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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 143
ANO DE 1948 14 DE ABRIL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 143 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Com rectificações propostas pelo Sr. Deputado Salvador Teixeira foi aprovado o Diário das Sessões n.º 142.
O n.º 141 foi aprovado sem emendas.
Deu-se conta do expediente.
Os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Pacheco de Amorim agradeceram os votos de pesar da Câmara pelo recente falecimento de pessoas de família.
O Sr. Deputado Pedro Cymbron usou da palavra para se congratular com a publicação recente do decreto-lei n.º 36:820, que permite a criação de receitas destinadas a fins assistenciais nos distritos insulares.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo associou-se a estas palavras.
O Sr. Deputado Mira Galvão tratou de assuntos de caminhos de ferro que interessam à cidade de Beja.
O Sr. Deputado Cancela de Abreu chamou a atenção para o facto de ainda não ter recebido parte dos elementos que requereu em 4 de Fevereiro e mandou para a Mesa um requerimento.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os pareceres da Câmara Corporativa sobre questões conexas com o problema da habitação e relativo à conservação e melhoramento de monumentos nacionais.
O Sr. Presidente anunciou também que tinham sido recebidos os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Albano de Magalhães ao Ministério da Educação Nacional.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 104, do Sr. Deputado Sá Carneiro, e da proposta governamental e respectivo parecer da Câmara Corporativa sobre questões conexas com o problema da habitação.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique de Almeida.
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Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 141 e 142 do Diário das Sessões.
O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: solicito as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 142, de 3 do corrente:
A p. 424, col. 1.ª, 1. 58.ª, onde se lê: «... Produtos Pecuários, com ...», deve ler-se: «... Produtos Pecuários, «com ...».
Na mesma página, col. 2.ª, 1.5.ª, onde se lê: «Nos ...», deve ler-se: «Naqueles ...».
Na mesma página, mesma coluna, 1. 12.ª, onde se lê: «... carnes.», deve ler-se: «... carnes».
Na mesma página, mesma coluna, 1. 18.ª onde se lê: «... juntar ...», deve ler-se: «... prestar ...».
Na mesma página, mesma coluna, 1. 20.ª, onde se lê: «... que se ...», deve ler-se: «... que, se ...».
Na mesma página, mesma coluna, 1. 21.ª onde se lê: «... batata a razão ...», deve ler-se: «.... batata, a razão ...».
O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação os mesmos números do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovados os referidos números do Diário com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Representações
Da direcção da Associação Lisbonense de Proprietários acerca da proposta de lei sobre questões conexas com o problema da habitação.
Da Cooperativa Portuguesa dos Proprietários e da Sociedade Nacional de Crédito Imobiliário sobre o mesmo assunto.
De um grupo de lavradores de Cacia, concelho de Aveiro, pedindo providências contra os estragos causados nos seus campos pelas cheias do rio Vouga.
De um grupo de seareiros do Baixo Alentejo acerca das courelas em que foi dividida a herdade denominada Defesa de Manuel Alves, na freguesia da Póvoa de S. Miguel, concelho de Moura.
Telegramas
Da Junta de Freguesia da Mealhada pedindo que não seja encerrada a passagem de nível daquela vila.
Da direcção do Grémio da Lavoura de Arouca secundando a representação do Grémio da Lavoura do Crato quanto à aprovação da proposta de lei sobre a Carta dos solos de Portugal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para manifestar a V. Ex.ª o meu profundo e comovido reconhecimento, bem como a todos os nossos ilustres colegas, por se terem associado com um voto de pesar ao grande luto que me trouxe o falecimento de minha saudosa esposa. Quero ainda agradecer a V. Ex.ª por se ter feito representar nos funerais e também a todos os meus queridos e ilustres colegas as palavras com que me significaram o seu sentimento, quer por telegramas, quer por telefonemas, ou por carta. A todos eu agradeço do fundo do coração e profundamente comovido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco do Amorim.
O Sr. Pacheco de Amorim: - É para agradecer a V. Ex.ª e à Câmara o voto de pesar pelo falecimento de minha querida mãe.
O Sr. Cymbron de Sousa: - Sr. Presidente: o Diário do Governo de quarta-feira última, dia 7 do corrente mês de Abril, insere um diploma de grande importância
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para as ilhas adjacentes. Trata-se do decreto n.º 36:820, que permite a criação de receitas destinadas a ocorrer às necessidades da assistência nos distritos insulares.
Realiza-se hoje a primeira sessão da Assembleia Nacional depois da publicação deste decreto; não quero deixar passar a oportunidade sem agradecer ao Governo, e particularmente aos Srs. Ministros das Finanças e do Interior e Subsecretário de Estado da Assistência, a sua publicação.
Vão certamente entrar em nova fase os serviços de assistência naqueles distritos, mas não poderão as suas casas de caridade dispensar, o auxílio do Governo. No que diz respeito às ilhas de Santa Maria e S. Miguel, que aqui represento, nunca pedi auxílio aos Srs. Ministro do Interior e Subsecretário de Estado da Assistência sem ter sido atendido.
Não posso deixar de reconhecer a perfeita compreensão que SS. Exas. têm da situação aflitiva em que se encontram as nossas casas de caridade, especialmente as nossas Misericórdias, e das dificuldades com que lutam, e, agradecendo a boa vontade com que têm procurado auxiliá-las, lanço a SS. Exas. mais um apelo a favor dessas Misericórdias, cujo passivo, neste momento, atinge algumas centenas de milhares de escudos, e esse apelo é: «Tenham VV. Ex.ªs misericórdia das Misericórdias do distrito de Ponta Delgada».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: como Deputado pela Madeira, associo-me aos agradecimentos dirigidos ao Governo pelo Sr. Deputado engenheiro Pedro Cymbron, a propósito da publicação do decreto n.º 36:820, de 7 do corrente, que permite, por despacho do Ministro das Finanças, o lançamento duma taxa, que não poderá exceder 10 por cento do respectivo valor, sobre as mercadorias importadas ou exportadas nos distritos autónomos do Funchal, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta.
Tendo aquele diploma por fim dar às comissões de assistência naqueles distritos meios de desempenharem a grande e larga tarefa que delas se espera, a publicação do decreto n.º 36:820 não pode deixar de ser recebida com o maior louvor e reconhecimento por parte das populações insulares.
E aproveito estar no uso da palavra para também agradecer ao Governo a publicação do decreto n.º 36:819, de 6 de Abril corrente, que autoriza a emigração de trabalhadores portugueses naturais e residentes no arquipélago da Madeira, bem como de suas famílias, desde que provem ter trabalho assegurado por contrato e convenientemente remunerado nos países a que se destinam.
Para uma ilha como a Madeira, de grande densidade de população e cujo número de habitante quase duplicou no curto espaço de meio século, as medidas tomadas pelo Governo devem ser recebidas com aplauso, pelas perspectivas que abrem à solução do nosso problema demográfico.
Por ambos os decretos agora publicados aqui deixo consignado o reconhecimento da Madeira ao Governo e às estâncias oficiais, nomeadamente aos Srs. Ministros do Interior e das Finanças, Subsecretário de Estado da Assistência e presidente da Junta da Emigração.
E quero estender o meu agradecimento ao Sr. Dr. João Abel de Freitas, ilustre governador do distrito autónomo do Funchal, actualmente em Lisboa, que acompanhou com o maior interesse e solicitude, junto do Governo, a solução destes problemas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: vou hoje tratar de um assunto relativo a caminhos de ferro, que muito interessa à cidade de Beja e aos serviços do exército naquela região.
Já em 5 de Dezembro de 1940, falando nesta Assembleia, também antes da ordem do dia, tive ocasião de me referir a um ramal de caminho de ferro que estava sendo construído, a partir da estação de Santa Vitória, para contornar a cidade de Beja pelo sul, em substituição do actual troço de Santa Vitória a Beja, que contorna a cidade pelo poente.
Este troço tem o fim principal de evitar a reversão das máquinas e de outro material dos comboios de Lisboa ao Algarve, por Beja e vice-versa, além de encurtar um pouco a distância entre as estações de Santa Vitória e Beja, e evitar uma grande reparação necessária no troço que é substituído.
Este troço, que depois de pronto faz parte integrante da linha Algarve-Beja, circunda a cidade a cerca de 1 quilómetro para o sul e passa junto ao novo quartel de infantaria 3, em construção, a leste da estrada de Beja a Mértola. A antiga e actual estação fica junto da parte mais baixa da cidade e a cerca de 2 quilómetros do centro da mesma.
Toda a gente, e até mesmo as entidades oficiais, estavam na convicção de que do novo troço de linha faria parte a construção de uma estação ou, pelo menos, um apeadeiro, não só para servir o novo quartel militar, mas também a cidade, com grandes vantagens sobre a actual estação, por inúmeras razões, das quais as principais são:
É para o lado da nova linha que a cidade está a estender-se, em obediência aos vários planos de urbanização que têm sido feitos ou idealizados e à disposição do terreno, que é mais plano do que para o outro lado da cidade.
É deste lado da cidade que estão os principais edifícios modernos, enquadrados mais ou menos numa ampla praça e duas grandes avenidas já começadas e outras a construir e que se estendem na direcção do novo quartel, e os grandiosos edifícios do liceu e dos correios, a nova sede da agência do Banco de Portugal, o governo civil, o seminário, a sede da Junta de Província do Baixo Alentejo; aqui estão sendo construídos um estúdio monumental, o Palácio da Justiça e, segundo parece, vão ser também construídos a sede da delegação da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e o matadouro municipal.
A maior actividade comercial está também concentrada e tende a expandir-se para aquele lado da cidade. O recinto da feira, que é das mais importantes do Pais e dos mercados mensais mais concorridos e de maior movimento do que muitas feiras, está também situado daquele lado da cidade e a poucas centenas de metros do novo troço de linha.
Pois bem: há uns meses, no Outono passado, estando eu e um vereador da Câmara Municipal de Beja trocando impressões com um técnico dos caminhos de ferro, encarregado das obras, perguntei-lhe se já estava feito o projecto da nova estação e onde ficava esta localizada, ao que ele respondeu, com certa admiração: «Mas... não existe nenhum projecto de nova estação, ninguém pediu tal e à Direcção Geral de Caminhos de Ferro só interessava o novo troço de linha e não ia fazer despesa numa nova estação que não lhe fosse solicitada».
A notícia de não estar considerada uma nova estação correu rapidamente pelos centros do cavaco, com grande surpresa de toda a gente, o assunto foi levado à Câmara pelo vereador presente, Sr. Bivar Branco, e o pedido foi feito à Direcção Geral de Caminhos de Ferro por ofício da Câmara e parece que também pelo Sr. governador civil.
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Estamos também informados de que a referida Direcção Geral deu pouco depois ordem para que fosse feito o estudo para a localização e possível construção de um apeadeiro, mas, a nosso pedido, o técnico encarregado deste serviço sugeriu e planeou, em esboço, é claro, o projecto de uma boa estação, como é indispensável e necessário que se construa, com duas plataformas, de 170 metros cada uma; uma curraleta, com 120 metros quadrados, para embarque de gado; um cais coberto, com 300 metros quadrados; um cais descoberto, com 290 metros quadrados; edifício para passageiros ou estação propriamente dita, com 25x14 metros; retrete para passageiros; recinto para carga e descarga, com 350X14 metros; embarque no cais de topo; uma linha desviada, com 350 metros; uma linha de gare, com 270 metros; uma linha de saco, com 70 metros; largo de acesso à estação, com 65x20 metros, e estrada de acesso, com 180X10 metros.
O edifício da estação ficará situado a 240 metros para leste da estrada de Mértola.
Como se disse, o novo troço de linha passa junto e a norte do terreno onde está sendo construído o quartel para infantaria n.º 3, e do lado oposto, ao norte da linha, portanto em frente do novo quartel, fica a estação - único ponto onde o terreno se apresenta em patamar e nas condições indispensáveis para instalação das agulhas.
Esta localização julgamo-la também de muito interesse e importância para o novo quartel militar, porque permite com facilidade a derivação de uma linha privativa para dentro do recinto do mesmo, o que julgo ter grandes vantagens para a carga e descarga de material de guerra e até para embarque de tropas, se necessário for.
Dadas as razões apontadas, parece-me bem justificada a construção de uma boa estação, e não de um apeadeiro, como a câmara modestamente pediu. A velha estação, apesar dos grandes melhoramentos e embelezamentos que lhe tom sido feitos, é já insuficiente para o tráfego corrente da cidade e mais o será num curto prazo.
Há cerca de oitenta anos, quando esta estação foi planeada e construída, certamente constituiu uma grande obra, que ultrapassava de muito as necessidades do tráfego, mas agora as suas deficiências são enormes e cada vez mais se irão acentuando. Com a construção da nova estação o movimento desta seria grandemente descongestionado, podendo ficar na antiga o tráfego de mercadorias volumosas, como carvão, cereais, adubos, etc., e na nova as restantes mercadorias, que, além de tudo o mais, ficariam mais próximas da parte da cidade de maior movimento comercial.
A construção da nova estação deve, portanto, corresponder, não só às necessidades presentes, mas às que se prevêem no futuro, num prazo não inferior a cinquenta anos, para evitar dentro de pouco tempo ampliações e acrescentes, sempre difíceis e dispendiosos, como agora está acontecendo na antiga estação e, de uma maneira geral, em todas as antigas estações e até nalgumas relativamente modernas, como a da Funcheira.
Lembramos ainda a grande vantagem que a Direcção Geral de Caminhos de Ferro teria em fazer, sem demora, o projecto definitivo da nova estação e em começar as obras, pois, implicando a construção da estação um grande desaterro, a terra a remover podia ser empregada tanto no grande aterro que está sendo feito junto da velha estação, para ampliação das agulhas, como nos aterros a fazer na estrada de Mértola, junto da ponte a construir sobre a linha férrea, evitando assim a grande despesa de cavar terra noutros sítios junto à linha e de a transportar de maiores distâncias.
Peço por isso encarecidamente à Direcção Geral de Caminhos de Ferro, em nome dos interesses de Beja, que ponha de parte qualquer ressentimento que possa ter com a Câmara e mande planear uma ampla e boa estação, em lugar do apeadeiro sugerido, e a S. Ex.ª o Ministro das Comunicações que se digne aprovar o projecto e ordenar a construção.
Sr. Presidente: muito tenho ainda a dizer sobre os interesses dos povos do Sul ligados aos caminhos de ferro, mas, não desejando tomar mais tempo à Assembleia, essas considerações ficarão para outro dia, se V. Ex.ª mo permitir.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: o artigo 96.º da Constituição dá aos Deputados o direito de requisitarem dos departamentos oficiais as informações e os documentos que desejarem.
A este direito corresponde, é claro, uma obrigação; e esta consiste em aquelas entidades atenderem com solicitude aquelas requisições.
Ora sucede que no dia 4 de Fevereiro, e portanto há mais de dois meses, requeri ao Ministério das Finanças, ao Subsecretariado das Corporações e às Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto determinados elementos, que considero interessantes e úteis para apreciarmos o grave problema da habitação conjuntamente com a proposta do Governo que vai entrar em discussão. E pedi que a remessa fosse urgente. Ora, estando os serviços, como estão, felizmente, bem montados, muito simples é coligir os elementos solicitados.
Porém, até hoje apenas o Ministério das Finanças cumpriu, facto que registo com satisfação.
Nesta conformidade, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de providenciar no sentido de com a maior urgência me serem fornecidos os elementos em referência.
E, aproveitando o ensejo, envio para a Mesa o seguinte requerimento:
A fim de me ocupar do importante problema da urbanização, e nomeadamente da demora, muito prejudicial, que está havendo no levantamento das plantas topográficas e na elaboração dos planos de urbanização e expansão das sedes de muitos concelhos, por culpas que não são do Governo e nem sempre das câmaras municipais, requeiro, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, que pelo Ministério das Obras Públicas me seja urgentemente indicado o número de planos de urbanização submetidos à aprovação do Governo até esta data, ao abrigo do artigo 10.º do decreto n.º 33:921, e quais são, por concelhos, os que estão aprovados.
Sala das Sessões, 13 de Abril de 1948. - O Deputado Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente: - Insistirei na satisfação do pedido a que V. Ex.ª se referiu e mandarei expedir o requerimento que V. Ex.ª acaba de formular.
Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo à proposta de lei n.º 202, sobre questões conexas com o problema da habitação.
Logo que este parecer chegou à Mesa, no dia 8, foi mandado distribuir a todos os Srs. Deputados.
Está também na Mesa o parecer sobre o projecto de lei n.º 201, relativo à conservação e melhoramento de monumentos nacionais. Vai baixar às respectivas comissões desta Câmara.
Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Albano de Magalhães e fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional.
Serão entregues àquele Sr. Deputado.
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Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 104, do Sr. Deputado Sá Carneiro, sobre inquilinato, da proposta governamental sobre questões conexas com o problema da habitação e dos respectivos pareceres da Câmara Corporativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: ao dirigir a V. Ex.ª os meus cumprimentos, lastimo que não lhe seja possível, sem abandonar a direcção dos trabalhos, intervir na discussão que hoje se inicia.
É que V. Ex.ª acompanhou com tão vivo interesse o estudo da comissão eventual que está admiravelmente preparado para interferir no debate.
E essa intervenção, se por um lado nos esclareceria, por outro dava-nos ensejo de escutar mais uma vez a palavra, sempre eloquente, de V. Ex.ª
Como é natural, vou ocupar-me especialmente do projecto de lei n.º 104, e designá-lo-ei assim para não falar muito de mim próprio. Mas, porque a discussão é conjunta com a da proposta n.º 202, versarei em traços largos os três problemas que o Governo julgou conexos com o da habitação: expropriações por utilidade pública, direito de superfície e sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada.
As normas ora propostas sobre expropriações por utilidade pública fazem esperar que o Governo, uma vez convertida em lei a proposta e publicado o regulamento de que, segundo a Câmara Corporativa, deve depender a vigência da nova lei, elaborará o tão almejado Código das Expropriações, de que se fala há perto de vinte anos.
Definido agora o regime das expropriações por utilidade pública, fácil será a sistematização de todas as disposições num corpo de leis que facilite o estudo da matéria e a aplicação dos preceitos legais.
A oportunidade dessa parte da proposta não pode discutir-se, e, se algum reparo há a fazer, ele consiste em mais cedo não ter sido definido o instituto da expropriação por utilidade pública em princípios actuais e que conciliem o interesse público com o particular.
O que pode controverter-se é se esse problema das expropriações é verdadeiramente conexo com o da habitação.
À primeira vista, parece que a expropriação de prédios pode até fazer com que haja maior falta de casas, e a situação dos ocupantes das habitações expropriadas não passou despercebida à Câmara Corporativa.
É, porém, incontestável que a abertura de novas artérias facilitará a construção de prédios em termos de alojarem muitas famílias.
Quanto à essência da proposta, ela deu-me a grata impressão de ser justa.
Não se topa ai nada que choque, que constitua extorsão dos legítimos direitos dos proprietários, o que nem sempre tem acontecido em diplomas publicados a este respeito.
Por isso mesmo a proposta não mereceu reparos graves à Câmara Corporativa, cujo douto parecer, no entanto, a melhorou consideràvelmente.
O parecer n.º 29, que tinha de ser extenso pela multiplicidade dos assuntos que versava, reflecte um espírito de bem doseado equilíbrio entre a teoria e a prática e até a preocupação de purismo de linguagem, revelada, por exemplo, no uso da expressão «maior valia», de preferência a «mais valia».
O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença? É ainda a propósito da «mais valia».
Suponha V. Ex.ª o caso dum prédio que, avaliado em 50 contos, passa a valer 80 contos: não há «maior valia»; há, sim, «mais valia».
O contrário estaria aritmèticamente errado.
O Orador: - Para mim, «maior valia» é tanto o valor mais alto como a diferença de valores.
O Sr. Marques de Carvalho: - Mas não é: V. Ex.ª chama «maior valia» ao diferencial dos dois valores, e nesses termos, como tal diferencial pode ser inferior ao valor «menor», verificar-se-á a tal anomalia aritmética. Defendo o purismo da linguagem, com a condição, porém, de se não sacrificar a justeza da ideia.
O Orador: - Estou a ver que, a propósito de mais ou maiores valias, estamos a fazer logomaquia. Não me bato por uma ou outra daquelas expressões. Simplesmente quis louvar a ideia de casticismo que inspirou a redacção do parecer.
Reatando o fio perdido: estou convencido de que a proposta do Governo de algum modo seguiu na orientação desta Assembleia, bem vincada na lei n.º 2:018, de 24 de Julho de 1946, que foi originada por um projecto do ilustre Deputado Dr. Bustorff da Silva.
Regulamentada pelo decreto n.º 35:831, de 27 de Agosto desse ano, essa lei deu os melhores resultados, embora isto pese a algumas câmaras municipais, que se viram forçadas a remunerar prédios pelo seu justo valor. Contra u aplicação desses diplomas e julgados dos tribunais proferidos de harmonia com os mesmos houve protestos das municipalidades interessadas, sem fundamento, a meu ver.
Se porventura o tribunal colectivo em algum caso fixou valor excedente ao indicado pelo perito do juiz, isso não pode merecer reparo, pois quem julga é o tribunal, e não o dito perito.
O legislador teve o cuidado de mandar escrever os depoimentos das testemunhas, que também constituem meio de prova, a atender pelo tribunal juntamente com as demais provas.
Os critérios de fixação do ressarcimento a conceder ao expropriado têm de ser equitativos, para que não volte a repetir-se o espectáculo pouco edificante de os tribunais, para não cometerem iniquidades, terem de violar a lei.
Refiro-me especialmente a certo assento do Supremo Tribunal de Justiça, que considera rendimento efectivo o que o senhorio cobraria se não existisse a lei do inquilinato.
Quanto ao direito de superfície - instituto até ao presente desconhecido na nossa legislação, mas que existe em direitos estrangeiros - também a admissão dele pode facilitar as construções.
Poderia tentar enquadrar-se o novo direito num dos contratos-tipo que o Código Civil regulamenta, mas a verdade é que isso não seria possível sem trair o objectivo visado com o direito de superfície.
A necessidade deste é tão real que desde há anos e sob a modalidade de arrendamento - no fundo uma simulação - se pratica no Norte do País coisa semelhante.
Nos arredores do Porto existem milhares de prédios construídos por pessoas que não dispunham de haveres bastantes para comprarem o terreno. E contrataram então como arrendatários, estabelecendo-se nos títulos o prazo de dezanove anos - e não superior por causa da sisa - e que, se o pretenso senhorio não fizesse a renovação, pagaria as benfeitorias no dobro, triplo, quádruplo ou até mais.
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As casas construídas nesses terrenos são objecto de negócios jurídicos - arrendamento, hipoteca, venda, etc.
Mas, em rigor, o suposto arrendatário apenas é dono dos materiais.
Seria justo facultar-lhe a aquisição do terreno, e cheguei a pensar num projecto de lei a esse respeito.
Todavia, o caso tem aspecto mais local que nacional.
Além disto, entendo que só por graves motivos de urgência deve alterar-se a lei civil, tanto mais que se trabalha na elaboração de um novo Código.
Tentarei, porém, quando da discussão na especialidade, integrar aquelas situações no regime do direito de superfície.
Posto isto, Sr. Presidente, aludirei ao caso das sociedades anónimas para construção de casas - uma das partes da proposta em que mais confio para fomentar as edificações nos grandes aglomerados urbanos.
Essas sociedades serão, evidentemente, utilíssimas, e torna-se necessário protegê-las, até sob o aspecto fiscal, para que elas possam concorrer com a construção individual.
São tão pesados os impostos que incidem sobre os lucros das sociedades anónimas que, a não haver essa protecção especialíssima, o público não afluirá a subscrever o capital das sociedades que se pretende ver organizadas entre nós.
Nas grandes cidades estrangeiras elas possuem vastos quarteirões, o que não surpreende, pois os mais ricos particulares não podem abalançar-se a construir grandes blocos.
Há o caso excepcional de um rico industrial capitalista ter contribuído, quer em Lisboa, quer no Porto, para a construção urbana em termos tais que bem merece ser louvado e reconhecida a sua acção para se atenuar a crise latente.
Será inútil repetir o princípio de que não é com leis que o problema da habitação se resolve, mas sim com casas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este princípio deve orientar-nos na discussão e votação da proposta.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O que demonstra que o pressuposto da lei pode ser necessário para se terem casas.
O Orador: - Mas também pode servir para se condenarem alguns pontos da proposta governamental, especialmente no tocante à redução de rendas modernas e limitação das futuras.
Manda o Regimento que a discussão na generalidade se confine na oportunidade e economia do projecto ou proposta e vantagem dos novos princípios de direito.
Acerca dos pontos que deixo referidos nada mais direi.
Quanto à matéria de inquilinato, parece-me também que a oportunidade da proposta e do projecto é indiscutível e foi já reconhecida, em mais de um momento, por esta Assembleia.
Não irei agora repetir tudo o que aqui se passou, sobretudo nos últimos doze anos.
Não era Deputado em 1936, mas vejo pelo Diário das Sessões que em sessão de 4 de Fevereiro desse ano o nosso eminente colega Dr. Joaquim Dinis da Fonseca, agora infelizmente impedido de colaborar nos trabalhos parlamentares, em que tinha posição do maior relevo, mandou para a Mesa um aviso prévio sobre os abusos da lei do inquilinato de habitação e necessidade de lhes dar urgente remédio e as ruinosas consequências políticas e sociais da indiferença do poder público perante esses abusos.
A discussão do aviso prévio fez-se apenas nas sessões de 3 e 4 de Fevereiro de 1937, e vale a pena perder uns minutos recordando algumas das afirmações então feitas.
O Sr. Dr. Dinis da Fonseca salientou o sistema seguido pelos Estados (e a que Portugal não escapou) de não deixarem aumentar as rendas, para não actualizarem os vencimentos dos funcionários.
Insurgiu-se contra a lenda de todos os senhorios serem ricos e os seus inquilinos pobres, pois há arrendatários mais ricos que os seus senhorios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Alberto Navarro contou este caso, que pode parecer único, mas que é mais frequente do que se imagina: um pobre homem que conseguira juntar um pecúlio para comprar um pequeno prédio, como lhe tivesse morrido a filha e não quisesse continuar a ocupar a casa onde vivia, foi ter com um dos arrendatários do seu prédio, pedindo-lhe que o desocupasse.
Mas o inquilino invocou os seus direitos e, por muito favor, propôs-lhe a cedência de um ou dois quartos, mediante a renda de 50$, quando por todo o andar o arrendatário pagava 305.
E no final de cada mês o desgraçado entregava ao inquilino o recibo da renda do andar mais os 20$ da diferença entre a renda do todo e a de parte.
Será isto admissível?
Nessa discussão interveio o nosso ilustre colega Dr. Ulisses Cortês, que, no fundo, se bateu mais pelo Ministério da Justiça do que pela causa dos arrendatários.
E alguma razão tinha, pois é de reconhecer que muito fez o Estado Novo pela solução do problema da habitação, tendo suavizado a situação dos senhorios.
Em contrapartida, porém, pelo decreto n.º 14:630, de 28 de Novembro de 1927, prorrogou indefinidamente as disposições restritivas da lei n.º 1:662 e das outras a que genericamente se refere o artigo 13.º daquela, que fixava o termo de tais restrições para 31 de Dezembro de 1930.
Foram concedidas várias prorrogações, até que aquela tirou aos senhorios a esperança de uma supressão próxima de tais restrições.
Também o Estado Novo, depois de ter reconhecido a equidade do sistema em que o senhorio não era responsável pelo pagamento das custas das acções de despejo que ganhasse, voltou a impedir a execução da sentença sem tal pagamento.
O Estado não deve ter ganho muito sob o aspecto material, pois os senhorios passaram a entender-se com os arrendatários para eles desocuparem os prédios voluntariamente, dando-lhes quitação do que deviam, e não raro dinheiro, para saírem.
E, moralmente, o Estado não se prestigiou.
Voltando à discussão parlamentar de 1937:
O Sr. Dr. Alberto Navarro sustentou que o problema do inquilinato urbano - à excepção de Lisboa e Porto - não existe noutros pontos do País ou está de tal forma mitigado que não tem importância.
O Sr. Dr. Braga da Cruz, como outros oradores, ocupou-se dos abusos dos sublocadores.
O Sr. Dr. Antunes Guimarães, em aparte, chamou a atenção da Câmara para o facto de a assistência aos arrendatários ser feita apenas por alguns senhorios.
Por fim votou-se a moção do Sr. Dr. Dinis da Fonseca, com um aditamento proposto pelo Sr. engenheiro Cancela de Abreu:
A Assembleia. Nacional, tendo apreciado a matéria do aviso prévio sobre abusos
das leis do inquilinato de habitação; e
Considerando que o Estado Novo afirma a necessidade de prestar assistência social à constituição
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de lares independentes e em condições de salubridade, e neste sentido tem publicado algumas medidas e outras se encontram em estudo e preparação, como o indica a recente portaria n.º 8:610, publicada pelo Ministério do Interior;
Considerando que as restrições à liberdade contratual foram decretadas como solução transitória, a substituir por outras mais justas e eficientes logo que as circunstâncias o permitissem;
Considerando que a manutenção dessas restrições, enquanto julgadas indispensáveis para assegurar assistência ao direito de moradia a famílias que dela careçam, não pode, no entanto, justificar os clamorosos abusos que à sua sombra se têm verificado;
Considerando que, em defesa das classes populares, se torna indispensável impedir os abusos de senhorios e sublocados que exploram habitações insalubres, exigindo rendas que excedam a retribuição normal do capital empregado;
Considerando que à Assembleia Nacional faltam neste momento os necessários elementos de informação e que já vai adiantada a actual sessão legislativa:
Confia em que o Governo examinará o problema do inquilinato de habitação em todos os seus aspectos e lhe dará uma solução que torne impossíveis os abusos que, à sombra da legislação vigente, se vêm cometendo.
A divergência entre os Srs. Drs. Dinis da Fonseca e José Cabral incidia apenas no processo de se obter a reforma do inquilinato.
Enquanto o primeiro chamava especialmente a atenção do Governo, para o assunto, o Sr. Dr. José Cabral optava por uma fórmula que não desconhecesse a competência legislativa da Assembleia.
Mas, como o pensamento de ambos era o mesmo, variando apenas as fórmulas, chegaram a acordo.
Deixarei em silêncio referências incidentais que ao inquilinato foram feitas mais tarde, para aludir ao que se passou em Dezembro de 1946.
O nosso distinto colega Sr. Dr. Camarate de Campos, em sessão de 11 desse mês e ano, classificou o assunto de quase vergonha nacional. E pôs a nu uma das mais espantosas incompetências da lei vigente: a desigualdade das partes ante o recurso.
E a Assembleia aprovou a seguinte moção:
Considerando que em matéria de inquilinato urbano não pode entrar-se abertamente, e desde já, em regime de ampla liberdade contratual; mas
Considerando que o problema é de transcendente importância e demanda resolução urgente nalguns dos seus aspectos mais graves;
Considerando que, se não são de admitir as especulações por parte dos senhorios, igualmente não devem ser permitidas aos arrendatários;
Considerando que os diplomas fundamentais sobre inquilinato, por antiquados e dispersos, carecem de ser actualizados e codificados:
A Assembleia Nacional reconhece a necessidade de:
1.º Serem revistas as restrições legais em vigor sobre as rendas, sem descurar a situação das classes menos abastadas;
2.º Ser devidamente regulada a sublocação e fiscalizados os traspasses, com rigorosas penalidades quando se trate de arrendamentos para habitações, que aliás a lei não permite;
3.º Ser assegurada aos senhorios e aos arrendatários igualdade de direitos perante os tribunais em matéria de recursos;
4.º Serem estabelecidas normas processuais mais rápidas e económicas para as questões simples de inquilinato;
5.º Proceder-se, sem prejuízo das providências urgentes atrás referidas, à codificação de toda a legislação dispersa sobre inquilinato.
Eis, Sr. Presidente, o clima parlamentar, como diria o Sr. André Maurois, em que surgiu o projecto n.º 104. A sua oportunidade não foi posta em dúvida pela Câmara Corporativa, que expressamente a reconheceu no limiar do doutíssimo parecer n.º 16.
E o Governo também confirmou a oportunidade da discussão, apresentando a falada proposta, em que se versam alguns dos pontos tratados no projecto n.º 104.
Pode discutir-se a conveniência da intervenção do Governo neste caso. Seria mais cómodo que ele, pôncio-pilàticamente, se alheasse da questão, só agindo por forma encoberta.
A intervenção governamental representa, porém, um acto de coragem que deve salientar-se, do mesmo passo que constitui respeito pelas prerrogativas da Assembleia, por querer que ela deliberasse sobre o assunto e por não o resolver na pendência de um projecto acerca do qual a Câmara Corporativa já se pronunciara.
Nem sempre assim se tem procedido, como o prova um caso de há poucos dias.
A propósito das oportunidades e vantagens do projecto e da proposta (esta na sua última parte), pode dizer-se - e já se tem sustentado - que mais valeria a Assembleia discutir um projecto completo de Código da Locação do que aprovar mais uma lei extravagante, a juntar a tantas que, desde a proclamação da República, tem sido promulgadas.
Também neste particular a proposta do Governo apoia a tese contrária, que sempre tenho defendido.
Tenho para mim que a principal função desta Assembleia é fiscalizadora.
A lei que todos os anos, em obediência à Constituição, lhe cumpre votar é a de autorização de receitas e despesas.
No curto período de funcionamento da Assembleia, é quase impossível discutir e votar um diploma extenso.
O trabalho da codificação incumbe ao Governo, embora este deva atender às opiniões manifestadas pela Assembleia Nacional.
Mas será plausível a limitação da proposta do Governo aos casos de actualização de rendas, sublocações, traspasses e despejos? Entendo que não.
Há no meu projecto e no sugerido pela Câmara Corporativa disposições que urge estabelecer, para que desapareça o mal-estar social latente entre senhorios e arrendatários, tantas vezes manifestado em questões que quase monopolizam a actividade dos tribunais.
Está nestas circunstancias o próprio formalismo do contrato de arrendamento, pois são aos milhares os contratos verbais e eles dão forte contingente para as- acções que diàriamente se intentam.
O regime vigente, se representa aperfeiçoamento em relação ao criado pela lei n.º 1:662, não garante suficientemente os direitos de senhorios e arrendatários, constituindo fonte perene de pleitos.
Os casos de caducidade de arrendamento devem ser regulados, pois a jurisprudência é incerta a esse propósito.
Os arestos não se harmonizam também acerca da comunicabilidade do direito ao arrendamento e sua transmissão.
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As questões de depósito de renda originaram opiniões díspares, tanto na doutrina como na jurisprudência.
A lei define mal o regime jurídico dos arrendamentos de prédios rústicos para comércio ou indústria.
As alçadas desiguais para senhorio e arrendatário constituem um dos absurdos que. esta Assembleia já evidenciou, sem que o Governo lhe pusesse cobro.
Estas e outras questões estão largamente estudadas pela Câmara Corporativa, havendo toda, a vantagem em que a Assembleia as resolva.
E, se bem interpreto a proposta do Governo, ela não visa a negar que as questões omitidas não careçam de ser resolvidas pela Assembleia.
Simplesmente se entendeu que os pontos mais urgentes eram os abrangidos pela mesma proposta. Quanto aos domais a atitude do Governo é de mera indiferença.
Algo tenho de dizer sobre a vantagem dos novos princípios legais e sobre a economia do projecto e da proposta.
O reconhecimento como regra, da plena validade do arrendamento meramente consensual representa regresso ao sistema do Código Civil, que vigora para os prédios rústicos, sem que na prática se tenham verificado quaisquer inconvenientes.
No entanto, essa espécie de contratos tem importância não menor do que a dos arrendamentos urbanos, embora o seu número seja mais pequeno.
Nada obsta a que as partes, sem a isso serem compelidas, reduzam a escrito a convenção locativa, fixando dessa forma, incontroversamente, as cláusulas do contrato.
E não é justo que o desleixo ou a malícia de uma das partes, ou quiçá de ambas, coloque a que tem interesse em invocar o contrato na situação de fazer a difícil prova de a falta de documento ser imputável ao outro contraente.
Exceptuados casos especiais, como o de arrendamentos sujeitos a registo e comerciais, ou industriais, o contrato de arrendamento não deve depender de quaisquer formalidades.
Mas no projecto estimula-se o empenho do senhorio em fazer contrato escrito e ele é o árbitro da situação, pois pode condicionar a entrega das chaves pela prévia titulação do arrendamento-, pois se lhe dá a garantia de que só por documento de igual força pode provar-se a alteração do contrato e de que são inaplicáveis os §§ 6.º e 8.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662.
Esta última garantia não terá razão de ser caso a Assembleia aceite a sugestão da Câmara Corporativa para, de futuro, cessarem esses prazos de caducidade.
Não deixa, porém, de ser importante aquela impossibilidade de alteração do arrendamento, a não ser por documento de força igual à do respectivo título.
O texto sugerido, com melhor redacção e sistematização que o primitivo, desdobra em seis artigos o primeiro do projecto.
Relativamente ao consentimento dos comproprietários de prédio indiviso, o projecto não é inovador, mas interpreta a lei no sentido mais favorável à validade do arrendamento não outorgado por todos os proprietários.
Em matéria de caducidade, tanto o projecto como o contraprojecto põem termo à situação inadmissível, hoje verificada, de os tribunais, com desrespeito da lei, admitirem a propositura de acções de despejo não facultadas.
As soluções é que são diversas quanto ao efeito do recebimento das rendas, sendo o projecto primitivo mais liberal, pois desse recebimento infere a renúncia ao despejo.
Os preceitos referentes à comunicação do direito locativo ao cônjuge do arrendatário e à transmissão desse direito por morte do inquilino são, como é óbvio, dos mais importantes do projecto.
A jurisprudência anda muito dividida a esse respeito, o que nem prestigia os tribunais nem dá segurança aos interessados, para quem a sorte do pleito é uma espécie de lotaria, em que a bola do sorteio tanto pode dar a vitoria como a perda da causa, consoante a questão caiba a juízes sequazes de uma ou outra corrente.
Este ponto é basilar, pois a proibição do despejo no fim do prazo do contrato e a transmissão indefinida do direito do arrendatário converteram, praticamente, em perpétuo um contrato que, pela própria definição da lei, tem de fazer-se por prazo certo.
Mas esse prazo prolonga-se indefinidamente se o inquilino assim o desejar.
É situação inadmissível.
Vem agora, na sucessão cronológica dos textos, o caso do aumento das rendas.
Desde 1928 que os senhorios não tem o direito de aumentar as dos contratos que não sofreram solução de continuidade.
Isso não significa que «m muitos casos não tenha havido aumentos.
Diga-se em louvor dos arrendatários que grande número deles, talvez não os mais ricos, voluntariamente ou a pedido do senhorio, fizeram aumentos substanciais das rendas.
A voz da consciência e da rectidão, em muitos casos, pôde mais que a do vil interesse.
Também se têm feito muitos aumentos por acções dos juízes em questões do inquilinato.
Todavia, a par desses arrendatários que, porventura com sacrifício, não duvidaram fazer aumentos voluntários de renda, são legião aqueles que se agarraram à não obrigatoriedade do aumento, estando a pagar agora o «mesmo que há vinte anos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo, tudo, pôde aumentar, mesmo as subsistências, tanto ou mais necessárias à vida que a casa.
Esta Assembleia já reconheceu a necessidade de serem revistas as restrições legais em vigor sobre as rendas, sem descurar a situação das classes menos abastadas.
Projecto, texto sugerido e proposta estão de acordo quanto à necessidade de os senhorios poderem aumentar as rendas.
E o favor geral vai para o sistema que, normalmente, faz coincidir a renda com o rendimento colectável.
Há, todavia, pequenas variantes entre as três peças.
Segundo o projecto, o arrendatário só pagava o aumento de renda se entendesse que podia satisfazê-lo; caso contrário, o senhorio tinha de convencê-lo dessa possibilidade. E, não logrando fazer tal demonstração, o senhorio receberia o aumento apenas se o fundo cuja criação se propunha permitisse satisfazê-lo e até onde isso fosse possível.
Parece que, se alguém devia protestar contra tal critério, eram os senhorios, pois o projecto colocava-os em situação precária.
Há que reconhecer, todavia, que eu tinha de ser cauteloso na formulação de qualquer norma sobre aumentos de renda, pelos reflexos políticos e sociais que um simples projecto violento podia acarretar.
Ainda hoje censo que, com ligeiras correcções, o sistema que ideei seria praticável.
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Bastaria que o Estado destinasse ao fundo parte do aumento das contribuições para haver o dinheiro necessário para ressarcir os senhorios do que os seus arrendatários não podiam pagar.
E desse modo chegar-se-ia a unia solução humana, em que apenas o Estado se sacrificava um pouco.
Mas o fisco, nesta matéria, já fez larga assistência, como se frisa no notável relatório da comissão que, em 1927, foi nomeada para estudar as bases da reforma do sistema tributário, e a que adiante me referirei mais largamente.
Reconheço, porém, a procedência de algumas das razões opostas ao sistema do projecto.
E não me repugna só por isso mudar de opinião.
Desde já direi que hesito em perfilhar a solução proposta pela Câmara Corporativa nos seus dois pareceres - aumento imediato das rendas em 20 por cento.
Esse aumento seria violento em alguns casos, o que bastaria para o afastar.
Além disso, a tradição de todo o nosso direito é no sentido de se atender ao rendimento colectável; e não encontro vantagens no critério que se propõe - aumento imediato com base na renda, para se fazer depois o acréscimo, se se fizer, até ao rendimento colectável.
Entendo que deve optar-se por uma ou outra coisa.
A lei brasileira (decreto-lei - n.º 9:669, de 29 de Agosto de 1946), no seu artigo 4.º, permitiu o acréscimo das rendas em 20 par cento quando em vigor antes, de 1 de Janeiro de 1935, 15 por cento se vigente desde aquela data e 1 de Janeiro de 1942 e 25 por cento se o locatário exercer actividade comercial ou industrial.
Em Portugal há rendas tão baixas que, mesmo com estes aumentos, continuariam a ser insignificantes. Mas casos há em que poderia representar excesso condenável o aumento imediato de 20 por cento para todas as rendas ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Para todas as rendas do período anterior a 1943.
O Orador: - Exactamente, porque as outras estão fora de causa. Mas, como dizia, eu próprio hesito nesse ponto, porque receio que, em algumas hipóteses, esse aumento de 20 por cento para todas as rendas represente violência.
Porque o rendimento colectável é, ou deve ser, para todos os efeitos, o sinal exacto do valor do prédio, mantenho o princípio formulado a tal respeito aio projecto n.º 104.
Deverão, todavia, permitir-se desde já avaliações, por forma a actualizar os rendimentos colectáveis, que estão, de um modo geral, desactualizados?
Pelo projecto admitiam-se em todos os casos.
Pelo primeiro texto sugerido também se facultavam, regulando-se embora o começo da sua vigência.
Pela proposta do Governo apenas se autorizam para as rendas convencionadas depois de 31 de Dezembro de 1942 poderem baixar.
Pelo novo texto apresentado pela Câmara Corporativa as avaliações apenas seriam autorizadas a partir de 1 de Janeiro de 1950 e, com reciprocidade, em relação aos arrendamentos posteriores a 1942.
Entre três critérios fundamentais díspares há que escolher, sendo talvez preferível o sistema das eliminatórias.
E, começando pela última sugestão, reprovo-a convictamente.
A miragem da avaliação daqui a cerca de dois anos poderia dar alguma esperança aos senhorios.
Mas como prever se a economia nacional suportará então a actualização de matrizes e de rendas?
Mais vale o legislador não prometer nada do que correr o risco de desacreditar-se.
Lembro que, no artigo 54.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, se concedeu aos proprietários de prédios ou parte de prédios construídos desde a publicação desse decreto com força de lei, sem qualquer subsídio ou garantia concedidos pelo Fundo, nas termos dos artigos anteriores ou noutros que viessem a ser estabelecidos, fixação livre das rendas dos mesmos prédios ou partes de prédios.
E, pelo § 2.º do mesmo decreto, quando no regime de liberdade de fixação de renda, os prédios podiam ser despejados, terminado o prazo do contrato, por não convir ao proprietário a continuação do arrendamento.
Eram disposições de uma clareza translúcida e que não podiam ser sofismadas. Não obstaram a que o Decreto-lei n.º 32:638, de 22 de Janeiro de 1943, dispusesse, no seu artigo 1.º, que continuavam suspensas as disposições dos artigos 48.º a 55.º do decreto-lei n.º 15:289, até à regulamentação prevista no artigo 58.º do mesmo diploma; e o artigo 2.º considerou anulados os contratos de arrendamento efectuados ao abrigo do disposto no artigo 54.º e seus parágrafos, mantendo-se os que vigoravam anteriormente, bem como os despejos ordenados nos termos do § 2.º desse artigo, desde que não se tivessem ainda efectuado.
Esta última disposição chega a ser incompreensível e parece lesar os arrendatários, quando não houvesse outro contrato antes do feito de harmonia com o citado artigo.
No meu projecto não incluí uma disposição revogando o decreto-lei n.º 32:638 apenas por ter pendente uma acção em que o alcance desse diploma se discutia.
Agora entendo que o caso deve ser apreciado em conjunto com outros idênticos.
Repito, porém, que julgo impossível legislar nesta matéria ainda que para daqui a dois anos.
A permissão de avaliações imediatas tem a seu favor esta consideração: em muitos casos as rendas não aumentam com a aplicação do sistema rendimento colectável, salvo quando este não resultou de novo arrendamento e sim de o fisco considerar exíguo o rendimento inscrito.
Os elementos obtidos por intermédio da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, dão uma ideia da. desigualdade dos efeitos da lei: aumentos de várias vezes a renda em alguns casos, outros menos sensíveis noutros e nenhum aumento em inúmeras hipóteses.
Em breve, escorço sintetizarei o meu pensamento a este respeito:
Suponho que seria, bem aceita a permissão genérica de avaliações, para o comércio e indústria e, de um modo geral, para todo o País, com excepção do inquilinato habitacional em Lisboa e Porto e porventura noutras cidades em que a falta de casas fosse sensível.
O arrendatário comercial frui garantias excepcionais e tem possibilidades- que o inquilino de habitação, em regra, não possui.
O Sr. Botelho Moniz: - Eles não podem pagar aumento de rendas, mas podem pagar traspasses de 10:000 contos e mais.
O Orador: - Como V. Ex.ª, penso que o comércio e a indústria não entrarão em crise só por pagarem mais alguma renda, que, afinal, virá a ser diluída por todo o público consumidor.
Nas terras em que o problema do inquilinato consiste quase só em os arrendatários invocarem as garantias concedidas para as localidades onde há crise de habitação a actualização das rendas não suscitará grandes dificuldades.
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Mas não cuido possível que o critério mecânico preconizado para Lisboa e Porto seja insusceptível de correcção, em casos de injustiça notória, a favor de uma ou outra parte.
8e a renda derivada daquele rendimento for exagerada, ao arrendatário deve ser dado um meio de a reduzir aos justos termos; se não houver aumento ou ele for ridículo, ao senhorio não deve ser vedada a correcção da injustiça.
Como simples lembrança, digo que para situações excepcionais poderia funcionar uma comissão arbitral, que alguns quereriam ver instituída para todos os casos. Essas comissões, ou tribunais especiais de equidade, poderão dar resultados maravilhosos noutros países. Duvido muito da sua eficácia entre nós, como forma normal de actualização de rendas.
Os precedentes não são animadores. A aplicação da lei n.º 1:645, de 4 de Agosto de 1944, para exercício do direito de o senhorio de prédios rústicos receber metade da renda em género não deu frutos brilhantes. Quem resolvia o litígio era, afinal, o árbitro de desempate, que nem sempre desempatava com verdade.
Merecem-me mais confiança os avaliadores fiscais, que obedecem a instruções oficiais e têm a quem dar contas dos seus actos.
Mas seja a arbitragem o remédio excepcionai escolhido, ou seja outro o sistema, repito que não compreendo que, em relação aos casos em que não haja o correctivo da avaliação fiscal, os interessados não tenham meio de evitar uma iniquidade.
Não me passou despercebida a questão das rendas exageradas constantes de contratos recentes e a possível limitação das futuras.
Entendi, contudo, que num diploma destinado a ré, guiar casos urgentes de inquilinato não deveria incluir-se preceito que afastasse os capitais da construção de casas. E assim pensou em 1947 a Câmara Corporativa.
Diverso foi o seu critério de agora, pois acompanhou a proposta do Governo.
Os argumentos do recente parecer não lograram convencer-me e acompanho inteiramente os doutos vencidos nesse particular - e muitos vencidos houve no parecer, incluindo o seu distinto relator, meu querido colega e amigo, embora em ponto diverso do que neste momento estudo.
Vejamos separadamente a revisão de rendas anteriores à lei e o das rendas futuras.
Quanto à primeira questão, o caso assume o aspecto imoral de violação do contratado.
Sei que, nesta matéria, a liberdade contratual é, por vezes, só aparente, pois o estado de necessidade em que o arrendatário se encontra pode obrigá-lo a aceitar renda excessiva para as suas possibilidades.
O certo, porém, é que a exigência do senhorio era permitida pela legislação vigente. A intervenção do Estado com referência a contratos feitos no convencimento legítimo de que eram legais mão parece aconselhável.
E essa intromissão pode lesar fundamente interesses de terceiros.
Pode ser actualmente proprietário de prédios de rendas caras um adquirente que adquiriu a casa confiando na estabilidade da renda constante do contrato.
Muitos desses prédios foram hipotecados à segurança de quantias avultadas. E como a redução das rendas podia fazer descer muito o valor dos prédios, os credores podiam ficar sem o dinheiro mutuado.
Todos estes inconvenientes e riscos - e muitos outros poderíamos apontar - fazem com que rejeitemos a proposta quanto à redução das rendas.
E nem o direito de avaliação conferido às duas partes poderia atenuar a dureza da disposição, pois a avaliação do arrendatário era a única eficaz e prática.
A reciprocidade de direitos não passava de mera aparência.
O efeito da proposta neste ponto foi o de paralisar a construção civil em Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sobre a limitação das rendas futuras, cuido que ela actuaria também como entrave à construção.
Compreende-se que o Estado e as Câmaras fomentem a construção de casas de renda limitada, vendendo terrenos por preços tanto mais baixos quanto mais reduzidas forem as rendas.
Todavia, não permitir renda superior ao rendimento colectável relativamente a casas cujos projectos foram aprovados sem restrições seria o mesmo que dizer ao capital que se dedicasse a fins diversos da construção.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está condenando a retroactividade da lei, o que nós já fizemos há muito.
O Orador: - Estou de perfeito acordo com V. Ex.ª As rendas dos prédios arrendados depois da lei não devem depender de avaliações cujo resultado o proprietário não podia prever quando construiu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Ex.ª raciocina nessa base, não podemos recorrer ao critério mencionado na proposta.
Se nós raciocinamos que u avaliação está dependente de uns senhores com boa ou má vontade, então não podemos chegar a conclusões certas a este respeito.
O Orador: - O facto de preferir a avaliação fiscal a qualquer outra como base genérica de actualização das rendas não significa que considere infalíveis aqueles avaliadores.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Ex.ª quiser, por exemplo, ir buscar como critério o rendimento inscrito na matriz em consequência de uma avaliação, isso é ir buscar um critério objectivo que pode não ser justo, mas é um critério geral; se for buscar como critério o rendimento inscrito na matriz em função não de qualquer avaliação, mas da renda que se paga...
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - ... isso já não é critério geral.
O Orador: - Eu tratava do caso de arrendamentos posteriores à lei; e o rendimento colectável dos prédios novos jamais podia ser influenciado por contrato de arrendamento que não existira.
Quanto ao aumento de rendas anteriores, reconheço que a desigualdade na aplicação da lei pode provir de ter havido acréscimo de rendimento determinado por avaliações cuja iniciativa coube ao fisco.
E isso aconselharia que se retrotraísse o rendimento colectável a 1937, data em que presumo terem sido feitas as avaliações gerais, que suponho elaboradas com critérios uniformes.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Em Lisboa e Porto, e na generalidade do País, mais do que em Lisboa e Porto, as avaliações foram feitas, se me permitem a expressão, bastante à vara larga.
Risos.
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O Orador: - Mas é indiscutível o seguinte: há casos em que o rendimento colectável está muito acima da renda actual.
O Sr. Moura Relvas: - E noutros fica abaixo demais.
O Orador: - Isso só se tornará possível se a renda não for declarada, pois, doutro modo, faz subir automaticamente o rendimento colectável.
Vozes: - Não é assim!
Vozes: - É assim mesmo!
O Orador: - Todo o esforço legislativo deve tender à implantação da plena liberdade contratual, o que não significa que o Estado assista impávido a abusos do direito de propriedade.
Será possível essa liberdade quanto aos prédios arrendados na vigência da lei?
Se repararmos no que só passa noutros países, a resposta afirmativa impõe-se.
Mas a verdade é que a resposta para Portugal não é tão simples como à primeira vista poderia parecer.
Algumas décadas de arrendamento contínuo, quando isso convenha ao arrendatário, criaram talvez no espírito dos próprios senhorios a ideia de que não podem evitar a renovação tácita do contrato, quando ela convenha ao arrendatário.
Terá o tempo agido por forma a expropriar os senhorios, sem indemnização, dessa parcela do direito de propriedade?
Neste momento não me atrevo a responder à pergunta, limitando-me a formulá-la.
No inquilinato comercial ou industrial as dificuldades não são tão grandes como no de habitação, pois o senhorio, quando pudesse usar desse direito, teria de indemnizar o arrendatário.
Compreendesse que o senhorio da casa habitada ponha termo ao contrato quando isso tenha fundamento, como se tivesse melhor proposta para a casa ou dela necessitasse.
Todavia a rescisão por mero capricho, feita relativamente a prédios arrendados de novo, quando para os antigos arrendamentos subsiste a proibição, possivelmente será excessiva, se o senhorio não tiver de indemnizar o arrendatário, pelo menos, do que ele gastará com a mudança de prédio.
Aquando da discussão na especialidade terei de tomar posição neste ponto.
Até lá iremos pensando no assunto.
A má vontade contra as sublocações informa todos os textos que teremos de apreciar. E isso de acordo com a moção votada em 1946.
Sem enjeitar a responsabilidade que me cabe nessa matéria, tenho a certeza de que esta Assembleia não deixará, também nesse ponto, de ser justa.
Deverá conceder-se ao arrendatário de habitação o direito de preferência? Eis um ponto acerca do qual o projecto e o primeiro texto divergem.
Mas todos estamos de acordo em que o direito de preferência do arrendatário deve ser esclarecido, pois, ainda que limitado aos arrendamentos para comércio ou indústria, não tem na lei vigente regulamentação conveniente.
A proposta do Governo contém algumas hipóteses de despejo no fim do prazo do contrato, tendo-se perfilhado a sugestão do primeiro parecer da Câmara Corporativa referente ao aumento do número de arrendatários por efeito de obras de ampliação.
Mas na base XLII da proposta não há qualquer alínea em que se preveja o despejo com o fundamento de o senhorio necessitar da casa para habitação dele ou de seus ascendentes e descendentes.
Neste ponto parece que o Governo tomou posição contra o meu projecto e o parecer da Câmara Corporativa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - No parecer inicial da Câmara Corporativa, porque este último parecer da mesma Câmara já não contém disposição alguma a esse respeito.
O Orador: - É certo o que V. Ex.ª afirma e reconheço que o Governo, não fazendo inserir na sua proposta qualquer disposição, tomou posição contra o que eu propunha. Mas eu, ainda que ficasse isolado, seria obrigado a manter o que propus, pois fui ameaçado de morte por várias criaturas no caso de votarmos tão justa disposição.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Ex.ª com isso pretende fazer coacção sobre a
Câmara para ela não a votar, equivoca-se.
Risos.
O Orador: - Registo com satisfação o apoio de V. Ex.ª ao projecto.
A matéria de depósito de rendas de prédios rústicos destinados a comércio ou indústria e de alçadas será esclarecida na discussão na especialidade.
Aí apreciarei as disposições penais propostas.
Se a minha atitude, relativamente a elas, é de cepticismo e descrença, reconheço que não fazem mal tais sanções e algum bem pode vir delas, quando mais não seja pelo seu valor intimidativo.
Sr. Presidente: antes de terminar, farei algumas considerações sobre o nosso direito em matéria de locações de prédios urbanos.
A questão do inquilinato começou por ser, em Portugal, mais política que económica ou social.
O Governo Provisório, para granjear as simpatias da classe mais numerosa - os arrendatários urbanos -, no decreto de 12 de Novembro de 1910 proibiu durante um ano o aumento de rendas, quando nada justificava essa restrição ao direito dos proprietários.
É que alguém desse Governo perfilhava a afirmação de Duguit, que entendia ser o proprietário mero detentor ...
É esse o preceito mais censurável do mesmo decreto, embora a conveniência de outros possa discutir-se.
A alteração do sistema do Código Civil, que não exigia formalidades especiais para o arrendamento, parece-me condenável; não tem, porém, a gravidade daquele.
E não duvido «aplaudir o princípio do artigo 33.º, que facultou o pedido de indemnização se, por parte do arrendatário, em virtude da clientela por ele alcançada, a casa se encontrasse em circunstâncias de valer mais renda do que no tempo em que se fez o arrendamento e o senhorio o quisesse despedir.
O Sr. Dr. Pinto Loureiro,, que se tem especializado neste assunto de inquilinato, o que bem justifica que o Sr. Dr. Vaz Serra, quando Ministro da Justiça, o tivesse incumbido de elaborar um projecto de lei do inquilinato, divide em três períodos a legislação sobre a matéria:
1.º Desde, a promulgação do Código Civil até 1910;
2.º Desde esta data até 1924;
3.º Desde 1929 até ao presente. O primeiro período caracterizar-se-ia por uma acentuada protecção ao senhorio, o segundo por uma ex-
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cessiva protecção ao arrendatário e o terceiro por ligeiras atenuações da legislação protectora do inquilino.
Divirjo um pouco do douto jurista, pois o Código Civil começou por estabelecer as obrigações do senhorio, regulando o contrato de arrendamento em termos que ainda Hoje, fundamentalmente, perduram.
A simplificação do processo de despejo constante da lei de 21 de Maio de 1896 para arrendamentos de pequeno valor e por curto prazo, como o decreto, de 30 de Agosto de 1907, nada têm de censurável, pois ao legislador cumpria facilitar a declaração judicial de rescisão do arrendamento quando o arrendatário infringisse o contrato ou a lei.
O que não devia era inventar questões que na prática não surgiam.
No já citado relatório da comissão que em 1927 estudou as bases da reforma do sistema tributário culpa-se, justificadamente, a legislação do inquilinato de lançar em guerra duas grandes classes das populações e de ter desviado da construção urbana aquela soma de capitais que anualmente garantia a Habitação aos novos lares constituídos, concluindo que a mesma legislação, se favoreceu os inquilinos de então, pelas suas repercussões prejudicou todos os inquilinos futuros.
Reduziu a própria riqueza da Nação, impossibilitando os proprietários de conservarem os seus prédios e fazendo com que as grandes cidades começassem a ter aspecto sórdido, que envergonhava.
Ainda bem que o Governo provisório não legislou sobre arrendamentos rústicos, pois, de outro modo, teríamos Há muito em Portugal uma questão agrária, ou legislação do tipo espanhol, que não é invejável.
O Sr. Albano de Melo: - É por isso que temos tanto progresso na agricultura ...
O Orador: - Duvido de que os progressos fossem maiores se os senhorios não pudessem despedir os seus rendeiros.
Mas o que desejo vincar é que, em matéria de inquilinato urbano, o Estado Novo não tem feito política, no sentido baixo do termo.
A sua política tem sido a de fomentar as construções, especialmente para trabalhadores e classes menos abastadas.
E algo fez para minorar os excessos do período demagógico.
Talvez os juristas não tenham extraído dessa legislação tudo aquilo que a mesma contém. Assim, quando o artigo 29.º, alínea a), do decreto n.º 15:289 permite o aumento livre de rendas em relação aos prédios que forem sublocados ou vagarem a partir da publicação desse decreto, sem dúvida equipara uns e outros. Daí poder sustentar-se que as rendas dos prédios arrendados após esse diploma podiam ser aumentadas na renovação dos contratos, o que equivaleria a estabelecer para eles a liberdade contratual indirecta.
No entanto, esse entendimento não fez carreira.
Sr. Presidente: a V. Ex.ª e à Assembleia agradeço a deferência com que ouviram a longa exposição a que tenho de pôr cobro, e já não o faço sem tempo.
Não quero, porém, deixar de dizer que nem por um instante me arrependi de haver apresentado o projecto que foi a causa inicial desta discussão.
É muito possível que mesmo sem esse projecto o Governo não deixasse de elaborar uma proposta de lei sobre o assunto.
Mas a injustiça do estado dó coisas vigente impunha, a meu ver, mais do que simples noções, um projecto que servisse, ao menos, para provocar outro melhor.
Pode dizer-se, sem exagero, que todo o País se interessou pela questão, que a viveu e vive, porque é o lar de uns que está em causa, o pecúlio de outros que se joga, interesses que, sendo fundamentalmente materiais, não deixam de ser morais.
Foi-me dirigida muita correspondência sobre o assunto, mas, em regra, só me chegava às mãos a que era escrita em termos correctos; a insultuosa e indelicada raramente por mim era lida.
Minha família também foi ameaçada.
Não acredito em ameaças, e por isso nem sequer posso passar por herói.
Mas, ainda quando nelas acreditasse, as mesmas não me afastariam do cumprimento do meu dever.
Não vale a pena viver uma vida que não seja limpa sem medo e sem mácula.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Proença Duarte.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
João Ameal.
Joaquim Mendes do Amaral.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
António Carlos Borges.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernão Couceiro da Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Herculano Amorim Ferreira..
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
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14 DE ABRIL DE 1948 451
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Decreto da Assembleia Nacional sobre feriados e dia do descanso semanal
Artigo 1.º É restabelecido o feriado nacional do dia 8 de Dezembro.
Art. 2.º O domingo é o dia do descanso semanal em todo o País.
E da exclusiva competência do Governo autorizar as excepções que não resultarem directamente da lei.
Art. 3.º O Governo fará a revisão dos feriados nacionais, procurando o seu possível ajustamento aos dias santos que a Igreja Católica julgue não dever dispensar e às grandes datas da história nacional.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 13 de Abril de 1948.
Mário de Figueiredo.
António de Sousa Madeira Pinto.
José Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
João Luís Augusto das Neves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA