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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139

ANO DE 1948 20 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 139 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 19 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ontem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões N.º 137.
O Sr. Presidente comunicou que recebera o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Abranches Martins.
O Sr. Deputado Marques Teixeira ocupou-se da situação económica dos funcionários das conservatórias dos registos predial, civil e notarial.
O Sr. Deputado Salvador Teixeira solicitou do Governo a intensificação dos melhoramentos rurais no Nordeste transmontano e o aproveitamento hidroeléctrico do rio Sabor.
O Sr. Deputado Querubim Guimarães tratou da perniciosa influência de certos filmes estrangeiros na vida moral da juventude e da família portuguesa.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o parecer das Contas Gerais do Estado de 1946, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira e Manuel Lourinho.
O Sr. Presidente declarou que a actual sessão legislativa seria prorrogada por um mês.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 00 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa Madeira Finto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Herculano Amorim Ferreira.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvão.

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José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Fenalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 137.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o referido Diário, considero-o aprovado.
Está na Mesa o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Abranches Martins.
Este documento vai ser publicado no Diário das Sessões, e bem assim a carta daquele Sr. Deputado que o motivou, e o caso será oportunamente submetido à apreciação da Câmara.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Marques Teixeira.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: recebi e tenho comigo, neste instante, uma exposição de muitos funcionários do registo e do notariado do círculo eleitoral do meu distrito pondo em evidência a precária situação em que se encontram, e por isso, apelando para a minha qualidade de Deputado, com fundamento na qual rogam que faça chegar ao Governo o eco da exteriorização dos seus naturais queixumes, das suas justas reivindicações, e nomeadamente dê deles renovado conhecimento ao Prof. Doutor Cavaleiro de Ferreira, muito ilustre titular da pasta da Justiça.
Acorro sem hesitações, Sr. Presidente, ao chamamento que me fazem, correspondendo de bom grado à solicitação que me é dirigida, porque antecipadamente sei que só honro a minha posição de Deputado tomando, com desembaraço, o partido das causas que têm um suporte de justiça e visam fins de humanidade. Esta, Sr. Presidente, que calorosa e rapidamente advogo, em escassos momentos que vou tomar à atenção de V. Ex.ª e dos Srs. Deputados, não a trago em primeira mão à barra desta Assembleia, que sobre ela já teve um prazer semelhante ao meu ouvindo, numa das sessões de Fevereiro de 1946, a palavra fluente e rica de oportunas considerações do nosso distinto colega Dr. Lima Faleiro.
Não há, pois, que produzir novos argumentos para pôr em realce a chocante desigualdade manifesta em que se situam os funcionários atrás referidos relativamente a outros servidores do Estado.

Sem que a remuneração das suas atribuições esteja condicionada por processos objectivos, até eles não chegaram ainda os benefícios resultantes da publicação do decreto-lei n.º 33:272, de 24 de Novembro de 1943, e da lei n.º 2:004, de 27 de Fevereiro de 1940, com que lucrou a generalidade do funcionalismo português. Tal diferenciação de tratamento, que reputo inexplicável, mais se acentua e agrava, Sr. Presidente, se meditarmos em que igualmente lhes é cerceado o direito à reforma! Os ajudantes e empregados das conservatórias dos registos predial e civil, bem como os das secretarias e cartórios notariais, constituem uma numerosa classe, que é, regra geral, de um baixo nível económico, lutando aflitivamente com as maiores dificuldades financeiras para ocorrer às despesas de sustentação própria e de suas famílias, demais agora, em que, não obstante os pertinazes esforços, verdadeiramente beneméritos e tanto quanto possível operantes, do Sr. Ministro da Economia, em ofensiva implacável ao aumento do custo da vida, os efeitos da psicose altista, reduzidos embora, embaraçam ainda as condições de existência de tantos lares humildes.
E o quadro toma cores mais carregadas quando somos levados a pensar que um futuro cheio de preocupantes incertezas e de legitimas apreensões aguarda esses funcionários, que naturalmente não puderam acumular o seu pé-de-meia, logo que a invalidez ou a velhice lhes roube as forças garantes do seu ganha-pão! Todavia, Sr. Presidente, estes funcionários, dentro da sua categoria, são competentes como os que mais o são, cumprem com zelo as suas funções e - falo por experiência própria - têm por norma da sua conduta a delicadeza devida ao público que procura os seus serviços.
Sopesando este impressionante conjunto de circunstâncias e invocando, ao demais, o conteúdo do artigo 10.º do decreto n.º 34:092, de 8 de Novembro de 1944, onde se lê: «Fica autorizado o Governo a regular por decreto a situação dos ajudantes e demais empregados das conservatórias e das secretarias e dos cartórios notariais», eu, Sr. Presidente, que tenho pelo Sr. Ministro da Justiça o elevado apreço e o profundo respeito de que é credor um estadista da sua envergadura intelectual e moral, espero confiadamente do coração sensível e da recta consciência de S. Ex.ª que não sofrerá mais delongas a satisfação das reclamações, tão justas, tão humanas, daqueles modestos e prestimosos servidores do Estado. O Sr. Ministro da Justiça saberá fazer justiça.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: a insatisfação é a característica dominante de todos os homens que servem devotadamente a Revolução Nacional.

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Para eles a insatisfação não é crítica destrutiva ou maledicência sistemática.
E, sim, a ânsia perene do «mais e melhor», na síntese luminosa do Chefe do Governo, que é, com certeza, o maior insatisfeito de todos nós.
Entre os grandes insatisfeitos figura também - disso estou certo- o ilustre Ministro das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, que no ano findo, em jornadas que seriam exaustivas se não fossem impulsionadas por um grande amor pátrio, percorreu o País de lês a lês, para directamente se inteirar das suas mais instantes necessidades e providenciar por que elas sejam satisfeitas o melhor e o mais depressa possível.
E, assim, temos visto dia a dia aparecerem planos de obras a realizar seguidamente pelos diferentes departamentos do seu Ministério.
Que alegria por vermos a continuação da marcha progressiva da Nação, cada vez a ritmo mais acelerado desde a arrancada gloriosa de Braga.
E nem o Nordeste trasmontano, que tenho a honra de representar nesta Assembleia, tem sido esquecido, desde que o Estado Novo o descobriu, para a ânsia do progresso, de que tão afastado andava anteriormente a 28 de Maio e em que só era conhecido para o pagamento dos tributos e para cenário de pugnas políticas inglórias.
Por lá muitos e muitos melhoramentos se têm realizado e continuam a ser levados a cabo.
E creio que na consciência dos seus habitantes não pesará o negro pecado da ingratidão.
Mas a nossa insatisfação leva-me a pedir ao Governo, e muito especialmente aos Srs. Presidente do Conselho e Ministro das Obras Públicas, o aumento do ritmo progressivo daquela região, e nomeadamente dos seus melhoramentos rurais e do aproveitamento hidroeléctrico do rio Sabor, obra cujo projecto se encontra completo e pronto a ser executado pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e que será factor de enorme valorização económica, não só daquela região, mas de todo o País, afigurando-se-me até que em muito virá facilitar a efectivação do aproveitamento do rio Douro, quer no troço internacional, quer no nacional.
E confio em que assim será.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Querubim Guimarães: -Sr. Presidente: na sessão de 5 de Fevereiro mandei para a Mesa um aviso prévio no qual pretendo ocupar-me do grave problema da exibição de filmes e expansão das projecções cinematográficas que levam a todos os pontos do País os malefícios do mau cinema, na sua quase totalidade provindo do estrangeiro, portadores da corrosiva orientação que preside em alguns países produtores, nomeadamente na América do Norte, à apresentação dos temas e à sua exibição.
Numa sessão de Dezembro pedi elementos de informação, alguns sobre o número de filmes censurados no 1.º semestre de 1947, sua proveniência e indicação dos membros, da Comissão do Censura, que ontem me foram mandados pela Mesa, o que agradeço.
Estes elementos de que carecia, agora em meu poder, habilitam-me já a tratar do aviso prévio logo que V. Ex.ª o marque para ordem do dia.
Nesse aviso prévio, tal como o anunciei, procurarei pôr a Assembleia em face dos perigos sérios que correremos, sobretudo quanto à educação das futuras gerações, se continuarmos deixando correr as coisas como até aqui, num ritmo assustador e que denuncia uma das mais graves crises de moral que a História regista.
Perigos de desnacionalização porque enraízam em espíritos incultos ou insuficientemente preparados tendências para adoptar como moderno e civilizado o que lá por fora se exibe de mórbido e contrário ou inadequado às nossas tradições e educação cristã.
As exibições de uma técnica em que o nu predomina ou as cenas escabrosas e condenáveis têm preferente papel são o pior veículo hoje conhecido -muito pior que o teatro, com as suas liberdades reprováveis - para suscitar, pela sobreexcitação dos sentidos, atitudes que vão tristemente influir na moralidade do povo, nos costumes sociais, na vida da família, na paz dos lares.
Se queremos manter um padrão de vida de harmonia com as nossas tradições cristãs, em que tanto se fala mas que tão pouco se respeitam, não podemos tolerar esta licenciosidade triunfante, arma admirável para comunizar o Mundo, mas que o mundo ocidental, tão temeroso, aliás, do comunismo, deixa assestar contra o seu próprio interesse, na ignorância de muitos mas também no propósito de tantos e na indiferença do maior número.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - O que se passa nas exibições cinematográficas que por aí campeiam livremente, sem uma censura séria que ponha cobro a tais abusos, excede em proporções tudo o que seria permitido admitir em país de tão honrosas tradições como o nosso.
Como se consente tal?
Como se compreende que se tenha tolerado o que para aí vai, havendo uma censura oficialmente organizada que tem por obrigação velar cuidadosamente pela nossa defesa, pondo-nos a coberto de tão graves perigos?
Urge que nos ocupemos aqui dum assunto que, como se vê, é da maior importância e se lhe procure dar uma solução que satisfaça as legítimas reclamações da consciência nacional, que, pela própria reacção da imprensa, manifestada contra certos filmes, se sente agravada pela indiferença das entidades a quem cabe o dever de velar pela nossa saúde física e moral.
Ainda não há muito o próprio órgão do Governo censurava asperamente, na sua critica, uma estreia no Cinema Odéon, em que, no dizer dessa apreciação, se passava o seguinte e tremendo diálogo. Transcrevo o trecho:

Num diálogo de amor, mais ou menos cínico, a heroína diz ao galã, a propósito de corridas de cavalos, que também apostou nele. Ele afirmou que calcula igualmente que ela seja uma boa égua. Ele diz-lhe que talvez tenha pouco fôlego. Ela fecha o diálogo, dizendo: «Depende do jóquei».

