que os carregadores o levem a cabeça para as eiras ou muros; que o serreiro o emede; que outros trabalhadores o carreguem, o transportem, o badeiem, o estivem; não haverá que correr o risco da boa ou má safra; que arcar com as despesas de preparação e conservação das marinhas e com os demais encargos inerentes.
Não. Ali, na mina, tudo será simples, barato e rápido. Bastará recolher o sal já armazenado e vendê-lo. Que incalculável diferença! ... Onde, para o sal das marinhas, se empregam milhares de braços, desde que as águas entram nos viveiros até que o produto chega aos centros consumidores, para o sal-gema tudo se resolverá, pode dizer-se, com meia dúzia de máquinas e três dúzias de homens.
Perante a expectativa de uma concorrência que se estabelecerá nas desigualíssimas condições que ficam esboçadas, como não há-de estar alarmada a indústria salineira por excelência? Coeva dos alvores da nacionalidade e de mais além ainda; abarcando marinhas que se estendem do baixo Vouga ao litoral do Algarve, cujo valor se pode computar sem exagero em 200:000 contos; utilizando capitais de exploração que orçam por 25:000 contos; produzindo em média, por ano, 270:000 toneladas de sal; empregando nas safras 15:000 operários e nos períodos intermédios mais de 1:000; pagando ao Estado impostos que excedem 3:000 contos - há-de a indústria do sal marinha, já tão experimentada pela crise, ser esmagada, arruinada, pela concorrência do sal-gema?
Ao lembrar-me dos milhares de pessoas que seriam atingidas por tão grande catástrofe, não posso deixar de assinalar os muitos desprotegidos da fortuna que são socorridos por Misericórdias, como as de Alcochete e de Faro, que têm no rendimento de marinhas próprias a única ou a mais importante fonte de receitas para o bem-fazer que distribuem.
Os jazigos mineiros são pertença do Estado, a quem compete, como prescreve o artigo 1.° do decreto-lei n.° 29:7.25, de 28 de Junho de 1939, subordinar a utilização do potencial mineiro aos interesses superiores da economia nacional.
Estou certo de que o Governo há-de considerar o problema e há-de resolvê-lo com justiça, não consentindo que a indústria do sal marinho, que tantos prejuízos tem sofrido, venha a ser definitivamente liquidada.
O novo Ministro da Economia, Sr. engenheiro Daniel Barbosa, que, com uma coragem digna de todo o encómio, tem já dado solução a muitos dos problemas que assoberbam a sua pasta - e a quem me é muito grato apresentar aqui as minhas melhores homenagens - certamente dispensará ao assunto a atenção e o carinho que ele merece.
E ao mesmo Exmo. Ministro peço que, com a urgência que a situação requer, atenda as justas pretensões dos salineiros, no sentido de ser dada à sua indústria a organização que há tanto vem solicitando.
Aimé Girard escrevia em 1872 que a natureza concedera à costa do continente português uma situação privilegiada para o fabrico do sal marinho; que os salineiros lusitanos dispunham de uma habilidade incomparável, fruto da experiência multi-secular. Acrescentava Girard que, mercê de processos característicos, quiçá inimitáveis em outros países, e mercê daquelas circunstâncias, se havia criado em Portugal uma indústria salineira poderosa, perfeitamente organizada, de que o comércio fizera um precioso instrumento de riqueza.
Sessenta e dois anos depois o engenheiro químico Charles Lepierre, que foi distinto professor do nosso Instituto Superior Técnico e a quem se deve o notável inquérito sobre a Indústria do Sal em Portugal, tinha ensejo de registar que aquela brilhante situação da indústria salineira mudara completamente; e escrevia em 1930: «Como consequência do individualismo que impera e se observa em mais ramos da produção e da indústria portuguesa, a salicultura vive, a bem dizer, sem rumo definido, por falta de organização geral. Cada um trabalha por si; conta consigo mesmo sem se importar com o vizinho, não querendo compreender que da comunhão de esforços de todos resultariam benefícios para a colectividade salineira, quer para o seu comércio interno, quer externo. É indispensável criar e desenvolver no produtor de sal o espírito associativo, o espírito corporativista».
Em 1935 uma comissão de interessados da região do Aveiro pedia ao Governo a criação do Grémio dos Produtores de Sal da Ria de Aveiro, pedido que não me consta tivesse tido seguimento.
E recorda-se com saudade, ao menos pela magnífica acção que exerceu na economia do produto, a Roda do Sal, criada pelo cardeal D. Henrique em 1578, organizada definitivamente par alvará de 26 de Julho de 1646 do Senhor Rei D. João IV e ingloriamente extinta, em momento de infeliz inspiração, por decreto de 5 de Agosto de 1852 do grande Fontes, então Ministro da Fazenda.
Hoje, que todos os interessados anseiam pela organização técnica e económica da indústria do sal marinho, porque se espera? Porque se não cria o Instituto do Sal?
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente pura secundar as brilhantes considerações que acaba de fazer o ilustre Deputado Dr. Madeira Pinto.
Represento nesta Assembleia um círculo onde a indústria do sal marinho é das mais importantes e na qual são aplicados milhares de braços de humildes e dedicados trabalhadores de ambos os sexos. Como o Sr. Deputado Madeira Pinto, eu estou persuadido de que a concessão das explorações de sal-gema, ou mineral, que se pretende obter do Governo, vai afectar de uma maneira ruinosa e irremediável aquela importante indústria tradi-

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cional, secular, dispersa pela nossa costa, especialmente desde Aveiro até ao Algarve, e onde estão investidos elevados capitais. E, em muitos casos, as marinhas constituem um pequeno património de pessoas pouco mais do que remediadas.
Pelo exposto, chamo também a atenção do Governo para o assunto, certo de que saberá impedir a ruína desta indústria e, portanto, a miséria de milhares, muitos milhares de trabalhadores.
Tenho dito.

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: noticiaram os jornais que, sob a presidência de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, se reuniu uma comissão de altos funcionários coloniais para tratar das providências a adoptar no sentido de minorar a crise de Cabo Verde.
Era já minha intenção pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, antes do encerramento da sessão legislativa, me concedesse a palavra, por alguns minutos, a fim de solicitar a atenção do Governo para a angustiosa situação em que se encontra a colónia de Cabo Verde.
A notícia publicada não me levou a desistir do propósito em que estava, antes fortaleceu a minha convicção de que é dever do representante da colónia dizer o que pensa das medidas a adoptar.
Por menos valiosa que seja a minha opinião, não poderá deixar de ser tomada como a opinião de uma pessoa que nasceu em Cabo Verde, ali tem vivido, ali tem os seus interesses, de uma pessoa que à sua terra tem dedicado tanto amor que só a isso deve, certamente, ter sido escolhido para a representar nesta Assembleia.
Sr. Presidente: por um desses caprichos inexplicáveis da natureza, as ilhas de Cabo Verde têm naquilo que, bem aproveitado, poderá ser a sua maior riqueza - a situação geográfica - a fonte da sua constante amargura e preocupações.
É ela, ao que parece, a causa principal da falta e irregularidade das chuvas.
Favorecida, talvez, por circunstâncias provenientes da acção daninha dos homens, a Natureza tem-se mostrado para Cabo Verde cada vez mais avara em chuvas e periodicamente as crises vitimam a sua população, espalhando pelas ilhas a fome e a morte.
Nos momentos agudos, todos se apavoram, improvizam-se medidas que nunca chegam a tempo de evitar alguns milhares de mortes, mas, mal deixam de se ouvir os clamores das vítimas, cessa imediatamente a acção dos dirigentes, para só acordar quando, de novo, o espectro da fome se avizinha.
Esse tem sido o problema cruciante de Cabo Verde.
Mal que se não cura e apenas se ilude, porque se tem adoptado uma terapêutica errada, combatendo somente os sintomas ou efeitos, quando se impunha uma medicação etiológica, indo às causas do mal, procurando eliminar as condições que o favorecem e atenuar, previdentemente, as suas funestas consequências.
O mal tem sido basear a economia da colónia na agricultura, sem dar a esta condições de vida estável.
Impõem-se, portanto, duas ordens distintas de medidas: umas, para ocorrer aos efeitos imediatos da crise; outras, para prevenir as crises futuras.
Quanto àquelas, importa:
1.° Assegurar o abastecimento dos géneros de 1.ª necessidade, nomeadamente o milho, o açúcar, o feijão, a banha e o arroz;
2.° Abrir trabalhos públicos que empreguem o maior número de braços, que não exijam especialização e que se estendam pelas regiões de maior população, estando particularmente indicados; os trabalhos de abertura de estradas, aliás tão necessárias ao desenvolvimento económico do arquipélago;
3.° Alargar a assistência prestada aos que não podem trabalhar, já que o seu número deve ter aumentado por virtude da crise.
Abastecidas as ilhas, garantido o trabalho e assistidos os necessitados, estão tomadas as medidas de ocasião.
Mais complexas são, todavia, as providências do segundo grupo, pois dizem respeito à estrutura económica do arquipélago, exigem o dispêndio de quantias que excedem os recursos próprios da colónia e demandam a elaboração de um plano de fomento que, uma vez adoptado, não fique à mercê dos caprichos ou da fantasia de quem tenha de presidir à sua execução.
Têm-se apontado como principais medidas desse género a arborização do arquipélago e a realização de certas obras de hidráulica agrícola, conducentes a um melhor aproveitamento das águas.
São, efectivamente, dois pontos fundamentais a considerar, cumprindo, porém, desde logo ter em couta que não constituem uma finalidade, mas simples meios de conseguirmos o nosso objectivo, que é dar à colónia uma economia estável, que só poderemos realizar estabelecendo o indispensável equilíbrio entre as duas riquezas que a Natureza lhe proporciona: a cultura da terra e o aproveitamento do porto Grande de S. Vicente.
É incontestável que importa promover a arborização das ilhas, procurando assim melhorar o regime das chuvas e, ao mesmo tempo, criar uma riqueza para a colónia.
Seria injustiça não mencionar que muito se tem trabalhado em tal sentido nos últimos anos, ainda que nos falte a competência necessária para avaliar da orientação e da eficiência do trabalho realizado.
É também evidente que se deve procurar um melhor aproveitamento das águas existentes, pesquisando-as e utilizando-as, de forma a aumentar a área do regadio.
Alguma coisa se tem feito também nesse sentido.
Ocorre, porém, perguntar: ficará desse modo resolvido o problema de Cabo Verde ou mesmo o problema de algumas das suas ilhas?
Não nos parece.
A arborização, sendo, sem dúvida, necessária e urgente, não constitui por si a solução. Deve antes ser olhada como um meio de correcção do regime das chuvas e de defesa do solo, que a erosão reduziu a um lamentável estado de desgaste e empobrecimento. Como riqueza propriamente dita, para constituir a base da economia das ilhas, a sua acção não poderá deixar de ser considerada longínqua e, portanto, muito duvidosa.
O alargamento da área irrigada, inquestionavelmente benéfico, também não resolve por si o problema, sobretudo porque há-de ser forçosamente limitado.
Depois, ainda que os terrenos conquistados para o regadio fossem distribuídos pelas famílias necessitadas, não se encontrariam estas em condições de promover o seu aproveitamento, pois lhes faltam os recursos financeiros para preparar o terreno, fazer as sementeiras e manter-se enquanto esperam pela colheita. E, feita esta, teriam de procurar a colocação dos produtos que excedessem o seu próprio consumo.
Para isso tornam-se necessárias, indispensáveis, as estradas, como necessário é o arranjo dos pequenos portos de cabotagem, pois sucede que nessas ilhas, flageladas pela fome, os agricultores se têm visto muita vez embaraçados com os produtos, que não podem colocar pela dificuldade e carestia dos transportes provenientes da deficiência das comunicações.
Também será conveniente que se não desanimem os produtores com tabelamentos injustificados, como sucedeu em relação a alguns produtos hortícolas cuja plantação, intensificada durante a permanência das forças

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expedicionárias, logo decaiu por virtude de um tabelamento que lhes atribuía, preço inferior àquele por que são vendidos no Funchal e em Lisboa.
Por outro lado, para que os produtos agrícolas tenham colocação, será necessário que se habilite a população a adquiri-los, isto é, que se lhe crie poder de compra, e, sobretudo, que se não perca de vista que o grande escoadouro da produção de Cabo Verde é o porto de S. Vicente.
Em minha opinião, Sr. Presidente, o grande erro tem sido fecharmos os olhos a esta realidade: o porto de S. Vicente foi, nos últimos oitenta anos, e continua ainda a ser a base de toda a economia do arquipélago. E o desprezo das realidades gera quase sempre o fracasso. Constitui tarefa difícil e arriscada pretender transformar de um momento para outro a economia de qualquer país.
Abandonar uma riqueza existente em mira de outras, duvidosas, só porque aquela se nos afigura em via de decadência, parece-nos insensato e perigoso.
Cumpre primeiro averiguar até que ponto são justificáveis tais receios e, depois, se se confirmarem, procurar evitar essa decadência ou atenuar os seus efeitos, ainda, que buscando adquirir outros pontos de apoio, para o caso de aquela se verificar fatal e irremediável. Ora, quanto ao porto de S. Vicente, a atitude adoptada tem sido precisamente a oposta. Nada se tem feito para o valorizar.
Para dar uma ideia da sua importância na vida de Cabo Verde, bastará dizer que mais de metade da receita global da colónia se produz na ilha de S. Vicente. É certo que não é isso que se conclui da consulta desprevenida das estatísticas; mas convém saber que a receita mais avultada - a das taxas telegráficas, proveniente da amarração dos cabos submarinos na ilha de S. Vicente - figura (certamente com razão) como cobrada na Praia, que, sendo a capital da colónia, centraliza os serviços de contabilização.
Pondo de parte essa receita, que, embora provindo de S. Vicente, se não relaciona directamente com o porto Grande, ao contrário de tudo o mais que diz respeito a essa ilha, verificamos, pelo Anuário Estatístico de 1943, o último publicado, que, do saldo de 17:756 contos da receita global, correspondem a S. Vicente 6:800 contos, ou seja mais de 38 por cento.
Isto no ano em que o «porto, por virtude da guerra, teve o seu mais diminuto movimento, registando-se apenas a entrada de noventa navios de longo curso, que costumam ser às centenas e, muita vez, mais de mil, e rendendo os direitos de importação de combustíveis apenas 182 contos, quando se contam, em regra, por mais de um milhar.
Ora quem conheça, ainda que mal, mesmo só de visita, a ilha de S. Vicente sabe que a sua vida é único e exclusivamente a que lhe dá o porto.
E quem conheça regularmente Cabo Verde sabe que S. Vicente é o principal mercado das ilhas de Santo Antão e de S. Nicolau e mercado importantíssimo dos produtos agro-pecuários da ilha de Santiago.
Significa isso que a prosperidade de S. Vicente arrasta a das outras ilhas e (pé a sua decadência se reflecte na economia das restantes.
Isso é evidente. Não admite contestação. O que é necessário, portanto, é defender o porto de S. Vicente, «principal instrumento da economia de toda a «província de Cabo Verde», na frase do ilustre colonialista general João ide Almeida, que, em 1925, elaborou no magnífico plano de (melhoramentos para a sua valorização.
Nesse interessantíssimo trabalho, publicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, e que parece ignorado ou injustamente caído no esquecimento, afirma-se
que a decadência, de Cabo Verde é manifesta e alarmante e resulta, sobretudo, da desorientação administrativa, mas também se proclama que a colónia temi condições de vida própria, que, bem aproveitadas, lhe proporcionarão um risonho futuro.
O aproveitamento do magnífico porto de S. Vicente, cuja situação privilegiada, no cruzamento das linhas de navegação entre a Europa e a América do Sul, a Europa e a África do Sul, o, América do Norte e a África do Sul, além de lhe outorgar uma posição militar de excepcional importância, o indica como o melhor porto de reabastecimento, (permitirá a criação de um entreposto comercial e marítimo dos primeiros do Atlântico.
Já passaram mais de vinte anos depois que essa verdade foi afirmada por quem se não podia tomar suspeito de atitudes bairristas e a situação ainda se mantém, ou, antes, muito se agravou, pois, nesta era de velocidade e de dinamismo que vivemos, não marchar implica uni duplo atraso, já que os outros, mais avisados, «continuam caminhando e progredindo.
E, enquanto o porto de S. Vicente só tem que envergonhar-se da sua «pobreza franciscana, sem uma ponte de desembarque e de descarga em condições, os portos rivais de Lãs Palmas e de Dakar progridem de forma maravilhosa, com a ampliação dos seus cais acostáveis e das suas docas.
Não me atrevo a fazer o comentário que esta situação sugere, porque ele repugna à minha consciência de patriota.
E, contudo, Sr. Presidente, o porto de S. Vicente, como que alheio à indiferença e ao desprezo a que é votado, continua a despejar ouro para os cofres da colónia.
Em 1946 foi ele, depois do de Lisboa, o porto nacional que maior movimento de navegação teve. Registou a entrada de 826 navios de longo curso e só o rendimento dos direitos do carvão e óleos combustíveis ascendeu a mais de 3:400 contos!
Isto, Sr. Presidente, sem contar com o incremento da contribuição industrial e das outras receitais a que tal movimento deu lugar.
Já em 1935, num pequeno trabalho que, como presidente da delegação de Cabo Verde à I Conferência Económica do Império Colonial, então apresentei, afirmava eu:

O porto Grande, pela sua situação e excepcionais condições de amplitude e tranquilidade, constitui uma das maiores «riquezas do Império Colonial Português.
Quase exclusivamente à sua volta tem girado, desde os meados do século passado, a economia e o, vida financeira de Cabo Verde; e, não obstante a sua notável e progressiva decadência, ainda hoje temos de o considerar a mais importante fonte de receitas da colónia, constituindo o seu progresso e conveniente apetrechamento condição indispensável para o perfeito desenvolvimento da economia de Cabo Verde.
Uma política de valorização económica do Império não poderá, pois, deixar de atender à situação do porto Grande. Esquecê-lo seria desprezar uma parcela importante do Império, contrariar os princípios de solidariedade, bem definidos no Acto Colonial, e até - porque não dizê-lo? - comprometer o brio nacional pelo confronto com a obra formidável que os respectivos Governos têm levado a cabo nos portos estrangeiros rivais, aliás de condições naturais notavelmente inferiores. Trata-se de uma obra de inegável interesse nacional. O bom nome de que gozamos como país colonizados não

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ficaria intacto se acaso a imprevidência ou o desleixo nos levassem a deixar perder uma riqueza natural que, com «pequeno sacrifício, se tornará largamente produtiva.

É verdade, Sr. Presidente, que há quem objecte que o porto de S. Vicente é um simples porto de escala e, como tal, condenado a ser abandonado pela navegação e que, não apresentando Cabo Verde uma produção que garantia razoável exportação, se não justifica o dispêndio de quantia avultada no seu apetrechamento com um cais acostável.
Quanto à primeira objecção, cabe responder que os factos não comprovam o pretendido abandono dos portos de escala e, ao contrário, mostram que a necessidade de aumentar a capacidade de carga leva os navios a abastecerem-se durante o percurso, utilizando esses portos.
De resto, tal afirmação, que se apresenta como dogmática, está longe de lograr aceitação geral, pois se vê que a Espanha ainda no ano passado gastou milhões de pesetas com a ampliação dos cais acostáveis de Las Palmas, que continua a ser sobretudo um porto de escala, e no nosso País ainda há poucos, meses uma grande empresa estrangeira pediu licença para se estabelecer em S. Vicente com depósitos de óleos combustíveis, que lhe custarão alguns milhões de escudos, não o fazendo certamente só pelo desejo de minorar a crise de Cabo Verde.
À segunda objecção responderemos que é do desenvolvimento do porto, que virá o aumento da produção e, consequentemente, das exportações, tal como sucedeu nas Canárias. Ali o Governo não esperou pela exportação para construir o porto; foi este que criou as condições favoráveis ao aumento da produção.
É, aliás, o que se afirma no relatório da proposta do Governo sobre o porto de Lisboa, em palavras já por mim citadas nesta Assembleia: que o desenvolvimento de um porto deve sempre preceder o desenvolvimento do tráfego.
Não logram, pois, convencer-nos as razões que se invocam contra o apetrechamento do porto Grande de S. Vicente.
A construção de um cais acostável torna-se cada dia mais imperiosa.
Como se sabe, hoje, a navegação utiliza, na sua maior parte, como combustível, a nafta.
Em S. Vicente tem-se observado depois da guerra que de cada dez barcos que ali aportam nove consomem nafta e apenas um carvão.
Ora, para os portos do Médio Atlântico a nafta é fornecida pela América Central, o que torna a posição de S. Vicente particularmente favorável. S. Vicente está a 2:570 milhas de Curaçao e 2:630 de Aruba, enquanto os portos das Canárias e Dakar estão a mais de 3:000 milhas desses portos abastecedores.
«Significa isso que enquanto um petroleiro faz para S. Vicente a viagem de ida e volta em vinte dias, pura Dakar, Las Palmas ou Tenerife gasta vinte c quatro dias, pelo monos.
Essa diferença, que é de considerar, deveria influir no preço do combustível.
Tal não sucede, porém.
Porquê?
Porque, ao passo que naqueles portos o petroleiro atraca e em horas se liberta do seu carregamento total, em S. Vicente é obrigado a uma estadia longa, às vezes de uma semana, porque a descarga se faz para batelões, que, por sua vez, levam a nafta para os depósitos em terra, tornando a descarga morosa, mais cara e porventura mais sujeita a quebras.
Perdemos, assim, por falta de um cais acostável, toda n vantagem da nossa posição geográfica.
Da mesma forma, um navio que queira fazer um abastecimento superior a 1:000 toneladas perde muito tempo com o processo actualmente adoptado.
Há, pois, que dotar o porto de S. Vicente dos necessários aperfeiçoamentos.
A colónia é pobre e não pode fazê-lo com os reuni sós próprios.
Se estivesse ligada administrativamente à metrópole, como as ilhas adjacentes, de há muito teria sido beneficiada com o plano dos melhoramentos portuários. Mas, na situação de colónia, com uma economia e vida financeira autónomas, não tem podido e dificilmente poderá um dia valorizar a sua maior riqueza
não se trata, porém, de uma simples obra de interesse local. Trata-se de um melhoramento de interesso nacional, de uma obra que diz respeito à própria defesa do País.
Não é, pois, apenas o brio nacional que está em jogo. Não é somente a vergonha de deixarmos perder ou inutilizar-se unia riqueza natural. É o próprio interesse da Nação que exige o apetrechamento do porto de S. Vicente.
Como Deputado por Cabo Verde, não posso deixar do me congratular com o facto de estar o Ministério das Colónias entregue a quem conhece bem o arquipélago e tem sobre as suas necessidades uma opinião formada.
S. Exa., em cuja acção os caboverdianos confiam, afirmava, num parecer dado há poucos anos sobre o projecto de orçamento de Cabo Verde, ser necessário:

1) Que se proceda à elaboração e execução urgente de um plano de fomento, ao qual, depois de aprovado pela metrópole, deverá consagrar-se a verba anual da despesa extraordinária prevista pelos decretos n.08 16:688 e 17:497, o fundo de reserva da colónia, de 8:671 contos, e os 25 por cento das taxas terminais, que, presentemente, a metrópole ainda recebe.
2) Que nesse plano deverão ser incluídas as providências necessárias à valorização do porto de S. Vicente, quer sobre a modalidade da concorrência de preços do carvão e óleos com os de Dakar e Tenerife, quer sob o aspecto de execução de obras, de resto já estudadas, e de cuja execução depende que ele adquira a importância militar e comercial a que lhe dá direito a sua situação geográfica.

Possa S. Ex.ª realizar os votos que então formulou.
Irá, assim, ao encontro dos desejos de toda a população de Cabo Verde, que não quer viver de esmolas o só anseia por obter condições de trabalho e vida honesta, e terá prestado ao País mais um grande e relevante serviço.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei n.° 153, acerca do imposto sobre sucessões e doações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: por alturas de 1927 foram os estudos do nosso regime tributário levados a cabo por uma «douta comissão, cujo notável

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relatório é, ainda hoje, fonte de luminosos ensinamentos.
Recordo-me que, nessa altura, num quarto do velho Hotel Aliança, ao Chiado, alguns elementos dessa comissão discutiam a isenção do imposto sucessório em favor dos descendentes, isenção que, apesar de ser considerada lógica e justa, no entanto foi considerada intempestiva pela voz esclarecida e autorizada de alguém que nesse momento decidia sobre os destinos dessa comissão.
Mais tarde, na sessão de 6 de Fevereiro de 1935, foi apresentado a esta Assembleia um projecto de lei no qual se preconizava também a isenção, em favor dos descendentes legítimos, de todo o imposto sucessório. Mas ainda nessa altura não foi julgada oportuna a declaração de tal isenção de imposto.
Depois os serviços, do Instituto Nacional de Estatística publicaram trabalhos de tal maneira completos que já davam lugar à efectivação de cálculos tendentes à perfeição dos estudos relativos a tal assunto, e foi depois de tais trabalhos que surgiu, por parte do Governo, a proposta da lei de meios para 1946, na qual o Governo se propôs estudar uma reforma do imposto sobre sucessões e doações, isentando daquele imposto as transmissões por título gratuito, incluindo as quotas legitimarias, a favor dos descendentes, até ao limite de 150 contos por cada descendente.
A par destes trabalhos, realizados pelo Ministério das Finanças, a outros trabalhos se procedia, por parte do Ministério da Justiça, tendentes à alteração da forma de remuneração do pessoal judicial.
Não passaram despercebidos aos estudiosos destas matérias tais trabalhos do Ministério da Justiça e, analisada a proposta de lei em discussão e comparada com o que dispôs o § 2.° do artigo 4.° da lei n.° 2:010, de 22 de Dezembro de 1945, alguém poderá querer ver que o Governo ficou aquém das balizas que haviam sido marcadas ou estabelecidas por este referido § 2.°
Será realmente assim, isto é, o Governo com a proposta de lei em discussão haveria ficado aquém das balizas estabelecidas ou, pelo contrário, teria ido para além dessas balizas?
Não tenho a menor dúvida em afirmar que o Governo, estabelecendo isenções totais apenas até 100 contos, e não 150 contos, foi, no entanto, bastante mais além do que aquele § 2." estabelecia, visto que, tendo em consideração os pequenos patrimónios, tratou nesta proposta de lei, e muito bem, não só do imposto sobre sucessões e doações, mas também das custas dos inventários orfanológicos, isentando-os na sua grande parte. E peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara para repetir o «Aqui d-el-rei!» que aqui proferi em sessão de 12 de Dezembro de 1945, mostrando que ainda havia casos de inventários orfanológicos em que a acção tutelar do Estado custava a uma viúva mais de 70 por cento e a cada filho mais de 8T por cento daquilo que recebiam, e a este meu brado de t Aqui del-rei!» respondeu a audaciosa e justa atitude do Sr. Ministro da Justiça, ao qual não posso deixar de dirigir o mais caloroso aplauso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que desde há muito tempo, desde os bancos da escola, me tinha acostumado a ouvir, quer ao povo em geral, quer até a um sábio professor que já ocupou, e brilhantemente, a Presidência desta Assembleia, que um inventário orfanológico era um desastre.
E assim é, de facto, um desastre em seguida a outro desastre; depois da morte do pai ou da mãe a espoliação pela justiça dos filhos e do cônjuge sobrevivo.
Perante as disposições desta proposta de lei quase se chega a pôr a dúvida se é um sonho ou uma realidade aquilo que ela consente.
Ela vem realmente atender a um grande número de casos que até só pela sua generalidade já mereceria voto de louvor.
Bastaria ver o número de descendentes que recebem valores até 100 contos, que são 109:389; os que recebem valores entre 100 e 150 contos, que são 377, e os que recebem valores de mais de 150 contos, que são 715.
Quer dizer: a proposta de lei que se discute vai abranger não só um número muito elevado de contribuintes, mas justamente atender aqueles que mais merecem protecção e amparo.
Mas será, com efeito, absolutamente perfeita esta proposta de lei em discussão?
Tanto não me atrevo a afirmar e creio que algumas observações ela merece.
Em primeiro lugar, esta proposta de lei não trata da revisão do regime do adicionamento a que se refere o § único do artigo 4.° da lei n.° 2:019, a qual estabelece que tal regime do adicionamento será revisto quando entre em vigor a reforma prevista pelo § único do artigo 4.° da lei n.° 2:010, de 22 de Dezembro de 1945, acerca da incidência e prazos de pagamento do imposto sobre doações e sucessões.
Esta proposta de lei não toca na revisão deste malfadado adicionamento.
Já tive ocasião de me referir aqui à incongruência que vejo em tal regime de taxa uniforme, que igualmente é condenado no parecer da douta Câmara Corporativa.
E na realidade é grave a existência desta taxa uniforme, como novamente à face dos números vou demonstrar.
Do Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos de 1945 constam os seguintes dados:
Imposto sobre sucessões e doações liquidado em favor dos descendentes: 41:143 contos de imposto e 31:102 contos de taxa uniforme; em favor de ascendentes: 2:844 contos de imposto e 1:021 contos de taxa uniforme; em favor de cônjuges: 12:918 contos de imposto e 4:450 contos de taxa uniforme; em favor de irmãos: 12:021 contos de imposto e 3:119 contos de taxa uniforme; em favor de colaterais até ao 3.° grau: 17:307 contos de imposto e 3:068 de taxa uniforme; finalmente, em favor de estranhos: 29:583 contos de imposto e 3:284 contos de taxa uniforme.
Quer dizer: a sobrecarga com que aguentam os descendentes é de mais de 75 por cento e aquela com que aguentam os estranhos não chega sequer a 12 por cento!
Creio que, em face destes números, se acha demonstrado, de uma maneira evidente, que o regime de taxa uniforme, além de contrário ao regime do nosso direito tributário quanto a imposto sobre sucessões e doações, está muito longe também de estar de acordo com a doutrina que nós defendemos e que está na base de todo o nosso sistema político - a defesa da família.
Há, Sr. Presidente, ainda uma segunda observação que entendo dever fazer à proposta de lei em discussão.
Refiro-me ao pagamento de sisa por tornas.
De todos os factores determinantes da desagregação dos patrimónios familiares eu considero o pagamento da sisa por tornas aquele que mais actua e, sobretudo, que é mais antipático ao povo português.
O contribuinte, embora com sacrifício, reconhece que deve pagar as custas porque vê os respectivos serviços judiciais; reconhece que deve pagar o imposto sucessório, mas na altura em que o Estado, além de lhe exigir esses dois pagamentos, lhe vai exigir ainda a sisa por aqueles prédios com que, para poder realizar unia

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exploração agrícola racional, tem de ficar a mais do seu quinhão, isso é que ele não percebe e que reputa a maior das injustiças.
Pode dizer-se que já tem uma certa tradição o pagamento da sisa por tornas, mas o que é facto é que isso resulta de há muito tempo já se terem fixado na legislação portuguesa princípios exagerada mente individualistas, na o se olhando para as realidades da vida rural e atendendo-se apenas às receitas que há que cobrar e nada mais.
Quase me atreveria - se não fosse ir alterar os estudos feitos pelo Ministério das Finanças - a propor o aditamento de um novo artigo, no qual se estabelecesse que na partilha de heranças em que não caiba ao cônjuge sobrevivo ou a cada descendente do de cujus quota superior àquela de que trata esta proposta de lei, não fossem sujeitos ao pagamento de sisa os actos referidos nos n.ºs 4.° e 10.º do artigo 3.° do regulamento do 23 de Dezembro de 1899.
É certo que poderia, num caso ou noutro, dar-se a fuga de imposto, e então, num § único, diria: se tiver havido cessão do direito e acção à herança, ilíquida e indivisa que não seja em favor do cônjuge sobrevivo, ou de qualquer descendente do de cujus, o adquirente pagará a sisa que então por tais actos, se se verificarem, terá de ser-lhe liquidada.
Relativamente à sisa por tornas, longas considerações poderiam, ser feitas.
O Estado procurou, sobretudo, de há uns anos a esta parte, dar à propriedade rural uma certa largueza que permita uma exploração racional.
O decreto n.° 5:705, de 10 de Maio de 1919, procurou estabelecer até o emparcelamento, mas, como não tocava absolutamente nada na sisa, evidentemente que ficou letra morta, e não conheço caso algum da sua aplicação.
Procurou-se criar o casal de família.
Foi realmente estabelecido, não falando no primitivo decreto n.° 7:032, de 16 de Outubro de 1920, que o instituiu pela primeira vez, pelo decreto n.° 18:551, de 3 de Julho de 1930.
Mas eu pergunto que aplicação prática adveio deste decreto?
Quase sou levado a citar o princípio do Código Civil de que toda a lei que concede um direito deve dar os meios necessários para o seu exercício, e perdoem-me os ilustres jurisconsultos que se encontram nesta sala que eu tenha feito tão rudimentar invocação.
Assim, quer ao emparcelamento, quer ao casal de família decretados, não lhes dando a lei elementos para a sua realização, como dar-lhes viabilidade possível?
Tivemos nas nossas velhas ordenações jurídicas institutos de uma perfeição verdadeiramente notável, mas a fúria iconoclasta dos primeiros tempos do liberalismo destruiu tudo, desejando até que nem sequer ficasse memória de tais institutos.
Não falando já dos morgados, não posso deixar de referir-me, e já uma vez tive ocasião de o fazer nesta Assembleia, àquela lamentável extinção dos prazos de livre nomeação, que numa memória do insuspeito jurisconsulto Correia Teles tão bem foi escalpelizada, e que tão notavelmente foi comentada pelo douto Prof. Dr. Paulo Mereix: «Há muito ainda que fazer no que respeita à terra».
E eu desejaria, até pedir ao Governo que, sendo tão dispersas, e por vezes descabidas, as disposições legais que à terra se referem, procurasse agrupá-las e revê-las por forma a decretar o Estatuto da Terra.
Nesta altura, em que um vento de insânia socializante como pela Europa, é realmente confortante, é altamente honroso para o povo português o poder verificar que o seu Governo organiza e apresenta uma proposta de lei como aquela que se acha em discussão e em que, se nem tudo se faz, muito e muito se caminha- no sentido do verdadeiro interesse nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa duas propostas do alteração - uma do Sr. Deputado Braga da Cruz o outra do Sr. Deputado Melo Machado -, que vão ser lidas à Assembleia.

oram, lidas. São as seguintes:

«Proponho que no final do artigo 1.° se adite: «e sejam quais forem os montantes das transmissões».

O Deputado José Maria Braga da Cruz».

«Proponho que ao artigo 10.° se acrescente o seguinte parágrafo:

Ficam isentos desta taxa os concelhos já cadastrados em que vigorar a taxa de 8,5 por cento, bem como aqueles que vierem a ser incluídos no mesmo regime.
O Deputado Francisco Cardoso de Melo Machado».

O Sr. Presidente: - Acabam de ser recebidas na Mesa umas propostas do Sr. Deputado Botelho Moniz, que V. Ex.ªs vão ouvir ler.

Foram lidas. São as seguintes:

«1) Que se adopte como base de discussão o parecer da Câmara Corporativa;
2) Que a alínea a) do artigo 5.° desse parecer (6.° da proposta de lei) tenha a redacção seguinte:
a) Da isenção de custas e encargos previstos nos n.ºs 2.° a 8.° do artigo 49.° do Código das Custas Judiciais para as meações e porções hereditárias que não excederem 26.000$;

3) Que seja suprimido o § único do mesmo artigo.
4) Que o artigo 7.° do parecer (8.° da proposta de lei) passe a ter a redacção seguinte:

Os emolumentos que os funcionários judiciais deixarem de receber por motivo da isenção de custas prevista no presente diploma, com excepção das que respeitarem a incidentes dos inventários como tais discriminados nos artigos 1439.° a 1443.° do Código de Processo Civil, serão compensados pelo Cofre dos Conservadores, Notários o Funcionários do Justiça.

5) Que o artigo 9.° do parecer (10.° da proposta de lei) passe a ter a redacção seguinte:

É criada a taxa de compensação do imposto sobre sucessões e doações, que incidirá:
a) Na razão de 1 por cento sobre os rendimentos que servirem de base à liquidação da contribuição predial;

b) Na razão de 1 por cento nas transmissões a lavor de ascendentes e na de 3 por cento nas transmissões a favor de colaterais e estranhos, uma e

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outra calculadas sobre os valores que servirem de base à liquidação do respectivo imposto sucessório.

§ 1.° Mantém-se.
§ 2.° Substitui-se pelo seguinte:

Fica o Governo autorizado a rever as duas últimas taxas de compensação e a elevá-las ou reduzi-las conforme for necessário, para se obter o equilíbrio de receitas afectado pela presente lei.

O Sr. Presidente: - Quero prevenir a Assembleia de que a leitura das propostas que acaba de ser feita não envolve qualquer juízo quanto à sua admissão à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: na sessão do 25 de Fevereiro último tive a honra de requerer, e a Assembleia aprovou, que a proposta de lei agora em discussão fosse considerada urgente, a fim do poder ser votada na presente sessão legislativa.
Fundamentei o meu requerimento em razões que o voto unânime da Assembleia mostrou estarem no espírito de todos os Deputados; e, portanto, seria ocioso demonstrá-las e desenvolvê-las nesta emergência, mesmo que o tempo de que dispomos o facilitasse.
Divergências porventura no detalhe e nomeadamente no montante e na incidência da taxa de compensação não afectam o grande mérito do empreendimento há tanto tempo aguardado, e que veio ao encontro do uma aspiração nacional expressa e repetidamente revelada pela Câmara, e traduzida na lei n.° 2:010, de 22 de Dezembro de 1945.
Os Srs. Presidente do Conselho e Ministros da Justiça e das Finanças merecem os nossos calorosos aplausos e a gratidão do País inteiro por motivo da apresentação desta proposta, que fizeram ainda mais ampla e mais generosa do que aquela lei, numa exacta compreensão de um estado de coisas que, sem esforço, podíamos denominar de falência dos pequenos patrimónios, ruína e angústia dos pequenos casais, numa palavra, a ruína e a desagregação da família, que a Constituição considera a célula primária da sociedade e os preceitos fundamentais da moral cristã mandam conservar e defender.
Os homens, mesmo muitos homens da Situação, talvez não o agradeçam, nem saibam medir o valor e a projecção da lei que vamos votar neste epílogo de uma sessão legislativa elevada, brilhante e fecunda. Tão ocupados eles andam nos seus dissídios, no tal «pecado da divisão» de que falou o Chefe da Revolução Nacional!...
Mas as viúvas e os órfãos mal remediados, esses, ao menos, saberão apreciá-lo e agradecê-lo, quando virem que por detrás do espectro da morte não lhe surge o do Estado, privando-os do minguado pão que os sustenta, da roupa que os agasalha, da lareira em que se aquecem. Será com certeza assim. De contrário, restariam, ao menos, ao Governo e à Assembleia Nacional a consciência do dever cumprido e a sua tranquilidade perante Deus.
Conta-se que certo homem, depois de receber modesta herança, se mostrava mais andrajoso, magro c desalentado do que antes; e a um amigo, surpreendido, que lhe falara no que herdou, ele teria respondido:
«Eu não herdei. Quem herdou foi o Estado, foi o tribunal; foram a câmara e outros mais».
«Mas recebeste um prédio, papéis, um jazigo...» - insistiu o outro.
E ele atalhou logo:
«Sim, um jazigo, mas não tenho onde cair morto!...»

Este episódio é quase a expressão do que acontece nas pequenas heranças, especialmente quando sujeitas ao orfanológico.
Aqui frisou-se, e a proposta e o parecer em discussão reconhecem, que as transmissões pouco espaçadas do mesmo património modesto importam, praticamente, a sua extinção total. Quer dizer: jazigo ... só a vala comum.
Sr. Presidente: são três as principais medidas da proposta realçadas no parecer, com a competência e a autoridade que são atributos do seu ilustre relator, e nela perfilhadas com algumas alterações: - isenção total do imposto sobre as sucessões e doações e adicionais (haja inventário ou não) dos bens da herança do mesmo ascendente a favor de descendentes até ao limite de 100 contos por cada interessado; facilidades e alargamento dos prazos para o pagamento do imposto, conforme as circunstâncias; isenção de custas nos inventários orfanológicos quanto às meações e quinhões hereditários dos descendentes completa quando não excederam 25 contos e parcial no excedente até 100 contos.
Disse já no meu requerimento que este simples enunciado é suficiente para demonstrar a importância, o larguíssimo beneficio da medida que vamos votar. Basta repetir que da isenção do imposto apenas nas heranças do valor total de 500;5 se passa para a do valor parcial (cada descendente) de 100 contos; o da isenção de custas nos inventários do valor total de 2.000$ para as de valor parcial (meeiro e cada descendente) de 25 contos, e em parte desde 25 a 100 contos! E que enorme acto de justiça representa incluir o meeiro neste largo benefício! O meeiro, que, afinal, apenas fica com o que já lhe pertencia.
Faça-se o confronto. Veja bem a Assembleia, veja o País o que isto é, o que isto representa, o que em números se traduz numa economia anual superior a 60:000 contos nos pequenos patrimónios familiares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- É preciso divulgá-lo por intermédio dós organismos apropriados oficiais e políticos, o, pela imprensa o pela palavra, fazer constar que ó ao Governo de Salazar que os pequenos patrimónios familiares devem a sua manutenção íntegra, pela supressão de um imposto que não fora herança da Monarquia, mas sim criado pela República em pleno domínio demagógico, no famoso decreto de 25 de Maio de 1911, que, pela primeira vez, sujeitou ao imposto sucessório (então contribuição de registo) os descendentes dos autores da herança.
O tempo que devo ocupar não me permite aprofundar o problema deste imposto e nomeadamente referir-me com detalhe às nobres e brilhantes afirmações aqui produzidas, quando nos ocupámos daquela lei n.° 2:010, entre outros, poios ilustres Deputados Alberto de Araújo na defesa calorosa das classes e das famílias médias, a que não pactuam com a anarquia que lhes nega a paz, nem com a desordem que lhes não permite o trabalho», Braga da Cruz sintetizando o seu pensamento numa douta e expressiva moção de ordem, e Bustorff da Silva, sempre sugestivo e vibrante, reclamando ao menos a isenção das heranças inferiores a 500 contos ou mesmo a 1:000.
E, em referência às custas nos inventários, ou daria o merecido realço, por exemplo, à forma como, na sessão do 18 de Janeiro do ano passado, o Dr. Cerveira Pinto reclamou a sua isenção, até certos limites. E reconhecendo o próprio relatório da proposta que, segundo os dados estatísticos, os encargos dos inventários orfanológicos se elevam muitas vezes a mais do dobro do imposto sucessório, está dito tudo, absolutamente tudo

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o necessário para justificar o nosso voto e o nosso aplauso caloroso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como se fazia mister, na proposta não foi esquecida a compensação dos funcionários de justiça pêlos emolumentos perdidos por motivo daquela isenção de custas. Fá-lo pelo melhor processo.
E, nesta oportunidade em que deles me ocupo, não é impertinência chamar novamente a atenção dos Srs. Ministros das Finanças e da Justiça para a precária situação em que se encontram a magistratura e alguns dos funcionários de justiça, uns não beneficiados e outros prejudicados pelo recente decreto, conforme se depreende de casos que têm chegado ao nosso conhecimento. O problema é mais grave e urgente do que à primeira vista possa parecer aos que o conheçam superficialmente.
Resta-me uma referência, rápida também, à taxa de compensação. É o reverso da medalha.
Mas o Governo não fez mais do que, quanto ao imposto sucessório, seguir a indicação da Assembleia Nacional, dada na mencionada lei, no sentido de se estabelecer a contrapartida em outras contribuições e impostos. E francamente, meus senhores, quem há que recuse ou de má vontade dê um mínimo de contributo para esta obra de alcance social profundo - ia a dizer autêntica obra de beneficência. Não é esmola; é dever. Mas se esmola fosse, teríamos de lembrar que, em muitos casos, os necessitados não são apenas os pobres de pedir.
Este assunto deve estar devidamente estudado pelo Sr. Ministro das Finanças e não poderemos ir contra os cálculos oficiais. Por isso voto a proposta do Governo e o que vou dizer representa apenas sugestão para que sejam feitos novos cálculos com outras bases de incidência, a considerar na próxima lei de meios.
A proposta criava uma taxa de 1,5 por centro sobre os rendimentos que sorvem do base à contribuição predial; mas a Câmara Corporativa, que classifica de pessimistas as previsões do Governo, redu-la a 1 por cento. Propõe-se também a taxa de 2 por cento sobre os rendimentos que servirem de base a outros impostos.
Embora seja certo que os pequenos patrimónios que levemente sofrem aquela taxa vêm, geralmente, a ter larga compensação nas referidas isenções do imposto sucessório e de custas, eu, perfilhando a opinião do Dr. Bustorff da Silva manifestada na sessão de 13 de Dezembro de 1945, substituiria aquele adicional por um pequeno aumento nas taxas do imposto sucessório das heranças de maior vulto. Felizmente, ainda estamos longe de países modelares, de grandes potências, onde em duas transmissões o Estado absorve todo o património, ou para ele revertem no total os rendimentos superiores a certos limites.
Não podemos esquecer de que enquanto, pela força das circunstâncias e de erros do passado, for necessário manter as actuais restrições sobre os rendimentos da propriedade urbana, não é justo, e é mesmo em certos casos impossível, o agravamento da contribuição predial, por mínimo que seja. É corto que os senhorios podem cobrar dos inquilinos este acréscimo; mas, em última análise, o encargo virá a pesar sobre aqueles, porque diminuem as possibilidades destes para o aumento de rendas.
É indispensável a taxa sobre o rendimento predial? Então, para obter o que dai se espera, devia o Governo ir buscá-lo aos novos prédios caros e luxuosos e de rendas exorbitantes, naquilo que exceda a retribuição justa do capital empregado, e, quando muito, aos prédios de rendas actualizadas. Lembremo-nos também dos lucros fabulosos de alguns dos que constróem só para vender.
Com as restrições apontadas, dou o meu aplauso ao pensamento que o ilustre Deputado Braga da Cruz reproduziu na sua citada moção: «Não é a família que deve desagregar-se para servir a economia, mas sim a esta que incumbe servir e tornar integralmente possível a função primordial da família».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Estão ainda inscritos para usar da palavra neste debate os Srs. Deputados Bustorff da Silva o Botelho Moniz, mas, como estamos perto da hora de encerrar a sessão, vou fazê-lo.
A próxima será amanhã às 10 horas e 30 minutos e terá por ordem do dia a continuação da discussão desta proposta de lei, sobre sucessões e doações.
Amanhã à tarde haverá outra sessão, que terá por ordem do dia a discussão do relatório geral da comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 48 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
Armando Cândido de Medeiros.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Herculano Amorim Ferreira.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.

Sn. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Pária.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.

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888 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 104

Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Munias Júnior.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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