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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 196

ANO DE 1949 29 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 196, EM 28 DE ABRIL.

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foram publicados dois suplementos ao Diário das Sessões n.° 193, que inserem: o 1.º, o parecer da Comissão de Contas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes no ano económico de 1947, e o 2.°, o parecer n.° 37 da Câmara Corporativa, acerca do projecto de lei n.° 289 (amnistia aos crimes políticos e faltas disciplinares).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Câmara Corporativa os pareceres sobre os projectos de lei: amnistia aos crimes políticos e faltas disciplinares, da autoria do Sr. Deputado Botelho Moniz, e abandono da família, do Sr. Deputado Paulo Cancela do Abreu.
O Sr. Deputado Camarote de Campos solicitou do Governo a compra da biblioteca e colecções da Quinta da Manizola, que pertenceram ao visconde da Esperança, e a sua incorporação na Biblioteca Pública de Évora.
O Sr. Deputado Mendes do Amaral ocupou-se de uma projectada compra de 10:000 toneladas de açúcar estrangeiro.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães pediu a construção de duas estradas, de Cinfães a Castro Daire e de Resende a Bigorne.
O Sr. Deputado Lima Poleiro e outros Srs. Deputados requereram que fosse submetido à ratificação da Assembleia o Decreto-Lei n.° 37:386, de 26 de Abril de 1949.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca da proposta de lei relativa à exploração portuária.
Usaram da palavra os Srs, Deputados Alberto de Araújo e Gaspar Ferreira.
Seguiu-se a discissão na especialidade, sendo a proposta de lei aprovada com emendas.
Começou em seguida o debate sobre o parecer das Contas Gerais do Estado de 1947.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Braga da Cruz, Franco Frazão e Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.

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Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Representações

Subscrita por alguns industriais de panificação do Porto, em que pedem que lhes sejam extensivas as disposições do recente decreto sobre amnistia.
Ofícios

Da Ordem dos Engenheiros, em que comunica, segundo informação recebida do Sr. Ministro das Comunicações, ter revelado o inquérito feito aos serviços radioeléctricos dos C. T. T., de que é director o Sr. Engenheiro Manuel Amaro Vieira, não haver fundamento para a instauração de qualquer procedimento disciplinar.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei da autoria do Sr. Deputado Botelho Moniz e respeitante à amnistia aos crimes políticos e faltas disciplinares.
Vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção e à Comissão de Defesa Nacional.
Também se encontra na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei n.° 288 - abandono da família -, da autoria do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
Vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção.
Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo na sessão de 5 do corrente, fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Camarate de Campos.

O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente: a 2 quilómetros de Évora, na estrada que liga esta cidade à vila de Arraiolos, está situada uma propriedade conhecida por Quinta da Manizola, onde existe, além de colecções de armas, de numismática e de arqueologia, uma excelente, uma formidável biblioteca, constituída por muitos milhares de volumes, alguns bem raros, biblioteca que é conhecida pela Biblioteca da Manizola.
É rica em manuscritos e em obras quinhentistas.
Ao acaso poderei citar, entre essas raridades, algumas que tenho por muito boas.
Assim, recordo a Constituição dos Bispados Portugueses, os Únicos exemplares conhecidos da gramática de João de Barros e a Doutrina Cristã, do arcebispo de Évora, D. João de Melo.
Também na Biblioteca da Manizola se vêem muitos antifonários iluminados, como uma grande série de incunábulos.
É estrela de primeira grandeza, jóia preciosa, a Vita Christi.
Tudo se deve, colecções e biblioteca, ao esforço e acção de um particular: o falecido visconde da Esperança, José Bernardo de Baraona Fragoso, que faleceu na referida propriedade há mais de duas dezenas de anos.
Tudo foi por ele conseguido, tudo foi por ele organizado, tendo feito a melhor biblioteca particular do País.
Veio a morrer na sua propriedade, entre o encanto das suas colecções e da sua biblioteca.
Após o falecimento do referido visconde houve uma demanda judicial em que indirectamente era atingida a biblioteca, que foi adjudicada, por decisão judicial, no inventário aos herdeiros do referido bibliógrafo.

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Logo que se teve conhecimento de que a propriedade ia para os herdeiros do aludido visconde da Esperança o Estado pretendeu adquiri-la por compra, mas, por motivos que ignoro, talvez por uma questão de preços, não o conseguiu.
E o assunto está em ponto morto, Sr. Presidente, já há bastantes anos, e a biblioteca é, nesta hora e há muito tempo já, uma verdadeira inutilidade, visto que está encerrada, ninguém lá entra, os livros estão ali encerrados, as portas não abrem, as janelas também não, parecendo até que aqueles livros estão em verdadeiro regime de clausura.
Os novos, os estudiosos, apenas sabem que na Quinta da Manizola há uma boa biblioteca, mas isto por ouvirem dizer, porque não têm possibilidade de lá ir consultar as suas obras.
A integração desta biblioteca na Biblioteca Pública de Évora impõe-se. É a cultura que exige essa integração. Com a transigência de todos - Estado e donos da biblioteca - estou convencido de que não seria difícil conseguir-se a sua aquisição.
Faço, Sr. Presidente, esta sugestão ao Governo e em especial chamo a atenção dos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças para o caso, que é de interesse nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me ocupar de uma vultosa operação comercial que está projectada, para a qual desejo chamar a atenção do Governo, designadamente dos Ministérios da Economia, das Colónias e das Finanças, e porque desejo também fazer aqui algumas considerações focando os vários aspectos económicos e morais de que se reveste essa projectada operação.
Trata-se de uma importação de 10:000 toneladas de açúcar estrangeiro, importação de que tive conhecimento (por um anúncio publicado nos jornais do dia 25 de Abril e em que se dizia prorrogar-se a data do concurso para 10 de Maio, quando primitivamente tinha sido fixada a data de 30 de Abril.
A minha curiosidade foi naturalmente solicitada para saber por que motivo ou por que motivos, dispondo nós de uma poderosa indústria açucareira colonial, tínhamos necessidade de ir importar 10:000 toneladas de açúcar estrangeiro, que representam actualmente uma drenagem de cerca de 1.000:000 de dólares a fazer nas nossas minguadas reservas cambiais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho que fazer um pouco de história para explicar os motivos por que assim sucede.
Desde 1930, aproximadamente, a política açucareira do Governo da Nação foi uma política nitidamente proteccionista, quer dizer, o preço do açúcar de produção colonial a pagar pela metrópole era superior ao preço mundial do açúcar. Havia por isso mesmo um direito pesado sobre as importações de açúcar de origem estrangeira e havia paralelamente um bónus pautal atribuído ao contingente de importação colonial, calculado de harmonia com as necessidades do consumo interno.
Esse contingente foi primitivamente de 40:000 toneladas, passou depois para 50:000, 60:000 e ultimamente está fixado tem 82:000 toneladas.
Mas durante a guerra, Sr. Presidente, as condições do mercado mundial do açúcar alteraram-se por forma que se inverteu por assim dizer a posição inicial da nossa indústria açucareira colonial; durante a guerra o preço do açúcar no mercado mundial passou a ser nitidamente superior àquele que estava fixado para pagamento do açúcar colonial e actualmente a diferença é esta: enquanto o preço das ramas coloniais para açúcar posto em Lisboa é de 1$81. o preço FOB portos de exportação estrangeiros é em dólares o equivalente a 2$25. Daí a seguinte natural consequência.
Logo que esta diferença de preço se manifestou, porventura algumas entidades açucareiros coloniais deixaram de usar da faculdade que tinham de mandar para cá o contingente favorecido pelo bónus pautal e passaram a vender para o estrangeiro, a ponto de ter sido necessária uma medida governamental que transformou a faculdade de exportação colonial para a metrópole na obrigação dessa exportação. Mas esta medida foi provocada, deve dizer-se, não por todas, mas apenas por uma ou duas das empresas produtoras de açúcar colonial.
A maior parte delas e as mais importantes, creio, nunca deixaram de cumprir, enquanto facultativo, o seu fornecimento habitual à metrópole.
O certo é que as açucareiras coloniais alegam, neste momento, que o preço de 1$81 é um preço de prejuízo, porque, deduzido o frete que pagam pelo seu transporte das colónias para aqui, deduzidas as imposições portuárias, os direitos de exportação, as taxas corporativas em Angola e Moçambique, fica-lhes para pagamento da produção um preço que não cobre as respectivas despesas. Daí ainda o facto de neste momento as açucareiros coloniais, que produzem mais que o contingente fixado para o abastecimento da metrópole, não terem neste momento nenhumas disponibilidades de açúcar, porque venderam todo o excedente do contingente de exportação para o estrangeiro a pregos mais remuneradores e compensadores do prejuízo que têm naquele que são obrigados a vender para o continente.
No entanto, devo dizer desde já que estou informado, e creio que com segurança, que ainda assim seria possível fazer vir das colónias, a partir de 1 de Maio, que é quando começa a campanha açucareira colonial, as 10:000 toneladas que se anuncia que vamos buscar ao estrangeiro.

O Sr. Henrique Galvão: - Basta que lhes paguem pelo mesmo preço que se vai pagar o açúcar estrangeiro.

O Orador: - Pagando-lhes o preço do mercado mundial, pagando mais qualquer coisa do que o preço actual, ou mesmo pagando-lhes o preço actual, estou convencido de que é possível trazer das colónias as 10:000 toneladas de açúcar, porventura ainda com algum prejuízo para as açucareiros coloniais, mas com benefício para a situação cambial da metrópole e com benefício para a renascida marinha mercante nacional, que neste momento começa a ter dificuldades em arranjar tráfego.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? A questão tal como V. Ex.ª a acaba de pôr está bem posta; mas se fosse posta no pendor de ideias que resulta da observação que acaba de fazer o Sr. Deputado Henrique Galvão, creio que já não estava igualmente bem posta. Não pode pôr-se assim o problema: pague-se às açucareiros das nossas colónias o preço do mercado internacional. Se se lhes garantiu, como disse o Sr. Deputado Mendes do Amaral, durante muitos anos um preço de favor, mais elevado do que o do mercado internacional, não é razoável que agora se altere esse preço, porque hoje é mais elevado o do mercado internacional.
O máximo a que poderia chegar-se era, independentemente das cotações internacionais, verificado que o preço atribuído já não corresponde às condições econó-

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micas da exploração no momento actual, modificar este preço de modo a pô-lo de acordo com aquelas condições.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu creio que só há interesse em esclarecer perfeitamente a questão, que é a seguinte: quando me referi à necessidade de pagar ao preço internacional é porque esse preço internacional é que melhor corresponde actualmente às necessidades de exploração.
Não há que contar apenas com certas despesas gerais, de transporte, de mão-de-obra e de produção. Hoje há que ter em conta também as despesas a que as empresas são urgentemente obrigadas para a renovação e modernização do seu apetrechamento industrial.
Durante a guerra trabalhou-se com máquinas antigas, que precisam ser substituídas, até para que se possa reduzir o custo de produção.
Se hoje não se fizerem reservas para esse apetrechamento, mais tarde encontrar-nos-emos novamente em desvantagem relativamente à indústria estrangeira.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é de conta da empresa. Na verdade...

O Sr. Presidente: - Quem está no uso da palavra é o Sr. Deputado Mendes do Amaral.
É este Sr. Deputado que deve continuar nas suas considerações.

O Orador: - Compreendo perfeitamente a observação do nosso ilustre colega Sr. Dr. Mário de Figueiredo e não tenho dúvida nenhuma em dar numa certa medida a minha adesão às suas considerações, tanto mais que S. Ex.ª nelas mencionou a possibilidade de compensação justa a pagar às açucareiras coloniais.
Não há dúvida nenhuma de que em África os gastos da produção são em grande parte constituídos por mão-de-obra indígena; porém, mesmo esta tem evoluído no sentido do encarecimento.
Mas além da mão-de-obra indígena há muitos outros elementos que intervêm na formação do preço do açúcar.
No entanto, seja como for, não é agora o momento de discutir a questão no seu âmago económico, e quero apenas acentuar que, apesar de tudo, me julgo habilitado a dizer que é possível fazer vir as 10:000 toneladas de açúcar estrangeiro.
De resto há uma coisa que não compreendo. É que já no ano passado se verificou que o contingente das 80:000 toneladas não é suficiente para o actual consumo do País.
Se esse contingente é fixado anualmente, porque é que ele não está já elevado?
Apoiados.
É nisto que consiste a previsão e a coordenação económicas.
Apoiados.
Sr. Presidente: eu quero agora focar a parte mais delicada deste assunto, a parte, digamos, moral, que são as condições em que foi aberto o concurso para o fornecimento de 10:000 toneladas de açúcar estrangeiro.,
Lê-se no anúncio publicado em 25 de Abril, anúncio da prorrogação do concurso aberto, segundo se diz aqui, no dia 21, para serem presentes as propostas no dia 30, o seguinte:

Embora tenham sido adoptadas as medidas tendentes a permitir que todos os interessados se encontrassem em condições de participar em idêntica posição no concurso para o fornecimento de acúcar, aberto através do Grémio dos Armazenistas de Mercearia, e em situação de poderem apresentar as respectivas propostas, etc.
Vamos a ver, Sr. Presidente, como é que no entender do Grémio dos Armazenistas de Mercearia se possibilitava essa apresentação de propostas no largo prazo de nove dias:

Condição 7.ª - Amostras:
Cada proposta deve ser referida a cinco amostras iguais em frascos de cerca de meio quilograma, devidamente lacrados, tendo no lacrado, bem legível, o nome da firma proponente. As amostras serão depositadas no Grémio dos Armazenistas de Mercearia e constituirão sua propriedade, haja ou não adjudicação. As amostras serão acompanhadas de boletim de análise de laboratório nacional ou estrangeiro, contendo as usuais informações, incluindo:
...............................................................................

E vêm a seguir as características que devem constar das amostras.
Pergunto, Sr. Presidente, como é possível qualquer firma importadora poder em nove dias, tanto era o prazo inicial do concurso, apresentar amostras nestas condições, vindas com certeza de portos americanos e mesmo da India? Mesmo por avião seria muito difícil, porque as formalidades necessárias para conseguir uma importação, mesmo de amostras, exigidas pelo Conselho Técnico Corporativo, são de tal natureza que não há tempo suficiente para isso em nove dias.
Mas há mais: «Declarações»: os proponentes devem apresentar as seguintes declarações:

1) Subordinação às rules (regras) aplicáveis da Refined Sugar Association de Londres, onde serão alteradas por condições especiais do Grémio de Armazenistas de Mercearia;
3) Reconhecimento de o Grémio de Armazenistas de Mercearia poder:
a) Contratar segundo o critério que entender ulteriormente e definitivamente adoptar...

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Mendes do Amaral para abreviar as suas considerações.

O Orador: - Sim senhor.

b) Contratar ou não com qualquer dos concorrentes;
c) Não adjudicar o fornecimento, devendo, em qualquer caso, entender-se não ter o proponente o direito de reclamar indemnização por perdas e danos resultantes da liberdade de contratar consignada a favor do Grémio dos Armazenistas de Mercearia.

Vou resumir e finalizar, Sr. Presidente, mas já agora cito o facto de a primeira das condições de preferência ser a moeda do pagamento e a segunda o processo de liquidação ser por troca de produtos de exportação.
Afirmo, Sr. Presidente, que é impossível a qualquer firma importadora preparar no prazo de nove dias uma compensação económica do valor de 25:000 contos, a não ser que tenha sido informada com uma antecedência muito maior.
É certo que o prazo foi adiado por mais dez dias, mas não é isso que invalida as minhas observações a propósito do aperto destas condições.
Sr. Presidente: o que me levou a pedir a palavra sobre este assunto é a circunstância de que me parece que já tem sido demasiadamente malsinada e criticada, com razão ou sem razão, a acção de determinados organismos

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corporativos, para que se permita ainda que tomem decisões como esta de abrirem concursos com condições que parecem de pura mistificação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: não deixo encerrar esta legislatura sem revelar a esta Assembleia uma descoberta em pleno século XX.
Descansem, porém, os entusiastas de Portugal maior que não vai ser aumentado o território português e tranquilizem-se os zelosos fiscais do erário da Fazenda nacional que nada mais têm a acrescentar ao fiel cumprimento da sua missão.
O que venho revelar ao Governo da Nação e a todas as entidades oficiais a quem incumbe conhecer a justiça dos anseios dos povos é a simples existência no Norte do País, aquém-Douro, de um maciço montanhoso que constitui uma das mais lindas, mais ricas e mais altas serras de Portugal.
É conhecida naquela região, desde tempos imemoriais, pelo nome de Montemuro. Não contando o concelho de Lamego, que nela também tem uma pequena parte, são três os concelhos que a constituem - Resende, Cinfães, Castro Daire -, dos mais ricos concelhos do distrito de Viseu.
A última divisão administrativa arrumou os concelhos de Cinfães e Resende para a província do Douro Litoral, o concelho de Lamego pura a província de Trás-os-Montes e Alto Douro e o concelho de Castro Daire para a província da Beira Alta.
Estes concelhos não se queixariam do mau tratamento da separação que as altas esferas lhes infligiram se tivesse havido o cuidado de os manter unidos através da sua economia, que é naturalmente o maciço montanhoso de Montemuro.
Eu não tenho tempo para revelar todos os valores desta serra, que, com excepção da da Estrela, todas as demais excede. No Talegre, ponto mais alto, atinge 1:382 metros. Numa cota aproximada de 1:200 metros, um planalto riquíssimo de 25 quilómetros quadrados permite a formação de povoações nas maiores altitudes do nosso País, como Gralheira, Panchorra, Roção, a mais de 1:100 metros, e Alhões, Cotelo e Feirão a mais de 1:000 metros.
Zona fertilíssima é esta, dos mais afamados cereais, batatas e frutas, e que, não só alimenta e cria exemplares magníficos de gado vacum e ovino, mas até dá franca entrada junto da Alagoa de D. João a rebanhos da serra da Estrela, que se vão alimentar, por alturas de Junho, nos seus excelentes pastos, em condições muito curiosas de economia rural.
O Montemuro é um verdadeiro oásis de vegetação entre as serras do Portugal.
O seu clima é sanatorial por excelência, como bem já o demonstrou o Dr. António Ramalho.
A sua história é cheia de interesse, pelas tradições e monumentos que nela existem.
O muro que deu o nome à serra, e que em parte ainda existe, é uma fortificação dos tempos proto-históricos, que traduzia o pensamento e a vontade dos seus habitantes - não passarão -, semelhante a outras defesas de betão armado que em nossos dias se constróem pour épater le bourgeois...
Os mouros deixaram aqui bem vincada a sua passagem: três freguesias têm os seus nomes -, Mamouros, Moura Morta e S. Martinho de Mouros -, assim como certos lugares com vestígios arqueológicos: Cova da Moura, Pego Moirão, etc.
A história portuguesa também está ligada, desde os primórdios da nacionalidade, a esta serra com factos de interesse incontestável, tais como são as terras de D. Egas Moniz, a honra de Resende, o milagre de D. Afonso Henriques em Santa Maria de Cárquere, etc.
Muito longe teria de ir se fosse a contar o valor histórico e económico deste achado, descoberto em pleno século XX.
Mas se VV. Ex.ªs quiserem um dia visitar esta serra maravilhosa, de panoramas inesgotáveis de cor, de variedade, de imponência, terão de calcorrear a pé ou a cavalo as suas encostas, por largas horas e longos dias, e descansar, com grande saudade das cómodas almofadas das pousadas portuguesas, em pobres choupanas, onde existe apenas a rude franqueza de bem receber.
«Entre quem é!...». Não sabiam?! Somos todos portugueses.
Lisboa é, mas Gralheira disse... O povo desta serra é português, como os melhores. Já o disse Aljubarrota.
Pois é simples e justo o que ele pede.
Que rompa a estrada na vertente sul, de Cinfães a Castro Daire.
Que se estude e rompa a estrada na vertente norte, de Resende a Bigorne.
A mais de 20 quilómetros de distância são duas estradas independentes imprescindíveis à economia duma das mais belas e férteis regiões serranas de Portugal.
O governador civil de Viseu, Dr. Amadeu de Miranda Mendes, ilustre filho do concelho de Resende, assim o compreende e bem o tem demonstrado.
O alto espírito do ilustre Ministro das Obras Públicas, sempre atento aos interesses nacionais, compreenderá a razão do anseio daqueles povos, que querem sentir nas suas terras, das mais lindas de Portugal, o sopro da renovação da vida portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Lima Faleiro.

O Sr. Lima Faleiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa, em meu nome e no dos Srs. Deputados Ernesto Subtil, Luís da Cunha Gonçalves, Belchior da Costa, Carlos Mendes, Pacheco de Amorim e Sacadura Bote, o seguinte

Requerimento

Requeremos que o Decreto-Lei n.° 37:386, de 26 de Abril de 1949, seja submetido à ratificação da Assembleia Nacional, nos termos do § 3.° do n.° 4.° do artigo 109.° da Constituição Política.

O Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Deputado Lima Faleiro, que é quase certo não haver tempo para. ser submetido à ratificação da Assembleia o decreto sobre o qual V. Ex.ª acaba de formular o seu requerimento.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à exploração portuária. Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: o diploma agora sujeito à apreciação da Assembleia Nacio-

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nal, se tem certas finalidades de ordem administrativa, como sejam a de estabelecer o regime administrativo dos portos, a de definir melhor as responsabilidades e atribuições dos diferentes órgãos de administração e de ampliar as suas áreas de competência, tem também importantes objectivos de fomento portuário contidos nas disposições, que prevêem a organização de um plano geral de utilização dos portos, que ampliam a autonomia das já chamadas juntas autónomas e que criam um organismo de coordenação da acção das administrações locais com o Poder Central.
E se as primeiras interessam predominantemente ao Estado e à sua administração, os segundos interessam directamente as regiões em que os portos se situam ou cujos interesses económicos servem.
Trago, por isso, a minha concordância e o meu louvor à proposta do Governo e, como Deputado eleito pela Madeira, aproveito a oportunidade para produzir algumas considerações que muito interessam ao desenvolvimento e ao futuro do porto do Funchal e que melhor caberiam no período de antes da ordem do dia, mas que peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara para fazer agora, dada a sua íntima afinidade com a matéria em discussão.
Sr. Presidente: o Funchal tinha antes da guerra um movimento marítimo de grande importância.
Em 1938 entraram em Leixões 452 navios, com 1.174:000 toneladas, e em Lisboa 3:237 navios, com 13.124:000 toneladas. Pois no mesmo ano entraram no Funchal 1:392 navios, com 10.462:000 toneladas, ou seja uma tonelagem que quase iguala a do porto da, capital do País.
Em 1939 o movimento marítimo dos portos portugueses ressente-se já dos efeitos da guerra. Entram em Leixões 415 navios, com 929:000 toneladas, em Lisboa 3:100 navios, com 11.104:000 toneladas, e no Funchal 1:298 navios, com 8.037:000 toneladas, ou seja cerca de 2.000:000 de toneladas monos do que em 1938, tal como aconteceu no porto de Lisboa.
Terminada a guerra, restabelecidas livremente as comunicações através dos oceanos, os portos portugueses, embora ressentindo-se da perda de um importante contingente da frota mercante mundial, começam a registar um maior movimento marítimo. Logo em 1946 Leixões tem um movimento de 669 navios, com 1.236:000 toneladas, e Lisboa 2:889 navios, com 5.132:000 toneladas de arqueação bruta. Em 1947 acentua-se a progressão. Leixões vê elevar-se para 917 o número de navios entrados, deslocando 2.000:000 de toneladas, e Lisboa regista numericamente um movimento marítimo superior ao de antes da guerra, entrando no seu porto 3:650 navios, com mais de 8.000:000 do toneladas brutas de arqueação.
O Funchal ficou a grande distância para trás.
Em 1946 entraram naquele porto apenas 327 navios, com 1:446:000 toneladas, e em 1947 444 navios, com 2:801:000 toneladas de arqueação bruta.
Enquanto que em 1938, último ano anterior à guerra, o porto do Funchal teve um movimento que era quanto a número cerca de 50 por cento e quanto a tonelagem 80 por cento do porto de Lisboa, em 1947, último ano relativamente ao qual estão publicados dados estatísticos, esse movimento foi apenas de 12 por cento quanto a número e 35 por cento quanto a tonelagem do registado no porto da capital do País.
Um conjunto de factos contribui para essa diminuição acentuada do movimento marítimo do porto do Funchal. Desapareceu uma grande parte da navegação mundial de turismo pelo afundamento de muitos transatlânticos e pelas próprias condições económicas do Mundo. Por outro lado, a navegação procura suprimir escalas para efectuar viagens, tanto quanto possível rápidas e directas, tocando de preferência nos portos que lhes proporcionem tráfego de passageiros ou mercadorias ou que lhe dêem facilidade de abastecimentos.
Por isso a Madeira considera como elemento indispensável à defesa dos interesses do seu porto o apetrechamento deste em condições de poder abastecer de óleos os navios que fazem as rotas da África e da América do Sul.
Apesar de o Funchal ser essencialmente um porto de trânsito e de turismo, muitos navios que podiam escalar aquele porto deixam de o fazer por não encontrarem ali os combustíveis líquidos de que necessitam para o seu abastecimento.
Em matéria de orientação portuária há que estudar a natureza de cada porto, a sua função económica, o papel comercial ou turístico que desempenha, saber as vantagens que oferece à navegação e as vantagens que a navegação lhe oferece para em cada caso concreto adoptar as providências julgadas mais conformes e convenientes.
Num porto como o Funchal, em que muitos navios ali aportam unicamente para dar um descanso aos seus passageiros ou atraídos pela fama das belezas da ilha, é evidente que está aconselhado dar à navegação o maior número possível de facilidades. E é evidente que a possibilidade de abastecimentos está no primeiro plano das facilidades a conceder.
Acresce ainda a circunstância de a Madeira ser vizinha de ilhas estrangeiras concorrentes: as Canárias. Não têm estas as belezas incomparáveis da nossa linda ilha atlântica. Não possuem também a benignidade do nosso clima. Mas oferecem à navegação um importante tráfego de exportação e possuem portos bem apetrechados, com instalações e depósitos, que permitem àquela abastecer-se de óleo quaisquer que sejam as condições de tempo.
A Madeira conhece os navios que tocam no Funchal pelas suas silhuetas, como em Lisboa já se começam a distinguir os grandes aviões transatlânticos pela sua linha exterior. E vê, com mágoa, que muitos dos navios pertencentes a companhias que antes da guerra incluíam aquele porto nas suas rotas nos trocaram pelas ilhas vizinhas.
De muitos já nem se fala e de outros, como o Alcântara e o Andes, que há poucos anos ainda enchiam de vida e de movimento o porto e a cidade do Funchal, só se ouve referir o seu nome quando os jornais de Lisboa anunciam as suas viagens para a América do Sul, com escala por Las Palmas...
Este porto das ilhas Canárias tem hoje um movimento que excede o de antes da guerra. Em, 1938 entraram em Las Palmas, não contando com barcos a vela, 2:602 navios, com 5.660:000 toneladas. Em 1947, enquanto no Funchal entraram 444 navios, Las Palmas registou um movimento de 3:602 navios, com 6.500:000 toneladas, ou seja uma média de 10 navios por dia.
Não estão ainda publicadas estatísticas oficiais referentes ao movimento marítimo de Las Palmas em 1948, mas por elementos provisórios já tornados públicos verifica-se que excede em muito o do ano anterior.
Las Palmas e Tenerife devem ter fornecido à navegação no último ano cerca de 1.500:000 toneladas de óleos.
Já aqui nesta Assembleia tive oportunidade de me ocupar da necessidade de apetrechar convenientemente o porto do Funchal, dotando-o de instalações apropriadas ao fornecimento de óleos à navegação.
Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer no Governo o manifesto interesse que este assunto lhe vem merecendo, nomeadamente ao Sr. Ministro das Comunicações, que há poucos dias ainda facilitou a ida à Madeira de uma missão, com o fim de colher novos

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elementos de informação e de estudo, agradecimentos que, pelo mesmo motivo, desejo tornar extensivos à Junta Autónoma das Obras dos Portos do Arquipélago da Madeira e ao governador daquele distrito, Sr. Coronel Lobo da Costa, pelo interesse e dedicação com que vem acompanhando este problema junto do Poder Central.
Parece que a solução, pelo menos com carácter definitivo, do problema dos óleos na Madeira depende do prolongamento do molhe da Pontinha, já estudado e previsto, sujeito neste momento à apreciação superior e que estou certo o novo órgão coordenador da acção das juntas autónomas e de ligação com o Poder Central não deixará de impulsionar, não só em face das possibilidades financeiras da Junta Autónoma das Obras dos Portos do Arquipélago, cujas receitas excedem as respectivas despesas em cerca de 3:000 contos anuais, mas também porque representa o natural complemento das obras realizadas no porto do Funchal nos últimos anos.
Os portos são, para muitas regiões, meios de acesso e instrumentos importantes de tráfego. Mas, para outras, como a Madeira, estão tão ligados ao seu desenvolvimento, ao seu passado e ao seu futuro que, mais do que isso, são elemento essencial do seu progresso, são, em parte e numa palavra, a sua própria vida.
Ao referir-me ao problema basilar do porto do Funchal e à necessidade urgente do seu apetrechamento, quero exprimir a minha absoluta confiança na acção do Governo, ao qual os madeirenses são devedores de largos e grandes benefícios.
Mas, deputado eleito pela Madeira, julgo do meu dever aproveitar todas, as oportunidades para exprimir os anseios e as legítimas aspirações da população de uma ilha que, constituindo um marco glorioso e secular da nossa história, é também para ela valiosíssima da economia e da riqueza da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gaspar Ferreira: - Sr. Presidente: embora preterindo muito recomendadas prescrições médicas, que, ainda agora, limitam, em muito, as possibilidades da minha actividade; embora nenhumas dúvidas tenha de que do bem pouca valia pode ser, por deficiências minhas, o meu contributo para esclarecimento do assunto em discussão, não consegui dominar o impulso para vir pôr à consideração da Assembleia reflexões minhas inspiradas em longos anos de experiência gastos na observação, na meditação e em esforços para resolução dos problemas de um porto secundário - o de Aveiro.
Na apresentação desses elementos não me deixarei guiar pelo desejo de fazer prevalecer determinado sistema, mas unicamente pelo modesto propósito de fazer acender luz, que, sinceramente o afirmo, eu próprio reputo bem bruxuleante, que localize a minha posição perante o assunto em debate.
Sr. Presidente: seria justificado, ao que julgo, que, ao tratar de assunto da mais alta importância para a vida dos portos secundários, como é aquele que a proposta de lei n.° 287 se propõe regular, eu principiasse por manifestar o meu mais entusiástico aplauso e a minha mais efusiva gratidão devida como aveirense e como português pelo que está na base de tal proposta: princípios de uma política portuária definida, logo em 1926, por um Governo saído do movimento salvador de 28 de Maio e adoptada pelo Estado Novo.
Repetindo palavras algures escritas:

Nessa política, abandonando-se a velha concepção exclusivista de uma política de grandes portos, reconheceu-se a utilidade da função económica e regional dos portos secundários, o que tem importância capital para a política económica nacional e, simultaneamente, um sentido histórico.

Mas não; não me alargarei, deixando-me arrastar no pendor dos meus sentimentos e das minhas inclinações; que as palavras seriam inadequadas, por insuficiência, à grandeza de uns e de outras. Sem relevância sairiam as exaltações de entusiasmo; com sombras espessas o quadro das perspectivas felizes para a economia nacional com a realização da política que os Governos do Estado Novo adoptaram e definiram, dando-lhe, com continuidade, relevantes realizações, que a obra patriótica e magnífica de Salazar tornou possíveis.
Não deixarei que a tentação me leve a trilhar aquele caminho e vou passar a expor o que me foi sugerido pela análise da proposta de lei n.° 287 e do parecer sobre ela da Câmara Corporativa.
Sr. Presidente: ressalta, sem dúvida, da proposta de lei que o seu objectivo é manter os portos secundários entregues à administração das juntas autónomas locais, ampliando-lhes as suas autonomias financeira e administrativa e concedendo-lhes autonomia técnica no respeitante a obras interiores.
O parecer da Câmara Corporativa aceita tal doutrina, excepto pelo que diz respeito à autonomia técnica relativamente a obras interiores, pois só com ela concorda no que se refere a obras de interesse local e restrito quando custeadas pelos próprios meios.
Aqui está a divergência fundamental outro a proposta e o parecer e que se encontra manifesta nos conteúdos da base IV da proposta e da base correspondente preconizada pelo parecer da Câmara Corporativa.
O assunto parece-me digno, de toda a atenção.
Sr. Presidente: anteriormente à publicação do decreto-lei que criou o Ministério das Comunicações, as juntas autónomas estavam dependentes do Ministério das Obras Públicas, sendo os engenheiros directores dos portos nomeados por decreto, mediante proposta fundamentada da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Obteve-se com esse regime, cuja estrutura o Decreto n.° 23:312, de 15 de Março de 1933, fortaleceu vigorosamente, uma combinação de acção das juntas o da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, a que conforme diz o relatório do parecer da Câmara Corporativa rotativo à proposta de lei em discussão, «pode atribuir-se a preparação do vasto plano de obras nos portos, que se acha em parte realizado e em parte em execução, e de que tão assinalados benefícios se têm colhido».
Pelo regime estabelecido por aquele Decreto n.° 23:312 a orientação técnica das obras dos portos do continente e ilhas adjacentes, com excepção do porto de Lisboa, era da competência da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e essa orientação técnica era exercida, nos portos administrados por juntas autónomas, por intermédio dos engenheiros directores dos portos, cuja nomearão, repito, era feita por decreto, mediante proposta daquela Direcção.
Só nos pontos onde ainda não tivessem sido criadas as respectivas juntas autónomas, e só enquanto o não fossem, aquela orientação técnica era exercida por intermédio de engenheiros civis em serviço na Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Por essas disposições e outras, sendo essas as essenciais, «se facilitava - di-lo o relatório daquele Decreto n.° 23:312 - a direcção e a fiscalização das obras, ao mesmo tempo que se estabeleciam condições propícias à formação especializada dum grupo de engenheiros que garantisse sequência na aplicação de directrizes para a técnica e para a condução das obras».

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Funcionou aquele regime, até à publicação do decreto-lei que criou o Ministério das Comunicações, por modo-televante, o que eu desejo acentuar por forma bem expressa.
A Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos foi orientadora, estimuladora e impulsionadora de todas essas vastas realizações das obras portuárias.
A sua autoridade em tal campo de acção, fundamente alicerçada em largos anos de trabalhos e esforços, impuseram-na à gratidão do País, mas há também que reconhecer, e o relatório do parecer da Câmara Corporativa reconheço-o, que foi altamente valiosa, e eu julgo-a mesmo insubstituível, a cooperação dos engenheiros directores dos portos no estudo e execução das obras dos mesmos.
E foi pelo muito que só havia revelado útil para o interesse nacional a combinação de acção das juntas com a da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos que eu vi com forte receio terminar, por efeito do decreto-lei que criou o Ministério das Comunicações, o regime que anteriormente vigorava.
Sr. Presidente: no regime em que têm vivido as juntas depois da criação do Ministério das Comunicações e em que tem prevalecido, por forma muito notável, o império do conceito de bem servir o interesse nacional, em obediência ao qual têm sido reguladas as relações entre as juntas, Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e Ministério das Comunicações, há que definir os preceitos legais que regulem aquelas relações e há que actualizar os regulamentos das juntas autónomas.
É isto que tem em vista a proposta de lei n.° 287.
Sr. Presidente: o facto que me parece incontroversível é que, actualmente, as juntas autónomas se encontram, hierarquicamente, desligadas da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Consequência: romper-se a cooperação técnica, anteriormente determinada por disposição legal, dos engenheiros directores dos portos com a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
Isto põe um problema da maior gravidade, para cuja resolução se mostram rotundamente divergentes, como já disse há pouco, os critérios manifestados na proposta de lei o no parecer da Câmara Corporativa.
Com efeito, a base IV da proposta de lei avoca para as juntas a competência para o estudo e execução das obras dos portos marítimos e terrestres destinadas à exploração comercial, ao passo que o parecer da Câmara Corporativa entende que essa competência deve ser limitada às obras de interesse local e restrito a custear pelos seus próprios recursos.
Daqui resulta que de facto o que principalmente está posto à deliberação da Asssembleia é: ou juntas com competência para estudar o executar as obras interiores dos portos destinadas à exploração comercial, com perda, para a orientação das obras, da comprovada competência da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, organismo do Ministério das Obras Públicas, substituído naquelas funções de orientação por um organismo central a criar no Ministério das Comunicações, como é proposto na base X da proposta de lei: ou a competência para estudar e executar as referidas obras interiores continua a ser da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, agora, porém, desprovida dos meios de acção que o Decreto n.° 23:312 lhe atribuía: os engenheiros directores dos portos.
Da primeira alternativa resultará oneroso encargo para as juntas com o custeio do organismo central previsto pela base X da proposta de lei e poderá faltar, na orientação das obras, uma maior experiência e possivelmente, na sua execução, alguns meios de acção.
Da segunda alternativa resultará perigo de morte para os portos e para os interesses regionais confiados às juntas; dilação, para além do tempo útil, por falta de pessoal técnico e por insuficiência de elementos necessários para o estudo e projecto de obras essenciais à vida dos portos e à economia das regiões pertencentes à sua zona de influência.
Os inconvenientes de qualquer das duas soluções - a preconizada pela proposta de lei e a preconizada pelo parecer da Câmara Corporativa - indicam, a meu ver, a utilidade e até a necessidade de uma revisão ponderada do assunto. Falta-me, porém, a técnica parlamentar necessária para dar realização, se é que na realidade a pode ter, a este critério e por isso eu, por mim, colocado entre as duas pontas do dilema, opto, embora contristado por ter que optar, pela base IV da proposta de lei.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Antunes Guimarães disse ontem no seu muito brilhante discurso que, o fim principal da proposta de lei era criar no Ministério das Comunicações um organismo central, que teria a categoria de direcção-geral, para orientação e fiscalização técnica e administrativa das juntas e cujo custeio seria encargo destas. Fundamentou S. Ex.ª principalmente, ao que depreendi das suas palavras, na provável grandeza desse encargo a sua declarada preferência pelas alterações à proposta preconizadas no parecer.
Eu permito-me chamar a atenção da Câmara para o facto de que a criação dum organismo central é também preconizada no parecer da Câmara Corporativa.
De diferentes critérios quanto ao assunto da base IV resultam diferentes atribuições de competência ao organismo central e talvez uma diferença de encargos que não tenho elementos para computar.
O critério de economia parece-me ser muito de considerar; mas parece-me ser de maior relevância o problema das possibilidades de realização das funções que competem às juntas autónomas.
Sr. Presidente: antes de terminar, embora repetindo-me em muitos pontos, eu pergunto:
A redução das funções das juntas de muitos portos, dos que ainda estão em fase de construção, a funções quase exclusivamente de administração, como resultará da adopção da alteração proposta no parecer da Câmara Corporativa à base IV da proposta de lei, não será um mau e inconveniente aproveitamento do pessoal técnico das juntas, especializado, na sua maioria, durante longos anos, com pesados encargos para as juntas?
As obras interiores não exigem, para a elaboração dos seus projectos, observações diárias, conhecimentos locais, trabalhos múltiplos para recolha de elementos, que impõem a impreteribilidade da necessidade de um contacto íntimo e contínuo entre o porto e o técnico?
Não será indispensável o trabalho diário dos técnicos das juntas para que estudos e projectos das obras interiores de que dependerão as possibilidades de utilização dos portos possam ser elaborados em tempo útil?
A essas três perguntas eu julgo não poder deixar de ser dada uma resposta afirmativa.
Sr. Presidente: excedi já, em muito, o tempo que a saúde e a benevolência da Câmara tornavam legítimo gastar. Do abuso da benevolência da Câmara peço perdão com humildade provinda da consciência de ser o menor.
Para terminar, direi mais uma vez que, colocado em frente das alternativas do dilema posto pelos critérios discordantes da proposta de lei e do parecer, eu, pelas razões expostas, já que é impossível, por agora, rever o problema, decido-me pela proposta de lei e sobre o texto desta proponho que seja feita a discussão na especialidade.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Presidente: - Não se encontra mais ninguém inscrito para usar da palavra, pelo que vou encerrar o debate na generalidade.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta para que se adopte como base de discussão na especialidade o texto do parecer da Câmara Corporativa.
A referida proposta é a seguinte:

Propomos que se adopte para a discussão o parecer da Câmara Corporativa e as bases III, VI, VII, VIII, XIII, XIV, XV, XVI e XVII a que aquele parecer não propõe qualquer alteração.
Os Deputados:
João Antunes Guimarães
Francisco Cardoso de Melo Machado
Ricardo Spratley
Luís Teotónio Pereira
Luís Cincinato Cabral da Costa.

O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate na generalidade. Vai passar-se à discussão na especialidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa uma proposta subscrita pelo Sr. Deputado Melo Machado e outros Srs. Deputados para que se adopte como base de discussão o texto do parecer da Câmara Corporativa quanto às bases I, II, IV, V, IX, X, XI e XII.
Vou submetê-la à votação.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base I tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta de emenda, que vou mandar ler.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de alteração à base I do parecer da Câmara Corporativa:

Intercalar, entre as palavras «serão consideradas» e «para a determinação do plano geral», as seguintes: «na medida em que não for contra-indicado pela evolução do tráfico dos portos considerados».
Os Deputados:
Gaspar Inácio Ferreira
José Luís da Silva Dias
Querubim do Vale Guimarães
Ricardo Spratley
António de Almeida
Manuel Marques Teixeira
Alberto Henriques de Araújo.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base I, com a emenda que acaba de ser lida.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a base I do parecer da Câmara Corporativa, com a referida emenda ao segundo período da mesma base.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base II do parecer da Câmara Corporativa.
Sobre esta base não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida ò votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III.
Segundo a proposta apresentada pelos Srs. Deputados Antunes Guimarães, Melo Machado e outros Srs. Deputados, pretende-se perfilhar o texto da proposta de lei.
Vou, portanto, pôr à discussão a base III tal como consta da proposta governamental.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV do parecer da Câmara Corporativa. Sobre esta base há na Mesa uma proposta de emenda, que vou mandar ler.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de alteração à base IV do parecer da Câmara Corporativa:

A alínea f) será aditado: «bem como para a elaboração dos projectos e execução dessas mesmas obras».

Os Deputados:
Gaspar Inácio Ferreira
José Luís da Silva Dias
Querubim do Vale Guimarães
Ricardo Spratley
António de Almeida
Manuel Marques Teixeira
Alberto Henriques de Araújo.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto ninguém desejar fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base IV do parecer da Câmara Corporativa com o aditamento proposto.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base V do parecer da Câmara Corporativa.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta de emenda, apresentada pelos Srs. Deputados
Querubim Guimarães,
António de Almeida,
Marques Teixeira,
Gaspar Ferreira,
Ricardo Spratley,
Alberto de Araújo e
Silva Dias,
que vai ser lida à Câmara.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de alteração à base V do parecer da Câmara Corporativa:

a) Substituir as palavras «destinadas ao melhoramento do apetrechamento dos portos» pelas seguintes: «destinadas ao desenvolvimento dos portos e ao seu melhoramento e apetrechamento».
b) Acrescentar ao segundo período, em que se estabelece a competência das juntas autónomas: «elaborar os planos gerais de arranjo e expansão dos portos, os quais serão submetidos à apreciação do Governo para organização dos respectivos projectos, propor tudo o que julguem conveniente com vista ao melhoramento e desenvolvimento dos serviços e instalações dos portos».

O Sr. Presidente: - Ponho à votação a base V do parecer da Câmara Corporativa, com a proposta de emenda que acaba de ser lida à Assembleia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

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O Sr. Presidente: - Estão em discussão as bases VI, VII e VIII da proposta de lei. Sobre estas bases não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vão votar-se conjuntamente as referidas bases.
Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IX do parecer da Câmara Corporativa, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base X do parecer da Câmara Corporativa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XI do parecer da Câmara Corporativa, que corresponde à antiga base XII da proposta de lei.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vou pôr à votação esta base XI do parecer da Câmara Corporativa, que importa a eliminação da base XI da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XIII da proposta de lei, que deverá passar a ter o n.° XII, em virtude da eliminarão da base XI.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

Seguidamente foram aprovadas, sem discussão, as bases XIV, XV, XVI e XVII da proposta de lei governamental, que deverão passar a ter ou n.ºs XIII, XIV, XV e XVI.

O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão e votação da proposta de lei n.° 287, sobre a exploração portuária.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão da Conta Geral do Estado e das Contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1947.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: quem pretender apreciar, com cuidadosa atenção, a gerência financeira do Estado, vê-se metido em um tal labirinto de disposições legais, através das quais só muito dificilmente consegue abrir caminho.
Várias e muito repetidas vezes tem esta Assembleia chamado para o facto a atenção do Governo sem que até hoje, e infelizmente, os seus justos anseios tenham sido satisfeitos.
Se é certo que a matéria respeitante a contribuições e impostos é a mais visada e a que mais directamente ao grande público interessa, certo também é que os assuntos da Fazenda e da contabilidade pública igualmente se acham dispersos e espalhados profusa e difusamente por inúmeras disposições legais, que bem urgente é rever e coordenar.
Apoiados.
Já em 1907 o Governo de João Franco havia reconhecido a necessidade de reformar o velho regulamento geral de contabilidade de 1881, e pelo artigo 49.° da Lei de 20 de Março de 1907 foi constituída uma comissão para tal fim, a qual aliás não o levou a cabo.
Veio depois o artigo 20.° do Decreto n.° 5:519, de 8 de Maio de 1919, renovar tal iniciativa, e a comissão por ele nomeada chegou a concluir a sua missão, estando o seu trabalho impresso desde 1921, sem, no entanto, haver sido utilizado.
Pelo Decreto-Lei n.º 18:381, de 24 de Maio de 1930, fez-se a notável reforma da contabilidade pública, que mais ainda veio tornar evidente a urgência da publicação do regulamento geral, urgência essa expressamente reconhecida no douto relatório do Decreto-Lei n.° 27:223, de 21 de Novembro de 1936, onde se disse que a oportunidade da sua publicação não devia vir longe.
Já, no entanto, decorreram doze longos anos após tal promessa, sem que até hoje haja sido cumprida, falta esta que não pode deixar de anotar-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A conta provisória do Tesouro deve ser publicada, de harmonia com o artigo 3.° da Lei n.° 1:611, de 30 de Junho de 1924, e com o artigo 42.° do Decreto n.° 18:381, de 24 de Maio de 1930, actualizado pelo artigo 5.° do Decreto n.° 25:538, de 26 de Junho de 1935, dentro do prazo máximo de quarenta e cinco dias, contado do fim do mês a que respeita a respectiva conta, podendo as dos meses de Dezembro e de Janeiro ser publicadas até 31 de Março imediato.
Tais preceitos legais não se acham rigorosamente cumpridos, e assim se vê que as coutas dos meses de Janeiro a Novembro de 1948, que deveriam ser respectivamente publicadas até 31 de Março, 14 de Abril, 15 de Maio, 14 de Junho, 15 de Julho, 14 de Agosto, 14 de Setembro, 15 de Outubro, 14 de Novembro, 15 de Dezembro e 14 de Janeiro, só foram publicadas em 13 de Setembro, 20 de Setembro, 30 de Setembro, 13 de Outubro, 22 de Outubro, 1 de Novembro, 12 de Novembro, 20 de Novembro, 14 de Dezembro, 4 de Janeiro e 5 de Fevereiro.
Também se abandonou a publicação da conta do último mês de cada ano económico, que pelas citadas disposições legais há que fazer-se até 31 de Março, para dilatá-la para fins de Agosto ou princípios de Setembro, embora ela então surja com excelentes relatórios, que depois, feitas as correcções de números exigidas pelo apuramento das contas definitivas, com estas são apresentados.
Sr. Presidente: a Conta Geral do Estado, de harmonia com o artigo 43.° do Decreto n.° 18:381, de 24 de Maio de 1930, actualizado pelo Decreto n.° 25:538, de 26 de Junho de 1935, e Decreto-Lei n.° 27:223, de 21 de Novembro de 1936, continua a ser organizada por forma que a sua publicação se realize até 31 de Outubro do ano seguinte àquele a que disser respeito.
Mas obedecerá ela a todos os preceitos por lei exigidos?
Ainda não.
Determinou o § 1.º do artigo 1.° do referido Decreto-Lei n.° 27:223 que a partir do ano económico dê 1936 a Conta Geral do Estado contivesse, além do mencio-

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nado nas alíneas desse artigo, o balanço entre os valores activos e passivos do Estado.
O seguro e douto legislador já havia, anos antes, apreciado esta importante matéria, dizendo, no relatório do Decreto-Lei n.° 22:728, de 24 de Junho de 1933:
As contas públicas, apesar do muito que têm melhorado, mercê da reforma de 1930, oferecem ainda como elementos de apreciação da administração pública uma gravíssima lacuna.
Fazendo a demonstração das receitas e despesas do Estado em cada período [financeiro, e podendo, sob certos aspectos, ser completadas com a publicação da nota mensal da dívida flutuante e do relatório da Junta do Crédito Público, falta-lhes um elemento imprescindível, que é a conta do património.
É em qualquer caso uma vergonha que não estejamos ainda em condições de, à semelhança de muitos outros países, apresentar a canta, do património com a Conta Geral do Estado.

Perante tão firmes palavras do legislador, é lamentável que, já decorridos perto de dezasseis anos, a falta apontada ainda subsista.
Sr. Presidente: o Regulamento Geral da Contabilidade Pública, de 31 de Agosto de 1881, divide tal contabilidade em legislativa, administrativa e judiciária, compreendendo a primeira a votação da Lei de Meios, a fiscalização geral e a apreciação das contas; a segunda as escriturações oficiais, fixando a terceira, por sentença, a responsabilidade dos gerentes, e certificando por declarações autênticas toda a receita e despesa efectuadas.
Para que esta contabilidade judiciária se exerça pelo Tribunal de Contas, determina o artigo 15.° do Decreto n.° 26:341, de 7 de Fevereiro de 1936, que à sua Direcção-Geral serão remetidas todas as contas até 31 de Maio do ano seguinte àquele a que respeitam, com as excepções do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 29:174, de 24 de Novembro de 1938, ou sejam: as dos Ministérios da Guerra e da Marinha, que o podem ser até 30 de Junho, e as dos Consulados, que podem ir até cento e vinte dias.
E o artigo 6.°, n.° 11.°, do Decreto n.° 22:257, de 25 de Fevereiro de 1933, concede ao Tribunal de Contas o prazo máximo de dois anos, depois de findar cada gerência, para publicar no Diário do Governo o seu parecer fundamentado sobre a execução da lei de receita e despesa e leis especiais promulgadas, declarando se foram integralmente cumpridas e quais as infracções e seus responsáveis.
Sr. Presidente: apesar da grande importância sempre atribuída a este parecer e declaração geral de conformidade, só muito raramente eles foram dados.

O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença? Hoje a designação de rigor é a de relatório, segundo a Constituição de 1933.

O Orador: - Registo a correcção.
E a importância que o Regulamento de 1881 lhe atribuía era tal que atá no seu artigo 312.° declarava que o relatório e declaração geral do Tribunal de Contas subissem à presença do Rei e, depois de impressos, remetidos às Câmaras Legislativas.
Sr. Presidente: pela primeira vez após as notáveis reformas, financeiras de Portugal, é dado a esta Assembleia Nacional apreciar, de harmonia com o artigo 91.°, n.° 3.°, da Constituição, o relatório e decisão do Tribunal de Contas, facto que justo é salientar e louvar.
No seu douto discurso nesta Assembleia, em 19 de Março de 1948, o venerando presidente do Tribunal de Contas e ilustre Deputado Sr. Dr. Águedo de Oliveira dava a conhecer que sério esforço seria feito no sentido da apresentação, dentro do prazo legal, de uma declaração restrita à Lei de Meios, às leis especiais e aos quadros fixados no Decreto-Lei n.° 27:233 e de um relatório que abrangesse o movimento real das contas, independentemente do seu acerto para conferência.
Assim opinava pessoalmente e assim o veio a fazer o muito venerando e douto Tribunal, sendo os seus trabalhos publicados no Diário do Governo de 21 de Março de 1949, e portanto muito antes do fim do prazo legal que lhe era facultado e que só expirava em 31 de Dezembro de 1949.
Fê-lo, porém, dentro daquelas anunciadas restrições, e esclarecendo:

Isto pôde ser feito não sem dificuldade nesta primeira, tentativa, que, sem embargo de não exceder o carácter de ensaio, se assentou seriamente sobro trabalho apropriado e minucioso, e não sem dificuldade ainda, porque, como já foi explicado publicamente, a Assembleia Nacional, estabelecendo como praxe constitucional ininterrupta tomar as contas na 1.ª sessão legislativa após o fim do ano económico, reduz de dois para um ano o espaço de tempo destinado ao trabalho de verificação e revisão deste Tribunal.

Bom foi que se dissesse que era uma primeira tentativa o ensaio, pois que ao preceito legal não se chegava a dar inteiro cumprimento, visto ele exigir mais, e até a declaração das infracções e seus responsáveis.
De esperar, no entanto, é que futuramente estes trabalhos se vão completando, para o que muito deve concorrer a publicação do já há tanto tempo anunciado Regulamento Geral da Contabilidade Pública.
Há que coordenar e harmonizar serviços e há que ajustar prazos, há que rasgar o emaranhado labirinto das inúmeras, profusas e difusas disposições legais, pois esta tão perigosa e tão acidentada viação acha-se cheia de curvas perigosas e de difíceis passagens de nível, sem que nela se vislumbre a mais rudimentar sinalização.
É certo que os movimentados tempos que decorrem são pouco propícios à serena e calma consolidação das leis, mas se ela é operação pouco fácil de realizar, isso não significa que se ponha de lado, dada a sua evidente e urgente necessidade.
Ainda há poucos dias em Lake Success se formou uma comisão com o fim de levar a cabo o difícil trabalho de codificar todas as leis internacionais existentes, ficando a presidi-la o juiz Manley, tendo por vice-presidentes o professor Koretsky e Sir Narsing Rau.
Ora, se nesta quase volátil matéria do direito internacional se trabalha para a sua codificação, porque abandonar a consolidação do nosso direito interno e designadamente, e muito especialmente, a do departamento do Ministério das Finanças, tão insistentemente e tão justamente reclamada?
Atender esse clamoroso pedido é inadiável dever do Governo, que nos respectivos serviços tem, aliás, pessoal de competência sobeja para o fazer.
Termino pedindo também para este assunto o cumprimento das bem expressivas palavras de Salazar (Conta Geral do Estado de 1938, relatório a p. LVIII):

E verificada a necessidade, traçada a orientação, assentes os princípios, conhecidas as condições, é to-

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mar um a um os problemas concretos, remover as dificuldades e pôr a máquina em movimento: é trabalhar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: restabelecida a autoridade do Estado, saneada a administração e as finanças, os triúnviros monetários da velha Roma, magistrados incumbidos de moldar e cunhar o ouro, a prata e o bronze, deslumbrados pela força crescente do Império, inscreveram nas moedas as mais lisonjeiras referências aos governantes. Mesmo quando o estado romano embarca por maus caminhos, na hora próxima da sua decadência o ruína, nos instantes críticos em que o ouro é cada vez mais fino e a prata já apenas leve camada sobre o bronze, os elogios são idênticos.
No bem como no mal, na prosperidade como na crise, a sua orientação é idêntica.
Não podemos acusar de tão perigosos exageros o ilustre relator da Comissão das Contas Públicas, o Deputado José Dias de Araújo Correia, que num labor profícuo, honesto e exacto vai trazendo anualmente a esta Casa o parecer sobre as Contas Gerais do Estado.
As suas críticas, por vezes duras, os seus apelos severos para maior coordenação e economia de serviços e para a supressão do verbas daninhas, que certas facilidades e desafogo insinuaram no orçamento, têm finalidade prática e construtiva. Da leitura de todos estes trabalhos ressaltam regras claras e simples de administração e a convicção de que alguns sacrifícios poderiam, sem dúvida, evitar prolongados males no futuro.
Nos negros quadros que por vezes traça com vigor não consegue, contudo, o ilustre relator esconder certo optimismo, que teimosamente mantém nas mais aflitivas conjunturas que nos apresenta.
Nas suas palavras fluentes aparece a viabilidade de coordenação fácil entre serviços públicos, por vezes hermeticamente fechados como fortalezas maciças. Vemos os rios precipitarem-se nos vales para irrigar vastas extensões de terrenos, os jazigos minerais serem explorados com economia e a energia hidroeléctrica a transformar e renovar o agro português num deslumbrante conjunto de realizações.
Não é possível tratar em detalhe os inúmeros problemas que levantam tão vastos planos nem é tarefa a que se possa abalançar uma só pessoa, e tais assuntos bem mereciam cuidadosa investigação das várias secções especializadas da Câmara Corporativa, visto terem deixado de existir as sessões de estudo na Assembleia Nacional e ser difícil o exame do parecer pelas várias comissões especializadas desta Assembleia.
A Comissão e o ilustre relator entenderam, e muito bem, que não podiam separar o financeiro do económico; talvez fosse, portanto, conveniente sugerir outros processos de trabalho, que seriam até esclarecedores de alguns avisos prévios anunciados ou mesmo já realizados nesta Assembleia.
É evidente, Sr. Presidente, que o gigantesco problema equacionado envolve, além do fomento da iniciativa particular, toda a tecnologia, ciência da administração, utilização racional do trabalho e até a organização dos mercados. Tarefa decerto morosa.
Temos de pensar, olhando apenas a faceta restrita dos planos esboçados, no que diz respeito à agricultura, que foram precisos setenta anos de mutações, de 1869 a 1936, para se poder transferir a investigação agronómica das inadequadas instalações de Belém para o novo edifício de Sacavém. A estação agronómica, aliás, só ficou instalada em 1941 e julgo que o seu equipamento mínimo está longe de estar completo.
É necessário dizer que em muitos sectores responsáveis se duvida ainda da utilidade da investigação e dos estudos. Torna-se, portanto, indispensável, antes de mais nada, assentar numas directrizes definidas e mesmo promover larga campanha esclarecedora do espírito público. Ao contrário do que afirma o ilustre relator, não estou convencido de que o agricultor português descrê de melhorias derivadas de inovações. Não tem capacidade económica para se abalançar a experiências e, portanto, é preciso que alguém as faça em seu lugar.
Uma vez convencido, adopta com alvoroço os novos processos de cultura e de tratamento de pragas e doenças e dedica-se até à melhoria dos seus processos tecnológicos.
Serve isto para chegar à conclusão - e julgo que neste ponto estarei inteiramente de acordo com o ilustre relator - de que na base do problema económico português, por muito estranho que pareça, está um problema de educação. Quanto maiores forem os elementos materiais postos à disposição do nosso povo, mais premente e angustioso se irá tornando esse problema, tão certo é a força do espírito dominar sempre a matéria, e só ela pode rejuvenescer a face da terra.
Não desejo, contudo, alongar a minha exposição e, portanto, só me resta felicitar a Comissão e o seu relator pelo seu trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: devo dizer que devia também ser motivo de grande regozijo o facto de, pela primeira vez depois de 15 de Maio de 1900, data em que o velho Tribunal de Contas aprovou as contas públicas de 1892-1893 e as do exercício de 1891-1892, vir a público o relatório dessa instituição relativo às contas públicas.
Desde a organização do Tribunal de Contas pelo Decreto n.º 18:962, de 25 de Outubro de 1930, em substituição do Conselho Superior de Finanças, após a reorganização de 1933 e dos decretos subsequentes em 1936, tornados necessários pelos novos princípios da contabilidade pública, era de esperar ser possível ao Tribunal prestar os seus esclarecimentos à representação nacional.
Só podem realizar o meritório esforço desenvolvido aqueles que tenham de organizar e enviar ao Tribunal para julgamento as contas da sua gerência. Uma caudalosa torrente de volumes, caixas, maços e documentos penetra anualmente no seu arquivo. A sua fiscalização preventiva abrange milhares e milhares de diplomas, actos e contratos.
Tem ainda de fiscalizar jurisdicionalmente a posteriori, conferindo, ajustando contas e tirando ainda numerosos acórdãos.
O seu labor é múltiplo e difícil e mão admira, portanto, não ter até agora cumprido o dever constitucional que lhe estava imposto.
As dificuldades principais apontadas pelo Tribunal podem ser assim grosseiramente resumidas:
1.° Rectificações nos mapas de despesas autorizadas previstos no Decreto n.° 27:327, de 15 de Dezembro de 1936, no seu artigo 3.°, dando origem a devoluções e atrasos;
2.° Falta de escrituração conveniente nalguns serviços da conta corrente de dotações orçamentais, nos termos do artigo 13.° do Decreto n.° 18:381, de 24 de Maio de 1930, e do § 1.º do artigo 6.° do Decreto n.° 26:341, de 7 de Fevereiro de 1936.

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Esta deficiência, que motivou já o estudo de outro modelo de mapa e novas instruções, foi remediada por processo indirecto;
4.° Falta de comunicação de estornos, por parte das direcções de finanças, depois da remessa dos modelos e contas ao Tribunal;
5.° Falta de uma escrita subsidiária relativa a verbas comuns que permita a verificação rápida dos mapas dos serviços beneficiários, em face da conta publicada;
6.° Exiguidade do pessoal disponível.
Finalmente, parece ser indispensável a elaboração dum regulamento geral de contabilidade pública, tal como se previa no Decreto n.° 27:223.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Resta ainda abordar o problema dos organismos de coordenação económica.
Estes organismos encontram-se numa situação bastante difícil perante o Tribunal de Contas.
1.° Falta de regulamento interno, que se afigura indispensável ao Tribunal, e a este propósito permito-me acrescentar que também a Junta Nacional do Vinho possui regulamento interno, o qual foi submetido à apreciação superior em Dezembro de 1939.
Esta falta provém da própria evolução do sistema corporativo e das vicissitudes imprevistas da guerra e da conjuntura económica.
2.° Demora do Tribunal em poder conferir e julgar as contas, o que impossibilita as administrações de conhecerem com segurança qual a orientação que se deve dar a numerosos pontos de gerência. Os fins especiais destes organismos e as tarefas que lhe têm sido impostas não têm contrapartida nos serviços públicos e torna-se muito difícil aplicar com absoluto rigor os princípios da contabilidade do Estado, sob pena de inutilizar por completo a sua missão e impossibilitar praticamente o seu funcionamento.
3.° Divergência de critério do Estado em relação aos organismos de coordenação, que, ao passo que se deseja aplicar a suas gerências princípios idênticos aos da contabilidade pública, considera os organismos como verdadeiras entidades comerciais, mesmo quando não praticam qualquer acto de comércio, e lhe vai agravando a situação financeira e tirando todas as regalias de carácter fiscal inicialmente concedidas.
Este mesmo critério já foi aplicado pelo Estado no passado aos sindicatos e cooperativas agrícolas, com os resultados desastrosos que são bem conhecidos de todos que estudaram o assunto.
4.° Não possuem os funcionários dos organismos de coordenação nenhuma garantia de estabilidade de função comparável ao funcionário público, muitos não gozarão certamente das reformas previstas pela caixa de previdência, não se encontram protegidos contra a invalidez por tuberculose e são-lhe feitos nos vencimentos descontos que os funcionários públicos não sofrem. Ao contrário do que erradamente se imagina, a grande maioria teve durante largo tempo vencimentos bastante inferiores aos funcionários públicos. Por estes motivos e por outros que é fácil esclarecer, viram-se muitas vezes as direcções dos organismos na necessidade premente de prestar assistência social ao seu funcionalismo e de conceder auxílio a doentes ou inválidos, que as mais elementares razões de humanidade impedia pura e simplesmente de despedir.
Sr. Presidente: estas deficiências, se assim se podem chamar, e que aliás o Tribunal tem julgado geralmente com benevolência, vão sendo eliminadas pela natural evolução do sistema corporativo.
As exigências do Tribunal de Contas têm certamente sido benéficas para acelerar o esclarecimento de problemas de administração e contabilização duvidosos, mas não é menos certo que os administradores de patrimónios comuns se têm visto em sérias dificuldades para conhecer com rigor quais são os critérios aplicáveis na ausência de legislação formal e explícita.
Sr. Presidente: a evolução da contabilidade nos últimos anos tem criado uma verdadeira ciência. Pode ser considerado como um dos seus importantes ramos o controle da contabilidade, o auditing levado a grande perfeição técnica por ingleses e americanos. Todos os dias se vão apresentando no mercado mundial máquinas de contabilidade cada vez mais evoluídas e perfeitas, à medida que progride a técnica dos balanços e a ciência dos custos e se amplifica a contabilidade positiva da escola neocontista.
A necessidade de elaborar planos económicos tem levado os estudos modernos a preocuparem-se com a contabilidade nacional, evolução lógica dos estudos sobre rendimento nacional, e cujo especialista mais conhecido é Richard Stone. Essa contabilidade, cujos objectivos ainda recentemente foram explicados numa conferência do Dr. Amaro Guerreiro, não é simples fantasia teórica, mas realidade palpável, que já se traduz pela publicação de contas nacionais por vários estados.
Essa contabilidade ou qualquer outro sistema esclarecedor do rendimento nacional terá fatalmente de ser adoptado um dia.
Levará a nova revisão da contabilidade pública e até à necessidade de impor normas de contabilidade às empresas individuais ou colectivas, o que só pode ser benéfico.
A expansão do estado moderno e dos seus serviços acabará fatalmente por impor tão esmagadora tarefa às entidades fiscalizadoras que será necessária nova revisão de processos e mesmo de critérios.
Que essa data não se encontra muito afastada ressalta do exame atento do relatório e declaração geral do Tribunal de Contas.
O equilíbrio das contas, a sua clareza e organização, a sua aprovação e publicação dentro dos prazos legais constituem factos positivos de justificado orgulho nacional.
Se fosse ainda uso, como no tempo de Roma, gravar tais factos nas moedas para conhecimento dos vindouros, ninguém nos poderia acusar de faltar à verdade e de fazer mais do que prestar justiça e testemunhar reconhecimento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Sr. Dr. Águedo de Oliveira, ao proferir nesta Assembleia o seu notável discurso de 19 de Março de 1948, não se limitou a juntar mais uma peça de boa literatura a tantas outras com que desde a I Legislatura nos vem deliciando e enriquecendo.
Não; aquelas eruditas e muito ponderadas considerações mais não eram do que as linhas mestras de um programa traçado por quem sabia que dentro em pouco seria guindado à alta e difícil presidência do Tribunal de Contas.
Mas não ficou num programa bem delineado e admiravelmente exposto em prosa castiça, com citações da prática seguida no estrangeiro em matéria de fiscalizarão de contas públicas e a rápida, mas saborosa e elucidativa história da intervenção das Cortes portuguesas na autorização tributária e fiscalização de contas, prerrogativas que passaram para a Câmara dos Deputados com o advento do Constitucionalismo, e ainda a função exercida nestes domínios pelo Tribunal de Contas, instituição que, vai

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para meio século, deixara de a exercer, pois desde 1900, em que aquele velho Tribunal se pronunciara sobre as contas publicas da gerência de 1892-1893 e do exercício de 1891-1892, mais não cumpriu o seu dever constitucional.Não ficou em delineamentos habilmente traçados a citada intervenção do ilustre Deputado Sr. Dr. Águedo de Oliveira.
Volvido um ano, restabeleceu-se uma antiga e meritória tradição com a apresentação à Assembleia Nacional pelo Tribunal de Contas, do relatório e declaração geral sobre a Conta Geral do Estado do ano económico de 1947.
Preciosos os elementos que ali só arquivam e esclarecem.
Mas notei haver muitas leis especiais que, derrogando a competência normal do Tribunal de Contas, furtam ao seu exame quantidade de organismos que giram com avultadas somas do Estado, ou cobradas por via diversa das tesourarias públicas, mas que nem por isso deixam de ser pagas pela produção nacional, isto é, pelos mesmos contribuintes que vão provendo o erário de recursos e que legitimamente querem saber o destino do que desembolsam, qualquer que seja o título ou a via adoptados.
Entre muitos avulta a extensa variedade de fundos corporativos, de montantes que já se aproximam e não tardarão a igualar os do Orçamento do Estado, mas cujas contas, por um simples despacho, são prestadas e aprovadas no Ministério da Economia.
Ora uma vez que, segundo se lê a p. 29 do aludido relatório, o Tribunal de Contas, vencendo a tirania dos prazos, suplantando estorvos e dominando embaraços, e trabalhando com legislação deficiente, logrou restabelecer uma valiosa tradição e prestar à representação nacional tão valiosos esclarecimentos, entendo que nenhuns organismos devem exceptuar se à sua fiscalização e apreciação, notoriamente os referidos organismos, não só pelo vulto colossal dos respectivos fundos, mas porque politicamente é da maior justiça e conveniência dizer à Nação, por intermédio dos seus representantes, se o seu dinheiro, com tanto sacrifício pago, tem sido bem administrado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No referido relatório e declaração geral encontra-se um capítulo intitulado «Declaração geral de conformidade», em que os ilustres componentes do Conselho do Tribunal de Contas acordam em dar a sua declaração de conformidade à Conta Geral do Estado respeitante à gerência do ano económico de 1947, apenas com as reservas emergentes dos factos apontados, na medida em que deles resultem alterações da mesma conta.
E assim foram aprovadas pelo Tribunal de Contas as relativas ao ano económico de 1947.

(Nesta altura assumiu a Presidência o Sr. Deputado Sebastião Reunires).

Vêm agora à apreciação da Assembleia Nacional, acompanhadas daquele elucidativo relatório.
Sr. Presidente: mas também, mais uma vez, a nossa muito ilustre Comissão de Contas nos envia o seu parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1947.
A nossa missão é assim consideràvelmente facilitada num dos capítulos mais importantes da actuação da Assembleia Nacional, qual o de, após termos autorizado a cobrança de receitas para o referido ano, verificar se ela se fizera nos termos da respectiva Lei de Meios.
Tal-qualmente se verificara no relatório do Tribunal de Contas, e após um pormenorizado estudo das receitas e despesas do referido ano, a nossa ilustre Comissão de Contas conclui que a cobrança de receitas públicas e as
despesas, tanto ordinárias como extraordinárias, se fizeram nos termos da lei, que o produto dos empréstimos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais e que não só fora mantido o equilíbrio orçamental, mas se verificara o saldo de 51:136.327$28.
Mais um triunfo da nossa administração, e com tanto mais valor quanto é certo ter-se verificado quando já surgiam as dificuldades que se foram sucedendo ao período de autêntica, euforia, que, durante a guerra, nos permitira registar saldos favoráveis nas balanças comercial e de pagamentos e até acumular consideráveis reservas compensadoras dos deficits que agoram voltam a registar-se, mas que, infelizmente, por circunstâncias a que no mesmo relatório ,se alude com muita inteligência o granel o soma de elementos, vão desaparecendo mais depressa, do que seria para desejar, e o que poderia ter-se evitado se outras tivessem sido as providências ordenadas a tempo e horas para estímulo de certas produções e refreamento de exageradas importações, umas sumptuárias, outras de artigos susceptíveis de serem obtidos no País, em que sumiram muitas divisas acumuladas mercê não só de prudente, mas de sábia administração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Remata o parecer com um oportuníssimo apêndice sobre o comércio externo de 1948, em que desenvolvidamente se alude à presente conjuntura, que tanto preocupa governantes e governados, fazendo-se o estudo pormenorizado das suas causas e sugerindo, com muita inteligência e fartura de conhecimentos, o rumo a seguir para sairmos do plano inclinado que nos atiraria para uma situação muito grave, se não pudéssemos contar com a inteligência, sabedoria, perseverança e patriotismo do Chefe do Governo e dos seus colaboradores, a quem devemos o termo-nos desembaraçado de outras dificuldades também gravíssimas.
Diz-se, porém, no parecer, e com manifesto acerto, que «muita gente julga que a regeneração económica depende apenas de medidas do Governo, e que é também ao Governo que compete remediar os males indicados pelos números que acabam de se transcrever.
É erro grave. A panaceia do Estado aparece sempre a cobrir excessos a que é alheio em muitos casos. O público tem obrigação de contribuir para a redução de consumos».
E vai citando aspectos da vida quotidiana em que é possível fazer economias e evitar desperdícios, desde a viagem no automóvel, quando à disposição de cada um está o comboio, até à substituição de coisas importadas por outras que possam ser produzidas, e que na verdade o são, dentro do Pais.
Sr. Presidente: está certo.
É sobretudo ao público, que constitui a quase totalidade da Nação, que compete a obrigação de reduzir os consumos.
Mas que ao menos o Estado dê o exemplo.
E, quando digo o Estado, refiro-me a toda a escala dos seus componentes, desde o Governo, directores e administradores-gerais, chefes de repartições, e por aí abaixo; e incluo também os elementos militares e policiais; e vou às presidências, vereadores, directores e chefes dos diferentes serviços das câmaras municipais; e não exceptuo, claro está, os grémios, as caixas sindicais de previdência, as respectivas federações e o mais que naquele infindável e rico departamento se vai acobertando com diversidade de títulos.
Pois, Sr. Presidente, todos eles dispõem de automóvel, com chauffeur, fartura de gasolina e bons pneus, dos quais usam largamente, não só nos serviços oficiais em que o recurso a outros meios de transporte não seja possível ou compatível com o decoro representativo ou a

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celeridade indispensável de deslocação, mas em todas as exigências dos respectivos serviços.
E até acontece que, mesmo quando tais exigências não surgem, lá se recorre aos automóveis do Estado, dos corpos administrativos, dos organismos corporativos e por aí além.
E não afirmo que seja regra sem excepção, mas sucede a gente encontrar aqueles automóveis, pagos com o dinheiro da Nação, em serviços privados de suas famílias e até de estranhos.
Excelentes são actualmente as carruagens de certos comboios. Mas é tão frequente ver os automóveis que a Nação paga a fazer o percurso Lisboa-Porto e vice-versa e outros ainda mais extensos, encontrá-los no serviço quotidiano das praias, das termas, do campo e outros equivalentes, a transportar as famílias de funcionários, dos amigos e pessoas doutras categorias, que se tem a ilusão de fartura de dinheiro nos cofres do Estado e dos demais organismos oficiais ou para-oficiais.
Vamos! Durante a época de real fartura essas coisas não eram notadas, porque toda a gente passeava de automóvel.
A não ser no período de severo racionamento de gasolina e pneus para os particulares, muitos dos quais tinham o automóvel como autêntico e indispensável instrumento de trabalho, enquanto para os de serviços oficiais e equivalentes a ração era talhada à farta.
Mas agora o caso muda de figura, pois nos faltaria autoridade para recomendar tais restrições à Nação se as não indicássemos também para os sectores a que acabo de referir-me.
Se a tempo se tivesse prosseguido na política ferroviária expressa no plano que fora aprovado pelo Governo de que eu fizera parte, e na qual se visava a construção, além de certas linhas extensas, de troços complementares das existentes e traçados que as aproximassem das povoações, com alterações no sistema de tracção para a electricidade e adopção de automotoras, sobretudo nos percursos suburbanos, ter-se-ia, a exemplo do que se verifica entre o Cais de Sodré, Estoril e Cascais, evitado até certo ponto o emprego de muitos automóveis, bem como o congestionamento das estradas com camionetas de mercadorias e de transportes colectivos de passageiros.
Sr. Presidente: para a electrificação ferroviária estamos carecidos de energia eléctrica, como dela estamos carecidos para o urgentíssimo fomento rural e, duma maneira geral, de todas as actividades.
Bem sei que se trabalha no Zêzere, em Castelo do Bode, no Rabagão, na Venda Nova e outros aproveitamentos de menor vulto.
Além de o esquema não ser o mais recomendável, pois deveria ter-se construído, simultâneamente com uma daquelas centrais, outra situada no Douro, onde o caudal vai aumentando e regularizando-se com as albufeiras construídas em Espanha, a grande demora registada naquelas construções (pois deveriam estar concluídas antes da segunda grande guerra, segundo o que projectara o Governo a que eu pertencera), implica agora o emprego de capitalizações muito mais elevadas, onerando fortemente a energia eléctrica, por forma a fazer pesar sobre a nossa economia um sério handivap, que nos há-de colocar em situação de manifesta inferioridade, na concorrência para que o Mundo caminha, em face doutras nações mais favorecidas em materiais e dispondo de energia mais barata.
Sr. Presidente: mas de todos aqueles óbices o nosso trabalhador acabará por defender-se.
Caso é que não lhe tirem a confiança.
Melhor dizendo: contanto que lhe restaurem a confiança, a qual fora abalada mercê de acontecimentos que são do domínio publico.
À fórmula que se seguira de utilizar largamente as divisas, que agora nos fazem muita falta para adquirir no estrangeiro, e, por vezes, a preços elevados, produtos que vieram concorrer com os da produção nacional, semeando a ruína e provocando o desânimo, preferível teria sido a concessão de bónus, ou a aquisição dos géneros ao produtor a preços que estimulassem as iniciativas e animassem o trabalho, embora depois o erário, num esforço igualmente repartido por todos os contribuintes, abastecesse o mercado consumidor a preços acessíveis.
Sacrifício que incidira apenas num sector limitadíssimo de trabalho, tornando-se incomportável e causando o desalento, com aquela larga repartição, e podendo ser amortizado em largo prazo e nas condições só viáveis para o Estado, teria sido muito mais suave e não arrastaria às consequências que agora todos lastimam.
É o caso das expropriações para benefício público, mas cujo baixo preço prejudicava ou arruinava apenas um número muito limitado de sacrificados.
Mas, uma vez que, como muito acertadamente se diz no parecer, só há uma fórmula imediata para atenuar o desequilíbrio registado nas balanças comercial e de pagamentos, que é a intensificação da produção, simultânea com as maiores restrições no consumo e compressão das importações, importa a adopção de uma política, aliás já iniciada pelo Governo, que em primeiro lugar restaure a fé dos produtores, para que estes se lancem confiadamente ao trabalho e arrisquem seus capitais, certos de que a imprevistos climáticos e outras contrariedades irremovíveis não mais se juntará a acção perturbadora de resoluções intempestivas impostas pela burocracia do Terreiro do Paço.
Sr. Presidente: afirmara-se então que tudo faltava no mercado nacional.
Seriam mais exactos dizendo que os géneros se defendiam nos armazéns, e geralmente em autênticos esconderijos, dos preços aviltantes de tabelamentos arbitrários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De lá transitavam para o «mercado negro», fazendo a fortuna dos intermediários, que não dos produtores.
Quando não apodreciam ou iam fazendo as delícias dos insectos ou dos ratos, como tantas vezes sucedeu.
Mas importa também restabelecer o prestígio patronal, desastradamente ferido pela intervenção deplorável de brigadas fiscalizadoras.
Restabelecimento de um prestigio indispensável à defesa contra a subversão, que não descansa, mas também para que se restaure a disciplina nas empresas, sem a qual a prosperidade seria impossível.
Sr. Presidente: simultaneamente impõe-se a imediata valorização de todas as fontes, visíveis ou invisíveis, de onde possam brotar divisas que melhorem a nossa balança de pagamentos, sobretudo agora, que os mananciais que regularmente nos iam abastecendo vêem seus caudais sensivelmente minguados ou quase desaparecidos.
Refere-se o parecer às baixas registadas nas nossas principais exportações, tais como o vinho, a cortiça, as conservas e outros artigos constantes dos mapas ali publicados.
Estamos convencidos de que o temporal há-de passar e que nos sectores influenciados pelo nosso clima e outras condições mesológicas - tais como o vinho, a cortiça, as frutas e certas madeiras e produtos delas extraídos -, bem como pelos que retiramos do oceano que nas vizinhanças da nossa costa realiza as melhores condições parada fauna marítima, tudo se restabelecerá logo que as condições financeiras dos nossos compradores melhorem.

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Já o mesmo se não poderá afirmar com tanta certeza relativamente a outros artigos em que a concorrência estrangeira mais nos poderá afectar.
Em face do exposto, força é procurar alguma compensação em fontes que tem declinado, noutras insuficientemente desenvolvidas e ainda noutras até agora quase absolutamente esquecidas.
Lá vêm na cabeça do rol os títulos estrangeiros, em que os emigrantes portugueses iam convertendo grande parte das suas economias, e ainda em situação precária, tanto relativamente às suas cotações como à cobrança dos respectivos juros.
E também as remessas daqueles emigrantes, que muito regularmente nos iam provendo de divisas, mas que, por dificuldades de transferências ou atraídos por vantagens que lá fora lhes prometem, por lá vão ficando, com grave prejuízo da economia das suas famílias e do progresso de suas terras, que lhes mereciam grande carinho, mas afectando também a referida balança de pagamentos, que sempre contara as divisas assim regularmente aqui chegadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar, mas não queria fazê-lo sem mais uma vez me referir a uma fonte de receitas que não tem sido convenientemente aproveitada.
Trata-se de uma modalidade de turismo - a da caça e pesca desportivas - para a qual Portugal possui condições particularmente felizes.
Além de possibilidades de caça grossa - aos veados e corças, javalis e raposas , de uma maneira geral em todo o País existem perdizes, coelhos e lebres, a que se juntam, nas épocas próprias, espécies cinegéticas muito apreciadas, tais como galinholas, narcejas, codornizes, grande variedade de patos e muitas outras.
No que respeita à pesca, os salmonídeos, particularmente as diferentes variedades de trutas, encontram nas ribeiras portuguesas e nas albufeiras meio propício ao seu desenvolvimento.
E na longa costa atlântica, que se estende desde a embocadura do rio Minho à do Guadiana, no Algarve, abunda fartura de espécies piscícolas, cuja pesca constitui desporto muito cultivado por nacionais e estrangeiros.
No meu projecto de lei, em que visava principalmente a organização da guarda rural, cuja necessidade cresce de dia para dia, visava o fomento cinegético e piscícola para a constituição de zonas desportivas, que, facultando a nacionais exercícios sãos e atraentes, não deixariam de trazer a Portugal muitos amadores que geralmente pertencem a elites ricas.
Assim conseguiríamos, através de licenças gerais e especiais, de taxas sobre armas e respectivas munições, de percentagens sobre o tiro aos pombos e outros certames desportivos, receita para fazer face à manutenção de uma guarda rural e avultadas divisas que concorreriam para atenuar o nosso desequilíbrio no capítulo gravíssimo dos pagamentos aos nossos fornecedores estrangeiros.
Apesar dos meus argumentos, não logrou aquele projecto de lei a aprovação da Assembleia Nacional.
Preferiu-se então, contra o meu voto, convertê-lo numa moção em que se exprimia, o pensamento de algumas das suas bases.

(Voltou a reassumir a presidência o Exmo. Sr. Dr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).

Termino, Sr. Presidente, dirigindo ao Governo o meu apelo de Deputado, altamente empenhado no progresso da Nação, para que não demore a conversão em lei daquele meu projecto, mas sem alterar qualquer dos preceitos expressos nas respectivas bases, que a consciência continua a dizer-me estarem bem e da sua efectivação resultarem indiscutivelmente altos benefícios para a lavoura, tão carecida da guarda rural, e para a Nação, que não está em condições de desaproveitar alvitres que lhe permitirão aliviar o funesto e preocupante desequilíbrio de pagamentos tão eloquentemente focado no excelente parecer da nossa Comissão do Contas, que desta tribuna, saúdo, especialmente o seu talentoso e perseverante relator.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã será constituída pela continuação do debate sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público, e ainda pela ratificação do Decreto-Lei n.° 37:300, requerida pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e mais quatro Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Camilo de Morais Berrardes Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel Colares Pereira.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram â sessão:

Alberto Cruz.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Júdice Bustorff da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim de Moura Relvas.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Hermenegildo Lourinho.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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