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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

ANO DE 1948 17 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 137 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 16 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luís da Silva Dias

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 136, que inseria o parecer n.º 27 da Câmara Corporativa, sobre o projecto de lei n.º 169 (guarda rural e fomento da caça e pesca desportivas).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidenta declarou, aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 135 e 136 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Foi autorizado o Sr. Deputado Colares Pereira a depor como testemunha na Administração do 3.º bairro.
O Sr. Presidente annuciou que recebera um acórdão do Tribunal de Contas sobre as contas da Junta do Crédito Público.
O Sr. Deputado Henrique Galvão ocupou-se da urbanização nas colónias, em especial nas de Angola e Moçambique.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira requereu várias informações, pelo Ministério da Economia, nobre reuniões internacionais a que assistiram delegados portugueses.

Ordem do dia. - Discutiu-se o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre, as dividas dos municípios aos Hospitais Civis. Usaram da palavra, além daquele Sr. Deputado, os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Luís Teotónio Pereira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Gazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Finto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa Madeira Finto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.

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João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 135 e 136 do Diário das Sessões.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: não costumo rectificar o que no Diário das Sessões se regista sobre o que tenho dito nesta Assembleia, nem mesmo quando não se copiam perfeitamente as minhas notas.

Hoje não posso deixar de reclamar pelo facto de não figurar no Diário das Sessões n.º 136, de 13 de Março, aquilo que eu disse quando o Sr. Deputado Cerqueira Gomes pronunciou as seguintes palavras: «O nacionalismo de Nun'Álvares é ainda um nacionalismo caseiro, agarrado à terra, preocupado com a independência da metrópole e ligado a esta recordação».
Já não posso precisar o que disse então, mas as palavras do Sr. Deputado Cerqueira Gomes fizeram com que qualquer coisa eu dissesse, qualquer coisa que deveria ter este sentido: «A intervenção de Nun'Álvares foi decisiva para a nossa primeira conquista de além-mar, isto é, para o alargamento do Império, e não me parece que possa haver maior projecção no Mundo do que ser santo como ele é».

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: desejo fazer apenas duas pequenas rectificações ao Diário das Sessões n.º 136.
A p. 342, 1. 33.a, entre as palavras «dizer» e «sim», deve eliminar-se a palavra «que» e na 1. 35.ª da mesma página, onde se lê «demasiados», deve ler-se «demasiado».

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação a estes números do Diário, considero-os aprovados com as reclamações apresentadas ao segundo.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Foram recebidos numerosos de diversas entidades e de todas as partes do País felicitando a Assembleia Nacional pela aprovação do projecto de lei sobre o descanso dominical.
Desses telegramas fez-se a leitura dos que eram subscritos pelo Grémio do Comércio de Leiria, pelo pároco e juiz da freguesia de Cuba e pelas 167 alunas do Colégio das Escravas.
Subscritos pelos Grémios do Comércio e da Lavoura de Portalegre, Voz Portalegrense e Fábrica de Lanifícios de Portalegre aplaudindo as considerações do Sr. Deputado Manuel Lourinho sobre o problema do caminho de ferro de Portalegre na sua ligação do Leste com a Beira Baixa.

«Arquitectos Norte abaixo assinados em contacto capitalistas que projectavam inversão capitais edificação habitações agora alvoroçados por proposta lei problema habitação e resolvidos suspender construção pedem a V. Ex.ª fazer entrega comissão de Deputados seguintes sugestões:
1.ª Sendo problema habitação grave problema nacional de há muitos anos agravado aumento de população fundamentalmente resultante carência de habitações que se adoptem medidas sentido desenvolver sua construção quer tornando mais efectiva doutrina lei 2:007 de 7-5-45 através organismos oficiais sociedades anónimas e cooperativas instituições de previdência social empresas industriais etc. quer impulsionando própria iniciativa capitais particulares.
2.ª Reconhecendo má orientação iniciativa particular por aplicação de capitais em habitações luxo e rendas altas orientação contrária a solução problema que se estude e publique diploma orientando essa iniciativa para solução verdadeiro problema através concessão regalias isenções diversas facilidades aquisição terrenos.
3.ª Publicação quaisquer medidas tenham por resultado quebra estímulo capitais particulares só tenderão maior agravamento situação e prejuízo actividade nacional de técnicos e operários e industria de materiais, especialmente se Estado e autarquias locais não quiserem assumir por si só a responsabilidade solução integral enorme problema.
4.ª Publicação medidas tenham por fim exclusivamente actualização de rendas determinar a valorização de muitas habitações que antes deviam ser condenadas como impróprias para habitar e consequentemente estimular o capital privado a compra de prédios antigos o que é contrário à solução integral do problema que exige prédios salubres e funcionalmente bem organizados. Na construção em grande escala habitações económicas está chave do problema.
5.ª Entendemos solução integral não só um lar próprio para cada família como um lar alegre e higiénico

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coisa maioria habitações não tem o que implica ainda maior necessidade construções.
6.ª Mesmo Estado e autarquias locais possam e queiram por si só resolver problema seria consequências graves economia nacional impedir inversão capitais particulares na construção assim como tornaria mais longínqua solução problema.
7.ª Como não deve ser de desprezar colaboração de técnicos arquitectos e engenheiros na solução problema que é como dizemos fundamentalmente um problema de carência de construções e como por iniciativa Governo vai realizar-se Junho congresso arquitectura e engenharia precisamente um dos objectivos é o problema nacional da habitação que se aguardem as resoluções e conclusões desse congresso antes aprovação e publicação qualquer nova lei.
8.ª Aos técnicos compete fazer baixar o custo da construção normalizando os elementos da construção e adoptando novos métodos de construção como a pré-fabricação e a estandardização a um rebaixamento do custo da construção corresponde um rebaixamento nas rendas este será o verdadeiro caminho.

Porto, 9 de Março de 1948. - Delfim Amorim, Mário Bonito Oliveira Martins, Agostinho Rica, Gil Costa Marques Araújo, Cassiano Barbosa, Adalberto Dias Matos Veloso, Arménio Losa, Fernando Moura, Artur Andrade Viana de Lima, Cruz Lima, João Andresen, Fernando Tudela Lobão Vital, Alfredo Magalhães Alves de Sousa, António Neves Limpo de Faria, Benjamim Carmo».

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido do administrador do 3.º bairro no sentido de se conceder autorização ao Sr. Deputado Colares Pereira para depor na Administração daquele bairro amanhã, dia 17.

O Sr. Deputado Colares Pereira não vê inconveniente em que se conceda a autorização que é solicitada. Nessas condições, consulto a Assembleia sobre se concede essa autorização.

Consultada a Assembleia, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Encontra-se sobre a Mesa um acórdão do Tribunal de Contas sobre as contas da Junta do Crédito Público. Vai ser publicado no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Henrique Galvão.

O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: o desenvolvimento excepcional e consolador que nos últimos anos se tem observado nas cidades, vilas e aldeias coloniais, especialmente em Angola e Moçambique, trouxe - e já com sensível atraso - ao primeiro plano dos problemas a questão da urbanização desses povoados.
De há muito que se reclamava, e com razão, um agente de ordem, artístico e cientifico, isto é, sério, que conduzisse superiormente o movimento trepidante de crescimento dos burgos coloniais em moldes civilizados e que, ao mesmo tempo, lhes assegurasse a expressão portuguesa que não perderam através de todas as improvisações passadas e os resguardasse contra todas as irritantes questões artísticas, sociais e utilitárias que inferiorizam os povoados que se constituem e crescem desordenadamente.
A reclamação envolvia, naturalmente, a necessidade de que as coisas se dispusessem em termos de não entravar, retardar ou deformar o movimento - até porque o ritmo acelerado e, digamos, entusiástico em que vinha desenvolvendo-se se filiava em grande parte em causas de oportunidade económica: a abundância de capitais próprios e estranhos atraídos aos investimentos prediais.
As próprias colónias, que naturalmente sentiam com especial sensibilidade a feição do problema, procuraram por todos os meios acudir-lhe - meios então muito escassos e que a centralização absorvente da nossa Administração tornava praticamente inoperantes. Por sua iniciativa foram elaborados alguns planos de urbanização e reclamada a elaboração de outros.
Entretanto Luanda e Lourenço Marques, o Lobito e a Beira, Nova Lisboa e João Belo, Malanje e Inhambane, S. Tomé e Bissau, e tantos mais, aproveitando da aragem de uma época de prosperidade comercial, correndo no mesmo sentido dos seus impulsos de progresso, cresciam desafogadamente, em ritmos nunca vistos e constituindo em poucos anos expressões de cidade nas terras bravas em que tinham assentado raízes.
Criou-se então - íamos em fins de 1944 - o órgão que se pretendia que conduzisse este movimento, isto é, que havia de ordená-lo, valorizá-lo, digamos, civilizá-lo. Designou-se Gabinete de Urbanização Colonial.
Mas, contra todas as indicações das realidades, da experiência e das conveniências, não só se lhe fixou a sede em Lisboa - o que já de si assegurava que a oportunidade seria perdida no todo ou em parte -, como também se constituiu com técnicos especialistas cujo conhecimento e contacto com as colónias eram os que geralmente têm os indivíduos que nunca lá foram.
Quer dizer: nasceu condenado.
Para a direcção do Gabinete - de urbanização, note-se bem - escolheu-se, não se sabe com que futuristas e transcendentes desígnios, um ilustre engenheiro de minas; sem favor ilustre e muito cotado como engenheiro de minas, é claro, mas que, evidentemente, a menos que o legislador tivesse previsto a construção de cidades subterrâneas, não parecia a pessoa mais indicada para dirigir serviços de urbanização num Ministério em que são mais que poucos os bons engenheiros de minas.
A colaborar com o distinto engenheiro foram chamados alguns arquitectos que então não conheciam as colónias e que de então para cá apenas as conhecem - como direi? - à vol d'avion.
Nestas condições, que a inexperiência colonial, também evidente, do legislador não considerou, as coisas só excepcional ou milagrosamente poderiam ter corrido bem.
A urbanização é coisa delicada. Tem, como a arquitectura, de arte e de ciência. E exige, naturalmente, dos artistas técnicos que por vocação e preparação se acreditaram como especialistas não só o talento e o conhecimento do oficio - qualidades que, diga-se de passagem, não se negam aos técnicos em causa -, mas também conhecimento, mais ou menos profundo, dos ambientes em que arte e técnica têm de aplicar-se. Cada cidade, cada povoado, que certamente queremos eminentemente portugueses e naturalmente africanos, abrangendo neste «africanos» toda a prodigiosa variedade climática e geográfica, da África, tem o seu figurino. E este depende de particularidades, de condicionalismos, de interesses, não só económicos, mas também morais e espirituais, que só em prolongados contactos directos se apreendem e dominam.
Não se verificou, infelizmente, contra estas condições infelizes, o milagre de um êxito. Aconteceu apenas o que era de prever.
A distância da sede pensante e criadora do organismo aos lugares a que se aplica, funcionando em Lisboa, com todas as dúvidas, todas as dificuldades e todas as diferenças, é causa de demoras paralisantes, que, entre outros inconvenientes, têm reduzido gravemente o ritmo das construções nas colónias. Tudo pára, durante meses e anos, à espera que o Gabinete decida. A oportunidade ameaça perder-se. As colónias, por sua vez, contribuem

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para as demoras, porque, ao mesmo tempo que se criou o Gabinete em Lisboa, não se criaram nas colónias órgãos técnicos de colaboração, nem se forneceram recursos aqueles que são chamados a colaborar, o que demora não só as informações como os trabalhos prévios ou preparatórios que o Gabinete reclama para congeminar.
Isto quanto à orgânica.
Quanto ao pessoal, não poderemos naturalmente esperar que os seus projectos e criações sejam maravilhas, porque, como disse, mal sabem o que são as particularidades dos ambientes para que trabalham.
E dai a explosão fatal de alguns desaires lamentáveis que o Gabinete já sofreu durante a sua curta existência, nomeadamente o que resultou da polémica publicamente travada acerca do plano de urbanização da cidade da Beira e que tão exuberantemente demonstrou até que ponto é necessário a técnicos e artistas, por mais ilustres, o conhecimento local das condições que informam planos de urbanização colonial.
É preciso, Sr. Presidente, que não se perca nem se desoriente o que ameaça perder-se e desorientar-se: uma oportunidade excelente e problemas de urbanização resolvidos com acerto prático. É preciso, por consequência, rever a orgânica e funcionamento do Gabinete de Urbanização - revisão de que não pode deixar de resultar, o que aliás pode fazer-se sem mais encargos para as colónias, que pagam, senão o funcionamento, não de um, mas de dois gabinetes, em Angola e em Moçambique, em contacto, portanto, com as colónias e com técnicos que, se não as conhecem ainda bastante bem, as conheceriam passado algum tempo se lá vivessem e trabalhassem.
Doutra forma talvez tenhamos de lamentar em breve que haja um gabinete de urbanização, como lamentávamos antes que ele não existisse.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos, fornecidos pela Inspecção dos Espectáculos, requeridos pelo Sr. Deputado Querubim Guimarães.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que me sejam fornecidos, pelo Ministério da Economia ou qualquer outro, cópias dos relatórios, propostas, observações e trabalhos realizados ou apresentados pelos nossos delegados, representantes e observadores nas várias reuniões da Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas e em outras conferências, congressos e reuniões internacionais que interessavam directamente à economia agrícola portuguesa e à exportação de vinhos, resinosos, conservas, cortiças e produtos coloniais, acompanhados de nota referenciada das participações oficiais nestes sectores.
Este requerimento abrange também os organismos de coordenação económica e compreende o período iniciado em 1 de Janeiro de 1945».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre dívidas dos municípios aos Hospitais Civis.
Tem a palavra o Sr. Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: da discussão feita sobre o aviso prévio do nosso saudoso colega Sr. Dr. Rocha Paris podia ter ficado no público a impressão de que a situação das câmaras municipais era pior do que nunca.
Ora tal não é verdade.
Eu fui durante oito anos, antes de 1926, presidente de uma câmara e pude verificar a imensa miséria em que se vivia então.
Pouco ou nada se podia fazer. Do Estado não se recebia qualquer auxílio, e, antes pelo contrário, do nosso quase nada nos víamos por vezes forçados a gastar alguma coisa para tapar algum buraco mais perigoso das próprias estradas do Estado.
Assim se vivia anteriormente.
Agora tudo mudou. Por toda a parte, desde as cidades às mais remotas aldeias, se fazem melhoramentos, velhas aspirações que tomam forma e realidade, e é afinal isto mesmo que, paradoxalmente, torna angustiosa a situação das câmaras. Apesar de tudo que se realiza, é o coração do homem, como diz o padre Bartolomeu de Quental, como a menina do olho, que tudo lhe cabe e nada o satisfaz, e por isso a ansiedade por mais melhoramentos aparece na razão directa das obras que se realizam, sendo a impossibilidade de acudir a necessidades velhas de muitos anos, daqueles muitos anos em que o progresso do País estagnou completamento, e de acompanhar o ritmo do próprio Estado que torna angustiosa a situação de muitas câmaras.
Ficou-me pesando na consciência, Sr. Presidente, não ter posto a claro este aspecto da questão, tanto me dominava a ânsia de demonstrar a conveniência imperiosa de um maior desafogo orçamental para as câmaras municipais que lhes permitisse ir satisfazendo num ritmo mais acelerado as necessidades mais instantes. Aproveito agora o ensejo. E, dito isto, passemos ao meu aviso prévio, marcado para hoje.
Devo esclarecer VV. Ex.ªs que, para ilustrar o meu aviso prévio, me socorri de factos que ocorreram na câmara da minha presidência, e ainda, já que a casualidade fez com que esta discussão fosse marcada nas vésperas da discussão do parecer das contas públicas, me servirei também desse parecer, realizando-se assim aquilo que agora está muito em moda e que, aliás com pouca propriedade, se costuma chamar uma avant-première.
Um número é razão e fundamento do meu aviso prévio.
Diz o relatório dos Hospitais Civis de Lisboa, gerência de 1946, trabalho a que quero prestar a minha homenagem, tão completos, elucidativos e bem arrumados são os seus mapas e gráficos, que as câmaras devem aos Hospitais Civis 20:000 contos.
Este número, por si só, manifesta a necessidade de abordar este problema, de verificar as suas consequências e de pensar qual a solução a tomar de futuro.
Haverá alguém que tenha a ilusão de que esta enorme quantia se comporta nas possibilidades financeiras das câmaras? Eu suponho que não.
Se não é possível continuar a pagar e a prestar aos doentes pobres todo o auxílio de que necessitam, porque não encarar a realidade dos factos e procurar resolvê-los?
A táctica do avestruz, que esconde a cabeça debaixo da asa para não ver o perigo, aqui, como em qualquer outro caso, parece inútil, pouco inteligente e contraproducente. Vejamos todavia se as câmaras podem com razão e com justiça ser responsabilizadas por uma tão grande quantia.
O relatório, a p. 5, transcreve do parecer da Câmara Corporativa sobre organização e construções hospitalares o seguinte:

Em rigor, todos os que se têm encarregado do problema de hospitalização em Portugal sabem que uma das causas da escassez de camas são as médias elevadas dos dias de tratamento, determinadas, entre

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outras razões, pela demora nos resultados e nos próprios exames auxiliares (análises, radiografias, etc.), que, entre várias cansas, uma excessiva centralização destes serviços gera.
As médias habituais em outros países giram em torno dos 15 dias de hospitalização por doente, enquanto nos nossos hospitais ultrapassam 30 dias, o que equivale a dizer que por deficiência de organização precisamos de mais do dobro de camas do que a doença e a população exigiriam.

Na sequência do relatório, Sr. Presidente, não só se não contesta tal afirmação da Câmara Corporativa, como, pelo contrário, se diz o seguinte:

Este problema, pela sua complexidade e importância, tem merecido de facto a atenção da administração hospitalar, por constituir como que o barómetro da eficiência da sua finalidade.

Verifica-se pelo gráfico n.º 8 que a demora média foi em 1903 de 54 dias e em 1925 foi de 53 dias, começando a descer desde 1926 para cá, demonstrando-se assim que o Estado Novo ate neste sector teve uma actuação decisiva e benévola, mas em todo o caso ainda se mantiveram médias muito altas, e só em 1946 se atingiu a média record de 28,97.
Há uma melhoria sensível, mas estamos ainda longe da média indicada com conhecimento de causa pelo parecer da Câmara Corporativa.
Podemos assim concluir fácil e logicamente que se o tempo normal médio de demora é de 15 dias, e só agora se conseguiu reduzir esse tempo para 30 dias - anteriormente chegou-se mesmo a atingir 60 dias -, as dívidas das câmaras não podem computar-se naquela enorme quantia que se lhe atribui.
Suponho que não se podem responsabilizar as câmaras pelas deficiências dos serviços dos hospitais, que provocam a demora dos doentes por tempo que ultrapassa tudo o que é admissível. É meu entender que as dívidas das câmaras aos Hospitais Civis não poderão ser computadas em mais de um terço da quantia que é indicada.
Noutros países em que este assunto é olhado com a atenção que merece, a administração está atenta e vigilante, por forma que quando algum doente excede o tempo normal atribuído à sua doença a administração pergunta para a enfermaria a razão dessa demora. Consegue-se assim que o hospital dê o rendimento clinico que é indispensável, convindo que também entre nós se adopte igual sistema, o que trará seguramente melhor eficiência à administração hospitalar.
Temos ou não temos razão nesta dedução, que, pelo. menos, não peca por falta de lógica? Nós não queremos responder e deixamos a resposta ao próprio relatório ë ao parecer das contas. O relatório diz o seguinte na mesma p. 5:.

Se lançarmos um simples relance de vista sobre a linha representativa da demora média verificada nos Hospitais Civis de Lisboa desde o ano de 1862 até 1946, constatar-se-á uma série de oscilações de pequena amplitude e três períodos de tal forma distintos uns dos outros que imediatamente nos levará a concluir serem mais de uma as causas que influem naquele fenómeno.
Entre as principais há uma - proficiência clínica - que não pude ser posta em causa como influenciando desfavoravelmente nas oscilações. Outra considerada como das mais influentes, na demora média - a coadjuvação dos serviços de. agentes físicos e laboratoriais para maior rapidez e precisão dos meios de diagnóstico - não justifica por si só a explicação das oscilações em questão. Ainda outra, e das que isoladamente têm influído bastante nas oscilações, tem sido a da maior ou menor possibilidade de admissão dos doentes que recorrem aos hospitais.
Constata-se que sempre que os hospitais lutam com maior dificuldade de camas aumenta imediatamente a demora média, dando-se a inversa quando há maior facilidade para admitir os doentes. O fenómeno tem plena justificação no facto de no primeiro caso sòmente de admitirem doentes cujo estado de saúde exige imediato internamento e, consequentemente, necessitando de maior período de assistência, dando-se a inversa no segundo caso.
................................................................................
Como se comprova, o problema da demora média tem merecido a melhor atenção da administração hospitalar, sendo de esperar que o mesmo se vá aproximando do número julgado razoável à medida que se consigam pôr em prática diversas medidas que com o problema se conjugam, entre as quais a saída dos Hospitais Civis do Lisboa dos doentes tuberculosos e dos velhos já curados das doenças que motivaram o seu internamento.

Sr. Presidente: considerando este meu ponto de vista, o ilustre relator do parecer das Contas Gerais do Estado, que todos os anos nos dá com saber, proficiência e beneditina paciência um volumoso tratado acerca daquelas Contas, cheio de informações e de interesse e no qual podemos estudar quase exaustivamente tudo quanto respeite às mesmas, o ilustre relator, dizia eu, escreve o seguinte:

Muitas vezes a cama no hospital não tem o rendimento que poderia ter: ou o doente espera demasiadamente para ser operado ou não é atendido com a brevidade requerida nos serviços de urgência. Isso pode ser devido a diversas razões, como a falta de elementos de observação: a análise clínica que demora, a radiografia que não vem a tempo, ou a qualquer outro motivo, mas o facto deu-se - o doente - esperou mais tempo do que devia, a cama teve menor rendimento, houve prejuízos de ordem moral, material e até física. Mas não é possível apurar, e não se apura, a responsabilidade. Outras vezes o doente entra em convalescença. Escusa de ocupar a cama, mas a sua vida de pobre ou o seu desleixo, ou o da família, se a tem, não lhe permite seguir em casa os tratamentos precisos para completa cura. E então fica no hospital, a ocupar a cama que é precisa para os que esperam. Os serviços laboratoriais e de análises são variados e dispersos, uns com autonomia, outros sem ela. O seu funcionamento não é ideal e está longe de o ser.

Pretendo agora demonstrar que os encargos das câmaras se irão agravando se tudo continuar como até aqui.
Ultimamente tem aumentado o número de doentes que procura os hospitais. Creio que o caso manifesta um progresso de civilização, com que, aliás, nos devemos regozijar. Antigamente o nosso camponês era extraordinariamente refractário a ir para o hospital; ia à bruxa, ao curandeiro, ao alveitar, e só em último caso e de muito má vontade é que procurava o hospital. Hoje as coisas mudaram. Em virtude de uma assistência médica cada vez mais eficaz e proficiente e da facilidade de deslocação até aos grandes centros, cada vez é maior o número dos doentes que recorrem aos hospitais, aos grandes hospitais, onde há todos os recursos necessários. Este movimento tenderá manifestamente a aumentar e teremos de contar com. este facto se não quisermos falhar, lamentavelmente, no cuidado vigilante que importa prestar à saúde pública.

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VV. Ex.ªs podem verificar este aumento de movimento no mapa que vem no relatório e que diz o seguinte:

Em 1943 o movimento dos doentes foi de 0:742; em 1944, 5:834; em 1940 há uma baixa inexplicável e o movimento cifra-se em 5:001, mas já em 1946 sobe para 6:276.

Outra razão por que os encargos das câmaras municipais aumentam é porque durante a guerra as diárias dos hospitais subiram nada menos de 62 por cento, enquanto que as receitas das câmaras não atingiram nem de longe uma percentagem parecida.
Para obviar à falta de pagamento das câmaras aos Hospitais Civis, determinou o Governo, há anos, que da percentagem sobre as contribuições gerais do Estado, que o Estado cobra nas suas tesourarias de finanças para as câmaras municipais, se descontassem 20 por cento.
Essa percentagem ia permitindo até há pouco amortizar, embora lentamente, a dívida das câmaras.
Mas com o aumento do número de doentes e com o aumento do custo das diárias essa percentagem hoje mal cobre a divida anual, de forma que não se amortiza o que está para trás, e assim esta quantiosa dívida de 20:000 contos é praticamente incobrável.
Vejamos, todavia, por um excesso de escrúpulo de consciência, se os presidentes das câmaras poderão de alguma maneira diminuir o número de doentes que acorrem aos Hospitais Civis de Lisboa.
VV. Ex.ªs conhecem certamente a mecânica mediante a qual um doente pobre pode ir para os hospitais de Lisboa.
Vai ao seu médico, quando a iniciativa não é do próprio médico, que lhe passa um atestado dizendo que precisa de ser internado no hospital.
Vai à junta de freguesia e pede um atestado de pobre, e com esse atestado vai ter com o presidente da câmara.
Eu pergunto a VV. Ex.ªs se haverá algum presidente de câmara que, nestas circunstâncias, tenha a coragem de tomar a responsabilidade de recusar a guia que lhe é pedida.
Por mim, afirmo a VV. Ex.ªs que nunca seria capaz de o fazer.
Resta, porém, saber se, tomando tal atitude, conseguiria resolver a dificuldade.
O facto de dificultar a admissão de doentes aos Hospitais Civis dá ocasião a um contra-ataque, que é o mandar os doentes para os hospitais por motivo de urgência.
Esta táctica já era seguida desde muito tempo. Quando o médico queria ser agradável ao seu cliente e poupá-lo às exigências dos atestados, enviava-o directamente ao hospital, que, por sua vez, acabava por reclamar da câmara a respectiva guia.
Mas desde que a presidência das câmaras prestou uma particular atenção ao assunto, indagando das necessidades do doente ou procurando saber se no hospital local o doente se pode tratar, o número de doentes que entra para os hospitais por motivo de urgência sobe além de tudo, o que é compreensível.
Na minha Câmara, no ano de 1945, foram passadas 192 guias e entraram sem guias 107 doentes, cerca de 55 por cento. No ano de 1946 passaram-se 237 guias e entraram sem guias, por motivo de urgência, 135 doentes, cerca de 60 por cento.
Não é, francamente, admissível que haja uma proporção destas de doentes com necessidade de hospitalização urgente.
Neste país de papelada imaginei, Sr. Presidente, que o remédio estaria em não passar as guias. Quando o hospital reclamava essas guias resolvia não as mandar. E suponho que o remédio não foi de todo desacertado, porque em 1947 já o número de guias passadas foi de 250 e os doentes que entraram sem guia foram 72, ou seja 28,8 por cento.
Mas não terminam aqui as vicissitudes nesta complicada questão.
O enfermeiro-mor que antecedeu a pessoa que neste momento exerce este espinhoso cargo resolveu dificultar a entrada nos Hospitais Civis e os serviços de radiografia, sob o pretexto de que a minha Câmara devia 228.825$40.
Devo dizer a VV. Ex.ªs que reagi energicamente e que este expediente, graças a Deus, durou pouco tempo.
Não sei, porém, qual seria a atitude deste enfermeiro-mor para com aquelas câmaras cujas dívidas são seis, sete, oito e nove vezes o que a minha Câmara deve.
Simplesmente, uma desgraça nunca vem só. Ultimamente, fundando-se no decreto n.º 35:108, começaram a aparecer nas câmaras intimações do tribunal arbitrai, justamente criado por este decreto, intimando a câmara a contestar, querendo, e a apresentar um árbitro para julgar as dívidas referentes aos doentes entrados sem guia, por motivo de urgência, e cujas despesas os Hospitais Civis de Lisboa não tinham conseguido receber dos próprios doentes.
Tenho para mim, Sr. Presidente, que o meio para demandar uma câmara é o processo administrativo e que o tribunal arbitrai não era um meio conveniente.
Mas não posso resistir à tentação de contar a VV. Ex.ªs o que sucedeu: sucedeu que chegado o dia aprazado para o julgamento apresentou-se o árbitro da câmara, para ouvir e dizer ao juiz presidente que a câmara já estava condenada, tendo sido, consequentemente, inútil a presença do árbitro, depois de ter sido intimada.
Vai isto, Sr. Presidente, sem comentários. Arbitrai e arbítrio são palavras com a mesma raiz, e talvez daí a confusão e a razão explicativa.
Mas poder-se-á dizer que as câmaras não tratam com cuidado os problemas de assistência ou, pelo menos, não lhes dedicam as verbas compatíveis com as suas receitas. Sinceramente, afirmo a VV. Ex.ªs que todas as câmaras fazem o que podem; fazem mesmo muito mais do que podem.
A minha câmara gasta em assistência, incluindo os Hospitais Civis, hospital do concelho, casas de saúde, medicamentos a doentes pobres, Instituto Branco Rodrigues, Direcção Geral da Assistência, pelo internamento de menores, Fundo de assistência pública e tuberculosos, a importância de 220.999$40, ou seja 15,1 por cento das suas receitas.
Verifica-se, pelo parecer das contas, que o Estado gastou 168:856.000$, o que corresponde a 4,3 por cento das suas receitas ordinárias.
Se trago este número a VV. Ex.ªs não é com outro fim senão o de demonstrar que as câmaras municipais estão já no extremo limite das suas possibilidades. Não é para censurar o número ou a verba que o Estado gasta - pois já é bastante grande - é só para mostrar que as câmaras se excedem nas suas possibilidades.
Resumindo, Sr. Presidente: não parece legítimo exigir às câmaras municipais dividas em que cerca de dois terços provêm do deficiente funcionamento dos Hospitais Civis. Por qualquer modo, elas nunca poderiam pagar 20:000 contos, sobretudo se se considerar que o número de doentes aumenta cada ano, crescendo igualmente o preço das diárias, embora não cresçam na mesma proporção as receitas municipais.
Diz o relatório a p. 12 que em 1946 entraram - e eu chamo a particular atenção de VV. Ex.ªs para esta afirmação - 50:958 doentes, sendo tratados de graça 41:361! Dos restantes e pagantes (9:597), só 6:276 são da responsabilidade das câmaras municipais da província, pois é só a estas que se refere aquele número e se repartem principalmente pelos distritos de Lisboa, Setúbal e

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Beja, vindo depois, mas já muito distantes, os de Évora, Santarém e Faro. Os outros distritos têm números muito insignificantes,
Parece legitimo concluir que não é nas câmaras municipais da província que se encontra a chave do problema financeiro dos Hospitais Civis.
É necessário que toda a população que precise e não possa encontrar possibilidades de tratamento nos hospitais locais possa recorrer aos Hospitais Civis de Lisboa.
Não se julgue que pretendo conseguir que as câmaras municipais nada paguem, embora pudesse, em face dos números que citei, defender essa opinião. O que quero é que se considere o problema à luz das realidades, pedindo às câmaras apenas o que for compatível com as suas receitas e o que se pede actualmente não o é.

O Sr. Sacadura Botte: - Mas porque é então que as câmaras da província hão-de pagar, e não a Câmara de Lisboa? Não vejo razão para que as câmaras de fora paguem e a de Lisboa não.

O Orador: - Os números mostram bem a situação. Be entre os 50:958 doentes, 41:361 nada pagam, mas os 6:276 das câmaras da província, esses, tem de pagar.

O Sr. Manuel Lourinho: - Isso será uma consequência da falta de coordenação, que por sua vez caracteriza os serviços de saúde em Portugal.

O Orador: - Sobre estas questões de verba há uma diferença de opinião, natural, aliás, entre a administração hospitalar e o relator das contas. O relatório diz que:

Todas as causas que influem na demora média estão Intimamente ligadas a uma causa base que limita a sua acção: as possibilidades financeiras. Se não se dispuser suficientemente de fundos, mola real que permite pôr à disposição do corpo clínico e dos serviços hospitalares os meios de que carecem para bem exercerem a sua missão, certamente o problema da demora média continuará a dar preocupações à administração hospitalar.
Quando ela for resolvida, a Nação reembolsará, com juros, as importâncias que a mais despender, visto que à diminuição dos dias de hospitalização de cada doente corresponderá a desnecessidade de novos hospitais, revertendo a favor da Nação o valor económico correspondente ao trabalho humano produzido pelo indivíduos que menor número de dias estiverem incapazes para o trabalho.

Quer dizer que a administração dos Hospitais Civis encara como uma necessidade o aumento de verbas para o seu funcionamento. Simplesmente, o parecer das contas diz o seguinte:

Não vale a pena reclamar mais dotações, se elas não forem convenientemente aproveitadas. Fornecer mais camas aos hospitais sem melhorar o seu rendimento, alargar as dotações de outros serviços e correspondentes melhorias é aumentar a despesa pública com pouco proveito para o Estado e para a comunidade, se elas não forem convenientemente aproveitadas.
O sentido da responsabilidade tem de s ar estabelecido definitivamente nos serviços de saúde, tanto nos hospitais como nos outros institutos e estabelecimentos que deles dependem.

Cingindo-me ao que diz o relatório dos Hospitais Civis, que vem confirmar tudo o que acabo de dizer, verifico que neste caso, muito especialmente, o tempo é dinheiro.
É por isso que as câmaras municipais devem 20:000 contos, porque os doentes estiveram nos hospitais três vezes mais do tempo que lá deviam estar.
Confrontando estas duas opiniões, diametralmente opostas, tenho de tirar a minha conclusão, e ela é a seguinte: verifica-se que em 1938 gastaram os estabelecimentos hospitalares de Lisboa, Coimbra e Caldas da Bainha 42:000 contos. Em 1946 gastaram-se 76:500 contos, havendo portanto um aumento de 81 por cento.
Se considerarmos quanto tudo subiu desde 1938 até agora, é evidente não ser este aumento suficiente, mas se considerássemos que no ano de 1946 os doentes estão ainda nos hospitais mais do dobro do tempo que deviam estar, então já estes 76:500 contos corresponderiam a 150 e tantos milhares de contos.
Suponho, porém, que a solução deve estar num termo intermédio: melhor administração dos Hospitais Civis e algum dinheiro mais.
Suponho também que é já muito antiga a má administração dos Hospitais Civis de Lisboa, para não dizer que é de sempre. Quero crer que isto é talvez um vício do meio, pois não posso acreditar que não tenham passado por lá pessoas de talento, capazes de realizarem uma obra como a que se impõe. Mas, enfim, se já foi possível passar de perto de sessenta dias de demora média para uma média de trinta, suponho que, com atenção, adoptando aquele sistema que eu disse que se observa em hospitais estrangeiros, isto é, estando a administração atenta e vigilante à demora de cada doente, para agir como convém quando essa demora não tiver justificação bastante por parte das pessoas que a ela derem causa, estou convencido de que é possível melhorar a administração dos Hospitais Civis por forma que não constituam um peso exagerado nas contas públicas e que, enfim, este assunto das dívidas das câmaras aos Hospitais Civis possa encontrar a justa solução.
A SS. Exas. os Srs. Ministro do Interior e Subsecretário de Estado da Assistência, a cujas qualidades de trabalho, de inteligência e de coração presto as minhas calorosas homenagens, tão devotadamente entregues à solução do magno problema da assistência, peço, com a certeza de ser compreendido, que advoguem junto de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças uma solução razoável e prática para este assunto, na certeza de que á inscrição da dívida dos municípios nas contas dos Hospitais Civis, não passando de uma quimera, não interessa à administração prudente, cautelosa e realista que S. Ex.ª faz dos dinheiros públicos.
Fico esperançado de que este assunto - que pode parecer, porventura, de pequena importância, mas que tem um alto relevo e um alto significado na vida dos municípios, que interesse, afinal de contas, à vida e à saúde de todo o povo que moureja por esses concelhos agrícolas do País - será resolvido convenientemente não isentando por completo as câmaras daquilo que devem, se não for possível, mas pedindo-se-lhes apenas aquilo que possa conter-se nas suas possibilidades financeiras. A solução há-de ser encontrada para bem das câmaras municipais e para bem, sobretudo, da administração dos hospitais e da assistência pública.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: como o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado se refere a um assunto da maior importância, assunto que se relaciona com a saúde pública e com a vida da administração local, peço a V. Ex.ª que autorize a generalização do debate.

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O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: com flagrante oportunidade, elevada inteligência e rigorosa adaptação às realidades (características que sempre se têm verificado nas intervenções parlamentares do nosso distinto e simpático colega Sr. Melo Machado), acabámos de ouvir o proficiente desenvolvimento de um capítulo da vastíssima tese da vida municipalista que, mediante aviso prévio, há tempos o ilustre Deputado se propusera trazer a esta Assembleia sobre o problema das dividas das câmaras municipais aos Hospitais Civis. E não só vastíssima mas aflitiva tese a da situação díspar das câmaras municipais, geralmente dirigidas por homens bons, empenhados em acertar o passo dos melhoramentos modestos, mas indispensáveis ao bem-estar, à saúde, instrução e progresso dos respectivos munícipes, com o ritmo célere e por vezes grandioso das realizações do Estado, notoriamente concentradas na capital.
Tese que não figura agora pela primeira vez na ordem do dia dos trabalhos da Assembleia Nacional.
Recordo, como já o fez o Sr. Deputado Melo Machado, o interesse e relevo com que foi debatido o aviso prévio do nosso saudoso e distinto colega Dr. João da Rocha Paris, minhoto muito ilustre e presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, que, por insuficiência de réditos camarários, morreu sem o conforto de ver realizadas as obras que ele planeara, para que na sua querida terra natal se pudesse verificar o renascimento, que ele tanto acalentara, das actividades que ali floresceram em épocas distantes.
Mas, a propósito das leis de meios, da apreciação das Contas Gerais do Estado e sempre que surgia pretexto aproveitável, logo se ouviam nesta sala comentários sobre a insuficiência de recursos municipais para a multiplicidade e importância de obrigações, muitas delas inadiáveis, a cumprir, e não raro se registavam sugestões de valor para valer a uma situação que não devia nem pode manter-se, para que aos concelhos não falte o indispensável e aos respectivos corpos administrativos se garanta prestígio que dignifique suas altas funções.
Sr. Presidente: é não sòmente muito honroso, mas francamente agradável, verificar que os orçamentos do Estado são sistematicamente previstos com equilíbrio de receitas e despesas, mas também com larga margem para superavit, que invariàvelmente têm avultado nos fechos de contas; da mesma forma, ninguém de boa fé contestaria as vantagens das realizações do Estado de carácter incontestavelmente utilitário e de benéfica repercussão na economia nacional, na instrução, educação, assistência e noutros domínios da vida nacional; e estou certo de que todos os que tiverem ocasião de ler, como me tem sido possível fazê-lo nestes últimos dias, o magnífico parecer sobre as Contas Gerais do Estado, elaborado pela nossa ilustre Comissão, da qual, mais uma vez, foi relator o nosso muito distinto colega Sr. engenheiro Araújo Correia, não deixarão de sentir o conforto de ir conhecendo os pormenores de uma administração inteligente, sã e proveitosa dos fundos recolhidos no Tesouro, mercê dessa mesma louvável administração e do trabalho perseverante dos portugueses.
Tudo isto é certo e reconfortante, mas importa que, simultaneamente com a euforia do Estado assim brilhantemente afirmada, se verifique a vitalidade dos corpos administrativos, isto é, da administração local, que deveria ser tanto quanto possível descentralizada, bem como da multiplicidade de economias privadas que por esse País fora constituem a fonte de produção, que é o principal sustentáculo não só do Estado mas de todo o edifício nacional.

Sr. Presidente: não é em vão que se conquista uma formatura em Medicina, estudando organismos sãos e doentes para defesa da saúde, mas da saúde integral, da que se revela, não só pela força de órgãos centrais, dos órgãos do comando, mas no equilibrado e regular funcionamento de todos os órgãos, sem esquecer as células mais escondidas e afastadas, onde é indispensável que o sangue chegue para evitar a anemia, que pode terminar por gangrena.
Foi por isso que, quando passei pelo Governo (triénio de Julho de 1929 a 1932), me propus conjugar os grandes melhoramentos de competência estadual com os modestos mas indispensáveis à vitalização rural, onde acontecia os caminhos serem ainda as calçadas que os romanos nos deixaram e as fontes reduzirem-se a poços de mergulho, que desde séculos vinham dizimando gerações.
E, ao assinar a concessão da grande central hidroeléctrica do Castelo de Bode, no rio Zêzere, e quando abriu o concurso para a primeira grande central do Douro nacional (a do Zêzere foi depois anulada, para serem retomados os estudos sòmente uma dúzia de anos depois, e o concurso do rio Douro, que trouxe propostas julgo que de quinze casas da especialidade de todo o Mundo, não teve depois andamento), não pus de parte os aproveitamentos de menor vulto e de interesse local, que eu não admitia fosse prejudicado, ou exclusivamente subordinado às condições de distribuição e de preço das grandes centrais.
Idêntico critério orientou a política económica noutros sectores, defendendo moinhos e azenhas, permitindo a laboração de pequenas unidades fabris susceptíveis de melhoria técnica e económica, não encerrando portas de desnatação e fabrico caseiro de lacticínios, isto é, preparando o clima propicio à valorização rural, para o combate indispensável e urgente ao urbanismo.
Sr. Presidente: recordo-me de que, ao discutir-se aqui a proposta de lei sobre organização hospitalar, também eu tomei parte no longo debate, em que vários oradores focaram variadas facetas do momentoso problema, tendo eu salientado a insuficiência bem manifesta da assistência clínica e farmacêutica na maioria dos concelhos rurais. O que importa é descentralizar a assistência hospitalar. Não deve concentrar-se em Lisboa, Porto e Coimbra quase toda a assistência hospitalar.
Não faltam pela província magníficas instituições daquela natureza que, uma vez dotadas dos recursos necessários, prestariam bons serviços e evitariam a constante transferência de doentes para os referidos centros hospitalares, onde, além de outros inconvenientes, eles perdem toda a ligação com as respectivas famílias.
Naquela proposta de lei em que o Pais, se a memória não me atraiçoa, era dividido, para efeitos de assistência hospitalar, em zonas, regiões e sub-regiões, a lacuna mais saliente e grave que em tão importante capítulo assistencial me preocupava, e para a qual eu não encontrava naquele notável diploma garantia sólida de rápida e satisfatória solução, era a referente às zonas rurais, onde os doentes, à falta de médicos, continuavam a ser vitimas de charlatães e se registava, a mais deplorável carência de medicamentos; e, quando surgem desastres e outros casos urgentes em que a intervenção carece de ser imediata, nem há postos de socorros, nem ambulâncias ou qualquer veículo para transportar sinistrados ou pessoas em perigo de vida a qualquer, hospital.
Lembro-me de ter então, sugerido se estudasse uma fórmula para se coordenar a intervenção, das companhias de seguros do ramo acidentes de trabalho com os diferentes graus da organização assistencial do Estado, evitando-se assim duplicações, para conveniente aproveitamento de recursos e melhor e mais pronta eficiência da assistência médica.

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Neste melindrosíssimo capítulo da assistência rural ainda estamos em alguns pontos quase reduzidos à intervenção das Casas do Povo, que vivem quase exclusivamente das quotas cobradas aos proprietários, sendo elas que valem muitas vezes em casos que estariam na alçada da legislação dos acidentes de trabalho e cujos riscos acontece estarem já cobrados por apólice de seguros.
Que se rodeie o trabalhador das indispensáveis garantias, tanto na doença e velhice como nos sinistros do trabalho, está certo.
Mas importa evitar que o proprietário se veja forçado a exaurir seus, geralmente escassos, recursos em pagamentos a entidades diversas, mas cujas funções, pelo menos em alguns aspectos, se confundem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: se os já pesados encargos financeiros dos proprietários e patrões fossem escrupulosamente aplicados e se concentrassem para fins bem definidos, concretos e justificados, em lugar de se dispersarem por multiplicidade de organismos, com as já referidas duplicações de serviços, que, além de perturbações e, por vezes, conflitos de jurisdição, servem de pretexto ao parasitismo burocrático, de todos assaz conhecido, não seria necessário aumentar a sangria dos contribuintes para que as necessidades da colectividade fossem devidamente atendidas.
Ocorre-me, a propósito, o que se tem passado com a organização assistencial médica das caixas de previdência dos variados sindicatos.
Quando tudo indicava se começasse aquela organização pelas zonas rurais, onde se verifica a mais deplorável falta de médicos, aos quais é impossível fixarem-se ali por insuficiência de recursos de toda a ordem, do que resulta a grave dificuldade ou mesmo impossibilidade de se conseguir a tempo e horas a intervenção dum clínico, com espanto se vem assistindo ao inicio daquela organização pelas cidades de Lisboa e Porto.
Ora justamente naquelas cidades, longe de haver falta de médicos, regista se a respectiva pletora, porque na maior parte das terras da província não encontrariam os proventos indispensáveis à manutenção de suas casas.
Seria agora, mercê da abundância de recursos daquelas caixas de previdência, ocasião propícia para se promover a deslocação de quantidade de médicos que superabundam naquelas cidades para centros de laboração situados nas zonas rurais, onde os vencimentos, embora modestos, garantidos pelas referidas caixas, seriam acrescidos dos resultantes da clínica privada, de molde à obtenção de um mínimo compatível com uma vida digna, embora modesta, de que não deixaria de resultar a rápida constituição dos quadros médicos rurais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É bem de ver que os numerosos médicos de Lisboa e Porto já nomeados para as caixas sindicais, e os que venham a sê-lo, fixar-se-ão definitivamente naquelas cidades, onde já havia o indispensável corpo clínico.
Mas com uma agravante: é que, abrangendo aquelas caixas milhares e milhares de sócios e as correspondentes famílias (que, necessariamente, já tinham seus médicos), se verifica desta forma uma perturbadora e prejudicial deslocação de clientelas.
Estes e outros reparos, como seja o limite de idade para a admissão de clínicos nos quadros da nova e utilíssima organização assistencial, tenho-os ouvido a vários médicos e com fartura de argumentos.
Tratando-se de uma instituição que inicia agora as suas realizações, e, portanto, a tempo de se ir adaptando às indicações das realidades e de conveniências legitimas, e tendo a sua organização como timoneiro um novo a que não falta talento nem tacto da vida - o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações -, aproveitei este ensejo do aviso prévio sobre relações das câmaras e Hospitais Civis para trazer o rápido contributo de algumas das muitas considerações por mim ouvidas sobre o importantíssimo lema.
Antes, porém, de passar a outro assunto, não deixarei de aludir a recentes realizações do referido organismo assistencial na importante região fabril do Ave, isto é, pelo que respeita ao Norte, já fora da respectiva capital, isto é, da cidade do Porto, por onde se havia começado.
Sr. Presidente: as câmaras municipais nunca dispuseram de réditos na proporção das exigências do progresso local para que os concelhos não ficassem para trás, não só no respeitante aos diferentes capítulos da urbanização das respectivas sedes, mas para que nas freguesias não faltassem escolas, fontes, caminhos, energia eléctrica e o mais que hoje é legítimo exigir-se.
Por isso quase sistematicamente se verificava deplorável atraso na maioria dos concelhos, tendo-lhes nos últimos anos valido, até certo ponto, além de empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, os subsídios concedidos pelo Governo sob as rubricas dos melhoramentos rurais e desemprego.
Mas o desequilíbrio da vida e a desvalorização da moeda, como consequência do longo período da guerra, se perturbou a economia da grande maioria das famílias, também teve projecção de vulto nas finanças municipais, e assim é que, além de morosidade na execução de muitos serviços urgentes e de paralisação de obras importantes, se verificam factos como os que o nosso distinto colega Sr. Melo Machado acaba de apontar e que importa remediar quanto antes.
Se, embora muito lamentàvelmente, tivéssemos de nos ir conformando com a falta ou insuficiência de alguns serviços públicos e paralisação de algumas obras, neste capítulo fundamental da saúde não podem admitir-se delongas nem olhar a economias.
Lá diz a sabedoria popular: «Vão-se os anéis mas fiquem os dedos...».
Essa falta de recursos, que, além dos inconvenientes apontados, tanto impede que a administração local equilibre, pela sua actuação no respeitante a obras e melhoramentos, como pela sua intervenção nos variados sectores sociais, um Governo Central forte e realizador, tem levado algumas câmaras a recorrer a operações que são autênticos negócios, e, como tais, não lhes competem, importando condená-las inflexivelmente; por outro lado vão invadindo esferas de acção que deveriam ser exclusivas da iniciativa privada.
É o caso, de triste memória, do uso que certas câmaras fizeram da fórmula de expropriações a que ainda chamam «dos centenários», em que ao proprietário assim expropriado era negado o recurso para os tribunais, sendo forçado a receber a média dos valores atribuídos aos seus prédios nos dois laudos mais aproximados, os quais correspondiam geralmente aos louvados da entidade expropriante e ao indicado pelo Supremo.
Quando aqui foi discutido o projecto de lei do ilustro Deputado Sr. Dr. Bustorff da Silva sobre expropriações, tanto no notável parecer da Câmara Corporativa como nos discursos então proferidos se disse o que a aludida fórmula era na prática.
Felizmente deixou de vigorar, em consequência da votação desta Assembleia; certas câmaras e o próprio Estado ficaram assim impossibilitados de realizar copiosos

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lucros expropriando prédios por tuta e meia, para depois os negociarem com fartos lucros.
Agora regista-se em algumas câmaras a aplicação de percentagens, por vezes muito elevadas, com que, sob o pretexto de cobrança de «mais valia», oneram os terrenos, contrariando as iniciativas privadas que visam dotar o Pais com as indispensáveis moradias.
E ver-se-á, quando apreciarmos a proposta de lei sobre a habitação, o rumo que se pretende dar a esta questão da «mais valia», atribuindo aos terrenos expropriados apenas o valor matricial - que nada tem com o valor real, porque é função do rendimento e assim pode ser baixíssimo - e considerando «mais valia» tudo o que for acima daquele valor, para depois se apossarem de 4/5, destinados à constituição de um fundo que permitirá ao Estado e às câmaras municipais serem accionistas de empresas privadas de construção de prédios!
E assim assistiríamos à reedição do que se vem passando com as empresas hidroeléctricas e outras indústrias em que o Estado assume funções de capitalista.
Não continuarei as minhas considerações sobre este grave problema, porque na próxima apreciação da proposta de lei sobre o problema da habitação com certeza estes aspectos não deixarão de ser discutidos como merecem, e é indispensável, para se chegar a uma fórmula que, não deixando de ser orientada por conveniente equidade, colabore para estimular a política de construção de moradias por iniciativa privada e determinar a abundância de que nascerá a concorrência precisa para se chegar a preços justos e condições de habitabilidade dignas da nossa época.
Importa aproveitar as lições do passado, que nos mostram não se terem registado crises de habitação da gravidade actual, e sem que para isso tivesse sido preciso recorrer a expropriações ruidosas, a cobranças de mais valia, ou à interferência dos organismos do Estado ou dos corpos administrativos no que respeita à construção de moradias privadas.
Que esses organismos tomem a seu cargo os serviços que interessam a toda a população - água e esgotos, iluminação, transportes colectivos, produção e transporte de energia, telefones e outros de manifesto carácter público -, admite-se, mas devem limitar-se a esse campo de acção, que já é vastíssimo e, para ser convenientemente administrado, exige tempo, dinheiro e atenção, que não devem ser distraídos para outras actividades a cargo dos particulares, os quais não conviria substituir nem total nem mesmo parcialmente, merco da atribuição de quotas, acções ou títulos equivalentes aos referidos organismos públicos.
Sr. Presidente: repito: penso que ninguém contestará a conveniência de se garantirem aos corpos administrativos recursos na proporção dos respectivos encargos.
Esses recursos, em parte, não deixarão de ir subindo à medida que se verifique uma prudente actualização das rendas e se intensifique a construção de moradias.
Alvitres variados e mais ou menos justificados para a elevação dos réditos municipais se registam a cada passo.
Além da intensificação da política de construção e da actualização das rendas, sobre que incidirá a percentagem destinada aos municípios na cobrança da contribuição predial, tenho ouvido aludir a actualizações de taxas e outras receitas, a uma percentagem sobre o imposto complementar (ainda recentemente foi publicado um decreto no qual, em parte, se atende este ponto de vista, mas não me ocorrem agora os termos do respectivo texto).
Também sugerem que uma parte das avultadas receitas corporativas sigam para os cofres municipais, cujas obrigações se avolumam dia a dia, sem a indispensável contrapartida na cobrança de receitas.

Sr. Presidente: neste problema momentoso surgem dois casos: um da maior urgência e justiça, que é o de o Governo liquidar as dívidas das câmaras aos Hospitais Civis, algumas avultadíssimas, como, segundo ouvi dizer há momentos, a de Almada, que sobe a perto de 3:000 contos, e o outro reside na manifesta necessidade de se dotarem os corpos administrativos com receitas proporcionadas às crescentes exigências da administração local, para que se assegure o bem-estar da população e se valorize o seu concurso precioso para a prosperidade nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Luís Teotónio Pereira: - Sr. Presidente: este caso, trazido à Assembleia Nacional pelo nosso distinto colega Sr. Melo Machado, sobre as dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis merece ser considerado e remediado. Conheço o assunto devido à minha passagem pela Câmara de Almada e, por isso, vou referir-me à situação em que se encontra esta Câmara. Os números que vou apresentar elucidarão VV. Ex.ªs
A Câmara de Almada devia aos Hospitais Civis de Lisboa em 1940 2:384 contos, e agora, passados sete anos, deve 2:992 contos, isto é, quase 3:000 contos.
E é preciso notar que durante estes sete anos pagou aos Hospitais Civis 538 contos, ou seja 20 por cento sobre os adicionais das contribuições e impostos gerais do Estado.
É claro que este assunto não podia deixar de me preocupar enquanto ocupei a presidência da Câmara, mas a breve trecho reconheci que esta era uma daquelas dívidas que nunca mais se poderiam liquidar.
No tempo do malogrado Presidente Sidónio Pais as dívidas aos Hospitais Civis foram anuladas pelo. decreto n.º 4:563, de 9 de Julho de 1918.
Poderia talvez agora fazer-se a mesma coisa, mas a verdade é que isso nada resolveria, porque as dividas voltariam a acumular-se, ein vista de a importância proveniente da percentagem sobre os adicionais não chegar para fazer face aos encargos, como se está verificando.
Mas, Sr. Presidente, tem isto um aspecto ainda mais grave.
Há cerca de seis meses inaugurou-se em Almada um hospital esplendidamente apetrechado e com todos os serviços devidamente montados. Pois esse hospital, por falta de recursos, corre o risco de fechar as suas portas.
A Câmara, com as suas disponibilidades comprometidas pelo facto do pagamento aos Hospitais Civis, nenhum concurso pode prestar, e, assim, o hospital de Almada não tem outros recursos que não sejam um subsídio anual do Estado, que me dizem ser de 60.000$, e um ou outro cortejo de oferendas, que num concelho pobre, como o de Almada, pouco produz.
O hospital de Almada constituía uma das grandes aspirações da população do concelho, porque, estando esta vila separada de Lisboa pelo Tejo e não havendo comunicações entre as duas margens a partir de certa hora, acontecia muitas vezes ficarem os doentes em estado grave privados da necessária assistência.
Foi este o principal motivo que levou à construção do hospital, e de lamentar será que ele se não possa manter por falta de meios.
Além da anulação da dívida aos Hospitais Civis, dívida já de si incobrável, parece-me de elementar justiça libertar a Câmara do encargo que representa o pagamento da percentagem sobre os adicionais às contribuições, ou, talvez melhor ainda, determinar que a verba dai proveniente reverta a favor do hospital de Almada.

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Faço esta sugestão convencido de que tanto o Sr. Ministro do Interior como o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência, na continuação do interesse e dedicação tantas vezes já demonstrados na resolução de outros assuntos que se relacionam com a assistência, não deixarão de dedicar ao caso a atenção requerida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum orador inscrito sobre a ordem do dia. Portanto, como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero encerrado o debate e efectivado o aviso prévio.
Está esgotada a matéria dada para ordem do dia de hoje. Por isso vou encerrar a sessão, marcando a próxima para depois de amanhã, com a seguinte ordem do dia: discussão das Contas Gerais do Estado.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
José Nunes de Figueiredo.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
António Carlos Borges.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Acordão do Tribunal de Contas a que o Sr. Presidente se referiu na sessão de hoje:

Serviço da República - Junta do Crédito Público - Processo n.º 1:350. - Acordam os do Conselho no Tribunal de Contas, em 1.ª instância:

Visto este processo e o ajustamento de fl. 2, organizado em conformidade dos documentos relativos à responsabilidade a que se refere, e que, devidamente rubricado pelo relator, se dá como transcrito aqui;

Verifica-se que o débito importa em .................. 625:345.925$43
e o crédito em.......................... 553:943.374$90
e com o saldo de ....................... 71:402.550$53 625:345.925$43

Em títulos da dívida publica:

A) Débito:
Saldo da gerência anterior ............ 415:960.317$67
Entradas .............................. 936:828.686$67 1.352:795.004$34

B) Crédito:
Saídas ................................ 819:119.059534
Saldo para a gerência seguinte ........ 533:675.945$00 1.352:795.004$34

Levantou o contador a dúvida sobre a legalidade Já despesa de fatos de zuarte para o impressor e compositor da Junta, supondo haver infracção contra o disposto no artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:848, de 19 de Julho de 1933. Não se trata, todavia, de irregularidade. Efectivamente, a despesa em referência não é das previstas e autorizadas por este decreto e entra na categoria das que não estão subordinadas a leis especiais. Desta maneira, só havia que observar-se, como se observou, o consignado no § 2.º do artigo 37.º do decreto n.º 22:257, de 25 de Fevereiro de 1933.

Quanto à dúvida suscitada acerca das despesas feitas em serviço de inspecção pelo director geral, claramente se vê do corpo do artigo 42.º do regulamento da Junta que se trata também de despesas legalmente efectuadas, visto que o mesmo director geral tem competência para fiscalizar todos os serviços sob a superintendência daquele organismo.
Relativamente à falta de formalidades legais no pagamento das despesas de transporte referentes àquele serviço de inspecção, considerando as razões expostas em ofício da Direcção Geral, junto a fl. 117, do processo n.º 1:191 (gerência de 1938) e aceitando que, muitas vezes, os serviços são .de carácter urgente e reservado, O Tribunal releva a irregularidade, nos termos do artigo 1.º do decreto-lei n.º 30:294, de 21 de Fevereiro de 1940.
A respeito da dúvida referente à falta de inscrição de certos funcionários da Junta como contribuintes do Montepio dos Servidos do Estado, em vista dos esclarecimentos prestados no ofício a fl. 65, não é agora a oportunidade de sobre ela se pronunciar o Tribunal.
Foi legal a despesa da bata para a contínua Albertina Pinto Alves, por virtude do estabelecido na cláusula 1.ª do contrato para fornecimento de fardamentos ao pessoal menor no ano de 1946, publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 15 de Janeiro do mesmo ano, o qual foi celebrado, como nele se declara, nos termos do decreto-lei n.º 22:848.
Releva-se a errada classificação da despesa referida a fl. 2-b, por não haver prejuízo nem se mostrar propósito de fraude, ainda ao abrigo do disposto no artigo l.º do decreto-lei n.º 30:294.
Às restantes dúvidas, das duas últimas alíneas do documento de fl. 64, pela Direcção Geral foram dados esclarecimentos que se julgam suficientes como prova da inexistência de infracção ao que a lei dispõe sobre a matéria.

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366 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 137

Nestas condições, julgam a Junta do Crédito Público, pela sua gerência de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1946, quite com o Estado pela indicada responsabilidade, devendo o saldo, que lhe é abonado, figurar como primeira partida do débito da conta seguinte a esta.
Não são devidos emolumentos.

Lisboa, 5 de Março de 1948. - Manuel de Abranches Martins - Artur Águedo de Oliveira - Manuel Marques Mano. - Fui presente, Emídio Beirão Pires da Cruz.

Está conforme. - 4.ª Secção da 2.ª Repartição da Direcção Geral do Tribunal de Contas, 8 de Março de 1948. - O Chefe da Secção, João Bartolomeu Júnior.

Está conforme. - Direcção Geral dos Serviços da Junta do Crédito Público, 12 de Março de 1948. - O Director Geral, J. Barreiros Tavares.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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