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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 38

ANO DE 1950 29 DE MARÇO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 38 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 28 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Antão Santos da Cunha

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 35, 36 e 37 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos pedidos por vários Srs. Deputados a diversos serviços públicos, indo esses elementos ser entregues aos Srs. Deputados interessados.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 37:792.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mascarenhas Galvão, para se referir aos trabalhos da conferência sobre o porto e caminho de ferro da Seira; Santos Dessa, que enviou para a Mesa um requerimento, e Miguel Bastos, para solicitar diversos esclarecimentos.

Ordem do dia. - Continuou a discussão, na especialidade, da proposta de lei que o Fundo de teatro.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga, Botelho Moniz e Mário de Figueiredo.
Discutiram-se e aprovaram-se os artigos 2.º, 10.º e 11.º
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.

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Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim. Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascaranhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Pinto Meneres.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºS 35, 36 e 37 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. ExAS. deseja fazer uso da palavra, considero aprovados os referidos números do Diário.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai dar-se conta do

Expediente

Telegramas

Da direcção do Grémio do Comércio de Braga apoiando as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Alberto Cruz na sessão de 22 do corrente acerca da transferência da secção de Braga da Cortadoria Nacional do Pêlo.
Do presidente da Federação das Colectividades de Educação e Recreio do distrito do Porto manifestando regozijo pela discussão da proposta de lei sobre Fundo de teatro e solicitando que a Assembleia aprove simultaneamente medidas de protecção aos corpos cénicos amadores.
Do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra pedindo para ser revista a situação do Teatro dos Estudantes.
Vários apoiando a intervenção do Sr. Deputado Vasco de Campos sobre a conclusão imediata do caminho de ferro de Arganil.
Numerosos apoiando as considerações do Sr. Deputado Antunes Guimarães sobre a radiodifusão no Norte.

Ofícios

Da Câmara Municipal de Setúbal secundando as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Miguel Bastos na sessão de 10 do corrente acerca do estabelecimento de uma zona franca ao tráfego de mercadorias no porto de Setúbal.

Exmo. Sr. 1.º Secretário da Mesa da Assembleia Nacional. - Para os devidos efeitos, tenho a honra de transcrever o ofício n.º 806 do Gabinete do Ministério da Economia, relativo ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral na sessão de 9 do corrente:

Em referência ao ofício n.º 17:673, proc. n.º 4/4, de 11 do corrente, desse Gabinete, tenho a honra de informar V. Ex.ª de que não existe delegado do Governo junto da Companhia Portuguesa de Celulose e consequentemente não foram por ele elaborados quaisquer relatórios.

Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.

A bem da Nação.

Gabinete da Presidência do Conselho, 24 de Março de 1950. - O Chefe do Gabinete, José Manuel da Cosia».

Exposição

a Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - O conselho escolar do Instituto Industrial de Lisboa, tendo tomado conhecimento do parecer da Digníssima Câmara Corporativa à proposta de lei n.º 502/64, referente à organização das escolas de belas-artes, mui respeitosamente vem chamar a esclarecida atenção de V. Ex.ª para a forma como se encontra redigida a base II daquela proposta de lei, pelo qual se pensa regular a admissão ao curso superior de Arquitectura.
Com surpresa e mágoa verifica o conselho escolar deste Instituto que nele não foram considerados os seus alunos, cuja cultura geral e técnica é muito superior à dos alunos do ensino técnico profissional industrial e comercial, para os quais foram previstas as condições de ingresso ao referido curso superior de Arquitectura.
Os alunos dos institutos industriais tiveram sempre ingresso no curso de Arquitectura, exigindo-se-lhes apenas

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prestação de provas de habilitação artística (artigo 12.º do Decreto n.º 19:760, de 20 de Maio de 1931, e artigo 22.º do Decreto n.º 21:662, do 12 de Setembro de 1932), e, sendo certo que anteriormente a 1931 metade daquele curso era professado neste Instituto, torna-se pouco compreensível que na presente proposta de lei não se lhe tenha mantido a mesma regalia.
Pelo exposto, o conselho escolar do Instituto Industrial de Lisboa, cônscio do valor intelectual e técnico do ensino nele professado e da supremacia deste em relação ao do ensino profissional industrial e comercial (Decreto n.º 37:029, de 25 de Agosto de 1942), vem mui respeitosamente solicitar de V. Ex.ª que a base II da proposta de lei em questão seja modificada por forma a que sejam considerados os direitos de ingresso dos alunos dos institutos industriais no curso superior de Arquitectura.
Digne-se V. Ex.ª aceitar os protestos da nossa mais elevada consideração.

A bem da Nação.

Lisboa, 23 de Março de 1950. - O Presidente do Conselho Escolar, Jacinto dos Reis Bettencourt».

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga. Também se encontram na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos do Ministério das Obras Públicas, e ainda os elementos solicitados ao Ministério da Marinha pelo Sr. Deputado Morais Alçada. Vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.
Enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Decreto-Lei n.º 37:792, publicado no Diário do Governo n.º 60, de 24 do corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão.

O Sr. Mascarenhas Galvão: - Sr. Presidente: é a primeira vez que uso da palavra nesta Assembleia, razão por que, antes de mais, quero render a V. Ex.ª as minhas respeitosas homenagens. São homenagens sinceras as que presto a V. Ex.ª, exactamente porque são ditadas por quem não tem outro mérito senão o de lhas render com o intuito de lhe manifestar o sen leal apreço e modesto desejo de franca colaboração.
Aos ilustres Srs. Deputados rendo igualmente as minhas homenagens.
Uma vida inteira ao serviço da actividade particular em Moçambique, sem outras qualidades que não sejam as de um relativo conhecimento dos seus problemas, nascido de uma prática de intenso e apaixonado trabalho, fez com que as suas actividades económicas me escolhessem para aqui ser o seu modesto representante.
Não aceitei sem receio tal representação, exactamente por reconhecer que os meus poucos méritos ficavam muito aquém daqueles que considero indispensáveis para o desempenho de tão alta função, sobretudo quando postos em paralelo com os de que gozam os outros Deputados.
Mas, seja como for, agora, que aqui me encontro, não quero nem posso deixar de corresponder à confiança que os eleitores de Moçambique em mim depositaram, razão essa que, mesmo antes de me sentir mais habilitado e à vontade, me levou a pedir a palavra a V. Ex.ª
Antes de entrar propriamente no assunto desta minha breve exposição, desejo manifestar a minha ilimitada confiança no auspicioso futuro que está destinado à colónia de Moçambique, colónia onde o sentido nacional e imperial se manifesta com uma acuidade inigualável. Faço esta introdução exactamente porque se tem lá, por vezes, a impressão de que tal facto não é na metrópole devidamente considerado e apreciado.
Esse ardor patriótico, esse sentido imperial, faz com que todos os problemas relacionados com a sua soberania e progresso sejam olhados com um apaixonante interesse. Sucede agora que os jornais da metrópole têm dado grande relevo, e bem justificado, à conferência que se está realizando entre o nosso Governo e os representantes da Comunidade Britânica mais directamente ligados ao assunto, para discussão do momentoso problema do porto e caminho de ferro da Beira.
Ainda não desapareceram dos nossos ouvidos os clamores patrióticos que se ouviram, cá e lá, quando, em boa hora, o Governo resgatou e pôs à exploração de sua conta aquelas duas importantes organizações. Do trabalho realizado de então para cá sob a sua administração falam os números e as estatísticas e o próprio Primeiro-Ministro da Rodésia o afirmou. Da ânsia por continuar mais e melhor falam todos os bons portugueses de Moçambique, que, no desejo de tornarem cada vez maior e melhor a terra onde trabalham, nunca se pouparam a sacrifícios para auxiliar o Governo na sua missão.
Não são as minhas pobres palavras, Sr. Presidente, que podem fazer ressaltar perante esta Assembleia o quanto representa de esforço e trabalho digno tudo quanto se fez na Beira depois que o Governo tomou para si o encargo da exploração do porto e do seu caminho de ferro.
Faz parte da delegação portuguesa à referida conferência o engenheiro Francisco Pinto Teixeira, director dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique, incansável impulsionador e superior orientador da sua política de transportes, que melhor do que eu saberá fazer valer a quem de direito os pontos de vista mais convenientes à nossa posição.
Mas, como ia dizendo, Sr. Presidente, eu faço ideia como nesta ocasião, e a tão grande distância, os bons portugueses de Moçambique estarão ansiosos por conhecer os resultados obtidos de tão auspiciosa conferência, anseio natural, nascido do desejo de verem a terra onde trabalham, e que tão generosa tem sido em retribuições, mais uma vez ser o alvo de uma benéfica intervenção do Governo.
S. Exa. o Ministro dos Negócios Estrangeiros, no discurso inaugural da referida conferência, pôs-nos ao facto da forma amigável, como o assunto vai ser tratado. Eu, porta-voz dos interesses das actividades económicas de Moçambique, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que seja junto do Governo o intérprete do sentir de Moçambique, que ardentemente deseja ver o seu património cada vez mais valorizado e dignificado.
Quando falo em portugueses de Moçambique, ou, melhor, nos portugueses que se encontram ao serviço de Moçambique, vem-me sempre à ideia o nome do maior de todos que por lá se encontram, em bem alto posto, e que nesta ocasião deve, ansioso, aguardar o resultado dos acontecimentos, ele que tem dedicado ao problema o melhor da sua vibrante inteligência e incansável labor.
Quero-me referir neste lugar ao muito ilustre governador-geral de Moçambique, comandante Gabriel Teixeira, sob cujo governo a colónia está a dar um muito notável passo em frente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é sem escolhos que se governa uma possessão como aquela, onde todos os dias surgem novos problemas de imediata resolução. Felizmente para os colonos de Moçambique que os ombros honrados do

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ilustre marinheiro e governador podem arcar com fardo pesado como aquele.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estão na ordem do dia do Mundo inteiro todos os problemas relacionados com o continente africano. Felizmente que podemos hoje dizer, como ainda há pouco dizia o mesmo governador-geral de Moçambique, que a colónia que governa sofria apenas de uma «crise de crescimento».
Faço votos, Sr. Presidente, pôr que esta crise de crescimento se mantenha e que o Governo continue a poder dar-nos cá e lá a certeza de que a podemos continuar a debelar.
Já depois do início da conferência, dizem-nos os jornais que S. Ex.ª o Primeiro-Ministro da Rodésia promete publicar dentro de oito dias uma declaração sobre o assunto. Faço votos por que antes disso ou nessa mesma ocasião possa o nosso Governo fazer também uma declaração que nos habilite a avaliarmos dos resultados obtidos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte:

Requerimento

«Reconhecendo a necessidade de esclarecer devidamente o assunto respeitante à existência de peripneumonia exsudativa no continente, em virtude do prejuízo que essa doença pode trazer à economia nacional, requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Se alguma vez foi diagnosticada essa doença no continente;
b) No caso afirmativo, quando foi formulado o diagnóstico, qual a proveniência do gado e quais as medidas sanitárias tomadas pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários;
c) Se alguma vez entraram no Mercado Geral de Gados bovinos suspeitos dessa doença;
d) Se alguma vez foi posta a suspeita dessa afecção em bovinos abatidos no Matadouro de Lisboa e, em caso afirmativo, a proveniência desse, gado, o estágio que fez no continente e as medidas sanitárias tomadas;
e) Se foi imposto sequestro ao gado importado da Holanda pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários em 1948 e quais os seus fundamentos legais;
f) Se antes desta importação foi feita qualquer outra pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários ou pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários e se foi imposto algum isolamento a esse gado no momento da chegada a Portugal, quanto tempo durou esse isolamento, quais as provas a que o gado foi sujeito e quais os seus resultados;
g) Quaisquer outros elementos que o Ministério da Economia possua e que interessem ao completo esclarecimento do assunto».
Tenho dito.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para solicitar os seguintes esclarecimentos:
1.º Poderá o Governo informar das razões por que se arrasta há já anos pelas secretarias do Estado um pedido da firma Parry & Son para instalar em Setúbal uns estaleiros navais, o que, a ser autorizado, representaria para aquela importante cidade um valioso elemento económico para combater a crise que a sua população operária está sofrendo?
2.º Poderá o Governo informar se é certo terem surgido fortes razões que impeçam a instalação em Setúbal da indústria de montagem de automóveis, cuja autorização consta ter sido pedida e ter já parecer favorável da Direcção dos Serviços Industriais, e que absorveria, numa primeira fase, 1:400 braços?
Em caso afirmativo:
3.º Poderá o Governo esclarecer quais são as razões que justificam o impedimento posto?
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na especialidade, a proposta de lei
que cria o Fundo de teatro.
Está em discussão o artigo 2.º
Já na última sessão foram lidas à Assembleia as propostas apresentadas sobre este artigo, mas acaba de chegar à Mesa uma proposta, também relativa ao artigo 2.º, assinada pelo Sr. Deputado Botelho Moniz e outros Srs. Deputados, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Propomos a supressão da alínea a) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 60.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 2.º

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: o teatro compartilha dum corporativismo mal realizado, vivendo em absoluto liberalismo quando faz seus lucros desmedidos e em declarado intervencionismo quando tem de esponjar prejuízos avultados e previsíveis.
O sucesso e o insucesso são sanções naturais ao teatro, mas que às vezes não jogam em plena equidade. Porém, poderemos, sem perigo para a arte dramática, evitar de corrigir a incidência, diminuir os riscos, deixar de livremente campear o automatismo da selecção, protegê-la contra uma determinada moral de realização profissional?
A proposta que ora discutimos segue o caminho calcado em França pela legislação posterior a 1944, mete-se por atalhos dos interesses demasiadamente particularizados, fugindo da estrada nacional dos interesses gerais.
Esta proposta de lei visava fazer o saneamento corporativo, com mão destra, mas não soube bem distinguir entre a arte e a indústria teatral.
Quando fabricantes de comédias musicadas, de contextura barata, as fazem representar havemos de as tratar com todas as honras de agentes da cultura portuguesa?
A cultura dramática exigirá uma tão grande sumptuosidade de guardas-roupas, cenários tão ricos, tantos figurantes?
Os clássicos faziam isto um tantinho mais económico, sem necessidade de tão quantiosos acessórios!
Podíamos, ingenuamente, supor que a arte dramática consistiria, principalmente, em invenção literária, em emoção ou humor, em movimento ou, sinteticamente, na comédia humana; nada disto a serve, uma boa ilusão óptica por holofotes multicolores em jogos de luzes e de repuxos, em brocados dispendiosos, crinolinas e papelão pintado; isto é que é preciso proteger na arte dramática. Não precisamos de actores e actrizes de grande cultura, o que carecemos é de costumiers e de electricistas... O resto pode ajeitar-se com discípulos e discípulas!
Robert Kemp dizia, com fina ironia, numa das suas crónicas admiráveis do Monde: «Le remède contre la

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cherté des poutres et des peintures c'est d'offrir de bons textes dans de mieux décor». O que é preciso é reequilibrar a arte teatral: que o continente não devore o conteúdo, que a moldura não esmague o quadro. Não é forçoso voltar à escola de pauperismo, mas é preciso afastar-nos para longe das realizações magnificentes totalitárias ou das visões cénicas milionárias americanas, pois temos de adaptar o teatro português às nossas possibilidades financeiras e económicas, de alinhar a nossa técnica dramática a uma encenação sóbria, mas útil, a um certo ascetismo de expressão cénica; temos de cuidar da arte teatral e varrer para longe malas-artes da ribalta e dos bastidores; temos de subsidiar o teatro e proteger os nossos grandes actores, mas deixar jogar em pleno a grande lei da selecção para os discípulos e discípulas. Oponhamos tenazmente às prodigalidades espectaculares da encenação as riquezas, um pouco mais raras, do espírito dramático.
É preciso tornar uma realidade a solidariedade das artes de declamação - teatro, cinema o rádio -, criar um estatuto destas artes de espectáculo. Como beirão que me prezo de ser, declaro francamente que não vamos votar um fundo: são uns «microfundos», que mal remendam o tecido puído do teatro. E, como estamos a falar de teatro, constituem uma ilusão... cénica as verbas criadas pelo artigo 3.º
Esta proposta de lei não vem resolver uma crise de teatro - que, bem pesada, afinal de contas, é uma revolução do gosto teatral; não vem atacar as causas, vem atenuar os efeitos; não vem defender a criação dramática contra a ignorância sistemática de empresários de teatro industrializado, vem resolver crises de tesouraria; por falta de mecenas, vem estatizar o mecenato.
Oxalá que esse artigo 3.º sirva para patrocinar os grandes vultos do nosso teatro, e não como fundo pedagógico; que sirva para a construção de obras de grande ritmo teatral, e não para encenações caras; que, por último, não faça verdadeiras as palavras de Bruscambille: «Baste! La comédie est une vie sans souci et quelques fois sans six sous».
E, antes de terminar, podemos dizer que não são verdadeiras para Portugal as afirmações de que aos autores faltam actores - podemo-nos orgulhar de os ter como ninguém - e que aos actores faltam autores - bastaria considerar o exemplo magnífico da obra dramática do relator desta proposta na Câmara Corporativa.
Louvemos o Governo por esta proposta, embora reconheçamos que podia ser resolvido o problema por simples actos administrativos; encareçamos com sinceridade o magistral relatório da Câmara Corporativa, embora, à puridade, possamos lamentar que a articulação não corresponda inteiramente à excelência do parecer.
Discordamos abertamente do plano secundário e apoucado em que se coloca o teatro popular itinerante e experimental no artigo que temos a honra de discutir.
E, terminando, direi: esta proposta, praticamente, vale o que valer a comissão administrativa que ela cria e que, como lei, sirva para mais alguma coisa, como repetiria, com a sua voz trovejante, o reverendo padre Gillet, «de que leur offrir de quoi se vêtir ou se devêtir».
Tenho dito.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: em nome de um grupo de Srs. Deputados tive a honra de enviar hoje para a Mesa a proposta seguinte:

Propomos a supressão da alínea a) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 60.

Antes de mais, devo dizer que isto corresponde exactamente a adoptar o texto suprido pela Câmara Corporativa, pois que também ela havia suprimido a alínea a) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 60.

Para esclarecimento dos Srs. Deputados convém recordar que esta alínea a) do artigo 2.º diz o seguinte:

As taxas a cobrar de empresas que explorem cine-teatros nos termos previstos por este diploma.

Por consequência, estabelece novas taxas a onerar a exibição de cinema, quando realizada em casas de espectáculos que possuam palcos.
Qual a razão por que discordo de mais este encargo sobre o cinema? Disse-o quando há dias falei na generalidade sobre a proposta de lei n.º 60. Repeti-lo-ei agora, com mais pormenores, ao entrarmos na discussão da especialidade.
Não sou pessoa de teatro, mas homem prático, digamos, homem de negócios, habituado a estudar os problemas económicos no sentido de os tornar simples quando nos aparecem complicados, ou de os transformar em exequíveis quando eles se apresentam irrealizáveis.
No caso presente procuro encontrar soluções que nos levem duma transacção ruinosa a uma transacção que não envolva ruína.
Dentro desta ordem de ideias, estive lendo e relendo com o maior cuidado e atenção, durante muitas horas da noite do hoje, por não ter outra ocasião anterior para o fazer, os variadíssimos elementos da questão: a proposta do Governo, parecer da Câmara Corporativa, as propostas da Comissão de Educação Nacional e todas as representações apresentadas à Assembleia Nacional, quer pela Lisboa Filmes, quer pela Mundial Filmes, quer ainda pelo proprietário do Teatro Avenida. Meditei também sobre um telegrama, cuja leitura não roubará muito tempo à Câmara, que recebi do Porto, assinado por todos - julgo eu - os cinemas da capital do Norte.
É o seguinte:

Empresários casas espectáculos Porto aplaudem atitude V. Ex.ª em face proposta lei teatro. Contudo ousam pedir V. Ex.ª não esquecer também incomportáveis encargos de toda a ordem que oneram exibição cinema e que o levam, a ruína certa. Cumprimentos de sincera admiração. - Coliseu do Porto; S. João Cine; Teatro Rivoli; Cinema Trindade; Cinema Águia de Ouro; Cinema Júlio Dinis; Teatro Sá da Bandeira; Cinema Olímpia; Cinema Nuno Alvares; Cinema Vale Formoso; Cinema Odeon; Cinema Central; Cinema Vitória; Teatro Carlos Alberto; Parque das Camélias Cine; Foz Cine; Teatro Avenida e Cinema Batalha.

Repare-se bem no que dizem os conhecedores do caso: encargos incomportáveis - ruína certa.
Entre os documentos que já citei estudei, com a atenção que elas merecem, as propostas apresentadas pela nossa Comissão de Educação Nacional.
Elas alteram tão completa e profundamente a do Governo e o parecer da Câmara Corporativa que me atrevo, sem fazer trocadilho, a dizer que as emendas a todos os artigos apresentadas na especialidade pela comissão citada são na realidade uma especialidade... muito generalizada.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Foram apresentadas na generalidade. Aí é que está o equívoco de V. Ex.ª Isto é apenas uma observação de facto.

O Orador: - Julgava eu que V. Ex.ª tinha dito, num aparte que me dirigiu há dias, que elas iam ser apresentadas na especialidade. Além disso, vi-as assinadas, nos termos do Regimento, por cinco Deputados, em vez do único que é permitido durante a discussão na generali-

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dade. Mas peço desculpa a V. Ex.ª Pelo visto os equívocos são sempre meus ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Ninguém mais o lamenta do que eu.
Risos.

O Orador: - É curioso registar que todos os oradores se referiram ao parecer da Câmara Corporativa tecendo-lhe os maiores elogios. Mas quase todos, afinal, ao apresentarem as suas propostas na prática, lhe bateram sem dó nem piedade. Acha-se neste caso a nossa Comissão de Educação Nacional.
Quer dizer: essa prática não correspondeu às palavras elogiosas. Quanto ao artigo 2.º, de que especialmente estamos tratando, o parecer da Câmara Corporativa discorda do pagamento da taxa por parte dos cine-teatros e a sua contraproposta suprime essa receita do Fundo do teatro. Mas a Comissão de Educação Nacional adopta neste ponto excepcionalmente o critério do Governo - e ressuscita a taxa.
Julgo eu que o ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa, Sr. Dr. Júlio Dantas, é pessoa que conhece melhor do que muita gente, e do que eu principalmente, as necessidades do teatro.
O Sr. Dr. Júlio Dantas e todos os demais signatários do parecer entenderam ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª quer referir-se às necessidades literárias?

O Orador: - Literárias e económicas. Dizia eu, Sr. Presidente, que o Sr. Dr. Júlio Dantas e os demais signatários do parecer julgaram prescindíveis as receitas provenientes de novas taxas a exigir dos cine-teatros.
Se usássemos linguagem tauromáquica, eu diria que o Sr. Dr. Júlio Dantas era o papa do teatro. Ora a nossa Comissão, querendo mais dinheiro para o teatro do que ele propõe, é afinal mais papista do que o papa.
Risos.
Qual a razão por que entendo que os cinemas devem ser isentos deste novo ónus?
Em primeiro lugar, o Estado não possui o direito moral de lhes exigir tal contribuição.
Vejamos o que dá o Estado para o Fundo de teatro e o que exige dos outros. Tenho aqui as contas de uma casa de espectáculos de Lisboa.
Por elas se vê que as receitas de vistos e desemprego, únicas que transitam para o Fundo de teatro, rendem, por semana, nesta casa de espectáculos, respectivamente, 245$ e 250$ - total 495$.
Agora vejamos quais são os encargos restantes da mesma casa de espectáculos: imposto único (o tal imposto «único» que existe além dos outros), 11.493$, produto de 7 por cento sobre dois terços da lotação, mais 25 por cento de aumento. Como se a ironia de lhe chamarem «único» ainda não fosse bastante, cobra-se agora também mais uma sétima parte, mas sem o adicional dos 25 por cento. Concretizando: de um lado, unicamente 495$ para o Fundo de teatro; do outro lado, a favor do Estado, 11.493$. Mas há mais. Dá gosto ouvir: 3.979$10 para a Câmara Municipal; 5.529/550 para o socorro social; 798$ para os bombeiros; 1.302$ para a policia, e 1.283$07 para a Caixa de Reforma e Previdência dos Artistas de Teatro. Total, 24.879$67.
Deste total o Estado sòmente dá para resolver a crise do teatro em Portugal, como se isso fosse bastante para acabar de uma vez para sempre com os actores desempregados, a miséria de 495$. O resto, o cinema que o pague!
Pergunto: uma entidade que nos apresenta uma proposta de lei desta natureza tem direito a exigir a outrem sacrifícios muitíssimo superiores àqueles que o Estado vai realizar?
Respondo francamente pela negativa.

O Sr. Melo Machado: - Mas, afinal de contas, esses encargos viriam a recair sobre o público, que é quem paga tudo, o que quer dizer que os espectáculos cinematográficos teriam de encarecer.

O Orador: - Sem dúvida alguma isso representaria o encarecimento dos espectáculos de cinema, ou seja dos espectáculos populares.
Como vai longe o tempo em que se dizia: ao povo não pode nem deve pagar mais!».
Além dos encargos expostos, e em consequência de lei votada por esta Assembleia, o cinema, ou, antes, o publico, paga 10.000$ pela estreia de cada filme.
Entretanto afirma-se: há crise, aflitiva entre os actores. Há crise económica no teatro. É indiscutível.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Como se explica então que, não obstante esses encargos todos, as empresas não queiram converter as suas casas de cinemas em teatros? Gostaria que V. Ex.ª me explicasse a razão.

O Orador: - Eu explico já. As empresas de cinema têm grandes encargos, mas, apesar disso, conseguem viver e conseguem pagar as suas contas e as suas dívidas sem nenhum dos seus sócios ter falido por enquanto, ou ter de fugir para o estrangeiro. Mas isso não significa que devam morrer para salvar o teatro, ou que se lhes possam impor mais sacrifícios.
As empresas teatrais, apesar de não terem tantos encargos fiscais, não conseguem singrar porque o público não vai lá, ou por qualquer outra razão.
Consequentemente e sistemàticamente sofrem grandes prejuízos. Entre um negócio que vive e um negócio que morre, pergunto: qual deles escolheriam VV. Ex.ªs?...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas, então, eu só quero significar que o cinema ainda dá lucros bastantes para sustentar o teatro.

O Orador: - Não está provado. Essa afirmação de V. Ex.ª apenas quer significar que V. Ex.ª entende, com as suas propostas, que, quando uma empresa de cinema tem lucros, deve-se onerá-la extraordinàriamente, deve tirar-se-lhe o que ganha para o dar a outrem.
Quando alguma indústria em Portugal consegue proventos razoáveis, trata-se logo de tributá-la, de espremê-la como a um limão, por forma a que esse lucro desapareça. E ela acaba por não poder viver, a não ser entre dificuldades. É a igualdade na miséria, imposta pelo Estado, mas é também a desgraça dos seus empregados! Não pode ser este o objectivo das propostas de V. Ex.ª ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª equivoca-se quando diz que as propostas são minhas.

O Orador: - Mais outro equívoco meu... Não discuto a origem de tais propostas, mas o certo é que foi V. Ex.ª quem apresentou a sua defesa. Por isso não vale a pena agora pôr uma acção de investigação de paternidade.
Se, tal qual proponho, for aprovada a supressão da alínea a) do artigo 2.º, a discussão pode prosseguir sem inconveniente de maior, visto que aquela eliminação não altera fundamentalmente a economia da proposta, mas apenas o quantitativo das receitas.
Porém, se se pretende pôr à votação a alínea a) do texto da Comissão de Educação Nacional, o caso torna-se diferente.

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Lembro que na última sessão o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, ilustre leader do Governo nesta Assembleia, com a lealdade e correcção exemplares que são seu timbre, chamou a atenção da Assembleia para o facto de que esta alínea a) da proposta da Comissão de Educação Nacional sòmente poderia ser votada depois de toda a Camará conhecer exactamente o artigo 10.º da proposta.
Por isso a sessão foi interrompida para haver tempo de se conhecerem e estudarem aquelas propostas.
Sr. Presidente: por minha parte vou talvez um pouco mais longe do que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Não se trata apenas de ler. Trata-se de discutir e votar.
Ora, a redacção dada pela Comissão à alínea a) hipoteca o artigo 2.º ao artigo 10.º; quer dizer, só podemos aprovar a redacção deste artigo 2.º, tal como a Comissão o apresentou, só estivermos de acordo com o seu artigo 10.º

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Isso não é rigorosamente exacto. Mas reconheço que é da maior conveniência que se discuta o artigo 2.º e ao mesmo tempo os artigos 10.º e 11.º, e nesse sentido requeiro a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que ponha um e outros em discussão e ao mesmo tempo.

O Orador: - Era esse, exactamente, o objectivo das minhas considerações. Portanto, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo e eu, neste ponto, estamos de acordo.

O Sr. Presidente: - Nessas circunstâncias, vou pôr à discussão os artigos 10.º e 11.º conjuntamente com o artigo 2.º
Vou, por isso, dar conhecimento à Assembleia das propostas que estão na Mesa relativas aos artigos 10.º e 11.º

Foram lidas. São as seguintes:

Proposta de substituição do artigo 10.º:

Artigo 10.º Todos os empresários que efectivamente explorem os cine-teatros existentes em Lisboa e Porto, desde que não dêem espectáculos de teatro no número mínimo de cento e vinte dias em cada ano, ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa anual, fixada conforme critérios a estabelecer em diploma legal.
§ l.º Aos empresários de cine-teatros que forem obrigados a dar o número de espectáculos teatrais referido neste artigo pode ser imposto pelo Governo, mediante parecer do Conselho de Teatro, que os explorem ou cedam para exploração regular de teatro.
§ 2.º Os cine-teatros a que se refere o parágrafo anterior podem ser dispensados pelo Governo, ouvido o Conselho de Teatro, de dar o número de espectáculos teatrais a que estejam obrigados, e neste caso ficam sujeitos ao pagamento de taxas nos termos previstos no corpo deste artigo.
§ 3.º O produto das taxas a que este artigo se refere será atribuído pelo Governo, mediante proposta do Conselho de Teatro, aos empresários a quem for imposta a utilização ou cedência das respectivas casas de espectáculos para temporadas regulares de teatro que excedam quatro meses e aos que não forem dispensados do mínimo previsto nos parágrafos anteriores, na proporção julgada razoável.
§ 4.º Os restantes cine-teatros do País só podem ser obrigados a realizar espectáculos de teatro, na medida da capacidade de interesse das populações, quando, nos termos da alínea b) do artigo 3.º, se organizarem companhias itinerantes subsidiadas pelo Fundo de teatro.

Proposta de substituição do artigo 11.º:

Artigo 11.º Os proprietários ou titulares do direito de fruição, empresários ou não, e os empresários dos cine-teatros a que se refere o § l.º do artigo anterior que não tiverem assegurada a sua exploração teatral e que sejam obrigados a cedê-los pelo tempo que o Conselho de Teatro fixar terão direito a uma justa indemnização.
§ 1.º A indemnização será fixada por acordo e, na falta de acordo, pelo Governo, mediante proposta do Conselho de Teatro.
§ 2.º Da decisão do Governo haverá recurso para os tribunais competentes. O recurso não impedirá o recorrente de receber desde logo a indemnização fixada pelo Governo.
§ 3.º Na determinação da indemnização não se levará em conta o que por força do § 3.º do artigo anterior for atribuído ao empresário.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Março de 1950. - Os Deputados: Alexandre Alberto de Sousa Pinto, António dos Santos Carreto, Manuel Lopes de Almeida, Caetano Beirão e João Ameal.