E o crítico comenta:

Não ha exagero nosso: é espantoso, mas é assim. Está lá escrito com as letras todas! Como concessão com o que há de mais grosseiro não conhecemos nada melhor.

E qual é o ambiente em que se desenvolve a torpe acção do filme?
O galã incarna o tipo do herói ordinário, impassível diante de todas as pistolas e que desdenhosamente ouve os convites das várias mulheres que aparecem sempre a entregar, depois de dois olhares, um cartão com a indicação da morada, a convidá-lo a passar por sua casa. Tudo se passa entre dúzias de tiros e mortes de meia dúzia de facínoras, com duas «meninas» tipo americano, filhas de um respeitável general, metidas em casas de jogo, em negócios de chantagem, crimes e outras «pequenas coisas» no género. Nem mais nem menos!
É extraordinário que isto se tolere, mas é assim mesmo.

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O filme intitulava-se: À beira do abismo -já pelo titulo de sugestivo alcance no seu propósito desmoralizador.
No dia seguinte o mesmo jornal, a propósito da reacção contra o mau cinema, que vai já alastrando, felizmente, em vários países e levou os produtores americanos de Hollywood a mudar de rumo, tendo prometido não realizar mais filmes de gangsters, para que o Mundo, através de tais filmes, não faça uma falsa e errada ideia dos Estados Unidos da América, voltava de novo a atacar justamente essa película indecorosa, que passou, como tantas outras, pelas largas malhas da censura.
Ao mesmo tempo acautelava-nos e acautelava a censura contra dois filmes, possivelmente a exibir em Portugal (um, The Outlaw, já traduzido, ao que parece, para português, com o título A Terra dos Homens Perdidos), ambos boicotados pelos católicos norte-americanos e retirados do écran em virtude de um enérgico ultimato do episcopado ianque.
Ao mesmo tempo o articulista do Diário da Manhã afirma dignamente a necessidade de reagirmos contra esses exportadores de «imundícies cinematográficas», alinhando assim com outros países que cita, a principiar pelos próprios Estados Unidos.
Sr. Presidente: eu não pretendo de modo algum com estas considerações antecipar o meu aviso prévio, para o qual V. Ex.ª marcará dia próprio, muito de desejar sendo, o que peço, que dele me possa ocupar ainda na próxima sessão prorrogada, para ver se, pondo a descoberto as nossas deficiências de defesa contra o mau cinema e referindo os danos produzidos já nas várias classes do País por essas tais «imundícies cinematográficas» a que se refere o articulista do Diário da Manhã, conseguimos pôr cobro a tal desaforo, protegendo-nos contra essa lepra horrível que os maus filmes fazem espalhar por toda a parte, hoje até nas próprias aldeias, tão pacíficas e tão morigeradas, ainda não muito longe no tempo, mas já perturbadas pelos venenos de uma civilização invertida.
Porque na imprensa católica tenho abordado o assunto com o maior interesse, cônscio de que presto, no limitado âmbito da minha acção, serviços ao bem comum, cada vez mais carecendo de protecção e vigilância perante as arrogantes intervenções do ateísmo, que de tal já se não oculta, e de um materialismo sórdido -em que não sei que mais admirar: se o relaxamento egoísta dos gozadores da fortuna, se a expectativa delirante dos que sofrem as agruras da miséria-, senti a urgência de trazer à Assembleia elucidativos elementos de informação, que denotam a imperiosa necessidade de uma repressão enérgica que ponha termo ao que se passa.
De vários lados, além dos inquéritos de alarmantes resultados, me chegam queixas e indicações de filmes imorais que ilustram vergonhosamente os nossos écrans e que a inexplicável inércia das autoridades e entidades legítimas, não pondo em execução a lei n.º 1:974, aqui votada, e que regulamenta a assistência de menores aos espectáculos cinematográficos, mais agrava a situação em que se encontra um problema de tão fácil solução, mas que tão tristemente se faz difícil.
Tenho aqui presente um número de O Comércio do Porto, recentíssimo, de 15 do corrente, que traz um artigo de uma senhora, D. Maria Irene Faria do Vale, com o título «Mulheres e crianças» e o subtítulo «Os presos (influência nefasta dos maus cinemas)», no qual essa senhora censura indignadamente a exibição de um filme que se manteve durante mais de uma semana em espectáculos diurnos e nocturnos e em que toda a acção se desenrola entre crimes de envenenamento e estrangulamento de mulheres, com uma técnica de crime que é escola terrível pela perfeição a que se chega na arte de o dissimular. E tudo se passa na segunda cidade do País, em inteira liberdade de assistência de espectadores de todas as classes e idades.
Junto dessa senhora - conta ela -, entre grande número de menores que ocupavam vários lugares da casa de espectáculos, estavam uma jovem e uma criança de 4 a 5 anos. E esta, alarmada -pobre criança assim entregue à criminosa indiferença de uma mãe!-, gritava para esta: «Mamã, por que razão aquele homem quer matar a mulher?». E repetia: «Mamã, por que razão aquele homem quer matar a mulher?».
E comenta a articulista:

O que estaria a passar-se no cérebro desta criança? Que espécie de vestígios ficariam gravados na sua alma a evoluir?

Sr. Presidente: pode continuar a manter-se tal estado de coisas?
Porque se não cumpre a lei aqui votada ? Porque cerra a censura os olhos a estes filmes e tudo deixa passar, através de um critério de tolerância, para não dizer conivência, censurável, porque trai os deveres que lhe cabem pela própria natureza e jus da sua constituição ? Na defesa da juventude, porque se não cumpre a lei, que a Assembleia aprovou, da autoria do nosso ilustre colega Dr. José Cabral e desse superior espírito de mulher - e alma cristã que tanto nobilitou a nossa tribuna - a Dr.ª D. Domitila de Carvalho ? Na França, numa importante reunião efectuada recentemente no Conselho da República, iniciou-se um debate acerca da criminalidade infantil, apontando-se como suas principais causas as publicações e os filmes de moral dissolvente e perigosa.
De dez mil delinquentes adolescentes em 1936, passou a trinta e três mil em 1946, com a percentagem de 93 por cento urbanos. A principal causa, ai se afirmou, é o mau cinema, que se considerou: escola do crime pela imagem. Resolveu o Conselho nomear uma comissão de censura, que deverá impedir publicações e películas que desmoralizem a juventude, e o Ministro da Justiça afirmou que preparava um texto de lei para acabar com esses abusos.
E nós, Sr. Presidente?
Nós temos já uma lei de protecção às crianças e às jovens, mas jaz no pó do esquecimento. Teremos de continuar neste estado de coisas ?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o que acabo de dizer é simples amostra do que vai por esses cinemas do País, cuja acção nefasta de filmes imorais se desenrola numa sementeira de desregramentos, que aniquilará no futuro as nossas gerações.
O muito mais que há a dizer ficará para o aviso prévio, cuja discussão peço a V. Ex.ª não demore.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Chegaram à Mesa os elementos fornecidos pela Direcção Geral dos Serviços Pecuários, a requerimento do Sr. Deputado Figueiroa Rego. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado do ano de 1946. Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

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O Sr. Águedo de Oliveira: -Sr. Presidente: valerá a pena? Num abrir e fechar de olhos, a Checoslováquia foi entregue a comissões liquidatárias da liberdade e fazenda alheias e políticos e administradores, embalados nos enganos e nos equívocos, despertaram em regime real de mobilização e trabalho forçado. A estas novas e colossais galés que nem os velhos pagãos conheceram se chama agora «repúblicas democráticas e populares, amantes progressistas da paz e opugnadoras de imperialistas...» De tal ordem os factos e as fórmulas andam em antagonismo mas proclamados como justapostos, que nem pelo suicídio parece poder ser salva a honra!
O programa Marshall discute-se actualmente em assembleia plena de Ministros de Negócios Estrangeiros. E foram de gentleman as palavras que o Sr. Dr. Caeiro da Mata proferiu na essência contra a espantosa muralha, lançada em torno da nação vizinha e com a qual se pretendem esconder - qual outra lejenda negra.- os seus rompantes cavalheirescos.
A Conferência de Havana deve ter dado os últimos retoques na Carta do comércio mundial, já aperfeiçoada em anteriores reuniões, o que interessa sobremaneira aos países que, como o nosso, estão sob a alçada do dilema- ou exportar ou morrer!
O pacto de Bruxelas é recebido com um frémito do entusiasmo nos meios políticos ocidentais.
O Presidente Truman, um grande homem, crente e severo, acaba de pronunciar com vigor: - basta! Amanhã poderá exclamar: - para trás!
Os que respeitam apenas a força, admiram a ficção directa e vão professando polo direito altivo menosprezo perguntarão se, neste carregado painel, ainda haverá lugar para trabalhos do género da longa exposição que vou hoje proferir.
Eu também o pergunto a mim próprio!
Grande parte, porem, das nossas virtudes actuais e até das vantagens presentes derivam de termos seguido a nossa vida entretidos apenas com as nossas tarefas, que, embora dependentes dos rumos universais, nunca escravizámos demasiadamente a factores e fórmulas estranhos.
Este debate tomou regularidade há alguns anos como tantas coisas novas de Portugal e permanece abrigado dos lances dramáticos destes tempos.
Sob a minha única responsabilidade, como Deputado e como homem de leis, apenas achei, por dever de lealdade na vida pública, que havia de aclarar alguns princípios e factos sobre a expressão e significado constitucional do julgamento político da Conta Geral do Estado.
Ao aguardar de todos a paciência própria de quem recebe explanação tão árida, desejo e hei-de pedir igualmente benevolência e respeito de V. Ex.ª e de todos para a ingratidão da minha tarefa e para o trabalho que antecedeu as minhas palavras.
O problema é intrincado, põe-se de diversa maneira, no terreno das ideias, das práticas consagradas e dos factos, mas talvez comporto solução a prazo não muito longo.
O Direito financeiro antecedeu o Direito constitucional.- Tenho necessidade de desfazer logo de entrada um relativo equívoco.
O que nós debatemos hoje é a Conta Geral do Estado tal como foi reorganizada nos termos do decreto-lei n.º 27:223, de 21 de Novembro de 1930. Uma conta soque como tal foi compendiada, comprovada, encerrada e impressa.
A nomenclatura Contas Gerais seria mais apropriada quando esta se repartia em conta de património e conta de rendimento, de ordenadores e de material e na sua estrutura entrava a da Junta do Crédito Público, hoje destacada e à parte.
O que está não está mal, mas a expressão de rigor é esta.
Historicamente, o Direito financeiro precedeu o direito constitucional; ou, melhor, este último começou por reduzir-se apenas às regras e práticas de Direito financeiro. Efectivamente os povos começaram a sua vida constitucional por consentir nos tributos e advogaram como direitos seus, opostos ao poder real, que a sua capacidade contributiva apenas podia ser autolimitada.
Assim as cortes e parlamentos nasceram da ideia de proteger os contribuintes - a Nação-contra as exacções fiscais dos reis e governantes.
O que com amplitude se chama a «fiscalização financeira» estabeleceu também destarte- o seu domínio, no Direito português e na teoria das Cortes Gerais.
A Nação e os seus representantes mostraram-se sempre bastante ciosos dos seus direitos e o imposto foi constantemente afirmado como uma concessão e nunca concebido ou efectivado sem protesto como direito realengo.
Referindo-se às Cortes, afirmava D. Afonso III: et plucuit eis concedere mihi e aprouve-lhes fazer-me esta concessão.. Reportava-se aos representantes às Cortes a propósito de impostos.
Nas Cortes de 1380, no tempo de D. Fernando I, foi afirmado que se lhes não imporiam tributos sem serem ouvidos e sem que, por sua decisão e conselho, se buscassem os meios suaves para a execução.
Nas Cortes dos Três Estados de Junho de 1498, no reinado do Venturoso, foi convocada a sua reunião, mas assinalando-se vincadamente que não era para requerer dos povos auxílios em dinheiro; indirectamente mostrava-se ser essa a sua grande função de direito público.
O Dr. Velasco de Gouveia, na Junta Aclamação, considerava tirânicos os Filipes «por afligirem o reino com excessivos tributos, sem serem consentidos em Cortes», e ainda pela crueldade manifestada pelos seus exactores. Eles não usaram dum direito e esse direito não pertencia à sua regalia.
E porque os tributos não chegassem para as despesas em perspectiva com a Guerra da Restauração e fosse indispensável obter mais da capacidade dos contribuintes, pregava o Padre António Vieira, o grande patriota, um dia antes de reunirem as Cortes:

Este é o fim de se repetirem Cortes em Portugal. Arbitraram-se nas passadas vários modos de tributos para remédio e conservação do reino; mas como estes tributos não foram efectivos, como estes remédios saíram ineficazes, importa agora remediar os remédios.

Podia abonar-me ainda com citações dos Drs. Mendes de Castro, Cabedo, canonista Navarro e outros jurisconsultos construtores do Estado Português. Mas não vale a pena.
A ideia de concessão havia de trazer a de fiscalização propriamente dita. A lógica e o tempo fizeram naturalmente o resto. Se os representantes da Nação autorizavam as contribuições públicas era natural que seguissem até ao fim o seu destino e quisessem saber da aplicação dada pelos governantes aos seus rendimentos.
As contas públicas que se prestavam aos reis, à Casa de Bragança, à Câmara de Lisboa acabaram por ser prestadas também aos representantes do País. Antes os procuradores já disputavam e reclamavam sobre gastos e contas. E assim o parlamento viu-se atribuído com competência exclusiva para autorizar tributos e despesas; acabou, como coroamento lógico, por verificar a aplicação dada aos créditos abertos.
Isso estamos fazendo.
É no Direito revolucionário francês e no nosso Direito liberal que a longa evolução secular chega a tais resul-

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tados e os princípios se afirmam por forma indiscutível de regra jurídica superior.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 consignava que os «cidadãos têm direito, por si ou pelos seus representantes, a fiscalizar a aplicação das contribuições públicas»; e acentuava que pertencia à representação nacional votar o orçamento e liquidar as contas.
Os meios financeiros e o seu destino, as previsões e os resultados pertenciam, pois, ao domínio de decisão duma assembleia representativa.
A Constituição portuguesa de 1822, no artigo 103.º, alínea IX, dispunha que às Cortes incumbia fixar anualmente os impostos e as despesas públicas; fiscalizar o emprego das rendas públicas e as contas da sua receita e despesa.
A Carta Constitucional de 1826 mandava, no artigo 138.º, que o Ministro de Estado da Fazenda apresentasse à Câmara dos Deputados um balanço geral da receita e despesa do Tesouro no ano antecedente. Este mesmo princípio se continha no Acto Adicional de 1852, onde se dizia mais: «haverá um tribunal de contas, cujas organização e atribuições serão reguladas por lei».
A Constituição de 1838 estabelecera já esta jurisdição, composta de membros eleitos pelo parlamento.
Ainda a Constituição Política da República Portuguesa de 1911 estabelecia pelo artigo 26.º, como competência privativa do Congresso da República, orçar a receita e fixar a despesa da República, anualmente, tomar as contas da receita e despesa de cada exercício financeiro e votar anualmente os impostos.
Portanto, o Direito constitucional começa por limitar a faculdade real de lançar tributos, interessa-se depois pelo destino dos dinheiros públicos, acaba, enfim, por exigir uma severa prestação de contas da utilização que lhes foi dada pelos que governam.
Sr. Presidente: é dispensável agora referir o que importa na Constituição de 1933, que nos rege, pois está bem presente.
Como temos acentuado, a Assembleia Nacional confere uma grande autorização ao Governo para cobrar o que precisa e aplicar o que tem, e dessa autorização se toma conta neste debate anual.
Vivendo o Governo em regime de confiança e de mandato - e tem-na e merece-o todo - é chegada a hora de discutir a sua administração.
Thiers, o grande historiador e Ministro, resumia perfeitamente a situação constitucional, dizendo: «um pouco de confiança antes e muita fiscalização depois».
O que é a Conta Geral do Estado?-Depois do orçamento não há documento mais importante para a vida financeira do que a Conta Geral do Estado, que nos fornece a fotografia dos factos da gestão administrativa.
A Conta mostra-nos uma recapitulação de factos consumados, que se distingue, pelo plano e método, do programa de acção que é o orçamento.
O orçamento volta-se para o futuro, a Conta, como a mulher de Lot, olha para trás, vendo o passado, mesmo que permaneça estática.
A Conta é o apanhado, o estado das receitas e despesas.
Os franceses doutro tempo diziam - état au vrai. Jèze escreve - o relevé.
A nossa Conta Geral do Estado era dantes um mostrengo; agora mostra-se um volume manuseável, bem impresso, límpido, acessível.
No passado era um mostrengo de 8 quilogramas, 2:000 páginas, que suplantava em grossura o célebre volume da Legislação de Maio de 1919, com seus trinta suplementos.
Mais alto e mais largo que o volume actual, apresentava-se como calhamaço seis vezes mais espesso!
Dele dizia incisivamente o Ministro das Finanças de 1937 - Salazar: «os dois volumes em que a nossa sábia legislação manda compendiar a Conta Geral do Estado referente à gerência de um ano custam 1 conto, pesam 8 quilogramas, têm 2:000 páginas e ninguém os lê.
As contas ou não chegam a ser organizadas, ou, se o são, não se publicam; se se publicam não são remetidas ao Tribunal de Contas; se são enviadas, não obtêm deste o voto de conformidade e ou não são presentes às câmaras ou estas as não apreciam nem julgam».
Pelo decreto-lei n.º 27:223, de 21 de Novembro de 1936, a conta foi trazida à sua expressão rigorosa e sucinta, simplificando-se e consubstanciando-se nalguns quadros fundamentais. Passou a ser despida de excrecências, extirpada de tumores, produzida na devida altura e impressa a tempo.
Tornou-se então uma base segura e límpida, completa e sintetizada de fiscalização financeira, abrindo assim o caminho aos trabalhos parlamentares.
Servem-lhe de prefácios os monumentos notáveis de literatura financeira, a que adiante nos referiremos; sobre este documento importantíssimo há-de recair a curiosidade de todos e afinar-se a análise do Tribunal de Contas e da Assembleia Nacional.
Falou-se no Tribunal de Contas já-e qual a sua posição em relação à Câmara política?
Mesmo em teoria, um julgador político carece de um conhecimento criterioso ou técnico que lhe permita grande latitude e elasticidade de apreciação.
Compreende-se que uma câmara política no exercício de uma soberania incondicional se dispense de grandes análises e meticulosidades para se pronunciar capazmente sobre os assuntos mais intricados ou dificultosos. Mas também se compreende a vantagem em que a mesma câmara se pronuncie soberana e politicamente, após a sua preparação com uma informação especializada ou técnica.
No primeiro caso ela decide por intuição do sentido das realidades sociais; no segundo funda o seu juízo num conhecimento seguro - em qualquer hipótese ela pode manifestar-te com soberania.
As duas tendências podem defender-se nas suas manifestações positivas, mas a segunda hipótese eliminará mais preponderantemente alguns riscos de apreciação.
No início dos sistemas financeiros modernos, Napoleão, encarando as probabilidades de erros e infracções e substituindo-se às instituições representativas afirmava: A Cour dês Comptes me elucidará!
E a mesma ideia, mas já dentro do sistema constitucional, era exposta por Casal Ribeiro nas Cortes, deste modo: «além de julgar os responsáveis, o Tribunal de Contas é informador nato e necessário das câmaras legislativas, enquanto à gerência dos Ministros da Coroa».
E sobre o mesmo ponto anotava o Dr. Lopes Praça:
«Examinar as contas dos diversos Ministérios e dar sobre elas as suas declarações, as quais são enviadas aos Ministros respectivos, para que façam as suas observações. Examinados e apreciados os exercícios dos anos a que a conta se refere, devem as contas ser remetidas ao parlamento para as examinar e conferir, ou alterar, enfim exigir e tornar efectivas a responsabilidade ministerial e legalizar o que deve ser legalizado».
Portanto, órgão esclarecedor, segundo o pensamento napoleónico; informador nato do parlamento, examinador prévio, segundo a ideia dos nossos doutrinadores liberais: este órgão especializado que é o Tribunal de Contas prepara e facilita a opinião dos representantes da Nação.
No curso destas ideias alguns vão demasiadamente longe.
Stourm chega a falar em atribuições parlamentares da Cour dês Comptes, o que é manifestamente exagerado e contraria a divisão de funções do Estado moderno.

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O que pode afirmar-se é que os tribunais de contas facilitam e integram as funções dos órgãos representativos, mas não sendo apesar disso delegados destes últimos.
Santi Romano afirma expressivamente que a Corte dei Conti, em Itália, possui importância constitucional mas não é por si órgão constitucional.
Portanto, a Assembleia Nacional herdou do passado uma certa proeminência em matéria de consentimento para levantar tributos e na fiscalização da disponibilidade e aplicação dos dinheiros públicos.
Esta Câmara consente nas receitas. E consente nas despesas.
Todos os anos - e a tempo - a Assembleia Nacional vota uma lei de meios que permite ao Governo elaborar o orçamento e realizar as finanças anuais.
Já aqui foi dito que a Câmara é um mandante e o Governo um mandatário; como tal a lei de meios tem a configuração jurídica de uma autorização.
Como usou o Governo desse mandato?
Como executou a lei de receita e despesa?
Como fez política e administração com base numa percepção ou distribuição de recursos?
A Câmara procede ao exame anual da prática financeira seguida, verifica se as leis foram cumpridas, estabelece se o orçamento corresponde à lei de meios e à execução daquele e desta.
É a faculdade que lhe confere o artigo 91.º, n.º 3.º, da Constituição, considerado o reverso da medalha do n.º 4.º do mesmo artigo.
Para exercer a sua soberania neste debate, a Assembleia Nacional pode ser informada ou esclarecida previamente por um órgão especializado que é o Tribunal de Contas.
Pode julgar sem ele a Conta Geral do Estado, resumo contabilista de todas as contas e situações. Mas também pode, querendo, socorrer-se do seu depoimento técnico para melhor formular o seu juízo.
Portanto, o Tribunal de Contas não julga a Tonta Geral do Estado. Informa-a; prepara o seu estudo apenas; elucida-a até; quem julga porém é esta Assembleia Nacional, segundo a tradição, o espírito e a mecânica constitucional.
O Tribunal de Contas decide sobre as contas parciais.
Em que consistirá o exame do Tribunal de Contas ? - Vimos para que o faz, mas pode perguntar-se- como e de que maneira o faz?
Pelo sistema longo tempo em vigor entre nós e decalcado no modelo francês, o Tribunal de Contas proferia uma declaração geral de conformidade sobre as contas do exercício findo e ainda outras declarações, baseadas, uma e outras, na comparação com as contas de responsabilidade, as ministeriais, as de material e as de ordenadores.
Era isto que se continha entre outros diplomas no magnífico código de Direito financeiro que foi o regimento de 1881 do célebre Lopo Vaz de Sampaio e Melo e à sombra do qual técnicos franceses modelaram e ajustaram alguns quadros fundamentais contabilistas.
As coisas agora apresentam, pelo menos, certas diferenças.
Segundo o artigo 6.º, n.º 11.º, do decreto orgânico n.º 22:257, de 20 de Fevereiro de 1933, o Tribunal formula um parecer fundamentado sobre a execução da lei da receita e despesa e leis especiais promulgadas, declarando se foram integralmente cumpridas e quais as infracções, dos seus responsáveis.
O artigo 1.º, n.º 3.º, do decreto n.º 26:340, de 7 de Fevereiro de 1936, pretende habilitar o Tribunal com os elementos indispensáveis para a verificação das despesas dos diversos Ministérios e elaboração do relatório e decisão sobre a Conta Geral do Estado.
O artigo 27.º do decreto n.º 26:341, de 7 de Fevereiro de 1936, refere-se aos documentos e informações que julgar necessários para a elaboração do relatório e decisão sobre as contas públicas.
Está bem de ver que a letra destes últimos diplomas excede o espírito e a própria regra do decreto orgânico.
O Tribunal, pela teoria construtiva do Direito constitucional, pela tradução das declarações de conformidade, não tem que decidir. Tem que informar tecnicamente, elaborar um parecer ou um relatório. Quem decide propriamente, quem está constitucionalmente autorizado a faze-lo, é a Assembleia Nacional.
As decisões do Tribunal são plurais e relativas às responsabilidades contáveis, como foi dito.
Mas o parecer técnico perdeu parte da sua importância. - Porque é que o parecer técnico do Tribunal não reveste hoje a importância e transcendência, visada pelos legisladores liberais europeus, relativamente às declarações de conformidade?
Em primeiro lugar porque o Sr. Presidente do Conselho educou e formou os governantes actuais na mais estrita, na mais severa das administrações financeiras.
Em segundo lugar porque a Direcção Geral e as repartições da contabilidade pública são hoje travão seguro, obstáculo pesado, um dique mesmo oposto às infracções e despesas ilegais, que por elas directamente respondem.
Depois também porque o Tribunal de Contas, mercê dos seus serviços, filtra, criva miúda e preventivamente, através do visto prévio, diplomas, actos e contratos, no aspecto financeiro, diminuindo os coeficientes de erro ou irregularidade.
Finalmente porque o aumento torrencial dos actos públicos levou a reforçar todos os meios administrativos e judiciais de contrôle, aperfeiçoando e ampliando a fiscalização não contenciosa e jurisdicional.
Assim a sanidade habitual e comezinha da nassa vida financeira despe os actos do Poder daqueles percalços e desvios tradicionais que podiam servir de pomo de discórdia aos lances dramáticos desta Casa.
Mantendo-se a prática de a Assembleia julgar as contas logo após a sua impressão, não é material nem legalmente possível que o Tribunal dê o seu parecer.
Vou agora mostrar - e este é o ponto mais delicado da minha intervenção - que só alterando as condições de tempo e de facto o Tribunal poderia dar o seu parecer, cumprindo o seu dever institucional para com esta assembleia política.
Como estão as coisas, ele não é nem material nem legalmente possível, nos prazos que lhe são permitidos praticamente.
Primeiramente - quando chega para estudo a Conta Geral do Estado ao Tribunal de Contas?
Antes de 1944 a Conta chegava a esta instituição aí por volta de 20 de Fevereiro, quere dizer, na altura ou depois que a Assembleia Nacional havia travado o debate sobre ela e proferido a sua decisão.
Com o esforço da Direcção Geral da Contabilidade Pública a Conta começou, nos últimos anos, a chegar no fim de Novembro, o que, na suposição de que a Assembleia a vai debater em Fevereiro, torna praticamente impossível o exame e estudo de tão vasto e inquietante problema e a elaboração de um parecer fundamentado.
Mas há mais: em vez destes escassos dois meses, cortados pelas férias do Natal, a lei especial confere ao Tribunal de Contas dois anos para se desobrigar desta tarefa de elaborar parecer duma tal responsabilidade.
Pelo artigo 7.º do decreto orgânico de 11 de Abril de 1911 e pelo artigo 202.º do regimento de 1915, este último ainda em vigor, dispôs-se que o parecer seria apresentado na sessão imediata a cada gerência ou, não sendo possível, na sessão seguinte do Congresso.

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O artigo 6.º, n.º 11.º, do decreto-lei 11.º 22:257, de 25 de Fevereiro de 1933, diz que no prazo máximo de dois anos, depois de findar cada gerência, há-de o Tribunal formulá-lo e publicá-lo no Diário do Governo.
Portanto a Canta Geral do Estado de 1946 poderia ser relatada pelo Tribunal até 31 de Dezembro de 1948.
Porém, examine-se o problema do lado dos trabalhos preparatórios da organização do parecer.
Entre os elementos, de verificação e conferência da Conta Geral do Estado encontram-se os processos de responsabilidade.
Estes entram num período compreendido entre 15 de Março e 31 de Outubro do ano seguinte à gerência, devendo o maior volume ser remetido até 31 de Maio. Um ano não chegará, a não ser por hipótese, para se julgarem estas contas todas, e portanto a maioria delas relativas à gerência de 1946, entradas em 1947, só em 31 de Maio do ano corrente poderão estar julgadas e daí até ao fim do ano, por hipótese até ao fim deste ano, ninguém dirá que haja tempo de sobra para uma tal tarefa, que já vamos mostrar em que consiste.
Por agora uma conclusão se impõe: discutindo, como discute, a Assembleia Nacional na primeira sessão legislativa realizada sobre o fecho da gerência, não dá materialmente tempo para que o parecer possa ser cabalmente elaborado.
Prazo assaz apertado ainda, no rigor da técnica contabilista. - Demonstremos agora de um prisma técnico-contabilista que o tempo concedido é apertadíssimo.
De uma maneira muito genérica o parecer ou relatório há-de focar os aspectos contabilistas da produção e comprovação dos elementos da Conta Geral do Estado, a sua correlação e ajustamento, o valor em face das autorizações de qualquer espécie e as consequências das operações financeiras no aspecto da responsabilidade, e seu confronto e integração com todas as contas julgadas pelo Tribunal.
Trabalho urgente e descompassado!
Tarefa complexa e delicadíssima!
Missão cautelosa e eriçada de espinhos!
A ordem de estudos, exames, confrontos e ajustamentos necessários à elaboração do parecer cifra-se no essencial:
1.º As correcções do orçamento das receitas com as tabelas de entradas e saídas de fundos;
2. Ao confronto de tabelas das entradas e saídas, cobranças e operações de tesouraria e Agência Financial ;
3.º Ao confronto do orçamento das despesas com os mapas dos serviços, os da contabilidade e as notas dos cofres;
4.º Ao confronto com os processos dos responsáveis julgados;
5.º Ao acerto com o processo da Junta do Crédito Público; e processo de verificação e conferência dos documentos de despesa;
6.º A integração da Conta Geral do Estado, sua apresentação a Conselho e relatório com base nos trabalhos das secções e repartições.
Falemos agora das votações e resoluções sobre a Conta do Estado. - Merecendo o acordo dos representantes da Nação, a Conta Geral do Estado é aprovada. Fecha-se solenemente e de vez. Ficam sanadas de responsabilidades. A questão financeira merece confirmação de mandante ao mandatário.
A este respeito os sistemas divergem, no meio e na forma.
A prática dos Estados apresentava, antes da guerra mundial, todas estas variantes:
l.ª O Parlamento conferia ao Governo uma autorização para encerrar a questão. Era o sistema seguido na Polónia e na Checoslováquia;
2.ª O Parlamento votava uma lei de permissão, tal como na Bélgica, Egipto, França, Rússia,;
3.º O Parlamento limitava-se a aprovar a conta, pura e simplesmente, nos Estados Unidos;
4.º O Parlamento examinava, verificava e conferia as contas, sistema excessivo da Suiça e talvez sómente permissível nesta república;
5.ª Um auditor geral apresentava o relatório técnico a uma comissão parlamentar de quinze membros, que rapidamente as homologava, tal era a praxe seguida na Câmara dos Comuns.
Estas modalidades tendiam ao mesmo fim: justificar cabalmente a aplicação dada aos recursos estaduais, pondo em confronto os meios com o orçamento, e o destino que lhes fora dado pelas administrações.
O juízo pronunciado pela câmara, além da solenidade de assembleia pública, perante o país e o carácter irrevogável duma decisão de soberania, findava numa resolução ou numa lei de contas, o que explicava, para a hipótese de nenhumas responsabilidades pedidas ou encontradas, um bill de indemnidade.
Escrevia Duguit, a este propósito:

Teoricamente, o voto da lei de contas é coisa muito importante. É por meio dela que as câmaras podem exercer uma fiscalização efectiva e directa sobre a aplicação dada pelos Ministros aos fundos postos à sua ordem e pôr em jogo as suas responsabilidade.

Isto era, nem mais nem menos que a doutrina já contida no parecer n.º 104, de 22 de Maio de 1843, das Cortes portuguesas, note-se.
Mas Duguit, confrontando as ideias com os factos, a teoria com as praxes, admitia -e estamos de acordo- que a intervenção do Parlamento e a do Tribunal de Contas, neste capítulo, não são garantia suficiente de fiscalização financeira.
Só têm realmente preponderância as decisões jurisdicionais, tomadas singularmente nos processos de contas. As contas ministeriais nunca revelaram grandes possibilidades de contrôle. E a existência do visto vem mostrar as fraquezas e fendas dum sistema repressivo, que se supunha completo e perfeito. E é certo.
A estas ideias corresponde uma prática consagrada. -De há onze anos a esta parte que a Assembleia Nacional adoptou a prática de julgar a Conta Geral do Estado na primeira sessão realizada após a sua publicação pela Direcção Geral da Contabilidade Pública.
Esta prática, consagrada pois por estes longos anos, apenas encontra um país, a Inglaterra, em que a intervenção parlamentar se mostra, por igual, pronta o expedita. Nos outros países, como já vamos ver em alguns casos típicos, discute-se tarde, a más horas, quase esquecidos já os factos da gerência e até os homens que governavam!
A prática desta Assembleia parece saudável: primeiramente pelo rigor de tempo dentro do qual procede; em seguida pela proximidade dos factos da gestão quê não são do passado, mas de ontem, e, finalmente, pela regularidade e pontualidade postas, que acrescentam a ordem clara das nossas finanças. Essa. prática reveste ainda aspectos e formas que convém assinalar apenas um momento, tão patentes estão aos olhos de nós todos.
Para se estabelecer o confronto dos factos administrativos com os princípios gerais e os princípios orçamentais, a Assembleia dispõe desde há anos primeiramente dos relatórios ministeriais que acompanham a conta provisória publicada em Agosto. São documentos enormes, notabilíssimos, devido ao talento reconstrutivo do Sr. Presidente do Conselho e ao actual Ministro das Finanças, e para o qual contribuiu também um técnico

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notável há pouco falecido, António Malheiro, pelo que a minha consciência impõe uma palavra de saudade, no meio das dó louvor que estou proferindo.
A Assembleia dispõe dos pareceres da Comissão de Contas Públicas, cujo labor execepcional se deve ao engenheiro Araújo Correia. Relatórios e pareceres partem de razões inflexíveis de ordem e equilíbrio financeiros e fazem desfilar diante de nós todo o panorama da vida nacional, fornecendo ângulos, vistas largas, perspectivas as mais inesperadas.
Desde 1937 que se sucedem os pareceres do nosso colega Araújo Correia, representativos de estudos sólidos, análises cuidadosas até à minúcia, reflexões sensatas e críticas, sempre prudentemente temperadas. E até mais: Araújo Correia tem feito acompanhar os seus pareceres, ao qual a Comissão de Contas Públicas adere na generalidade, de monografias especiais, criteriosas e interessantes, uma sobre aproveitamentos hidráulicos, outra sobre encargos corporativos; esta sobre comércio externo, aquela sobre recursos naturais ...
Discussões amplas, rasgadas, de várias sessões elevam o grau de crítica parlamentar mais do que no debate da lei de finanças e coroam o nosso sistema. Por fim a Assembleia Nacional adopta uma resolução sobre as conclusões- estabelecidas pela comissão parlamentar.
E pena que a tirania do tempo, que os clássicos chamaram irreparável, não tolere que no processo de julgamento da Conta não intervenha o seu perito, qualificado para um arbitramento sobre os livros de escrituração !
Confesso, porém, que no estado a que as coisas chegaram e não estabelecendo a lei constitucional no artigo 91.º, n.º 3.º, a precedência obrigatória do parecer técnico do Tribunal, me parece arriscado alterar a ordem estabelecida por uma longa praxe constitucional, em obediência a um critério simétrico, sendo problemática qualquer tentativa de adiamento.
Sobre o parecer do Sr. Deputado Araújo Correia devo consignar apenas dois reparos, que demandariam tempo e vagar para serem devidamente fundamentados.
Embora justas as críticas, quanto à prioridade do aproveitamento dos recursos naturais, as suas concepções de gastos gerais e de trabalhos públicos parecem-me - como direi? - antiquadas.
Por paradoxal que se afigure, são uns e outros que alentam o investimento, e não a maioria dos depósitos bancários.
Por outro lado insiste-se com excesso sobre a severidade repressiva das importações, obliterando que precisamos dos outros mais poderosos que nós, podemos atrair contramedidas e nada se poderá conseguir se não insistirmos no desenvolvimento das nossas exportações.
Porém, o Tribunal de Contas tem trabalhado e preparado o exame da Conta. Devo porém defender o Tribunal de uma precipitada acusação de negligência ou de omissão; instituição esta desmancha-prazeres, que apenas pode contar com a boa vontade das anais severas administrações. Mas é saudável factor da vida pública o receio da sua severidade de juízo.
Desde 1937 que o Tribunal de Contas fornia, organiza e julga um processo sobre exame, verificação e conferência de documentos de despesas, acto preparatório decisivo para a elaboração do parecer sobre a Conta Geral do Estado.
O último parecer relativo a este descomparado processo, composto de exames directos e periciais, é da autoria do Dr. Marques Mano, nosso colega.
Desde 1938 que se organiza o processo relativo à Conta Geral do Estado que, atingido em cheio pelo bill de indemnidade, passado por esta Câmara, tem de ser arquivado.
E é qualquer coisa de monumental.
Os processos da Conta compõem-se, anualmente, de 24 volumes, têm atingido desde 5:605 páginas a 7:708, aumentando sempre.
Embora as dimensões sejam variáveis, já deitaram peso como 68 quilos e alturas como lm,31.
Estes trabalhos atrasam um pouco, não só pela enormidade de meios empregados, mas porque a secção respectiva dispõe de pessoal reduzido para tão descomparada tarefa e a técnica empregada talvez seja demasiado meticulosa e profunda.
A prática das democracias parlamentares resulta num louvor desta Assembleia. - A prática das chamadas democracias parlamentares contrasta com os nossos métodos desempoeirados e expeditos. Ou o debate não se faz ou passa despercebido, ou é levado a cabo com atraso tal que para nada serve o julgamento parlamentar das contas públicas.
Passando muito tempo torna-se impossível analisar, explicar e corrigir. Os atrasos chegam a reduzir o debate a uma simples formalidade, sem projecção política, sem qualquer possibilidade de anotação ou de comentário à vida financeira.
O julgamento parlamentar em vários países não passa de chancela tardia, perdendo, por inteiro, significado ou interesse. E, assim, o debate sobre as contas públicas e o seu encerramento vêm a resultar inoperantes. Vejamos alguns factos.
Em Itália foram apresentadas ao Parlamento, em 1925, contas recapituladoras dos períodos de 1912-1913 a 1923-1924, escapando nelas, ou contabilizando-se com dificuldade, os gastos extraordinários de guerra.
Em França traduzo agora do tratado do Prof. Barthélemy:
As câmaras democráticas testemunham em menor grau o espírito de ordem e de economia:

1.º As leis de contas são votadas no meio da indiferença geral, muitas vezes em sessões da manhã; e em 1899 e 1914 sem outra observação, a não ser a de um membro que verificou não haver número na Câmara e que era lamentável verificar que para o exame da situação não se encontravam em sessão cinquenta Deputados ao menos;
2.º São votadas por maços e sem debate. Num começo de sessão, em 25 de Maio de 1891, o Senado votou a liquidação de três exercícios; em 23 de Maio do mesmo ano, e em alguns minutos, a Câmara votou quatro; em 3 de Abril de 1914, numa sessão matinal, foram votados, num rufo e sem debate, duas leis de liquidação dos exercícios de 1910 e 1911, que representavam uma soma de despesas de perto de 9 biliões;
3.º São votadas com um atraso espantoso. Atraso de oito, nove, dez e até onze anos, antes da Grande Guerra; depois, tal atraso não diminui.
O ano de 1921 viu surgir uma série de leis que liquidaram definitivamente as contas dos exercícios de 1907, 1908, 1909, 1910 e 1911. A lei de contas de 9 de Fevereiro de 1922 fecha o exercício de 1912; a de 6 de Dezembro de 1927 a do exercício de 1913. E em 12 de Fevereiro de 1930 que o Sr. Perreau-Pradier entrega o seu relatório do exercício de 1921.
A opinião pública toma como responsável pelos atrasos o Parlamento; todavia, é evidente que eles derivam das administrações, que não conseguem despachar-se.
O Reino Unido segue uma praxe saudável. - O sistema inglês aproxima-se e afasta-se do nosso.
Em Inglaterra um auditor geral, acompanhado de técnicos, vê as contas à medida que lhe vão chegando

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às mãos, estuda-as e examinadas rapidamente e passara, com as suas observações, a, uma comissão, logo que a respectiva divisão ou capítulo foi verificado e conferido.
Não há um debate designado na Guinara dos Comuna, mas qualquer Deputado vai levantando as interpelações e debates que entende sobre as coutas fiscalizadas.
As grandes vantagens deste sistema são óbvias - celeridade e (fiscalização técnica. Vinte e oito meses após o gasto dum schilling pelo Governo, já a liquidação financeira do exercício respectivo teve lugar.
Nós ainda caminhamos mais depressa, pois passa naquele país de dois anos o período marcado para o fecho parlamentar da conta; o nosso debate pressupõe maior importância política; mas tecnicamente afastamo-nos do paradigma britânico.
Vou concluir:
O adiamento por um ano, ou ano e meio, como solução, julgo que perturbaria o ritmo dos trabalhos e a praxe estabelecida.
O método inglês tiraria todo o significado ao actual debate e afrontaria a regra constitucional.
Parece-me que pode tentar-se uma declaração de conformidade, restrita à lei de meios, às leis especiais o aos quadrou fixados no decreto-lei n.º 27:223.
A conferência de documentos «podei conduzir-se com sensibilidade atenta às queixas e discussões aqui havidas.
O relatório pode estender-se ao movimento real das contas, independentemente do seu acerto para conferência.
É uma opinião minha, não é um compromisso institucional.
Anuncio que vai ser feito um esforço nestes meses mais próximos, mas não posso garantir os resultados.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Lourinho - Sr. Presidente: pela terceira vez subo a esta tribuna para tratar do problema da saúde e assistência em Portugal.
Foquei-o de outras vezes em aspectos de linhas gerais, com maior ou menor intensidade num ponto ou noutro.
Hoje desejo encarar o assunto no âmbito da sua coordenação geral.
Assim, Br. Presidente, tratarei de:
1.º Aspecto geral dos serviços:
a) De saúde;
b) De assistência.
2.º Verbas inscritas para seu funcionamento no Orçamento Geral do Estado.
3.º Crítica construtiva da orgânica e fisiologia dos serviços.
4.º Soluções:
a) Solução de emergência;
b) Solução básica.
Os serviços de saúde em Portugal funcionam pela projecção de múltiplos organismos, dos quais o mais importante ó, sem dúvida, a Direcção Geral de Saúde, dependente do Subsecretariado de Estado da Assistência (Ministério do Interior).
São independentes dessa Direcção Geral, não recebendo dela directrizes técnicas, nem lhe fornecendo obrigatoriamente informações, os Hospitais Civis de Lisboa, os hospitais da Universidade de Coimbra, o Hospital Rainha D. Leonor, das Caldas da Rainha, as Misericórdias de Lisboa e do Porto, as maternidades de Lisboa (algumas) e as do Porto, os serviços de assistência psiquiátrica, com as suas três zonas - Norte, Centro e Sul -, os hospitais civis das Misericórdias do continente, a Assistência Nacional aos Tuberculosos, actualmente transformada em Instituto, as maternidades dependentes do Instituto Maternal, os centros de assistência social, subsidiados pelo Instituto de Assistência à Família, todos eles dependentes do Ministério do Interior no todo ou em parte ou apenas em ligações precárias e ainda todos eles não trocando entre si directrizes técnicas; nem estando obrigados a permutar informações ou doentes por transferência.
Não pertencem ao Ministério do Interior:
O Hospital Escolar da Faculdade de Medicina de Lisboa, os Institutos de Oncologia, Bacteriologia, Oftalmologia, Hidrologia e Climatologia - dependentes do Ministério da Educação Nacional e sem quaisquer ligações técnicas ou informativas obrigatórias com os anteriormente referidos;
As caixas de previdência, sindicatos, instituições de socorros mútuos e outras associações do mesmo género- dependentes do Instituto Nacional do Trabalho e Providência (Subsecretariado de Estado das Corporações) e não tendo igualmente ligações técnicas ou informativas com as organizações mencionadas antes;
Os serviços de saúdo dos Ministérios militares (Guerra e Marinha) - actuando em plena independência e ainda sem ligação com os anteriores;
Os serviços de saúde e assistência das províncias ultramarinas e o Hospital Colonial - dependentes do Ministério das Colónias e ainda também sem quaisquer ligações com os outros sectores já enunciados;
Os serviços clínicos do chamado Instituto Clínico da Junta da Província da Estremadura;
Os serviços médico-legais do Ministério da Justiça;
Os da medicina escolar - sob a jurisdição do Ministério da Educação Nacional;
Os serviços de saúde da guarda nacional republicana e guarda fiscal - respectivamente sob a dependência do Ministério do Interior e do Ministério das Finanças;
Todas as instituições particulares com carácter de prestação de serviços, quer gratuitos, quer remunerados;
Os serviços de combate à tuberculose a cargo da Junta de Província da Beira Litoral;
A assistência aos tuberculosos do Norte de Portugal;
A assistência aos tuberculosos militares do exército;
A assistência aos tuberculosos da marinha;
A assistência aos funcionários civis tuberculosos;
Os preventórios do Instituto Clínico da Junta de Província da Estremadura;
A Associação Preventiva da Tuberculose da Infância.
E, Sr. Presidente, dentro do âmbito possibilitado pela extensão ilimitada da bondade nacional, que felizmente existe mas não está orientada, cada qual, a seu prazer, gosto e possibilidades materiais, monta um serviço, melhor ou pior, em instalação fixa em meios clínicos, e faz - ou finge fazer - assistência. Não há contrôle; não há obrigações; não há pontos de contacto com o existente, oficial ou particular; não se sente necessidade de relações de troca.
O dinheiro gasta-se em rios, em oceanos de escudos, e os resultados aparecem - quando aparecem - em marcha de progressão aritmética em relação às dotações e às despesas efectuadas, que por si sobem em progressão geométrica.
Este, Sr. Presidente, é o panorama actual.
Fica apresentado na sua forma estática, em posição do repouso. Já vamos vê-lo em movimento.
Natural e possivelmente não terão sido referidos alguns serviços, mas para o caso importa pouco: as características gerais são as que ficam apontadas.
Vejamos agora, Sr. Presidente, as verbas orçamentadas para o seu financiamento. A soma das importâncias discriminadas na Conta Geral do Estado dá para os dois serviços - de saúde e de assistência - a verba de 255:109

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coutos, pertencendo ao serviço de saúde a quota de 10:935-apenas para os serviços dependentes da Direcção Geral respectiva.
Verificamos, pois, Sr. Presidente, para a verba que engloba os dois serviços, um aumento de dotações em relação a 1945 no quantitativo de 37:775 cantos, correspondendo esse aumento nos serviços de saúde já referidos ao valor de 6:998 contos, quase 100 por cento em relação a 1938.
Nestes números não estão incluídas as despesas totais dos Hospitais Civis e das Misericórdias, pois que estes dispõem, além dos subsídios do Estado, dos das autarquias locais, dos provenientes dos internados, dos próprios e das dádivas e legados, o que tudo atinge quantia elevada. Em 1945, para 13:196 contos de subsídios do Estado e das autarquias locais, apresentam-se 39:796 contos, somatório das verbas atrás enumeradas, o que representa quase 75 por cento.
Mas continuemos:
Serviços médico-legais do Ministério da Justiça, 2:552 contos; mais 48 que em 1945.
Serviços de saúde, do Ministério da Guerra, 17:055 contos; mais 1:067 quê em 1938.
Assistência aos tuberculosos do exército, 2:515 contos; mais 894 que em 1938.
Assistência aos tuberculosos da marinha, 1:045 contos; mais 59 que em 1945; mais 158 que em 1938.
Hospital da Marinha, 3:165 contos; mais 555 que em 1945; mais 152 que em 1938.
Hospital Escolar da Faculdade de Medicina de Lisboa, 11:195 contos; mais 2:125 que em 1945.
Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, 1:452 contos; mais 186 que em 1945.
Instituto de Oncologia, 3:190 contos; mais 293 que em 1945.
Instituto Oftalmológico Dr. Gama Pinto, 472 contos; mais 88 que em 1945.
Instituto de Hidrologia, 63 contos; mais 25 que em 1945.
Desconhecem-se as verbas despendidas com os serviços de saúde nos estabelecimentos de ensino dependentes do Ministério da Educação Nacional, embora se pudessem dar algumas das inscritas na Conta Geral do Estado, devendo o total andar à roda de uma centena de contos.
Desconhecem-se as quantias despendidas com os serviços de saúde e assistência que se encontram na superintendência do Subsecretariado de Estado das Corporações, mas devem ser muito elevadas, dada a extensão dos serviços prestados e sua profundidade.
Se a estes números juntarmos os das verbas despendidas pelo Ministério das Obras Públicas, quer em obras de salubridade urbana e rural, quer na construção de novos edifícios hospitalares, na sua conservação, no seu apetrechamento, teremos o que se segue:
Abastecimento de águas e saneamento, 30:126 contos; mais 4:594 que em 1945. Melhoramentos urbanos de salubridade pública e assistência social, 7:868 contos; mais 1:101 que em 1945. Hospitais escolares, 45:006 contos; mais 2:006 que em 1945. Leprosaria Rovisco Pais, 7:533 contos; mais 5:783 que em 1945. Outras construções hospitalares, 773 contos; mais 773 que em 1945. Edifícios dos hospitais para tuberculosos - Sanatório D. Manuel II, 3:593 contos; mais 2:794 que em 1945.
Hospitais Civis de Lisboa, 1:286 contos; mais 1:171 que em 1945.
Conservação de edifícios de outros hospitais civis, 201 contos.
Manicómio de Lisboa e Colónia para Alienados de Coimbra, 461 contos.
Mobiliário, roupas e utensílios para equipamento do Manicómio, 995 contos.
Mobiliário, roupas e utensílios para equipamento da Colónia referida, 1:937 contos.
Sanatórios do Porto e Viseu, 2:080 contos.
Sanatório de Outão, 500 contos.
Sanatório de Carcavelos, 39 contos.
Porto de Lisboa (serviços de assistência), 51 contos.
Despesas gerais de higiene, saúde e conforto, 3:024 contos; mais 602 que em 1945.
O balanço geral destes dois grupos de números representativos de despesas de construção, conservação, apetrechamento, reapetrechamento, funcionamento e outras dos serviços de saúde e assistência atinge uma quantia à roda dos 300:000 contos.
Se a este número acrescentarmos as verbas não discriminadas, podemos afirmar que os serviços consumiram muito mais de 10 por cento das despesas ordinárias. E sabe-se que em 1947 os números subiram muito mais. E clama-se por mais, mais, sempre mais.
Pergunta-se: pode a economia nacional com esta progressão ininterrupta de gastos?
É possível tirar melhores resultados do que os actuais sem aumentar exageradamente os gastos, e que se admitem incomportáveis dentro dos recursos nacionais? E o que se pretende pôr em problema de solução imediata.
Sr. Presidente: compreende-se que num país de fracos recursos técnicos, pobre no fabrico de aparelhagem especializada para apetrechamento clínico, se multipliquem serviços só para independência e gozo vaidoso de determinados sectores? Não seria preferível fazer a concentração dos serviços, o que determinaria um melhor aproveitamento do material e do pessoal? Não traria essa prática selecção mais cuidada do pessoal e mais condigna remuneração para ele?
Não traria essa prática uma mais proveitosa assistência clínica - mais rápida, mais eficiente e mais barata?
Não traria essa prática uma assistência na doença menos rotineira e mais intensamente profunda na investigação científica?
Não seria mais fácil, assim, reunir os elementos necessários a um largo e profundo inquérito que a medicina profiláctica exige?
Não seria mais eficiente, mais humano e até mais inteligente dar a cada homem a certeza de uma boa defesa contra a doença e rápido tratamento contra o mal depois de contraído?
Mas vamos a exemplos:
Um pobre homem de aldeia acometido de doença súbita é internado no hospital civil do concelho. Ali, observado com os meios disponíveis, verifica-se ter urgência de ser tratado em meio cirúrgico convenientemente apetrechado. Não de lá. O paciente não tem condições materiais para se valer na emergência. E, então, de duas uma: não é transferido, e morre; ou é transferido, com uma guia passada pela câmara municipal, se não tiver o azar de ser dependente de câmara que não queira ou não possa pagar as despesas do tratamento, porque, então, morre à míngua. E o doente é internado numa grande clínica sem a menor indicação da observação já feita ou, o que é pior, da terapêutica instituída anteriormente!
Falta de coordenação técnica.
Suponhamos o caso de um outro paciente residente nesta linda cidade de Lisboa. Adoece subitamente e é internado num dos hospitais civis. Medicado e tratado, melhorou, tendo alta passados dias. No mesmo dia da alta tem uma nova crise e é internado por acaso no Hospital Escolar. Novas observações, novos exames e terapêutica instituída sem informação da anterior.
Falta de coordenação de meios de trabalho.
Falta de coordenação de meios de tratamento.
Continuemos, Sr. Presidente.
Um indivíduo é internado num hospital para alienados, tendo passado pela consulta do Centro de Assistência

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Psiquiátrica. Tratado, melhora e recupera-se. É posteriormente inspeccionado para a prestação do serviço militar. Como não apresenta quaisquer motivos de isenção, é apurado. A sua inclusão nas fileiras, pelas circunstâncias especiais que envolve o iniciado, determina uma nova crise. Hospitalização e incapacidade para o serviço.
Falta de coordenação técnica.
Falta de coordenação informativa.
Indivíduo incorporado na escola de recrutas. Durante o período da instrução, crise de tuberculose pulmonar. Hospitalização, diagnóstico, incapacidade. É mandado para a vida civil sem mais cerimónias.
Falta de coordenação de serviços.
Indivíduo natural e residente normalmente em Lisboa. Adoece numa cidade da província e tem urgente necessidade de tratamento médico ou cirúrgico. Hospitalização, tratamento, cura. Quem paga as despesas do tratamento ao estabelecimento hospitalar que o cuidou se o próprio o não pode fazer? Ninguém. Pois devia ser, dentro da prática actual, a Câmara Municipal de Lisboa.
Falta de arranjo e coordenação financeira.
Grassa epidemia de varíola. Aconselha-se a vacinação. Não acorre, porém, senão um número insignificante de pessoas, apesar do o surto continuar a progredir. Não há meios de actuar para que isto não suceda.
Falta de meios coercivos para coordenação de esforços.
Indivíduo observado numa clinica hospitalar. Exames laboratoriais completos. Diagnóstico: tuberculose pulmonar. Alta para internamento em sanatório ou para tratamento ambulatório em dispensário. Novas análises, novos exames, novo diagnóstico.
Falta de coordenação e de informação técnica.
E os exemplos podem apresentar-se em número infinito Por eles se verifica que não existe a mais rudimentar coordenação técnica informativa entre os diversos organismos que dentro do País fazem assistência à doença. Esse facto, que fica aqui bem marcado, traz um consumo demasiado de meios de diagnóstico, de excesso de pessoal, e é inconveniente para o tratamento da doença e para a diminuição do seu tempo de tratamento.
Creio ser óbvio e não necessitar de demonstração, mesmo para os olhos menos habituados a ver pela superfície estes problemas da saúde e assistência públicas.
Caminhando nesta directriz, chegaremos a tempo em que o Orçamento Geral do Estado será absorvido numa percentagem inaceitável, produzindo trabalho de rendimento inferior - prático e utilitário.
Sr. Presidente: mas, diz-se, nenhum país tem um serviço de saúde perfeito.
Está bem. Ou, melhor, está mal.
E porque nenhum país tem um serviço de saúde perfeito, nós, portugueses, vamos aceitar como bom que o nosso seja uma balbúrdia, e mais, uma balbúrdia cara?
Acabou-se, e bem, com a balbúrdia política. Pois bem; acabe-se também com a balbúrdia dos serviços de saúde e com a sua anarquia.
Simplifique-se, concentrando o que for possível concentrar.
Poupe-se o material adquirido, muitas vezes em quantidades superiores às necessidades. Reúna-se o pessoal, quanto possível, para dele tirar o maior e melhor rendimento; assim se poderá remunerar em melhores condições. Faça-se intercâmbio obrigatório de informações técnicas. Criem-se ligações que permitam a troca de doentes por transferência. Acompanhem-se os doentes dos elementos necessários, constantes das suas observações clínicas, laboratoriais e outras que possam auxiliar a rapidez da cura. Para este efeito parecem-me bem de adoptar duas soluções, uma de emergência e outra que chamarei básica.
E assim:
Criar-se-ia no Subsecretariado de Estado da Assistência um novo departamento, a que eu chamaria Intendência Geral de Saúde.
A designação de Intendência dava a ideia de que o serviço teria funções de coordenação e fiscalização, embora estas não fossem exercidas directamente junto dos organismos respectivos.
Elas seriam exercidas superiormente pelo Subsecretário de Estado da Assistência, à base das informações fornecidas pelos próprios interessados.
Este departamento teria uma repartição geral, a que eu chamaria Arquivo Sanitário, com a finalidade de fazer a ficha sanitária individual, com o cadastro da passagem do doente nos diferentes organismos de combate à doença.
Dispenso-me de pormenorizar a fórmula apresentada, porquanto, tendo bem presente o que fica exposto, bem se pode compreender a intenção, e não disponho de tempo para a corporizar integralmente, muito embora ela viva, no seu tamanho real, dentro do meu pensamento.
Evidentemente que todos os serviços seriam obrigados a enviar à Intendência Geral de Saúde as informações necessárias para avaliar da sua eficiência administrativa, técnica e de relação com os estabelecimentos congéneres.
Não creio que fosse possível, assim, lançar para a vida - isto é, para a luta de cada dia - um doente em via de cura, incurável ou capaz de recuperar desde que não fosse essa a fase final do processo patológico.
Enfim, seria a Intendência o núcleo central informativo e coordenador de todos os organismos, sem intervir de qualquer forma no seu funcionamento para emendar ou dar quaisquer directrizes. Esse papel ficaria em definitivo ao Subsecretário de Estado da Assistência, para actuar espontaneamente ou depois de receber as informações julgadas necessárias para determinar o melhor juízo e a mais bem marcada atitude dentro da política sanitária do Governo.
A solução básica, Sr. Presidente, seria a criação dum órgão novo do Governo, chamado Ministério da Saúde e Previdência Social, que teria sob a sua hegemonia todas as organizações que enumerei na primeira parte do meu discurso.
As que, por força de orgânica, tivessem de ficar pertencendo a outros Ministérios, como seriam as militares, teriam junto do novo departamento uma repartição ou secção privativa, com funções de ligação. De resto, não é isto novidade.
Não sucede assim com os serviços de contabilidade pública?
Esta solução, que tem sido apresentada várias vezes, e ainda agora novamente nela se fala no parecer das contas públicas, actualmente em discussão, não está ainda madura?!
Pretende-se desbravar o terreno, para depois enfaixar os serviços?
Cautela, porém, com os gastos em dinheiro! Os maus hábitos criam raízes...
Cautela com a falta e, pior, com a impossibilidade de criar bons técnicos em número suficiente!
Não me parece que seja a dispersão, levada até à pulverização, o melhor caminho. E, daí, talvez seja eu a não ter razão! E, se assim for, cá aparecerei novamente, a dar o meu aplauso e a mão à palmatória. Se houver razão para tal! Mas não me parece...
Eis, Sr. Presidente, algumas considerações que me sugeriu o parecer das Contas Gerais do Estado do ano de 1946. A sua leitura mais uma vez me encheu de satisfação.
Satisfação como nacionalista devotado e humilde amigo de Salazar.

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Satisfação como nacionalista e amigo de Portugal.
Satisfação porque a soa leitura me trouxe, como a dos anteriores, bons e úteis conhecimentos. Ao seu relator a minha admiração, que já vem de antes, e a nós todos, Sr. Presidente, parabéns por nos ser dado ensejo de colaborar assim em bem e para o bem da Nação.
O que, de resto» Sr. Presidente, é o nosso obrigatório e mais querido dever.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: vou encerrar esta sessão, mas antes quero anunciar a VV. Ex.ªs que a sessão legislativa será prorrogada por mais um mês.
Sabem VV. Ex.ªs que transitou da sessão legislativa anterior para a actual o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre o inquilinato.
No dia em que teve início a actual sessão legislativa o Sr. Presidente do Conselho anunciou a intenção do Governo de enviar a esta Assembleia uma proposta de lei sobre o problema da habitação. Essa intenção veio a traduzir-se na proposta de lei do Governo sobre questões conexas com o problema da habitação, que pende da Câmara Corporativa.
Reconheceu-se logo na apresentação dessa proposta que não era possível, durante o funcionamento normal desta sessão legislativa, a sua discussão, sendo portanto necessário interromper o funcionamento efectivo da Assembleia para que, durante a interrupção, a Câmara Corporativa elaborasse o seu parecer e uma comissão eventual, eleita por esta Assembleia, se preparasse para o estudo do diploma para mais rápida apreensão daquele parecer e conscienciosa discussão da proposta.
Estão, portanto, as coisas encaminhadas para dentro da presente sessão legislativa se efectivar a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro e da proposta do Governo.
Deste modo, penso que se devem aproveitar as possibilidades constitucionais para que esse desiderato se realize.
Por essa razão, nos termos do § único do artigo 94.º da Constituição, prorrogo por mais um mês a presente sessão legislativa, a contar do termo normal da sua duração.
A próxima sessão será no dia 31 do corrente, com a mesma ordem do dia de hoje: discussão das Contas Gerais do Estado de 1946.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria de Sacadura Botte.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Mário Borges.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiross.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Linhares de Lima.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Documentos a que o Sr. Presidente se referiu na sessão de hoje:

Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Excelência - Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª, para os devidos efeitos, que, por portaria do Ministério das Finanças, publicada no Diário do Governo de hoje, fui nomeado juiz do Tribunal de Contas, cargo de que nesta data tomei posse.
Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos e subscrevo-me com a máxima consideração.

29 de Janeiro de 1948. - Manuel de Abranches Martins.

Na sua carta de 29 de Janeiro último comunica o Sr. Deputado Manuel de Abranches Martins que, por portaria publicada no Diário do Governo da mesma data, foi nomeado juiz do Tribunal de Contas e que no mesmo dia tomou posse do dito lugar.
Ouvida a Comissão de Legislação e Redacção quanto aos efeitos da nomeação sobre a subsistência do mandato daquele Sr. Deputado, emite o seguinte parecer:

O artigo 90.º, n.º l.º, da Constituição Política estabelece, como princípio geral, que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada.
Da referida portaria verifica-se que a nomeação foi feita nos termos do artigo l.º do decreto n.º 22:257, de 2õ de Fevereiro de 1933. Segundo essa disposição legal, o Tribunal de Contas é composto por um presidente ê mais sete juízes, todos de serventia vitalícia, livremente nomeados pelo Ministro das Finanças de entre quaisquer pessoas que satisfaçam aos requisitos de habilitações estabelecidos no § l.º

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constantes da tabela n.º 1 anexa ao mesmo decreto, além do direito a uma senha de presença de 150$ por cada sessão plenária do Tribunal a que assistirem.
Trata-se, portanto, de uma nomeação feita pelo Governo para emprego retribuído e vitalício.
Por outro lado, as excepções ao princípio geral estabelecidas no artigo 90.º, n.º l.º, da Constituição são apenas as mencionadas nas alíneas a), b) e c) do § l.º do mesmo artigo.
São elas as seguintes:

1.ª As missões diplomáticas temporárias e as comissões ou comandos militares que não importem residência fora do continente.
2.ª As nomeações por acesso, as promoções legais, a conversão em definitivos dos provimentos que o não sejam e as nomeações para cargos equivalentes resultantes de remodelações de serviços.
3.ª As nomeações que por lei são feitas pelo Governo precedendo concurso, ou sob proposta das entidades a quem legalmente caiba fazer indicação ou escolha do funcionário, bem como as nomeações para cargos e comissões que só por determinada classe e categoria de funcionários devem ser desempenhados.

Nenhuma destas excepções se verifica, e, nestas circunstâncias, a Comissão de Legislação e Redacção, por unanimidade, é de parecer que o Sr. Deputado Manuel de Abranches Martins incorreu em perda de mandato.

Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 18 de Março de 1948. - Mário de Figueiredo.

Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção

Decreto da Assembleia Nacional sob a forma de resolução

Nos termos do artigo 8.º do Acto Colonial e de acordo com o parecer da sua Comissão Permanente dos Negócios Estrangeiros, resolve a Assembleia Nacional conceder a autorização solicitada pelo Governo de Sua Majestade Britânica para adquirir na cidade de Lourenço Marques os terrenos necessários para a construção de um edifício destinado à residência oficial do cônsul britânico naquela cidade.

Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 9 de Janeiro de 1948.

Mário de Figueiredo.
António de Sousa Madeira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
José Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Rectificação

No Diário das Sessões n.º 137, aprovado na sessão de hoje, onde, na menção do expediente, a p. 356, col. 2.ª, 1. 21, se publicou «juiz da freguesia de Cuba», devia ter-se publicado: «fiéis da freguesia de Cuba».

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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