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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 16
ANO DE 1950 19 DE JANEIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 16 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 18 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 14 e 15 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que ia enviar à Câmara Corporativa o projecto de lei do Sr. Deputado Botelho Moniz sobre amnistia e banimento.
O Sr. Deputado Armando Cândido solicitou do Governo a construção de um porto de mar na ilha de Santa Maria (Açores).
O Sr. Deputado Morais Alçada tratou das deficiências do serviço ferroviário na linha da Beira Baixa.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira requereu várias informações, com vista ao debate do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral.
O Sr. Deputado Domingos de Araújo comentou o discurso do Sr. Deputado Jacinto Ferreira sobre o Dispensário Anti-Rábico do Porto.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira pediu a palavra para explicações.
Ontem do dia. - Continuou o debate sobre o Decreto-Lei n.º 87:666, relativo aos serviços de registo e do notariado. Usaram da palavra os Srs. Deputados Ernesto Lacerda, Paulo Cancela de Abreu, Pinho Brandão, Carlos Borges e Morais Alçada.
Submetido à votação aquele decreto-lei, foi aprovada a ratificação com emendas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
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Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Domingos Alves de Araújo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz. Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 14 e 15 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre os referidos números do Diário das Sessões, considero-os aprovados.
Pausa.
Deu-se ronda do seguinte
Expediente
Exposição
Do uma comissão de profissionais fotográficos de Lisboa solicitando a revogação do despacho do S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social que alterou o disposto na Lei n.º 2:029 relativamente ao encerramento dos estabelecimentos.
Representação
Da Câmara Municipal de Gondomar sobre a extinção do cartório notarial com sede na freguesia de Rio Tinto, levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 37:666.
Telegramas
Do Município de Ferreira do Zêzere, dos Grémios do Comércio de Alcobaça, Olhão, Eivas, Abrantes, Covilhã, Torres Novas, Tomar, Ferreira do Zêzere, Vila Nova de Ourem, Castelo Branco e Guimarães e do Grémio dos Lanifícios da Covilhã solicitando a suspensão do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 37:666.
De uma comissão de funcionários auxiliares das conservatórias do registo civil pedindo a ratificação do Decreto-Lei n.º 37:666, que lhes concede o título de funcionários públicos.
De Francisco Silva Mendes sobre o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 32:659.
Da Junta de Freguesia do Topo (Açores) solicitando que seja mantido o cartório notarial existente naquela freguesia e agora extinto pelo Decreto-Lei n.º 37:666.
Da Câmara Municipal de S. João da Pesqueira pedindo a restauração do lugar de. notário na freguesia de Trevões.
O Sr. Presidente: - Veio já das Comissões de Legislação e Redacção e de Defesa Nacional o projecto de lei do Sr. Deputado Botelho Moniz, já conhecido da Câmara, sobre amnistia e revogação das leis de ban7 X mento. Vai ser enviado à Câmara Corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos solicitados na sessão de 13 de Dezembro ao Ministério das Obras Públicas pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, os quais lhe vão ser entregues.
Igualmente se encontram na Mesa os elementos solicitados ao mesmo Ministério na sessão de 12 de Dezembro pelo Sr. Deputado Galiano Tavares. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, entoo na Mesa os n.ºs 9, 10, e 11 do Diário do
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Governo, respectivamente de 13, 14 e 16 do mês corrente, contendo os Decretos-Leis n.ºs 37:732, 37:734 e 37:736.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O juiz de direito da 2.º vara cível de Lisboa pede autorização à Câmara para que possam depor os Srs. Deputados Lopes da Fonseca, José Cabral e Soares da Fonseca no dia 19 do corrente, pelas 14 horas.
Submetido este pedido de autorização à votação da Câmara, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - O 2.º juízo criminal do Porto pede autorização à Câmara para o Sr. Deputado Vasco Mourão poder prestar o sen depoimento em actos de julgamento no dia 25 do corrente, pelas 14 horas.
Submetida à votação, foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - O juiz de direito do 1.º juízo cível da comarca de Lisboa pede autorização para o Sr. Deputado João do Amaral poder depor no dia 8 do próximo mês de Fevereiro, pelas 14 horas.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: quero dar aqui uma palavra pela ilha de Santa Maria. Foi a primeira dos Açores que as naus de Quinhentos toparam, e eu imagino o sulco temerário, figurando, na comoção da descoberta, o momento- em que marinheiros de Portugal, com os olhos cheios de mais um pedaço de pátria arrancado ao desconhecido, confiam ainda no sacrifício de novas rotas, na sofreguidão de novos rumos.
Mas não é só o laço histórico nem a solidária condição de viver no mar; é a lembrança que guardo da ilha, do seu pacato viver e da sua soledade, no brusco contraste a que a forçaram, mudando a terra de um momento para o outro, em factor imprescindível da nossa segurança, no meio de grandes nações desavindas.
Não sei de gente mais deslumbrada pelos avanços da civilização do que essa, durante séculos tão. distante e agora tão chegada a todos os continentes.
A sorte que os colonos tiveram de passar, rompendo mato, domando o chão, rechaçando piratas e corsários de longo curso, suportando a novidade do clima, não se compara, em grandeza de choque, com o embate do progresso que de um dia para o outro rolou sobre a ilha quieta, com o barulho de muitas asas e o tropel de muita gente.
Santa Maria era aquela mesma ilhota de aspecto indolente e silvestre que o visconde de Castilho avistara há. ^muitos anos e onde viviam, em suave regalo, um curioso velho, senhor da inocentíssima ignorância de que o tempo corria, e uma gente que espantava pelo seu ar de sossegado desprezo pelo Mundo.
De súbito, técnicos experimentados escolheram largo terreiro; navios de alto bordo desembarcaram máquinas e ferramentas; chusmas de operários escavaram, alargaram, terraplenaram; soldados, funcionários, autoridades, desembarcaram também. Uma ilha nova dentro da ilha velha.
Quanto, em momento difícil para a vida nacional, sofreu por nós essa terra nos seus hábitos, no seu ambiente de paz, nos seus recursos?
Quando se fala dos Açores e da conduta portuguesa na último guerra Santa Maria tem aí uma grande parte. É por isso que todos os portugueses lhe devem gratidão. É por isso que eu estou agora a ocupar-me da ilha sacrificada e a achar justo que a distingam com dobrado carinho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: eu sei que o Governo tem despendido larga atenção ao Aeroporto de Santa Maria, reivindicando-o para o nosso esforço e dotando-o dos melhoramentos necessários a uma base aérea de eficiência internacional.
A mais se tem dedicado o Governo; e, se juntarmos à sua acção a da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, nunca por ali houve tão grande volume de obras públicas. Já demos provas de saber possuir a chave das comunicações pelo ar entre o Velho e o Novo Mundo.
Não nos têm faltado - graças a Deus! - fervor patriótico e capacidade política. Também ninguém se queixou ou se pode queixar de que nos falte espírito de colaboração.
Mas o facto de sermos, no Atlântico, os donos dos pontos de apoio essenciais à navegação aérea impõe-nos responsabilidades correspondentes aos direitos que temos.
Na ilha de Santa Maria existem problemas graves.
A área cultivável, já de si reduzida, não dá para a população da ilha nem para a que chegou de roldão.
Os braços que se empregavam na pesca e na faina agrícola foram chamados, pelo império das circunstâncias, para outros trabalhos.
Desequilibrou-se o regime de salários.
Uma vaga de inquietação, maior do que todas as outras com que o mar tem assaltado a ilha, inunda a alma do povo, cuja vida tem de ser reajustada a outro ritmo.
Chegam todos os dias, com demora ou em trânsito, passageiros de várias nacionalidades.
Vila do Porto, com o seu modesto assento nas fragas nuas, carece de ser cuidada, alindada, conservando-se-lhe o carácter de povoado açoriano, tipicamente português. Para tanto o respectivo Município tem de ser fortemente ajudado.
Mas o problema cruciante é o da falta de um porto marítimo que garanta o abastecimento da ilha.
Em todos os invernos são lançados apelos aflitivos: navios que não fazem serviço, mercadorias que não são descarregadas, passageiros que não podem ser embarcados ou desembarcados e, não raro, vidas que se perdem nas difíceis manobras de largar ou abordar a terra.
Por vezes, barcos carregados de subsistências, idos de S. Miguel, por se demorarem a cruzar ao largo da costa de Santa Maria, à espera do bom tempo, que não chega, deitam ao mar víveres já impróprios para o consumo.
Para uma terra que subiu tanto de categoria e que no meio do Atlântico tem posição de privilégio, que usamos e defendemos, como valor de engrandecimento nacional e de renome internacional, já é tempo de a apetrecharmos com tudo o que de essencial reclame a altura da vida que lhe imprimiram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Santa Maria já não é o negro larário de exílio, que jamais chegará a vingar-se em esquecimento daqueles que à sua sorte não consagram cuidados e desvelos, no desabafo do escritor contemporâneo que um dia passou pela «ilha mal lembrada».
Portugal é responsável e sabe ser responsável.
Sr. Presidente: no Ministério das Obras Públicas está um Ministro que tem sabido compreender os problemas do meu distrito.
Esperamos que o Governo não demore a construção do porto de mar da ilha de Santa Maria.
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Levemos até ao fim, quanto antes, este caso de necessidade regional, nacional e internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só agora, passados quinhentos anos, podemos conhecer o alcance do destino que juntou Santa Maria a Portugal, para o tornar maior.
Não desprezemos o sentido da parcela e sejamos dignos da grandeza da soma.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: ao falar pela primeira vez nesta Casa, de tão famosas tradições nas pugnas da inteligência, a que nem sempre correspondeu igual proveito para o bom da Nação, desejo apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus cumprimentos e as minhas saudações respeitosas.
E para alicerçar a sinceridade desta minha atitude para com V. Ex.ª num grau que convenientemente transpareça concludente vou tocar ao de leve considerações que a afastem duma interpretação exclusivamente cortês ou costumeira.
Nem só a rasgada e calma inteligência de V. Ex.ª, nem só a ponderação equilibrada, sensata e, tantas vezes, generosa - por mim o digo - com que V. Ex.ª aprecia e criva os interesses equacionados nesta Assembleia justificam ao meu espirito e à minha consciência as irrecusáveis saudações que presentemente tenho a honra de formular.
É que V. Ex.ª, nesta hora que a alguns parece enigmática para os destinos humanos e em que tantos procuram suavemente apagar-se, é ainda um rijo, um bem destacado e convincente obreiro da Revolução Nacional, homologando, com o prestígio do seu pensamento e a autoridade da sua acção, o sentido e a força que ela, na verdade, terá de possuir para decisivamente frutificar na sociedade nova, livre de entorses e à margem de esmorecimentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É que V. Ex.ª, escutando os novos, compreendendo as suas inquietações, estendendo a mão às suas ansiedades, que são afinal as ansiedades que afligem Portugal continuado, demonstra com isso não só generosidade e sacrifício, mas principiante assimilação integral dos problemas complexos que já são de hoje, porque o futuro não pode improvisar para eles repentinas e mal acabadas soluções.
Por isso, com este significado, V. Ex.ª, Sr. Presidente, perdoará, com certeza, que eu, sendo dos mais novos componentes desta Assembleia, e também o de possibilidades mais modestas, atreva os meus 40 anos a afirmarem, com muito respeito e decerto com inteiro aplauso dos meus colegas, que V. Ex.ª é dos mais novos, dos mais rejuvenescidos espíritos que interpretam e servem os princípios da Revolução Nacional de Salazar, e os servem, na expressão que V. Ex.ª magnificamente há dias usou, «com aquela função juvenil de sonhar, sem a qual a acção fecunda e generosa é impossível».
Por estes dados, Sr. Presidente, justificadas estão as minhas saudações a V. Ex.ª e as minhas homenagens de muito respeito e de admiração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A VV. Ex.ªs, meus ilustres colegas, quero igualmente apresentar os meus cumprimentos, e já que, em minha consciência, não poderei comparticipar na associação do trato insigne e elevado que a inteligência de todos VV. Ex.ªs concede ao exercício da função, garanto, ao menos, que serei nesta Casa, em regime de reciprocidade de sentimentos, um colaborador leal e cortês do discorrer, prudente e fiel, dos princípios que salvaram Portugal e tornaram Carmona e Salazar máximos expoentes contemporâneos da gratidão e do reconhecimento da grei.
Aqui dentro, no exercício do mandato, como em toda a minha vida anterior, não terei a preocupação de poupar-me em incomodidades, nem em sacrifícios, nem em dispêndio de energias, isto é, não procurarei que à minha volta se possa dizer, na expressão do Sr. Presidente do Conselho, que «durou porque se furtou a viver».
Se - Deus louvado! - a vida se prolongar, aqui, nestas funções ou em quaisquer outras, desejarei que, antes, possam sempre julgar-me - e oxalá assim seja! - como espelho fidelíssimo de uma nação de oito séculos de existência, com este juízo de Salazar: «durou precisamente porque viveu - a vida intensa do soldado, do trabalhador da terra, do explorador do mar, do descobridor, do missionário, do portador de uma doutrina e de uma civilização».
Para VV. Ex.ªs, portanto, meus ilustres colegas, vão as minhas saudações, os meus cumprimentos e também os meus agradecimentos pelo carinhoso acolhimento que desde a primeira hora tenho encontrado na vossa generosidade.
Sr. Presidente: o assunto que hoje me determinou a pedir a palavra, batido pelos mesmos impulsos de sede de justiça desses milhares de almas que povoam e frutificam as terras da Beira Baixa, a um tempo agrestes e risonhas, e em perfeita comunhão espiritual com elas, pode formular-se, Sr. Presidente, nesta síntese: modo impróprio, descuidado e a revestir, em certos aspectos, enquadramento de ilicitude culposa como há anos a esta parte vem sendo orientado, explorado e apetrechado o serviço, de necessidade pública, dos transportes em caminho de ferro na chamada linha da Beira Baixa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que ali se passa, Sr. Presidente, não tem, nem pode ter, qualquer explicação desculpável, por mais que se procure transfigurar as duras realidades - realidades que, de resto, estão à vista, ou, melhor dizendo, estão ao perigo e à incomodidade de qualquer pessoa, desde que ela se resolva a pagar, ainda por cima, ao preço-fixado, as notáveis incomodidades e os riscos vários para a própria vida que nessa linha abundantemente se distribuem ...
Podem as câmaras municipais dos diferentes concelhos, as comissões municipais de turismo, os organismos da região, podem todas as forças representativas da província da Beira Baixa expor, oficiar, reclamar e algumas vezes isso tem sido feito! -, podem os jornais locais chamar a atenção, apelar, até em ar de quem pede esmola ..., que a entidade suplicada, isto é, a C. P., ou não responde, pura e simplesmente, o que não se pode justificar pela percentagem ainda existente de analfabetismo ..., ou, então, a resposta que dá, por via tácita, no retorno da viagem da missiva, é ainda agravar o estado de coisas sobre que incidiu o pedido! Parece um propósito!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E isto é grave, Sr. Presidente, porque a grande massa da população dessa operosa e resignada província tem conhecimento dos porfiados esforços das entidades locais e sabe igualmente dos resultados mortiços e inconsequentes dessas iniciativas. É grave, Sr. Presi-
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dente, porque a Revolução tem de continuar..., e não é licito a ninguém criar nas gentes mal informadas a falsa ideia, a dementada ideia, que o desespero gera, de que há ou pode haver actividades encouraçadas na certeza da irresponsabilidade, comprometendo com isso o que de mais caro, de mais estimável e de mais puro a Revolução nos tem moralmente comunicado: a confiança inabalável nos dirigentes!
O Sr. Pinto Barriga: - V. Ex.ª dá-me licença?
A Revolução nem sequer começou na C. P.
A C. P. goza na linha da Beira Baixa do mais absoluto monopólio. A camionagem não lhe faz concorrência.
Esta situação excepcional deve-lhe acarretar sob o ponto de vista económico-administrativo as mais sérias responsabilidades; tem-nas moralmente como uma sobrecarga nos seus cadernos de concessão.
O Orador: - V. Ex.ª concorda, pois, com o meu ponto de vista?
O Sr. Pinto Barriga: - Absolutamente. Por isso é que tomei a liberdade de interromper V. Ex.ª
O Orador: - Muito obrigado. As palavras de apoio de V. Ex.ª dão-me a certeza de que não estou a pôr um problema que não seja de interesse colectivo.
É com muita honra que vejo o Sr. Deputado Pinto Barriga, representante de um círculo da Beira Baixa, comparticipar do ponto de vista que acabo de enunciar, ponto de vista que não é dele nem meu, mas sim um ponto de vista regional e colectivo, que merece a atenção urgente do Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas continuando. Sr. Presidente: o que Salazar disse um dia de que em política ao que parece é» - pode, sem esforço e tendo em atenção as impressões residuais da gente debruçada exclusivamente sobre o culto da terra e dos negócios, aplicar-se muitas das vezes a mais sectores da vida dos homens; na verdade, na génese da opinião social, muitas vezes: aquilo que parece é.
Não julguem VV. Ex.ªs que estou a exagerar a projecção regional que o caso inegavelmente possui. Não será talvez o momento de inventariar as manifestações de desagrado, queixas e reclamações que à C. P. têm sido formuladas pelos órgãos responsáveis da representação local. Auscultando o eco da consciência colectiva, ainda há bem pouco tempo um jornal local - refiro-me ao Jornal do Fundão, de tão prestimosos serviços em prol da Revolução Nacional.- se pronunciou com estas expressões, que, daqui e dalém, destacamos de um artigo ali publicado:
A notícia podia começar assim: «Como é já tradicional nesta época do ano, descarrilou um comboio entre as estações de Fratel e Barca da Amieira ... ».
Infelizmente, o caso não se presta a gracejos ... Para quem vive nesta «longínqua» Beira Baixa - estamos a oito horas e meia da capital- é mais um fundado motivo de receio a juntar a muitos outros que existem já quando se viaja de comboio.
Fazer pedidos, queixas ou reclamações à C. P. é a mesma coisa que conversar com um monólito da Gardunha: não se obtém resposta!
Pois bem: o assunto em causa, pela frescura de modernos acontecimentos, que constituem, por si, elo duma já longa cadeia de factos idênticos, talvez devesse ter sido exposto e reclamado nesta Assembleia em data mais vizinha da madrugada do dia 9 de Dezembro passado ...
E então concluir, como tenciono hoje concluir, por um apelo grave e urgente à acção enérgica do Governo, no sentido de com a autoridade do Poder, pôr cobro a uma situação que, ao menos num mínimo vital, não comporta qualquer espécie de desculpas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A razão da aparente demora é simples: não desejei nessa altura perturbar a atenção da Assembleia, absorvida como estava pelo respeito ao preceito constitucional que impõe a votação da lei de autorização de receitas e despesas até ao dia 15 de Dezembro.
Mas nem por vir só agora, Sr. Presidente, foi perdido sequer um passo da oportunidade, visto que, infelizmente, as razões subsistem e o panorama dos factos continua com as mesmas densas preocupações - e assim continuará, estou convencido disso -, até que o Governo o encare com decisão, muita energia e o costumado aprumo.
Referi há bocado a VV. Ex.ªs uma data: a da madrugada de 9 de Dezembro passado. Porquê, meus senhores?
Porque precisamente nesse dia mais uma vez aconteceu na linha da Beira Baixa uma das muitas anomalias de tráfego que ali sucedem, nessa ocasião caracterizada pelo descarrilamento de um comboio, que, felizmente, era de mercadorias, e desse modo pôde ver-se limitada a projecção da desgraça a um empregado da C. P.
E a simples expressão que usei - «mais uma vez» - necessariamente envolve a verdade de que outros percalços semelhantes ao recente têm sucedido, sempre nesta quadra do ano, e sempre no troço da linha férrea que corre nas imediações de Fratel ou de Barca da Amieira! Padece dum fatalismo pendular a regularidade de tempo e de lugar como esses acidentes se desenvolvem.
Bem sabemos que com relativa brevidade os destroços são arredados e a linha é desimpedida. Acreditamos até que com a mesma relativa brevidade se promovam obras tendentes a remediar o que foi causa próxima e imediata da ocorrência.
Mas entendamo-nos! E entendamo-nos de uma vez para sempre. O que importa, na espécie, senhores, é que se faça obra definitiva onde ela careça de fazer-se e se abandone esse critério do remedeio, visto já estar suficientemente demonstrado que esse remedeio assume, a breve trecho, a natureza de arranjo provisório!
Vozes: - Apoiado!
O Orador: - O que importa é que, apuradas convenientemente as causas que determinam essas repetições - às vezes mais do que anuais - dos acidentes, das interrupções do tráfego - aliás, acontecidas sempre na mesma época do ano e sempre no mesmo ponto do trajecto -, se preconizem depois obras definitivas e duráveis, permanentes e seguras, indo-se até, se disso houver necessidade, para a interrupção completa do tráfego por certo espaço de tempo, enquanto essas soluções não estiverem completamente executadas.
Vozes: - Apoiado!
O Orador: - Haverá talvez quem, desse modo, perca interesses imediatos, quotidianos? É admissível. É mesmo certo que a C. P. terá com isso, temporariamente, lucros cessantes.
Todavia, tudo isso será preferível, mil vezes preferível, para a Nação - que tem o direito de exigir a segurança e a estabilidade dos serviços postos à sua mercê - do que o prejuízo horrível e inenarrável de um cortejo
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de dezenas ou de centenas de mortos, com famílias destroçadas - luto magoado a pairar sobre um pais inteiro -, dores pungentes e negras preocupações, portas adentro de centenas de lares estabelecidos nessa fidelíssima e trabalhadora província da Beira Baixa! Nessa província da Beira Baixa, que dá tudo o que tem em prol da grei e que nem sempre está habituada a receber o que lhe pertence por justiça!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se a esse quadro de sangue e de horror ainda não assistimos é porque os altos desígnios da Providência o não têm permitido. Deus tem estado connosco!
Sr. Presidente: urge, é instante, é preciso, é inadiável, que se reprima e corrija este estado de negligência que se nota na linha da Beira Baixa.
E não se cuide que a negligência aludida se passa apenas nos domínios já relatados. Essa negligência decorre em tudo o mais; parece o estado de espírito natural, o pendor fatalista com que se trata tudo e todos naquele sector dos caminhos de ferro do País - espirito e pendor que continuarão a revelar-se tal como são, além do mais, nas horas das partidas e chegadas dos comboios, nas velocidades horárias, no material circulante e na própria coordenação dos transportes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A minha recente experiência pessoal, adquirida já depois que me encontro no exercício deste honroso mandato, pode ilustrar sumariamente a VV. Ex.ªs alguns factos ou alguns aspectos.
Assim, segundo a tabela - e nós, os da Beira Baixa, sabemos o que são tabelas ... -, o comboio mais rápido e cómodo que sai da Covilhã para Lisboa tem a hora de partida, aproximadamente, às 15 horas e chega a Lisboa às 23 horas e 30 minutos! Quer dizer: esse comboio, para percorrer 300 quilómetros, demora oito horas e meia, obtendo, desta forma, a média de velocidade horária de 36 quilómetros!
Isto acontece com o comboio mais rápido!
Porque há um outro que nos serve que sai da Covilhã às 18 horas e 16 minutos e chega à estação de Santa Apolónia aproximadamente às G horas e 30 minutos!
Este ainda é mais patologicamente pachorrento do que o outro, porque tem a velocidade média de 25 quilómetros à hora-números redondos.
No que respeita a aquecimento, aquele comboio mais rápido exclusivo para passageiros- traz uma carruagem de 1.ª classe, dessas de tipo americano. Pois, não obstante essa carruagem ter acumulado o frio, durante uma noite e uma manha, que é próprio da região em que estaciona
- a região da Guarda- e percorrer depois o resto da região - das mais frias do Pais -, essa carruagem não traz aquecimento!
Porquê? - perguntei a um amável empregado. E a explicação que me foi dada foi a de que essas carruagens têm o aquecimento montado para receber vapor, ou água quente, da própria máquina de tracção do comboio, através de tubagem especial que daquela deriva. Sucede, porém, que, como as máquinas ali em serviço não têm essa tubagem montada, o aquecimento não pode ser fornecido!
Também em carruagem de 1.ª classe de outro tipo já nos sucedeu ela não estar aquecida. Solicitámos então melhor temperatura e indagámos das razões dessa frialdade. Informaram-me de que as grelhas iam o mais possível carregadas e o carvão também o mais possível ateado. (E iam, porque verifiquei). Somente os tubos de circulação da água estavam entupidos e não deixavam que a água corresse!
Moral da história: consumo de carvão em pura perda e um tal frio até Lisboa que os clamores e os brados de indignação de alguns passageiros eram as únicas centelhas susceptíveis de concertar o ambiente do compartimento.
É claro que, como não podia deixar de ser, a carruagem onde isto sucedia era do mais velho e gasto material que actualmente tenho visto a circular nos comboios do Pais, e portanto, ao lado do matraquear ensurdecedor das ferragens, das portas e das janelas, tivemos, durante doze horas, aquelas folgas, frinchas e brechas a provocar lâminas cortantes do mais castiço e legítimo frio que VV. Ex.ªs possam imaginar!
Sr. Presidente: costumo sempre fundamentar as afirmações que produzo, e daqui o ter caído no discorrer fastidioso, mais talvez do que seria de esperar, dos factos enunciados. Outros poderia abordar, e com outros podia ilustrar a tese que inicialmente propus: a negligência, o a deixa correr, que eles não têm outros meios de transporte económicamente aceitáveis» (e neste ponto elucido que não tem sido possível estabelecer carreiras de camioneta), com que a linha da Beira Baixa é vista, orientada e tratada pela C. P.
Mas não vale a pena citar mais factos! Os já referidos ilustram -creio eu- suficientemente o postulado da minha queixa, da minha reclamação e, sobretudo, do meu insistente e urgente, mas respeitoso, apelo a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Comunicações para que se digne, através dos órgãos próprios, impor soluções de maior humanidade, de melhor respeito pelas comodidades dos passageiros que viajam na linha da Beira Baixa, de mais eficiente garantia da segurança da vida desses tantos que, ao embarcarem nessa linha de caminho de ferro, preordenadamente se debatem com o crucial dilema de não saberem ao certo, dentro das possibilidades específicas estabelecidas, se vão tratar da sua vida ou se caminham para a morte!
Isso é mistério do único e verdadeiro «comboio mistério» que conheço!
E, enquanto não chegar a oportunidade de as minhas considerações serem atendidas, terão elas, ao menos, o sentido de publicamente estabelecer a prevenção contra o dano, de modo que, em caso de ocorrência desastrosa, a C. P., independentemente de inquéritos mais ou menos concludentes que se instaurem ou da verdadeira torrente carinhosa de telegramas de condolências - que não terão todavia a força de ressuscitar os mortos, nem de recuperar os lares estropeados -, a C. P., repito, fique amarrada, para os devidos efeitos, às consequências morais e jurídicas dos factos que agora se previnem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª o obséquio de tornar presente a S. Ex.ª o Sr. Ministro as minhas conclusões, acrescentando que elas constituem preocupação constante, anseio premente, justa aspiração e legitima necessidade social e económica da província da Beira Baixa:
É o voto maciço das gentes da minha terra e também o meu, porque todos acreditamos que a Revolução continua ... E há-de continuar, por Deus! A questão é não perder a fé!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos solicitados pelos Srs. Deputados Pimenta Prezado e Galiano Tavares à Junta de Colonização Interna. Estes elemen-
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tos vão ser entregues ao primeiro daqueles Srs. Deputados.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Para esclarecimento criterioso dos problemas postos pelo aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral e os debates que porventura venham a travar-se sobre análogos assuntos da administração pública, roqueiro que sejam fornecidos esclarecimentos genéricos e sucintos pois outros não poderiam obter-se com brevidade das repartições competentes - sobre os pontos a seguir indicados.
Tais esclarecimentos genéricos e sucintos tornar-se-ão dispensáveis, obviamente, na medida em que a esta Assembleia cheguem comunicações, respostas ou explicações sobre os mesmos assuntos:
1.º Estudos, projectos, planos e trabalhos em curso para aproveitamento hidroeléctrico do Douro, rega e navegabilidade do mesmo rio e para aproveitamento do sistema Douro-Sabor;
2.º Possibilidades actuais do tratamento do minério de Reboredo pela siderurgia eléctrica;
3.º Balanço dado pelos técnicos às possibilidades fluviais de rápida produção de energia e de rega;
4.º Necessidades financeiras actuais para ser completada nos anos próximos a electrificação em curso;
5.º Perspectivas de electrificação rural;
6.º Perspectivas de rega eléctrica em grande escala, mas correlacionada aos mercados consumidores;
7.º Disponibilidades actuais do Fundo de fomento industrial e possibilidades de aproveitamento dos fundos corporativos. Outras disponibilidades afectas ou mobilizáveis para os fins de reconstituição e fomento económico;
8.º Inventário ou esquema projectado dos tractores, máquinas e aparelhos a receber pelo Plano Marshall;
9.º Lista de fornecimentos de apetrechamento pagos no estrangeiro mas ainda não recebidos;
10.º Em que importâncias se computam hoje as necessidades de 1.º estabelecimento na presente fase de industrialização, compreendendo as indústrias basilares, a reorganização das existentes e outras novas previstas?
11.º Confronto dos níveis de absorção demográfica, por hectare, nas terras sujeitas a cultura cerealífera ou revestidas de floresta;
12.º Qual a precedência dada às grandes obras públicas por exigências de escalonamento técnico o administrativo no critério oficial?
13.º Perspectivas técnicas e económicas do recurso a um carburante nacional, englobando os territórios do ultramar, sendo possível;
14.º Melhoria do apetrechamento da produção leiteira;
15.º Nota dos custos genéricos das obras de defesa de terras altas e de aluviões ribeirinhas;
16.º Medidas gerais e camarárias tomadas contra a urbanização de terras férteis na área do abastecimento das grandes cidades;
17.º Necessidades actuais de material fixo e circulante ferroviário;
18.º Possibilidades de abastecimento metropolitano, em prazo curto, nos mercados coloniais portugueses, de matérias-primas e produtos alimentares;
19.º Perspectivas de concorrência ou de coordenação entre as indústrias continentais e as indústrias novas do ultramar;
E ainda:
20.º Cópia do plano e programa de fomento apresentados à O. E. C. E.
O Sr. Domingos de Araújo: - Sr. Presidente: ao falar pela primeira vez nesta Câmara, apresento a V. Ex.ª as mais sentidas e cordiais saudações e os protestos da maior consideração. A todos os ilustres Deputados saúdo também, com a afirmação da mais leal e franca colaboração.
Pedi a palavra, Sr. Presidente, para comentar algumas passagens da intervenção do ilustre Deputado Jacinto Ferreira na sessão de 11 do corrente acerca da criação do Dispensário Anti-Rábico do Porto. E faço-o hoje por, infelizmente, ter estado doente há mais de quinze dias. É na minha qualidade de Deputado pelo Porto, e só nessa, que ouso trazer à Assembleia esta intervenção esclarecedora.
Antes, porém, quero endereçar àquele ilustre Deputado a expressão da minha maior consideração e o muito apreço com que tenho seguido a sua actividade nesta Câmara, assim como afirmar que o acompanho, e muito gostosamente, nos louvores que teceu aos veterinários rurais, bons obreiros ao serviço da Nação. Isto não significa que deixe de considerar injustas algumas das suas afirmações e precipitadas, pelo menos, as apreciações que fez ao Instituto Pasteur do Porto, a que agora sucede o Dispensário Anti-Rábico do Porto.
Pura tal façamos um pouco de história.
Foi por iniciativa particular do Dr. Arantes Pereira, benemérito médico, que em 1896 se fundou no Porto o Instituto Pasteur. Não quero deixar de referir a tocante nota sentimental que o levou por este caminho. Já médico, ele assistiu com desalento e desespero à morte de um companheiro de infância vítima dessa terrível doença - a raiva. Num propósito mental de nobre quilate moral, decidiu empregar todos os esforços, toda a actividade, para evitar, quanto lhe fosse possível, a repetição do drama. Partiu para Paris e aí trabalhou com 03 directos continuadores de Pasteur, habilitando-se no estudo e manejo das técnicas laboratoriais e também no estudo e tratamento da raiva. Ao regressar ao Porto fundou o Instituto Pasteur, onde reuniu o melhor apetrechamento para a investigação química e biológica e para o estudo e tratamento da raiva. Assim trouxe ao meio médico do Norte novos elementos para o exercício das suas actividades. Inclusivamente montou uma das primeiras instalações de raios X aplicadas à clínica. Isto fez nos tempos em que empreendimentos desta natureza comprometiam a fortuna e a saúde. E da sua infatigável actividade e constante sentido de perfeição e valorização científicas falam ainda quantos com ele privaram. O seu nome está ligado hoje no Porto à luta contra a tuberculose por um dos dispensários do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos ostentar o seu nome, numa comemoração dos serviços prestados. Morreu pobre este médico, apesar de exercer tão larga actividade. Os seus bens foram liquidados em praça, incluindo o próprio Instituto Pasteur.
É então que o Dr. Carteado Mena, amigo de todas as horas, discípulo e companheiro, faz todos os esforços, todos os sacrifícios, para ficar com o Instituto e assim, além de outras razões, poder prover à sustentação da viúva do seu amigo e mestre. São assim os homens do Norte.
O Instituto Pasteur mantém-se sob a direcção do Dr. Carteado Mena, que agrega a si os Drs. Angelo das Neves e Baía Júnior. A actividade deste Instituto foi conhecida e apreciada de todos os membros da missão científica internacional que visitou o Porto em 1899 para estudo da epidemia de peste, então reinante na nossa cidade. O Governo o reconheceu também, declarando-o de utilidade pública por Decreto de 2õ de Junho de 1898.
Eu quero neste momento salientar perante a Câmara a figura desse cavaleiro andante da Medicina que foi
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o Dr. Carteado Mena, que animou e se sacrificou de mil modos por esta obra. Quem com ele conviveu de perto e conheceu os primores do seu requintado espírito de médico eminente, de artista devotado ao bem-fazer, não o fará sem lhe votar uma saudade bem sentida, sem lhe tributar um significativo e íntimo silêncio.
Lembrarei que, a par de uma esgotante actividade de clínico que toda a cidade, que todo o Norte, admirou, ele pôde ainda tratar dos problemas da sua Ordem, velar pelas famílias de médicos caídas em desgraça, prestar a melhor e mais assídua assistência à luta contra a tuberculose e ainda sobrar-lhe tempo para dedicar algum carinho aos animais, mantendo-se anos sucessivos na presidência da respectiva Sociedade Protectora. E nada o fez abandonar a direcção do Instituto Pasteur até à hora da morte, apesar do sofrimento físico e moral das sucessivas mutilações do membro superior direito impostas pelas lesões adquiridas na manipulação dos raios X.
O Governo deu-lhe público testemunho de apreço do seu sacrifício concedendo-lhe a Torre e Espada.
Esse homem, figura notável de médico, sacrificado ao cumprimento do seu dever, sentindo na sua carne o sofrimento que ingloriamente se prontificou a atenuar ao seu próximo, bem merece que se recorde aqui o nome ilustre no. momento em que, falando-se de raiva no Porto, se esquecem os prestimosos serviços que tão assinaladamente prestou ao Norte do País. E morreu pobre também o Dr. Carteado Mena.
Mas então qual foi a actividade do Instituto Pasteur do Porto na luta contra a raiva?
Em cinquenta e três anos de actividade lá se trataram 32:261 pessoas mordidas por animais raivosos ou suspeitos. Isto dá uma média anual de mais de 600 pessoas. Lá foram tratados também 515 animais. Variados exames histopatológicos e inoculações diagnosticas se fizeram também.
Comparemos o movimento do Instituto Câmara Pestana e dos serviços anti-rábicos e vacínicos de Coimbra com o do nosso Instituto do Porto durante os anos de 1941 a 1946:
[Ver Quadro na Imagem].
E não comparo anos mais recentes por não ter podido obter os números referentes a Lisboa e Coimbra; sempre direi que no Porto nos anos de 1947, 1948 e 1949 receberam tratamento, respectivamente, 500, 307 e 482 pessoas.
Como pode quem se interessa por problemas de raiva ignorar estes factos?
Isto consta dos arquivos do Instituto, agora na posse da Delegação de Saúde do Porto. Como pode o ilustre Deputado Jacinto Ferreira ironicamente, servindo-se de números destacados do mês de Setembro próximo passado, fazer crer que o movimento do Instituto do Porto é inferior ao do Dispensário de Évora? E que amargas ironias aquele ilustre Deputado produziu sobre os métodos usados naquele Instituto, santo Deus!
Deixando de lado o aspecto de pura polémica científica sobre eles, o Dr. Carteado Mena não teria muito que alterar, pois nos Anais do Instituto Pasteur de Paris n.º 2, de Agosto de 1948, se lê: e O método de tratamento pasteuriano» -a seguir descreve o método; e continua: «Este processo, proposto por E. Boux em
1887 e introduzido por A. Calmette em 1891, é adoptado no Instituto Pasteur desde J 911».
Pura quê pois as exclamações do ilustre Deputado?
Se o Instituto Pasteur de Paris em 1948 não. se moveu ainda a todo o progresso realizado neste campo há cinquenta anos, porque não haveria o modesto Instituto do Porto de continuar na mesma, assim chamada pelo ilustre Deputado, incoerência? Verifica-se assim que no Instituto Pasteur do Porto durante cinquenta e três anos receberam anualmente tratamento cerca de 600 pessoas pelos mesmos métodos usados no Instituto Pasteur de Paris.
Morto o Dr. Carteado Mena em 20 de Março do ano passado, e porque seriam demolidas com urgência as casas em que se instalava o Instituto Pasteur do Porto, este iria acabar. É então que o Governo publica o Decreto-Lei n.º 37:627, para assegurar a continuidade do mesmo serviço de utilidade pública, reconhecida pelo seu rendimento e justa reputação.
Diz o ilustre Deputado Jacinto Ferreira: «Não compreendo a necessidade de mais dispensários num país onde praticamente não há raiva desde 1945». Mesmo que assim fosse, do que tenho sérias dúvidas, e o movimento dos dispensários a isso me conduz, o facto de não havei raiva não exclui a necessidade de haver o tratamento profiláctico, pois este tem de fazer-se, como S. Ex.ª sabe muito bem, nas três hipóteses sempre consideradas:
1.ª A raiva do animal agressor foi verificada por exame histológico ou pelo aparecimento da doença em animais inoculados com o seu bolbo;
2.ª A raiva do animal agressor foi verificada pelo exame veterinário;
3.º O animal agressor é suspeito de raiva.
Talvez por isto o movimento das pessoas tratadas no Dispensário se desenvolve segundo curvas nem sempre concordantes com as vacinações dos animais. O facto de se fazer depender a licença dos caninos da vacinação prévia constitui medida profiláctica de valor, mas é insuficiente para a resolução do problema.
E como pode S. Ex.ª conciliar com aquela estoutra afirmação, quase no fim das suas considerações?
... o aparecimento que se está verificando de cães raivosos e suspeitos na região do Porto daria que fazer não a um mas a dois ou três dispensários.
Na primeira proclama não fazer necessidade de dispensários por não haver casos de raiva desde 1945, o que é contestável, pois os tem havido desde então, posso afirmá-lo, e estão suficientemente confirmados, e na segunda acha que a frequência de cães raivosos ou suspeitos justificava, a continuar, não um mas dois ou três dispensários.
É, pois, necessário o Dispensário Anti-Rábico do Porto, porque o Instituto Pasteur do Porto vai acabar, e daí a necessidade do Decreto-Lei n.º 37:627.
Este Decreto-Lei n.º 37:627, que cria agora o Dispensário Anti-Rábico do Porto, colide, de facto, com o Decreto n.º 16:770, que S. Ex.ª invoca, e portanto deveria ser dada prévia audição ao Instituto Câmara Pestana, como autoridade máxima em rabiologia, passe o neologismo?
O artigo 1.º do Decreto n.º 16:770, de 24 de Abril de 11929, diz assim:
Poderá o Governo, sob informação favorável da Direcção-Geral de Saúde, autorizar que se institua um dispensário anti-rábico em qualquer concelho de mais de 5:000 habitantes.
De onde se conclui que a criação do Dispensário Anti-Rábico do Porto obedeceu aos únicos requisitos exigidos
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pela lei: população superior a õ:000 habitantes e informação favorável da Direcção-Geral de Saúde.
As disposições citadas por aquele ilustre Deputado respeitam unicamente aos dispensários camarários, que não é o caso em questão, cuja criação está prevista no § 1.º do artigo 2.º do citado decreto. E, se o dispensário camarário é dirigido pelo médico nomeado pela câmara, os outros poderão sê-lo pelos subinspectores de saúde, nos termos do artigo 5.º do referido diploma. Portanto, embora o Decreto n.º 16:770, invocado por S. Exa., pudesse ser alterado por outro de igual força. - e o que criou o Dispensário Anti-Rábico do Porto não é um decreto regulamentar, mas um decreto-lei assinado por todos os Ministros, e portanto pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, de quem depende o Instituo Câmara Pestana -, a verdade é que não houve ofensa das normas daquele decreto, pois as disposições invocadas .como violadas se aplicam aos dispensários camarários, e não aos criados por iniciativa do Governo.
E se, por absurdo, admitíssemos as objecções do ilustre Deputado Jacinto Ferreira - o Governo e o Ministro da Educação Nacional subordinados ao Instituto Câmara Pestana -, ainda nos restava esta tranquilizadora segurança: o serviço preexistia, e portanto não haveria criação, de facto, mas continuidade, embora transitando do particular para o Estado.
E, sendo assim por que razão não poderia o novo dispensário fazer também análises e preparar vacina para caninos, contendo em si todos os elementos de uma eficiente e apetrechada luta contra a raiva? Eu creio que, se S. Ex.ª considera de cobiçar o fabrico de vacinas para animais, os seus reparos eu posso interpretá-los como de aplauso ao Governo por ter assim criado um processo simples de poder ser o estabilizador e regularizador de uma actividade que interessa tão directamente à saúde pública, por mais complexa que se apresente a tal indústria especializada. De outro modo eu não compreendo a atitude do ilustre Deputado Jacinto Ferreira.
Para tranquilizar a indústria nacional, sempre se poderá dizer que a Direcção-Geral de Saúde só encara a hipótese de o Dispensário do Porto fornecer vacina aos dispensários camarários na medida em que as necessidades destes não sejam asseguradas pelo Instituto Câmara Pestana, e serviço anti-rábico e vacínico de Coimbra. Isto consta das informações fornecidas pelo Ministério do Interior. À margem dos dispensários continuarão os p articula rãs e o próprio Estado, pela Direcção dos Serviços Pecuários, a adquirir nos laboratórios a vacina indispensável à acção profiláctica. Não será isto que poderemos classificar de forma retrógada do Estudo comerciante e industrial, pois em nada se atrofia a iniciativa particular ou se lhe cerceiam os meios de exercer a sua lícita actividade.
A propósito de vacinas a preparar, nas mesmas informações do Ministério do Interior se diz que o Dispensário Anti-Rábico do Porto não se afastará das melhores normas de tratamento, sem prejuízo da facilidade da sua aplicação e do seu menor custo. E a seguir: «preparar-se-á inicialmente a vacina clássica de Pasteur e posteriormente será considerada a vacina fenicada e ainda qualquer outro método que a ciência e a experiência aconselhem». E, tão admirado como o padre António Vieira e as turbas, aquele ilustre Deputado não quis compreender que o substituir a vacina dizia respeito às mesmas que já haviam iniciado o tratamento com vacina, de vírus vivo, e não que os futuros tratamentos se iniciassem com vírus morto.
Sendo assim, permito-me concluir:
1.º O Decreto-Lei n.º 37:027, criando o Dispensário Anti-Rábico do Porto, não colidiu com o Decreto n.º 16:770 e nada mais fez qu-e manter um serviço já
existente há mais de cinquenta anos, com eficiência e louvor;
2.º O Dispensário Anti-Rábico do Porto corresponde a uma necessidade instante do Porto, como o prova o conhecimento da actividade do seu antecessor - Instituto Pasteur do Porto;
3.º O Dispensário Auti-Rábico do Porto não é inútil, não é financeiramente condenável e não corresponde a um acto retrógrado por não traduzir nenhuma das mentiras a que se referiu o ilustre Deputado Jacinto Ferreira;
4.º A criação do Dispensário Anti-Rábico do Porto corresponde a um acto do Governo que o Porto aplaude porque demonstra a compreensão e continuação de uma actividade privada merecedora de admiração e de carinho dos portuenses, porque corresponde à justa apreciação do seu valor de centro e fulcro das actividades do Norte, porque lhe permite com utilidade uma mais exacta presença nos problemas de saúde e assistência;
5.º Suponho que os elementos que trouxe à Câmara esclarecem suficientemente este problema.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jacinto Ferreira (para explicações): - Sr. Presidente : as considerações que eu terei de fazer a respeito da intervenção do Sr. Deputado Domingos de Araújo- são de certo modo longas. Por isso, reservar-me-ei para as fazer em outra oportunidade, visto que até o Regimento me não permite fazê-las agora.
Todavia, não quero deixar de agradecer desde já as referências amáveis que o Sr. Deputado Domingos de Araújo fez a meu respeito, e que eu gostosamente retribuo, e ainda de me associar aos elogios tributados à pessoa do falecido Dr. Carteado Mena, que eu não conheci pessoalmente, mas cuja obra não me é desconhecida.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a ratificação do Decreto-Lei n.º 37:666, relativo aos serviços de registo e do notariado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ernesto de Lacerda.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Sr. Presidente: é a primeira vez que subo a esta tribuna e quero começar por dirigir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos e as minhas melhores saudações.
Faço-o não simplesmente em obediência a qualquer praxe parlamentar, mas principalmente porque é para mini altamente grato e honroso aproveitar esta oportunidade para manifestar a V. Ex.ª a admiração e o apreço que tenho pelas nobilíssimas qualidades que exornam o seu espírito e pelo tacto, pelo brilho e pela dignidade com que sei que há várias anos vem presidindo aos trabalhos desta Assembleia Tradicional.
Para V. Ex.ª vão, portanto, as minhas melhores saudações e, com elas, o preito muito sincero da minha homenagem.
Sr. Presidente: pretendo também dizer, em breves palavras, alguma coisa do meu pensamento em relação ao decreto-lei que organiza em novos moldes os serviços de registo e do notariado, publicado no interregno tias férias do Natal e cuja ramificação foi pedida nesta Assembleia.
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Vinham de longa data as reclamações do pessoal auxiliar das conservatórias, secretarias e cartórios notariais no sentido de ser melhorada a sua situação.
Vinham também de longe as legítimas e justas queixas dos conservadores e notários, especialmente dos de 3.ª classe, muitos dos quais tinham uma remuneração insignificante e vexatória.
Quanto ao pessoal auxiliar, verificava-se ainda esto anomalia: tinham atribuições e responsabilidades semelhantes às dos funcionários públicos, mas não tinham, em contrapartida, os direitos e as vantagens concedidos a estes
A injustiça era flagrante.
O presente diploma veio, finalmente, reconhecer a razão dessas reclamações e dar-lhes satisfação, criando um novo quadro de funcionários com este pessoal e atribuindo-lhe todos os direitos e regalias e também - como não podia deixar de ser - todos os deveres t» obrigações dos funcionários contratados dos quadros permanentes dos serviços do Estado.
É inegável e benéfico o alcance político e social desta medida. O Governo mostrou compreensão e humanidade para, com uma classe que permanecia no esquecimento dos Poderes Públicos, em lamentáveis condições de inferioridade.
O Governo mostrou uma vez mais o interesse que lho merecem os menos favorecidos.
É que o Estado tem uma concepção cristã da dignidade do homem e por isso vai procurando melhorar as condições de vida dos que mais precisam, para que todos possam ter, a par do trabalho que dignifica, o pão suficiente para viver.
Muitas e importantes alterações foram também introduzidas na orgânica, dos serviços. Não pretendo, porém, fazer a análise, embora sucinta, de todas as providências legislativas tomadas; propus-me muito simplesmente fazer uma referência rápida aos aspectos mais salientes e de maior repercussão social contidos no decreto.
Num diploma abrangendo matéria tão vasta e complexa nem todas as soluções adoptadas serão perfeitas. Algumas, porventura, são susceptíveis de ser melhorada». De resto, a perfeição é um ideal que jamais se atingirá, não obstante para ela tendam incessantemente todos os nossos esforços. Em tudo que é obra do homem há-de haver sempre deficiências ou erros a corrigir. Soluções que hoje se mostram boas apresentam-se amanhã insuficientes e podem mostrar-se depois completamente inadequadas aos fins em vista.
Na passada sessão alguns dos oradores manifestaram já a sua discordância e fizeram reparos a algumas das inovações contidas na reforma.
Chegaram também a esta Assembleia várias reclamações de organismos corporativos contra a disposição estabelecida no artigo 8.º
Na verdade, também me parece que não é inovação feliz a que determina a transferência das conservatórias do registo comercial para as capitais de distrito. Não se descortina qual a razão de semelhante medida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para a satisfação do interesse público que o serviço se destina a acautelar, essa transferência redunda em manifesto prejuízo, pois obriga, como já aqui foi salientado, a grandes deslocações. Resulta, portanto, em desvantagem e incómodo para os povos, cujos interesses estavam melhor servidos com a lei antiga.
Por outro lado, tal disposição revela-se até em desarmonia com o princípio que? se consigna no artigo 1.º, ao criar-se em cada concelho uma conservatória de registo predial e um ou mais cartórios notariais.
Aqui o legislador parece ter-se orientado por uma louvável ideia de descentralização, tendo em mira certamente, não apenas a melhor organização dos serviços, mas também a comodidade, e portanto o interesse, das populações.
No artigo 8.º pôs-se de parte esta ideia, sem que se compreendam os fundamentos que determinaram esta diversidade de critério.
Outras disposições haverá ainda de duvidosa utilidade, e algumas já mereceram os reparos desta Assembleia, e, por isso, também entendo que o decreto deva ser ratificado com as emendas que forem julgadas convenientes, mas que não anulem as ideias e os (princípios altamente moralizadores que presidiram à sua publicação.
Eu entendo que não será demais salientar neste momento que a nova organização dos serviços de registo e do notariado veio resolver graves problemas e muitas têm sido as manifestações de regozijo que até nós têm chegado aplaudindo e agradecendo esta feliz iniciativa do Governo.
E inegável que, além de se ter regularizado, como se impunha, a situação de inferioridade em que se encontrava o pessoal auxiliar, se melhoraram também, em escala apreciável, as condições em que era remunerada a maior parte dos conservadores e notários do País.
Atribuiu-se-lhes um vencimento fixo e deu-se-lhes, como estímulo, uma participação emolumentar nos rendimentos dos seus cargos.
E desnecessário encarecer aqui as tremendas dificuldades em que viviam de um modo geral todos os conservadores e notários de 3.º classe que não tivessem outros rendimentos além daqueles que auferiam dos seus lugares. Estes funcionários viram agora a sua situação melhorada, e não há dúvida de que isto se impunha como necessidade premente.
Estes são, em meu entender, os aspectos mais salientes da reforma e por eles bem merece o Governo.
E certo que em contrapartida da melhoria atribuída aos funcionários dos serviços de registo e do notariado houve que alterar os emolumentos destes serviços, para, em certa medida, fazer face ao correlativo aumento dos encargos.
Mas creio que o Governo não tinha outro caminho a seguir, e suponho poder afirmar-se que não &e excederam, neste ponto, os limites de uma comedida actualização das respectivas tabelas, há muito em vigor.
Por isso me pareceu não ser descabido afirmar deste lugar o aplauso que me merecem a generalidade das disposições contidas na nova organização dos serviços de registo e do notariado que o Governo acaba de publicar pela pasta da Justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: algumas palavras. O Decreto-Lei n.º 37:666, de 19 de Dezembro último, é um diploma muito importante e, em várias das suas disposições, digno de louvor e aplauso. Carece, porém, de ser revisto nalguns dos aspectos, e, por isso, fui um dos Deputados que requereram a sua avocação e sou um dos que não votam a ratificação pura e simples.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Justifico o meu voto em resumidas considerações, reservando-me para uma apreciação mais
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pormenorizada se o decreto for convertido em proposta de lei, de conformidade com o § 3.º do artigo 109.º da Constituição e artigo 41.º do Regimento. Isto embora eu não seja notário e de conservador tenha apenas as ideias...
São, na verdade, de transcendente importância as inovações e as alterações que o decreto em referência introduziu nos Códigos do Registo Civil, Predial e do Notariado e ainda na legislação do registo da propriedade automóvel.
Basta dizer, numa síntese, que:
Criou conservatórias do registo predial em todos os concelhos;
Concentrou nas sedes de distrito os serviços do registo comercial;
Criou a conservatória dos registos centrais da nacionalidade, do estado civil, das escrituras e dos testamentos;
Tornou efectiva a obrigatoriedade do registo predial nos concelhos onde exista o cadastro geométrico, e que fora já ordenada no Decreto n.º 36:505, de 11 de Setembro de 1947;
Tornou obrigatório o registo da propriedade automóvel;
Equiparou aos funcionários públicos contratados dos quadros permanentes o pessoal auxiliar das conservatórias e dos notários, com os direitos e obrigações inerentes;
Alterou fundamentalmente os quadros e a cobrança e aplicação dos emolumentos, e estabeleceu vencimentos fixos;
Suprimiu o recurso das recusados conservadores e notários para os tribunais, mantendo o mero recurso hierárquico para o Ministro;
Criou um contencioso da nacionalidade junto do Ministério;
Transferiu para os notários, em Lisboa e Porto, a abertura e o registo dos testamentos cerrados, como, aliás, já sucedia no resto do País;
Elevou de 20.000$ para 50.000$ o limite das quotas hereditárias fixado no § 5.º do artigo 165.º do Código do Notariado, para a suficiência da habilitação notarial, através da escritura de declaração de herdeiros.
Este simples enunciado de algumas das linhas mestras do diploma é suficiente não só para justificar aquele meu asserto, mas também para se reconhecer a conveniência que havia em o decreto ter sido precedido de publicidade e de um relatório circunstanciado.
Na verdade, se é certo não haver necessidade de justificar, por ser evidente, a utilidade de dar ao pessoal auxiliar ingresso no quadro do funcionalismo público, ou de pôr em execução o registo predial obrigatório nos concelhos onde já existe o cadastro geométrico, ou na fixação dos ordenados mínimos, ou ainda naquela alteração do § 5.º do artigo 165.º do Código do Notariado, certo é também, por outro lado, que o País não está esclarecido sobre as razões que motivaram a criação de conservatórias do registo predial em todos os concelhos, por arbítrio ministerial, sem limitação expressa àqueles em que o registo se for tornando obrigatório, sobre a vantagem de contra a comodidade dos povos, se concentrar nas sedes de distrito o registo comercial, sobre se obedece a uma necessidade imperiosa, nesta grave emergência, a criação da Conservatória dos Registos Centrais e de um contencioso da nacionalidade, sobre a doutrina a cuja luz se suprimiu, numa inversão, ou, melhor, numa invasão de poderes, o recurso para os tribunais comuns das recusas dos conservadores e notários, substituindo-o por simples recurso hierárquico para o Ministro, etc.
Detenhamo-nos uns instantes nesta última inovação, que, como os ilustres colegas que me antecederam, considero inaceitável.
Qual a sua origem?
Por que razão se alterou o que há apenas dez anos fora estabelecido no novo Código do Processo Civil, nos seus artigos 1082.º a 1087.º, e suponho não ter originado reclamações ou embaraços?
Só o relatório que falta podia explicá-lo.
O Código admitia que das recusas houvesse reclamação para o Ministro da Justiça, ou recurso directo para os tribunais, e, note-se, com recurso de agravo para a Relação e para o Supremo. Quer dizer: havia praticamente direito a recurso hierárquico para o Ministro e contencioso para os tribunais; não apenas um ou outro, mas sim, em muitos casos, um e outro, pois o uso do primeiro nem sempre excluía o segundo; antes o artigo 1087.º expressamente permitia que o segundo fosse interposto pelo prejudicado, se o Ministro, ouvida a Procuradoria-Geral da República, ordenasse o acto recusado.
Embora não fosse impecável, era mais equilibrado e justo este regime.
Compreende-se que só possa haver recurso hierárquico quando o acto ou a recusa impliquem mera infracção ou inobservância dos preceitos objectivos reguladores da actividade funcional; mas ir mais além é alterar, é invadir as atribuições que a Constituição expressamente delimita e atribui a cada um dos poderes do Estado.
As recusas de actos notariais, e especialmente de registos, podem, por vezes, estar ligadas a importantes questões de fundo e de alta indagação e colocar em conflito ou em perigo interesses de direito privado, cuja apreciação está inteiramente fora do âmbito constitucional das funções do Poder Executivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já se cometeu este pecadilho na fórmula do Código de Processo Civil com a atribuição de poderes de judicatura ao Ministro em matéria de direito privado; mas ali a infracção foi menos expressa, menos gritante.
- Eu sei que o decreto ressalva o direito de as partes recorrerem aos tribunais para litigarem entre si sobre a validade dos actos e registos em que sejam interessadas. Simplesmente, isto complica mais e nem sempre resolve os problemas que as recusas dos actos ou registos originam e podem tornar irremediáveis, sem que todavia haja conflito de interesses.
Figure-se, por exemplo, a hipótese da recusa do registo de transmissão de um prédio por motivo de herança em que o herdeiro foi só um e cujo direito não é contestado. Quem é a parte contrária? Contra quem se intenta a acção?. Contra os conservadores? Devem eles ser os citados para virem articular e arrazoar em uma, duas ou dúzias de acções? Seriam parte legitima? Mesmo no caso afirmativo, o melhor e o mais curto e económico caminho não será o recurso interposto directamente da recusa do registo?
E, mesmo no caso de não se tratar de interesse unilateral, com que direito se põem as partes em conflito por motivo de um acto que nenhuma delas praticou e não é responsável, antes foi burocràticamente praticado e hierarquicamente confirmado? E é justo que ainda por cima paguem as custas?
Estou em erro? Não vejo bem o problema? Di-lo-á a Câmara Corporativa.
No que respeita ao pessoal auxiliar, o decreto merece grande louvor (apoiados) por vir ao encontro de uma velha aspiração, integrando-o na categoria de funcionários públicos contratados dos quadros permanentes dos serviços do Estado, com os correspondentes direitos e regalias, nomeadamente a estabilidade ou permanência, e possivelmente a reforma. Mas não se justifica a baixa de categoria que, em alguns casos, a redução do quadro
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origina; e o quadro do pessoal, especialmente o dos cartórios notariais nos grandes centros, é exíguo (apoiados) em consequência da natureza, da irregularidade e da acumulação do serviço e muitas vezes da sua urgência, que obriga a trabalho exaustivo, sem horas nem descanso.
E os vencimentos atribuídos são insuficientes.
Quer dizer: reduziram-se os quadros, reduziu-se o vencimento e aumentou-se o trabalho. Não está certo.
Corre-se o risco de a estes prestimosos funcionários suceder o mesmo que ao herdeiro a quem um amigo felicitou pela herança. Tendo esgotado o pecúlio com a habilitação, com o imposto e mais alcavalas, respondeu-lhe: «Herdei, herdei até um jazigo e não tenho onde cair morto»!
Realmente, como pode viver com tão pouco grande parte do pessoal auxiliar?
É também inferior à que, com justiça, lhes é devida a categoria atribuída aos notários, com a agravante de em alguns casos baixarem nela os que excederem os novos quadros.
Não é justo que assim, suceda.
E sem deixar de incidentalmente estranhar, como os oradores precedentes, que figure, como envergonhada, na tabela dos emolumentos, e não no texto do decreto, uma importante e útil disposição como é a que alterou o § 5.º do artigo 165.º do Código do Notariado, finalizo juntando o meu voto ao daqueles ilustres colegas no sentido de o importante Decreto-Lei n.º 37:666 ser revisto e alterado, e, por isso, não dever ser-lhe concedida a ratificação pura e simples, embora contenha disposições dignas do aplauso que lhe tributo sem constrangimento.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: é a primeira vez que uso da palavra nesta Assembleia Nacional, motivo por que, na minha qualidade de Deputado, apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos e às minhas homenagens. E também pelo mesmo motivo cumpro gostosamente o dever de dirigir desta tribuna, sem dúvida a mais alta do País, a todos os Sr s. Deputados que constituem a Y Legislatura da Assembleia Nacional as minhas efusivas saudações e de apresentar os protestos da mais leal camaradagem.
Todos - estou certo disso - aceitaram o mandato da Nação para a representarem nesta Assembleia cônscios dos altos deveres e das enormissimas responsabilidades que a função implica.
No desempenho espinhoso. deste mandato procurarei, na modéstia dos meus recursos, com independência, sem subserviências que aviltam o espírito, com seriedade e sem vaidades de qualquer espécie - que não há motivos para elas -, servir o meu país, concorrendo para a realização do bem comum, objectivo a atingir por todos os poderes do Estado.
E, ditas estas breves palavras, passo a fazer uma apreciação rápida, ligeira, ao Decreto-Lei n.º 37:666, que aprova a organização dos serviços de registo e do notariado, sujeito à ratificação desta Assembleia.
Sr. Presidente: o decreto-lei em discussão, embora necessite de ser alterado em algumas das suas disposições, representa um passo importante na realização da justiça que assistia a muitos serventuários do Estado, a alguns conservadores e notários de lugares de 3.ª classe, que pelos seus diminutos vencimentos emolumentares viviam numa situação económica precária, e ainda e sobretudo ao pessoal auxiliar das conservatórias e das secretarias e cartórios notariais.
Este pessoal, Sr. Presidente, não tinha até agora quaisquer direitos ou regalias de funcionários públicos: nem direito a um vencimento certo, nem garantia de continuidade no exercício do cargo, nem direito à aposentação.
Ora o decreto ratificando veio estabelecer que esses serventuários ficam sendo considerados funcionários públicos e, dessa forma, a gozar de todos os direitos e regalias e sujeitos a todos os deveres e obrigações dos funcionários contratados dos quadros permanentes dos serviços do Estado, como expressamente se preceitua no artigo 84.º do citado decreto.
Há agora para eles garantia de continuidade no exercício do cargo, do qual só poderão ser afastados ou demitidos mediante processo disciplinar, ficando com direito a um vencimento certo e a uma aposentação - são funcionários do Estado.
Motivos estes bastantes, Sr. Presidente, para que se encareça a acção do Governo na sua tentativa de pôr cobro a uma situação que se não coaduna com a justiça, que é timbre do Estado Novo, e para que se prestem ao Sr. Ministro da Justiça, obreiro da reforma, as homenagens a que tem direito.
Mas o decreto-lei ratificando precisa efectivamente de ser revisto pela Câmara Corporativa e emendado por esta Assembleia, alterando-se algumas das suas disposições. A reforma que o decreto comporta só beneficiará com isso e os serviços públicos atingidos alcançarão sem dúvida um mais elevado grau de perfeição.
Assim, e por exemplo, o artigo 8.º do decreto arruma os serviços do registo comercial duma forma que reputo inconveniente para o interesse público. Prescreve este artigo que passará a haver uma conservatória do registo comercial em cada distrito administrativo, com sede na capital do distrito, dizendo-se no § 1.º que nos distritos de Lisboa e do Porto essas conservatórias funcionarão como repartições autónomas e com conservadores privativos e no § 2.º que nos distritos de Coimbra e do Funchal funcionarão juntamente com os de registo de propriedade automóvel e nos restantes distritos serão anotados às conservatórias do registo predial das sedes desses distritos.
Ignoram-se os motivos que levaram o legislador a modificar o direito que existia a tal respeito.
Quero, porém, afirmar que não lobrigo razão de interesse público que justifique a alteração introduzida e a mim se afigura evidente que o público, com essa alteração, é prejudicado nas suas comodidades e gravemente atingido nos seus interesses, sem vantagens de espécie alguma - nem para os funcionários, nem para os serviços, nem para o Estado.
Parece-me, pois,, preferível a solução legal que existia antes da publicação do decreto ratificando, não devendo esquecer-se que os serviços públicos se criam fundamentalmente em atenção a quem dos mesmos necessita.
O artigo 11.º do mesmo decreto igualmente merece reparos. Aí se preceitua que em todos os concelhos, excluídos os de Lisboa e Porto, onde haja dois ou mais cartórios notariais, funcionarão estes, obrigatoriamente, em regime de secretaria.
Foram as secretarias notariais criadas no nosso Direito, como todos sabem, pelo saudoso Prof. Doutor Manuel Rodrigues Júnior, meu querido mestre, cuja passagem pelo Ministério da Justiça ficou assinalada pelas mais largas reformas, que lhe granjearam a justa reputação de eminente estadista. Mas o talentoso homem de Estado, como se alcança do artigo 55.º do Código do Notariado, fez depender o funcionamento dos cartórios notariais em regime de secretaria de requerimento dos respectivos notários ou da maioria deles pelo menos.
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Vê-se assim que o grande Ministro, tão cedo malogrado para a vida pública do Pais, queria avançar com prudência e cautela em matéria tão delicada.
E tinha razões para isso. As secretarias notariais não servem o público como o serviam os antigos cartórios. Vou mais longe, Sr. Presidente: entendo que o notário competente, trabalhador, honesto, que criou a sua clientela, que a serve com solicitude e a acarinha, não quer, não pode querer que o seu cartório passe a funcionar em regime de secretaria. E é evidente que um notário com estas qualidades fica, no regime de secretaria, equiparado em remuneração ao notário que as não tenha e que se enfraquece nesse regime a responsabilidade individual do notário pelo exercício da função, para dar lugar a uma espécie de responsabilidade colectiva.
E será isso justo, Sr. Presidente? Será justo que o notário competente, honrado, trabalhador, solícito e diligente com o público soja equiparado em remuneração àquele que o não é? Não constituirá tal regime o triunfo da incompetência?
Para a hipótese de haver mais do que um cartório notarial na mesma localidade não haverá para o notário mais interesse em atender o público com solicitude? E não será justo que se confira à parte o direito dê escolher o notário para a realização do acto em que outorga e em que tem interesse?
É possível que actualmente haja dificuldades várias para extinguir as secretarias notariais existentes e para em vez delas fazer surgir os antigos cartórios. Mas ao menos não se imponha obrigatoriamente o seu funcionamento nos concelhos onde haja dois ou mais cartórios notariais. É indubitável que estes servem, melhor o público do que aquelas.
Deixo, Sr. Presidente, estas considerações a consciência da Assembleia.
Outro reparo, Sr. Presidente: prescreve o artigo 101.º do decreto que os funcionários auxiliares das conservatórias e das secretarias e cartórios notariais não poderão exercer as profissões de solicitador nem, sem autorização do Ministro da Justiça, as de comerciante ou industrial. Não se faz qualquer excepção: os simples ajudantes ou copistas de 3.ª classe, com ordenados mensais respectivamente de 500$ e 450$, não podem exercer qualquer daquelas profissões.
E todavia estes funcionários, alguns com família constituída, não poderão ocorrer, com tão exíguo vencimento, às necessidades próprias e da família. É minha opinião que se deve facultar a esses funcionários o exercício da profissão de solicitador, que é sem dúvida a mais conforme com a natureza do serviço público que desempenham.
Proiba-se-lhes o exercício da solicitadoria em tudo que respeita à função pública que exercem, mas permita-se-lhes o exercício dessa profissão em tudo o mais. O que se deve é tornar extensivo a estes funcionários o disposto no § 4.º do artigo 60.º do decreto.
Não é justo nem humano que se proíba a esses funcionários o exercício da profissão de solicitador, pelo menos àqueles que já a vinham exercendo, pois em muitos casos sem os honorários que recebam daquela profissão não lhes é possível ocorrer às necessidades primárias da sua vida. Sem prejuízo da função pública, faculte-se o exercício da profissão de solicitador àqueles funcionários que para isso tenham habilitações legais.
Sr. Presidente: vou concluir as minhas genéricas considerações sobre o decreto-lei ratificando.
Junto o meu voto ao dos Srs. Deputados que entendem que este decreto se ratifique com emendas. E sem querer antecipar os juízos da Câmara, ratificado com emendas este decreto, transformado o mesmo em proposta de lei e, com ò parecer da Câmara Corporativa,
terá ele de voltar à Assembleia Nacional para ser novamente discutido.
Espero então ter a oportunidade de propor à consciência desta Câmara as emendas que considero justas e reputo necessárias.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Nesta altura assumiu a presidência da Mesa o Sr. Deputado Sebastião Ramires.
O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: porque é esta a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, cumpre-me o gratíssimo dever de saudar V. Ex.ª pedindo-lhe o favor de tornar essas saudações extensivas e de as transmitir ao Sr. Presidente efectivo.
Também não quero deixar de cumprimentar os meus ilustres colegas, tanto aqueles que já há uns lustros têm acompanhado os trabalhos desta Assembleia e que, portanto, já têm a sua posição fixada, como aos novos, que vêm mostrar os seus talentos e com eles satisfazer as suas legítimas ambições, como disse, com aquela elevação e oportunidade que todos nós reconhecemos e admiramos, o Sr. Presidente do Conselho.
Aos velhos, aos antigos, desejo a continuação da sua séria dedicação à causa, a continuação do seu inestimável valor, tantas vezes testemunhado nesta Assembleia. Aos novos desejo que não percam no princípio da sua caminhada, nenhuma daquelas ilusões nem daquelas aspirações com que vieram até aqui. Que não tenham o desgosto de uma desilusão e, antes, estejam convencidos de q no trabalham para o bem comum.
Sr. Presidente: devia dispensar-me de usar da palavra neste debate, porque o assunto está largamente discutido.
Foram produzidas afirmações de toda a ordem, com conhecimento profundo do assunto e uma manifesta utilidade para o esclarecimento da Assembleia.
E, sem querer melindrar todos os oradores que me precederam, não posso deixar de destacar as palavras do Dr. Paulo Cancela de Abreu há pouco pronunciadas como um jurisconsulto experimentado e como um parlamentar já senhor desta tribuna, e o Sr. Melo Machado, o insatisfeito Deputado Sr. Melo Machado, aquele espirito critico e norteado por um senso prático verdadeiramente extraordinário, que empresta a sua franqueza, a sua sinceridade e uma extraordinária autoridade às suas intervenções em qualquer debate nesta Casa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: tenho de sor breve; primeiro, porque não quero ser desagradável e fatigante (não apoiados), segundo, porque a matéria está realmente debatida.
Quero ser breve e dizer o seguinte: como todos os oradores que me precederam, entendo que o decreto em discussão não pode deixar de ser ratificado com emendas. Isto suponho que está no ânimo de toda a Assembleia.
Na parte em que se refere ao pessoal auxiliar são-lhe devidos todos os louvores.
Realmente o pessoal auxiliar dos cartórios e das conservatórias não é apenas mal remunerado; tinha uma situação instável, encontrando-se dependente do capricho e da boa ou má vontade da pessoa que servia, sem garantia de qualquer espécie.
No decreto estabiliza-se essa situação, dão-se garantias, mas temos de reconhecer que a remuneração é extremamente parcimoniosa. Não são pagos de harmonia com as necessidades normais da vida mais modesta em qualquer ponto do País.
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Nesta parte seria de desejar que o Governo - se é o Governo a única entidade que tem capacidade para isso - fizesse uma revisão das remunerações do pessoal auxiliar, aumentando-as um bocadinho.
É claro que se põe o problema constitucional se a Assembleia pode ou não alterar os vencimentos estabelecidos no decreto, mas parece-me que não é atribuição da Assembleia, uma vez que os vencimentos são pagos por um cofre especial sujeito à administração do Estado.
Mas quando o dinheiro dos cofres não chega, tem de se recorrer ao Estado para o pagamento desses encargos, e assim parece que não há maneira de a Assembleia Nacional modificar as disposições fixadas neste decreto.
Contudo, a circunstância de ter remodelado os serviços garantindo ao pessoal dos cartórios uma situação estável merece o meu incondicional apoio.
Quanto à organização dos serviços noto no diploma uma flagrante contradição. Por um lado o diploma é descentralizador e por outro lado é centralizador.
Ele estabelece o registo predial, registo civil, registo de propriedade automóvel e registo comercial. São quatro formas de registo.
Quanto ao registo predial, diz-se logo no artigo 1.º que em cada concelho haverá uma conservatória.
Ora, meus senhores, não é nova esta disposição; já houve em Portugal conservatórias nos concelhos, e acabaram precisamente porque eram demais.
Parece que não havia vantagem nenhuma em as manter, pelo que foram substituídas pelas conservatórias nas sedes das comarcas.
Pergunta-se, portanto: que vantagem há em as restabelecer? Aumentou o serviço? Não aumentou. Sucede até que as próprias conservatórias de algumas comarcas não têm rendimentos suficientes para remunerar os funcionários por meio de emolumentos.
Nas regiões do País em que a propriedade não está dividida, o movimento das conservatórias é mínimo. Criar, portanto, conservatórias concelhias só para o registo predial não me parece conveniente. Criar conservatórias distritais para o registo comercial, também não vejo que seja vantajoso.
Antigamente este registo pertencia às secretarias do Tribunal do Comércio e passou depois para o conservador do registo predial. O movimento continua a ser insignificante e quase não se dá por ele nas conservatórias.
Se se quer organizar o registo da propriedade automóvel também, então porque não se cria em cada concelho uma conservatória só para o registo predial, para o registo comercial, para a propriedade automóvel? Não há incompatibilidades, como se verifica pela leitura do artigo 42.º
Segundo este artigo, quem quiser ser nomeado conservador tem de prestar provas para conservador de registo predial, conservador de registo civil, conservador de propriedade automóvel, conservador de registo comercial e notário.
Sendo assim, e com esta multiplicidade de funções, admite-se a existência de uma conservatória em cada concelho; mas o que não se admite é a existência de uma conservatória distrital para o registo, comercial. E não se admite, primeiro porque essa conservatória não teria muito serviço o seu serviço, na sede de cada distrito, por muito que queiram, ainda não dá trabalho suficiente ao respectivo conservador e segundo porque pode juntar-se ao do registo predial e da propriedade automóvel.
O registo da propriedade automóvel não me parece que seja necessário, mas se o querem tornar obrigatório podem então colocá-lo na mesma conservatória. E digo que não me parece necessário este registo porque há
já o registo ou matrícula do automóvel na Direcção-Geral dos Serviços de Viação.
O Sr. Melo Machado: - Esse desaparece.
O Orador: - Mas não há só esse registo; todos os anos é obrigatória a declaração da propriedade automóvel às câmaras municipais.
É claro que quem tem automóvel é porque tem dinheiro, e, assim, se pode fazer gastos em gasolina, também não repugna que seja obrigado a registar a propriedade do seu carro na conservatória respectiva.
Só assim eu compreendo o registo da propriedade automóvel.
Mas se se nota esta dispersão por um lado, por outro lado há a concentração, nas sedes dos distritos, das conservatórias do registo comercial.
E ao mesmo tempo nota-se uma tendência, muito curiosa, de concentração: é a dos notários.
Realmente, a criação das secretarias notariais não teve, nem pode ter nunca, o meu aplauso.
Eu compreendo as secretarias dê justiça, pois estas tom uma função específica de fiscalização de papéis para contagens de prazos especiais, têm uma função muito importante, pois fiscalizam os actos de todos os escrivães dos tribunais. Compreendo, portanto, que existam secretarias de justiça, mas não compreendo que existam as secretarias notariais.
A função notarial não é simplesmente uma função pública; o notário é, ao mesmo tempo, em parte, um indivíduo que exerce uma profissão liberal, é a pessoa que se procura, não sómente para lavrar um acto público, mas para aconselhar, para receber confidências, para indicar, por vezes, as vantagens dum negócio, os seus inconvenientes ou os seus perigos. O público elege o seu notário, como elege o seu médico ou o seu advogado, pela confiança que ele inspira de carácter profissional, mas também confiança de carácter pessoal.
Com as secretarias notariais o que se verifica? Que aquele que se impõe ao público pela sua conduta, pelo seu saber, pela prudência do seu conselho fica ao lado dum outro que é prepotente, que é inconveniente, que é incompetente, sem vantagem alguma para o público e só com vantagem para aquele que não tem as qualidades indispensáveis ou bastantes para atrair a clientela.
Este é um aspecto da secretaria notarial, mas há outro mais grave.
Embora não sejam muitos os notários nestas condições, já o Sr. Deputado Melo Machado referiu aqui, e eu também o quero salientar, que há notários com os seus cartórios à distância de 20 e 30 quilómetros da sede da comarca.
Em Santarém, por exemplo, há dois notários cujos cartórios estão a mais de 20 quilómetros da sede da comarca. Há vantagem, portanto, para os povos interessados que um cartório que tem mais de trezentos anos de existência desapareça? É lógico que se obriguem os interessados, quando necessitam, a deslocar-se à sede da comarca e aí esperar tempos infindos, ou até ter que voltar no dia seguinte?
Haverá realmente alguma vantagem nisso? É que estas pessoas, além do mais, estavam habituadas ao seu notário, que os conhece, que tem condições para atestar sem dúvidas nenhumas todos os actos que essas pessoas praticam, enquanto na sede da comarca o notário pode até ser induzido em erro por duas testemunhas abonatórias. Que vantagem para o público? Nenhuma.
Depois, Sr. Presidente, é preciso apontar que não se descontenta o público senão com as medidas adoptadas em seu manifesto interesse.
Quando se promulga uma medida para o público ela pode ser mal recebida, mas se for para seu interesse
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deve manter-se. Quando, porém, ela não tem vantagens deve procurar corrigir-se, e não provocar ou manter justiçado descontentamento.
Também, Sr. Presidente, se nota neste diploma uma tendência muito pronunciada para burocratização, não só do notariado, porque afinal os cartórios de notários são uma forma de burocratização, como da administração da justiça.
Houve sempre nalguns sectores da administração pública do Estado vontade de exercer funções de julgamento, pelo menos em transgressões.
Há um caso já assente e que por ora não tem trazido grandes irritações, que é o julgamento das infracções estatísticas pelo próprio serviço estatístico. Já houve tentativas, suponho eu, para outros serviços fazerem também o julgamento das transgressões acusadas pelos funcionários dos serviços.
Por ora isso não tem vingado.
Mas aparece nesta proposta o julgamento em recurso hierárquico no caso de recusa de registo.
O problema, como salientou o ilustre Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, é muito importante.
Da recusa do registo podem resultar danos irreparáveis e gravíssimos. E depois não se compreende que um recurso que tenha o aspecto do recurso hierárquico fique apenas dependente do Ministério da Justiça e não tenha sequer, como qualquer outro, possibilidade de ir até ao Supremo Tribunal Administrativo. Fica, portanto, confinado à decisão do Ministro da Justiça, e, ainda que admitindo que todos os Ministros da Justiça são pessoas dignas, eles têm evidentemente de proceder segundo informações que lhes prestam os serviços. Dir-me-ão VV. Ex.ªs que as partes podem discutir a validade dos actos. Mas, francamente, essa discussão é muito diferente e até, enquanto se enceta essa discussão, sucede que o registo pode ter perdido toda a vantagem e oportunidade. Desta forma, como a recusa do registo estava na nossa tradição jurídica que fosse julgada nos tribunais comuns, não vejo vantagem nenhuma na modificação introduzida.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - É a consequência da falta de relatório, visto que nós ficamos assombrados com uma decisão dessas, que só esse relatório poderia esclarecer. É a preocupação das coisas novas.
O Orador: - Também quanto ao contencioso de nacionalidade - outra inovação -, não vejo o que possa justificá-lo.
Temos o contencioso administrativo, temos o contencioso fiscal, temos o contencioso aduaneiro, temos os tribunais comuns, e ficávamos agora com mais o contencioso de nacionalidade.
A questão de se saber se o cidadão é ou não português não é um caso puramente político. Eu compreendo que o Governo resolva a questão da nacionalidade sob o aspecto político, mas não em todos os aspectos, porque a questão da nacionalidade pode envolver questões de sucessão, questões de estado civil, que só os tribunais comuns devem resolver.
De resto, é a tendência para a burocratização da justiça. É uma maneira de desviar uma parcela de autoridade e de competência de um dos poderes do Estado para outro, como bem salientou o Sr. Deputado Cancela de Abreu.
Por estas razões, eu, que não quero abusar da atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem da dos Srs. Deputados que me deram a honra de me escutar, vou terminar as minhas considerações.
Não votaria a suspensão da aplicação da lei. Estou convencido de que a Câmara Corporativa não demorará muito em dar-nos o seu parecer.
Mesmo que pudéssemos votar a suspensão eu não a votaria.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Não podíamos votar a suspensão porque isso não está na nossa competência constitucional.
O Orador: - Mas o Sr. Deputado Sá Carneiro falou que devia suspender-se ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas não temos competência para votar a suspensão ...
O Orador: - Eu gosto muito de punir V. Ex.ª, e digo-o com a maior sinceridade. Dizia eu que, se pudéssemos votar a suspensão, não a votaria, porque isso poderia significar desconfiança.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Há no decreto as disposições que não importam reorganizações de serviços e há as que importam.
Quanto às primeiras pode ter razão, quanto às segundas não, desde que propugna a ratificação com emendas.
O Orador: - Estou convencido de que o Governo, depois deste debate, dará as instruções necessárias para que não se crie uma situação de difícil solução para a hipótese de este diploma ser modificado.
Só tenho pena de não me poder exprimir com a mesma clareza que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, e termino repetindo o que disse: voto a ratificação do diploma com emendas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Morais Alçada: -Sr. Presidente: chegados a este momento da apreciação que tem incidido sobre o decreto que é oferecido à ratificação desta Câmara, todas as considerações que nasceram no meu espírito depois de proceder à leitura do decreto estão por assim dizer abordadas e eu vejo-me por conseguinte na necessidade fatal de repetir.
Entretanto, desejo desde já, e como preâmbulo das minhas considerações, dizer a V V. Ex.ªs que a experiência, não digo a experiência desta Câmara, mas, pelo menos, a experiência genérica da vida, nos ensina que há duas espécies de critica: quando se olha para um determinado sistema legislativo há a crítica que se exerce tendo em vista as linhas gerais do sistema - o grande travejamento do sistema- e há a outra crítica, quê é a que esgravata no sistema para só encontrar o mal e esquecer-se dos benefícios que esse mesmo sistema apresenta de louvável e de plausível.
Ponho deste modo a questão neste pé, porque, sendo de opinião, como realmente sou, e tenciono concluir assim, de que este decreto deve baixar à Câmara Corporativa, não posso deixar desde já, e independentemente das considerações que, porventura, venha a fazer, na hipótese de baixar à Câmara Corporativa e de ser novamente presente à discussão nesta Assembleia, não posso, repito, deixar desde já de pôr em relevo esta duplicidade de sistema de criticas, visto que o decreto que está a ser discutido tem, efectivamente, méritos inegáveis e extraordinários méritos que eu apenas hoje realçarei, como o de maior volume de expressão, entre tantos outros patentes do diploma, no que se referem propriamente ao de vales aos funcionários chefes dos serviços que principiaram a sua carreira numa posição perfeitamente angustiosa, para não dizer miserável, e ainda aquele aspecto que respeita aos funcionários subal-
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ternos, os quais, emprestando às conservatórias e às secretarias notariais contribuição de relevo, todavia, mercê de uma situação que a legislação anterior permitia, estavam condenados a chegar ao fim da vida sem terem possibilidade de uma reforma, de um amparo material que servisse de mínimo de sustento.
E note-se que entre o restante funcionalismo parece-me que eram os únicos a padecerem da incerteza do dia de amanhã.
Quer dizer: quando aqueles funcionários chegavam ao limiar da vida em que deles já não se pudesse esperar mais nenhum esforço corriam o risco se, porventura, não tivessem a chefiá-los um coração bondoso - de ser abandonados à sorte dos necessitados, ou então de entrarem no recolhimento, no asilo assistencial da terra. Uma vergonha, uma injustiça e uma forma do compensar os esforços antigos imprópria de quem, em todas as idades, só ganha em ver os funcionários prestigiados, porque estes é que, visivelmente, são os representantes das actividades que se pretendem dignificar.
Este decreto repara pois este mal, e tem, por isso, este enorme mérito de olhar para a situação dos pequenos e daqueles que eram menos que pequenos porque tinham nos cartórios e conservatórias uma posição perfeitamente aleatória, entregues ao destino da sorte ou às solicitações das simpatias pessoais.
É, por conseguinte, com a ideia genérica de aplaudir e de dar a adesão integral do meu espírito ao pensamento que se teve em vista alcançar ao publicar-se este decreto que eu uso da palavra. Mas uso da palavra também para pronunciar-me no sentido de que o decreto em discussão deve ser ratificado com emendas e sujeito, portanto, ao parecer da Câmara Corporativa.
Dentro, portanto, dos motivos que me impuseram a ideia da necessidade de uma ratificação com emendas, eu vou produzir algumas considerações técnicas, que desejaria que fossem ponderadas pela Câmara Corporativa.
Assim, e para esse efeito, desejaria que figurassem no Diário das Sessões as duas propostas que consubstanciam as alterações que me parecem mais importantes e que vou passar a ler.
Diz a primeira dessas sugestões:
«Considerando que o disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 37:666, de 19 de Dezembro de 1949, traduz um principio de economia jurídica que não se coaduna com as necessidades práticas da rápida administração da justiça, quando esta seja solicitada perante tribunais diferentes dos existentes nas sedes distritais;
Considerando que uma dessas realidades é que emerge do disposto no artigo 409.º, §§ 1.º e 4.º, do Código de Processo Civil (arresto requerido contra entidade comercial), em que, pela própria natureza urgente da diligência processual, ditada no interesse exclusivo de acautelar direitos que se arrogam ameaçados, há necessidade de juntar desde logo, com a petição de arresto, certidão da falta de matrícula comercial do requerido;
Considerando que, a ir por diante a medida prevista no aludido artigo 8.º, existem fortes probabilidades de prejuízo da urgência que outras leis tiveram em vista salvaguardar (artigo 143.º, alínea 2), do Código de Processo Civil), porque a demora de percurso das distâncias concorre necessariamente para isso, além de que, subsidiariamente, onera as despesas particulares da diligência;
Considerando, assim, que todas as medidas legislativas devem .traduzir a expressão da necessidade social e, simultaneamente, a de facilitar com economia a rápida administração da justiça, na parte em que esta declara ou executa direitos pré-estabelecidos;
Considerando que o citado artigo 8.º não informa desses princípios, e que, antes, nasceu, possivelmente, de meras razões abstractas de economia orgânica ou até de simples concentração de serviços
Considerando que o espírito do sistema do decreto em cansa, tal como decorre da análise do conjunto das disposições, não é o de provocar a concentração dos serviços, mas sim, e muito louvavelmente, de os descentralizar de modo a contribuir para a facilidade da respectiva utilização pelo público;
Considerando ainda que em regime de equivalência de interesses, nenhuma vantagem jurídica ou social se descortina, quer sobre o ponto de vista substantivo, quer sobre o ponto de vista processual, que razoavelmente justifique o disposto no referido artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 37:666, e que, pelo contrário, alguns inconvenientes práticos resultam da sua aplicação:
Sugiro que no sistema do Decreto-Lei n.º 37:666, de 19 de Dezembro de 1949, seja introduzido o princípio que decorre da nova redacção do corpo do artigo 8.º, que a seguir é sugerida em substituição da redacção actual, nos termos que, mais ou menos, traduzam o pensamento seguinte:
Haverá uma única conservatória do registo comercial em cada sede de comarca, que funcionará junto da respectiva conservatória do registo predial e sob a competência do conservador desta, segundo a área territorial da mesma comarca.
Outro ponto refere-se ao recurso hierárquico, em que a reforma procurou modificar o estado anterior, muito mais em harmonia com as necessidades da prática.
E justifico essas modificações pelas considerações que também vou ler, e que são as seguintes:
«1) Considerando que o disposto no artigo 105.º do Decreto-Lei n.º 37:666 constitui principio inovador, sem causa aparente que o justifique, no amplo direito, tradicionalmente reconhecido às partes, de impugnarem as recusas dos conservadores e dos notários perante o foro comum;
2) Considerando que o Ministro da Justiça não é, pela nossa legislação, órgão do Poder Judicial e que, pelo contrário, as suas decisões estão condicionadas ao regime da legalidade constitucional, e por isso recorríveis e impugnáveis perante o Poder Judicial;
3) Considerando que o Ministro da Justiça apenas tem competência disciplinar, sujeita ainda aos limites referidos anteriormente;
4) Considerando que a recusa dos conservadores, dos notários ou dos funcionários que os substituem, tanto pode, pelos fundamentos invocados, revestir aspectos de ordem formal, como aspectos substanciais ou de fundo, quando não assumam até exclusivamente simples denegação de função (aspecto este último de características disciplinares);
5) Considerando que os órgãos próprios para o melhor conhecimento das questões de fundo suscitadas são os tribunais comuns, constituídos por pessoas legal e tecnicamente preparadas no apuramento rigoroso dos conceitos jurídicos;
6) Considerando que, por se ignorar, concretamente, qual a composição, forma de recrutamento e formação jurídica do conselho técnico dos registos e notariado, a quem o artigo 168.º do decreto referido nada garante que este participe daqueles requisitos inerentes aos tribunais comuns;
7) Considerando que nada impõe na ordem constitucional que a função de Ministro da Justiça seja sempre exercida por jurista de reconhecido mérito, abrindo-se, assim, possibilidade de na pessoa investida não concorrerem conhecimentos específicos que a habilitem a julgar, de ciência e de consciência, feitos de natureza jurídica;
8) Considerando que, segundo o regime dos artigos 1032.º e seguintes do Código de Processo Civil (artigo 1087.º), o próprio conservador ou notário cuja recusa ou acto tiver sido apreciado hierarquicamente parece
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poder recorrer contenciosamente dessa decisão para o tribunal competente em razão da matéria (o foro comum), o que pelo Decreto-Lei n.º 37:666 lhe é vedado, com o consequente prejuízo do princípio legal da garantia de imparcialidade:
Eu fiz, por estes motivos, uma redacção do artigo 16õ.º, onde, em obediência às considerações feitas, se fixam os aspectos seguintes:
Da recusa por um conservador, por um notário ou por um funcionário que substitua qualquer daqueles em fazer algum registo ou em praticar acto que lhe seja solicitado cabem os recursos previstos no livro m, titulo IV, capítulo ir, do Código de Processo Civil, salvo quanto a regulamentação do recurso hierárquico, que passará a exercer-se da forma seguinte:
a) Corpo e § único do artigo 166.º actual; b) Artigo 167.º actual; c) Artigo 168.º actual».
E aditaria, como que em § único, uma conciliação de prazos suficientemente esclarecedores do tempo do exercício do direito de recurso mais ou menos com esta redacção:
Sem prejuízo de antecipação, o prazo de vinte dias a que se refere o artigo 1082.º do Código de Processo Civil conta-se da data da notificação da decisão final proferida no recurso hierárquico, no caso de este ter sido interposto, ou então do último dia do prazo de trinta dias a que alude a alínea a) deste artigo, desde que não se tenha feito uso dessa faculdade perante a respectiva Direcção-Geral.
É claro que estas sugestões, pela própria forma em que as apresento, parecem de algum modo reflectir a opinião que se tem desenhado nesta Assembleia e simultaneamente a opinião do País no sentido de estas duas disposições serem modificadas.
Nada justifica, pelo menos aparentemente e lá estamos caídos na falta do relatório -, que a situação anterior seja modificada e principalmente que haja um interesse de tal forma volumoso que imponha essa modificação. Se o há, não aparece. Nem eu nem as pessoas com quem tenho conversado e com quem tenho trocado impressões, descobrimos esse interesse decisivo! Estamos em face de incógnitas dum enigma, e seria bom, repito, que, se há um interesse importante, susceptível de modificar o estado de coisas anterior, esse interesse fosse posto à discussão e à consideração desta Assembleia, para ela se poder cabalmente pronunciar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate sobre a ratificação do decreto-lei que reforma os serviços de registo e do notariado.
Vai proceder-se à votação.
Foi feito um amplo debate sobre este importante diploma, resultando, como orientação geral, uma tendência dos oradores no sentido da ratificação com emendas. A Câmara, porém, decidirá. Esclareço, no entanto, que a votação da Câmara não incide sobre qualquer emenda que fosse apresentada; estas são meras sugestões, que podem ser muito úteis ao trabalho da Câmara Corporativa, mas que não caem sob a votação a que vai proceder-se.
Ao pronunciar-se sobre a ratificação com emendas a Câmara toma apenas a resolução de que a Câmara Corporativa considere o assunto e de que este diploma, transformado em proposta de lei, volte de novo a esta Assembleia para ser objecto de nova discussão.
Submeto, em primeiro lugar, à votação da Assembleia a ratificação pura e simples. Se a Câmara rejeitar a ratificação pura e simples, porei à votação a ratificação com emendas.
Consultada a Assembleia, foi rejeitada a ratificação pura e simples do decreto.
O Sr. Presidente: - Vai, portanto, votar-se a ratificação deste decreto com emendas.
Consultada a Assembleia, foi concedida a ratificação com emendas.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, tendo por ordem do dia a discussão sobre a ratificação do decreto-lei que reorganizou o serviço meteorológico nas colónias.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
Jorge Botelho Moniz.
Mário de Figueiredo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Sr s. Deputados que faltaram, à sessão:
Alberto Henriques de
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Projecto de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decurso da sessão:
Artigo 1.º São amnistiados os crimes políticos e as faltas disciplinares de. qualquer natureza que hajam cometido os cidadãos portugueses condecorados com a Torre e Espada, medalha de valor militar ou Cruz de Guerra ou os promovidos por distinção em combate, ou os considerados beneméritos da Pátria por legislação especial, ou ainda os louvados por feitos em campanha.
Art. 2.º Os funcionários públicos civis ou militares nas condições do artigo 1.º serão reintegrados nos cargos ou postos que lhes pertençam por antiguidade à data tia promulgação desta lei nas situações de actividade, reserva ou reforma que pela sua idade lhes competirem, na medida das vagas existentes ou que venham a dar-se.
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§ único. A reintegração na situação de actividade ficará condicionada à satisfação das condições exigidas para a promoção ao cargo ou posto em que o funcionário civil ou militar for reintegrado.
Art. 3.º Os militares inválidos de guerra ou em consequência de desastre em serviço de campanha ou do manutenção da ordem pública serão promovidos aos postos que lhes competiriam por antiguidade à data da promulgação desta lei, na medida das vagas existentes ou que venham a dar-se, desde que satisfaçam a qualquer das condições seguintes:
a) Serem condecorados com a Torre e Espada, medalha de valor militar ou Cruz de Guerra ou louvados por feitos em campanha;
b) Terem sido promovidos por distinção por feitos em combate;
tf) Serem considerados beneméritos da Pátria por legislação especial.
§ 1.º Os inválidos nas condições do corpo deste artigo poderão regressar ao serviço activo se assim o requererem, se a sua idade o permitir, se forem julgados aptos por uma junta médica de inspecção e se forem aprovados nos cursos necessários ao posto a que tenham sido promovidos nos termos desta lei.
§ 2.º O disposto neste artigo e seu § 1.º aplicar-se-á nos militares, mesmo não inválidos, que satisfaçam às condições das alíneas a), b) o e) do corpo deste artigo e tenham sido demitidos, a seu pedido, por motivos políticos.
Art. 4.º A aplicação dos artigos anteriores desta lei far-se-á por iniciativa dos serviços de que dependam ou hajam dependido os interessados, ou em consequência de informação escrita destes últimos, devidamente verificada pelos serviços citados.
Art. 5.º Ficam revogadas todas as leis de banimento do território nacional de súbditos portugueses ou descendentes de súbditos portugueses.
Art. 6.º Esta lei entra imediatamente, em vigor e revoga a legislação em contrario.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1949. - O Deputado Jorge Botelho Moniz.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA