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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148
ANO DE 1948 24 DE ABRIL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 148 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 23 DE ABRIL
Presidente: Ex.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMARIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com rectificações os n.ºs 146 e 147 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho vários decretos-leis para a hipótese de ser pedida a sua ratificação.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães requereu para ser submetido à ratificação o decreto-lei n.º 36:840.
O Sr. Deputado Teotónio Pires agradeceu ao Governo a publicação dos decretos-leis n.ºs 36:839 e 36:842.
O Sr. Deputado Froilano de Melo referiu-se ao Congresso Internacional da Lepra, em Havana.
Ordem do dia. - Encerrou-se o debate, na generalidade, sobre o projecto de lei do inquilinato e sobre a proposta de lei relativa a questões conexas com o problema da habitação, depois de ter usado da palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 23 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira,
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardas Pereira
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
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João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Finto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luis Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.ºs 146 e 147 do Diário das Sessões.
O Sr. Ricardo Spratley:-Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 147: onde, a p. 509, col. 2.a, 1. 40.ª, se lê: «transmissões de móveis», deve ler-se: «transmissões de imóveis».
O Sr. Ribeiro Cazaes: -Sr. Presidente: desejo igualmente fazer uma correcção ao Diário n.º 147. A p. 508, col. 2.a, 1. 5.a, onde se lê: «para assuntos iguais ou semelhantes », deve ler-se: «pormenor possa ser analisado devidamente».
O Sr. Cunha Gonçalves: -Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 147, onde, a p. 512, col. 2.a, 1. 54.ª e 55.a, se lê: «numa espécie de leito de Procusta», deve ler-se: «numa espécie de leito de Procustes».
Também a p. 514, col. l.a, 1. 33.a, onde se lê: «direito em propriedade», deve ler-se: «direito em profundidade»; e na mesma p. 514, col. l.a, 1. 66.a, onde se lê: «lei n.º 1:624», deve ler-se: «lei n.º 1:611».
O Sr. Mira Galvão: -Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 146, a p. 486, col. 2.a, 1. 8.a, onde se diz: «por esta via, rápida e económica», deve dizer-se: «pelo caminho de ferro facilmente».
O Sr. Sá Alves: - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 147, a p. 515, col. 2.a, na proposta de aditamento que tive a honra de apresentar, deve ser substituída a palavra «obrigando» por «alargando».
O Sr. Presidente:-Visto que mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre os referidos números do Diário das Sessões, considero-os aprovados, com as alterações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Das comissões da União Nacional e do Grémio do Comércio do Distrito de Angra do Heroísmo, manifestando o seu regozijo pela criação da escola do magistério primário naquela ilha.
Da Junta da Província da Beira Alta, pedindo que seja incluída na nova lei do inquilinato, e a favor dos corpos administrativos, a doutrina do decreto n.º 23:465, de 18 de Janeiro de 1934.
Representações
Da Companhia da Ilha de S. Tomé, Mendes Lopes, Limitada, Pereira Duarte, Limitada, e Elias Lopes Rodrigues, pedindo a alteração do diploma legislativo n.º 276 da colónia de S. Tomé e Príncipe, que aboliu o direito de fabrico e venda de álcool, aguardente e quaisquer outras bebidas alcoólicas.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência a requerimento do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Enviados pela Presidência do Conselho, e para fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.ºs 26, 76, 81, 84, 85 e 86 do Diário do Governo, respectivamente de 2 de Fevereiro e 2, 8,12,13 e 14 de Abril, contendo os decretos-leis n.ºs 36:741,36:742, 36:816, 36:823, 36:826, 36:827, 36:828, 36:830 e 36:832.
O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: afinal sempre foi publicado no Diário do Governo o decreto-lei a que eu aludira na sessão de 17 do corrente.
Foi-o no Diário do Governo n.º 90, l.ª série, de 19 do corrente, é assinado por todo o Governo e fecha com a nota: «Para ser presente à Assembleia Nacional».
O seu texto coincide com o publicado na imprensa na véspera da minha citada intervenção na Assembleia Nacional.
Como então afirmara, entre outras determinações, nele figura a de que a carta de condução de veículos automóveis poderá ser apreendida por períodos que, segundo os casos, variam de três meses a cinco anos.
Tão grave sanção é da competência do director geral dos serviços de viação, com a faculdade de recurso, no prazo de dez dias, para o Ministro das Comunicações.
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Quer dizer: um condutor de automóveis pode ser privado do seu ganha-pão, e que o é também da respectiva família, e a colectividade terá de dispensar os seus serviços por períodos até cinco anos, porque um polícia entendeu, em seu critério, classificar determinada manobra ou atitude como transgressão dos preceitos de trânsito; por sua vez, o director geral dos serviços de viação julgou dever concordar com o critério policial e homologar a sua decisão, e, finalmente, o Ministro das Comunicações se decidiu a lançar no processo o seu último e irrevogável «concordo», que pode condenar um condutor e sua família à tragédia da privação do seu ganha-pão até cinco anos.
Evidentemente que não se trata de pôr em dúvida o espírito de justiça do guarda, nem tão-pouco o do director geral ou o do Ministro das Comunicações, cujas qualidades, na presente ocasião, são dignas do maior apreço.
É que em casos de tanta gravidade importa cercar o veredicto de todas as garantias da indispensável equidade, devendo-se para tanto substituir ao critério isolado de qualquer pessoa, por muito respeitáveis que sejam os seus merecimentos, o de um júri que os aprecie por todas as facetas e analise as respectivas consequências.
No Código da Estrada de Maio de 1930, que eu tive a honra de subscrever juntamente com os restantes Ministros de então, fora estabelecido o princípio de poder ser cassada a carta de condutor em casos de manifesta gravidade, sendo essa pesada pena umas vezes consequência de condenação pelos tribunais, mas noutras admitia-se a competência do Conselho Superior de Viação, o qual, nos termos da alínea c) do artigo 152.º do referido Código da Estrada, para que as suas resoluções pudessem ser efectivadas, deveria avisar o transgressor, e somente no caso de após tal advertência, se verificar reincidência na prática dos actos apontados é que a carta de condutor poderia ser apreendida.
De tais resoluções havia a faculdade de recurso para o Ministro, mas o processo chegaria a esta instância acompanhado de elucidativo relatório, elaborado por um júri constituído pelas maiores competências.
Sr. Presidente: para esclarecimento de V. Ex.ª e dos ilustres Deputados, eu direi que o antigo Conselho Superior de Viação, que, muito lamentavelmente, foi suprimido, sem que ao organismo que lhe sucedeu - o Conselho Superior dos Transportes Terrestres - caibam funções equivalentes, era assim constituído:
Presidente: o da Junta Autónoma de Estradas.
Vogais:
Engenheiro director da construção de estradas;
Um delegado do comércio e indústria ligados ao automobilismo, eleito pelas respectivas associações ;
O comandante da polícia de Lisboa;
Um delegado da Intendência Geral da Segurança Pública;
O vogal do pelouro do trânsito da Câmara Municipal de Lisboa;
Um jurisconsulto;
Um delegado do Automóvel Clube de Portugal;
Um delegado da Inspecção das Tropas de Comunicação ;
Delegados de cada uma das comissões técnicas de automobilismo do Norte, Centro e Sul.
E ainda os técnicos que, sob proposta do presidente, fossem nomeados pelo Ministro como agregados do Conselho.
Sr. Presidente: eu confiei e continuo a confiar mais na acção educativa do que na repressiva e, sobretudo, discordo de violências escusadas.
Quando, em 1931, sob proposta minha, foi criada a polícia de trânsito, no respectivo regulamento escrevi que aquele serviço especial de policiamento deveria impor-se pela sua compostura, forma recta de proceder, não vexar os transeuntes com palavras injustas ou acções bruscas, cumprindo-lhe proceder com a prudência necessária, ser atencioso quando lhe solicitem esclarecimentos e outras instruções, todas tendentes a marcar a orientação de que se contava mais com a sua acção reguladora do trânsito e educadora dos transeuntes do que da aplicação sistemática de multas, levantamento de autos e outros procedimentos que, provocando reacções e protestos, são por vezes contraproducentes.
Eu mantenho-me na opinião, já repetidas vezes aqui expendida por mim, de que os guardas, em lugar de permanecerem, quase sempre ineficazmente, nos quiosques que semearam por essas estradas fora, à custa de verbas muito avultadas, deveriam policiar e orientar pacientemente o trânsito, sobretudo nos locais e ocasiões Onde os abusos são mais frequentes.
No preâmbulo do aludido decreto-lei n.º 36:840 refere-se terem sido dadas instruções às brigadas para o exame da segurança dos veículos, policiamento da sinalização luminosa e outros fins tendentes a evitar desastres, a que a imprensa com frequência se refere e censura.
Repito: é aconselhando e educando que mais e melhores frutos se colhem.
Sr. Presidente: cheguei do Norte esta noite. E logo na manhã de hoje tive a satisfação de ler na imprensa a notícia da assembleia geral do Automóvel Clube de Portugal ontem realizada, e no respectivo relato, e coerentemente com a honrosa e utilíssima tradição daquele tão prestante organismo, a nota oportuníssima de que, por sugestão de um ilustre sócio, fora resolvido que a direcção daquele Clube, seguindo o critério mais aconselhado em tão aborrecida emergência, promovesse uma campanha de propaganda da indispensável educação dos condutores de automóveis, para se evitarem, tanto quanto possível, os acidentes, que todos, sem excepção -os condutores de uma maneira geral, o Governo é nós os Deputados-, estamos empenhadíssimos em evitar, para defesa dos que circulam nas estradas.
De harmonia com as considerações que VV. Ex.ªs fizeram o favor de ouvir e cumprindo o prometido na sessão de 17 do corrente, tenho a honra de enviar para a Mesa, assinado por mim e pelos ilustres Deputados Srs. Nunes Mexia, Cincinato da Costa, Braga da Cruz, Mira Galvão, Cerveira Pinto e Albano de Magalhães, o requerimento seguinte:
Nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política da República Portuguesa, requeremos que o decreto-lei n.º 36:840, de 19 do corrente, seja submetido à apreciação da Assembleia Nacional.
O Sr. Presidente:-Lembro ao Sr. Deputado Antunes Guimarães que o decreto de que requer a apreciação, embora traga a nota «Para ser presente à Assembleia Nacional», como foi publicado durante a interrupção do funcionamento efectivo da Assembleia, não pode ser submetido à ratificação desta.
O Orador:-Efectivamente não me tinha ocorrido essa circunstância e agradeço muito o esclarecimento que V. Ex.ª acaba de fazer.
Contudo, vê-se que o Governo, que ignorava esta recente interrupção, estava no propósito louvável de submeter esse decreto à Assembleia Nacional.
Em face da determinação do estatuto constitucional, que não permite a apreciação que eu e vários ilustres Deputados acabamos de requerer, se o Governo não quiser converter aquele decreto em proposta de lei ou
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promover nova publicação no Diário do Governo, para então se tornar legal o referido requerimento, que ao menos não deixe de ordenar as providências indispensáveis para garantia iniludível da numerosíssima classe dos condutores de automóveis.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Teotónio Pires: - Sr. Presidente: profundamente reconhecido, eu desejo manifestar aqui mais uma vez a gratidão dos povos do distrito de Angra do Heroísmo pelos benefícios recebidos do Governo da Nação.
Acabam de ser publicados os decretos-leis n.ºs 36:839 e 36:842, criando uma escola do magistério primário e um arquivo distrital na cidade de Angra do Heroísmo.
Quando na sessão passada pedi nesta Assembleia a criação dessa escola, eu tinha a antecipada certeza de que seria atendido, uma vez que o Governo se convencesse da justiça do nosso pedido.
Efectivamente assim sucedeu, e o decreto-lei citado vem satisfazer essa velha aspiração, essa premente necessidade da minha terra.
Quanto ao arquivo distrital, ele constitui para nós a possibilidade legal, o instrumento eficiente para se poder reunir, acautelar e defender um rico património documental disperso e em risco de se perder.
Têm agora os estudiosos, os pacientes e beneméritos evocadores das coisas dos tempos idos o ensejo de colaborar na grande obra da construção de uma boa parte da nossa história insular, tão cheia de sacrifícios e de grandezas a bem da comum Pátria Portuguesa.
Ao Governo, e muito especialmente ao Sr. Ministro da Educação Nacional, Prof. Doutor Pires de Lima, jubilosamente apresento sinceros agradecimentos por mais este altíssimo serviço a bem do distrito de Angra do Heroísmo e a bem da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Frollano de Melo: - Sr. Presidente: acabo de regressar de Havana, onde me coube a honra de juntamente com o jovem e inteligente director do Hospital-Colónia Rovisco Pais, o Dr. Santos Silva, representar o nosso País no V Congresso Internacional de Lepra, ali reunido.
É a primeira vez que a voz de Portugal se faz ouvir num congresso internacional de lepra. E assim terminou para sempre o anátema, que sobre o nosso País pesava, de que em Portugal o problema da lepra estava totalmente descurado. Todo o escol de leprólogos ali reunido teve ocasião de aplaudir a esplêndida, humanitária e moderníssima organização antileprosa que está hoje entre nós vigorando e que lhes foi exposta, já nas imagens do Hospital-Colónia que passaram no écran, já nos articulados da lei portuguesa da luta contra a lepra, que, tenho o orgulho de afirmar, respondem cabalmente aos votos e resoluções formulados na sessão final desse memorável Congresso.
É um dever de consciência sublinhar esse aplauso internacional para a satisfação dos que conceberam e projectaram essa obra magnífica. E não estarei longe da verdade se mais uma vez, deste lugar, apontar para o reconhecimento da Nação o nome do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, a quem na sala das sessões do Congresso entendi dever prestar homenagem ao apresentar uma das minhas memórias ao Congresso, porque, com uma competência e poder de apreensão, que sinceramente admiro, trabalhou para que nas futuras edições do monumental Tratado de Lepra do Prof. Jeanselme devam ser riscadas essas palavras que envolviam para nós um conceito penoso e deprimente: «la lèpre est menaçante au Portugal et aucune disposition n`a été prise contre elle».
Sr. Presidente: os problemas de ordem técnica que se prendem com a nossa organização antileprosa e a maneira de a tornar mais eficiente na sua realização
prática, por forma a corresponder ao espírito da nossa lei e aos votos do Congresso, expô-los-ei brevemente em tablado mais restrito, que a gentileza do Instituto Central de Higiene acaba de pôr à minha disposição.
Perante esta digna Assembleia desejo apenas salientar a projecção política que nos meios internacionais se repercutiu pela comparticipação de Portugal no Congresso Internacional de Lepra.
É a primeira vez -se não estou em erro- que a língua portuguesa é reconhecida como língua oficial em um congresso internacional reunido no estrangeiro! Foi certamente, e em grande parte, homenagem, bem merecida, aos nossos colegas brasileiros, que ocupam incontestavelmente um lugar de primeira plana em questões de leprologia.
Mas foi dado a Portugal um papel de excepcional relevo: na recepção oficial que no monumental palácio presidencial iniciou a série das cerimónias que constituíram o Congresso de Havana foi este vosso camarada quem foi incumbido de em nome do Congresso responder ao discurso de S. Ex.ª o Presidente da República. E foi em nome de Portugal que em língua de Camões saudei a terra de Cuba, em que, mais que o deslumbramento da sua opulência tropical, nos assombra a espantosa fecundidade do esforço criador dos seus filhos, tão dignos e tão ciosos de liberdade e que em menos de meio século de independência souberam conquistar para o seu país um lugar tão alto no concerto das nações.
E, pois que foi a minha posição de congressista doublé de parlamentar que me concedeu esta honra do lugar que ocupo nesta Casa, é-me grato testemunhar o meu reconhecimento ao Governo e ao povo de Cuba por todas as gentilezas de que nos cercaram: aos seus cientistas, para quem Carlos Finlay abriu as portas do Olimpo avocando para Cuba as bênçãos da Humanidade assolada pela peste amarela; a toda essa plêiade galante dos seus poetas que o Parnaso por excelência da Cultura Latina, a Academia Francesa, houve por bem honrar na personalidade de José Maria de Herédia ;- aos seus artistas, músicos e pintores, que fizeram de Cuba a terra de encanto em que se conjugam a magnificência da tecnicidade norte-americana e a flama artística da sua ancestralidade latina; e, finalmente, saudar os infantes daquela terra feliz, que, educados na disciplina da Escola Nova, largamente difundida pelas suas escolas modelares, são os continuadores do pensamento emancipador de Maceo e de José Marti.
Por toda a parte clínicas, preventórios, hospitais, campos de desporto, praias, bibliotecas, em que a limpeza, o conforto e a arte se conjugam no mais acabado grau de modernidade. No luxo da sua vida urbana, no progresso e conforto da sua vida rural, na amplitude da sua instrução, espalhada pelos mais obscuros recantos da ilha, é sempre a mesma preocupação da dignificação do homem acima de quaisquer preconceitos que possam ensombrar a nobreza, a igualdade e a universalidade do género humano.
No mundo revolto dos nossos dias, Cuba, reunindo no seu seio um congresso internacional destinado a aliviar o sofrimento e a dor, que não conhecem fronteiras, dá-nos o magnífico testemunho de que é somente procurando aproximar os corações num tablado comum de entendimento, de cooperação e de amor que poderemos fazer face aos antagonismos que dividem os povos em tormentas de desarmonias e de ódios que ameaçam destruir o género humano.
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Sinto-me feliz porque Portugal tivesse tomado parte em tão notável congresso de natureza internacional. A nossa comparticipação veio mais uma vez testemunhar ao Mundo o ideal de fraternidade que caracteriza a política portuguesa: fraternidade cristã, em que não devemos considerar o próximo apenas como uma imagem similar à nossa figura terrena, mas como um reflexo de Deus que buscou guarida em nossos corações.
Surge et ambula! O lázaro é a imagem por excelência do sofrimento humano e o sofrimento é a antecâmara da redenção!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, o projecto da lei sobre o inquilinato, da autoria do Sr. Deputado Sá Carneiro, e a proposta de lei relativa às questões conexas com o problema da habitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: o ponto de partida para o debate que está a decorrer nesta Assembleia foi o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro a respeito do inquilinato.
Homem do foro, o Sr. Dr. Sá Carneiro estava em contacto constante com hipóteses da vida real que punham em confronto as soluções jurídicas estabelecidas na lei para as resolver. E como, dada a sua posição profissional, o que defendia eram os interesses de outros, não corria perigo ao julgar erigir em principio de justiça o próprio interesse, que é a inclinação de todos ou quase todos os que têm interesses a defender.
Podia, portanto, marcar onde estavam, em toda a massa da legislação sobre o inquilinato, os pontos de crise ou de injustiça nítidos.
E, porque podia marcar quais eram esses pontos, teve a coragem de trazer à Assembleia um projecto que exprimia sobre esses pontos aquilo que lhe parecia ser a realização da justiça, sabendo muito bem que ia agitar uma grave questão em todo o País, designadamente nos grandes centros.
Presto-lhe, por isso, a minha homenagem.
Sobre o projecto incidiu o primeiro parecer da Câmara Corporativa, parecer exaustivo, parecer que não pode deixar de apelidar-se - não poderia deixar de apelidar-se-, em quaisquer condições em que fosse realizado, como um trabalho notável, quanto mais sabendo-se que teve de ser realizado no curto espaço de um mês, parecer notável, em que os problemas são analisados com serenidade, com objectividade, com a ânsia de quem procura uma solução que elimine ao mesmo tempo as injustiças da legislação existente e contribua para ajudar a resolver o problema da habitação.
Adiante indicarei esquematicamente as soluções desse parecer.
Desde já posso, porém, afirmar que a ideia mestra que o animou foi a de encontrar-se uma solução razoável e que pudesse ser de aplicação permanente.
Depois do parecer, a proposta do Governo. Mais larga do que o projecto, mais vasta do que o parecer da Câmara Corporativa que incidiu sobre o projecto; mais larga e mais vasta, porque trata de matérias diferentes do inquilinato.
Pensou o Governo estabelecer um conjunto de disposições, ou se referissem ao inquilinato ou a outras matérias, no intuito de ver se conseguia estabelecer pressupostos que mais facilmente conduzissem à solução do problema da habitação em Portugal.
E, assim, tratou das expropriações, do direito de superfície, das sociedades anónimas de construção e, por fim, também do inquilinato; mas, neste aspecto, é a proposta do Governo mais restrita do que o projecto Sá Carneiro e o parecer respectivo da Câmara Corporativa.
Sobre a proposta, o novo parecer da Câmara Corporativa. Excelente, fornecendo a esta Assembleia, com uma simplicidade que é transparente, os elementos necessários quanto ao direito existente, para que a mesma Assembleia pudesse tomar uma posição quanto ao direito a criar.
Discutiu este segundo parecer da Câmara Corporativa também problemas do inquilinato. Posso dizer: tudo o que escreveu é aproveitável, muito embora tenha a opinião de que escusava perfeitamente de tornar a pôr problemas que já tinham sido postos e discutidos no parecer anterior, mesmo para não dar a impressão -que não desonra ninguém individualmente, nem desonra as instituições - de que no espaço de um ano teve sobre a mesma matéria duas opiniões.
O Sr. Botelho Moniz:-Foi aquilo a que eu chamei dois pareceres pouco parecidos...
O Orador: - Num, trata-se de coisas que se não tratam no outro e ainda de coisas que já tinham sido tratadas no outro.
Fiz este pouco de história para mostrar o que, de resto, já é do conhecimento de VV. Ex.ªs, para mostrar que o problema é muito delicado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Era preciso caminhar nele com extremos de cautela; isso mesmo mostram os quatro passos do movimento da questão que acabo de pôr diante dos olhos de VV. Ex.ªs
O problema é delicado. Tão delicado, sobretudo o do inquilinato, que poderia pensar-se que, realmente, o Governo iria alhear-se dele, precisamente em consequência das repercussões políticas que as soluções a que se fosse conduzido poderiam trazer. Mas o Governo, corajosamente, entendeu que, apesar de a questão estar posta, não podia deixar de marcar também o sentido de solução que lhe parecia mais adequado, através de diploma dele emanado, sem ter a segurança de que fosse o melhor e deixando à Assembleia o encargo de continuar a estudar esse diploma e de encontrar as soluções que julgasse mais convenientes, sem nenhuma forma de coacção, nem mesmo a coacção que resulta de o Governo ter apresentado a sua proposta.
E porque o problema era muito delicado e porque era preciso fazer sobre ele um estudo aturado, no qual colaborasse o maior número de pessoas possível, a Assembleia constituiu uma comissão eventual, que precisamente se dedicou ao estudo dos diplomas que já estavam postos à sua consideração e, portanto, à consideração pública; e ainda pôde recolher elementos complementares que serviam para ilustrar o problema e ajudar as soluções buscadas.
Deve dizer-se que a comissão eventual teve um colaborador admirável e solícito no Ministério das Finanças, que não se poupou a trabalhos para satisfazer, na medida em que isso lhe era possível, todos os seus desejos, para lhe fornecer todos os elementos de que ela julgava carecer. E, assim, sobre todos os elementos que estão para trás, a comissão trabalhou sobre estes elementos e mais os que colheu aqui e além.
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O Ministério das Finanças merece os agradecimentos da comissão e desta Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ponhamos agora a primeira questão que pode pôr-se num debate na generalidade. È oportuno o projecto? É oportuna a proposta?
Distingamos na proposta o que respeita a matéria diferente do inquilinato e aquilo que respeita a matéria propriamente de inquilinato.
Quanto à parte da proposta que respeita a matéria diferente do inquilinato -essencialmente as expropriações -, o problema da oportunidade nem se põe.
E não se põe não é porque esta questão das expropriações não tenha o maior interesse político (Apoiados) e não tenha a maior projecção, mesmo para aquilatar, através das soluções respectivas, do valor dos princípios que dominam a nossa orgânica constitucional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Realmente o problema da oportunidade não se tem posto, apesar da importância que tem; todos acolheram a proposta nesta matéria como correspondendo a uma aspiração geral que não era discutida por ninguém.
Porque sucedeu assim, tendo ele na verdade a maior importância política, sendo, na verdade, a matéria um padrão para se aquilatar da eficiência com que são executados certos dos nossos princípios constitucionais?
É que nós tínhamos em certo aspecto (não era em geral) uma legislação sobre expropriações que eu, pedindo desculpa para o palavrão, apelidarei de transpersonalista.
Risos.
Estabelecia soluções que podiam interpretar-se como significando que a obra vale mais do que o Homem, quer dizer, podiam traduzir-se numa espécie de esmagamento do Homem pela obra. Daqui a cem anos os homens terão desaparecido, as lágrimas que se choraram ter-se-ão perdido no pó da terra, mas a obra, essa permanecerá, lembrando o que fez em recordar o que se sofreu!
Por isso lhe chamei uma solução transpersonalista.
Ê claro que tal solução foi motivo de muitas críticas, e há, naturalmente, numa organização cristã, como a nossa, anseios de a ver transmudada numa solução personalista, em que também é importante a obra, mas por causa do Homem.
Vozes:-Muito bem!
O Orador: - Tal é a orientação da proposta.
Compreende-se que, mesmo para quem não põe estas questões, só o cheiro do sentido das soluções estabelecidas constituísse um forte motivo de bom acolhimento para a proposta. Acresce que, nesta matéria de expropriações, quem paga é o Estado ou as instituições públicas, ou as empresas encarregadas de realizar obras de interesse público, e o nosso povo olha com muito favor a ideia de que, quando é o Estado que paga, não é ele que paga... E acha bem, mesmo que se pague muito.
Não se discute, pois não vale a pena demorarmo-nos a discutir a oportunidade da proposta quanto à parte ou partes que não visam propriamente a matéria de inquilinato.
Quanto ao inquilinato, o problema da oportunidade tem sido posto, e é curioso que tem sido posto não obstante senhorios e inquilinos estarem convencidos da injustiça das soluções actuais.
É claro que de entre os inquilinos muitos afirmam que não podem pagar mais, e eu acredito, mas este é o facto: não é um juízo de valor, não é a expressão de um sentido de justiça - é um simples facto.
Pareceria então que, se realmente todos estão de acordo em que o regime actual é injusto, ao procurar-se corrigi-lo de modo a encontrar soluções justas não poderia pôr-se também o problema da oportunidade.
Poderia pôr-se o problema da oportunidade de uma ou outra solução concreta, mas a oportunidade de se discutir uma questão que todos reconhecem ser preciso pôr-
-se, porque as soluções actuais são injustas parece não oferecer dúvidas.
Porque é então que algumas pessoas a puseram?
No estado actual do problema do inquilinato -e as considerações que vou fazer suponho que responderão à questão que acabo de pôr- é impossível realizar a justiça com igualdade. Isto é o mesmo que dizer que é impossível realizar um certo ideal de justiça.
Uma imagem talvez me ajude a esclarecer completamento o meu pensamento. Vou buscá-la aos planos de urbanização.
Nós conhecemos, até por experiência, o sentido de realização desses planos por alguns urbanistas. Há nessa matéria uma solução radical, que é esta: trata-se de um plano de urbanização num local já urbanizado? Deita-se tudo abaixo e faz-se de novo! Só assim se consegue atingir o ideal que um bom arquitecto urbanista tem diante dos olhos para sé deliciar. É uma solução radical. Mas é possível outra solução: é conservar ou ajeitar o que está e criar-lhe o quadro que, sem cuidar de pormenores, dará ao conjunto a linha arquitectónica, que, por si, enche de beleza até o que, olhado fora do conjunto, é pobre e feio. Esta é uma solução que poderá chamar-se tradicionalista e a mim me parece uma boa solução.
Tem até a vantagem de evitar essa horrível linha recta que tanto magoa a nossa sensibilidade como a linha curva a abranda...
Ora eu trouxe esta imagem para a aplicar à questão que se está a discutir. O problema pode por-se da mesma maneira no inquilinato. Solução radical: deitemos tudo abaixo; acabe-se com a propriedade privada!... Como o arquitecto a quem o existente não satisfaz, no plano urbanístico, os seus ideais estéticos e, portanto, quer arrasar tudo para fazer de novo.
Eu compreendo que haja quem, tomando contacto com este problema do inquilinato e vendo as desigualdades monstruosas que existem e que o tempo tem consagrado, ponha assim o problema: está tudo errado; o melhor é deitar tudo abaixo e fazer de novo.
Mas deitar tudo abaixo, na hipótese, é acabar com a propriedade privada.
Há também a outra posição: vamos a ver se conservamos com pequenas mutações o existente, conseguindo uma solução que nos vá aproximando da justiça.
Será, correspondentemente à do urbanista tradicionalista, a solução do político e do sociólogo em face deste problema.
Ora bem: foi, então, a ambição do projecto e da proposta e dos pareceres da Câmara Corporativa e da comissão eventual, e será a desta Assembleia, criar um quadro para o estado existente sobre o inquilinato que, realizando a justiça possível, seja um primeiro momento - apenas um primeiro momento - na realização dessa justiça. Mas, em face do quadro que conserva fundamentalmente o existente e apenas procura aproximar-se da justiça, todos se queixam.
Queixa-se o senhorio, porque não se lhe respeita completamento o seu direito de propriedade; queixa-se o inquilino, porque, em todo o caso, se toca na estabilidade da sua situação.
Queixa-se o senhorio e queixa-se o inquilino, porque, realmente, não se consegue realizar a igualdade.
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O senhorio diz assim: se por esta parte de casa, do lado direito, me pagam 3 contos e pela parte de casa igual, do lado esquerdo, me pagam 1 conto, porque é que este não há-de render-me o mesmo que me rende aquele ?
É claro que o raciocínio do inquilino é às avessas, e ele dirá então: se aquele paga 1 conto, porque é que eu hei-de pagar 3? E ainda vai, ou pode ir, mais longe nesta pergunta, dizendo: se o senhorio é rico e eu sou pobre, porque é que eu hei-de pagar-lhe uma renda que para mim é incomportável e cuja falta não alteraria fundamentalmente as condições de vida do senhorio?
Mas o senhorio dirá: porque é que eu, que sou pobre e o inquilino rico, hei-de suportar esta renda de miséria, que não corresponde ao valor locativo da habitação, quando o meu inquilino pode pagar mais, pode pagar aquilo que é justo e razoável, porque isso não lhe faria diferença nenhuma?
VV. Ex.ªs compreendem que perguntas neste género, exprimindo desigualdades vivas, transparentes, podem multiplicar-se. Mas estas perguntas que se fazem em face da nova organização jurídica, e que se têm exteriorizado perante o público, são perguntas que já se podem fazer hoje com a organização jurídica existente; tal qual as mesmas, sem tirar nem pôr.
Agora estou em condições de responder à pergunta que fiz há pouco: se isto é assim, se as desigualdades existem e se o que se procura é realizar uma primeira aproximação da justiça, porque há quem discuta a oportunidade da proposta de lei sobre inquilinato ?
Eu confesso que só explico o facto através de uma consideração que é muito verdadeira. As injustiças existem, mas a lei da inércia traz como consequência o seguinte: é que quando um certo problema constitui uma massa de injustiças, mas está quedo, já nos habituámos a não lhe mexer, e a coisa segue. Se se põe uma nova hipótese de solução, começa então a verificar-se que logo desatam a discutir-se os princípios que a dominam, embora não divirjam essencialmente dos que já estavam postos; logo começa a perguntar-se: então mexeram no problema e não fizeram isto, aquilo e aqueloutro? Está aqui, segundo creio, a justificação dos que ainda discutem a oportunidade dos diplomas sobre o inquilinato. Mas a esses pode responder-se: mas então, se o projecto é inoportuno hoje, será eternamente inoportuno.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Agravado!
O Orador: - Não é preciso afirmar isso para se demonstrar o que pretendia.
Mas porque é então que se não há-de tocar já no problema de espírito lavado, isento de pressões e humilde em frente das dificuldades?
O Sr. Rui de Andrade: - Se não se resolve, agrava-se. Essa é que é a razão da oportunidade. Não se constrói, agrava-se.
O Orador: - Arrumada assim a primeira questão que pode constituir objecto de um debate na generalidade - a questão da oportunidade-, consideremos agora a segunda, que também pode constituir objecto de debate na generalidade: a economia do projecto ou da proposta.
Também neste aspecto só me referirei ao inquilinato.
Pôr uma questão de economia de um projecto ou proposta de lei é pôr a questão do sistema desse projecto ou proposta de lei.
Como a questão central, a questão de crise, é a da renda, eu considerarei o problema só relativamente à renda.
Se economia quer dizer sistema, julgo conveniente, para elucidação do problema, enunciar, pôr diante dos olhos de VV. Ex.ªs os vários sistemas que têm sido apresentados e de que a Assembleia tem conhecimento, as várias soluções que têm sido apresentadas a respeito da questão da renda.
Classificá-las-ei assim: solução do projecto; soluções da Câmara Corporativa; solução da proposta; outras soluções, porque outras têm aparecido.
Vamos então à solução do projecto, que, como as outras, porei esquematicamente.
Primeiro ponto: a renda deve actualizar-se até ao rendimento ilíquido inscrito na matriz. Portanto, se a renda é igual ou superior ao rendimento ilíquido inscrito na matriz, não se põe, neste primeiro momento, o problema da actualização das rendas.
Pode, porém, acontecer que o rendimento inscrito na matriz esteja desactualizado, ou pelo tempo que por ela passou ou porque esteve sempre desactualizado.
Posso desde já informar VV. Ex.ªs de que, em matéria de propriedade urbana no conjunto do País, se exceptuarmos casos isolados, o rendimento inscrito na matriz, quando foi inscrito em consequência de avaliação, ficou muito abaixo do que devia ser. E até tanto mais baixo quanto mais importante fosse o proprietário.. Não tenho a intenção, de magoar ninguém, nem de acusar serviços públicos. É a triste condição da natureza humana...
O rendimento inscrito na matriz corresponde a um valor do prédio muito inferior ao valor real. Por isto, o projecto admite, para corrigir a matriz, a avaliação requerida pelo senhorio. E a renda actualizar-se-ia até ao resultado a que fosse conduzido através dessa avaliação.
Até aqui estava no projecto a caminhar-se, digamos, no terreno do senhorio; agora consideremo-lo no terreno do inquilino.
Pode acontecer que as condições do inquilino sejam tais que lhe não permitam pagar a renda a que ficará obrigado em consequência da aplicação dos princípios a que acabo de referir-me.
Estabelece-se então no projecto o principio de que o inquilino só será obrigado a pagar se puder, mas considerou-se o problema de que, tendo o senhorio o direito de receber e não sendo o inquilino obrigado a pagar se não pudesse, a solução nem económica nem juridicamente era defensável se o senhorio não recebesse o que lhe era devido e o inquilino o não pagasse.
É preciso, por circunstâncias e considerações de ordem extraeconómica, que o inquilino não pague porque não pode, mas, por motivos económicos e de justiça, é indispensável que o senhorio não deixe de receber.
Criava-se, por isso, um fundo para preencher a diferença entre aquilo que o inquilino pode pagar e aquilo a que o senhorio teria direito. Resolvia-se o problema - se se resolvia- quanto ao senhorio. Quanto ao inquilino, transferia-se o encargo que lhe cabia..
Mantém-se no projecto o princípio, que é permanente da nossa legislação, da liberdade de fixação das rendas. A renovação do contrato é automática por força de lei, e, assim, aquele principio só funciona para os arrendamentos novos.
Eis uma primeira solução: rendimento ilíquido da matriz, como limite do aumento de renda, e possibilidade de avaliação requerida pelo senhorio para corrigir esse rendimento. O senhorio tem direito, como é natural, mas direito que certamente ficaria no espaço, por insuficiência do fundo, a receber a renda; isenção do inquilino de pagar o aumento se não puder e transferência da obrigação respectiva para um fundo e possibilidade de avaliação, requerida pelo senhorio, para corrigir a matriz. Tais são as linhas gerais do projecto Sá Carneiro.
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Peço muita desculpa a VV. Ex.ªs, o assunto é muito árido, mas é indispensável expô-lo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Solução do primeiro parecer da Câmara Corporativa: para os arrendamentos anteriores a 1943 adopta-se um primeiro passo de actualização completamento independente do rendimento ilíquido inscrito na matriz.
Esse passo é, para todos os arrendamentos anteriores a 1943, um aumento de 20 por cento nas rendas, independente de qualquer consideração relativa ao rendimento inscrito na matriz.
Depois volto ao sistema Sá Carneiro. Além do referido, admito um aumento igual ao afastamento entre a renda que actualmente se paga e o rendimento ilíquido inscrito na matriz.
O sistema é o mesmo, pois se admite também a possibilidade de avaliação, para corrigir esse rendimento, atribuída ao senhorio. Mas, como a actualização podia representar um encargo muito pesado para o inquilino, estudou o parecer da Câmara Corporativa um processo de atenuar esse encargo, e o processo que encontrou foi este: alongar no tempo a actualização até ao limite previsto. A actualização a atingir não se fazia de uma vez nem se transferia para um fundo. Porque num ou noutro caso ela era muito pesada -e a comissão eventual tomou contacto com muitos desses casos- a Câmara Corporativa protraiu-a por um longo período para a suavizar.
Isto denuncia a cautela com que se trabalhou no sentido de encontrar um processo diferente do fundo que realizasse um mínimo de justiça e não fosse incomportável para o inquilino.
O primeiro parecer da Câmara Corporativa admitia, como o projecto, a avaliação requerida pelo senhorio e também a liberdade de fixação de renda nos arrendamentos novos.
Segundo parecer da Câmara Corporativa: os mesmos 20 por cento iniciais.
O processo de atingir o aumento considerado justo previa um escalonamento menos moderado, em certo sentido, que o do primeiro parecer da Câmara Corporativa, mas mais moderado do que o sistema de escalonamento estabelecido na proposta do Governo.
Admite-se agora a avaliação, ao contrário do que acontecia com o primeiro parecer, tanto requerida pelo senhorio como requerida pelo inquilino. Mas vai-se mais longe: ao contrário do que acontecia com o primeiro parecer, pretendeu-se ajustar, de um modo geral, a renda ao rendimento ilíquido da matriz. Embora isso se não diga por forma expressa, verifica-se que é isso que se tem em mente. A isso conduz o facto de ao mesmo tempo que se admite a avaliação, requerida pelo senhorio, para corrigir a renda, aumentando-a, se admitir também a avaliação, requerida pelo inquilino, para corrigir a renda, baixando-a. Desaparece, portanto, o sistema da liberdade de fixação da renda quanto a arrendamentos novos. Só se admite quanto a arrendamentos de prédios novos. E até se admite, neste caso, a possibilidade de despejo no termo do contrato, por não convir ao senhorio a continuação do arrendamento, desde que esta faculdade expressamente se reserve no contrato, contra o sistema permanente do nosso direito, depois de se haver entrado em regime de restrições.
Têm VV. Ex.ªs, portanto, duas soluções dos pareceres da Câmara Corporativa e a solução do projecto.
Solução da proposta do Governo. Desapareceram os 20 por cento iniciais -VV. Ex.ªs lembram-se- dos pareceres. Mantém-se a possibilidade de aumento até ao limite do rendimento ilíquido inscrito na matriz em 1 de Janeiro de 1948 - chamo a atenção de VV. Ex.ªs para esta data. Estabelece-se a impossibilidade de corrigir o rendimento ilíquido inscrito em 1 de Janeiro de 1948 por meio de avaliação requerida pelo senhorio e a possibilidade de quanto aos arrendamentos posteriores a 1942, fazer baixar a renda por virtude de avaliação requerida pelo inquilino.
Elimina-se, quanto aos arrendamentos novos, o princípio da livre fixação da renda pelo senhorio, já que, segundo a proposta, em todo o prédio vago, ou porque é novo ou porque é velho, mas vagou, antes de ser reocupado, far-se-á uma avaliação, fixar-se-á o rendimento ilíquido, e é até esse rendimento ilíquido que pode ir a renda.
Portanto, repito, eliminação do principio de liberdade de fixação da renda, que tem sido um princípio permanente da nossa legislação.
Sr. Botelho Moniz: -É uma espécie de tabelamento, como para as batatas...
O Orador:-Para os arrendamentos novos, não há dúvida!
Agora outras soluções. Apresentaram-se várias, que não posso estar a expor desenvolvidamente porque não há necessidade e teria de repetir-me.
Vou marcar, quanto a essas soluções, os traços salientes.
Para VV. Ex.ªs ficarem com uma noção aproximada direi que nestas soluções ou se anda à volta de um fundo, como no projecto Sá Carneiro -não se trata agora de saber qual o processo de constituição desse fundo-, ou de uma correcção através de percentagens, independentemente do rendimento ilíquido inscrito na matriz, de que para os arrendamentos anteriores a 1943 aparecem vestígios nos pareceres da Câmara Corporativa-percentagens que tanto podem referir-se directamente à renda como ao rendimento ilíquido inscrito na matriz, ou, de um modo geral, da transferência do encargo imposto ao inquilino para terceiro, sem constituição de fundo para o efeito.
Nos sistemas de percentagens sem consideração do rendimento ilíquido inscrito na matriz estabelecem-se escalões diferentes dos dos pareceres da Câmara Corporativa, que tanto podem ser definidos pela época dos arrendamentos como, independentemente da época, pela circunstância eventual de a renda se afastar ou não do rendimento inscrito na matriz.
Só estou a indicar as linhas gerais dos vários sistemas, na medida em que isso me interessa, para esclarecer a solução da comissão eventual nesta matéria.
Dou estes tópicos gerais para adiante dizer porque a comissão eventual se afastou destas soluções, embora esteja grata a quem as sugeriu, por, apesar de não aceites, terem constituído valiosos elementos de colaboração.
No quadro destes critérios de solução geral integram-se soluções particulares: exclusão dos aumentos para os funcionários públicos ou, em geral, para empregados por conta de outrem, com transferência ou sem transferência para terceiros - Estado, empresas, etc.; limitação dos aumentos pela prova da impossibilidade do inquilino ou da desnecessidade do senhorio.
Não estou a demorar-me no explanamento destas soluções ; tudo o que expus é suficiente para as esclarecer.
Referirei ainda uma última solução, que é a mais difícil de expor.
Pode talvez formular-se assim: transforma-se a restituição ao senhorio do direito de despejo num caso em que ele o não tem numa indemnização a pagar ao inquilino.
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Insisto, à procura de numa fórmula, exprimir melhor o pensamento desta solução: transforma-se numa indemnização a pagar ao inquilino o direito novo que se atribui ao senhorio de o despejar se não consentir na elevação da renda.
Estas são as várias soluções apresentadas.
Tive necessidade de as pôr a VV. Ex.ªs para depois arrancar delas e discutir os princípios essenciais que as dominam a todas. A todas!
Todas as soluções expostas são dominadas por estes dois princípios:
1.º É justa a actualização das rendas em beneficio do proprietário;
2.º Não deve comprometer-se gravemente a estabilidade das situações existentes quanto aos inquilinos.
Eis os dois princípios que dominam todas as soluções que eu indiquei a VV. Ex.ªs: é justa uma actualização em benefício do proprietário e não deve permitir-se uma elevação de renda tal que onere gravemente a estabilidade da situação dos inquilinos.
É claro que estes dois princípios, como princípios de organização de um sistema jurídico, ou se desenvolvem num movimento permanente de sacrifícios de um ao outro, ou acontece-lhes necessàriamente o mesmo que aconteceu aos grilos da fábula: comem-se um ao outro.
Nesta orientação, o esforço de todas as soluções é sempre no sentido de ver como é que se há-de manter o primeiro princípio sem inutilizar completamente o segundo.
E podem agrupar-se assim essas soluções: nuns casos sacrifica-se, em certa medida, o princípio da justiça devida aos proprietários, através de um escalonamento, mais ou menos demorado, das prestações a pagar pelo inquilino para atingir a renda considerada justa. E o processo dos pareceres da Câmara Corporativa e da proposta do Governo.
Noutros procura-se reconhecer de um modo geral a justiça que assiste ao senhorio, mas transfere-se do inquilino para terceiro a responsabilidade correspondente à realização dessa justiça em face do proprietário.
Suponho que todas as soluções que apresentei se podem enquadrar em algum dos grupos apontados.
Ora bem ! Conduzido o problema até aqui, pode afirmar-se que um dos grupos de soluções pretende resolver um problema que é de carácter económico por um sistema antieconómico. Claro que é antieconómico transferir num caso particular a responsabilidade que deve pertencer a um para outro...
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?... Não fui eu quem preconizou o fundo...
O Orador: - Eu não estava a tratar especialmente do fundo...
O Sr. Botelho Moniz: -Mas, quanto a essa transferência de obrigação de pagar, ela, em relação ao Estado, é perfeitamente justa, porque o Estado desde há muitos anos está a pagar aos seus funcionários menos do que devia, obrigando os senhorios a pagar por ele.
O Orador: - Eu ia dizer, com menos brilho, porventura, mas com a mesma segurança, alguma coisa daquilo que V. Ex.ª acaba de dizer.
Consideremos directamente o problema como acaba de ser posto pelo Sr. Deputado Botelho Moniz: para o Estado é perfeitamente justa a transferência, porque ele não actualizou suficientemente os vencimentos..., etc.
A isto observo que o problema posto não pode ter a solução que se inculca, mas uma solução mais geral. Uma coisa é actualizar em harmonia com o custo da vida os vencimentos dos funcionários; outra é tomar o encargo de uma parte da renda a que devem sujeitar-se. Solucioná-lo por esta última forma significaria criar o que poderia chamar-se uma renda política; e não uma renda política para todos, mas uma renda política para certos. Se com carácter geral ainda poderia justificar-se, com carácter particular é que não.
Estou convencido, pelo que conheço das classes a quem particularmente se visa, que é suficiente esta consideração para que elas não só a não desejem, mas para que repelissem tal solução.
Eu concordo... Tinha aqui nos meus apontamentos essa nota para referir. Eu também entendo que, realmente, os funcionários e os pensionistas estão em condições de inferioridade para poder comportar o peso da carestia da vida. Creio que, de um modo geral, a vida portuguesa se adaptou ao novo condicionamento. Isso é o natural, porque de outro modo a vida seria impossível.
Sei que os funcionários públicos não têm os seus vencimentos completamente adaptados aos encargos resultantes da carestia da vida. Não tenho dúvida nenhuma em o reconhecer. Simplesmente o que afirmo é que isso não nos ajuda para solucionar o problema do inquilinato, como não nos ajudaria para solucionar o do encarecimento de qualquer produto singular. Isso é consequência do encarecimento geral da vida e deve ser considerado, portanto, com vistas ao geral, e não ao particular.
O Sr. Botelho Moniz:-V. Ex.ª dá-me licença?
É apenas para um pequeno aparte. É evidente que, quando se faz por qualquer forma encarecer a vida, devemos dar aos nossos funcionários a devida compensação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-É evidente que devemos sempre procurar ajustar os rendimentos às necessidades.
É evidente, e é assim que se faz, que se tem feito, dum modo geral, em Portugal. E reconheço-o com a mesma lealdade com que há pouco disse e reconheci que isso ainda não está feito com relação aos funcionários públicos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mendes Correia: - Salvo o devido respeito, e com a maior consideração pelas palavras de V. Ex.ª e pelo rigor das suas expressões, devo dizer que não considero resumido o meu pensamento nas considerações que V. Ex.ª acaba de fazer acerca das emendas apresentadas à proposta e ao projecto, porque, se reconheço o direito de propriedade e o direito da actualização das rendas que não estejam actualizadas, reconheço igualmente o direito ao lar e o da protecção à família, pois os dois valores equivalem-se, pelo menos. Na Constituição atribui-se uma finalidade colectiva à propriedade e ao capital.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª não trouxe mais contributo algum para o esclarecimento da questão e para a sua solução concreta.
Nada!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, isto que acabo de dizer já dá a VV. Ex.ªs a ideia das razões por que a comissão não aceitou, embora as tenha discutido, certo conjunto de soluções.
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É agora ocasião de pôr diante de VV. Ex.ªs as soluções da comissão quanto às rendas.
É claro que há ainda, eu sei, outros problemas importantes, como o da sublocação e o do despejo. O problema da sublocação não envolve, porém, um problema de sistema, e eu, por força das disposições regimentais, não posso senão agora ocupar-me da oportunidade e da economia da proposta.
A comissão começou por pensar que não era admissível a investigação sobre as possibilidades económicas dos inquilinos e, portanto, que era perigoso ir para uma solução que de alguma maneira assentasse na determinação dessas possibilidades económicas.
VV. Ex.ªs dir-me-ão: há muitas soluções que o Estado dá aos problemas em consequência do conhecimento que exige lhe seja dado da situação económica das pessoas.
Uma coisa é, porém, o Estado, que naturalmente não vai fazer investigações, devassas sobre o que é estritamente privado, e outra a grande massa dos senhorios, que não teria pejo de as fazer-eu não digo todos, enfim, para honra dos portugueses.
E à comissão pareceu bastante sagrada a vida privada das pessoas, para adoptar uma solução que tornasse possível devassas imorais.
É tão sagrada a vida particular de cada um como o seu domicílio privado. Deve, por isso, garantir-se idêntica inviolabilidade.
Se fosse admissível uma tal investigação, não o era a desigualdade a que levava em relação ao senhorio. Parece, na verdade, à comissão que, desde que o problema que estava a tratar era um problema económico, não era o facto de o inquilino A ser rico e o inquilino B ser pobre que modificava, por qualquer maneira, ou devia modificar, a posição do senhorio; isto é, mesmo que fosse de admitir aquela investigação, à comissão não pareceu aceitável torná-la possível, por ela conduzir a desigualdades graves em relação aos senhorios. Por estes motivos a comissão foi levada a pensar numa solução geral e permanente parecida com as soluções da Câmara Corporativa ou com as da proposta do Governo. Como VV. Ex.ªs sabem, as soluções da Câmara Corporativa e as da proposta do Governo são gerais no sentido de que se aplicam a todo o País. Mas só as soluções da Câmara Corporativa tem carácter -como direi? - permanente.
Na proposta do Governo não se institui um sistema que vá sucessivamente realizando a justiça, visto que não se admite a avaliação requerida pelo senhorio.
Nas soluções da Câmara Corporativa institui-se um sistema que era de aplicação permanente, porque, se as matrizes se fossem desactualizando, iam podendo ser sucessivamente corrigidas através da avaliação.
Os dois sistemas, o da Câmara Corporativa e o do Governo, são gerais; mas só o sistema da Câmara Corporativa é permanente.
A comissão, com os elementos que colheu, com as observações que fez, adquiriu a convicção de que as soluções da Câmara Corporativa e do Governo eram soluções criadas, organizadas, através do que se passa em Lisboa e Porto, para todo o Pais; adquiriu a convicção de que o problema era grave e agudo, sobretudo em Lisboa, de alguma maneira, mas por forma muito atenuada no Porto; porém, que o problema não é agudo nem oferece dificuldades sérias de solução no resto do País.
E, uma vez que se convenceu de que isto era assim, entendeu que, para não se submeter o País a Lisboa nem Lisboa ao País, o melhor era organizar um regime duplo: um regime para Lisboa e Porto, um regime diferente para o resto do País.
Que regime?
Em primeiro lugar, nem para um nem para outro destes regimes a comissão admitiu aqueles 20 por cento iniciais da Câmara Corporativa.
Para o inquilinato de habitação admitiu um regime parecido com o do primeiro parecer da Câmara Corporativa, para se aplicar fora de Lisboa e Porto.
Um regime parecido, mas ainda com atenuações, do regime instituído pela proposta do Governo, de que já falei há pouco, para Lisboa e Porto.
Ponhamos primeiro a distinção essencial entre os dois regimes. Essa distinção está na faculdade de requerer a avaliação atribuída ao senhorio.
A comissão entendeu que no momento não podia admitir-se, em Lisboa e Porto, a avaliação requerida pelo senhorio.
É uma injustiça para o senhorio de Lisboa e Porto? Eu digo a VV. Ex.ªs que é a expressão de justiça que à comissão pareceu possível.
Disse há pouco: a comissão ainda procurou atenuar a solução da proposta do Governo. Como?
Como VV. Ex.ªs devem lembrar-se da exposição que fiz, na solução da proposta do Governo o escalonamento havia de fazer-se em determinadas condições, que não vale a pena discutir, mas o limite da renda devia ser atingido em seis semestres. A comissão considerou largamente o problema, e, por muitos elementos de facto que pôde analisar, pareceu-lhe que o escalonamento em tão curto prazo - três anos - podia ser ainda, em muitos casos, incomportável para uma boa massa de inquilinos ; e, então, não pôs limite no escalonamento. O escalonamento faz-se em dois anos e meio, em cinco, em dez ou vinte anos.
O Sr. Cunha Gonçalves: -Ou noventa!
O Orador: - Não poderia chegar-se até ai, dados os elementos de que disponho e desde que a percentagem é de 20 por cento.
Deve dizer-se que é em Lisboa e no Porto onde o afastamento entre o rendimento ilíquido e a renda é muito grande, e ainda que é, de um modo geral, nos arrendamentos antigos e que pagavam, portanto, uma renda diminuta, consideradas as circunstâncias actuais, que isso particularmente se marca.
A incidência de 20 por cento, referida à renda, em geral diminuta, não deve constituir um encargo incomportável mesmo para os inquilinos pobres.
Dado o que acabo de expor, Sr. Presidente, vê-se que fica muito atenuada a solução da comissão, mesmo em relação à proposta do Governo, que já foi considerada moderada.
A comissão entendeu manter íntegro o principio da liberdade da fixação de rendas e não admite, por isso, a avaliação requerida pelo inquilino para fazer baixar a renda.
VV. Ex.ªs recordam-se de que no segundo parecer da Câmara Corporativa a avaliação pode ser requerida indiferentemente pelo senhorio e pelo inquilino. A avaliação requerida, pelo inquilino é puramente teórica, de um modo geral e em certo sentido; mas noutro sentido pode ter grande importância, porque conduz a resultados indesejáveis.
Na proposta do Governo o inquilino pode, nos arrendamentos posteriores a 1942, requerer a avaliação para fazer baixar a renda.
A comissão entendeu não dever ir para esta solução nem para a solução de fixar um limite às estipulações da renda. Quer dizer, a comissão entendeu deixar íntegro o princípio da liberdade da fixação de rendas e entendeu não dever admitir a avaliação requerida pelo inquilino para fazer baixar a renda, porque isto seria o
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primeiro golpe no tal princípio de liberdade de fixação de rendas.
Devo dizer a VV. Ex.ªs que a comissão hesitou muito na resolução deste problema.
A comissão hesitou muito. E hesitou porquê?
Porque, se nós temos uma orgânica constitucional que pressupõe a possibilidade por parte do Estado de intervir no mercado dos preços para corrigir desmandos resultantes de desequilíbrios marcados entre a oferta e a procura, porque é que, precisamente numa questão em que esse desequilíbrio é patente, se deixava de adoptar uma solução de alguma forma harmónica com a nossa própria, organização constitucional?
A comissão pensou muito nisto, mas entendeu que, como o que importava era resolver o problema da habitação - e o Estado, só por si, ou as instituições públicas não sei se poderiam resolvê-lo, mas, segundo a nossa orientação, não está indicado que o resolvam-, devia, portanto, fazer com que não ficassem muito tolhidas as iniciativas privadas, o que não sucederia se realmente lhes fosse fixar antecipadamente aquilo a que podiam aspirar amanhã, não porque o que se lhes fixasse hoje não lhes parecesse justo, mas sim porque poderia não sê-lo amanhã.
E então, porque entendeu que era preferível uma solução que, muito embora fizesse uma certa inflexão nos princípios, pudesse conduzir à solução do problema da habitação, preferiu continuar a manter o regime da liberdade de estipulação das rendas.
Apoiados.
E, por isso mesmo, não admitiu a avaliação requerida pelo inquilino. Simplesmente, ainda em homenagem àqueles princípios que dominam a nossa organização constitucional, entendeu dever estabelecer uma norma conforme a qual o Estado podia oficiosamente mandar proceder a avaliação para fazer baixar a renda, num caso ou noutro de nítida especulação.
A comissão está convencida de que, se não inscrevesse esta disposição, a solução era a mesma por esta razão: é porque isso é consequência de legislação geral ou da própria orgânica constitucional; mas entendeu, entretanto, para evitar dúvidas, consagrar expressamente uma tal disposição.
Resta-me, para concluir as linhas gerais da organização que a comissão está na disposição de propor, dizer o seguinte: é que o regime do inquilinato da habitação fora de Lisboa e Porto é, com certas especialidades, o regime que a comissão propõe para o inquilinato não de habitação em todo o Pais. O regime do inquilinato não de habitação é, portanto, um regime geral, equiparado, com certas especialidades, ao regime do inquilinato de habitação fora de Lisboa e Porto.
E aqui têm VV. Ex.ªs as linhas gerais do sistema que, em substituição dos sistemas propostos, a comissão eventual pensa apresentar.
Sr. Presidente: a comissão eventual trabalhou com boa vontade e olhou com humildade para as dificuldades do problema; não sabe a medida em que as venceu e nada lhe custa sofrer as críticas de quem, por nem sequer as ter palpitado, tem sobre todos os problemas que suscitam uma opinião radical, definitiva, evidente; e até deseja as que forem trazidas ao debate por quem viu mais do que ela, por quem pôde afastar para mais longe a linha do horizonte e ter assim perspectivas mais bem equilibradas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Considero o debate encerrado na generalidade.
A discussão na especialidade iniciar-se-á na sessão de amanhã, à hora regimental.
Convoco a comissão eventual para se reunir, imediatamente ao encerramento da sessão, na sala do costume.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 22 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Carlos Borges.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sonsa.
Ricardo Malhou Durão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Júdice Bustorff da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernão Couceiro da Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Penalva Franco Frazão.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão de hoje:
Proposta de alteração à base XVI-A do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei:
4. Nos casos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 desta base, a notificação ou a tentativa de acordo serão precedidas da desocupação administrativa dos prédios, sem prejuízo das indemnizações devidas aos arrendatários comerciais ou industriais, as quais, assim como todos os mais encargos, serão de conta do proprietário quando seja este que deva proceder à reconstrução ou remodelação dos prédios.
Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1948. - O Deputado Mário de Aguiar.
Proponho que na base XVII da Câmara Corporativa, no n.º 4, a frase «por morte» seja substituída por «por título gratuito».
E que à mesma base se acrescente:
7. Na alienação do direito de superfície terá preferência o proprietário do solo, que para este fim
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será rectificada nos termos do artigo 1678.º do Código Civil.
O Deputado Luis da Cunha Gonçalves.
Proponho que na base XXV-A da Câmara Corporativa, onde se diz «propriedade», se leia ou diga «compropriedade».
O Deputado Luis da Cunha Gonçalves.
Proponho que na base XXXIII-A da Câmara Corporativa, depois da frase «estipulação de rendas», se acrescente: «e cessação do arrendamento nos termos regulados no Código Civil».
O Deputado Luis da Cunha Gonçalves.
Proponho que na base XLIII da Câmara Corporativa se acrescente:
a) Carecer da casa o senhorio para a sua própria habitação.
O Deputado Luis da Cunha Gonçalves.
Segundo parecer da Câmara Corporativa
Proposta de substituição:
BASE X-A
Alínea a), n.ºs 1 e 2:
Proponho a substituição do texto daqueles números pelo seguinte:
A indemnização terá por base o valor real aumentado de 20 por cento da maior valia resultante do novo destino permitido pelas obras ou melhoramentos projectados.
Lisboa, 23 de Abril de 1948.- O Deputado João Antunes Guimarães.
BASE X-A
Alínea f):
Aditamento:
Proponho a intercalação entre as palavras «corrigida» e «pelos» das palavras «para mais».
Lisboa, 23 de Abril de 1948. -O Deputado João Antunes Guimarães.
BASE XVI
Eliminação:
Proponho a eliminação da base XVI do segundo parecer da Câmara Corporativa.
Lisboa, 23 de Abril de 1948. - O Deputado João Antunes Guimarães.
BASE XVI-A
(Nova)
Aditamento:
Proponho que no final do n.º 2 da base XVI-A do segundo parecer da Câmara Corporativa se aditem as seguintes palavras:
No caso de não ser possível este acordo, a câmara promoverá a expropriação da parte correspondente ao proprietário discordante.
Lisboa, 23 de Abril de 1948.- O Deputado João Antunes Guimarães.
BASE XXVII
Eliminação:
Proponho a eliminação da base XXVII do segundo parecer da Câmara Corporativa.
Lisboa, 23 de Abril de 1948. -O Deputado João Antunes Guimarães.
BASE NOVA
Aditamento :
Logo que esteja debelada a crise actual de habitação será restabelecida a liberdade contratual.
Lisboa, 23 de Abril de 1948. -O Deputado João Antunes Guimarães.
BASE XXIX
1. Em relação aos arrendamentos para habitação ou em que os arrendatários sejam pessoas morais que tenham fins humanitários ou assistência e beneficência, observar-se-á o seguinte:
a) A renda actual, quando obtida por meio de coeficiente de actualização, será aumentada de quantia igual a 40 por cento da soma dessa renda com a parte de contribuição predial a cargo do arrendatário;
b) A renda actual, não obtida por meio de coeficiente de actualização, que tiver sido estabelecida por contrato anterior a 31 de Dezembro de 1939 será aumentada de 20 por cento;
c) Quando o senhorio considerar que os haveres ou rendimentos do arrendatário lhe permitem o pagamento de renda superior à estabelecida nas alíneas a) e b), ou às contratadas livremente depois de 1 de Janeiro de 1939, poderá requerer a avaliação do prédio ou parte do prédio arrendado, para efeito de fixação de nova renda mensal, que será igual ao produto ilíquido obtido pela actualização da matriz ou a 12 por cento dos rendimentos mensais do agregado familiar do arrendatário no caso de esta quantia ser inferior à proveniente da avaliação.
Cabe ao senhorio fazer a prova dos rendimentos mensais acima citados, para o que poderá requerer na secção de finanças da residência do arrendatário os elementos necessários;
d) Quando o arrendatário considerar que o rendimento mensal do seu agregado familiar não lhe permite o pagamento dos aumentos estabelecidos nas alíneas a) e b), deverá notificá-lo ao senhorio no prazo de quarenta e cinco dias da publicação desta lei. Mas, sob pena de despejo, não pode recusar o pagamento do aumento da renda caso a nova renda seja igual ou inferior a 12 por cento dos proventos mensais do agregado familiar do arrendatário;
e) Considera-se provento do agregado familiar do arrendatário a soma dos rendimentos, retribuições, ordenados ou salários do arrendatário e das pessoas que com
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ele coabitam, excepção feita de seus criados ou empregados ;
f) As novas rendas entrarão em vigor em 1 de Julho de 1948.
BASE XXIX-A
1. Nos arrendamentos feitos ao Estado, serviços públicos com autonomia financeira, autarquias locais, organismos corporativos ou de coordenação económica e pessoas morais que não tenham fins humanitários ou de assistência e beneficência, e nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou exercício de profissões liberais, observar-se-á o seguinte:
a) A renda actual, quando obtida por meio de coeficiente de actualização, será elevada ao dobro da quantia determinada pela soma dessa renda com a parte da contribuição predial a cargo do arrendatário;
b) A renda actual, não obtida por meio de coeficiente de actualização, que tiver sido estabelecida por contrato anterior a 31 de Dezembro de 1939 será aumentada de 60 por cento;
c) A renda actual que tiver sido estabelecida por contrato posterior a 31 de Dezembro de 1939 e anterior a 31 de Dezembro de 1942 será aumentada de 20 por cento;
d) Se o senhorio não se conformar com as rendas estabelecidas nas alíneas a), b) e c) desta base, poderá requerer a avaliação do prédio ou parte do prédio arrendada, para actualização da matriz. Nessa avaliação ter-se-á em conta o valor locativo do prédio e a situação económica do arrendatário. A nova renda será igual ao rendimento ilíquido da nova matriz.
2. Quando os arrendatários sejam o Estado, serviços públicos com autonomia financeira, autarquias locais, organismos corporativos ou de coordenação económica e pessoas morais que não tenham fins humanitários ou de benemerência, assistência ou educação, a situação económica do arrendatário não influirá na avaliação prevista no n.º 1 desta base, que será feita pelo valor locativo que o prédio ou parte do prédio teriam se se encontrassem vagos.
3. Consideram-se abrangidos no n.º 1 da presente base os arrendamentos de locais onde esteja a exercer-se comércio, indústria ou profissão liberal, ainda que seja outro o fim fixado no contrato.
4. Se o arrendamento tiver por objecto, conjuntamente, a habitação e o exercicio de comércio, indústria ou profissão liberal, e não estiver determinada, nem no arrendamento nem na matriz, qual a proporção entre a parte destinada a habitação e a parte destinada às outras actividades, vigorará á renda obtida pela média das das bases XXIX e XXIX-A, até que, a requerimento do senhorio ou do arrendatário, a comissão permanente de avaliação efectue a destrinça.
5. As novas rendas fixadas na presente base vigorarão a partir de 1 de Julho de 1948.
BASE XXX
Eliminada.
BASE XXXI
1. A parte da contribuição predial actualmente a cargo do arrendatário considera-se incorporada na nova renda.
2. Eliminado.
BASE XXXII
Eliminada.
BASE XXXIII
Eliminada.
BASE XXXIII-A
Nos arrendamentos contratados a partir da publicação desta lei o senhorio pode obter o despejo, por não lhe convir o arrendamento, no fim do prazo do contrato ou da renovação, contando que deste direito se tenha feito menção expressa no título de arrendamento.
BASE XXXIII-B
Eliminada.
BASE XLI-A
1. A cessão do direito ao arrendamento comercial ou industrial sómente pode ser feita mediante autorização do senhorio.
2. A cessão do direito ao arrendamento, ou sublocação, que infrinja o disposto no número anterior dá ao senhorio o direito de obter o despejo imediato.
3. Consideram-se cessão do direito ao arrendamento, ou sublocação, as vendas de quotas da sociedade arrendatária a pessoas morais ou jurídicas que dela não façam parte (realizadas sem o acordo do senhorio, outorgado na escritura de venda), quando tais vendas venham a atingir o limite de 50 por cento do capital da sociedade.
BASE XLIII
c) Necessitar o senhorio da casa para si próprio, seus ascendentes ou descendentes.
2. No caso da alínea b) do número anterior, o arrendatário fica com o direito de optar entre três soluções:
a) Receber indemnização (igual a cento e vinte vezes a renda mensal que pagar) no acto de desocupar provisória ou definitivamente a casa; ou
b) Reocupar uma parte do prédio contratada com o senhorio antes do despejo, por meio de novo arrendamento, onde se fixe taxativamente a data de reocupação e a obrigação de o arrendatário restituir a indemnização da alínea a) no acto da reocupação; ou
c) Ocupar nova casa em bairros sociais pertencentes ao Estado ou autarquias locais, com direito de preferência obtida pelo pagamento à entidade oficial proprietária do bairro, a titulo de antecipação de rendas, da quantia recebida como indemnização nos termos da alínea a) do n.º 2 da presente base.
3. Salvo acordo do arrendatário, quando este optar pela solução da alínea c) do n.º 2 da presente base, o despejo não poderá efectuar-se enquanto não obtiver nova casa, nos termos da mesma alínea.
4. O arrendatário para habitação despejado por efeito de expropriações ou demolições ordenadas oficialmente terá direito à indemnização de oitenta vezes o valor da renda mensal, se esta tiver sido estabelecida anteriormente a 1 de Janeiro de 1940, e, caso o deseje, a ocupar nova casa condigna em bairros sociais do Estado ou autarquias locais,- não podendo efectivar-se o despejo sem que lhe tenha sido facultada a substituição da casa.
No caso de ocupação de nova casa, deve entregar, como antecipação de rendas, a importância da indemnização recebida.
5. O arrendatário despejado por o senhorio necessitar da habitação para si próprio ou para os seus ascendentes ou descendentes fica com o direito de receber indemnização, que será igual a cem vezes a renda mensal que pagar, no caso de o senhorio desejar a casa para si próprio, e a cento e vinte vezes a mesma renda, se ela se destinar a descendentes ou a ascendentes; e, se o requerer, deverá ocupar nova habitação em bairros sociais pertencentes ao Estado ou autarquias locais, com direito de preferência obtida pelo pagamento à entidade oficial proprietária do bairro, a título de antecipação de rendas, da quantia recebida como indemnização.
6. O despejo a que se refere o número anterior não poderá efectuar-se enquanto o arrendatário não obtiver nova habitação, se assim o requerer.
Lisboa, 17 de Abril de 1948. - O Deputado Jorge Botelho Moniz.
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Proposta:
Propomos a eliminação da alínea c.) do artigo 2.º e que ao n.º 2 desse artigo se dê a seguinte redacção:
2. A falta de escritura, quando se trate de arrendamento sujeito a registo, não impedirá que o contrato subsista, para todos os efeitos, como semestral.
Todavia, no caso da alínea b) o contrato não reduzido a escritura será absolutamente nulo e não poderá ser admitido em juízo nem invocado perante qualquer autoridade ou repartição pública.
O Deputado Mário de Figueiredo.
Proposta:
Propomos que se acrescente ao artigo 12.º o seguinte número:
5. Quando o arrendatário não resida no prédio e este seja ocupado pelo seu cônjuge, descendentes ou ascendentes, ou por uns e outros conjuntamente, o arrendamento não caduca com a morte do arrendatário, ficando invetidas no direito locativo, pela ordem do n.º 2, as pessoas a que o mesmo número se refere.
O Deputado Mário de Figueiredo.
Proposto:
Propomos, em substituição de todo o capítulo IV, as seguintes bases:
(BASES A a K)
BASE A
1. As rendas convencionadas antes de 1 de Janeiro de 1943 e inferiores, na sua importância mensal, ao duodécimo do rendimento ilíquido da matriz em 1 de Janeiro de 1933 podem ser, nos arrendamentos para habitação fora de Lisboa e Porto, aumentadas nos termos seguintes:
a) No semestre a partir de 1 de Julho de 1948 sofrerão um aumento equivalente à diferença entre a renda mensal e o duodécimo de rendimento ilíquido, aumento não superior a 20 por cento da importância da renda à data da entrada em vigor da presente lei;
b) Nos semestres seguintes, e até se atingir em cada caso a importância referida no corpo deste número, as rendas terão em cada semestre novo aumento igual a 20 por cento;
c) Se, em razão da diferença entre a renda inicial e o duodécimo do rendimento líquido, a actualização prescrita nas alíneas anteriores demorar mais de seis semestres, o aumento em cada semestre será igual à sexta parte dessa diferença.
Quando a inscrição do prédio na matriz for posterior a 1 de Janeiro de 1938 atender-se-á ao rendimento ilíquido inscrito inicialmente.
2. Nos arrendamentos a que se refere o n.º 1 deste artigo o senhorio pode requerer avaliação fiscal, destinada a corrigir o rendimento ilíquido, seja este superior ou inferior à renda anual presentemente maga.
3. Feita a correcção do rendimento ilíquido, o aumento da renda operar-se-á deste modo:
a) Se a renda actual do prédio for inferior ao duodécimo do rendimento ilíquido inscrito na matriz em 1 de Janeiro de 1938, a actualização correspondente ao novo rendimento não se iniciará antes do 1.º semestre seguinte àquele em que tiver terminado a actualização a que se refere o n.º 1 desta base;
b) Nos outros casos a actualização iniciar-se-á no 1.º semestre posterior à avaliação;
c) As actualizações previstas nas duas alíneas anteriores far-se-ão nos termos estabelecidos nas alíneas do n.º 1 deste artigo.
4. Se o arrendatário for tributado em imposto complementar e os proventos a que se atender para determinação da respectiva taxa excederem dez vezes o rendimento ilíquido, a actualização da renda far-se-á nos termos do n.º 2 da base e
5. Se o arrendamento tiver por objecto dependências cujo rendimento colectável não este j a destrinçado, a elevação da renda só se tornará efectiva após a destrinça feita pela comissão permanente de avaliação de prédios urbanos.
BASE B
Em Lisboa e Porto as rendas dos prédios destinados a habitação convencionadas antes de 1 de Janeiro de 1943, enquanto não for possível facultar-se ao senhorio a avaliação, podem ser aumentadas nos termos do n.º 1 da base A, não se lhes aplicando, porém, desde já a alínea c) desse número.
BASE C
Aos arrendamentos de prédios não destinados a habitação anteriores a 1 de Janeiro de 1943 aplicar-se-á, em todo o País, o disposto na base, com as seguintes especialidades:
1. Nos arrendamentos feitos ao Estado, autarquias locais, serviços públicos com autonomia financeira e organismos corporativos ou de coordenação económica o aumento de rendas a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 da base A será devido na totalidade a partir de 1 de Julho de 1948.
2. Nos arrendamentos feitos a pessoas morais que não tenham fins humanitários ou de beneficiência, assistência ou educação e nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou exercício de profissões liberais cumprir-se-á o disposto na base A, com a seguinte modificação: a partir de 1 de Janeiro de 1949 o aumento será em cada semestre igual a um terço da diferença entre a renda actualizada nos termos da alínea a), n.º 1, da base A e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, salvo se esse terço for inferior a 20 por cento da renda existente ao tempo da publicação desta lei, porque neste caso aplicar-se-á na íntegra o regime da alínea b) do mesmo n.º 1 da base A.
3. Consideram-se abrangidos no n.º 1 da presente base os arrendamentos locais onde esteja a exercer-se comércio, indústria ou profissão liberal, ainda que seja outro o dia fixado no contrato.
4. Se o arrendatário tiver por objecto conjuntamente a habitação e o exercício de comércio, indústria ou profissão liberal, e não estiver nem no arrendamento, nem na matriz, qual a proporção entre a parte destinada às outras actividades, aplicar-se-á o regime da base A enquanto a comissão permanente de avaliação não efectuar a destrinça.
5. Quanto aos arrendamentos referidos no n.º 1 da presente base, as alterações do rendimento ilíquido resultantes de novas avaliações serão atendidas, na totalidade e por uma vez, a partir do fim do período de arrendamento que estiver em curso.
6. As rendas das pessoas morais com fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação serão actualizadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 da base.
BASE D
Os arrendamentos posteriores a 31 de Dezembro de 1942, quer para habitação, fora de Lisboa e Porto, quer
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os não destinados a habitação, em todo o País, ficam sujeitos ao regime das bases A e C, mas a avaliação só poderá ser requerida pelo senhorio passados cinco anos a contar da celebração do contrato, e nunca antes de 1 de Janeiro de 1950.
BASE E
O Estado pode, oficiosamente, promover a avaliação dos prédios arrendados para habitação só para o fim de fazer baixar as respectivas rendas até limites que não possam considerar-se de especulação.
BASE F
Não pode requerer-se nova avaliação sem que tenham decorrido cinco anos sobre outra anteriormente feita. Exceptua-se a avaliação determinada por traspasse de estabelecimento comercial ou industrial, ou por cessão de arrendamento para o exercício de profissão liberal, que poderá realizar-se sempre que tenha decorrido mais de um ano sobre a avaliação anterior.
BASE G
Nos casos em que o arrendatário tenha cometido alguma das transgressões do contrato previstas nos §§ 6.º e 7.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1934, as percentagens referidas no n.º 1 de base A podem ser elevadas ao dobro, sem embargo de terem decorrido os prazos de caducidade estabelecidos naqueles parágrafos e sem prejuízo do disposto na base e
Não se aplica esta disposição se posteriormente a transgressão do contrato tiver sido acordada entre as partes qualquer elevação de rendas.
BASE II
1. Os aumentos facultados nas bases anteriores ficam a fazer parte integrante das rendas e serão exigíveis mediante aviso do senhorio, feito por qualquer modo, devendo constar discriminadanaente dos respectivos recibos.
2. O senhorio pode lançar no verso do recibo das rendas em Junho o plano completo dos aumentos. E, se o não fizer, terá de dar conhecimento ao arrendatário, por notificação judicial, do aludido plano. O mesmo se observará se não vencer renda no dito mês de Junho.
O aumento respeitante ao último semestre de 1948 será dividido pelos meses posteriores ao aviso da notificação e pago justamente com as repectivas rendas.
3. É também necessária notificação judicial nos casos das bases A, n.º 5, e C, n.ºs 3, 4 e 5 a 9, devendo essa notificação ser feita com a antecipação de quinze dias em relação ao início do semestre a que respeita.
BASE I
1. A parte da contribuição predial actualmente a cargo do arrendatário continuará a ser paga por este até o aumento da renda atingir metade da diferença entre a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido à data da entrada em vigor desta lei.
2. Ultrapassada essa metade da diferença o encargo passa inteiramente para o senhorio.
3. As quantias cobradas pelo senhorio a título de obras de saneamento ou de custeio do receptáculo para correspondência postal, ou com outro fundamento legal de natureza semelhante, não serão consideradas para efeitos de actualização de rendas.
4. Se houver no prédio serviço de aquecimento a cargo do senhorio, poderá estipular-se que a remuneração deste serviço constitui prestação distinta da renda, a pagar em separado, sem prejuízo das disposições legais sob crime de especulação.
BASE J
1. As secções de finanças são obrigadas a prestar gratuitamente, e a todo o tempo, as informações que lhes sejam solicitadas para os efeitos das bases anteriores.
BASE K
1. As disposições relativas à avaliação de prédios urbanos não entrarão em vigor sem que pelos Ministérios da Justiça e das Finanças sejam estabelecidas em decreto as normas reguladoras da avaliação dos prédios urbanos e organização dos respectivos recursos, as quais deverão ser publicadas no prazo de sessenta dias.
2. As comissões de avaliação dos prédios urbanos poderão ser presididas por magistrados judiciais, sem prejuízo das funções que exercerem ou em comissão de serviço.
3. Nas avaliações atender-se-á, para determinação do rendimento colectável, à areado prédio, ao tipo de construção, à localização e aos outros factores que devam concorrer para a fixação de um valor justo; não será, porém, atendido o aumento do valor locativo resultante da clientela obtida pelo arrendatário ou de obras feitas ou pagas pelo senhorio.
4. Do requerimento de avaliação apresentado pelo senhorio dar-se-á comunicação oficial ao arrendatário e no caso de avaliação oficiosa o conhecimento dela será dado às duas partes.
O Deputado Mário de Figueiredo.
Proposta:
Propomos, em substituição de todo o capitulo V, as bases seguintes:
(BASES L a Q)
BASE L
1. A cláusula permissiva de sublocação não dispensa a notificação desta. A notificação tem de ser requerida no prazo de quinze dias, sob pena de a sublocação ser considerada ilegal.
2. É dispensada a notificação se o senhorio consentir especialmente em determinada sublocação ou reconhecer o sublocatário.
3. Não se considera como reconhecimento, para os efeitos do número anterior, o simples conhecimento de que o prédio foi sublocado.
BASE M
1. O direito de livre fixação de renda, no caso de sublocação consentida pelo senhorio, só pode tornar-se efectivo no fim do prazo do arrendamento ou da renovação e desde que no título de arrendamento ou escrito de autorização se mencione a existência de tal direito.
2. O senhorio pode renunciar a este direito, contanto que o faça por escrito.
3. A fixação de nova renda só produz efeitos se for notificada ao arrendatário até dez dias antes dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil.
4. As sublocações anteriores à publicação da presente lei ficam sujeitas, quanto ao direito conferido nesta base, à lei vigente na data em que tiveram lugar.
BASE N
1. A sublocação caduca com a extinção, por qualquer causa, do arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário quando aquele dê motivo ao despejo ou distrair o arrendamento.
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2. Todavia, se o proprietário receber alguma renda do sublocatário e passar recibo depois da extinção do arrendamento, será o sublocatário considerado para os efeitos legais como arrendatário directo.
3. O sublocatário não poderá usar dos meios possessórios ou o do artigo 978.º, alínea b), do Código de Processo Civil, salvo se provar por documento que a sublocação foi notificada ao senhorio no prazo de quinze dias ou que o senhorio a autorizou especialmente ou reconheceu o sublocatário como tal.
4. No caso de sublocação total, quando seja decretado o despejo ou distratado o arrendamento, o principal sublocatário, nas condições do número anterior, pode, por meio de notificação judicial, vindicar, relativamente ao senhorio, o direito de se substituir ao arrendatário, assumindo as obrigações que este tinha para com aquele no momento do despejo ou distrate e ficando constituído para com o senhorio nas obrigações que tinha para com o sublocador.
5. O disposto no número precedente aplica-se às sublocações parciais que abranjam a parte do (prédio com maior valor colectável. Mas o senhorio pode requerer avaliação fiscal para determinação da renda a pagar pelo sublocatário.
BASE O
Em todos os casos de sublocação total do prédio, anteriores ou posteriores à entrada «m vigor desta lei, o senhorio tem a faculdade, mediante justificação judicial, de se substituir ao arrendatário, considerando-se rescindido o primitivo arrendamento e passando o sublocatário ou sublocatários à posição de arrendatárias directos. A notificação a que se refere esta base deve ser feita ao arrendatário e sublocatário e só pode ter lugar dentro dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil, para se tornar efectiva. substituição no fim do prazo do arrendamento ou da renovação.
BASE P
1. Presume-se que há sublocação quando durante mais de três meses residam na casa arrendada pessoa ou pessoas, simultânea ou sucessivamente, que não viessem viver com o arrendatário no início do arrendamento e não sejam parentes ou afins do arrendatário, na linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ou pessoas relativamente às quais haja obrigação de convivência, resultante da lei ou do contrato de prestação de serviços.
2. Verificado o facto referido no número anterior, pode ilidir-se a presunção provando que o contrato é de hospedagem, em número não superior a três, fora das condições do n.º 1, e se houver prestação normal de alimentos ou de serviços por parte do arrendatário.
3. Para prova de sublocação por parte do senhorio não é necessário demonstrar-se o quantitativo da renda nem o prazo do contrato.
BASE Q
1. A cessão do direito ao arrendamento comercial ou industrial sem autorização escrita do senhorio só pode verificar-se no caso de traspasse.
Pode também fazer-se, sem autorização do senhorio, a cessão do direito aos arrendamentos destinados ao exercício de profissões liberais quando continuarem a ser aplicados à mesmo, profissão.
2. Entende-se que há sublocação ou cessão do direito ao arrendamento:
a) Quando no local passar a exercer-se outro ramo de comércio ou indústria e, em geral, se lhe for dado novo destino;
b) Se a transmissão do local não for acompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que caracterizem a transmissão do estabelecimento.
O Deputado Mário de Figueiredo.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA