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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 105
ANO DE 1947 19 DE MARÇO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 105 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.° 103, que contém o parecer, n.° 22, da Câmara, Corporativa à proposta de lei n.° 119, em que se transformou o decreto-lei n.° 36:062, de 27 de Dezembro de 1946 (protecção ao cinema português e criação do Fundo cinematográfico nacional).
SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 8 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães, que elogiou o recente despacho do Ministro da Economia sobre condicionamento industrial; Querubim, Guimarães, que chamou a atenção do Governo para, a necessidade de serem socorridos os proprietários dos terrenos marginais do Vouga, e Mira Galvão, que lembrou a urgência em ser criada a polícia rural.
Ordem do dia. - Discussão na generalidade da proposta do lei acerca do imposto sobre sucessões e doações.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Bustorff da Silva, Botelho Monta e Soares da Fonseca, que encerrou o debata na generalidade.
Depois da discussão, na especialidade, em que intervieram os Srs. Deputados Botelho Moniz, Mário de Figueiredo, Braga da Cruz, Bustorff da Silva e Paulo Cancela de Abreu, foram aprovados, com alterações, os catorze artigos da proposta de lei governamental.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 11 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Rocha Pária.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
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João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Laís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Bamires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 8 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: acabo de regressar do Norte. Durante a minha estada na cidade do Porto publicou a imprensa um despacho do ilustre Ministro da Economia da maior transcendência e uma nota oficiosa de grande oportunidade.
Enfrenta o referido despacho o momentoso problema do condicionamento industrial.
Ordena à Direcção Geral das Indústrias o estudo urgente das actividades nas condições de serem protegidas conforme o preceituado na legislação do condicionamento e cita para o caso as leis n.ºs 1:956 e 2:005 e os decretos n.ºs 27:758 e 28:446.
Não tive agora tempo de ir à nossa biblioteca consultar aquela legislação, mas conheço o critério que a norteou.
Deve esse estudo visar a determinação das indústrias em condições de serem beneficiadas com as providências determinadas por aqueles diplomas para servir de base à elaboração de uma proposta de decreto isentando do condicionamento as que não empreguem meios técnicos actualizados nem disponham da organização conveniente do respectivo trabalho fabril.
Alude-se, particularmente, às indústrias gráfica e do livro, para serem assim estudadas pela Direcção Geral, dizendo-se que, pela sua natureza e condições económicas de exploração, não parece indispensável prever a concentração das respectivas unidades fabris para se obter baixa do preço do custo de produção ou melhoria de qualidade dos produtos.
Faz-se naquele despacho uma afirmação que correspondo a uma voz de comando e que define o critério orientador e o rumo a seguir em tão momentoso assunto no Ministério da Economia:
O regime actual criado por aqueles decretos é, em muitos sectores, um factor de rotina, que se deve evitar, no interesso do País.
Está certo.
Factor de rotina e de estiolamento de iniciativas.
E, além disso, ponto de partida de muitas fantasias monopolistas, que importa reduzir ao que os verdadeiros interesses económicos e, acima de tudo, as necessidades dos consumidores indiquem como conveniente.
Sr. Presidente: em 1931, isto é, na plenitude da crise que então começara a assolar o Mundo, para amparar as indústrias das dificuldades tremendas que dia a dia se iam registando, foi publicado o primeiro decreto sobre condicionamento industrial, pelo qual deixava de ser livre a instalação de novas fábricas, a reabertura das que estivessem fechadas há mais de dois anos e a montagem de maquinismos para aumento de produção, sendo também suspensa a concessão de exclusivos de novas indústrias e novos processos industriais até estudo ulterior.
Mas deixou-se uma válvula aberta às iniciativas, com a seguinte disposição:
Exceptuam-se destas disposições os estabelecimentos industriais que empreguem até cinco operários ou utilizem até 5IIP e ainda todas as indústrias caseiras.
Infelizmente esta válvula, que eu reputara não só prudente, mas absolutamente indispensável para que surgissem novas iniciativas e não viesse a degenerar em fonte de monopólios a referida lei de condicionamento, fechou-se poucas semanas após a minha saída do Governo.
Seguiu-se depois a política das concentrações resultantes da supressão de quantidade de unidades fabris, as quais não tardaram a constituir a génese de miragens monopolistas que, além de contribuírem, como se diz no referido despacho, para alimentar a rotina, estancaram a fonte de iniciativas, determinaram a improdutividade em depósitos bancários de avultados capitais, que vieram a agravar a tão falada inflação, e prejudicaram duplamente os consumidores, privando-os de novas fontes de produção e aumentando a procura do pouco que o mercado oferecia, mercê da maré crescente de disponibilidades que se iam acumulando estèrilmente à falta de colocação reprodutiva.
Sr. Presidente: a política de fomento da produção nacional, nos seus múltiplos sectores não seria, sem possibilidade de qualquer contestação, compatível com exageros de condicionamento como os que tanto contrariaram o trabalho nacional nesta última década e meia.
Mas a verdade é que estamos perante factos consumados e altos interesses em jogo que exigem muito estudo e, ao lado de inflexível energia, a prudência precisa para que, como recentemente afirmou o ilustre Presidente do Conselho, «ao restabelecer uma liberdade saudável, se evite que o remédio não seja pior de sofrer de que o mal que se destina a curar».
É-me grato declarar que as muitas apreciações que ouvi sobre aquele despacho, duma maneira geral, eram
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concordes com a sua indiscutível oportunidade e revelavam confiança no Ministro e nos seus colaboradores, que saberiam encontrar a fórmula conveniente para a razoável defesa de interesses legitimamente criados, mas que garanta ao País, não só aquela liberdade saudável a que, com tanto acerto e inteligência, aludira o prestigioso Presidente do Conselho, mas o estimulo indispensável ao fomento da produção nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: como disse, tive também a satisfação de ler no Porto & seguinte nota oficiosa do Ministério da Economia:
Não tem o menor fundamento a notícia ontem publicada num jornal da tarde de ser autorizada a importação de 2.500:000 litros de vinho estrangeiro.
O Ministério da Economia, além de não ter tido qualquer conhecimento oficial do assunto, já marcou a sua orientação de não achar conveniente que tal autorização seja concedida.
Esta nota teve o condão de sossegar o espírito alarmado dos lavradores, porque já corria ameaçadora notícia de que o vinho que ainda se encontrava nas adegas dos produtores ia sofrer grande baixa de cotação, a qual, a dar-se, não iria beneficiar os consumidores, pois estes continuariam a pagar o vinho pelos preços que actualmente correm, e dos quais, alguns, os dos vinhos engarrafados, não se justificam em muitos casos.
Ouvi ontem o seguinte e muito oportuno comentário: «pode o guloso para o desejoso».
Sim, o guloso, aquele que mais uma vez, pretendendo locupletar-se com o prejuízo dos produtores esperava comprar barato, mas continuaria a vender pelo mais que pudesse.
Referi-me a preços exagerados de vinhos engarrafados.
Imaginem V. Ex.ª que, andando a cotação dos vinhos verdes à volta de 2.000$ os 000 litros, correspondendo, assim, a cerca de 4$ por litro, pedem por 750 gramas de vinho engarrafado entro 15$ e 25£!
Há, é certo, as despesas de engarrafamento e de transporte e o empate de capital. Mas a percentagem do lucro assim realizado excede em muito os limites do razoável.
Por essas e por outras é que os produtores pretendem que os deixem vender directamente ao retalhista ou ao consumidor os seus vinhos, engarrafados ou não, pois chegariam ao mercado de consumo a preços muito inferiores e com a garantia de genuinidade, muitas vezes alterada em consequência de certas lotas que por aí abundam.
Os lavradores não têm apenas do lutar contra as moléstias que perseguem as vinhas o as intempéries que tornam sempre problemáticos e irregularíssimos os resultados das colheitas.
Desde os óbices criados à regular reconstituição dos vinhedos, indispensável para substituir as videiras que os anos vão cansando e as que morrem, à quase proibição do aumento da área cultivada, tais os entraves e demoras resultantes de formalidades burocráticas, o lavrador vem defrontando com a falta ou distribuição irregular de adubos, insecticidas, fungicidas, arame e outros artigos indispensáveis.
E como se tanto não bastasse, veio o tabelamento, excessivamente baixo, dos vinhos de consumo dificultar a respectiva venda.
E como os produtores, na legítima defesa dos seus vinhos, não quisessem entregá-los por quantias que não cobriam as despesas feitas em face da exiguidade da última colheita, lá apareceu na imprensa o boato de que ia ser sugerida a sua requisição forçada.
Claro está que tão descabida exigência foi logo desmentida.
E agora, perante o despacho ministerial relativo à importação de géneros não contingentados internacionalmente, não tardou a notícia de que ia ser autorizada a importação de grande quantidade de vinho, a preço muito inferior ao corrente no nosso mercado.
É bem de ver que tão infundamentada notícia provocou grande alarme na lavoura e não deixaria de influir numa baixa antieconómica das cotações se o Governo não publicasse imediatamente a nota oficiosa que acabo de ler, desmentindo categoricamente aquela informação e definindo o seu rumo em tão fundamental problema, que, se fosse resolvido como certos intermediários desejam, desequilibraria a economia da nossa lavoura vitivinícola, cuja defesa se impõe por múltiplas razões.
Sr. Presidente: na viagem que esta noite fiz do Porto para esta capital tive o prazer de conversar com um alto funcionário da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes acerca do programa de trabalhos para a indispensável defesa e valorização das inconfundíveis massas vinárias do Entre-Douro e Minho.
E, a propósito de, nos debates há dias realizados nesta Assembleia sobre plantio de videiras, se ter defendido a construção de adegas para corrigir as irregularidades das colheitas, que acontece, quando são muito abundantes, serem interpretadas como fenómeno de sob reprodução, quando se trata unicamente de insuficiência de vasilhame, foi-me dito que aquele organismo está justamente a estudar a forma de aproveitar as vantagens oferecidas pela lei dos melhoramentos agrícolas para a organização de cooperativas que assegurem aquela basilar regularização.
Simultânemente haverá que pensar numa fórmula do financiamento aos produtores, para que, a exemplo do que já se verifica noutras regiões, possam aguardar tranquilamente e sem dificuldades para as suas explorações agrícolas a melhor oportunidade de colocação dos seus vinhos.
Só assim, corrigindo as irregularidades da produção com adegas de suficiente capacidade e a assistência técnica precisa para acautelamento do vinho ali armazenado, se poderão harmonizar os interesses do produtor e do consumidor, mercê de estabilidade de preços e de qualidades, garantindo também ao comércio a compensação legítima da sua útil intervenção, mas sem os inconvenientes de exageradas especulações.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: na penúltima sessão usei da palavra para me referir aos prejuízos que sofreram os proprietários marginais do rio Vouga na região de Cacia. Recebi aqui no dia anterior um telegrama impressionante pedindo a minha intervenção para os prejuízos sofridos nesses campos pelas inundações, pedindo para o facto a atenção do Governo. Não sabia bem do que se tratava, e, assim, quando no sábado fui para Aveiro, resolvi ir ao local para ficar inteirado do que se havia passado.
Verifiquei serem enormes os prejuízos. Os campos estão todos assolados pelas cheias, um rendimento anual calculado entre 300 e 500 contos absolutamente perdido. A barragem de defesa há anos feita pelos serviços hidráulicos foi galgada pelas águas, que invadiram os campos, assoreando tudo, cobrindo de areia enormes extensões, tornando aquelas terras absolutamente safaras para a produção, e elas não poderão voltar a ser cultivadas sem que o Estado intervenha, não só tecnicamente, mas subsidiando os trabalhos, visto que os proprietários da
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região devastada não podem por si só fazer face ao custo dos mesmos.
Pelos cálculos feitos ali naquela ocasião, por pessoas competentes, há talvez uns 300:000 metros quadrados de terreno nestas condições naquela região, que em período normal dão ao País uma notável produção em cereais e legumes, forragens para os gados e outros rendimentos agrícolas.
Afinal, Sr. Presidente, 300 a 500 contos de rendimentos perdidos.
Reforçando, pois, o que já anteriormente havia dito, eu peço a atenção do Governo, peço o seu interesse, e sobretudo o do Sr. Ministro das Obras Públicas, para que, verificados aqueles danos, consiga refazer a situação de modo a que os proprietários que não podem, por falta de recursos, consegui-lo vejam os seus campos restituídos à sua capacidade produtora, diminuindo assim o seu desânimo e o seu desalento.
Parece preciso continuar a barreira de defesa numa extensão igual à que actualmente tem - uns 1:500 metros - e nalguns pontos acrescentá-la, elevando-a alguns centímetros mais.
Convenço-me de que o Governo, à semelhança do que fez noutros pontos, tomará em atenção o pedido desses proprietários, tão seriamente atingidos. Assim o fico esperando.
Era isto o que eu queria dizer à Câmara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: desejo hoje tratar de uma velha aspiração da lavoura de todo o País, cuja satisfação se torna mais imperiosa cada dia que passa.
Quero referir-me, Sr. Presidente, ao policiamento dos campos, necessidade tão velha como o direito de propriedade, pois logo que se instituiu a propriedade privada apareceram os desejosos de se apoderarem dos seus produtos por um esforço menor do que o necessário para os produzir.
Várias têm sido as tentativas dos Governos da Nação, através das diversas situações políticas que o País tem atravessado, para resolverem este (problema, mas a verdade é que tudo quanto se tem feito, se é muito, está ainda longe de satisfazer as necessidades actuais.
A forma mais antiga de policiamento dos campos e da propriedade privada deve ser a que ainda hoje é usada, dos «outeiros (que vêm talvez do tempo das coutadas) e são guiadas de carácter particular, recrutados de entre os trabalhadores rurais tidos como valentes ou com algum prestígio na sua classe, os quais, armados, percorrem a pé ou a cavalo as propriedades dos seus patrões, procurando assim evitar roubos de produtos, a destruição de «plantações e a usurpação de pastagens por parte de estranhos.
Mas, além de serem poucos (porque ficaria muito caro ao lavrador ter muitos), a acção destes guardas é pouco eficiente, porque são recrutados de entre aqueles cujos delitos ou abusos têm de reprimir, e como lhes falta a autoridade e prestígio de uma farda e a força dos regulamentos, que lhes permita prender ou castigar, têm muitas vezes de contemporizar para não terem de recorrer a actos extremos, de que a justiça lhes pediria responsabilidades, ou sujeitarem-se a ser maltratados, com prejuízo da integridade física e do seu prestígio.
Procurou-se depois integrar estes guarda» campestres numa organização com carácter militarizado, embora à paisana, inscrevendo-os na polícia, onde prestavam juramento de obediência às autoridades e aos regulamentos policiais, podendo ser chamados a prestar serviço
sob as ordens do comando da polícia em caso de emergência. A estes guardas rurais ou campestres, assim arregimentados, mas continuando a viver em suas casas e a fazer a vida de paisanos, era dado o direito de prender no caso de flagrante delito e de multar pelo processo simples de preencher um boletim de uma caderneta que lhe era fornecida, contravenção que era entregue ao infractor para ir pagar a multa na câmara municipal, que o autuava no caso de falta de pagamento voluntário.
A inscrição destes guardas era feita a pedido, por ofício, de uma associação de proprietários rurais, a princípio, e depois pelos sindicatos agrícolas. Havia ainda a polícia rural camarária ou zeladores da câmara.
A princípio estas organizações deram algum resultado, visto que as atribuições que os guardas tinham já causavam incómodos e despesas aos amigos do alheio, mas, em poucos anos, devido à brandura dos nossos costumes e ao deseja dos guardas de não criarem inimizades dentro da classe em que tinham de viver, estas organizações caíram no esquecimento.
Depois da implantação da República, com o desejo de dar satisfação às aspirações mais prementes das classes preponderantes, foi criada a guarda nacional republicana, por determinação do Governo Provisório de 3 de Maio de 1911, que depois foi lei n.° 1, de 1 de Julho de 1913.
O relatório que precedeu este decreto dizia:
Datam de longe as reclamações dos povos por falta de uma polícia rural que lhes assegure o livre trânsito das estradas e caminhos e lhes proteja as propriedades contra os frequentes assaltos de vagabundos e malfeitores, que saqueiam os frutos e danificam as culturas.
Alguns municípios têm tentado organizar pequenos corpos de polícia rural para a guarda dos campos, mas, quer por falta de suficientes recursos materiais, quer por falta de uma conveniente organização e instrução, estes corpos não têm correspondido ao fim para que foram criados. Do mesmo modo, os corpos de polícia civil dos distritos, empregados quase que exclusivamente no policiamento das capitais, deixam sem protecção os campos e os povoados rurais.
O artigo 1.° deste decreto e da lei n.° 1, em que ele foi transformado, diz ainda:
É organizado um corpo especial de tropas para velar pela segurança pública, manutenção da ordem e protecção das propriedades públicas e particulares em todo o País, que se denominará guarda nacional republicana.
O artigo 2.° pormenoriza em dez números as atribuições deste corpo de tropas, que são:
1.° A polícia das povoações, estradas, caminhos, pontes, canais, etc.;
2.° Velar pela conservação das florestas e bosques pertencentes ao Estado, às câmaras municipais e aos particulares;
3.° A observância das leis e regulamentos sobre o uso e porte de arma, exercício da caça e da pesca e sobre substâncias explosivas;
4.° Vigiar pela conservação dos pastos pertencentes aos habitantes e pelos seus bens próprios;
5.° Vigiar pela conservação das árvores e propriedades que fazem parte da riqueza pública ou camarária;
6.° Velar pela conservação dos viveiros e plantios do Estado;
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7.° A vigilância das linhas férreas e suas gares, linhas telegráficas e telefónicas;
8.° Prestar auxílio aos empregados dos correios e dos telégrafos sempre que lhe seja solicitado;
9.° Perseguir a vagabundagem, impedindo-os de explorar a caridade, ainda que o façam sob pretexto de procura de trabalho;
10.° Quaisquer outros serviços que por lei, regulamentos ou ordens especiais lhe forem incumbidos.
Como se vê, a guarda nacional republicana é uma organização militar com funções dominantes de polícia rural, mas, devido à necessidade que os Governos da República tiveram de se apoiar numa unidade militar de sua confiança, a sua principal acção foi absorvida pelo policiamento dos grandes centros, em substituição da guarda municipal. Não deixaram, por isso, de ser destacadas para as sedes dos distritos, segundo determinação expressa da lei, algumas companhias e criados postos nos concelhos e nalgumas freguesias, agrupadas para efeito de serviço.
Nos primeiros anos esta guarda prestou bons serviços e impôs algum respeito nos centros em que foi instalada, mas à medida que foram sendo ampliadas as áreas de acção das patrulhas e as suas atribuições, sem se aumentar correspondentemente o número dos postos e das praças, a sua eficiência diminuiu e começaram a recrudescer os roubos e os assaltos aos montes, aos gados, enfim, aos haveres dos proprietários rurais espalhados pela imensidade dos campos, principalmente onde as áreas cultivadas são enormes e as populações dispersas ou agrupadas em pequenos povoados muito distantes uns dos outros.
Muito numerosas têm sido as reclamações apresentadas aos Governos do Estado Novo em relatórios do congressos, exposições dos antigos sindicatos agrícolas e mais modernamente dos grémios da lavoura reclamando um policiamento mais eficiente da propriedade e dos haveres das populações rurais indefesas e dispersas pêlos campos.
A imprensa tem-se feito porta-voz dessas reclamações e ainda há poucos dias o Diário de Notícias dizia, a propósito do projecto de lei do ilustre Deputado e antigo Ministro, a quem o País muito deve, Sr. Dr. Antunes Guimarães, sobre a polícia da caça e da pesca desportivas:
A principal função da guarda rural deve ser a de fazer respeitar por todo o território nacional as leis e os costumes das cidades e das vilas; de vigiar pela segurança de quem vive nos montes, nas herdades, nas quintas, nas malhadas, nos pequemos casais, visitados agora com frequência por audaciosos salteadores; evitar que sejam invadidas as estremas, danificadas as culturas, comidos os prados guardados com sacrifício por animais errantes ou lançados neles por guardadores sem escrúpulos; evitar roubos de azeitona, de bolota, de amêndoa e figo passado, de todos os legumes e frutos frescos - roubos que, de tão escandalosos e constantes, quase se diriam dos usos de algumas regiões ...
A propósito do que aqui se diz, e que é uma verdade incontestável, de o roubo não ser considerado um crime, mas um uso já tradicional nalgumas regiões, devo citar à Câmara um caso concreto que se dá todos os anos na região de Moura.
Neste concelho há muitos figueirais, pois é um segundo Algarve, e só a Herdade de Machados tem uma plantação de 80:000 figueiras, que produzem muitas toneladas de figo passado, engorda muitas dezenas de porcos, além dos figos que lhe roubam, apesar de guardados por uma patrulha da guarda, paga pelo proprietário. Este uso está tão inveterado que, perguntando-se ao pessoal dos povoados próximos, no tempo do figo, em que se ocupam, respondem: «andamos ao figo».
Pode parecer pela resposta que andam apanhando figo por conta do dono, mas não; o «andar ao figo» é roubar figos, para irem vendê-los a compradores sem escrúpulos, sabendo muito bem que quem os vende não tem figueiras e, portanto, que o figo tem de ser roubado.
Mas, prosseguindo na citação, diz ainda o Diário de Notícias:
Um dos motivos por que aparecem quase sempre nos mercados as frutas ainda por amadurecer (perdendo a sua riqueza de açúcar e de perfume) é o receio justificado que leva muitos produtores a colhê-las ainda verdes antes que lhas comam ou depenem de noite as árvores, deixando-as quase sempre maltratadas!
Este é o relato verídico, preciso e sintético do que se passa, não só no Alentejo, mas em todo o País. E, prosseguindo:
A colocação de unidades da guarda nacional republicana em todas as províncias, a multiplicação dos seus postos, tem sido, sem dúvida, um bom auxílio dispensado à ordem e à agricultura; mas é em absoluto insuficiente este arremedo de policiamento rural.
Para obviar a estes inconvenientes alvitram uns a criação de um novo corpo de polícia rural; defendem outros a ampliação dos quadros da guarda nacional republicana, de forma a permitir o aumento dos efectivos das companhias dos meios rurais, a criação de mais postos e o aumento dos efectivos dos já existentes, dotando-os ato com algumas praças de cavalaria, de mais rápida, deslocação e maior raio de acção do que as patrulhas do infantaria.
Entre as duas modalidades, a maior parte da lavoura, e nós estamos do seu lado, opta pela segunda - o aumento da guarda nacional republicana nos meios rurais -, não só por ser uma instituição já organizada, o instalada nos principais centros, mas também por ser conhecida, prestigiada e respeitada em toda a parte.
de resto, isto limita-se a reconduzir a guarda da principal função para que foi criada. Criar um novo corpo de exército só com funções de polícia rural tem enormes dificuldades económicas, de recrutamento de novo pessoal, novos comandos, novas instalações, o que não se dá com a guarda nacional republicana, já organizada, instalada e apetrechada. Mas isto torna-se urgente e necessário, porque de dia para dia aumenta o raio de acção dos amigos do alheio.
Acaba de nos chegar agora a notícia de uma nova modalidade de roubo rural que nos sugeriu estas considerações, ou seja de bocados de cortiça e pranchas, não só subtraídas das pilhas conservadas nas herdades à espera de venda e pesagem, mas também arrancadas das sobreiras. Como a cortiça de refugos atingiu preços elevados, por ser empregada, depois de moída, nas corticites e em vários preparados de cortiça comprimida, surgiu esta nova indústria de arrancar bocados de cortiça dos sobreiros, para vender.
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uma ferida, que, sendo grande, não cicatriza por não se poder reconstituir a camada geradora e nunca mais dá cortiça. E, portanto, um prejuízo não só do presente, mas que afecta também as tiradas futuras de cortina e a saúde e longevidade da árvore.
E, a propósito, peço licença para ler à Câmara uma carta que recebi de um proprietário de Odemira, o Sr. Dr. João Serrão Sintra do Vale, que diz:
Tomo a liberdade de escrever-lhe a fim de lhe solicitar que consiga de quem de direito enérgicas e urgentes providências para pôr cobro aos vandalismos que as minhas propriedades estão a sofrer devido à existência de balanças que compram cortiças e tacos de cortiça roubados. De forma que indivíduos sem escrúpulos tiram bocados e pranchas de cortiça das árvores. No sítio de Vale de Ferro, freguesia de Relíquias, concelho de Odemira, existem balanças que compram cortiça roubada aos proprietários das herdades sitas nessa área.
Consta-me também, por informações particulares fidedignas, que o mesmo se está passando noutras zonas de sobreirais do concelho de Santiago do Cacém, e como a indústria é rendosa e de fácil exercício, tanto para os que roubam a cortiça como para os que a compram, sabendo muito bem que é roubada, porque quem lha vende não tem sobreiros, o sistema deve estar já generalizado por toda a região dos sobreirais.
Tomamos por isso a liberdade de chamar a atenção de S. Ex.ª o Ministro da Economia para mais este vandalismo a que está sujeito o património soberícola nacional c em especial pedimos a S. Ex.ª o Ministro do Interior que, .por intermédio da guarda nacional republicana, mande dar caça sistemática não só aos que mutilam os sobreiros e lhes arrancam a cortiça para vender, mas também aos possuidores das balanças ambulantes ou fixas que a compram, apreendendo-as, se tanto for justo, no caso de a guarda apurar que a sua principal razão de existência ou o principal negócio é a compra de cortiça roubada.
Igualmente deviam ser proibidas as fábricas ou quaisquer outras entidades intermediárias de comprar estas pequenas porções de cortiça, que não podem ser de outra proveniência que não seja o roubo, visto que os possuidores de sobreiros não vendem a cortiça por este processo.
E a S. Exa., que tanta competência, energia e vontade de bem governar manifestou na pasta das Obras Públicas, onde deixou uma obra meritória, recomendo também o estudo e resolução deste problema urgente de um melhor policiamento dos campos pelo aumento da guarda nacional republicana nos meios rurais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente -Continua em discussão a proposta de lei acerca do imposto sobro sucessões e doações. Tem a palavra o Sr. Deputado Bustorff da Silva.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: vou ser brevíssimo. A Assembleia tem na Mesa da Presidência a proposta ministerial n.° 153, acerca do imposto sobre sucessões e doações, e uma proposta da Câmara Corporativa que radicalmente a modifica.
O Sr. Deputado Botelho Moniz propõe que a discussão incida sobre esta última.
Mas, na verdade, ela vem eivada de gralhas tipográficas, que até agora não foram notadas por nenhum dos oradores que me precederam no uso da palavra, mas que afectariam ou inutilizariam uma das principais reivindicações da nossa última legislatura.
Vou ser mais claro: na proposta ministerial, no respectivo artigo 6.°, criam-se reduções de custas nos inventários orfanológicos, das quais beneficiarão as quotas-partes de meação ou a favor de descendentes, escalonados, conforme o valor, relativamente às quotas-partes que não excederem 25 contos e as que excederem este valor mas não excedam 100 contos. Leiam V. Ex.ªs as alíneas a) e b) deste artigo 6.°.
E nesta alínea b) determina-se uma redução de 60 por cento no imposto de justiça quando se trate de quotas-partes não inferiores a 25 contos nem superiores a 100 contos.
Pois bem: no parecer da Câmara Corporativa oferece-se uma modificação de redacção para o mesmo artigo 6.° da proposta, que seria o n.° 5.° do parecer.
E na alínea a) descrevem-se 26.000(91, onde deveria dizer-se 25.000$, para se harmonizar com a alínea 6), o nesta última propõe-se uma redução de 6 por cento com referência a uma hipótese em que o Sr. Ministro das Finanças admitia 60 por cento, ou seja dez vezes menos do que corresponderia às aspirações desta Assembleia e às boas intenções do Sr. Ministro das Finanças.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E agora, que suponho ter referido uma circunstância que por si só solicita a maior atenção desta Assembleia, apresso-me a encaminhar-me para o fim.
Princípio por recordar, para lhes render os elogios a que têm jus, as intervenções que nesta Assembleia tiveram os nossos ilustres colegas Srs. Drs. Braga da Cruz, Albano de Magalhães e Cancela de Abreu no sentido de acudir à tragédia que desaba sobre os pequenos patrimónios no preciso momento em que os afecta a desgraça da morte do chefe de família.
A justiça de tais reivindicações foi por todos compreendida e louvada.
Como era de esperar do Governo, este apressou-se a elaborar a proposta de lei n.° 153, que vem ao encontro das sugestões dos Srs. Deputados a quem fiz referência.
Triunfou, pois, uma política de alto significado moral para a família portuguesa.
Bem andou o ilustre Deputado Sr. Dr. Cancela de Abreu quando, ao usar ontem da palavra, acentuou a necessidade de todos os organismos políticos, do todos os amigos da Situação, de todos os portugueses de boa fé fazerem de uma medida de larga eficiência e tão simpático alcance a propaganda a que tem direito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É interessante observar, meus senhores, que, num momento em que se caminha em certos países para a negação dos direitos patrimoniais da família - o que há-de conduzir iniludìvelmente a resultados sociais e económicos alarmantes -, as dificuldades financeiras do agregado familiar português recebem uma forte protecção na proposta do Srs. Ministros das Finanças e da Justiça, a qual, embora venha corroborar princípios que estão implícitos na Constituição que nos rege, representa uma atitude de coragem e uma orientação de ordem moral que certamente não deixarão produzir os mais benéficos efeitos no futuro de inúmeras modestas famílias nacionais.
Sr. Presidente: foram apresentadas e hão-de ser submetidas à votação da Assembleia algumas sugestões que divergem profundamente dos processos de compensação das receitas diminuídas que a proposta ministerial sugere.
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Apresso-me a proclamar que, embora mereçam o melhor da minha simpatia, estou longe de lhes dar, neste momento, a minha concordância.
Porquê?
Porque o óptimo é inimigo do bom.
A proposta ministerial foi precedida de um cauteloso estudo justificativo.
Este estudo obedeceu em todas as suas linhas a uma série de cálculos de natureza económica ou fiscal cuja afectação, em maior ou menor grau, directa ou indirectamente, conduz à alteração completa da economia da proposta e ao risco de, merco da preocupação de se querer fazer melhor, prejudicarmos e anularmos completamente o que de muito oportuno e vantajoso se encontra na proposta em discussão.
É certo que a Câmara Corporativa, num relatório sem sombra de dúvida doutíssimo, considera exageradas algumas das previsões do relatório ministerial, e, assim, afirma que o relatório da proposta calcula em 45:000 contos, baseando-se na média do último triénio, a redução das receitas públicas provocada pelas isenções em projecto.
Parece haver nesta avaliação um certo pessimismo, acrescenta a Câmara Corporativa.
Não há. Quem se der ao trabalho de seguir de perto os números publicados nas últimas estatísticas do Ministério das Finanças relativos a contribuições e impostos chega à conclusão de que não há exagero mas apenas uma previsão cautelosa e prudente na fixação desta verba de 45:000 contos.
Em seguida, e laborando, sem sombra de dúvida, num equívoco de natureza monetária, a Câmara Corporativa diz que há igualmente que considerar a alta dos preços resultante da desvalorização da moeda.
Sabe-se, porém, que a desvalorização da moeda não interessa à importância das contribuições percebidas pelo Estado e que se não alteram ao ritmo da valorização ou da desvalorização da moeda.
Depois, a Câmara Corporativa vai mais longe, e pondera que há ainda que levar em linha de conta para o cálculo das cifras das transmissões os títulos de crédito ao portador abrangidos pêlos preceitos contidos no decreto n.° 35:594, de 13 de Abril de 1946.
Esta afirmação da Câmara Corporativa, aliás justificável à face do texto da lei, desconhece, contudo, a realidade, pois é facto averiguado que a maior parte dos títulos de crédito ao portador não chega a ser relacionada nos processos de liquidação do imposto sucessório.
Relativamente à previsão de uma diminuição de cerca de 15:000 contos nas receitas das custas judiciais de inventários orfanológicos de valor abrangido pela nova proposta, colhi a informação de que este cálculo foi feito rigorosamente no Ministério da Justiça sobre elementos elaborados com absoluta cautela, e, portanto, em termos que me levam a considerar que, realmente, a estimativa do Sr. Ministro da Justiça não deverá afastar-se da verdade.
Por último, e estou muito perto do fim, a Câmara Corporativa sugeriu que o adicional sobre a contribuição predial, em vez de ser de 1,5 por cento, como consta da proposta ministerial, baixasse para 1 por cento, e voltou a insistir na vantagem que haverá em isentar do pagamento da taxa de compensação todos os títulos ao portador das empresas particulares.
É indiscutível que estas duas últimas sugestões da Câmara Corporativa afectam a economia da proposta e poderão dar origem a uma alteração substancial dos cálculos relativos à compensação das receitas.
Ora não me canso de repetir que sou dos que entendem que o óptimo ó inimigo do bom; satisfaço-me plenamente com aquilo que se vai obter desde já com a aprovação da proposta do Sr. Ministro das Finanças, e, nesta
orientação, entendo do meu dever observar que, a todas as propostas, a todas as sugestões, sem sombra de dúvida merecedoras do nosso melhor aplauso, que impliquem o adiamento da imediata execução da proposta ministerial, prefiro a aceitação pura e simples desta última, deixando tudo o mais como meras fórmulas a submeter à consideração do Ministro, que no largo período de tempo que tem diante de si até à próxima reunião da Assembleia poderá perfilhar o que nelas houver de útil e atenuar o que do gravoso se cria no capitulo de novas incidências de impostos.
Mais precisamente, ao meu espírito o problema aparece colocado assim: ou voto a proposta do Sr. Ministro das Finanças, introduzindo-lhe ligeiras modificações que melhorem o seu texto, e não entro em alterações que afectem a sua economia, pois sei de certeza certa que deste modo evito o escolho do artigo 97.° da Constituição, ou arrisco-me a inutilizar todos os nossos esforços, agarrado à miragem de atingir uma fórmula ideal.
A primeira atitude garante-me que dentro de semanas ou de um curto prazo de tempo, que não irá além de um mês ou mês e meio, todas as sucessões de pais para filhos, até ao limite de 100 contos por cada herdeiro legitimário, estarão isentas do pagamento do imposto sucessório e gozarão do beneficio quanto a custas consignado na proposta de S. Ex.ª o Ministro.
Voto, nesta conformidade, qualquer coisa de certo, encaminho-me decididamente no sentido de obter uma solução rápida e definitiva. Nem por isso o Sr. Ministro das Finanças ficará impedido de estudar outras taxas de compensação, encarando a hipótese do agravamento do imposto sucessório das heranças de grande valor, tal como há meses sugeri, ou inclinando-se para as modalidades defendidas por ilustres colegas nossos, nomeadamente o Sr. Deputado Botelho Moniz, com a sua ideia de se sobrecarregarem as sucessões para colaterais e estranhos.
Acresce que uma rápida consulta de números que fiz há momentos lança-me na suspeita de que as fontes de compensação por S. Ex.ª indicadas serão insuficientes. Logo, entre o imediato e o remoto ou duvidoso, inclino-me por aquele.
O Sr. Botelho Moniz: - É preciso ser realmente muito hábil para conseguir falar contra a sua própria opinião.
O Orador: - Engana-se V. Ex.ª A minha opinião no sentido de obter compensação de receitas no agravamento das taxas das grandes heranças mantenho-a; mas, como realista que sou, não hesito entre o certo e o incerto.
E aqui termino.
O Sr. major Botelho Moniz propôs que a discussão incidisse sobre o texto apresentado pela Câmara Corporativa. Será arriscado fazê-lo.
Essa douta Câmara, porque propõe a eliminação do artigo 3.° da proposta ministerial, exclui-o.
Ora esse texto é precisamente aquele que determina a ampliação da taxa de compensação aos títulos ao portador das sociedades particulares.
Consequentemente, eliminando-se este artigo 3.° desaparece uma das fontes de compensação de receita com que contou o Ministro. E se o fizermos entramos abertamente naquele caminho que já descrevi como prejudicial para o objectivo em vista.
O que V. Ex.ªs não podem é deixar de rectificar as gralhas tipográficas das alíneas a) e b) do artigo 5.° da proposta da Câmara Corporativa, cuja redacção, aliás, é preferível à da proposta ministerial.
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Há uma explicação justificativa do que deve ser uma gralha. É que tudo quanto importa alteração está impresso a itálico, circunstância esta que não se verifica quanto aos erros ou gralhas tipográficas que V. Ex.ª aponta.
O Orador: - Tem o ilustre Deputado razão. Efectivamente é como diz.
Arredadas essas gralhas e emendadas as mesmas, não tenho dúvidas em propor que o texto do artigo 6.° da proposta do Sr. Ministro das Finanças seja substituído pelo texto da Câmara Corporativa, sob o n.° 5.
Quanto ao mais, o aditamento proposto pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Alberto Cruz melhora nitidamente a redacção do artigo 1.°
Vamos, por conseguinte, sem mais delongas realizar obra útil votando, com estas alterações, a proposta do Governo.
E perdoem V. Ex.ªs o tempo que lhes tomei.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: os trabalhos que ainda nos esperam até ao final, já próximo, da sessão legislativa corrente, são importantes e em grande número. Por consequência, limitarei ao indispensável as referências à proposta de lei n.° 153.
O artigo 4.° da lei n.° 2:010, de 22 de Dezembro de 1945, emanada desta Assembleia, estabeleceu o principio da isenção do imposto sobre sucessões, e doações na transmissão por título gratuito a favor de descendentes até 150 contos.
Já em legislaturas anteriores, em nome dos interesses da família, numerosos Deputados haviam pugnado por tão justa medida. Coube a esta Câmara dar-lhe realização, e esse é um dos seus bons serviços à causa nacional.
Quis o Governo, pelos Ministérios da Justiça e das Finanças, dar satisfação aos reparos aqui produzidos acerca dos horrores verificados nos inventários orfanológicos e propõe-nos também algumas medidas generosas e sensatas, melhor dizendo, verdadeiramente humanas, que merecem aplauso geral.
Mas ... mas ... mas não há bela sem senão!
Vejamos:
1.°: o espírito do artigo 4.° da lei n.° 2:010 era, julgo eu, isentar de impostos as porções hereditárias desde 100$ a 150 contos. Empregámos, para fixar este limite máximo, a palavra «até». Aqueles Ministérios, defendendo os interesses do Estado, tomaram-na no sentido do menos favorável ao contribuinte. Entenderam aquele «até» como designando um limite facultativo, em vez de um limite obrigatório.
Cabe aos Deputados que intervieram na discussão do artigo 4.° da lei n.° 2:010 e aos que sabem interpretar e traduzir o espírito dos relatos do Diário das Sessões pronunciar-se sobre a fidelidade com que a proposta daqueles Ministérios satisfaz o nosso voto.
Por mim, julgo que ficou aquém e que a isenção deveria estender-se às porções hereditárias de 150 contos, inclusive. Nesta hipótese, no artigo 1.° do parecer da Câmara Corporativa a verba de 100 contos deveria ser elevada a 150 contos, o que conduziria à eliminação do artigo 2.°
Entretanto, parque o tempo urge e não permite discussões demoradas, evitei ir tão longe nas propostas que ontem apresentei e foram lidas na Mesa. Esta minha opinião fica reservada como aspiração futura, enquanto não conseguirmos, numa noiva arrancada ou mercê de várias étapes sucessivas, atingir o objectivo
que considero mais harmónico com o que a nossa Constituição estabelece em relação à família: a isenção completa de imposto sucessório nas transmissões a descendentes. Ela existia anteriormente a 1910, mas a República, de 1911 para cá, começando com os «pèzinhos de lã» do imposto estatístico, acabou por transformá-la .numa das muitas formas de desagregação do casal familiar. O Estado Novo só agora começou arrepiando caminho e corrigindo os malefícios dos legisladores republicanos. Mas não basta a proposta actual. Precisamos, já V. Ex.ª sabem o quê: mais e melhor!
2.°: a isenção de imposto de justiça e encargos já existia no artigo 3.° do Código das Custas, até ao valor cie 2 contos. A proposta de lei n.° 153 eleva-a ale 5 contos na meação e porções hereditárias. É francamente pouco e complica o texto da lei. Os 2 contos do Código das Custas eram, afinal, muito mais que os 5 contos de hoje. Não haveria benefício real. Há que atender à desvalorização da moeda e ao rigor adoptado nas avaliações efectuadas nos inventários orfanológicos. Os isentos de ontem já não seriam os isentos de amanhã.
Por isso propus a modificação à alínea a) da proposta da Câmara Corporativa, incluindo, na isenção dos encargos dos n.08 2.° a 8.º do Código das Custas Judiciais, as meações e porções hereditárias até 25 contos. Ninguém dirá que esta aspiração de proteger os mais humildes órfãos não esteja de acordo com o nosso coração e a nossa doutrina.
3.°: para evitar abusos, torna-se necessário introduzir no corpo do artigo 8.° da proposta de lei (7.° do parecer da Câmara Corporativa) a definição legal de incidentes de inventário. Parece um pleonasmo . . . mas chama-se agora incidente a tanta coisa!
4.°: o Estado, a pretexto cie cumprir uma lei humanitária da Assembleia Nacional, não deve realizar bons negocias. Não é lícito, nem político, para beneficiar os isentos de imposto sucessório, perturbar gravemente a vida económica portuguesa, da qual nascem todas as receitas públicas e privadas, tão-pouco é político o justo, porque não corresponde ao disposto no artigo 4.° da lei n.° 2:010, criar novas receitas, muito superiores ao prejuízo da isenção. Nestes tempos, em que os homens anelam eivados cie espírito mercantilista, não está certo que o Estado, na ânsia de receitas, pratique em seu favor o que condena a outrem.
Homem prático, eu vivia antigamente todas as horas na actividade económica. Agora só lhe posso dedicar o escasso tempo disponível dos trabalhos parlamentaras. Mas nem por isso deixo de ouvir as queixas e notar as confusões já havidas, tanto nos meios comerciais e industriais como no mercado de títulos, por virtude da proposta de lei n.° 153.
Na verdade, a quebra de receita prevista no relatório ministerial é de 60:475 contos. A receita que se supõe obter da taxa de compensação atinge 31:734 contos quanto à contribuição predial e 33:901 contos quanto à contribuição industrial, grupo C, e imposto sobre a aplicação de capitais. Soma: 65:636 contos; saldo positivo a favor do Estado: 5:161 contos. Por este caminho, na verdade, quem viria a ganhar seria o fisco! O critério fiscal é muito louvável, mas o País pensará que, quanto mais tentamos aplicar as nossas doutrinas de respeito familiar e solidariedade humana ... mais dinheiro lhe vamos arrancando! E isto gera a descrença!
Daqui a pouco toda a gente receará o simples anúncio de uma medida benéfica. Julgará que lhe virá a custar cara demais ...
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curadores, porque elas só encontram no parecer respectivo, que a Assembleia conhece.
Faltam elementos para calcular a influência, em 1947 e anos seguintes, dos aumentos determinados na matriz predial. Diz-se que eles influirão nas isenções, reduzindo o número destas e aumentando a incidência do imposto.
Suponho que não se cometerá grande erro admitindo que, por efeito da actualização das matrizes e da valorização dos bens consequente à elevação de todos os preços, a redução das receitas, incluindo os inventários orfanológicos, não irá além de 45:000 contos. Mas admitamos a verba de 50:000 contos.
Vejamos agora, de acordo com a minha proposta de alteração, qual seria o rendimento da taxa compensadora:
Ao rendimento colectável da contribuição predial atribui o relatório ministerial o valor de 2.115:600 contos, a que corresponderiam 21:156 contos de taxa de compensação, caso o valor desta fosse de 1 por cento, ou 31:734 contos, se se mantivesse a de 1,5 por cento da proposta de lei n.° 153.
Em qualquer dos casos há que considerar que, por efeito da lei n.° 2:019, esse rendimento colectável será elevado entre 20 e 30 por cento e que, por consequência, o rendimento da taxa de compensação no primeiro caso irá por certo além de 25:000 contos e no segundo de 37:500 contos.
É justo considerar este aumento do valor das matrizes, não só para efeito de diminuição do número de isenções, como o fez a Câmara Corporativa, mas também no cálculo da receita da nova taxa de compensação, porque esta taxa, como o nome indica, não se destina a criar lucros ou benefícios novos para o Estado, mas apenas a compensar o desaparecimento de receitas antigas.
Com a taxa de 1 por cento a render 25:000 contos, faltam-nos outros 25:000 para atingir o equilíbrio imposto pela lei n.°2:010, nos termos constitucionais. Com a taxa de 1,5 por cento faltar-nos-iam apenas 12:500 contos.
Mas, se deduzirmos às quantias em falta a verba de 15:000 contos relativos aos inventários orfanológicos, cuja compensação é da responsabilidade do Governo, o que realmente falta para que se cumpra o artigo 97.° da Constituição são apenas 10:000 contos, na primeira hipótese, de 1,5 por cento de adicional à taxa da contribuição predial. Para a segunda hipótese, de 1,5 por cento, ainda sobrariam 2:500 contos.
Mas supunhamos que falta dinheiro.
Onde ir buscá-lo?
Como desejam a proposta de lei e a Câmara Corporativa, ao aumento do 2 por cento da taxa da contribuição industrial (grupo C) e do imposto sobre a aplicação de capitais (secções A e B)?
Julgo que não.
Pretendemos entrar num período de renovação económica. Precisamos simplificar a vida das sociedades comerciais e atrair capitais à actividade industrial e comercial. Devemos fugir a complicações como a que trouxe o imposto complementar ao serviço de títulos. Devemos evitar perturbações na praça. As taxas de juro são felizmente baixas para quem recorre ao crédito, mas, por isso mesmo, o rendimento dos capitais mutuados é relativamente pequeno. A amplidão do campo atingido pelo adicional do imposto sobre a aplicação de capitais daria lugar a milhares de queixumes e transformaria em impopular uma lei de intuitos altamente generosos. Aprendamos a atrair, em vez de repelirmos. Os beneficiados, mesmo que sejam 150:000 por ano, cedo esquecerão o que por eles fizemos, não só porque a humanidade é ingrata, mas também e, afinal, porque só estamos dando um pouco do muito que 1911 começou a tirar.
Entretanto, os prejudicados na sua vida económica ou financeira, quer por complicações de papeladas, quer por pequenos tributos resultantes do adicional novo, quer por grandes tributações superiores ao benefício próprio, serão também de dezenas de milhares por ano.
Sirvo-me de um conceito do parecer da Câmara Corporativa para justificar a solução que encontrei: «E mais fácil, realmente, pedir ao contribuinte uma participação no aumento da sua fortuna do que ir reclamar-lhe uma parte do seu capital, que ele considera definitivamente adquirido».
Onde ir buscar, de maneira simples, os 10:000 contos que nos faltam para compensar as receitas perdidas, isto sem pôr a hipótese de que sobram realmente 2:500 contos?
Ao capital definitivamente adquirido?
A contribuições que ou produziriam perda de capital ou se traduziriam em tendência para novas elevações de preços?
A um adicional de cobrança complicada como é o do imposto sobre a aplicação de capitais, com, a agravante de umas modificações no regime de títulos?
Nada disso: a solução natural parece ser ir buscar ao próprio imposto sucessório as receitas anuladas pelas isenções de descendentes.
Os ascendentes não esperam, normalmente, herdar dos descendentes.
Os parentes colaterais sòmente são contemplados na falta ou prejuízo de descendentes. Os estranhos, por maior que seja a amizade que os ligue ao autor da herança, não são herdeiros naturais.
Para todas estas categorias houve o tal aumento de fortuna a que se refere a Câmara Corporativa, às vezes inesperado, outras vezes injusto, outras perfeitamente justificado pêlos laços existentes.
Porque hão-de os pais ou os avós pagar mais contribuição predial, ou mais contribuição industrial, ou maior imposto sobre a aplicação de capitais, para «comprarem aos poucos» a isenção futura de filhos e netos (que afinal nem sempre alcançam, porque a propriedade pode desaparecer e não ser transmitida), e nada só exige a quem só de longe faz parte da família ou nem mesmo dela faz parte?
Julgo mais lógico, mais prático, mais simples e mais compreensível o sistema preconizado na minha proposta de alteração: pedir um pequeno aumento de tributação a ascendentes, colaterais e estranhos.
Dir-se-á que escasseiam elementos para garantir que as taxas de 1 e 3 por cento serão suficientes para realização dos 25:000 ou 12:500 contos que faltam.
É verdade.
O tempo escasso de que dispus e a falta de dados estatísticos publicados não me permitiram trabalho completo.
Por isso mesmo, não me repugna aceitar a taxa de compensação de 1,5 por cento sobre o rendimento colectável, no caso da contribuição predial, para começar por reduzir a 12:500 contos a quebra de receitas prevista, ou a substituí-la por um saldo positivo de 2:500 contos se não se incluir a verba de 15:000 contos dos inventários orfanológicos. E previ a hipótese de o Governo rever as taxas de 1 e 3 por cento da minha proposta de alteração, de forma a conseguir obter do imposto sucessório a pagar por ascendentes, colaterais ou estranhos o que se previr faltar. E assim se obedecerá à Constituição.
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Quem som preparação prévia tentar embrenhar-se pela avultada citação de leis tributárias, a que o parecer da Câmara Corporativa foi forçado a recorrer, ou é um portento de inteligência e memória, ou chegará à conclusão de que o novo regime fiscal cada dia se complica mais.
Todos desejamos vê-lo simplificar-se, para bem dos serviços, dos funcionários e do público.
Julgo que a minha proposta tende para isso. E suponho que evitará que de uma lei de intuitos magnificamente populares se faça uma lei impopular.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: desejo dizer apenas algumas breves palavras, sobretudo para que o debate sobre esta proposta de lei, de tão largo alcance popular, não termine debaixo de palavra tão impopular que é a «impopularidade» com que o ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz rematou as suas considerações.
Impopular a presente proposta de lei em discussão porquê? Porque o limite de isenção é pequeno, porque deveria abranger mais casos, porventura todos os casos de transmissão a favor de descendentes?
Em minha opinião, realmente, admitiria como preferível um limite mais vasto de isenção; iria mesmo até ao ponto de advogar completa isenção em todas as transmissões a favor de descendentes. E creio que não seria difícil encontrar forma de o conseguir sem grave cerceamento de receitas para o Estado e sem encargos pesados noutras fontes de tributação.
Convenhamos, porém, em que por esta proposta de lei fica já isento o mais povo do nosso povo, praticamente todos os pequenos e muitos médios patrimónios.
Assim, portanto, a proposta de lei é eminentemente popular.
Ora é Curioso que alguns dos benefícios preconizados na proposta sofreriam redução se viessem a aceitar-se inteiramente as considerações do ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz, como espero demonstrar.
Antes de mais, porém, creio que talvez possa apontar-se o perigo de ter de se considerar inconstitucional a emenda referente aos chamados encargos. Explico:
Segundo a proposta de lei, nas quotas hereditárias até 25 contos haverá isenção de imposto de justiça, de imposto do selo e de encargos. Todavia, só as duas primeiras isenções são completas. Quanto aos chamados encargos, a isenção é total nos casos de quotas até 5 contos. Nos casos de quotas entre 5 e 25 contos não haverá isenção dos encargos que representem despesas efectivas do tribunal, tais como papel, documentos requisitados às repartições, peritagens e indemnizações a testemunhas.
Isto equivale a dizer que até 5 contos por quota há, não só propriamente isenção, mas até uma espécie de abono feito pelo Estado, que pagará as despesas a que aludi, despesas efectivamente realizadas.
O Sr. Ulisses Cortês: - Aliás de pequeno valor.
O Orador: - De pequeno valor embora, mas na realidade despesas feitas.
E exactamente porque despesas feitas, e portanto a pagar, a emenda proposta pelo ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz envolve um aumento de despesa para o Estado, já que o Estado teria de suportar o pagamento de tais encargos para além do que está previsto na proposta de lei. Daí o possível vicio da inconstitucionalidade.
Outra nota característica da proposta do Governo é a referente aos incidentes processuais e ao pagamento das respectivas custas.
Neste aspecto, decerto contra as próprias intenções do ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz, a emenda de S. Ex.ª resulta em agravo pecuniário das partes no processo.
Como o Cofre dos Funcionários de Justiça é que paga o que estes deixam de receber em emolumentos cobrados das partes, o Estado larga de mão o que recebia da cobrança do imposto de justiça, o qual reverte totalmente para aquele Cofre. Há menos custas, e nos processos de inventário abrangidos por esta proposta de lei não se contarão mesmo custas em nenhum dos seus eventuais incidentes, quer se trate de incidentes específicos dos inventários, quer dos incidentes comuns a todos os processos.
Ora, se bem entendi a emenda do ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz, S. Ex.ª deseja isentar de custas apenas os primeiros dos indicados incidentes.
O Sr. Botelho Moniz: - Exactamente. Apenas no que respeita aos incidentes específicos dos inventários.
O Orador: - Passava a haver, portanto, menos benefícios para as partes.
Dado o que fica dito sobre a forma de remuneração dos funcionários dos tribunais, compreende-se que só há vantagem em a proposta de lei, como efectivamente fez, aliviar da cobrança de custas todos os incidentes processuais, e não apenas os específicos dos inventários.
Como deixam de se cobrar custas pelos incidentes, só virão a ser levantados os necessários. Na verdade, as partes só os levantarão quando haja nisso manifesta vantagem ...
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
É para dizer que não é indispensável que os incidentes sejam levantados pelas partes; podem ser levantados também pelos funcionários.
Talvez seja por isso que vi, ainda não há muito tempo, uma desgraçada pagar 200$ pelo facto de ter feito um requerimento.
O Sr. Madeira Pinto: - Não foi por causa do requerimento, mas sim pelo incidente que ele levantou.
O Orador: - Repito que as partos só levantarão os incidentes manifestamente aconselháveis, e os funcionários, porque não há obrigação do pagamento de custas o, portanto, direito à percepção de emolumentos, não terão também vantagem em os levantar artificiosamente. E não sofrem qualquer desvantagem em não haver custas, porque os incidentes, volto a dizer, serão poucos e a remuneração dos funcionários tem agora larga base em vencimentos fixos, em vez de emolumentos.
No fundo, a primeira possibilidade de se estatuírem os justos princípios da proposta em discussão vem de mais longe: da reforma dos vencimentos do funcionalismo dos tribunais, promulgada há tempos.
Em suma: se se restringissem os benefícios do não pagamento de custas aos incidentes, específicos dos inventários, obrigando a tal pagamento nos outros incidentes, teríamos a possibilidade de se levantarem incidentes desnecessários, retardando escusadamente o andamento dos processos, e restringir-se-iam os benefícios preconizados na proposta de lei, obrigando as partes ao pagamento de custas de que a mesma proposta as dispensa.
Num ponto estou de acordo inteiramente com o ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz: é que é preciso que na realidade as quotas hereditárias de 25 contos, abran-
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gidas pela proposta de lei, sejam sempre do 25 contos, digamos, actuais. A melhor forma será talvez conseguir-se que esta importância seja essencialmente fixada em atenção aos actuais valores matriciais e que, portanto, sofra as correcções que vierem a dar-se nestes valores.
Quanto ao restante, Sr. Presidente, tudo o que se dissesse de elogio seria de menos e tudo o que eu ainda poderia dizer seria demais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: é apenas um esclarecimento a trazer à Assembleia.
Nas considerações do Sr. Deputado e nosso ilustre colega Botelho Moniz, S. Ex.ª fez referência à perturbação ou injustiça que recairia sobre a determinação, nova por força da proposta de lei, que abrange os títulos ao portador das sociedades do organismos particulares.
Ora a verdade é que se visa, afinal, a pôr termo a uma situação excepcional.
Os títulos nominativos das sociedades particulares já estão sujeitos ao pagamento da avença que a proposta vai tornar extensivo aos títulos ao portador das mesmas entidades.
Com relação aos próprios títulos do Estado, da dívida pública, quer nominativos, quer ao portador, já sobre eles incidia o pagamento da mesma avença. Os únicos títulos que estavam excluídos eram os títulos ao portador de sociedades particulares. Não vale a pena gastar tempo, nesta altura da discussão, a investigar das razões de tal tratamento excepcional.
Portanto, em vez de complicar, a aplicação do decreto-lei simplifica ou uniformiza, pois acaba com uma excepção que não é difícil combater.
E nada mais, Sr. Presidente.
Termino as minhas considerações enviando para a Mesa uma proposta que está assinada por mim e por outros Srs. Deputados.
oi lida. É a seguinte.
«Proponho:
1.° Que a discussão da proposta de lei n.° 153, acerca do imposto sobre sucessões e doações, se faça tomando-se por base o texto da proposta do Sr. Ministro das Finanças;
2.° Que a redacção do artigo 6.° da proposta seja a sugerida pela Câmara Corporativa, rectificando-se, porém, na respectiva alínea a) a quantia de 26.000$ pela de 25.000$ e na alínea b) a redução de 6 por cento no imposto de justiça por redução de 60 por cento;
3.° Que as propostas apresentadas pelo ilustre Deputado Sr. major Botelho Moniz sejam consideradas como sugestões desta Assembleia ao Governo, a fim de se proceder ao respectivo estudo e aproveitamento em tudo que nelas se possa considerar útil e à medida que as circunstâncias o forem aconselhando.
Lisboa, 18 de Março de 1947. - Os Deputados: António de Sousa Madeira Pinto - António Pinheiro Torres - José Maria Braga da Cruz - António Carlos Borges -António Júdice Bustorf da Silva - Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Considero, portanto, encerrado o debate na generalidade e vai passar-se à discussão na especialidade.
Sobre o texto que há-de servir de base à discussão na especialidade, há na Mesa duas propostas contraditórias: uma do Sr. Deputado Botelho Moniz, para que a discussão decorra sobre o texto da Câmara Corporativa, e que foi em primeiro lugar apresentada; outra, do Sr. Deputado Bustorff da Silva, para que a discussão decorra sobre o texto da proposta de lei.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: dadas as explicações do Sr. Deputado Bustorff da Silva, estou de acordo com o ponto de vista apresentado por S. Ex.ª e peço licença para retirar a minha proposta, de modo a que a discussão se faça sobre o texto da proposta do Governo.
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sobre o pedido de V. Ex.ª
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Vai, portanto, fazer-se a discussão sobre o texto da proposta de lei.
Está em discussão o artigo 1.°
Sobre este artigo há na Mesa uma proposta, apresentada pelo Sr. Deputado Braga da Cruz, para que se adite no final do mesmo artigo o seguinte: «e sejam quais forem os montantes das transmissões».
Vai votar-se o artigo 1.°, com este aditamento.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 1.°, com o aditamento do Sr. Deputado Braga da Cruz.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.° Sobre este artigo não há na Mesa qualquer proposta.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à rotação, foi aprovado o artigo 2.°
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.°
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: segundo o projecto da Câmara Corporativa, que a minha proposta seguiu, este artigo 3.° deveria ser eliminado. Por consequência, não posso deixar de verificar que a aprovação do artigo 3.° pela Assembleia envolve nitidamente a reprovação da parte da minha proposta que pretende eliminar da taxa de compensação o adicional de 2 por cento sobre a contribuição industrial, grupo C, e o imposto sobre a aplicação de capitais, secções A e B.
Verifico que a proposta já enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva e outros Srs. Deputados considera a possibilidade de o Governo aproveitar as sugestões em que a minha proposta se transformaria. Esta moção do Sr. Deputado Bustorff da Silva e outros ilustres colegas ser-me-ia inteiramente agradável, se se tratasse apenas de respeitar a minha própria opinião. Quero dizer que ela me satisfaz absolutamente, sob o ponto de vista pessoal. Simplesmente, como Deputado, procuro zelar o prestígio desta Assembleia. Sinto que, dia à dia, ele é maior em todo o País, justamente porque nós não abdicamos, nem sabemos abdicar, dos nossos poderes. Consequentemente, prefiro que, em vez de «traspassar» para o Governo um pouco do seu poder, seja ela própria a resolver. E não compreendo como, aproveitando-se as minhas sugestões, não se faça já esta coisa mais simples que é colocá-las dentro da própria lei.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 3.°
O Sr. Deputado Botelho Moniz não apresentou proposta concreta de eliminação do artigo 3.°
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900 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 100
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: se V. Ex.ª me permite, faço uma proposta verbal de eliminação, visto que ela estava implicitamente feita na minha proposta.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª tinha feito proposta para a discussão decorrer sobre o texto da Câmara Corporativa. E naturalmente, por esse motivo, não apresentou proposta perfilhando a eliminação do artigo 3.° Mas aquela proposta, ainda que houvesse sido votada, não envolvia esta.
O Sr. Botelho Moniz: - Peço que seja eliminado o artigo 3.°
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Botelho Moniz pede que seja eliminado o artigo 3.° Concedo ao Sr. Deputado Botelho Moniz os momentos necessários à redacção da sua proposta.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A proposta, tal como foi feita, verbalmente, não podia ser considerada. Tem de ser feita por escrito o assinada por cinco Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª razão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Entretanto, Sr. Deputado Botelho Moniz, independentemente de qualquer pensamento de adesão, e só para lhe dar viabilidade regimental, não tenho qualquer dúvida em subscrever a sua proposta; mas é que temos de apoiar-nos no Regimento.
O Sr. Braga da Cruz: - Brevíssimas palavras, Sr. Presidente, para procurar frisar bem o alcance deste artigo 3.°, baseando-me para isso nas próprias considerações do douto parecer da Câmara Corporativa.
O sistema de avença para a contribuição do registo nos títulos públicos foi pela primeira vez criado pelo decreto n.° 4:092, de 12 de Julho de 1918, mas apenas para os títulos ao portador.
O decreto n.° 4:748, de 20 de Agosto de 1918, regulou a forma da sua cobrança.
O decreto n.° 5:036, de 30 de Outubro do 1918, referiu-se aos cupões pagos no estrangeiro.
Sobre estes assuntos apareceu na Revista de Legislação e Jurisprudência o notável artigo que se lê no seu número de 15 de Janeiro de 1927, que esclareceu completamente o que então se passava.
Mais tarde, o decreto n.º 19:045, de 15 de Novembro do 1930, ventilou mais uma vez este assunto e o decreto n.° 19:303, de 3 de Fevereiro de 1931, estabeleceu que o pagamento deixaria de ser feito por estampilha.
Em 13 de Fevereiro de 1936, quando se reformaram os serviços da dívida pública, a lei n.° 1:933, *da mesma data, pelo seu artigo 59.°, determinou que todos os títulos e certificados da dívida pública continuavam sujeitos ao imposto sobre sucessões e doações, calculado em 5 por cento sobre os juros recebidos e cobrado por dedução nestes no acto do seu pagamento, e num § único declarou quais são os títulos exceptuados.
Sr. Presidente: entendo que as considerações feitas no douto parecer da Câmara Corporativa para demonstrar que há uma certa legitimidade no regime de avença a aplicar aos títulos ao portador podem ser aplicadas aos títulos nominativos. E porquê?
Por uma simples razão, que V. Ex.ª e a Câmara bem conhecem. É que nesses títulos é possível o endosso em branco, e, como todos V. Ex.ª sabem, com o endosso em branco a fuga do imposto é quase tão fácil como nos títulos ao portador.
Nestas condições, com a facilidade do endosso em branco, eu coloco os títulos nominativos a par dos títulos ao portador nas possibilidades de fuga ao imposto, e creio, portanto, que as providências estabelecidas no artigo 3.° da proposta, tendentes também a uma vantajosa uniformização, devem seguir-se votando-se o artigo tal como consta da proposta governamental.
Disse.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva já foi votada?
Parece-me que ela estabelece uma base para discussão da especialidade, devendo, portanto, ser votada antes desta discussão.
O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª quer referir-se à sugestão contida no final da proposta, direi que estamos a discutir a proposta de lei na especialidade; e a proposta de sugestão ao Governo feita pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva, como mera aspiração da Câmara, só no final da discussão, se ainda for oportuno, pode ser admitida à sua apreciação.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Mas se ela, em parte, estabelece a base da discussão que estamos a fazer, a sua votação no fim já não tem relevância.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejo observar apenas o seguinte, obtemperando as notas que acaba de fazer o Sr. Deputado Cancela do Abreu.
Para que a proposta do Governo sirva de base à discussão não é preciso aprovar-se nada.
O que seria preciso era aprovar-se alguma coisa para que ela não servisse de base à discussão.
O Sr. Presidente: - Vejo que o Sr. Deputado Cancela de Abreu se quer referir à proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva para que a discussão corresse sobre o texto da proposta de lei.
Essa proposta não tinha de ser submetida à apreciação da Câmara, uma voz retirada, como foi, a proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz para que a discussão só fizesse sobre o texto da Câmara Corporativa. Para que a discussão se faça sobre o texto de uma proposta de lei não é necessário que a Câmara a vote. E a discussão está de facto a fazer-se sobre o texto da proposta de lei.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: quanto a títulos, hoje em dia a classificação já não é bem aquela a que se referiu o Sr. Deputado Braga da Cruz. Há títulos nominativos e títulos ao portador, mas estes últimos dividem-se por sua vez em duas categorias: títulos ao portador puros e simples e títulos ao portador sujeitos a registo.
Vamos ver o que está acontecendo na realidade.
Toda a gente foge ao registo dos títulos ao portador, porque se verificou que esse registo era contraproducente para o proprietário do título. Prefere pagar em cheio, quer a parte de avença do imposto sucessório, quer a parte relativa ao imposto complementar, em vez de, quanto a este último, utilizar os benefícios hipotéticos do registo.
Quanto aos títulos nominativos, realmente podem ser endossados em branco. Mas certo é que o endosso fica lá escrito, e receia-se que sirva de base a discussões.
Na prática, cada vez se avoluma mais na praça a tendência para o título ao portador.
Disse.
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19 DE MARÇO DE 1947 901
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação.
O Sr. Deputado Botelho Moniz, conjuntamente com os Srs. Deputados Pinto Coelho, Mário de Figueiredo, Alçada Guimarães e José Esquivei, propõe a eliminação do artigo 3.° da proposta de lei.
Vai votar-se em primeiro lugar a eliminação.
Submetida à votação, foi rejeitada a eliminação.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o texto do artigo 3.° da proposta.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Estafem discussão o artigo 4.°
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - O artigo 4.° diz o seguinte: «Para determinação das taxas aplicáveis à transmissão de bens ou quotas-partes...».
Esta expressão, como nota a Câmara Corporativa, embora seja usada comummente, não é perfeita. Cada uma das expressões «quota» e «parte», por si, já representa uma parcela do todo.
Deve, portanto, adoptar-se uma delas, ou de preferência, por mais apropriada, as expressões «quota hereditária» ou «quinhão hereditário».
É uma simples questão de redacção, que basta entregar ao critério da Comissão respectiva.
O Sr. Presidente:- Como mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Consultada a Assembleia, foi aprovado o artigo 4.° tal como consta da proposta de lei.
O Sr. Presidente:- Está em discussão o artigo 5.°
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar se.
Consultada a Assembleia, foi aprovado o artigo 5.° tal como consta da proposta de lei.
O Sr. Presidente - Está em discussão o artigo 6.° Sobre este artigo há na Mesa duas propostas: uma do Sr. Deputado Botelho Moniz e outra do Sr. Deputado
Bustorff da Silva.
Vão ser lidas.
Foram lidas. São, respectivamente, as seguintes:
«Que a alínea a) do artigo 5.° do parecer (6.° da proposta de lei) tenha a redacção seguinte:
a) Da isenção de custas e encargos previstos nos n.ºs 2 a 8 do artigo 49.° do Código das Custas Judiciais para as meações e porções hereditárias que não excederem 25 contos;
Que seja suprimido o § único do mesmo artigo».
«Que a redacção do artigo 6.° da proposta seja a sugerida pela Câmara Corporativa, rectificando-se, porém, na respectiva alínea a), a quantia de «26.000$» pela de «25.000$» e, na alínea b), a «redução de 6 por cento no imposto de justiça» por «redução de 60 por cento».
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Parece-me que a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva, e de que eu fui um dos firmantes, tem três partes distintas.
A primeira diz respeito à base da discussão na especialidade. A segunda refere-se à redacção do artigo 6.° da proposta do Governo e a última parte é, porventura, matéria de moção.
Parece-me que devíamos votar em separado, e no fim, esta última parte.
Isto se o ilustre Sr. Deputado proponente está de acordo.
O Sr. Bustorff da Silva: - Perfeitamente de acordo.
O Orador:- É isto o que me parece dever fazer-se.
O Sr. Presidente: - À proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva, que não contém propriamente uma moção, desdobra-se em três partes: primeira, que a discussão se faça sobre a proposta do Governo; segunda, quanto à alteração do artigo 6.°, a que V. Ex.ª se referiu; terceira, que consideremos as propostas do Sr. Deputado Botelho Moniz como sugestões!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - A mim parece-me uma moção.
O Sr. Presidente: - E parece. Se a Câmara votar o texto da proposta governamental, pode votar no final da discussão, como sugestões ao Governo, a última proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva; se votar as propostas do Sr. Deputado Botelho Moniz, ficam prejudicadas, como sugestões, as que faz o Sr. Deputado Bustorff da Silva, porque ficam transformadas em lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação.
Submetida à votação, foi rejeitada a proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz e seguidamente aprovada a proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 7.°, sobre o qual não há nenhuma proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 8.°
O Sr. Botelho Moniz: - A redacção que propus para este artigo 8.° é igual à proposta do Governo e apenas contém o esclarecimento do que sejam incidentes dos inventários, tal como estão definidos nos artigos 1439.° a 1443.° do Código de Processo Civil.
Simplesmente, depois de ouvidas as considerações do Sr. Deputado Soares da Fonseca, que constituem opinião mais autorizada do que a minha, julgo que aquele esclarecimento poderia traduzir-se em dificuldade para as partes. Porque não me anima a intenção de prejudicar o contribuinte, mas sim a de simplificar e baratear os processos, peço licença para retirar a minha proposta.
Consultada a Câmara, foi concedida.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 8.°
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 9.°, sobre o qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido â votação, foi aprovado.
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902 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 105
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.° Sobre este artigo há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz, que é a seguinte:
«Que o artigo 9.° do parecer (10.° da proposta de lei) passe a ter a redacção seguinte:
É criada a taxa de compensação do imposto sobre sucessões e doações, que incidirá:
a) Na razão de 1 por cento sobre os rendimentos que servirem de base à liquidação da contribuição predial;
b) Na razão de 1 por cento nas transmissões a favor de ascendentes e na de 3 por cento nas transmissões a favor de colaterais e estranhos, uma e outra calculadas sobre os valores que servirem de base à liquidação do respectivo imposto sucessório.
§ 1.° Mantém-se.
§ 2.° Substitui-se pelo seguinte:
Fica o Governo autorizado a rever as duas últimas taxas de compensação e a elevá-las ou reduzi-las conforme for necessário para se obter o equilíbrio de receitas afectado pela presente lei».
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: desejo dizer o seguinte: o artigo 10.° da proposta de lei n.° 153 pode dividir-se em duas partes: uma, com a qual concordo, conforme o teor do discurso que pronunciei, fixa em 1,5 por cento a taxa de compensação a incidir nos casos de contribuição predial; outra refere-se aos 2 por cento de taxa adicional sobre o rendimento que serve de base à determinação da contribuição industrial (grupo C) e imposto sobre a aplicação de capitais (secções A e B).
É evidente que o facto de a Câmara ter recusado a eliminação do artigo 3.° demonstra que tende para a aprovação da segunda parte do artigo em discussão.
Por consequência, Sr. Presidente, peço que a proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva para ser votado o texto integral do artigo 10.° tenha prioridade sobre a minha proposta. No caso de ele ser aprovado tal qual está, ficará de pé a parte da proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva que submete à consideração do Governo, como sugestões, aquilo que, segundo eu propunha, seria a própria lei.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 10.°
Sobre este artigo há ainda na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Melo Machado para se lhe acrescentar o seguinte parágrafo:
«Ficam isentos desta taxa os concelhos já cadastrados em que vigorar a taxa de 8,5 por conto, bem como aqueles que vierem a ser incluídos no mesmo regime».
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: quando redigi a minha proposta apenas havia dois concelhos completamente cadastrados que conservavam a taxa de 8,5 por cento. E, porque agora tenho números oficiais de que em novos cadastros predomina a taxa de 8,5 por cento, essas vilas passariam a pagar mais 30 por cento. Parece-me legítimo que elas fossem dispensadas do pagamento de 1,5 por cento.
Fui informado, Sr. Presidente, que já outros concelhos estavam sujeitos a 10 por cento, mas não tenho conhecimento exacto da forma como foi aplicada essa taxa.
Peço portanto, Sr. Presidente, para retirar a minha proposta da Câmara.
Consultada a Assembleia, foi autorizado o Sr. Deputado Melo Machado a retirar a sua proposta.
O Sr. Presidente: - Acerca do pedido formulado pelo Sr. Deputado Botelho Moniz, não posso, com pesar, satisfazê-lo.
A proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz é uma proposta de substituição total do artigo 10.°, e, segundo os termos do Regimento, tenho de submetê-la em primeiro lugar à votação da Assembleia.
O Sr. Bustorff da Silva: - Parece-me que está pedida a prioridade para a votação do texto da proposta ministerial pelo próprio Sr. Deputado Botelho Moniz.
O Sr. Presidente:- Mas não posso conceder essa prioridade nem submetê-la à decisão da Assembleia, pois que o Regimento estabelece expressamente, na hipótese, a prioridade para a proposta de substituição do texto em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo:- V. Ex.ª dá-me licença?
Segundo pude perceber das palavras do Sr. Botelho Moniz, parece-me que há uma certa contradição entre a proposta de substituição que V. Ex.ª vai pôr à votação e a votação já feita do artigo 3.°
O Sr. Botelho Moniz:- A aprovação do artigo 3.° da proposta de lei do Governo envolve, implicitamente, a reprovação da minha proposta. Sòmente a sua doutrina ficará de pé por constar da moção do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
O Sr. Presidente:- A recusa da Câmara em eliminar o artigo 3.° significa, como V. Ex.ª começou por acentuar, uma tendência para a aprovação da segunda parte do artigo em discussão. Mas já que V. Ex.ª, como autor da proposta de substituição, reconhece que ela está prejudicada, não deve ela ser submetida à votação.
O Sr. Botelho Moniz: - Não posso retirar essa proposta porque ela serve de base à moção que o Sr. Deputado Bustorff da Silva apresentou.
O que me parece mais aconselhável é não se considerar neste momento a minha proposta.
O Sr. Presidente:- V. Ex.ª reconhece, portanto, que a sua proposta está prejudicada pela votação do artigo 3.°
Se nenhum dos Srs. Deputados faz objecção ao reconhecimento verificado pelo próprio Sr. Deputado Botelho Moniz de que a sua proposta está prejudicada pela votação do artigo 3.°, considerarei prejudicada esta proposta e votar-se-á o texto governamental.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está, portanto, prejudicada a proposta do Sr. Botelho Moniz em relação ao artigo 10.° e vão votar-se o texto do artigo 10.° e respectivos parágrafos tal como constam da proposta do Governo.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os restantes artigos da proposta de lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre estes artigos, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação na especialidade.
Há ainda na Mesa a proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva para que as propostas do Sr. Deputado
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Botelho Moniz sejam consideradas pela Assembleia como sugestão ao Governo para que este examine o respectivo conteúdo.
Vai votar-se, portanto, essa parte da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - A proposta de lei vai baixar agora à Comissão de Redacção, para última redacção.
A próxima sessão será esta tarde, à hora regimental, tendo como ordem do dia a discussão do relatório geral da comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
Armando Cândido de Medeiros.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Manuel França Vigon.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
ugusto César Cerqueira Gomes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Rectificação
A p. 738-(116) do suplemento ao n.° 96 do Diário das Sessões foi, por lapso, indicada a taxa de $10(5) por litro referente ao Grémio dos Armazenistas de Vinhos, quando a mesma é de $01(5) por litro.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA