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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 118
ANO DE 1947 12 DE DEZEMBRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 118 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 11 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 116 e 117 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
Foi concedida a escusa pedida pelo Sr. Deputado Pinto Coelho de membro da Comissão de Legislação e Redacção.
Leu-se o parecer da Comissão de Legislação e Redacção respeitante à situação parlamentar do Sr. Deputado Pastor de Macedo, que será publicado no Diário das Sessões.
Foram submetidas à votação da Câmara as situações parlamentares dos Srs. Deputados Sousa Pinto e Fernandes Prieto.
Usaram da palavra sobre este assunto os Srs. Deputados Albano de Magalhães e Mário de Figueiredo.
Postas à votação, concluiu-se pela perda de mandato do Sr. Deputado Sousa Pinto, tendo o Sr. Deputado Fernandes Prieto conservado o seu mandato.
Foi eleito para a Comissão de Legislação e Redacção, na vaga resultante da escusa do Sr. Deputado Pinto Coelho, o Sr. Deputado José Cabral.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mendes de Matos e Pacheco de Amorim.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.,
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
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João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 116 e 117 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação a estes números do Diário, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Do Sr. Joaquim Rosado Fernandes, em que aplaude calorosamente o discurso proferido pelo Sr. Deputado Melo Machado no debate sobre a lei de meios.
Da direcção do Grupo de Beneficência A Caridade, em que se associa às considerações do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes acerca do feriado nacional no dia 8 de Dezembro.
Do Sr. Mário de Carvalho, delegado da Direcção Geral dos Desportos no Porto, em que, interpretando a deliberação dos organismos desportivos do distrito do Porto, reunidos expressamente, solicita o interesse da Assembleia junto do Governo no sentido de se construir naquela cidade o Palácio dos Desportos, conforme as considerações feitas pelo Sr. Deputado João Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas a pedido do Sr. Deputado Mendes Correia. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
ausa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pinto Coelho, que tinha sido eleito para fazer parte da Comissão de Legislação e Redacção, pede a sua escusa daquele lugar numa carta dirigida à Assembleia, que vai ler-se:
Foi lida. É a seguinte:
«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Como é do conhecimento de V. Ex.ª, tive a honra de ser eleito pela Assembleia para fazer parte da sua Comissão de Legislação e Redacção.
O serviço dessa Comissão, que sempre se prolonga até fins de Abril ou princípios de Maio, impede-me de exercer as minhas funções de professor da Faculdade de Direito de Lisboa em quase todo o ano lectivo, com grave prejuízo para a Faculdade - cujo corpo docente se encontra muito desfalcado - e para mim próprio, que involuntariamente me vejo afastado do contacto com os alunos, em detrimento da minha própria formação.
Por estas razões, venho rogar a V. Ex.ª que apresente à Assembleia o meu pedido de substituição na referida Comissão, o que eu, aliás lamentarei mais do que ninguém.
Apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos da mais elevada consideração. - Luís Pinto Coelho.
O Sr. Presidente: - Esclareço a Assembleia que considero este cargo obrigatório. Quer isto dizer que, se a Assembleia entender que não deve dispensar o Sr. Deputado Pinto Coelho do exercício das suas funções naquele lugar, ele terá de continuar a exercê-lo. Entretanto, dadas as razões produzidas por S. Exa., a Assembleia procurará a conveniência de conceder a escusa solicitada e de substituir o Sr. Deputado Pinto Coelho naquela Comissão.
Vou, portanto, submeter à resolução da Assembleia a escusa pedida por aquele Sr. Deputado.
Submetida à votação, foi concedida a escusa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Pastor de Macedo, que vai ser lido, e bem assim a carta que lhe deu origem.
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Foram lidos esses documentos. São os seguintes:
«Exmo. Sr. Doutor Albino dos Reis, ilustre Presidente da Assembleia Nacional. - Tendo sido nomeado por portaria de 15 de Abril do corrente ano presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa, e tendo entrado no exercício do cargo em 15 de Maio próximo passado, cargo que terei de exercer até 30 de Abril do próximo ano de 1948, venho pela presente pedir a V. Ex.ª que a digníssima Assembleia de que V. Ex.ª é muito ilustre Presidente se pronuncie sobre a perda ou a conservação do meu mandato como Deputado pela cidade de Lisboa.
Aproveito o ensejo para manifestar a V. Ex.ª a minha mais elevada consideração e para me subscrever de V. Ex.ª muito atento, venerador e obrigado, Luís Pastor de Macedo».
«Despacho. - A Comissão de Legislação e Redacção. - Lisboa, 27 de Novembro de 1947. - Albino dos Reis».
«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Por portaria de 15 de Abril de 1947, publicada no Diário do Governo, 2.ª série, de 17 do mesmo mês, foi o Sr. Deputado Luís Pastor de Macedo nomeado presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do § 1.° do artigo 84.° do Código Administrativo.
Na sua carta comunica o mesmo Sr. Deputado que entrou em 15 de Maio no exercício daquele cargo e deverá desempenhar as respectivas funções até 30 de Abril de 1948.
Ouvida a Comissão de Legislação e Redacção quanto aos efeitos da nomeação sobre a subsistência do mandato daquele Sr. Deputado, emite o seguinte parecer:
O artigo 84.° do Código Administrativo, ao fixar a composição das Câmaras Municipais dos concelhos de Lisboa e Porto, estabelece que as mesmas Câmaras são compostas por um presidente, nomeado pelo Governo, e por doze vereadores eleitos, acrescentando o § 1.° que o presidente tem substituto, igualmente nomeado pelo Governo, de entre a vereação ou fora dela.
O artigo 74 ° do mesmo Código determina por sua vez que as funções de presidente da Câmara são remuneradas nos concelhos de Lisboa e Porto e nos de 1.ª ordem, acrescentando o § 1.° que os presidentes das Câmaras daquelas duas cidades são remunerados, conforme a tabela anexa ao Código (tabela A).
Por outro lado, o § 4.° do artigo 75.° do Código Administrativo dispõe que aos presidentes substitutos das Câmaras de Lisboa e Porto que exerçam a presidência na vacatura da função ou durante impedimento de carácter permanente do presidente efectivo são aplicáveis as disposições do mesmo artigo que regulam a situação dos presidentes: as suas funções são incompatíveis com o exercício de quaisquer outras funções públicas remuneradas pelo Estado.
Com referência ao desempenho das funções dos substitutos cumulativamente com os presidentes das Câmaras de Lisboa e Porto, foi publicado o decreto-lei n.° 36:212, de 2 de Abril de 1947, que estabeleceu:
«Quando circunstâncias imperiosas de serviço o justifiquem poderá o Ministro do Interior autorizar, a título transitório, que os substitutos dos presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto assumam, cumulativamente com os presidentes, a efectividade do cargo, desempenhando as funções que por estes lhes forem delegadas.
§ 1.° No despacho do Ministro do Interior será fixado o prazo durante o qual o substituto pode manter-se em exercício.
§ 2.° Nos casos a que se refere este artigo são aplicáveis ao substituto as disposições do artigo 75.° do Código Administrativo».
Por despacho ministerial de 24 de Abril de 1947 o Ministro do Interior autorizou aquele Sr. Deputado a assumir, cumulativamente com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a efectividade de funções no período que vai de 1 de Maio de 1947 a 30 de Abril de 1948.
O artigo 90.°, n.° 1.°, da Constituição dispõe que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada.
Este preceito só tem as excepções consignadas nas alíneas b) e c) do seu § 1.°, em nenhuma das quais pode enquadrar-se o caso da nomeação daquele Sr. Deputado, pois é legalmente irrelevante que os seus vencimentos como presidente substituto sejam, como de facto são, abonados pela Câmara, que, segundo informações fornecidas a esta Comissão, deliberou fixar a sua remuneração, equiparando-o para o efeito a director geral, com os correspondentes vencimentos, acrescidos do suplemento e subsídio.
Nestas circunstâncias, em face dos textos legais aplicáveis, esta Comissão, por unanimidade, é de parecer que se verifica o caso do artigo 90.°, n.° 1.°, da Constituição Política, observando todavia que, em face do mesmo preceito constitucional, já a Assembleia Nacional deixou nesta legislatura por vezes de declarar a perda de mandato, pressupondo uma interpretação que o nega.
Palácio de S. Bento, 10 de Dezembro de 1947. - O Presidente, Mário de Figueiredo».
O Sr. Presidente: - Vão ser publicados no Diário das Sessões os documentos que acabam de ser lidos e que serão submetidos oportunamente à apreciação da Câmara.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ontem adverti a Assembleia, vão ser submetidas à sua apreciação as situações parlamentares dos Srs. Deputados Sonsa Pinto e Fernandes Prieto, que foram objecto de pareceres da Comissão de Legislação e Redacção, que já foram publicados no Diário das Sessões e vão ser lidos à Assembleia.
Foram lidos.
O Sr. Presidente: - Como a Assembleia acaba de ouvir, os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção sobre as situações parlamentares dos Srs. Deputados Sousa Pinto e Fernandes Prieto concluem pela perda de mandato destes Srs. Deputados.
Estão em discussão estes pareceres.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: os pareceres da nossa Comissão de Legislação e Redacção concluem, tanto um como outro, com uma frase que pode induzir em erro, na interpretação, esta Assembleia. Essa frase é a seguinte:
«Este parecer foi votado por unanimidade, observando todavia a Comissão que a Assembleia Nacional já em casos idênticos deixou por vezes de declarar a perda de mandato».
Eu desejaria, Sr. Presidente, que a Comissão dissesse qual era o sentido da interpretação desta frase para nós, suficientemente esclarecidos, podermos manifestar o nosso voto.
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O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a dúvida suscitada traduz um melindre de consciência muito respeitável, mas não é muito justificável, desde que no parecer se afirma que a Comissão entende que os Srs. Deputados à face da lei perderam os mandatos.
Não é, no entanto, tão-pouco justificada que, na verdade, não tivesse provocado por parte da Comissão de Legislação e Redacção, ao pensar nela, uma redacção diferente do parecer que em primeiro lugar V. Ex.ª hoje mandou ler a Assembleia e que respeita ao Sr. Deputado Pastor de Macedo da que foi dada nos pareceres anteriores.
Aí, nesse parecer, em vez das palavras nuas e cruas dos pareceres que acabaram de ser lidos, diz-se o seguinte: «observando todavia que, em face do mesmo preceito constitucional, já a Assembleia deixou nesta, legislatura por vezes de declarar a perda de mandato, pressupondo a Assembleia uma interpretação daquele n.° 1.° do artigo 90.° da Constituição que o nega».
De sorte que se verifica que não é duvidosa a posição da Comissão de Legislação e Redacção; simplesmente, esta Comissão não podia deixar de chamar a atenção da Assembleia para actos que a mesma Assembleia praticou, actos que conduzem a uma certa interpretação do n.° 1.° do artigo 90.° da Constituição, interpretação que nega o próprio preceito.
Suponho que estes esclarecimentos são suficientes para perfeitamente à vontade os Srs. Deputados formarem a sua consciência e perfeitamente à vontade o Sr. Deputado Albano de Magalhães formar a dele.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Suponho que a Assembleia está perfeitamente elucidada sobre o pensamento da Comissão de Legislação e Redacção, cujos pareceres foram lidos na Mesa e agora esclarecidos pelo seu presidente.
A Comissão de Legislação e Redacção entende que estes Srs. Deputados, à face da Constituição e do Regimento da Assembleia, perderam o seu mandato. Faz
no entanto notar que a Assembleia tem já precedentes que parecem contrariar o n.° 1.° do artigo 90.° da Constituição.
Releve-me a Assembleia acentuar ainda que, não obstante a soberania da Assembleia para decidir, óbvia a conveniência de que ela adopte sobre factos idênticos uma jurisprudência igual.
Vai, portanto, proceder-se ao escrutínio secreto para cada um dos casos em causa.
O primeiro escrutínio que .vai fazer-se é sobre a situação do Sr. Deputado Sousa Pinto. Pretende-se sabei-se este Sr. Deputado mantém ou perde o seu mandato por ter sido nomeado director dos portos do Douro o Leixões.
Conforme já informei a Assembleia, o parecer da Comissão de Legislação e Redacção é no sentido de que este Sr. Deputado perde o seu mandato, por ter incorrido na sanção do n.° 1.° do artigo 90.° da Constituição. Esclareço a Câmara- que a esfera lançada na primeira urna é a que exprime o voto: a esfera branca significa que o mandato se mantém, a esfera preta quer dizer que o mandato foi perdido. Na segunda urna será deitada a esfera sobrante.
Procedeu-se à chamada para a votação.
O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Ernesto Subtil e Morais Carrapatoso.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - O resultado do escrutínio foi o seguinte: entraram na primeira urna 50 esferas pretas e 26 esferas brancas.
Está, portanto, verificada a perda do mandato do Sr. Deputado Sousa Pinto.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação sobre u situação parlamentar do Sr. Deputado Fernandes Prieto.
O Sr. Carlos Borges (sobre o modo de votar): - Pedia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o obséquio de me esclarecer sobre a situação do Sr. Deputado Fernandes Prieto.
Este Sr. Deputado tem nomeação definitiva, interina ou provisória?
O Sr. Presidente: - A nomeação do Sr. Deputado Fernandes Prieto é ama nomeação interina.
O Sr. Carlos Borges: - Obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Volto a pedir aos Srs. Deputados Ernesto Subtil e Morais Carrapatoso o obséquio de servirem de escrutinadores.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara o resultado do escrutínio a que acaba de proceder-se sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Fernandes Prieto.
Entraram na primeira urna 40 esferas brancas e 37 esferas pretas; na segunda urna entraram 40 esferas pretas e 37 esferas brancas. Está, portanto, votado pela Assembleia que o Sr. Deputado Fernandes Prieto não perdeu o seu mandato.
Pausa.
O Sr. Presidente: - A Assembleia aceitou há pouco a escusa do Sr. Deputado Pinto Coelho de vogal da Comissão de Legislação e Redacção.
Vai, por isso, proceder-se à eleição do Sr. Deputado que o há-de substituir nessa Comissão.
Interrompo a sessão por uns minutos para se proceder à elaboração das listas.
Está interrompida a sessão.
Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Conto Zagalo Júnior e Salvador Teixeira.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - Entraram na urna 70 listas com o nome do Sr. Deputado José Pereira dos Santos Cabral. Está, portanto, eleito para a Comissão de Legislação e Redacção este Sr. Deputado, em substituição do Sr. Deputado Pinto Coelho.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu queria, como presidente da Comissão de Legislação e Redacção desta Câmara, pedir a V. Ex.ª que consultasse a Assembleia sobre se autoriza esta Comissão a retirar o parecer relativo à eventual perda de mandato do Sr. Deputado Pastor de Macedo.
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A Constituição diz no n.° 1.° do artigo 90.° o seguinte: «Aceitar do Governo, ou de qualquer Governo estrangeiro, emprego retribuído ou comissão subsidiada».
O exercício de um cargo em comissão é duma precaridade maior do que o exercício dum cargo interino. É isto que desejo que fique exarado no Diário das Sessões, e que eu digo só como presidente da Comissão de Legislação e Redacção desta Câmara.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, presidente da Comissão de Legislação e Redacção, pretende seja consultada a Câmara sobre se ela autoriza a retirada do parecer que essa Comissão emitiu quanto à situação parlamentar do Sr. Deputado Pastor de Macedo. Não posso submeter à apreciação da Assembleia o pedido do Sr. Deputado Mário de Figueiredo. A Comissão de Legislação e Redacção é uma comissão regimental, e os seus pareceres elementos valiosos para esclarecimento da Assembleia. Tais pareceres, não sendo imperativos, são todavia, repito, um elemento do mais alto valor para a formação do juízo de consciência da Assembleia. Por essa razão não posso deferir o pedido de S. Exa.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Mendes de Matos.
O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: não me propus nem me proponho fazer uma análise completa da proposta em discussão; pretendo apenas focar alguns aspectos que nela me parecem mais importantes e mais oportunos.
No seu aspecto geral a proposta não traz novidade nenhuma; a não ser a novidade já velha, mas cada vez mais nova, por mais difícil nas emergências actuais, a novidade da ordem e do equilíbrio orçamental, nos termos do preceito constitucional.
Confirma, porém, a proposta, no seu artigo 4.°, uma novidade, e esta verdadeiramente nova: a reforma do imposto sucessório, já consignada na lei aprovada em Março último por esta Câmara. É a esta que desejo referir-me para lhe render o meu aplauso, que sei ser o da Nação.
Mais de uma vez juntei a minha voz à voz da Assembleia para reclamar uma reforma do imposto sucessório e uma revisão das custas dos inventários orfanológicos, apostadas em comprometer centenas de pequenos patrimónios que os mais altos interesses nacionais mandavam se conservassem e fortalecessem.
Ouviu o Governo essa reclamação e deferiu-a numa proposta de lei que á Câmara estudou, discutiu e aprovou. Por motivos estranhos à minha vontade, não me foi dado então tomar parte no debate que incidiu sobre essa proposta e precedeu a. sua aprovação. Não é, evidentemente, agora ocasião de o fazer, mas sempre é tempo de render justiça às propostas de interesse nacional, mormente quando, como no caso presente, se trata de um alto serviço prestado à causa pública, profundamente empenhada na conservação dos pequenos e médios patrimónios, que sito a base da estrutura económica da família e esta o lar fecundo das virtudes fundamentais do nosso carácter. E essa homenagem e sua justificação que eu agora pretendo fazer.
Em princípio, no respeito absoluto e na lógica rigorosa dos nossos conceitos de família e de política fiscal,
nenhum imposto sobre transmissões por título gratuito a favor de descendentes encontra justificação suficiente. Salazar confessou um dia as suas apreensões acerca do imposto sucessório, quando a morte deixa intacta a unidade económica da família e a cobrança toca no património doméstico. Com efeito, quando o imposto fere a unidade económica da família não se encontra título jurídico que o justifique. Sempre assim pensaram os nossos velhos legisladores e os nossos governantes, que, mesmo nas crises financeiras mais graves para a Nação, jamais lançaram mão dele, embora tivessem praticado extorsões porventura mais violentas e condenáveis.
O imposto sucessório sobre transmissões por título gratuito a favor de descendentes não tem tradição na nossa jurisprudência fiscal. Ele aparece exactamente no momento em que na nossa filosofia política se deturpou e corrompeu o conceito da família e da propriedade, quando a família foi considerada uma união acidental e transitória e os proprietários simples detentores dos seus bens, quando se negou o vínculo indissolúvel do matrimónio e o vínculo absoluto da propriedade à pessoa humana e seu valor social.
O Estado Novo adoptou outros princípios, mas, constrangido por exigências de ordem financeira, manteve esse imposto até que pôde estudar as condições de uma reforma profunda e salutar. A reforma aí está. Completa? Definitiva? Indiscutivelmente um esforço sério no sentido de uma remodelação ainda mais completa, de harmonia com as condições que vieram a criar-se na nossa situação económica.
Mas, tal qual o Governo a elaborou e a Câmara a aprovou, a reforma constitui um altíssimo benefício, da mais vasta e profunda projecção em diversos sectores da vida nacional.
Não é apenas uma alteração importante na nossa jurisprudência fiscal; constitui um valioso e eficiente instrumento de defesa social, porque como tal deve ter-se hoje toda a política a favor da família. Na verdade, o Mundo assiste, na frase do Sr. Presidente do Conselho, a uma luta de civilizações. Foi essa luta que fez a guerra; é essa luta que impede a paz.
Perante essa luta não pode haver indiferença nem neutralidade. Todas as nações estão já nela empenhadas e comprometidas e «a sua vitalidade marca-se pela soma de energias que levam a esse conflito gigantesco».
Nesse conflito entre a civilização e o comunismo marcámos há muito tempo a nossa posição nas assembleias internacionais, ainda quando alguns dos que hoje mais rudemente o combatem julgavam menos certa e oportuna a nossa atitude.
Síntese de todas as revoltas tradicionais contra a civilização, o comunismo é nesta «luta de civilizações» o grande inimigo. A reforma do imposto sucessório constitui uma ofensiva eficaz contra o comunismo num dos seus aspectos fundamentais: o do ataque à família.
Vejamos porquê.
Dizem os sociólogos que a família é a «célula da sociedade». A Constituição afirma que a família é ca fonte da conservação e desenvolvimento da raça», ca base primária da educação, da disciplina e harmonia social», afundamento da ordem política e administrativa, pela sua agregação e representação, na freguesia e no município».
Se bem entendo, isto quer dizer que a família é a raiz e floração das nossas instituições, o santuário e o bastião das virtudes e demais valores humanos e espirituais, a base e a cúpula da civilização. A família é, ela mesma, a civilização. Uma das grandes constantes da história é o sincronismo que acompanha a sorte da sociedade e da família.
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A decadência dos grandes- povos seguiu a decadência da família e sempre as sociedades se elevaram e floresceram na proporção em que a família se fortaleceu e prosperou. Por isso, a família é uma espécie de instituição, em volta da qual gravitam todas as actividades económicas, morais e sociais. A família é a civilização empenhada na «luta de civilizações». O comunismo, atacando a civilização, tinha de abrir ataque à família, uma das bases do seu programa e da sua acção.
Por lógica fatalista do erro, a família para o comunismo não existe; melhor, constitui o seu primeiro e fundamental inimigo. A socialização da soberania implica a socialização da propriedade, e esta exige a socialização da pessoa humana. Neste ciclo fechado, neste monismo totalitário, não há lugar para a família. A família deve ter-se, por isso, como o primeiro obstáculo ao triunfo do comunismo, como, aliás, o declaram as afirmações peremptórias dos seus corifeus, as recomendações dos seus dirigentes e as actividades revolucionárias dos seus arautos.
Assim, o ponto central da «luta de civilizações» é a família. Ela é cidadela em torno da qual se travam os grandes, os decisivos combates desse conflito gigantesco. De um lado a luta por conservá-la, conservando a raiz da civilização; do outro o furor em destruí-la, na convicção de que nessa destruição reside a certeza da vitória. Deve ter-se, «pois, nesta hora, como serviço prestado ao comunismo tudo quanto combata ou enfraqueça a família, seja como for e não importa com que intenções ou por que motivos.
Ora neste prélio colossal que importância tem a reforma do imposto sucessório que se consigna na proposta em discussão? Isenta desse imposto todos os patrimónios cujas heranças parcelares não excedam 150.000$. Isto significa que em vastas regiões do País todos os patrimónios ficarão isentos desse, imposto.
Nesta isenção defende-se a família, mas a família senhora dos seus destinos, a família com o seu património, a família com as condições necessárias ao desempenho das suas complexas e beneméritas funções. Mais: estimula-se a sua fundação, pela certeza que se dá a todos os pequenos chefes de família de que o Estado lhes não levará o fruto do seu trabalho, antes lho auxilia e assegura, renunciando a um rédito, que procurou compensar noutras fontes fiscais.
A reforma acarinha, protege, defende, consagra assim o património familiar, não por processos doutrinais ou métodos verbais, mas por uma forma prática, eficiente, por obras que se tornam seu amparo eficaz e poderoso. Na luta contra o comunismo, a reforma fica como um dos instrumentos mais valiosos de protecção à família entre quantos se têm empregado na nossa jurisprudência.
Atrás da reforma estão princípios restauradores da soberania económica da família e com esta a estrutura pluralista da Nação em oposição ao monismo fisiológico e ao totalitarismo marxista.
A família não se basta a si mesma para a realização plena das suas augustas funções. Amplia-se, desdobra-se por isso noutras autarquias, que são a freguesia - família de famílias; a corporação - amparo económico da família; a escola - prolongamento da família; o município - senado de famílias.
Estas instituições representam o baluarte da soberania da família, porque constituem o limite do poder político do Estado. O liberalismo destruiu essas autarquias, que na família têm a sua base e lhe servem de complemento. E, para que o homem ficasse em face do Estado no isolamento total do seu individualismo, tentou também enfraquecer as suas instituições complementares. O combate foi demorado, persistente e eficaz. O cesarismo pombalino, o liberalismo constitucional e a tirania demagógica atacaram, cada um a seu jeito, a solidez e estabilidade da família e a segurança dos seus direitos. A reforma a que estamos aludindo é um passo na emenda dos erros praticados e defesa contra outros piores que nós ameaçam. Opõe à propriedade socializada, que é a pobreza e escravidão colectiva, a propriedade colectiva familiar, libertadora, expressão mais perfeita da propriedade, e abre o caminho e o acesso da propriedade a toda a gente.
O comunismo só cresce e medra nas zonas dominadas por famílias física e economicamente empobrecidas. E como os vermes, que só proliferam nas carnes apodrecidas. As famílias robustas e sadias são a muralha de resistência invencível aos assaltos do comunismo. Com famílias assim a vaga do barbarismo soviético não passará. A importância da reforma está em compreender esta verdade e proceder em consequência.
Poderá, porém, observar-se que a reforma é incompleta e até certo ponto incongruente, porque mantém o imposto sucessório nas grandes heranças.
Talvez. Mas eu quero ver nesta disposição menos uma técnica fiscal do que a indicação de um princípio fundamental na vida de todas as sociedades, qualquer que seja o regime político por que se governem, e que anda hoje muito esquecido, até por aqueles que deviam ter maior empenho e interesse em o observar. Quero referir-me aos encargos que oneram e honram a riqueza, à função social que lhe é inerente.
E pensando assim ocorre e é legítimo perguntar-se: até que ponto é legítima a riqueza concentrada? Até que limite é lícito e conveniente o capitalismo anónimo?
Vejamos: o artigo 29.° da Constituição diz:
A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos.
Que quer dizer «riqueza socialmente útil» e «justiça entre os cidadãos» senão uma justa e equitativa distribuição dos bens que formam o património da Nação? A sociedade será tanto mais perfeita quanto maior for o número dos cidadãos que comparticipam efectivamente nos bens comuns fundamentais e de uma maneira conveniente com a pessoa humana. Criar as condições necessárias à prossecução dos fins supremos do homem é afinal o objectivo supremo do Estado.
Essa distribuição de bens fizemo-la nós através das corporações e das fundações, que não deixavam ninguém deserdado. O liberalismo destruiu essas instituições e do mesmo golpe criou um antagonismo irredutível, caracterizado por dois extremos opostos: de um lado a opulência, com o ruído dos seus festins; do outro a miséria, com os gritos da sua fome.
Ora esta não é a nossa economia tradicional, não é economia a que corresponde à melhor filosofia dos nossos princípios e aos nossos sentimentos; não é economia que nós desejamos e procuramos.
A nossa economia é uma economia de solidariedade, de colaboração, uma economia familiar, uma economia de justiça e de ordem. Importa, pois, corrigir aquele antagonismo, aproximar os dois extremos que o definem, estabelecer uma concórdia entre todos, de forma que os ricos sejam menos ricos e os pobres menos pobres, e todos tenham que baste para satisfação das suas necessidades fundamentais. Como? O comunismo resolve o problema da distribuição pelo nivelamento geral das necessidades, pelo estabelecimento da pobreza colectiva e por isso da escravidão universal. Outra, evidentemente, é a solução e essa reside no exercício da função social da riqueza, na distribuição voluntária do supér-
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fluo. Alegar-se-á, porventura, que isso é impor à riqueza uma limitação. Nos diremos que é apenas reconhecer à riqueza a sua natureza e mesmo a sua glória, já que essa função representa a sua razão de ser, a sua legítima e eficiente justificação. Não há, não pode haver, direito absoluto nem na extensão nem no uso. Se assim não fosse teríamos legitimado a miséria, reconhecido um regime de castas, estabelecido a velha servidão pagã, algemado a maior parte dos homens aos pés do deus Moloch. A nossa doutrina é uma doutrina de libertação; essa afirma-se na função social da riqueza, que tem por limites o bem comum. Em defesa da personalidade colectiva da Nação? Também em defesa e segurança da própria riqueza, que no cumprimento daquela função tem a base da sua estabilidade, pois que a história mostra que, na ordem fisiológica como na ordem social, todos os órgãos terminam quando cessa a sua função.
Assim pensam todas as nações que querem viver e progredir, assim pensam as grandes nações do Mundo, as potências de maior envergadura económica. Já antes da guerra, a Hungria cobrava 80 por cento nos rendimentos que excediam 1 milhão de pengos. A Inglaterra aplica hoje sobre certos rendimentos taxas fiscais que para nós têm a aparência de um confisco. Os Estados Tinidos limitam o volume da riqueza de que, por doação, os cidadãos podem dispor, fazendo reverter o excedente a favor do Estado. E afinal a política que a nossa velha legislação aplicava à instituição dos morgadios.
Estes não podiam exceder uns tantos mil cruzados. Quando o património os excedia, formava-se outro morgadio, criava-se outro património familiar.
Alega-se ainda que tal limitação representa um sacrifício. Se por sacrifício se quer designar a limitação, eu digo que o sacrifício é lei fundamental de toda a sociedade e que, como disse Mella, o sacrifício comparte com a justiça o governo da sociedade. Nenhuma sociedade se fundou e viveu jamais sob o primado do interesse particular. Este, fomentado pelas paixões, só produz a confusão e o caos. Mas foi precisamente para evitar a confusão e o caos que se estabeleceu o Poder Público. Toda a sociedade está pois constituída neste dilema fatal: ou a limitação voluntária e meritória da riqueza ou a limitação forçada e sem mérito. Ou a riqueza se autolimita, derramando no seio da sociedade a abundância de bens que formam «a justiça entre os cidadãos», tornando-se a socialmente útil», ou o Estado, como corregedor do interesse público, a força ao cumprimento dessa função através do imposto, cujo produto se destina a serviços sociais.
O capitalismo anónimo, a riqueza concentrada que vive e actua nos subterrâneos, onde não chega a fiscalização do Estado nem a luz da moral, representa, embora se declare seu inimigo, um associado e poderoso factor do comunismo.
O liberalismo desamortizou a propriedade social em propriedade individual, criando o capitalismo anónimo, fonte de pauperismo e de miséria; o comunismo segue-lhe o exemplo: converte a propriedade individual em propriedade socializada, sinónimo do pauperismo e da miséria colectiva. O capitalista anónimo, colectivismo de empresa, é caminho direito para o capitalismo de Estado, para o colectivismo de massas. A reforma parece-nos por isso lógica e harmónica com os objectivos que se propôs como defesa dos pequenos patrimónios: a defesa contra todos os inimigos tradicionais da Nação. Se a família é o centro em volta do qual se trava a «luta de civilizações», essa luta define-se por um conceito de propriedade, e logicamente, visto que a família tem na propriedade a segurança da sua soberania, o meio de cumprir as suas altíssimas funções. Defendendo a família e investindo com o capitalismo anónimo, a reforma exprime com exactidão a defesa nacional na luta contra o comunismo, ameaça das nossas tradições e da nossa personalidade colectiva.
Sr. Presidente: poderia a reforma ir mais longe? Poderia elevar-se ainda mais alto a base de incidência do imposto? Não poderia ter-se reduzido a taxa de compensação? Quero crer que a reforma resultou de um estudo demorado e consciencioso e que o Governo a levou até onde neste momento podia ir. E de esperar que novas alterações nela venham a ser introduzidas, de harmonia com o desafogo financeiro do Estado e novas exigências sociais da Nação.
Mas, tal como consta da lei, a reforma representa uma autêntica revolução na ordem e na paz, exprime um valiosíssimo esforço daquela revolução que é preciso levar a cabo para que não vingue a revolução da desordem e do caos.
Nisso reside o seu melhor e maior merecimento. Nisso consiste a razão fundamental do meu aplauso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: diz o douto e bem elaborado parecer da Camará Corporativa que entre as inovações da actual proposta de lei de meios se conta o artigo 9.°, que pede apoderes para manter o princípio constitucional, princípio este básico das finanças públicas portuguesas: equilíbrio do orçamento e das contas.
E acrescenta: «Assim, o Ministro das Finanças, nos termos desta disposição, para assegurar o referido equilíbrio e o regular provimento da tesouraria, fica autorizado a reduzir ou suspender dotações orçamentais e a condicionar, do acordo com os interesses do Estado ou da economia nacional, a realização de despesas públicas ou de organismos ou entidades subsidiados ou comparticipados pelo Estado».
Numa palavra, pelo proposto artigo 9.° fica o Ministro das Finanças autorizado a comprimir as despesas públicas, o que, em princípio, achamos muito bem. E também fica autorizado pelo mesmo artigo, «duma forma indeterminada, o estabelecimento de novos adicionais às receitas gerais do Estado», o que, em princípio também, não achamos muito mal. Simplesmente não percebemos.
Diz o douto parecer que «não conhece a Câmara Corporativa qual seja a intenção do Governo, mas manifesta a esperança de que não se torne necessário recorrer a tal medida de agravamento tributário».
Fazendo nosso o voto da Câmara Corporativa, também não sabemos qual seja a intenção do Governo, mas a lógica autoriza-nos a concluir qual seja o seu estado de espirito no que diz respeito à política da moeda e dos preços.
Por isso dissemos há uns instantes que não percebíamos e agora podemos dizer que percebemos.
Digamos por miúdos o que é que não percebíamos e o que é que percebemos.
Quando no ano passado se discutiu nesta Câmara a proposta da lei de meios, a expectativa das esferas governativas era a de deflação natural, produzida pelo engrossamento da circulação dos produtos no mercado interno e no externo. Demonstrei nesta Assembleia que a deflação natural estava ainda distante, pois que, antes que ela se desse, necessário seria exaurir primeiro a circulação potencial e só depois poderia começar a supressão do excesso de numerário circulante que então encharcava o mercado. Por outro lado, que o mercado externo não forneceria tão cedo bens de produção em ritmo acelerado, porque as necessidades lá fora eram muitas e a produção relativamente pequena.
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Quando se deu a crise ministerial de Março passado parece que se deu concomitantemente uma crise de plano nas esferas governativas. À política de deflação natural sucedeu uma política de deflação à força, levada a cabo com muita galhardia pelo novo Ministro da Economia e reforçada vigorosamente, pelo menos no princípio, pela política de crédito do Sr. Ministro das Finanças.
No que respeita à pasta da Economia, tal política tinha principalmente por fim efectuar uma baixa de preços, e para tanto foram usadas duas armas: a polícia e as reservas do Banco de Portugal em valores internacionais.
No que respeita à pasta das Finanças, a coadjuvação foi prestada dificultando o desconto nos bancos particulares, apertando o redesconto no Banco de Portugal, usando enfim de todos os meios para produzir a deflação monetária.
Claro que todas as providências tomadas para levar a cabo a deflação forçada foram precedidas e acompanhadas a grande instrumental da propaganda baixista e, como por encanto, a psicose altista mudou de sinal e passou a psicose baixista. E como natural consequência, no que respeita a bens duradouros, todos deixaram de comprar. Os consumidores que tinham encomendas feitas no comércio suspenderam-nas. Como consequência forçada, o comércio suspendeu as encomendas feitas às fábricas. E, não tendo encomendas para os seus produtos, as fábricas começaram a suspender a laboração e o desemprego industrial surgiu no horizonte como terrível ameaça.
Para grandes males grandes remédios, e logo se fizeram ouvir altissonantes ameaças aos industriais contra os seus haveres e contra a sua liberdade. E de repente surgiu uma estranha obrigação, que é a de trabalhar para perder! Tivessem ou não tivessem encomendas, as fábricas teriam de trabalhar, ou pelo menos de pagar ao seu pessoal, e, ainda por cima, o pouco que vendessem havia de ser a preço regulamentado!
Sr. Presidente: não serei eu quem venha negar aos trabalhadores o direito ao pão nosso do cada dia, porque sou também um trabalhador e ganho dia a dia o meu pão. Mas é preciso distinguir entre o social e o económico, e temos de concordar que é o económico que é a base do social. O económico é o alicerce, o social a superestrutura. Se o alicerce ruir, que sucederá ao edifício?
E, acima de tudo, Sr. Presidente, é preciso não esquecer que estamos para cá, e, graças a Deus, muito para cá, da «cortina de ferro» e que não basta dizer com toda a força abaixo o comunismo! Não, o que é preciso é pôr de parte processos que só se praticam para além da «cortina de ferro». Ou, melhor, processos que só estão na lógica do sistema para lá da a cortina de ferro».
E como este ponto é da mais alta importância e sobre ele reina a maior das confusões, eu vou esclarecê-lo com o exemplo recentíssimo da Hungria, traduzindo fielmente o que sobre ele diz o último número da Review of World Affairs, que é o deste mês de Dezembro.
No dia 31 de Outubro todos os grandes bancos foram nacionalizados, com excepção do Banco do Comércio e Indústria, que de facto é uma instituição soviética. Esta acção contra os bancos foi muito importante, porque eles possuíam 70 por cento do activo de todas as indústrias ainda não nacionalizadas. Deste modo, duma só cacheirada os planeadores soviéticos ganharam completo domínio sobre todas as indústrias húngaras. Isto sucedeu ainda há pouco, e quase ninguém o percebeu, na Inglaterra e na América.
Esta importante manobra foi realizada pelo próprio Vás Zoltan em pessoa, que procedeu deste modo: em primeiro lugar fixou preços para toda
a produção industrial privada, a níveis que não cobriam mais de 60 a 80 por cento do custo. Aos salários e aos preços das materias-primas não se pôs limite, e todavia as indústrias não podiam parar a sua laboração.
Depois de consumidas as últimas reservas de capital e de matérias-primas, os industriais tiveram de recorrer aos bancos para continuarem com a produção forçada. Mas a concessão de empréstimos estava debaixo da alçada da Junta do Crédito, a qual decidiu que nenhuma indústria privada seria assistida senão contra hipoteca. Os juros fixados pelo mesma Junta para estes empréstimos, acrescidos dos encargos concomitantes, chegavam a 36 por cento. E assim, dentro de um ano, toda a indústria privada caiu nas mãos dos bancos e quando, em 31 de Outubro, os bancos foram nacionalizados a indústria entrou com eles na propriedade do Estado, que é dirigido por serventuários da Rússia, quando não pêlos próprios russos.
Pobres industriais húngaros, como eu vos lamento, porque para lá da «cortina de ferro» a escolha faz-se entre a bolsa e a vida. E, posta a questão neste pé, ninguém hesita, todos deixam ir a bolsa. Mas para cá dessa negra cortina o problema não se põe assim, nem se porá nunca, temos essa fé! O dilema no Ocidente põe-se, quando se põe, entre a bolsa e a cadeia, e quando assim é posto só os poltrões deixam ir a bolsa. Os poltrões e os cegos, que não vêem que é muito mais fácil sair da cadeia quando para lá se entra com injustiça do que sair da miséria quando nela se cai por estupidez ou fraqueza.
Ah! Carta do Atlântico, que tantas esperanças acendeste no Mundo e tão poucas realidades ainda nos deste. Prometeste libertar os povos do medo, e nunca foi tão negra, nem tão densa, nem tão pesada, a atmosfera de medo que envolve a Europa do Ocidente e do Oriente.
Sr. Presidente: a acção deflacionista contra a lavoura não foi menos intensa nem menos nefasta. Os produtos agrícolas, de repente, deixaram de ter procura, tanto no mercado interno como no externo. Nacionais e estrangeiros ficaram aguardando a baixa e deixaram de comprar.
Mas aqui foi-se mais longe. Aceleraram-se as importações dos géneros, houvesse ou não houvesse falta deles, para bater os produtos nacionais com a concorrência dos produtos estrangeiros. E diz-se que se chegou ao ponto de vender produtos estrangeiros, designadamente a carne congelada, a preços inferiores aos do custo. Quer dizer, fez-se com produtos estrangeiros concorrência aos produtos nacionais, e até concorrência desleal.
O que se fez com a batata é quase inconcebível. A colheita da batata não tinha sido boa em relação à área semeada, mas a produção fora mais que suficiente para o consumo nacional. Pois apesar disso fez-se importação de batata em tal quantidade que os preços baixaram a ponto de que todos os que semearam para vender perderam. Os efeitos desta política ver-se-ão para o ano que vem, mas as perspectivas não são animadoras...
O que se está a passar com a carne é simplesmente espantoso. A baixa no preço do gado foi de 30 a 00 por cento. Todavia, ninguém o procura. Há matadouros, como o de Coimbra, onde se, não abate nenhum gado bovino durante meses seguidos! E, não obstante, a repugnância pela carne congelada é geral no público coimbrão, devido ao aspecto repelente que apresenta nos locais de venda, por não haver frigorífico naquela cidade. Acresce ainda que muita gente se queixa de se sentir mal com ela e ser voz corrente que aumentaram em Coimbra as doenças intestinais devido ao consumo dessa carne. Mas por acaso serão os produtores de carne
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argentina que hão-de pagar ao Estado Português as contribuições de que ele necessita? Serão por acaso os produtores de batata estrangeira que hão-de fornecer ao Estado Português os meios de que precisa para pagar ao seu funcionalismo? Serão ainda os estrangeiros que hão-de dar aos produtores portugueses os fundos necessários para pagar aos seus operários?
Modernamente insistem os economistas na classificação da população activa em três categorias ou zonas.
Na primeira põem os que tiram do mundo físico as matérias-primas, como sejam a lavoura, a pesca e as indústrias mineiras. Na segunda põem aqueles que laboram estas matérias-primas até as transformarem em produtos acabados, incluindo os transportes. Na terceira categoria põem os que prestam serviços directamente ao seu semelhante: o comércio, as profissões liberais, etc.
Pois muito bem: por muito importante que seja a terceira zona, esta terá de viver sempre dos produtos que lhe serão fornecidos pelas duas primeiras. Se estas não puderem viver, a terceira zona também morrerá à mingua.
Tais foram, Sr. Presidente, em sumaríssima síntese, os efeitos da política de deflação violenta sobre a produção e o comércio. Vejamos agora a outra face: preços e consumidor.
Não há dúvida nenhuma de que a campanha deflacionista teve efeitos psicológicos importantes. Com razão ou sem ela, a verdade é que a atmosfera estava há um aio muito mais carregada do que está hoje e para tanto morto concorreu o dinamismo e a energia do Sr. Ministro da Economia. Conseguiu o Sr. engenheiro Daniel Barbosa duas ordens de sucessos: uma baixa de preços e uma liberdade maior de transacções. Qual destas contribuiu mais directamente para desanuviar os espíritos? Parece-nos bem que foi a libertação de muitos produtos de primeira importância, cuja circulação se achava ora impedida, ora dificultada por embaraços burocráticos. O caso do milho, que valeu ao Sr. Ministro da Economia essa formidável manifestação que lhe foi feita em Braga, é bem típico a esse respeito.
Mas há mais: a baixa de preços que este ano se verificou a grande instrumental de propaganda já o ano passado se tinha verificado quase em silêncio, apenas com a diferença de que a do ano passado foi mais brusca e menos duradoura. Não obstante, é curioso notar as pequenas diferenças que se verificaram entre os números-índices de Setembro deste ano (últimos publicados) e os do ano passado:
[Ver Tabela na Imagem]
Nos preços por junto as diferenças são igualmente pequenas, mas nem todas para menos. Tão pequenas diferenças não podem explicar o sucesso psicológico obtido pelo Sr. Ministro da Economia. A explicação é esta: é que S. Exa., seguindo as indicações resultantes da discussão feita nesta Câmara sobre as actividades corporativas, libertou muitos produtos; não tantos como o País deseja, mas os bastantes para reduzir a muito pouco o «mercado negro». Este é que foi o grande sucesso do Sr. Ministro da Economia, e a Nação está-lhe infinitamente grata por esse inestimável serviço.
O Sr. Albano de Magalhães: - Não foi só esse o sucesso, mas também o de ter conseguido estancar e impedir a subida no ritmo a que estávamos assistindo.
O Orador: - No ano anterior sucedera a mesma coisa, com a diferença de que a descida foi mais brusca e menos duradoura.
A grande manifestação que o Sr. Ministro da Economia teve em Braga foi principalmente devida à libertação do milho.
O Sr. Quelhas Lima: - É assim mesmo!
O Orador: - Começo, porém, a não compreender por que motivo S. Ex.ª não estende ao azeite e ao gado bovino tão salutar, tão útil e tão moralizador principio. Mas estes dois pontos especiais tencionamos tratá-los a parte em momento mais oportuno.
Se tem cabimento a distinção que acabamos de fazer, e cremos que sim, o sucesso psicológico da política do Sr. Ministro da Economia deu-se, não por ela ter sido deflacionista, mas apesar do que nela houve de deflacionismo.
Sr. Presidente: não obstante, o deflacionismo continua no cartaz, e por isso dissemos logo de começo que não percebíamos por que motivo o Sr. Ministro das Finanças nos pedia um cheque em branco contra o contribuinte. Pois se a deflação continua, se os preços continuarão a descer, e tanto que nem se fala nos vencimentos do funcionalismo, as despesas do Estado hão-de fatalmente também descer. E se assim é, e por outro lado as contas públicas têm fechado sempre com saldos positivos, e não nos consta que das deste ano se espere uma excepção, que aliás seria inconstitucional, para quê mais receitas? Para quê tantos receios de ter de cortar pelas despesas públicas?
É que, Sr. Presidente, uma coisa é o presente e outra é o futuro; uma coisa são as aparências e outra as realidades. E as realidades presentes são duras e o futuro não se mostra sorridente. Eu me explico.
Durante o ano de 1946 deu-se uma transformação radical na marcha da nossa circulação monetária e comercial. Não me refiro dum modo especial à nossa balança comercial com o estrangeiro, porque essa só durante três anos apresentou saldos positivos, como se pode ver no quadro junto:
Comércio externo
Em milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Nos oito anos considerados o resultado de conjunto da nossa balança comercial com o estrangeiro (excluído, portanto, do comércio externo o comércio com as nossas províncias ultramarinas) foi um déficit de mais de 2 milhões de contos. Não foi o reaparecimento do déficit desta balança que marcou o princípio de um período novo.
Aliás, a balança comercial só importa como parcela da balança de pagamentos. Ora, os saldos desta continuaram positivos até ao fim de 1946. É o que mostra o quadro seguinte, em cuja 2.ª coluna figuram os acréscimos sofridos pela posição cambial do nosso banco emissor durante os anos que lhes correspondem na 1.ª coluna. Esses acréscimos podem tornar-se, durante o
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período considerado, como sendo o saldo da balança de pagamentos. Se tirarmos aos saldos da balança de pagamentos os saldos (positivos ou negativos) da balança comercial com o estrangeiro, que constituem a 3.ª coluna do mesmo quadro, obteremos os números da 4.ª coluna, que representam os saldos da balança do comércio invisível:
(Em milhares de contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Todos os saldos da balança do comércio invisível são positivos e de uma regularidade impressionante a partir de 1940. De onde vêm estes saldos? Que representam?
Até hoje ainda o não pude apurar. Apenas noto grande semelhança entre a sua marcha e a dos depósitos bancários. É o que mostra a comparação da 5.ª coluna deste quadro (onde vão os acréscimos anuais dos depósitos, expurgados de duplicações) e a 4.ª Mas desta semelhança nenhuma ilação pude tirar com certeza. A primeira mudança significativa deu-se na circulação potencial, e designadamente na rubrica Bancos e banqueiros, a que nós, por comodidade, nos habituámos a chamar circulação potencial propriamente dita. Esta rubrica atingiu o valor máximo de 8.406:261 contos em 24 de Abril de 1946, o mesmo sucedendo a toda a circulação potencial, ou seja à rubrica Outras responsabilidades à vista. Esta mudança é que foi um sinal dos tempos. E porquê?
Porque era indício de que a economia nacional estava a sair da modorra a que a guerra a forçara. O movimento comercial começara a ressurgir, o sangue acelerava-se nas veias da Nação e, à medida que essa marcha ascensional se realizasse, o volume de numerário necessário para as transacções tornar-se-ia cada vez maior.
O recurso ao crédito e ao pé de meia cresceria de dia para dia. Aliás, as estatísticas mostram com toda a clareza a trajectória deste movimento.
Se adicionarmos os acréscimos anuais sucessivos da carteira comercial dos bancos comerciais e dos empréstimos das instituições de crédito, obtemos os números da última coluna do quadro anterior, que representam a totalidade dos créditos concedidos pelas instituições de crédito, em excesso sobre os do ano anterior, tudo referido ao último dia do ano.
Vê-se pêlos números da mencionada coluna que o recurso ao crédito deu um grande salto no ano de 1940, seguido de outro muito maior em 1946. Foi esta procura, crescente de créditos que proporcionou aos bancos comerciais oportunidade para colocarem rendosamente algum do muito dinheiro que tinham improdutivo no Banco de Portugal.
Chegara, pois, o momento de a sua circulação potencial se transformar na actual. Tal foi o sentido da reviravolta dada pela rubrica Bancos e banqueiros no dia 24 de Abril de 1946. Mas essa mudança foi tão suave, tão discreta e tão irregular, que em Dezembro do ano passado, quando discutimos a lei de meios, não tinha eu ainda a certeza se se tratava de uma orientação definitiva, se de uma simples oscilação passageira. Agora, que essa rubrica desceu para a casa dos 6 milhões, já não pode restar dúvida nenhuma de que se trata de uma mudança profundado duradoura.
A segunda conta a mudar de sentido na sua marcha foi a do Tesouro Público, que é em importância a segunda parcela da circulação potencial. Mas, como sucedera com a conta anterior, a sua variação foi tão lenta que só nas médias trimestrais se evidenciou com nitidez.
O máximo foi atingido em 15 de Maio e foi de 3.482:959 contos.
Seguiu-se, na ordem cronológica, a posição cambial do Banco de Portugal (soma das três primeiras rubricas do seu activo), que passou pelo máximo em 14 de Agosto, que foi de 18.967:400 contos.
A circulação de notas passou pelo máximo, que foi de 8.793:303 contos, em 31 de Dezembro.
Só os depósitos continuaram subindo sempre até ao fim de 1946, sem mostrarem tendência nítida para descer nos meses seguintes, pelo menos até Agosto.
Não obstante, comparando os saldos destas contas em 31 de Dezembro de 1946 com o que foram no mesmo dia de 1940, acham-se diferenças positivas em todas, menos na circulação potencial, designadamente na conta Bancos e banqueiros. Mas no corrente ano de 1947 as coisas apresentam outro cariz.
Na verdade, a posição cambial do Banco de Portugal, que fechara em 1946 com um saldo de 18.705:778 contos, estava em 17 de Setembro de 1947 em 16.546:486 contos, tendo sofrido uma quebra de 2.159:292 contos.
Se pensarmos que as despesas feitas com o C. E. P. importaram em 20 milhões de libras, podemos fazer uma ideia aproximada do que isto representa.
O Sr. Pinto Coelho: - V. Ex.ª dá-me licença?
Tenho a impressão de que essa diferença de 2 milhões e tal de contos não deve corresponder só à importação. V. Ex.ª não tem números que me indiquem os valores que respeitam aos bens de produção?
O Orador: - Como já disse atrás, não pude concretamente averiguar. Todavia, segundo afirmações do Sr. Deputado Melo Machado, a géneros agrícolas cabiam 400 e tal mil contos. Agora consideremos os automóveis e a compra de coisas, mesmo úteis, que não interessam; o que interessa, essencialmente, é o apetrechamento industrial do País.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pinto Coelho: - V. Ex.ª satisfez a minha curiosidade. O que eu desejei foi saber se V. Ex.ª possuía elementos concretos.
O Orador: - De concreto, repito, não é possível saber-se neste momento mais do que vem no Boletim Mental do Instituto Nacional de Estatística.
O Sr. Pinto Coelho: - Muito obrigado a V. Ex.ª
O Orador: - Mas, continuando: nas mesmas datas as notas em circulação montaram a:
Contos
Em 31 de Dezembro de 1946 ........ 8.793:303
Em 17 de Setembro de 1947 ........ 8.231:576
- 561:727
Houve, portanto, uma baixa de 561:727 contos.
A conta Bancos e banqueiros foi, nas mesmas datas:
Contos
Em 31 de Dezembro de 1946 ....... 7.618:815
Em 17 de Setembro de 1947 ....... 6.819:274
- 799:541
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A baixa foi dê 799:541 contos.
A conta corrente do Tesouro Público, que apresentava, nas mesmas datas, os saldos:
Contos
Em 31 de Dezembro de 1946 ....... 2.947:542
Em 17 de Setembro de 1947 ....... 2.145:318
- 802:144
sofreu uma baixa de 802:144 contos.
Estas três contas reunidas sofreram uma baixa de 2.163:412 contos, que é a contrapartida, com insignificante diferença, da baixa da posição cambial.
A balança comercial com os países estrangeiros de Janeiro a Agosto deste ano foi:
Contos
Importação ........... 4.134:112
Exportação ........... 1.948:134
Saldo ......-2.185:978
Comparando este déficit com a baixa da posição cambial do Banco de Portugal verifica-se que a sua diferença é insignificante. Quer dizer: nos primeiros oito meses deste ano aquela fonte invisível de cambiais que nos abasteceu abundantemente durante os sete anos que mediaram entre o princípio de 1940 e o fim de 1946 secou. Infelizmente secou, e a boa prudência manda considerar como transitória esta situação, como simples passagem para o período em que a balança de comércio invisível será também negativa. É com isto que temos de contar se quisermos pensar prudentemente.
Mas, Sr. Presidente, ainda há outro facto á comentar. Como já dissemos, o montante dos depósitos nos bancos e caixas económicas, depósitos líquidos, isto é, sem duplicações, longe de iniciar a marcha descendente, como sucedeu às demais contas por nós consideradas o como seria natural, dado que os stocks de mercadorias e matérias primas se estão a refazer a toda a pressa, muito longe de descerem, dizíamos, mantêm-se firmes.
Isto, quanto a mim, só pode ter uma interpretação, e é que tais depósitos não estão ligados directamente às forças produtoras - lavoura, indústria e comércio. Nem tão-pouco é de esperar que sejam os restos dos antigos capitais dispersos pelo País, porque os capitalistas antigos foram asfixiados pela política, há muito iniciada, da baixa de juro. Os titulares desses depósitos, na sua maior força, devem ser capitalistas enriquecidos pela guerra ou que trouxeram capitais do estrangeiro e esperam a ocasião propícia para especular com eles.
Ora isto representa um grande perigo, não só para a solidez da nossa moeda, como para os lavradores, industriais, comerciantes e banqueiros, que dum momento para o outro se podem ver em condição de serem inexoravelmente espoliados dos seus haveres por capitalistas sem escrúpulos.
Como natural consequência destes factos, a crescente procura de créditos por parte dos comerciantes e produtores foi acompanhada duma alta de juro, que dizem ter chegado no mercado livre a 10 e mais por cento. Foi nesta conjuntura que a política de deflação violenta se iniciou e prosseguiu, caminhando aceleradamente para um fracasso absolutamente certo e inevitável, não só pelas reacções que contra si havia de levantar, mas por ser tecnicamente absurda debaixo do ponto de vista monetário.
Como já várias vezes aqui tenho afirmado, com apoio de factos incontroversos, o nível dos preços e o da moeda acabam sempre por se alinhar e só quando isso sucede se atinge uma posição de equilíbrio estável de preços.
Sendo assim, e assim tem sido sempre, e supondo mesmo que a deflação terminou e se entrou no período de estabilização de preços ao nível actual, que é sensivelmente o dobro do de 1938, segue-se que o volume de numerário circulante teria de se reduzir também ao dobro do que foi nesse mesmo ano, ou seja a uma média de 2.400:000 contos, sendo 200:000 de moeda metálica.
A circulação de notas correspondente ao actual nível de preços é, pois, de 4.400:000 contos.
Havendo em circulação actualmente cerca de 8:300:000 contos, seria necessário retirar da circulação, em futuro não muito distante, 3.900:000 contos de notas.
Por outro lado, Sr. Presidente, seria necessário bloquear a circulação potencial, designadamente a conta de Bancos e banqueiros, o que implicaria a congelação de grande parte dos depósitos à ordem. Conta o Governo com estes acessórios, já não digo de uma política de deflação continuada para mais além, mas de simples estabilização ao actual nível de preços? E, se conta, está resolvido a tomar as providências necessárias a esse objectivo que ficaram indicadas?
Cremos bem que não, e por isso dissemos há pouco que compreendíamos o espírito, ou o estado de espírito, do Governo... O Sr. Ministro das Finanças pede-nos um cheque em branco porque já não acredita no sucesso da política deflacionista. Também eu não, Sr. Ministro e ilustre amigo, também eu não. Não acredito, nem acreditei nunca. Nem acreditei, nem acredita ninguém hoje em dia.
Tal política, posta em prática na Inglaterra e na América do Norte no fim da primeira guerra mundial, faliu estrondosamente e faliu para sempre. O que hoje se procura em toda a partey e designadamente na América do Norte, é caminhar suavemente para uma posição de equilíbrio estável, isto é, que se mantenha por si, sem a escora do Estado. A política deflacionista levada a cabo pelo Governo Português procurava um objectivo, melhor, caminhava para um objectivo diametralmente oposto, e por isso mesmo faliu.
E faliu com um grande passivo! Infelizmente com um grande passivo!
Pelo lado dos produtores, muitos fecharão este ano as suas contas com enormes prejuízos e poucos terão ganho para pagar as contribuições.
Pelo lado dos funcionários, continua a miséria e a debandada.
E como sintoma de gravidade extrema está o desfalque sofrido pela posição cambial do Banco de Portugal: 2.159:292 contos em menos de oito meses. Mais de vinte e um milhões e meio de libras esterlinas.
Sr. Presidente: na sessão legislativa passada dissemos nesta tribuna que a guerra, «se, por um lado, nos obrigou à inflação, por outro, nos meteu pela porta dentro a famosa cobertura, base suficiente para salvaguarda do futuro». Ora essa salvaguarda, que, em Agosto do ano passado, chegou a 18.967:400 contos, estava em Outubro deste ano em 16.277:000.
Em pouco mais de um ano baixou de quase 27 milhões de libras.
Mas, Sr. Presidente, para que essa preciosa reserva seja a salvaguarda do futuro é preciso que saia dela:
1.° Um fundo de maneio suficientemente sólido para garantir a estabilidade do poder de compra externo do escudo, logo que se atinja suficiente grau de normalidade no mercado mundial;
2.° Que o resto se destine ao apetrechamento industrial do nosso País.
Grande parte daqueles 27 milhões de libras já escaparam pelas malhas. Se o resto seguir pelo mesmo caminho negros dias nos esperam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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64 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 118
O Sr. Presidente: - Devido ao adiantado da hora vou encerrar os trabalhos.
A próxima sessão será no sábado 13, à hora regimental, com a mesma ordem do dia marcada para a sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Júdice Bustorff da Silva.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
José Alçada Guimarães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel Beja Corte-real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA