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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

ANO DE 1948 30 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 130 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 29 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Alberto Henriques de Araújo

Nota - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 121, que insere as contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano económico de 1946.

SUMÁRIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 128. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pinheiro Torres declarou adoptar, com o Sr. Deputado Querubim Guimarães, o projecto de lei de protecção e conservação dos valores monumentais e artísticos dos concelhos de Portugal, da autoria do falecido Deputado João de Espregueira da Rocha Paris.
O Sr. Deputado Belchior da Costa louvou a decisão de vários Srs. Ministros que se deslocam às diversas terras do País, salientando em especial a viagem do Sr. Ministro das Obras Públicas a Espinho.
Os Srs. Deputados Bernardes Pereira e Antunes Guimarães falaram sobre os vinhos do Douro e da região dos vinhos verdes.
O Sr. Deputado Botelho Moniz apreciou o discurso pronunciado na véspera pelo Sr. Deputado Mendes Correia na parte respeitante à subalimentação dos portugueses.
O Sr. Deputado Melo Machado referiu-se à situação grave dos grémios da lavoura, devida aos encargos que suportam.
O Sr. Deputado Figueiroa Rego anunciou que vai tratar em aviso prévio do problema pecuário.
O Sr. Presidente comunicou que o Sr. Deputado Abranches Martins, tendo sido nomeado juiz do Tribunal de Contas, desejava que a Assembleia se pronuneiasse sobre a sua situação parlamentar.
Comunicou também o Sr. Presidente que recebera vários elementos pedidos pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio sobre o problema do pão. Usou da palavra o Sr. Deputado Mira Galvão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.

Última redacção. - Texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, do decreto da Assembleia, Nacional sobre matéria de hidráulica agrícola.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.

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Artur Proença Duarte.
Belehior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseea.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 128.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre o referido Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Diversos, de apoio ao enviado pelo Grémio do Comércio de Leiria quanto ao descanso dominical em todo o País, dos seguintes signatários: Domingos Trindade, Sociedade Leiriense de Automóveis, Limitada, Francisco Marques, Eduardo Lopes, Centro Comercial Lusitano, José Alves Brito, Santos, Almeida, Limitada, Fernando Guerra, Leiria Acessórios, Limitada, José Assunção Santos, José Bernardo Moreira, Lopes Moreira, Esteves Costa, Pereira, Limitada, Luís dos Santos, Sismeiros, Limitada, Elísio Reis, Pedro Pereira dos Santos, José Oliveira Pedrosa, Manuel Figueiredo, Bazar de Leiria, Limitada, Baptista da Costa, António Caseiro, Manuel José Caseiro, Asdrúbal Faria, Moreira & Irmãos, Joaquim Gomes da Cunha, Lopes & Crepa, Abrantes Vítor, José Elísio da Silva, Limitada, Drogaria Ferreira, Lourenço Zeferino Lourenço, Aníbal Sousa, António Silveira de Carvalho, João Ferreira do Rosário, Fernando A. Freitas, José Martins, Aníbal Varela, Alberto Malagueta, António Pio, António de Sousa Aires, José Reis Santos, José Silva, Júlio Cortês Pinto, Sucessor de António Carvalho, José Teixeira, José Oliveira, Cunha Fonseca, Francisco Ferreira Lopes, Rodrigues, Francisco Almeida Teixeira, Limitada, Patrício Ferreira Patrício, José Mateus Varatojo, Mário Zúquete & Silva, Limitada, Leitão & C.ª e José Franco.

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que o Sr. Deputado Cerveira Pinto me encarregou de transmitir à Assembleia o seu agradecimento pelo voto de pesar expresso pelo falecimento de sua mãe.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinheiro Torres.

O Sr. Pinheiro Torres: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Dr. Querubim Guimarães e eu adoptamos o projecto de lei de protecção e conservação dos valores monumentais e artísticos dos concelhos de Portugal, da autoria do saudoso colega Dr. João de Espregueira da Rocha Paris, que a morto levou tão cedo do nosso convívio e da nossa terra, que ele tanta estremecia.
O amor que ele tinha à terra portuguesa reflecte-se ainda neste projecto de lei, onde ele pôs toda a sua sensibilidade e espírito de nacionalista.
Trazer à discussão este projecto, se corresponde a uma necessidade imperiosa, é também fazer justiça às suas nobilíssimas qualidades e prestar mais uma vez homenagem à sua memória.
Sr. Presidente: todos conhecem o brado de revolta e de indignação que Ramalho Ortigão lançou no Culto da Arte em Portugal contra os atentados, verdadeiramente criminosos, cometidos, por acção ou inacção, contra o nosso património monumental e artístico.
É um verdadeiro libelo acusatório contra os Poderes Públicos que permitiam tais atropelos ou consentiam que se fossem arruinando esses padrões artísticos do passado, que pelo País fora ficaram a atestar o nosso gosto a nossa cultura, a nossa civilização e a nossa história.
Se essa voz, no tempo em que foi proferida, bradou no deserto, em nossos dias encontrou eco na obra de restauro dos monumentos nacionais, levada a efeito, com critério notável e dedicação inexcedível, pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a quem o País fica devendo um prestimoso serviço de salvamento desse nosso património, prestes a desaparecer.
Mas essa voz ainda não teve execução legal quanto a outros monumentos que vão desaparecendo dia a dia.

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Ora o que se fez para os monumentos nacionais e de interesse público pretende-se fazê-lo, por este projecto, para todas as espécies arquitectónicas e artísticas que não foram englobadas naqueles, e que, no entanto, são dignas de protecção por terem interesse local, constituindo também parte integrante do nosso património artístico, como documentos curiosos do passado que, sendo exemplares para estudiosos de arquitectura e história, embelezam e decoram todos os cantos das terras portuguesas.
É aqui um cruzeiro; ali um nicho; um banco de pedra mais além; uma fonte, um chafariz naquela praça; naquele caminho velho um portão de armas, e, por toda a parte, solares, casas nobres ou rústicas, com uma variedade de motivos verdadeiramente surpreendentes.
A má orientação de alguns municípios tem comprometido esse património. Há, porém, excepções honrosíssimas. Nalgumas localidades o camartelo municipal parece que tem prazer em deitar abaixo esse passado artístico para o substituir por verdadeiras avantesmas que se diz chamar-se arquitectura moderna.
Mas quando não é o desaparecimento é o consentimento de obras que modificaram as características de verdadeiras jóias de arte, que o seu dono ou proprietário não compreende nem avalia.
O projecto de lei tem, pois, a finalidade de evitar esses males, tem por objectivo opor uma barreira a esses desmandos, procurando salvar o que é característico e torna as nossas povoações típicas, com marca e personalidade portuguesa.
Indicam-se para tal os meios de pôr em execução a medida, sem que se entrave o desenvolvimento natural da terra ou se atente contra o legítimo direito de propriedade.
As limitações são apenas as resultantes do princípio que se adopta e não são mais do que as que já existem.
São estas as linhas gerais em que se desenvolve a economia do projecto de lei que tenho a honra, também em nome do ilustre Deputado Sr. Querubim Guimarães, de enviar para a Mesa.

O projecto de lei é o seguinte:

Nos concelhos de Portugal existem felizmente ainda elementos de reconhecido interesse arqueológico, arquitectónico, monumental e artístico que não são, porém, susceptíveis de serem classificados de "monumentos nacionais" ou "imóveis de interesse público", como ainda ultimamente se verificou com a capela do Espírito Santo, no concelho de Ponte de Lima, distrito de Viana do Castelo, exemplar românico, que, apesar de manter íntegra a sua primitiva feição e de possuir interesse artístico e histórico, não pôde ser incluída em qualquer daquelas classificações.
Alguns municípios publicaram já posturas em que muito louvavelmente se procura proteger o conservar os valores monumentais e artísticos dos respectivos concelhos.
Parece-nos indispensável, porém, que essa protecção só devo estender obrigatoriamente a todos os concelhos, por intermédio das suas câmaras municipais, que, dentro das suas atribuições, têm competência para defender o valorizar os monumentos naturais, artísticos ou arqueológicos que não possam directamente ser protegidos pelo Estado.
Contribuirão assim os municípios para completar a admirável política de valorização dos nossos grandes monumentos, tão notavelmente prosseguida pelo Estado na sua esplêndida obra do restauro e protecção dos monumentos considerados nacionais e de interesse público.
Para tal fim importa, porém, tomar medidas eficazes, e para tanto importa também revesti-las daqueles indispensáveis princípios de autoridade e de organização, sem os quais nada pode ter existência e continuidade efectivas.
Essas medidas deverão assentar no prévio arrolamento de todas as espécies monumentais, englobando-se nestas: portas, portais, janelas, pátios, claustros, solares, pedras de armas, igrejas, capelas, cruzeiros, inscrições, ferragens, azulejos, nichos, alminhas, tanques, fontes, chafarizes, pelourinhos, soutos, jardins, estatuetas, casas antigas, etc.
Também nos parece justo que se procure poupar o mais possível o ambiente em que esses edifícios, monumentos ou elementos artísticos estão implantados, quando ele possa, contribuir para os valorizar.
E tendo em vista que todos esses documentos artísticos ou arqueológicos, espalhados tão profusamente por todos os nossos concelhos, constituem não só o índice revelador da cultura de épocas passadas, mas também representam, essencialmente, o património espiritual que os nossos maiores nos transmitiram e que nos cumpre, portanto, religiosamente conservar e defender, temos a honra de apresentar à apreciação da Assembleia Nacional o seguinte projecto de lei:

BASE I

Todos os elementos de reconhecido interesse arqueológico, monumental e artístico existentes nos concelhos de Portugal que não puderam obter a categoria, de "monumentos nacionais" ou "imóveis de interesse público" deverão ser classificados "monumentos de interesse concelhio", ficando sob a protecção e vigilância dos respectivos municípios.

BASE II

Para tal fim será constituída junto de cada câmara municipal uma eomissão encarregada de promover em cada concelho o arrolamento de todas as espécies a que se refere a base anterior, podendo nos Municípios de Lisboa e Porto essas atribuições ser dadas às comissões municipais de arte e arqueologia.

BASE III

Estas comissões de arrolamento serão constituídas por seis membros, sob a presidência do presidente da câmara, que nomeará quatro dos seus componentes, sendo os dois restantes nomeados pelo Ministro da Educação Nacional.

BASE IV

Todas as espécies arroladas pelas comissões ficarão imediatamente classificadas como "monumentos de interesse concelhio", devendo os seus proprietários ser imediatamente notificados pela respectiva câmara municipal.

BASE V

Do arrolamento deverá constar a descrição sumária da espécie arrolada, com os pormenores que fundamentaram o arrolamento, nome do proprietário, localização, estado de conservação, número de ordem do registo e data do arrolamento e da notificação a que se refere a base IV e, sempre que for possível, o nome dos anteriores possuidores e a indicação de todos os elementos de informação que possam ter interesse histórico.

BASE VI

Quando a espécies arroladas se encontrem situadas em freguesias rurais, serão enviados aos presidentes das juntas, e regadores duplicados dos arrolamentos, para que estas autoridades possam coadjuvar as câmaras no cumprimento destas leis.

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BASE VII

Toda e qualquer modificação ou alteração feitas nas espécies arroladas sem a expressa autorização camarária serão punidas com a multa a fixar no regulamento a publicar.
Esta multa será aplicada simultânea e independentemente ao proprietário ou inquilino, se for este o mandante, e ao empreiteiro, tarefeiro ou simples encarregado da obra.

BASE VIII

Fica absolutamente proibida a pintura ou caiação de qualquer elemento de granito existente nas frontarias das construções, sob pena da multa a fixar no regulamento a publicar, que será aplicada simultaneamente ao dono do prédio e ao empreiteiro, tarefeiro ou encarregado da obra, devendo dentro de sessenta dias, a contar da entrada em vigor desta lei, todos os proprietários mandar proceder a lavagem de todos os elementos em granito abrangidos por esta base, sob a pena de, decorrido este prazo, incorrerem na multa cominada.

BASE IX

Fica absolutamente proibida a pintura de letreiros ou a fixação de placas indicativas das ruas, vielas, praças, largos, avenidas ou de quaisquer outras inscrições municipais sobre cunhais ou elementos decorativos de granito das construções, sob pena de incorrer na multa a fixar no regulamento a publicar o que a tiver mandado executar.

BASE X

Em todas as artérias das cidades, vilas ou aldeias deverão as câmaras e juntas de freguesia promover substituição dos letreiros pintados ou das placas de ferro esmaltado por placas de granito, tijolo, mármore ou azulejo, conforme as características de cada região, com o respectivo brasão, havendo-o, e a denominação toponímica em baixo-relevo.

BASE XI

A numeração policial de todos os edifícios dos aglomerados populacionais deverá, sempre que for possível, ser feita sobre pequenas placas de granito, tijolo ou mármore, com a numeração em baixo-relevo ou em azulejo.

BASE XII

Em todas as espécies arroladas será aposto em lugar apropriado um sinal de granito, tijolo, mármore ou azulejo com a indicação de "Monumento concelhio".

Os Deputados: João de Espregueira da Rocha Paris - António Maria Pinheiro Torres - Querubim do Vale Guimarães.

O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: habituámo-nos de há muito a ver os Ministros do Governo Nacional deslocarem-se dos seus gabinetes e irem em peregrinação pelo País além, para, com a afirmação da sua presença, darem a garantia e, até mais, a certeza do interesse que lhes merecem os problemas e as aspirações de todas as regiões do País.
Este procedimento dos Ministros do Estado Novo Português é bem diferente do dos tempos em que o País se governava, de preferência, dos gabinetes do Terreiro do Paço, e é bem um traço característico e dominante dos métodos de actuação dos homens que constituem o Governo Nacional.
Escusado se torna encarecer quão são, a todos os títulos, proveitosas e meritórias essas visitas.
Sem pretender excepcionar nenhum dos ilustres membros do Governo, seja-me lícito destacar e pôr em relevo a personalidade do Sr. Ministro das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, que ainda há meses, não se poupando a canseiras nem a sacrifícios de toda a ordem, possivelmente com o risco da sua própria saúde, debaixo de um calor escaldante, deu, com a sua presença em terras da província, um alto exemplo de estímulo, de civismo e de devoção patriótica, auscultando no seio das regiões, que percorreu de lés-a-lés, as aspirações desses povos e até as suas justas reclamações, para lhes dar a conveniente solução.
Vê-se dos jornais de hoje que mais uma vez S. Ex.ª se deslocou do seu gabinete para ir apreciar in loco os resultados de uma tragédia que periodicamente se desenrola numa das mais simpáticas praias de Portugal - a praia de Espinho.
Já deste lugar tive ensejo de me referir, na sessão passada, aos sacrifícios suportados pela população de Espinho com as sucessivas arremetidas que o mar, periodicamente, faz contra a sua costa.
Deslocando-se hoje a essa ridente e progressiva praia o Sr. Ministro das Obras Públicas, para observar, no próprio local, os estragos causados pelo mar em consequência dos últimos temporais, aproveito a oportunidade desta visita a uma terra do meu distrito para render a S. Ex.ª as minhas saudações e as minhas homenagens, que o são também, estou certo disso, de toda a Câmara.
E oxalá que desta visita de S. Ex.ª a Espinho surja a solução precisa para se resolver, duma vez, esse problema crónico que tanto aflige a população espinhense, para bem da Nação e para bem da localidade atingida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Bernardes Pereira: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª ter-me concedido o uso da palavra para fazer algumas considerações, que reputo indispensáveis, sobre determinadas passagens do discurso de ontem, do muito ilustre Deputado Sr. Dr. Antunes Guimarães, passagens essas que muito interessam à região do Douro, em boa parte abrangida pelo círculo eleitoral que tenho a honra de representar.
O Sr. Dr. Antunes Guimarães é não só um dos mais devotados defensores da lavoura nortenha e uma figura de grande relevo nesta Assembleia e nos quadros da União Nacional, mas ainda uma pessoa por quem há muito me habituei a ter uma grande consideração.
Custa-me, por tudo isso, ver-me forçado a exteriorizar discordância de pontos de vista de S. Ex.ª e ter até de fazer ao Governo um pedido oposto ao que o Sr. Dr. Antunes Guimarães daqui lhe dirigiu ontem.
Que o Sr. Dr. Antunes Guimarães me perdoe a ousadia. Mas eu solicito do Governo o favor de aprovar o aumento da percentagem que, de vinhos de pasto consumidos na cidade do Porto, está reservada aos produzidos na região demarcada dos vinhos generosos do Douro. Peço ainda que promova ou patrocine todas as providências complementares que forem necessárias para se evitar que grandes volumes de vinhos do Douro vão para a caldeira.
Sr. Presidente: o Sr. Dr. Antunes Guimarães reconhece que o vinho do Douro merece especial protecção, não só porque é de produção cara, mas também porque o vinho do Porto honra o nosso País onde quer que o saibam apreciar e tem sido, por longos períodos, a mercadoria que mais ouro atraiu para Portugal.
O Sr. Dr. Antunes Guimarães também afirmou, com uma lealdade digna de todos os louvores, que não considera altos de mais os preços constantes das tabelas elaboradas pela Casa do Douro. E eu devo esclarecer

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que essas tabelas mereceram, por sobejas razões, a aprovação das estâncias superiores, apesar de se estar em plena campanha da baixa geral de preços.
Na verdade, contra o que supõem pessoas que conhecem insuficientemente a região do Douro, os preços das tabelas da Casa do Douro, se são compensadores para a produção dos vinhos das pequenas zonas mais produtivas, são insuficientes para remunerar os produtores de muitos mostos durienses que, em tempos normais, eram sempre destinados à preparação de vinhos do Porto, mas agora, por efeito das severas restrições de produção dese precioso vinho, impostas pelo competente organismo de coordenação económica, têm de ser destinados aos mercados de vinhos de pasto ou a ser queimados.
É frequente encontrar-se fora do Douro quem pense que os lavradores durienses vivem livres de grandes dificuldades financeiras. Ainda recentemente um jornalista que há anos percorreu aquela região, e pôde então certificar-se da confiança que os durienses depositavam na sua organização, ficou admirado por eu lhe não poder confirmar a impressão que ele tinha de que a lavoura do Douro não estava em crise.
Porém, a verdade é que a maior parte das poucas reservas financeiras de lavradores durienses já estão esgotadas, e outras estão reduzidíssimas. Para o comprovar basta dizer-se que a seguir à última colheita os pedidos de financiamentos foram feitos em ritmo muito mais apressado do que nos anos anteriores.
Quererá isto dizer que a organização regional não merecia a confiança e esperança que despertou nos lavradores durienses? Erraria gravemente quem tal supusesse.
Se não existisse a organização corporativa da viticultura duriense a situação do Douro não seria agora apenas de crise; seria de completa ruína. E o comércio exportador do vinho do Porto sem a sua organização corporativa também estaria arruinado.
O conhecimento perfeito da realidade não conduz, pois, à condenação ou menosprezo da organização corporativa, mas, pelo contrário, ao reconhecimento da sua grande utilidade. E por isso o Douro continua muito grato ao Governo que outorgou essa organização, o especialmente ao então Ministro do Comércio, Indústria e Agricultura, Sr. engenheiro Sebastião Ramires.
Mas se o Sr. Dr. Antunes Guimarães reconhece que a viticultura do Douro merece toda a protecção que lhe tem sido dispensada e que os preços constantes das tabelas da Casa do Douro nada tom de exagerados, em que foi que S. Ex.ª fundamentou o seu pedido de que não seja estabelecida uma maior percentagem de consumo forçado de vinho do Douro na cidade do Porto?
Na convicção de que qualquer aumento de consumo de vinho do Douro se fará à custa do uma redução correspondente de vendas do vinho verde e na conveniência de se proteger não apenas a região do Douro, mas também as outras regiões vinícolas.
Creio que os produtores de vinho verde estão a temer demasiadamente a concorrência do vinho do Douro. Os apreciadores do vinho verde não o trocam por nenhum outro, salvo como medida de grande economia.
Mas como o vinho do Douro é de produção mais dispendiosa que o do Minho, para os produtores do vinho verde deverá ser muito mais de temer a concorrência dos vinhos que normalmente são destinados à queima e que passem a ficar por destilar em consequência de se queimar grande volume do vinhos do Douro quando se não veja para estes outra forma de escoamento.
Promover que se beba mais vinho de pasto do Douro corresponderá a promover que se destile mais vinho de queima, de produção baratíssima, e portanto o mais perigoso agente de desvalorização dos bons vinhos quando estes tenham de entrar com ele em concorrência de preços. Corresponderá também a proporcionar uma redução do custo de produção do vinho do Porto e ainda a elevar a qualidade média do vinho de pasto vendido a copo, o que não deixa de ser um beneficio para os consumidores.
Quanto à conveniência de proteger os produtores de vinhos de pasto de outras regiões, não serei eu quem a ponha em dúvida.
Mas duas observações entendo dever fazer a tal respeito. A primeira é de que em muitas das outras regiões os viticultores podem dedicar-se a diferentes culturas remuneradoras além da da vinha, enquanto que no Douro a maior parte dos terrenos não são susceptíveis de produzir econòmicamente mais nada além do vinho.
A segunda observação é de que uma forma de proteger os vinhos das outras regiões é promover o mais possível a expansão do vinho do Porto, para a produção do qual é necessária a destilação de um volume consideràvelmente maior de outros vinhos.
Devo ainda dizer que o Estado tem dado nos últimos anos ao Douro leis protectoras e tem-lhe facilitado por vezes a obtenção de empréstimos na Caixa Geral de Depósitos; mas não subsidiou a organização, antes a tem leito pagar contribuições pesadas.
O próprio Instituto do Vinho do Porto, órgão do Estado, e cuja existência não é apenas de interesse regional, mas de verdadeiro interesse nacional, tem sido sustentado apenas pela produção e pelo comércio do vinho generoso do Douro. Por isso não tem podido dispor de capacidade financeira bastante para desenvolver em certos países a propaganda que seria para desejar.
Como muito bem disse o Sr. Dr. Antunes Guimarães, é preciso propagandear os vinhos portugueses no estrangeiro, até mesmo com dinheiro do Estado, pois que essa propaganda é de fundamental importância para a economia nacional.
Parece-me, porém, necessário notar que a propaganda do Estado se deve limitar à dos vinhos de alta qualidade. Para já, toda a importância com que o Estado pudesse concorrer para a propaganda de vinhos deveria ser posta à disposição do Instituto do Vinho do Porto.
A expansão do vinho do Porto será a melhor forma de proteger toda a viticultura nacional.
Sr. Presidente: foram estas as considerações que acerca de algumas passagens do notável discurso ontem aqui proferido pelo Sr. Dr. Antunes Guimarães julguei necessário fazer agora.
Creio que seria abusar da benevolência de V. Ex.ª referir-me a certos outros assuntos estreitamente relacionados com os que abordei e que poderão talvez vir a ser tratados em ocasião mais oportuna.
Por hoje tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães (para explicações): - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são para agradecer ao ilustre Deputado Sr. Dr. Bernardes Pereira as elogiosas referências que se dignou fazer à minha modestíssima pessoa.
Em segundo lugar, é-me grato confirmar o que ontem aqui afirmei, isto é, que todos reconhecem a necessidade imperiosa de se protegerem os vinhos da região duriense pelas circunstâncias a que eu ontem aludi e que S. Ex.ª hoje eloquentemente também pôs em evidência.
Eu devo dizer a V. Ex.ª que os vinhos de pasto do Douro e os vinhos verdes têm cada um a sua clientela. Portanto, os vinhos verdes nunca poderiam recear a concorrência dos vinhos de pasto, aliás magníficos, da região duriense.

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O que receiam os lavradores da região dos vinhos verdes é o reflexo que nos respectivos preços poderiam ter, como já tem, os contingentes de defesa do Douro, no consumo de vinho na cidade do Porto, e que, com a elevação de 30 para 40 por cento, agora solicitada pelo Douro, poderia vir a ser muito maior.
Outro assunto a que eu entendo dever referir-me: S. Ex.ª disse que, apesar de no Douro se verificarem preços que eu ontem não classifiquei de exagerados, antes julguei razoáveis, há a ter em conta a dificílima lavoura da região duriense, bem como a circunstância de ali não se poderem explorar economicamente outras culturas.
Portanto, os preços não são exagerados, mas razoáveis. Ora S. Ex.ª disse que, mesmo assim, nos casais agrícolas do Douro se verificam dificuldades que podem determinar a ruína.
Em face do exposto, imagine V. Ex.ª o que seria a situação económica do Minho, isto é, da região dos vinhos verdes, onde os preços do vinho, que é hoje o seu elemento agrícola que maior defesa lhe assegura, estão muito longe de atingir as cotações fixadas inteligente e prudentemente pela Casa do Douro para os vinhos daquela região privilegiada, tanto para os destinados a benefício como os do consumo.
S. Exa. apelou no seu valioso discurso para o Governo, a fim de que suba de 30 para 40 por cento o referido contingente.
Eu chamo a atenção do Governo, em nome de todos os interesses, não só da região duriense, mas das regiões dos vinhos verdes, do Dão e da Bairrada, para que estude com muita ponderação - a ponderação habitual do Governo - esse assunto, porque é uma questão muito delicada, gravíssima pura as respectivas economias, o pronunciar-se neste momento acerca dessa elevação, cujo anúncio, por si só, foi já o bastante para ter uma projecção danosa, não só nos preços, que baixaram ainda mais, como na procura dos vinhos, que praticamente paralisou.
Eu entendo, Sr. Deputado Dr. Bernardes Pereira, que a propaganda a que ontem me referi, e que V. Ex.ª também defendeu, a fazer pelo Estado em reforço da que já é feita por outros organismos, não só tanto aquém-fronteiras, mas sobretudo no estrangeiro, deve ter por fulcro os vinhos generosos do Douro, porque são o expoente máximo das massas vínicas portuguesas; mas é preciso não esquecer que importa também abrir novos mercados e conservar os existentes para outros vinhos, que, sem terem as características admiráveis dos preciosos vinhos generosos do Douro, são também dignos de toda a protecção, por terem qualidades para nos honrarem em todos os países do Mundo onde, porventura, possam encontrar colocação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: foi pronunciado anteontem perante esta Assembleia um discurso que, julgo eu, necessita algumas palavras de esclarecimento, para que ninguém possa desvirtuar as intenções sempre nobres do ilustre orador.
Dos numerosos assuntos abordados e dos diversos conceitos brilhantemente expostos criticarei ùnicamente um. Por outras palavras: da oração de S. Exa., coektail de ideias aliciantes, escolherei apenas o licor mais capitoso, aquele que facilmente embriaga a imaginação dos homens: refiro-me à velha teoria da subnutrição dos portugueses, tema que as oposições transportaram para os tempos mudemos. Por obra e graça de um certo número de românticos que se meteram a interpretar estatísticas, fazem a caramunha, esquecendo que são culpados do mal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como autoridade na matéria de subalimentação, o nosso ilustre colega citou-nos o Prof. Mala de Loureiro, sem reparar que os seus escritos serviram de mot d'ordre à campanha eleitoral - ou antieleitoral - do Movimento de Unidade Democrática. Em vez de subalimentação fisiológica, tratava-se de subalimentação partidária ... (Risos) ... que os físicos classificariam de potencial e o vulgo designou sempre por apetite. Mas também neste capítulo me parecem errados os cálculos: em vez dos 16 por cento citados, os apetites políticos desses senhores nunca foram inferiores a 100 por cento bem certinhos.
Acho-me perante uma assembleia política e julgo-me obrigado a não enveredar por discussões técnicas ou científicas, que envolvam hidratos de carbono, proteínas, substâncias minerais, vitaminas, matérias acessórias, unidades nutritivas e calorias.
Se, pobre de mim, ousasse seguir tal caminho, repetir-se-ia o apólogo da luta da formiga e do leão.
Mas não resisto a socorrer-me de um estudo do nosso colega Dr. Artur Águedo de Oliveira, publicado em 1943 no n.º 2 da Revista do Centro de Estudos Económicos, e bem digno de leitura atenta.
Águedo de Oliveira, economista conhecedor das realidades, estudioso como raros e profundo como poucos ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... destrói indirectamente a argumentação do professor citado, servindo-se dos próprios números que este apresenta, sem considerar sequer as corrigendas numerosas que poderiam apresentar-se.

O Sr. Mendes Correia: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu utilizei os elementos do Prof. Maia de Loureiro desconhecendo que tinham sido tirados desses materiais argumentos para uma campanha política, mas devo dizer a V. Ex.ª e diante de toda a Câmara que sou colega do Prof. Maia de Loureiro nas Universidades, que convivo com ele no Centro de Estudos Demográficos e que no seu livro sobre a saúde do homem, na monografia sobre as condições alimentares do povo português, não vejo senão elementos científicos de pura objectividade.
Merecem a mesma boa fé com que nós, por vezes, utilizamos aqui muitos outros.
Quanto à comparação dos trabalhos do Sr. Prof. Maia de Loureiro com os do nosso ilustre colega Sr. Dr. Águedo de Oliveira, devo dizer que este último se fundou essencialmente nos dados do primeiro e destes decorre, sem dúvida, ao menos uma conclusão grave: que existe subalimentação em substâncias azotadas. Mas era a uma subalimentação secular que me referi no meu discurso.
Onde, porém, a subalimentação é de há muito desoladora, trágica, catastrófica, é no que respeita ao leite.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as suas explicações ..., mas vejamos:
Comparando a tabela do Prof. Colin Clarck, relativa a China e à Inglaterra (considerados, respectivamente, como os países de mais baixo e mais alto nível alimentar), com as estatísticas alemã e a portuguesa, signée Maia de Loureiro, o Dr. Águedo de Oliveira mostra o seguinte:
As capitações portuguesas de cereais e farinhas eram em 1938-1939 60 por cento superiores às dos mais ricos ingleses, as de batata pràticamente iguais, as de legumes superiores às alemãs, as de açúcar dez vezes superiores às chinesas e inferiores às alemãs e inglesas, as de carne muito superiores às chinesas e bastante abaixo das alemãs e inglesas, as de peixe trinta vezes superiores às

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chinesas, quase triplas das alemãs, quase décuplas das classes pobres ingleses e quase duplas das classes ricas britânicas, as de ovos vinte e quatro vezes superiores às chinesas, quase quatro vezes superiores às alemãs, quase seis vezes superiores às classes pobres da Inglaterra e quase duplas das classes ricas.
Não se vê no capítulo "Gorduras" da estatística Maia de Loureiro qualquer referência à capitação portuguesa, Mas a de azeite, anterior à guerra, era computada em 7 a 8 litros, contra 1,3 quilogramas na China, 17 na Alemanha, 10,6 nas classes pobres inglesas e 7,1 nas classes ricas inglesas. A nossa capitação de queijo, segundo o Prof. Maia de Loureiro, pouco inferior é, em valor absoluto, às capitações alemã e inglesa. E o vinho, para as adultos, figura com a capitação de 178,12, não atingida em qualquer país do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nas frutas e vegetada, alimentação corrente das zonas rurais, não falam os estatísticos democráticos.
Estes números e este quadro são os de 1938-1939.
Em seguida, no seu notável trabalho, o Prof. Águedo de Oliveira compara a estatística Maia de Loureiro com a italiana.
Sem entrar em pormenores, limito-me a dizer que as conclusões são, também aqui, notavelmente favoráveis a Portugal.
Era este o panorama anterior à guerra. Depois dela as coisas evolucionaram de tal forma que a abundância relativa dos portugueses é motivo de pasmo para todos os estrangeiros, mesmo das mais altas classes sociais, que diariamente nos visitam.
Apoiados.
Estávamos, antes da guerra, 16 por cento abaixo do número de calorias que os sábios diziam ser necessário para alimentação racional?
Pode ser. Mas, com perdão dos sábios, nem só de calorias vive o homem.
Risos.
Seja como for, mesmo anteriormente à guerra, a situação nos restantes países da Europa não era preferível à portuguesa. Na América do Norte, considerada como o país de mais alto nível de vida, a alimentação das classes menos favorecidas igualava a das classes idênticas de Portugal.
De resto, as diferenças qualitativas e quantitativas são próprias dos climas, dos hábitos e das facilidades de produção local. As variações dão-se, como toda a gente sabe - menos os estatísticos que só tiram médias -, dentro de cada país, de região para região.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Dr. Águedo de Oliveira, de harmonia com os melhores estudos internacionais, concluiu que o problema do consumo alimentar ascende ao plano mundial. Significa isto que constitui questão generalizada para a qual é indispensável solução de conjunto. Critério idêntico determinou as Nações Unidas a uma cuidadosa revisão anual das disponibilidades e ao condicionamento ou contingentação das exportações e importações. Não compramos o que queremos, mas só aquilo que nos podem vender.
Foi por isso que certos emigrados, que se dizem portugueses, correram à Conferência de S. Francisco pedindo que, no condicionamento do comércio internacional, a população lusitana fosse privada de abastecimentos ... Ou havia democracia, ou não comia ninguém!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada conseguiram dos Governos Aliados, e a Mãe-Pátria continuou a abastecer-se, felizmente em melhores condições do que qualquer outro país europeu, porque possui finanças e economia sólidas, paga de pronto, não pede e antes concede empréstimos internacionais.
E se não conseguimos melhores quotas no rateio internacional, isso deve-se, exactamente, ao facto de as estatísticas demonstrarem que outras nações carecem mais do que nós.
Bastantes esforços fizeram os correlegionários do Prof. Maia de Loureiro para que Portugal fosse realmente um país subalimentado. Foram derrotados.
E então aparecem nos jornais comunistas, órgãos de uma doutrina que condenou à morte pela fome dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças, bocadinhos de ouro como este, que vou extrair do último número do O Militante, de Janeiro de 1948:

Os salazaristas, para conquistarem certa influência nas massas, recorrem a uma política antieconómica de importações, ao mesmo tempo que dão grande publicidade às conferências do Ministro da Economia e às suas promessas demagógicas!

Eternos velhos do Restelo!
Se cuidamos da alimentação do povo, por importações de emergência, enquanto não organizamos totalmente a produção, que os nossos opositores deixaram na última miséria, aqui-del-rei, que praticamos uma política antieconómica!

O Sr. Mendes Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?...
Eu desejaria fazer a afirmação de que nunca, como neste momento, se cuidou tanto das necessidades alimentares do povo português.
Tenho a história do assunto através dos tempos, mas não posso ter, com a mesma generalidade, as opiniões que V. Ex.ª apresenta.

O Orador: - V. Ex.ª referiu-se ao passado, mas eu refiro-me ao presente. V. Ex.ª falou da alimentação de há muitos séculos e eu falo da alimentação astual. E, quanto a esta, vejo que, afinal, estamos ambos de acordo.
Se não importarmos e permitirmos que os preços subam astronòmicamente, aqui-del-rei, que o País está subalimentado!
Se, sob o comando do coronel Linhares de Lima, a lavoura lusitana ganha, arrojada e brilhantemente, a batalha do trigo - ai de nós, que o trigo português é caro, a cultura é extensiva e a terra se esgota ou é levada pela erosão!
Se substituirmos a importação pela produção, como sucedeu, por exemplo, na notabilíssima organização da pesca, secagem e armazenagem do bacalhau, os mesmos homens que só souberam prometer o fiel amigo a pataco logo se levantarem a requerer importações!
Se estamos realizando - e não apenas prometendo! - um plano de trabalho industrial sério, estudado, viável, pleno de certezas - que há-de transformar em poucos anos toda a economia lusitana -, aqui-del-marechal Estaline, que fazemos promessas demagógicas!
Se falamos ao povo, se lhe explicamos os nossos pontos de vista, se respondemos às críticas claras e surdas - aqui-del-Comintern, que fazemos publicidade!
Se nos calamos modestamente, se não damos a um trabalho sério, como o do Dr. Águedo de Oliveira, o relevo que os adversários fornecem às estatísticas de imaginação - dizem que nos encerramos numa torre de marfim e desprezamos a opinião pública!
Herdámos em 1926 um país em ruínas, que o insuspeito Dr. António Maria da Silva, chefe do Governo de-

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mocrático, dizia estar a saque. Penosamente, com o trabalho e sacrifício da grei, mas com a perseverança, a força de ânimo, a inteligência, o saber e o impulso titânico de alguém que se sacrificou mais que todos nós - em vez de sacarmos sobre o futuro, abrimos o caminho para a geração de amanhã.
Ainda não terminámos a tarefa, duramente prejudicada pela guerra. Mas, se nos recordarmos do passado, em poucas palavras destruiremos as acusações.
Apesar do extraordinário aumento do consumo interno, correspondente a melhor nível de vida, as nossas importações baixaram em valor relativo, por terem em muitos casos sido substituídas pela produção metropolitana e colonial. E aquelas importações que mais se têm criticado nos últimos tempos - batata, carne congelada, manteiga e gorduras alimentares -, foram coisa corrente quando governavam as actuais oposições.
Possuímos os recursos financeiros, a iniciativa económica, os elementos técnicos e a qualidade de mão-de-obra para assegurar a execução, em pouco mais de cinco anos, de uma verdadeira revolução económica. Recorreremos ao estrangeiro quando o necessitarmos, estudaremos no estrangeiro quando indispensável, mas que ninguém esqueça que as principais indústrias portuguesas, acabada a aprendizagem, vivem e prosperam dirigidas e servidas de alto a baixo apenas por gente da nossa terra.
Realizámos grandes obras económicas e sociais, quer no particular quer no domínio do Estado. Tantas que nem nos chega o tempo para dá-las a conhecer como merecem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A maior de todas consiste, precisamente, em fornecer trabalho cada vez mais assegurado e melhor retribuído a uma população sempre crescente. Não existe desemprego entre nós. Assistência médica aos operários sindicados e suas famílias, maternidades, despesas para fornecimento de géneros, refeitórios, caixas de previdência, abonos de família, bairros económicos - eis algumas realizações efectivas, indiscutíveis, que contribuem para a melhoria constante e progressiva do nível de vida do trabalhador e, directa ou indirectamente, para a sua melhor alimentação.
Por outro lado, a garantia da liberdade de trabalho, conseguida pela defesa do operariado contra ameaças e coacções de meneurs indesejáveis, evitando a perda de numerosos dias de laboração e das férias correspondentes, corrigiu muitas causas de miséria do passado.
Que cada português olhe desapaixonadamente em seu redor. Estude o seu próprio caso e os das pessoas que conhece. Veja como o aspecto físico da população destrói as alegações dos sábios em política. E depois, em sua consciência, responda a estas perguntas: Está o País mais rico? Indiscutível, na generalidade. Vive-se melhor um relação no passado? Sim, apesar da guerra.
Quanto à última resposta, existem, na verdade, excepções individuais, quase todas filhas de defeitos próprios, e algumas colectivas. Não digamos que são regra geral.
Houve vítimas, nos últimos anos, das consequências da guerra, designadamente da desvalorização da moeda: o funcionalismo civil e militar, que não viu os seus vencimentos actualizados; as chamadas classes inactivas, cujas pensões se reduziram em poder de compra, e os beneficiários de rendimentos fixos em escudos, como os senhorios, os portadores de títulos, etc.
Algo há que fazer a tal respeito. Mas também sob este aspecto nos últimos tempos se melhorou bastante entre nós pelo baixo preço de muitas mercadorias e pelo desaparecimento do a mercado negro", correspondentes à destruição das psicoses da alta e da falta, e que é prenúncio de uma política de estabilização sã.
A redução do poder de compra da moeda foi geral no Mundo. Não constitui mal português. Pelo contrário, podemos dizer que aqui se sentiu menos que em quase todos os restantes países, tanto beligerantes como neutros.
Terminando:
Quer olhemos para 1938-1939, quer estudemos os tempos actuais, tem razão o Dr. Águedo de Oliveira: O problema do consumo alimentar ascende ao plano mundial. Depende cada vez mais da cooperação das nações.
E cada dia vamos estando melhor colocados para que dela beneficiemos, porque possuímos as condições esseneiais: prestígio político, posição estratégica, moeda sã, economia progressiva, ordem nas ruas e ordem nos espíritos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: antes de abordar os dois assuntos para que pedi a palavra, desejo fazer uma declaração: não fui, não sou, nem serei nunca defensor de açambarcadores ou de especuladores de qualquer natureza, por muito agricultores que sejam.
Não afirmei que a especulação, quando feita por agricultores, resultava em beneficio do consumidor e, consequentemente, do País.
Afirmei apenas que quando essa especulação se traduzia em plantar mais era, evidentemente, o consumidor, e consequentemente o País, quem lucrava.
Basta-nos lembrar, Sr. Presidente, que o único género que a retalho se vende abaixo do preço da tabela é a batata, sobre o qual se diz que a lavoura especulou semeando demais.
Não passarão muitos meses que não tenhamos profunda saudade desta pretensa especulação ...
Sr. Presidente: há dois anos levantei nesta Assembleia um assunto que importava e interessava a algumas pessoas.
Tratava-se das dificuldades de transferência entre a Escola de Engenharia do Porto e o Instituto Superior Técnico de Lisboa.
Pareceu-me então que tinham razão as reclamações que se faziam. Não encontrei ninguém que seriamente as contrariasse. Simplesmente tudo continuava como dantes.
Há algumas semanas o Sr. Ministro da Educação Nacional, ouvido o Conselho Permanente da Acção Educativa, resolveu acabar com essa anomalia, que a mim se me afigura que só por capricho poderia permanecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não ficaria bom com a minha consciência se não trouxesse a esta Assembleia, tal como trouxe a reclamação, as palavras de agradecimento e regozijo que tal medida merece.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois disto, Sr. Presidente, quero ainda referir-me a uma representação enviada aos Srs. Presidente do Conselho, Ministros da Economia e das Finanças e Subsecretário de Estado das Corporações pelos Grémios da Lavoura do Porto, Braga, Viana do Castelo, Coimbra e Viseu, cuja cópia tiveram a amabilidade de me enviar.

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VV. Ex.ªs sabem que existia dantes uma associação agrícola, voluntária, feita através dos sindicatos agrícolas, à qual se davam todas as vantagens: não pagavam contribuição nem imposto do selo, gozavam de isenção de franquia, enfim, de todas as facilidades que o Estado lhe podia dar. Essa associação agrícola foi morrendo a pouco e pouco, até se tornar pràticamente inexistente.
Criou depois a actual Situação - a organização agrícola obrigatória. E, apesar de se ter servido dela no período angustioso da guerra, pondo sobre ela todas as dificuldades e todos os papéis antipáticos, a distribuição de todos os produtos que dificilmente, pela exiguidade, se podiam repartir, tornando-a antipática a quase toda a gente e aos próprios interessados, apesar de a continuarem a utilizar para facilitar a acção do Governo em tudo o que representa socorros à lavoura, assistência técnica, disciplina de determinados géneros agrícolas, etc., cai sobre essa organização um peso de encargos de tal natureza que ela não poderá seguramente continuar a subsistir.
Já aqui uma vez referi e li quanto pagava um grémio do lavoura de contribuição industrial. Posso afirmar a VV. Ex.ªs que na grande maioria dos concelhos o grémio da lavoura é o maior contribuinte de contribuição industrial.
Como isso não bastava, veio o imposto complementar.
Mas como os grémios da lavoura ainda continuam a viver, ainda continuam a ser úteis, ainda mexem, Sr. Presidente, nova enxadada na sua existência. Agora estabelece-se que estes organismos deixam de gozar de isenção de pagamento do selo nos seus livros, diplomas, estatutos, certificados, recibos de quotas, que tenham de proee55ar no exercício das suas funções.
Sr. Presidente: um decreto criou os grémios da lavoura; é fácil extingui-los por outro decreto. Agora esta morte lenta parece uma crueldade imerecida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: quero aproveitar esta oportunidade, em que, com elevação e um brilho invulgares, se trata um problema fundamental da nossa economia - o problema cerealífero -, para o completar, visto a interdependência entre este e o problema pecuário. O seu estudo e ligação são de grande alcance no complexo da nossa economia rural.
Nesse sentido, vou enviar para a Mesa um pedido de aviso prévio para se apreciar com largueza a situação da economia da pastorícia nacional e considerar as possibilidades do seu fomento, em ordem ao abastecimento do País em produtos de origem animal. Para poder habilitar-me a tratar este assunto envio para a Mesa um requerimento do seguinte teor:
"Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos, com a máxima urgência, todos os elementos apurados do arrolamento geral de gados referente a 1940, embora ainda sujeitos a rectificação".
Ponho neste pedido a maior instância porque, não obstante estes elementos terem sido solicitados há bastante tempo, por outras vias, ainda me não foram fornecidos.
Disse.

O referido aviso prévio é o seguinte:

"Desejo tratar, em relação com o problema cerealífero em debate, em aviso prévio, da situação económica da pastorícia nacional e considerar as possibilidades do seu fomento em ordem ao abastecimento do País em produtos de origem animal.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 29 de Janeiro de 1948. - Artur Augusto de Figueiroa Rego".

O Sr. Presidente: - Vou dar conhecimento do aviso prévio de V. Ex.ª ao Governo, e oportunamente será marcado para ordem do dia.
O requerimento de V. Ex.ª será imediatamente expedido.

O Sr. Figueiroa Rego: - Muito obrigado a V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Abranches Martins comunica à Câmara que foi nomeado juiz do Tribunal de Contas; o facto criou uma situação parlamentar sobre a qual a Assembleia tem de pronunciar se. A comunicação vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos e pelos serviços técnicos do exercício de farmácia e comprovação de medicamentos, em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: em virtude da demora havida na prestação dos esclarecimentos que solicitei, suponho que não haverá tempo para estudar uma questão tão complexa como essa.

O Sr. Presidente: - O andamento dos trabalhos esclarecer-nos-á sobre isso.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio dos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão acerca da política do pão e dos trigos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mira Galvão.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que subo a esta tribuna na presente sessão legislativa, são para V. Ex.ª as minhas primeiras palavras de cumprimentos, expressão sincera da minha muita consideração.
Srs. Deputados: é já um lugar comum a importância que a cultura do trigo tem para a economia do nosso País e de quase todos os países do Mundo, e por isso não perderei tempo nem o tomarei à Assembleia com citação de números para demonstrar a oportunidade do aviso prévio em discussão.
Simplesmente, Sr. Presidente, descreio da eficácia desta intervenção, porque a isso me autoriza a experiência da trinta e sete anos, durante os quais têm sido baldados todos os esforços que tenho feito, como técnico e como lavrador, tanto verbalmente como em relatórios, representações, palestras, nos congressos, na imprensa, etc., para demonstrar a necessidade de se adoptar uma política do trigo de harmonia com as nossas condições de produção e de franco e persistente estímulo e protecção ao produtor, política baseada principalmente num preço compensador do trigo produzido.
Mas, dada a circunstância de há tantos anos trabalhar como técnico dos serviços agrícolas na região maior produtora de trigo do País, por ser produtor e representar nesta Assembleia essa mesma região, entendi que não devia deixar de, mais uma vez, prestar o meu modesto contributo a esta causa, que reputo basilar da missa economia.
E não o faço, como disse, pela convicção da sua utilidade prática e imediata, mas sim para corresponder à

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confiança que em mim depositaram os meus eleitores, enquanto conservar o seu mandato, e por deferência para com os meus colegas nesta ingrata profissão de produzir trigo.
O assunto é muito vasto e seria necessário comentá-lo baseando as considerações em muitos números, o que tornaria morosa e enfadonha a exposição. Por isso procurarei resumir quanto possível o que julgo indispensável dizer.
Sr. Presidente: da matéria contida no aviso prévio tratarei principalmente da produção do trigo, visto que do consumo e sua integração na alimentação já o fez magistralmente o nosso colega e ilustre Deputado Nunes Mexia.
Sobre a cultura do trigo os pontos que julgo conveniente abordar e discutir são os seguintes:
1.° Que o Alentejo, e principalmente o Baixo Alentejo, é a região maior produtora de trigo do País e que, estudado e resolvido nela o problema da produção económica do precioso cereal, ele estará praticamente resolvido em todo o País;
2.° Adversidade do meio (clima e terreno) para a cultura do trigo, o que torna a produção cara e contingente. Apesar de tudo, necessidade absoluta de cultivar o trigo como determinante imperiosa da economia nacional;
3.º Necessidade de melhorar a técnica do cultivo, com o fim de aumentar quanto possível a produção do trigo em bases económicas e reduzir o seu custo;
4.° Necessidade de se estipular um preço mínimo estável e francamente remunerador, com garantia oficial e revisto por períodos mais ou menos curtos, conforme a maior ou menor instabilidade do valor da moeda e dos elementos e materiais empregados na cultura; e consequentemente
5.° Necessidade, de o preço do pão ser estipulado em função do custo do trigo, ainda que este seja alto e considerado um mal necessário, e não o preço de venda do trigo nacional ser consequência do preço político do pão.
Quanto à demonstração do primeiro ponto de que me proponho tratar, basta olhar para um mapa que tenho presente com o resumo estatístico da colheita do trigo no decénio que vai de 1937 a 1946, gentil e prontamente fornecido pela 3.ª Repartição da 10.ª Secção do Instituto Nacional de Estatística, para se ver, feitos os indispensáveis cálculos, que a produção média de trigo por distrito é de 228:498 quintais, sendo a produção média continental de 4.112:967 quintais, ou, em números redondos, quase 411:300 toneladas.
Para esta produção contribuíram os três distritos do Alentejo com 2.416:546 quintais, o que representa 58,6 por cento da produção continental. Para estes quase 60 por cento de trigo colhido (e nalguns anos é mais) contribuiu o distrito de Beja com 50,5 por cento, o que representa 29,6 quase 30 por cento, da produção total.
Nalguns anos, principalmente nos de boas produções, a contribuição deste distrito chega mesmo ao terço da produção, como por exemplo em 1942, ano da maior produção do decénio, em que o distrito de Beja colheu 1.747:919 quintais, o que representa 33,3 por cento da produção continental, que foi de 5.242:521 quintais, e 55,3 por cento da produção de todo o Alentejo, que foi de 3.339:989 quintais.
A produção de todo o Alentejo influiu em 63,5 por cento da produção continental, e isto deu-se já em plena guerra, tendo aumentado bastante o custo de produção, devido ao encarecimento das alfaias, adubos, mão-de-obra, etc.
Mesmo na Federação Nacional dos Produtores de Trigo, onde fui pedir alguns elementos de estudo, me afirmou pessoa categorizada, e o mesmo aconteceu no Instituto Nacional de Estatística, que, em sabendo se as produções são boas ou más no Alentejo, e principalmente no distrito de Beja, já faziam uma ideia bastante precisa do montante da produção desse ano no continente, tal é a preponderância desta província no montante da colheita total do País.
Parece, Sr. Presidente, ficar assim demonstrada, mais uma vez, a veracidade da velha e lendária asserção de que «o Alentejo é o celeiro do País», mau grado a pobreza congénita das suas terras e a irregularidade desconcertante do seu clima.
Pelas mesmas razões, as considerações que vou fazer referem-se em especial à cultura do trigo no Baixo Alentejo.
Poderá parecer à primeira vista que, sendo o Baixo Alentejo a região que produz mais trigo no País, este cereal encontra ali um meio óptimo ao seu desenvolvimento, o que é uma presunção errada. Não só os terrenos das regiões do Alentejo que produzem o maior volume de trigo são dos mais pobres que no País se utilizam para a cultura dos cereais, e daí uma das principais razões das suas baixas produções unitárias, como o clima e principalmente o regime das chuvas é o mais irregular possível e a principal determinante das grandes alternativas nas produções.
Como se sabe, o regime de precipitações é nesta região de chuvas por vezes torrenciais durante o Outono, Inverno e Primavera e de escassez quase absoluta nalguns meses, principalmente nos de Verão.
A média da chuva caída na região de Mértola e registada no nosso posto ecológico de Vale Formoso nos últimos dezassete anos - 1930-1931 a 1947 - foi de 695 milímetros, com uma média de setenta dias de chuva por ano, mas baixou em alguns anos a pouco mais de 300 (331 em 1937-1938 e 352 em 1944-1945) e noutros anos atingiu mais de 1 metro (1m,087 em 1945-1946, 1m,061 em 1939-1940 e 1m,069 em 1946-1947).
Na região de Beja, mais arborizada, as médias das precipitações são um pouco mais elevadas e na região do Campo Branco, desarborizada, muito mais baixas, pouco passando nalguns anos de 200 milímetros.
De uma maneira geral, os anos de maiores chuvas são maus, e os melhores são aqueles que se aproximam da média ou ficam abaixo desta.
Em 1934, ano de maior produção de trigo no País (710:682 toneladas), registaram-se em Vale Formoso 408 milímetros em sessenta e seis dias de chuva durante sete meses e em 1939, outro ano bom (517:705 toneladas de trigo), registaram-se 684 milímetros em sessenta e cinco dias de chuva durante dez meses; mas nestes anos as chuvas foram bem distribuídas, principalmente nos meses da Primavera.
No decénio de 1937-1946 as chuvas registadas no mesmo posto deram uma média de 803mm,82 e houve quatro anos com chuvas superiores às médias.
As produções de trigo nos mesmos anos, tanto neste concelho como no distrito, foram cinco anos superiores à média e outros cinco menores.
Infelizmente sobre este factor preponderante nas produções pouco ou nada pode o homem influir. Besta-nos corrigir os outros que estão ao nosso alcance, para tornar a cultura do trigo tanto quanto possível económica e remuneradora, para se poder exercer.
Não posso, porque não cabe no tempo, nem devo, porque isso não interessaria à Assembleia, fazer a descrição pormenorizada dos terrenos que produzem o trigo no Baixo Alentejo, tanto mais que esse assunto tem sido por nós tratado e demonstrado com análises e outros elementos de apreciação em várias publicações. Julgo, no entanto, dever dizer que, com excepção da zona dos chamados «barros», estas terras são, não só de uma extrema pobreza em elementos nutritivos para

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as plantas, mas também na sua maior parte de uma pequena espessura, aflorando em muitos pontos a rocha ou o subsolo improdutivo.
Os chamados «barros», mais ou menos de origem diorítica, formam, além de manchas dispersas, uma faixa bastante irregular, que se estende, atravessando o distrito, de leste para oeste, desde o concelho de Moura, passando pelos de Serpa, Beja, Cuba, Ferreira e Aljustrel.
Mesmo estes terrenos, mais conhecidos por «barros de Beja», são de uma constituição físico-química muito variável e desequilibrada, o que nos levou a agrupá-los em diversas classes, e, apesar da sua lendária fertilidade, são na sua maior parte de uma extrema pobreza, o que levou Miguel Fernandes a dizer que «se eles eram célebres nalguma coisa, era no equilíbrio da sua pobreza em elementos fertilizantes».
Apenas os barros chamados «forneiros», de que são tipo a pequena mancha dos afamados barros da Salvada, e os idênticos, mas menos conhecidos de Ervidel, são mais favorecidos nalguns elementos químicos, mas a sua maior produtividade é principalmente devida a um maior equilíbrio na sua constituição física, por entrarem na sua formação arguas vermelhas provenientes dos xistos. Têm, no entanto, estes barros o mérito de, por meio de boas lavouras e dispendiosas adubações, se poderem elevar em anos de chuvas favoráveis às mais altas produções de cereais que se conseguem no Alentejo, 20 ou 30 sementes, ou seja 2:000 a 3:000 quilogramas por hectare.
Mas estas produções na grande cultura são raras e excepcionais e só se conseguem em anos bons com boas adubações mistas, orgânicas e químicas, ou, dada a escassez de matéria orgânica na região, com fortes adubaçoes azoto-fosfatadas, cujo custo, com os preços actuais do trigo e dos adubos, atingem o valor de três sementes e mais. Todas as despesas de cultura regulam nestes terrenos por 13 a 14 sementes.
No distrito para o sul desta faixa predominam os xistos, que produzem os terrenos conhecidos por «terras galegas», que é um sinónimo de «pobre». «A fome e o frio fazem o gado galego», diz um velho rifão.
Ao norte da faixa dos barros os terrenos são muito variados do tipo «galego», em grande parte provenientes dos xistos, outros dos pórfiros e rochas metamórficas, na sua maior parte arenosos, magros e pedregosos; outros ainda provêm dos granitos, outros são formados por detritos em que entram mais ou menos elementos de todas estas formações, constituindo nalgumas partes bons terrenos para muitas culturas e uma grande parte terrenos também magros e pobres.
Ao poente do distrito predominam os detritos muito variáveis e grandes manchas de terrenos arenosos pobres do miocénio que se encontram desde o mar até Ferreira. A maior parte destes terrenos são de natureza muito pobre e por isso conhecidos, como os dos xistos, também pelo nome genérico de «terras galegas».
Os provenientes dos xistos são, como se disse, o protótipo das aterras galegas», estruturalmente pobres e desequilibrados na sua constituição físico-química e mecânica, dando terrenos com características dos arenosos nos pontos mais altos, e nos pontos mais baixos, para onde as águas pluviais arrastaram a argila, terrenos fortemente argilosos, compactos, impermeáveis à água e ao ar, difíceis de trabalhar. Constituem estes terrenos unia zona clássica no Baixo Alentejo para a cultura dos cereais praganosos, conhecida por «Campo Branco», devido à cor mais ou menos esbranquiçada que apresentam, principalmente no Verão (como se pode ver na Etnografia Portuguesa, vol. in, pp. 563 e 564, de J. Leite de Vasconcelos).
Esta região tem como centro Castro Verde, mas encontram-se terrenos agricolamente muito semelhantes em todo o sul do distrito, desde Barrancos até Ourique e noutros concelhos. São os terrenos clássicos da cultura extensiva do trigo estruturalmente pobres, endurecendo extraordinàriamente no Verão, secando até grande profundidade, mas sem fenderem, o que os distingue dos barros dioríticos, que se contraem e abrem grandes e profundas fendas.
Esta característica torna impraticáveis as lavouras de Verão nas terras galegas, em seco, devido à sua extrema dureza. No Inverno encharcam fàcilmente, e neste estado dão péssimo fabrico, tanto em lavouras de sementeira como em alqueive, secando depois e «entaipando» quando mobilizadas moles, tornando impossível a vida das plantas.
Sr. Presidente: toda esta enfadonha exposição para quem não é técnico agrícola julguei-a indispensável para mostrar quanto é ingrato para a cultura cerealífera o meio «terra», que produz mais de metade do trigo que o País come, e justificar as suas baixas produções e fraco rendimento líquido das culturas.
Todos estes terrenos e uma grande parte dos chamados «barros» ainda há cerca de sessenta anos estavam cobertos por extensos matagais, a lendária «charneca alentejana», coió de lobos e javalis, porque, dada a sua pobreza em fósforo, pouco produziam e só eram cultivados em pequenas áreas em volta dos longínquos montes e povoados, mas só o indispensável para produzir o trigo necessário para o sustento dos habitantes da região.
Apesar da escassez quase absoluta de vias de comunicação, pois o distrito de Beja já em 1903, cerca de quinze anos depois de começarem as arroteias, ainda possuiu apenas, segundo o Anuário Estatístico, 60 metros de estrada por quilómetro quadrado de superfície (a Bélgica possuía em 1908 1:200 metros de estradas macadamizadas por quilómetro de superfície-territorial); apesar, repito, desta falta de vias de comunicação, base essencial do progresso agrícola, da pobreza dos seus terrenos, da irregularidade do clima e da falta de garantia para colocação do produto, bastou a descoberta e introdução dos superfosfatos e, depois, doa guanos e adubos azotados, que permitiram fornecer a estas terras o elemento mais deficiente e determinante da produção - o fósforo -, para que as charnecas tombassem adiante do lavego e do churrueco do lavrador e do seareiro, a princípio lentamente, como era natural, e depois da lei de 1899 (que garantiu aos produtores o consumo do trigo nacional a um preço julgado remunerador) em ritmo acelerado, e assim estes terrenos, que dantes, pareciam incapazes de produzir outra coisa que não fosse o anato, azinheiras e sobreiros, se desentranhavam em trigo, chegando a produzir em anos seguidos searas que davam de 12 a 18 e até 26 sementes.
Assim se consumiu em anos sucessivos de cultura a elevada percentagem de matéria orgânica proveniente dos detritos da charneca, acumulada durante milénios.
O que depois se seguiu é do domínio público, por ser mais recente; foi por nós relatado e resumido no último Congresso de Ciências Agronómicas e publicado na folha de divulgação, intitulada «A matéria orgânica nas regiões cálido-áridas e a defesa da fertilidade da terra», 1943.
O alargamento da área cultivada de trigo à custa da redução dos pousios representava uma ameaça grave de esgotamento da fertilidade de fundo destes terrenos pelo desgaste e consumo de matéria orgânica, aumento consequente da sua acidez fisiológica e maior predisposição para a erosão, e como técnico lancei então o grito de alerta, com a publicação (1935) da folha de divulgação (em que foi ampliada uma outra de 1930) intitu-

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lada «Agricultura extensiva, cultura intensiva e económica », nas quais pus em evidência o inconveniente de um tal sistema, caro, contingente e antieconómico, e o perigo iminente para a economia da exploração agrícola em se aumentar a área da cultura à custa dos pousios, isto é, diminuindo os anos de descanso das terras, processo cómodo e à primeira vista conveniente, mas destruidor da matéria orgânica, difícil ou impossível de se reconstituir naquele meio por outra forma prática, segura e económica que não seja a do pousio, para se manter em nível conveniente a produtividade da terra.
Mas com mágoa constatei que o meu apelo não foi ouvido; «a desorientação continuou e agora a maior parte dessa» terras mais pobres, como nas serras de Mértola e de Serpa, desfavorecidas ainda pelo clima e pelo excesso de chuvas, que as deslava e arrasta para os rios a melhor terra e os princípios fertilizantes, negam-se a produzir».
Há já alguns anos que as produções vêm baixando, tornando antieconómica a cultura cerealífera, pois «quando se esgota a matéria orgânica - estas terras - negam-se a produzir e têm que ficar de pousio», como de há muito havia também observado e escrito o Prof. Rebelo da Silva e o fizeram noutros países outros autores de grande nomeada, como Sir John Russel.
Apesar do aumento progressivo do preço do trigo nos últimos anos, nas regiões das terras mais pobres - e é o caso do sul do distrito de Beja- já quase desapareceram os seareiros nestes últimos anos, e as terras que eles dantes disputavam pura as cultivarem ao quarto têm ficado de pousio porque os poucos seareiros que escaparam à ruína económica dos últimos anos nem mesmo ao oitavo as puderam ou quiseram cultivar.
Seria interessante, Sr. Presidente, apurar quantos seareiros, o mesmo é dizer famílias de pequenos agricultores, viviam até 1940, por exemplo, à custa da cultura do trigo e deixaram de o produzir, pelo menos para venda em quantidade que possa influir no abastecimento do País.
Sabe-se, pela observação directa e pela falta de procura de terra, que essa laboriosa classe deve ter diminuído talvez não menos de 90 por cento, mas não consegui números oficiais para o demonstrar. Ainda tentei obter da Federação Nacional dos Produtores de Trigo esses elementos, pela diminuição dos manifestos de pequenas quantidades até 10:000 quilogramas, por exemplo, mas os números registados e obsequiosa e prontamente fornecidos pela Federação não nos elucidam.
Se é certo que desapareceram muitos manifestantes por terem deixado de produzir trigo para venda, e ainda mais por terem deixado de o cultivar, essa quebra foi preenchida com a baixa de categoria de outros cultivadores, e principalmente por ser facultado aos produtores fazerem mais de um manifesto, e ainda por ser permitido aos grémios agruparem pequenos produtores num só manifesto, além de outras circunstâncias.
Ainda há poucos dias me dizia um progressivo lavrador do termo de Mértola que até 1943 dava terra à ração a 330 seareiros e em 1946 já tinha só 2. Todos os outros haviam desaparecido, ficando as terras por cultivar. E como eram terras pobres, que não davam conta ao lavrador cultivá-las, tiveram de ser aproveitadas paru pastagem. Este ano só com o pequeno aumento que teve o preço do trigo ($20) e na esperança de que o custo da cultura baixasse, visto que tínhamos entrado na psicose da baixa, já apareceram numerosos seareiros a pedir terra à ração para alqueivarem, e quem sabe à custa de quantos sacrifícios o vão fazer na expectativa de ganharem alguma coisa.
Os elementos que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Beja amavelmente me forneceu sobre o movimento de empréstimos por ela feitos no último decénio mostram claramente o agravamento da situação económica do lavrador alentejano.
Mesmo não desejando abusar da generosidade de VV. Ex.ªs em me escutarem, julgo indispensável fazer algumas referências a estes números.
Indicarei apenas os números redondos relativos aos milhares de escudos. Para 1938 transitaram do ano anterior empréstimos no valor de 444 contos. Já transitaram para o ano seguinte (1939) 71 empréstimos, no valor de 1:433 contos. De 1939 para 1940 transitaram 113 empréstimos, no valor de 2:525 contos. De 1940 para 1941 250 empréstimos, no valor de 7:073 contos. Para o ano seguinte (1942) transitaram 230 empréstimos, no valor de 7:414 contos. Para 1943 baixaram um pouco, para 220 empréstimos e 6:917 contos, exactamente por ter sido o ano de 1942 de boas produções de trigo.
De 1943 para 1944 tornou a subir o número de empréstimos por pagar (234), no valor de quase 8:175 contos. De 1944 para 1945 baixou um pouco a importância dos empréstimos (7:709 contos), mas aumentou o número de mutuários para 260, o que mostra as dificuldades financeiras de um maior número de agricultores. De 1945 para 1946 transitaram 382 empréstimos, no valor de 12:415 contos, e de 1946 para 1947, 352, no valor de 12:094 contos. De 1947 para 1948 já transitaram por pagar mais empréstimos (370), no valor de 12:229 contos.
Em conclusão: de 444 contos que ficaram por pagar em 1937 foram aumentando os empréstimos em dívida até 1947, ano em que já ficaram por pagar 12:229 contos. Os empréstimos feitos e o seu montante aumentaram também progressivamente de 137 em 1938, no valor de 2:441 contos, até 1947, ano em que foram feitos 365 empréstimos, no valor de 12:164 contos.
Pelo mapa que também gentilmente nos enviou, a nosso pedido, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Serpa, relativo ao mesmo decénio, chegamos a conclusões idênticas.
Assim, nesta Caixa transitaram de 1937 para 1938 233 empréstimos, no valor de 3:699 contos, e foram aumentando sucessivamente o número de empréstimos e a sua importância, de forma que em 1943 já transitaram para 1944 502 empréstimos, no valor de 6:288 contos, e de 1947 transitaram para 1948 700 empréstimos por pagar, no valor de 9:875 contos.
Esclarece ainda o ilustre director desta Caixa: «Julgamos conveniente esclarecer que, se o número de empréstimos não tem aumentado sensivelmente nos últimos dois anos, não é porque a lavoura não tenha tido necessidade de o fazer, mas sim porque grande parte dos agricultores tem o seu crédito esgotado e não pode já levantar mais dinheiro ... É também conveniente notar que grande número de empréstimos são arrumados nos seus vencimentos por encontro com novos empréstimos, em geral de valor aumentado, porque os mutuários não estão em condições de fazer a sua liquidação a dinheiro, e assim vão vivendo à espera do tal ano cerealífero das trinta sementes, que nunca chega».
Devemos ainda lembrar que, se é certo que o maior valor dos empréstimos se deve em parte ao menor valor do dinheiro, também é certo que o maior número de mutuários só se pode atribuir às maiores dificuldades que a lavoura do trigo tem suportado durante estes últimos anos, devidas, não só às baixas produções, mas principalmente a não lhe ter sido pago o trigo por um preço que se aproximasse, pelo menos, do seu preço de custo.
E não se pode atribuir este aumento de dificuldades à quebra de outros rendimentos da exploração agrícola, porque os lavradores que recorreram a estes empréstimos

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são, na sua maior parte, os que vivem, não só da cultura do trigo, mas de outras culturas, e, principalmente, os que possuem gados e tiram dessas actividades a maior parte dos seus proventos. Apesar disso, estes rendimentos não chegaram para saldar o que perderam na cultura do trigo.
O seareiro, então, e o pequeno lavrador, que viviam só da seara, ficaram arruinados.
Consequência de maus anos agrícolas, sem dúvida; mas esse é o fenómeno normal, e os anos de boas produções cerealíferas são quase uma excepção, como se pode provar com grande número de contas de cultura que tenho em meu poder e com os números fornecidos pela estatística, e não é por esses anos bons que se pode ou deve regular o preço do trigo, se não se quiser arruinar a economia da cultura trigueira, que é também uma parcela importante da economia da Nação.
Talvez que alguns Srs. Deputados desejassem que lhes dissesse qual é o preço de custo do trigo, mas eu já mostrei como isso é variável; só comparando e pondo em equação muitas contas de cultura, conscienciosamente feitas, com dados locais e reais colhidos nas principais zonas de produção e relativos ao mesmo amo se podem tirar conclusões aceitáveis para a determinação do preço médio.
Eu tenho em meu poder o resumo de umas quarenta contas de cultura feitas entre 1934 e 1943 pelos técnicos da brigada técnica de Beja nas principais zonas de cultura do trigo do distrito de Beja, mas como os valores então considerados estão hoje muito desactualizados e seria enfadonho para a Assembleia a citação de tantos números, limito-me a apresentar a VV. Ex.ªs a conta de cultura do trigo produzido na última colheita (1947) numa propriedade de barro forte, ma região de Beja, e a fazer sobre ela algumas considerações.
Citarei apenas as rubricas consideradas e os valores por elas despendidos e recebidos, sem entrar no pormenor de como foram encontrados ou deduzidos esses números; mas as contas estão ao dispor dos Srs. Deputados que as quiserem analisar.
Despesa por hectare. - Preparação da terra, 830$50; adubação, 624$30; semente e sementeira, 475$80; amanhos cullturais, 474$; colheita, 452$; debulha, 266$40; administração, 142$83; renda da terra, 420$; encargos do capital de exploração, 163$50; seguro da seara, 37$; seguro contra acidentes de trabalho, etc., 30$; diversas despesas, 30$40; assistência social, 20$. Soma das despesas, 3.967$73.
Receitas. - Avanço às culturas, 256$60; quota-parte dos fertilizantes para as culturas seguintes, 158$80; valor da pastagem, 8$50; valor das palhas, 9$; valor ao trigo colhido [900 quilogramas a 2$80(3)], 2.522$70. Soma 2.955$60.
Prejuízos da cultura, 1.012$13; custo de cada quilograma de trigo, 3$92(7). Sementes necessárias para cobrir as despesas, cerca de 14.
Devo ainda dizer a VV. Ex.ªs que há quatro anos que nesta propriedade se colhem 9 sementes, e, cultivando-se em média 20 hectares com trigo, o prejuízo anual é de mais de 20.000$. Digam-me VV. Ex.ªs se há alguma empresa ou exploração que se aguente perdendo assim. Aqui têm VV. Ex.ªs o que foi a cultura do trigo nas chamadas «terras boas» da região de Beja nestes últimos quatro anos.
Sr. Presidente: sobre o terceiro ponto que me propus tratar não há dúvida de que, dada a impossibilidade de influirmos poderosamente na melhoria e regularidade do clima, principalmente na distribuição das chuvas, só nos resta orientar a técnica do cultivo de forma a evitar o mais possível os perniciosos efeitos das adversidades do tempo e melhorar os outros factores que mais dependem de nós, influem no aumento da produção e no barateamento do seu custo. Depois, cumpre ao Governo estipular um preço de venda que seja remunerador em relação ao custo médio da produção.
Com o fim de melhorar e aperfeiçoar a técnica do cultivo muito se tem feito já desde a campanha do trigo. Sobre esse assunto escreveu Quartim Graça em 1938:

O Ministério da Agricultura, graças ao espírito renovador que imprimiram aos seus trabalhos o Sr. coronel Linhares de Lima e os técnicos que o acompanharam, às possibilidades materiais de que dispunha e ao entusiasmo que se apoderou dos técnicos e da lavoura, nalguns casos com verdadeiro misticismo, conseguiu meios de acção com que até aí nunca tinha contado.
As brigadas da campanha e os organismos já existentes da Direcção Geral do Fomento Agrícola, tendo um plano de trabalhos, dinheiro, meios de acção e um corpo de técnicos que cada vez se foi tornando mais numeroso, sabedor e inexcedivelmente dedicado, puderam pôr à disposição da lavoura, que acolheu de braços abertos esta iniciativa do Estado Novo, os mais variados e valiosos meios de acção. Daí em diante, aperfeiçoando uns, criando outros, chegou-se ao apetrechamento técnico de que os serviços hoje em dia (1938) felizmente dispõem,

mas que presentemente necessita novamente de ser revisto e ampliado.
A criação da Estação Agronómica Nacional, onde se estão estudando, científica e pràticamente, todos os assuntos de maior interesse para a agricultura; a da Estação de Melhoramento de Plantas de Eivas e os seus núcleos de melhoramento junto de algumas brigadas e de outros organismos, onde, além de outros trabalhos, se estão produzindo novas variedades de trigos e de outras plantas mais produtivas e resistentes aos parasitas e aos vários factores adversos, e a das estações agrárias, cuja montagem é indispensável acelerar, estando a de Beja em via de organização há já alguns anos, influirão também, estamos certos, na melhoria das condições da produção.
O que é necessário é dotar os organismos regionais com os técnicos e o pessoal indispensáveis a uma propaganda intensa dos meios racionais do cultivo adequados às diversas regiões do País, com características distintas. Estudar a maneira prática de se conseguir uma divisão mais justa e equitativa dos rendimentos da terra, pondo um travão às rendas excessivas e a curto prazo, que conduzem o Tendeiro a uma cultura esgotante e prejudicial ao património fundiário.
Determinação de uma quota de parceria ou ração, estudada para cada região, que dê ao seareiro e ao senhorio a justa remuneração do seu trabalho e capital e ainda uma melhor ordenação das rotações, tendo em vista o combate à erosão, à produção e defesa da matéria orgânica, excluindo da cultura cerealífera os terrenos muito declivosos, magros e pobres das margens dos rios e seus afluentes, os quais devem ser estudados sem perda de tempo, demarcados e povoados de plantas silvícolas, das quais já se conhecem algumas adaptáveis a esta região e preciosas para a produção de lenha, são outras tantas medidas que se impõem e que influirão favoravelmente na produção económica do trigo, possivelmente na melhoria do clima, nas condições económicas e sociais do trabalhador e no abastecimento de combustíveis lenhosos, outro problema a resolver, também muito importante e directamente ligado à economia da produção do trigo.
Sr. Presidente: durante a última guerra o que muito influiu também para as baixas produções que se verificaram nalgumas culturas, e especialmente na região

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dos barros, foi a falta de adubos, principalmente azotados, e a sua morosa e algumas vezes má distribuição, feita através de numerosos organismos, que complicavam e dificultavam a chegada a tempo e horas dos fertilizantes ao seu destino, além do seu alto custo, que amedrontava os mais cautelosos, pelas grandes somas que eru necessário despender munia empresa que tão poucas garantias dava de bons ou mesmo de alguns lucros.
Por todas estas razoes, muitas adubações foram deficientes e disso se ressentiu também a produção. Mas parece que, quanto a adubos, o fabrico dos superfosfatos está mais ou menos assegurado se não surgirem novas complicações internacionais que dificultem a aquisição e transporte da matéria-prima - as fosforites - e o abastecimento dos azotados deve melhorar consideràvelmente, pelo menos em quantidade, dentro de alguns meses, quando começar a produzir a nova fábrica de azote sintético em construção em Estarreja e depois outras já projectadas.
Quarto ponto. Mas nós não podemos viver de ilusões, e por isso temos de admitir que mesmo depois de usada a melhor técnica no cultivo, de ajustado o melhor possível o custo de produção dentro dos meios de que dispomos, a cultura do trigo continuará deficitária na maior parte ou, pelo menos, numa grande parte dos anos, devido à irregularidade do clima, e, como não há empresa nenhuma que se aguente em regime deficitário, torna-se indispensável estipular para o produto um preço de venda que, pelo menos na maior parte dos anos, seja superior ao custo de produção.
Nós sabemos a grande variação que há, principalmente nos anos maus, nas produções de região para região, de unias explorações para outras e até nas várias culturas de uma determinada exploração, e essas variações e dificuldades, que nós por demais conhecemos, vêem-se claramente nos números, obsequiosamente fornecidos pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, da média das sementes apuradas pelos manifestos, por concelhos e distritos, no último decénio.
Desta frequência de variações resulta sem dúvida a dificuldade que há em determinar conscienciosamente o custo médio do trigo, intimamente dependente das produções. Mas dificuldade não quer dizer impossibilidade, tanto mais que o Ministério da Economia possui hoje nos vários organismos da sua Direcção Geral dos Serviços Agrícolas e nos organismos corporativos e de coordenação económica muitos técnicos experimentados nas lides do campo e sabedores, que podem perfeitamente executar um estudo sério e de confiança, quer utilizando o precioso material de estudo que já se encontra nos seus arquivos, quer procedendo a novos estudos económicos e contas de cultura, com dados reais colhidos nos principais centros cerealíferos.
E para que isso se possa fazer metodicamente, com continuidade, basta que o Ministério da Economia, como já se disse e voltamos a insistir por ser indispensável, dote os organismos regionais da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas com o pessoal necessário e lhes dê os meios materiais indispensáveis ao desenvolvimento completo da sua acção.
É evidente que para a determinação do preço do custo médio único não se teriam em conta as variações excepcionais máximas e mínimas, que sempre aparecem em casos especiais, devendo o preço do trigo ser estipulado com base no estudo das produções de um período de anos, imediatamente anterior, tanto mais curto quanto maiores fossem às variações verificadas no custo da produção.
O preço estipulado seria fixado para vigorar como base e garantia para o produtor, num período de anos menor ou maior, conforme fosse também maior ou menor a variação do valor da moeda e do preço de custo dos elementos empregados na produção.
O preço seria ainda um pouco superior ao custo de produção médio encontrado, como estímulo e coeficiente de garantia para o produtor.
É também lógico que, adoptando-se esta política de garantia sistemática de uma remuneração justa ao capital e trabalho investidos na produção do trigo, poderia num ano excepcionalmente mau adoptar-se uma taxa de subsídio, a adicionar ao preço estipulado, para evitar grandes desfalques na economia da produção, sempre de graves efeitos materiais e sociais.
Antes que mo perguntem, direi que a verba para este subsídio poderia ir buscar-se, como já se tem feito, ao diferencial da importação que fosse necessária ou possível fazer-se, sendo o trigo exótico mais barato do que o nosso em tempos normais, ou à diferença do preço dos outros géneros a incorporar na farinha de trigo, conforme as possibilidades e disponibilidades a estudar na ocasião, ou, em último caso, mas só não havendo outro recurso, seria suportado pelo preço do pão.
E não nos devíamos preocupar, como parece que até agora tem acontecido, com o facto de os produtores de trigo nos anos de boas produções realizarem mais alguns proventos, porque disso só poderia advir benefício para a economia da Nação e para a vida social das regiões cerealíferas.
Não podemos negar que os subsídios de vária ordem concedidos à lavoura, de que ultimamente se tem lançado mão, não tenham contribuído em parte para estimular e tornar possível a produção, mas todos esses artifícios, que muito pesam aos cofres do Estado ou dos organismos que têm de os suportar, pouco valem como medida de fomento a par de um preço francamente remunerador que proporcione lucros palpáveis ao produtor. Essa é a principal propaganda e estímulo para o alargamento da área cultivada, até onde for possível, e melhoria das condições de cultura que permitam maiores produções.
E não deveremos esquecer que, como disse o Sr. Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar, para que pudessem sulcar os mares navios portugueses foi preciso que a charrua sulcasse mais extensamente e melhor a terra pátria, poupando à Nação largas somas do seu ouro».
É do domínio público e do conhecimento de quem estuda as questões de economia rural que a psicologia do lavrador é esta: quando realiza economias, gasta-as principalmente na aquisição de mais terra ou em melhorar as condições da sua exploração, «Obras são sobras», diz um velho rifão.
Nos anos bons todos sabem que não há crises de trabalho; os salários são mais altos, realizam-se obras e melhoramentos fundiários, que nos anos maus nunca se fazem, mesmo que sejam muito necessários.
Isto teria como consequência lógica e certa o levantamento do nível de vida das classes rurais, despertaria nos grandes proprietários e empresários agrícolas, e de uma maneira geral nas populações dos meios rurais, o sentimento nato pela vida do campo, já muito embotado pelas dificuldades ultimamente sofridas.
E não se julgue que o maior desafogo económico do lavrador o levaria a gastar as suas economias em automóveis caros ou em outras manifestações de sumptuária, porque os proprietários rurais que compram esses automóveis são aqueles que mesmo nos anos maus os podem comprar, porque os seus rendimentos, mesmo que sejam nalguns anos um pouco reduzidos, sempre lhes chegam para esta e outras extravagâncias discutíveis ou porventura censuráveis.

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Há economistas que admitem o luxo como coisa socialmente aceitável e útil, porque mobiliza o capital e dá trabalho a muita gente que produz e fabrica esses artefactos, à primeira vista inúteis e dispensáveis.
Tenho ouvido muitas vezes censurar os lavradores que compram bons automóveis, mas nunca ouvi essas censuras ao industrial, banqueiro, médico ou ao comerciante, que também os possuem, como se essas classes fossem mais dignas desse privilégio do que os lavradores. No entanto o automóvel é hoje, como ainda há pouco aqui disse o ilustre Deputado Dr. Antunes Guimarães, não um artigo de luxo, mas uma ferramenta de trabalho, imprescindível a quem, no exercício das suas actividades, precisa deslocar-se com rapidez e a grandes distâncias, e se alguém tem necessidade de o fazer é o lavrador, que por vezes administra lavouras muito distanciadas umas das outras e precisa visitá-las com frequência.
Quinto ponto: o preço do pão é sem dúvida o ponto do aviso prévio mais melindroso de tratar, mas consequência lógica do que ficou dito sobre o custo da produção do trigo.
Sendo o pão o principal alimento das classes trabalhadoras, especialmente dos meios rurais, há toda a conveniência em que o seu preço seja o mais baixo possível, para evitar o encarecimento do custo de vida.
Mas sendo necessário reduzir no máximo as importações de trigo, para evitar a drenagem de ouro para fora do País, e, portanto, produzir no solo pátrio o trigo que nos baste, e sendo a produção nacional cara, pôr ser dispendiosa e contingente, não sei como se possa fazer o milagre de fabricar pão barato com trigo inevitavelmente caro.
O preço caro do pão no nosso País é, portanto, um mal, mas que se torna necessário para evitar outro mal maior: a sua falta, quando não se possa adquirir no estrangeiro o trigo em quantidade igual ao nosso déficit, ou para evitar a saída de grandes somas que possam ser gastas em estimular a produção nacional e alimentar a actividade, não só da classe rural, mas também das industriais e comerciais intimamente ligadas à economia agrícola.
Falou o Sr. Deputado Nunes Mexia do pão de mistura de farinha de trigo com a de cevada e de milho, que largamente se tem usado nestes últimos anos, embora com uma técnica diferente da que preconiza, e demonstrou com ensaios de alimentação que o valor alimentar das misturas, se não era superior ao do pão de farinha estreme, pelo menos o seu uso não tinha qualquer inconveniente. Sendo assim, e assim parece ser, os 30 por cento de incorporação trariam uma grande economia para o consumo do trigo e um barateamento apreciável do pão, visto que se pode produzir o milho e a cevada por preço muito mais baixo do que o do trigo.
De facto, a cevada, sendo um cereal mais temporão do que o trigo, escapa-se muitas vezes às condições climatéricas adversas da Primavera (seca, suão, etc.) e as suas produções são mais regulares do que as do trigo. Como reage bem às fortes adubações, desde que haja abundância de adubos azotados e a preço acessível, também é muito mais fácil intensificar a cultura da cevada do que a do trigo.
O milho será, a par da batata, do arroz e das forragens, uma das culturas a fazer-se em larga escala quando estiver feito o aproveitamento integral da água das barragens em construção e em projecto.
E, como cultura regada, também é mais fácil conseguir deste cereal produções mais elevadas e regulares e, portanto, a preço de custo mais baixo do que o do trigo. O pão de mistura que por vezes aparece pela província, onde a fiscalização é menos intensa, tem mau aspecto e parece intragável, mas, havendo a precaução de aproveitar da farinha da cevada só a parte melhor, como preconiza um dos autores do aviso prévio, é possíde aproveitar da farinha de cevada só a parte melhor, saboroso e alimentar.
Neste regime de pão de mistura ...

O Sr. Nunes Mexia: - Nas ramas com mistura...

O Orador: - É exactamente das ramas que vou falar.
Dizia eu: neste regime de pão de mistura é, no entanto, necessário, como também aludiu o Sr. Deputado Nunes Mexia, respeitar os tipos regionais de pão caseiro de farinha de ramas, principalmente nas regiões maiores produtoras de trigo, como condição indispensável para que não se produzam alterações nem dificuldades na alimentação tradicionalmente usada pelas populações rurais.

O Sr. Nunes Mexia: - Criávamos um regime especial que envolveria todos os outros.

O Orador: - Já se tentou acabar com o pão de farinha estreme para o produtor, mas não foi possível.
Parece que já em tempo alguém pensou em obrigar o produtor a vender todo o trigo e a comprar para seu abastecimento e da casa agrícola farinha mistura, tipo único. Isto seria de um contra-senso e de uma gravidade extrema, não só porque encareceria sensivelmente o produto com transportes, lucros de intermediários, organismos, etc., mas também porque quebraria a tradição da autobastança, sem qualquer vantagem, e com grandes inconvenientes, para a vida e regime alimentar das classes rurais.

O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª dá-me licença?...
É que as casas agrícolas que produzem o trigo produzem também a cevada, quando não produzem o milho.

O Orador: - Tenho dúvidas sobre esse aproveitamento da farinha de cevada. É o que acontece agora.

O Sr. Nunes Mexia: - É uma questão de contas. Se a lavoura for obrigada a entregar aos seus criados uma farinha em rama que, peneirada, dê uma quantidade x, com características determinadas, é uma questão de fiscalização.

O Orador: - As ramas não têm peneiração.

O Sr. Nunes Mexia: - Perdão! Cada um peneira as farinhas em rama em sua casa, desde que o produto entregue a cada criado permita produzir determinada quantidade com determinadas características. Se o criado quiser fazer a extracção mais larga e comer farelo, isso é com ele. O que tem a certeza é que recebe o equivalente a qualquer outro indivíduo de um produto com as mesmas características.
Uma determinada família recebe de farinha em rama uma certa quantidade de cereal moído que, peneirado, deve dar farinha com determinadas características. Se essa família quiser comer pão mais baixo, em primeiro lugar obterá maior número de quilograma, em segundo lugar a saúde não é afectada com isso; recebe pão mais rico em vitaminas e o criado já não se pode queixar de o tratarem mal.

O Orador: - V. Ex.ª parte do princípio de que o lavrador entrega à moagem trigo e recebe farinha de trigo e farinha de cevada, mas em casa é que faz essa peneiração.

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236 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 130

O Sr. Nunes Mexia: - Ou a entrega a cada criado ou junto ou separado.

O Orador: - Na minha região, se se der farinha de cevada e farinha de trigo aos criados, numa certa percentagem, eu posso garantir a V. Ex.ª que eles não comem um único grama de farinha de cevada, porque a deitam fora.

O Sr. Nunes Mexia: - É porque são fidalgos.

O Orador: - Fidalgos, não. Estão habituados a comer pão de trigo desde que nasceram.

O Sr. Nunes Mexia: - Mas, tratando-se de uma solução nacional, há que passar por cima dessas razões.

O Orador: - Seria o mesmo que obrigar o produtor de vinho, do apreciado vinho verde ou do magnífico Dão (e não falo dos bons vinhos alentejanos para não ferir susceptibilidades), a vender toda a sua produção e a ir comprar à taberna, para seu consumo, o vinho transformado em zurrapa depois de ter passado pelo canjirão do taberneiro.

O Sr. Nunes Mexia: - Não há zurrapa. O problema está nisto: há uma modificação no paladar, e, ainda que eu concorde que modificar o paladar é sempre difícil, sei, no entanto, que se quisermos encontrar uma solução nacional, poderemos fazê-lo, deveremos mesmo fazê-lo, embora seja a pouco e pouco, para que o paladar se possa ir habituando.

O Orador: - A não ser que esta mistura se faça na moagem, com uma fiscalização rigorosa, isso não dá nada. Se derem esses elementos separadamente ao lavrador, ele não os aceita.

O Sr. Nunes Mexia: - Mas não os dêem separados, doem-nos juntos.

O Orador: - Não falou o Sr. Deputado Nunes Mexia da batata como elemento de incorporação, creio que por ser um produto aquoso e de menor rendimento em pão do que a farinha de cereais. Mas a mistura de batata até 20 por cento, que eu já usei, com farinha de trigos, principalmente de trigos rijos, dá um pão óptimo, pelo menos do tipo caseiro de farinha em rama, e até corrige as características defeituosas ou desequilibradas em amido e glúten de certos trigos ordinários e muito glutinoso, como alguns tremeses.
Simplesmente a batata na mistura não dá mais, ou quando muito dará o seu peso em pão, ao passo que a farinha de trigo dá depois de panificada um aumento de cerca de 20 por cento em pão.
Mas como a batata, por ser regada se pode produzir com abundância, e com um lucro razoável, por cerca de metade ou de um terço do preço do trigo, a sua incorporação no pão, mesmo de fabrico caseiro, também baratearia o seu custo. Na presente ocasião seria a maneira de colocar a preço razoável um excesso de batata que parece existir no nosso mercado - cerca de 62:000 toneladas, se não estou em erro - e que pode produzir o aviltamento do seu preço.
A mistura dos três produtos - cevada, milho e batata - será ainda, de futuro, a saída mais fácil e económica para a grande quantidade destes produtos, que serão produzidos nos milhares de hectares a irrigar dentro de poucos anos.
E não só na colocação e consumo destes produtos se deve pensar desde já, mas também na carne das numerosas cabeças de gado em que, forçosamente, tom de ser transformadas as forragens e subprodutos das culturas de regadio, que só através do gado poderão ter utilização económica.
O nosso País tem um tão diminuto poder de compra que, ao fazer-se qualquer campanha a favor de uma determinada produção, em pouco tempo se vê o mercado inundado desse produto e a braços com a crise de abundância, quase sempre mais difícil de resolver econòmicamente num país que produz caro do que as crises de escassez.
Deu-se isso com o trigo, embora influíssem na superprodução também outros factores quando da Campanha do Trigo; deu-se com a batata, com o arroz, e oxalá as minhas preocupações sejam infundadas quanto aos produtos do futuro regadio, mas parece-me prudente começar-se desde já a pensar no assunto.
Sr. Presidente: no escasso tempo que decorreu depois da apresentação do aviso prévio, e longe, a maior parte do tempo, dos meus livros e arquivos, foram estes os elementos que apressadamente pude reunir para basear as mal ataviadas considerações que acabo de fazer, com o fim de demonstrar as precárias condições económicas em que se encontra e sempre tem vivido o cultivador de trigo no nosso País.
É esta uma das parcelas mais importantes da nossa economia e por isso urge remediar o mal. Se depois do que aqui se terá dito e procurado demonstrar ainda subsistirem dúvidas no espírito dos mais incrédulos, que se faça, sem perda de tempo, o preconizado inquérito, amplo, metódico e sério, e que dele saia uma política do trigo traçada a longo prazo, com continuidade e persistência, que garanta a quem trabalha a terra uma justa remuneração do seu trabalho e do capital que nela emprega, são os meus votos e julgo que será esse também o desejo de todos aqueles que, com resignação evangélica, até agora se têm sacrificado para produzir o «pão nosso de cada dia».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A discussão do aviso prévio continuará na próxima sessão, que marco para terça-feira. Estão ainda inscritos para o debate os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Figueiroa Rego.
A perspectiva dos trabalhos na próxima semana será: sessões na terça, quarta e quinta-feira, se a conclusão deste debate assim o impuser.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

José Alçada Guimarães.
José Esquível.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernão Couceiro da Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.

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30 DE JANEIRO DE 1948 237

Henrique de Almeida.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Finto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção

Decreto da Assembleia Nacional sobre matéria de hidráulica agrícola

Artigo 1.º O conhecimento das reclamações que, segundo os artigos 27.º e 33.º e o § 1.º do artigo 56.º do decreto n.º 28:652, de 16 de Maio de 1938, compete à Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, passa a ser da competência de um conselho, assim constituído:

1) Um magistrado judicial, de categoria não inferior a desembargador, designado pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (presidente);
2) Um ajudante do Procurador Geral da República;
3) Um representante da Associação Central de Agricultura, por ela designado;
4) Um representante dos grémios da lavoura, por estes eleito;
5) Um representante da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, por ela indicado;
6) Um representante da Junta de Colonização Interna, por ela designado;
7) O presidente da associação de regantes e beneficiários das obras cujas reclamações estejam em julgamento.

§ único. As reuniões do conselho assistirá um representante da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, sem voto, e só para prestar as informações de ordem técnica julgadas convenientes.
Art. 2.º A declaração da passagem das terras ao regadio, assim como o início da cobrança das taxas de rega e beneficiação e de novas contribuições determinadas pelas obras, não poderão verificar-se, em nenhum caso, antes de decorrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras. Este período constará do cadastro da obra posto em reclamação.

Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 29 de Janeiro de 1948.

Mário de Figueiredo.
António de Sousa Madeira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
José Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria Lopes da Fonseca.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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