O Sr. Presidente: - Ainda relativamente ao artigo 10.º, está na Mesa uma proposta de substituição, apresentada pelos Srs. Deputados Sebastião Ramires, Botelho Moniz e outros Srs. Deputados.
Vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição do artigo 10.º da proposta de lei n.º 60:

Artigo 10.º Todos os empresários que efectivamente explorem os cine-teatros de Lisboa e Porto são obrigados, por si ou por intermédio das entidades para as quais transfiram os seus direitos e encargos, a assegurar a exploração regular de teatro em cada ano, na época ou épocas que reputarem mais convenientes a essa exploração, com um mínimo de cento e vinte espectáculos anuais de teatro declamado, comédia musicada ou opereta.
§ 1.º Exceptuam-se do disposto no corpo deste artigo os cine-teatros aos quais haja sido concedida, a titulo definitivo e sem limitações, autorização para a exploração de espectáculos de cinema.
§ 2.º Os empresários de que trata o corpo deste artigo, desde que não dêem o número mínimo de cento e vinte espectáculos anuais, ficam sujeitos, por cada espectáculo que faltar, ao pagamento para o Fundo de teatro de multa igual ao valor do imposto único relativo a cada espectáculo normal de cinema.
§ 3.º Os empresários de cine-teatros que derem espectáculos de teatro declamado, comédia musicada e opereta além do número previsto no parágrafo anterior, e bem assim os empresários de cinemas ou cine-teatros que voluntàriamente os realizem, receberão do Fundo de teatro subsídio igual ao valor do imposto único de cada sessão normal de cinema, sempre que o plano de tais espectáculos teatrais receba a aprovação prévia do conselho administrativo do Fundo de teatro, ouvido o Conselho Teatral.
§ 4.º Os restantes cine-teatros do Pais só podem ser obrigados a realizar espectáculos de teatro, na medida da capacidade de interesse das populações, quando, nos termos da alínea b) do artigo 3.º, se organizarem companhias itinerantes subsidiadas pelo Fundo de teatro, mas sem prejuízo de contratos de exploração anteriormente estabelecidos e mediante a retribuição normal para o empresário ou proprietário.

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O Sr. Presidente: - Ainda sobre o artigo 10.º há na Mesa uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e mais quatro Srs. Deputados, que, com pequenas diferenças, coincide com a proposta apresentada pela Comissão de Educação Nacional.
Vai ler-se.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição do artigo 10.º:

Artigo 10.º Todos os empresários que efectivamente explorem os cine-teatros existentes em Lisboa e Porto, desde que não dêem espectáculos de teatro no número mínimo de cento e vinte dias em cada ano, ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa anual fixada conforme critérios a estabelecer em diploma legal.
§ 1.º Aos empresários de cine-teatros que forem obrigados a dar o número de espectáculos teatrais referido neste artigo pode ser imposto pelo Governo, mediante parecer do Conselho de Teatro, que os explorem ou cedam para exploração regular de teatro.
§ 2.º Os cine-teatros a que se refere o parágrafo anterior podem ser dispensados pelo Governo, ouvido o Conselho de Teatro, de dar o número de espectáculos teatrais a que estejam obrigados, e neste caso ficam sujeitos ao pagamento do taxas nos termos previstos no corpo deste artigo.
§ 3.º O produto das taxas a que este artigo se refere será, nos termos do regulamento, atribuído pelo Governo, mediante proposta do Conselho de Teatro, aos empresários a quem for imposta a utilização ou cedência das respectivas casas de espectáculo para temporadas regulares de teatro que excedam quatro meses e aos que não forem dispensados do mínimo previsto nos parágrafos anteriores.
§ 4.º Os restantes cine-teatros do País só podem ser obrigados a realizar espectáculos de teatro, na medida da capacidade de interesse das populações, quando, nos termos da alínea b) do artigo 3.º, se organizarem companhias itinerantes subsidiadas pelo Fundo de teatro.

Mário de Figueiredo, José Cabral, Luís Maria Lopes da Fonseca, Ulisses Cortês e França Vigon.

O Sr. Presidente: - Vai agora ser lida à Assembleia a proposta de substituição do artigo 11.º apresentada pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição do artigo 11.º da proposta de lei n.º 60:

Artigo 11.º Os proprietários que explorem directamente os seus teatros, ou os arrendatários respectivos, quando estes existam, que não puderem demonstrar ao Conselho de Teatro que a respectiva exploração teatral está assegurada por contratos anteriores, serão obrigados a ceder temporàriamente as suas casas de espectáculos ao Conselho de Teatro, se elas estiverem encerradas e se este assim o determinar, para exploração por companhias subsidiadas pelo Fundo de teatro, sob condição de que o período de actuação destas companhias e a retribuição dos proprietários ou arrendatários sejam prèviamente fixados por acordo entre os interessados.
§ l.º Na falta deste acordo, a retribuição dos proprietários ou arrendatários e o prazo de exploração por companhias subsidiadas serão estabelecidos por uma comissão de três árbitros, sendo um nomeado pelos proprietários ou arrendatários, outro pelo Conselho de Teatro o um terceiro a designar por estes dois.
§ 2.º Da decisão desta comissão haverá recurso não suspensivo para os tribunais competentes.

O Sr. Presidente: - Ainda relativamente ao artigo 11.º há uma proposta, subscrita pelos Srs. Deputados Mário do Figueiredo, Ulisses Cortês, Simões Crespo, Lopes da Fonseca e José Cabral, adicionando um artigo 11.º bis ao artigo 11.º da proposta.
Vai ler-se o artigo ll.º bis.

Foi lido. É o seguinte:

Artigo 11.º bis. Aos proprietários ou titulares do direito de fruição, empresários ou não, e aos empresários de casas de espectáculos com palco em Lisboa e Porto não abrangidos nos artigos anteriores é aplicável, se as não explorarem regularmente, o disposto no § 1.º do artigo 10.º e nos §§ 1.º e 2.º do artigo 11.º

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.º, conjuntamente com os artigos 10.º, 11.º e 11.º bis e as respectivas propostas de alteração que foram lidas.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: a proposta governamental pretende beneficiar o teatro não só por meio de subsídios mas também através de um sistema a que não chamarei económico porque se caracteriza de nitidamente policial: determina obrigações pesadíssimas e estabelece penalidades no caso de elas não serem ou não poderem ser cumpridas.
No conjunto de propostas que, em meu nome e no de outros Srs. Deputados, tive a honra de apresentar à Câmara entendemos substituir a coacção pela persuasão, a forma directa pela indirecta e o sistema policial pelo sistema económico. Existe uma única maneira de conseguirmos, realmente e pràticamente, que haja teatro em Portugal. É indispensável que as empresas teatrais sejam devidamente remuneradas, mas isso só se conseguirá atraindo público e reduzindo encargos. De contrário, por mais leis que se façam, o negócio continuará a merecer que, em calão teatral, lhe chamem «de perdiz».
Todos sabemos que há muitas pessoas neste mundo que gostam imenso de perdizes...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sobretudo de as caçar ...

O Orador: - V. Ex.ª gosta de as caçar, mas não gosta de as apanhar noutro sentido. Os outros também não.
Condeno este sistema policial pelo facto de, no meu entender, ele não respeitar o direito de propriedade, de não respeitar interesses legítimos, muito legìtimamente adquiridos, de coarctar a liberdade contratual e de organizar um sistema de intervencionismo excessivo. Mas, em sua defesa, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo apresentou um exemplo.
Disse que não concordava com a minha acusação de violação do direito de propriedade e que antes se tratava de meras restrições a esse direito. Acrescentou que a função social da propriedade está perfeitamente definida no nosso direito constitucional e que não devíamos insurgir-nos contra o princípio promotor de tais restrições, embora nos fosse lícito discordar da forma por que elas se iam exercer.
Quanto a mim, não existe grande diferença prática entre restrição e violação, porque da primeira se passa facilmente para a segunda. A primeira restrição é que custa. A pouco e pouco vão-se sucedendo outras, e, à força de hábito, acaba-se por exagerar. Começa no restritamente e termina no largamente.

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O Sr. Mário de Figueiredo: - Talvez eu tivesse ato empregado com pouca propriedade a palavra restrições, mas a verdade é que estava na tribuna, e não na cátedra.

O Orador: - Reproduzi com tanta fidelidade a exposição de V. Ex.ª que não há motivo para reparos da sua parte.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo citou como exemplo o caso de um proprietário que não agriculta a sua terra.
Pode ou não o Governo intervir para o abrigar a cultivá-la? Evidentemente esse direito existe na lei. Até, salvo erro, foi copiado para outras leis de vários países. Simplesmente, não me consta que alguma vez tivesse tido aplicação entre nós. Nunca o Estado requisitou terras por elas estarem incultas. Mas quer agora fazê-lo quanto aos teatros. É claro que há muitas pessoas que dizem que nem só de pão vive o homem.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É certo, segundo creio, que ainda nenhum proprietário foi obrigado a cultivar a sua veiga. Mas há já entre nós muitas aplicações práticas do princípio. Por exemplo: os sistemas de irrigação, que obrigam o dono da propriedade por eles dominada a pagar a água que lhes vai ser fornecida e, assim, a transformar o sequeiro em regadio ou a modificar o processo de regadio. Isto é a aplicação do princípio a que me referi, já mais de uma vez feita em Portugal. O exemplo não é, portanto, novo; o que aparece de novo é a figuração da hipótese como expressão do princípio.

O Orador: - Mas não é o mesmo princípio do teatro. No caso do irrigante ou do irrigado ele paga a água que recebe para benefício do seu campo. Mas no caso dos cinemas eles nada recebem, a não ser encargos, e vão pagar injustamente para o teatro, isto é, para o competidor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não julgue V. Ex.ª que isso não tinha resposta. Tinha-a, mas levava-nos a análises e considerações muito miúdas, com que não vale a pena estar a prender a atenção da Assembleia.

O Orador: - O que eu quero significar é que o Estado nunca foi tão violento em relação à produção de géneros de primeira necessidade como o quer ser em matéria de requisição de teatros o cine-teatros.
Dessa violência e da incerteza da continuidade das explorações -sem que o público venha efectivamente a beneficiar resultará a desvalorização dos edifícios das casas de espectáculos.
Porquê? Porque, pelo sistema proposto pela Comissão, ninguém sabe em que regime virá a viver no futuro, pois tanto lhe pode aparecer o encargo A como a paralisação B ou a requisição C, E, como se isto ainda fosse pouco, a Assembleia Nacional vai mais uma vez delegar no Governo a faculdade de estabelecer em diploma legal o valor das novas taxas que o cinema terá a pagar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é exacto, mas carece de um esclarecimento, e esse esclarecimento é o seguinte: é que as taxas, no seu quantitativo, só podem ser fixadas por lei. Nós, a Comissão, como creio que a Assembleia, não tínhamos elementos suficientes para responder minuciosamente a isto: qual é o limite a que deve chegar-se? Que taxas devem aplicar-se?
E, portanto, a Comissão corrigiu a proposta do Governo, que lhe pareceu, nessa parte, inconstitucional por deixar a fixação das taxas aos serviços. E então foi para isto: as taxas hão-de ser fixadas por diploma legal, isto é, por lei ou por decreto-lei.
Aqui tem V. Ex.ª a razão da proposta. Torno a dizer: a comissão entendeu que o princípio de pagamento de taxas era de aceitar, mas não tinha elementos suficientes para determinar o seu quantitativo; e como este quantitativo só pode ser fixado por lei ou por decreto-lei, disse-o.
Esta a explicação de que V. Ex.ª Critíca.

O Orador: - Esta explicação de V. Ex.ª mais me confirma a ideia de que se trata de uma autorização em branco e de um ponto de interrogação para a indústria. Tenho sempre muita repulsa por tais delegações. O facto de V. Ex.ª a justificar com o nosso desconhecimento de elementos acerca do regime de vida do teatro e do regime de vida do cinema prova que nem sequer deveríamos votar a proposta, visto não nos encontrarmos habilitados a decisão justa e equilibrada.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é isso.

O Orador: - Pouco importa que não seja assim, porque podemos argumentar doutra maneira, ou ir buscar elementos de estudo a outras fontes.
Encontramo-nos perante uma indústria de teatro que tem vivido permanentemente em crise.
Não há dúvida do que é assim, porque os teatros estão quase sempre fechados. Diz-se que o cinema aufere lucros muito grandes, mas nós verificamos nas exposições enviadas à Assembleia pela. Lisboa Filmes e Mundial Filmes que essas empresas perdiam no Trindade e no Ginásio só em quatro meses mais do que ganhavam na sua indústria de cinema durante os restantes oito meses do ano. Quer dizer: esta indústria do cinema, ainda assim, não é tão sedutora como se pensa e não conseguirá pagar os prejuízos do teatro.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª desculpe, mas eu não consegui acompanhar o seu raciocínio.

O Orador: - Dizia eu que a exploração desses cine-teatros, Ginásio e Trindade, não pode ser classificada de sedutora, visto que as respectivas empresas perdem em quatro meses de teatro aquilo que ganham em oito de cinema. O mal daquelas duas casas generaliza-se agora às outras.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não sei se a indústria do cinema pode considerar-se sedutora. Sei que essas casas de espectáculos perdem dinheiro, apesar de explorarem também o cinema. Mas perdem por causa do teatro; não perdem por causa do cinema.

O Orador: - Perdem por serem forçados oficialmente a fazer teatro. Ponhamos o caso à maneira de um homem de negócios.
Não lhe interessará que a indústria de cinema soja remuneradora se for obrigado a perder com a imposição de fazer teatro. Suponhamos que perde 1:000 contos no teatro e ganha 000 contos no cinema. Se perdeu aqueles 1:000 contos e se só ganhou 500 contos no cinema, evidentemente o seu resultado final consiste num prejuízo de 500 contos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas isso são contas que podiam ser feitas por um menino de instrução primária.

O Orador: - Há muitos comerciantes que não têm instrução primária, mas sabem fazer contas. Também há muitos doutores que, quando se trata destas insignificâncias dos números, fazem de conta que não têm instrução primária...
Risos.

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O caso é este: os exemplos do Ginásio e do Trindade são flagrantes, pois o que essas empresas ganharam no cinema não chegou para cobrir o deficit do teatro.
O mesmo sucederá aos restantes, condenados a cento e vinte dias de teatro forçado. Nas representações enviadas à Assembleia Nacional não se fala em 500 e em 1:000 contos. Empreguei estes números apenas para maior facilidade de compreensão. Mas cita-se o que perderam em teatro, fala-se no resultado conjunto das duas explorações, e será fácil saber o que eles ganharam em cinema, por meio de uma simples subtracção.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu creio que não é verdade, mas não tenho dúvidas em aceitar o que V. Ex.ª diz. É que esses 1:000 e 500 contos referem-se a uns tantos anos de exploração, dos quais nós não temos números para verificar como as coisas no conjunto se passaram. Mas nós podemos chegar à conclusão de V. Ex.ª sem parcelas. Se quiser, inventemos uma soma ou uma diferença, um diminuendo e um diminuidor...

O Orador: - Não sei se são verídicos ou não os números apresentados pelas empresas. Sei que descem à minúcia de referirem até os centavos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O que está no parecer da Câmara Corporativa é o que se refere a teatro, aos prejuízos com a exploração deste em quatros anos ...

O Orador: - V. Ex.ª entende que o cinema pode pagar tudo quanto lhe querem atirar para cima.

O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso entende que o cinema pode pagar mais.

O Orador: - Mas não fixa quanto é. Tanto pode ser oito como oitenta.
E então que sucederá? Esse «negregado» cinema, de que se diz tanto mal, vai pagando aos actores intérpretes de filmes portugueses verbas muito importantes que os vão ajudando a viver.
Se destruirmos esta possibilidade, em vez de beneficiar os actores mais agravamos a sua situação económica, porque a salvação deles, principalmente no que se refere a figuras de primeira ordem, tem estado no cinema, que lhes paga, porque o teatro, esse, só raramente lhes dá o pão de cada dia.
Mas, reatando o fio das minhas considerações, interrompido pelo aparte do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, devo dizer que, pelo regime que se pretende criar pela proposta da Comissão, os edifícios dos cine-teatros irão sofrer desvalorização extraordinária, pelo risco de não se conseguirem arrendatários, devido às precárias condições futuras da respectiva exploração teatral.
A instalação de uma casa de espectáculos custa muitos milhares de contos. Portanto, tudo quanto se fizer para reduzir as possibilidades de exploração económica das casas de espectáculo irá dificultar novas iniciativas. Sob este aspecto a proposta de lei em discussão prejudica os seus próprios objectivos.
Actualmente acham-se em construção dois teatros ou cine-teatros. Um na Praça do Duque de Saldanha e outro na Alameda de D. Afonso Henriques. Ambos vão ser vítimas da nova lei.

O Sr. Manuel Múrias: - O da Praça do Duque de Saldanha podo funcionar simultâneamente como cinema e teatro.

O Orador: - De facto. Só o S. Jorge realizou o milagre de ser autorizado a funcionar apenas como cinema, isto é, de não possuir palco. Os outros dois foram persuadidos ou compelidos a construírem palcos.

O Sr. Manuel Múrias: - Não sei se foram persuadidos; na casa de espectáculos da Praça do Duque de Saldanha, segundo consta, o construtor levou mais longe a sua iniciativa, permitindo assim que ali possam funcionar ao mesmo tempo teatro e cinema.

O Orador: - Se a proposta da Comissão for por diante, nenhum cine-teatro poderá sobreviver. Nem mesmo que se chame S. Cristóvão, milagroso defensor contra desastres, evitará um grande tombo.
Nenhum terá possibilidade de fazer face aos encargos que lhe atiram para cima, de cento e vinte dias de teatro ou uma taxa de valor desconhecido, que pode ser mortal.
Em relação aos impostos fiscais, já vimos que o cinema paga 7 por cento sobre dois terços da lotação de imposto único e mais o adicional de 25 por cento, além de todas as demais alcavalas citadas. Quanto aos teatros, esses impostos, muito menores, são os seguintes: imposto único, 3,5 por cento sobre 40 por cento da lotação, mais o adicional de 10 por cento; imposto camarário, 35 por cento do imposto único, com o adicional de 8 por cento; socorro social, 2 por cento sobre 40 por cento da lotação. Finalmente, a sétima parte do imposto único, sem o adicional.
Supondo-o valor de 15.000$ para a lotação vendável de um teatro e o mesmo valor para um cinema, o primeiro paga 460$50 por dia e o segundo 1.739$60, isto é, o cinema paga por dia mais 1.279&10 que o teatro. E ainda há quem ache pouco!
Pelo sistema económico das propostas que apresentei, em vez de obrigações que podem levar a exploração cinematográfica à ruína, por forçá-la a prejuízos teatrais, criam-se facilidades. Bastará ler essas propostas para se reconhecer que elas traduzem o desejo de coagir o menos possível e de substituir a coacção por auxílio eficaz.
Uma das formas de auxílio foi substituir - tal qual se pede numa das representações enviadas à Câmara Corporativa - a obrigação de duzentos e quarenta dias de espectáculos por cento e vinte espectáculos. Vou explicar o motivo.
É que, desta maneira, pode a empresa dar cinema e dar teatro no mesmo dia, a horas diferentes, sem prejuízo para os artistas nem para o teatro.
Pretende-se que o público vá ao teatro. O público está habituado a preferir certas casas de espectáculos. Salvo o devido respeito, procede como as galinhas, que todas as noites vão para a mesma capoeira porque já a conhecem. Os espectadores dificilmente se decidem a modificar os seus gostos. Mas, se lhes dermos possibilidade de irem ao seu cinema preferido assistir a espectáculo de teatro, isto é, diferente do habitual, talvez pouco a pouco se vão habituando à comédia, ao drama e à opereta.
Repare-se que o Cinema Odeon está dando, voluntàriamente, matinées de teatro declamado.
Se os empresários o fazem quando há riscos de prejuízo, com muito mais gosto o farão se o Estado premiar o seu esforço em prol do teatro por meio dos benefícios contidos nas propostas que defendo.
E se em vez dos castigos da Comissão ..

O Sr. Mário de Figueiredo: - O que são os castigos da Comissão? Gostava de ouvir.

O Orador: - Pergunto se isto não é castigo: Artigo 10.º da proposta de VV. Ex.ªs:
Todos os empresários que efectivamente explorem os cine-teatros de Lisboa e Porto, desde que não dêem espectáculos de teatro no número mínimo de cento e vinte dias em cada ano, ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa anual fixada conforme critério a estabelecer em diploma legal.

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Evidentemente sou eu quem está em erro. Nada disto significa castigo porque é benefício ...
Se não dão espectáculos de teatro pagam multa, mas esta nova taxa constitui prémio!
E mais adiante o § l.º do mesmo artigo da proposta da Comissão:

Aos empresários de cine-teatros que forem obrigados a dar o número de espectáculos teatrais referido neste artigo pode ser imposto pelo Governo, mediante parecer do Conselho de Teatro, que os explorem ou cedam para exploração regular de teatro.

Quer dizer: o Governo vai a casa de cada um, instala-se nela e diz ao dono ou empresário: «Saia daí para fora, porque você não soube ou não quis fazer teatro, e eu preciso dar a casa a um senhor muito amigo de teatro ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas V. Ex.ª acha que isso é um castigo?

O Orador: - Então se fosse permitido irem à algibeira de V. Ex.ª tirarem-lhe o relógio para mo darem, isso seria um prazer para V. Ex.ª?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Castigo é para quem me tira o relógio, se for descoberto!

O Orador: - Mas eu também deveria ser castigado se o metesse na algibeira sabendo que era seu!
Mais adiante, no § 4.º, propõe a comissão parlamentar:

Os restantes cine-teatros do País só podem ser obrigados a realizar espectáculos de teatro na medida da capacidade de interesse das populações (como se avalia?!...) quando, nos termos da alínea b) do artigo 3.º, se organizarem companhias itinerantes subsidiadas pelo Fundo de teatro.

Apesar da restrição «só» - eis nova obrigação sem se explicar se serão indemnizados do prejuízo ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Para V. Ex.ª, sempre que se trate da imposição de uma obrigação, trata-se de um castigo. É um critério curioso. Se soubesse que era essa a posição de V. Ex.ª, tinha entendido e não faria o aparte.

O Orador: - Então não representa castigo obrigar-se alguém a pagar penalidade por não dar teatro?
Repito, será benefício! Chama-lhe V. Ex.ª obrigações. Mas o certo é que são novas obrigações, nalguns casos incomportáveis. Se V. Ex.ª lhes não quiser chamar castigo, está bem; chame-lhes benefício, que eu fico-lhe muito obrigado. Não faço questão de palavras ... Continuemos, porque o mal não fica por aqui.
No artigo 11.º estabelece a Comissão de Educação Nacional que os cine-teatros poderão ser requisitados pelo tempo que o Conselho de Teatro fixar. Mas terão direito a indemnização justa, fixada pelo Governo na falta de acordo entre as partes.
Eis outra obrigação que também é benefício ... para quem receber baratinho o que pertence a outrem.
E, como a proposta inicial não estava lógica, porque VV. Ex.ªs estabeleciam esta obrigação apenas em relação aos cine-teatros, acrescentaram-lhe hoje uma proposta nova, o artigo ll.º-bis, que a tornou extensiva aos teatros. Seria paradoxal requisitar cinemas havendo teatros encerrados.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Aí devo eu uma explicação. Porque é que a Comissão não pôs desde logo o problema em relação aos teatros, isto é, às casas de espectáculos que têm palcos, mas que não são cine-teatros? Porque partiu deste princípio: o próprio funcionamento do interesse privado conduz a que os proprietários desses teatros procurem que sejam explorados e os não deixem sem utilização. Mas, como pode haver empresários de várias casas de espectáculos a quem pode convir ter alguma fechada em beneficio de outra, o funcionamento simples do interesse privado não conduzia a que se atingisse o resultado desejado. E foi para obviar a isto, e só para obviar a isto, que se fez o aditamento do artigo 11.º-bis que consta da proposta que tive a honra de apresentar.

O Orador: - Cria V. Ex.ª mais uma obrigação.
Vamos a ver até que ponto ela obedece a critério económico ou social.
Diz V. Ex.ª que o proprietário de uma casa de espectáculos é arrastado a tê-la aberta por ser esse o seu interesse privado. Ora é evidente que se ele perder mais ao tê-la aberta do que quando a fecha, o seu interesse passa a ser tê-la fechada. Não podemos admitir o primado do social sobre o económico, designadamente quando se exige sacrifício a um em vez de o pedir a todos. Devemos tentar a criação de condições económicas que permitam ao teatro viver com dignidade e com lucro. Se, graças aos subsídios, ou sem eles, puder funcionar lucrativamente, então, e só então, passará a haver falta de palcos. Até hoje não conheço falta de palcos. E se não há falta de palcos, o se estão teatros fechados, para que havemos de requisitar os cinemas?

O Sr. Mário de Figueiredo: - A questão deve pôr-se assim: é ou não é socialmente útil que nós tenhamos bom teatro?
O fim da proposta é estabelecer as condições para o termos.

O Orador: - Mas eu não quero teatro imposto como regulamento de polícia, porque esse nunca será bom; quero teatro baseado em realidades económicas e artísticas. Só assim poderá ser verdadeiramente atractivo, porque sem dinheiro não podem escolher-se os melhores actores nem exibirem-se peças bem montadas. Todos conhecemos as dificuldades financeiras em que vegeta a maioria dos teatros. Não é com mais palcos que elas se remedeiam. É com mais dinheiro e boa propaganda pelo facto. Não basta haver artistas para haver teatro...

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª está enganado. O artista, quando tem o fogo interior da realização estética a impeli-lo, tom de dar-lhe expressão externa. A criação da beleza obriga à sua expressão.

O Orador: - O artista não vive sòmente do fogo sagrado. Também tem de resolver os seus problemas económicos com o empresário, ou sem ele, quando o empresário voa...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pois é: o económico refere-se antes ao empresário. Para esse é melhor o que rende mais ...

O Orador: - Sempre a mesma coisa! Queremos que as indústrias façam a obra social que o Estado não é capaz de realizar.
Diz-se que os empresários só querem saber de lucros. Entretanto o Estado, ao criar, por sua iniciativa, o Fundo de teatro, vai buscar as receitas a esses mesmos empresários e ao público em geral. O pouco que dá de vistos

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e desemprego será compensado pelo muito que irá receber a mais do imposto único se os teatros reabrirem. Neste caso quem só quer saber de lucros é o Estado, o mesmo Estado que afirmava ir suportar o esforço ou sacrifício principal...
Quero terminar por onde comecei.
Não creio a Assembleia habilitada a estabelecer novas taxas sobre o cinema, além das muitas que já o oneram. Não julgo que a Assembleia deva dar a sua assinatura em branco para taxas ignoradas, que podem vir a representar encargos ruinosos ou demasiadamente pesados. Elas nunca deixarão de ser responsabilidade nossa, porque fomos nós quem as votou, sem ao menos termos a coragem de as limitar ...

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? ... A proposta de V. Ex.ª não estabelece limite a esses encargos ?

O Orador: - Na proposta que V. Ex.ª e eu subscrevemos esses limites estão claros: o eliminarmos a alínea a) do artigo 2.º corresponde à supressão pura e simples das taxas a pagar por todos os cine-teatros.
Quanto ao artigo 11.º, a importância da multa, ou compensação, também está limitada ou fixada por maneira que reputo justa e equilibrada, visto essa importância ser manifestamente inferior ao prejuízo resultante da obrigação de dar teatro em vez de cinema.
Por último, uma afirmação a que a minha lealdade me obriga: as propostas da Comissão de Educação Nacional, em muitos pontos, são preferíveis às do Governo e da Câmara Corporativa.
Apoiados.
Por exemplo, remedeiam os malefícios da multa de 3 por cento sobre a receita bruta por cada dia de encerramento. Tal disposição poderia ser catastrófica.
Apesar de tudo, não resolvem o problema, porque obrigam a intervencionismo exagerado e não consentem às empresas tranquilidade de espírito e continuidade de exploração.
Nenhuma indústria pode viver peada, manietada, privada de iniciativa ou cerceada no seu esforço criador. Nenhuma poderá realizar contratos futuros, no receio de não poder cumpri-los devido à intervenção do Estado.
Esta regra aplica-se principalmente àquelas onde são necessárias decisões rápidas e grande sentido das oportunidades. O teatro e o cinema estão nesse caso. Não lhes serve o figurino burocrático.
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: começarei por esclarecer o pensamento das propostas da Comissão neste momento em debate.
Diz o artigo 2.º:
Leu.
O conteúdo desta disposição põe logo em evidência o alcance que se pretende dar às disposições dos artigos 10.º e 11.º
Como VV. Ex.ªs não ignoram, na proposta do Governo o produto destas taxas era para o Fundo de teatro. Como VV. Ex.ªs podem concluir da leitura daquelas disposições, as taxas de que se tem estado a tratar não vão como iam na proposta do Governo; são utilizadas como compensação a atribuir aos cine-teatros a que for imposta a obrigação de funcionarem como teatros. Esclareço melhor. Como VV. Ex.ªs sabem, no regime das propostas da Comissão o problema aparece posto assim: todos os cine-teatros que não fazem, ou não sejam forçados a fazer, uma certa exploração teatral tom de pagar uma taxa a estabelecer. Isto já era assim na proposta do Governo.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas não sucedia o mesmo no parecer da Câmara Corporativa!

O Orador: - Exactamente. Mas o produto destas taxas revertia naquela proposta a favor do Fundo de teatro.
Nas propostas da Comissão seguiu-se outro caminho.
Como, por um lado, a exploração do cinema, que não sei se dá lucros fabulosos, se não dá, é ainda, pelo que se conhece, uma exploração que vive em condições de suficiência económica, e como isso não sucede, em especial quando se trata de teatro posto com certa dignidade, com as empresas que exploram teatro, e como, por outro lado, o teatro é um instrumento fortemente educativo do ambiente social, entendeu-se que poderia ir buscar-se alguma coisa ao que o cinema rende para compensar a imposição que se faz a casas da mesma natureza, obrigando-as a exploração teatral, que, feita em condições de dignidade, se tem mostrado ruinosa.

O Sr. Tito Arantes: - Então porque se não vai buscar a todos os cinemas, e só se vai buscar aos cine-teatros?

O Orador: - É uma pergunta perfeitamente legitima.

O Sr. Tito Arantes: - Eu explico a razão da minha pergunta: se realmente se fosse buscar a todos os cinemas, já se poderia diminuir o encargo, que pela proposta vai onerar apenas os cine-teatros.

O Sr. Botelho Moniz: - Ao menos assim ficariam todos em igualdade de circunstâncias económicas. Mas o justo é que nenhum pague.

O Orador: - Em primeiro lugar não se trata de lançar um novo imposto sobre o cinema. Trata-se de considerar casas de espectáculos que estão em determinada posição objectiva; são casas de espectáculos com palco. Como se não trata de criar um imposto generalizado sobre o cinema, mas apenas de buscar aquilo que, ao que dizem os conhecedores, é indispensável para melhorar as condições do teatro, pensou-se assim: para resolver a hipótese, que temos diante dos olhos é preciso ir buscar palcos onde existirem, quer dizer, temos de buscar casas de espectáculos com palco. Mas há casas de espectáculos com palco autorizadas a fazer só a exploração de cinema e há casas de espectáculos com palco autorizadas a fazer a exploração de cinema e de teatro.
E então a Comissão pôs este problema: porque é essa diferença entre casas do espectáculo que têm o mesmo carácter, porque são todas casas de espectáculo com palco, porque é que a umas se consente que façam só exploração de cinema e a outras não?
O que é razoável, pensou-se, é que aquelas casas de espectáculo com palco que podem fazer exploração só de cinema, para, de alguma maneira, serem colocadas em condições idênticas àquelas que não podem fazer só exploração de cinema, contribuam para atenuar os prejuízos sofridos por estas últimas.

O Sr. Botelho Moniz: - As empresas que estavam autorizadas a funcionar como cinema, sob condição de darem quatro meses de exploração teatral - Ginásio e Trindade - achavam-se ao abrigo de um despacho ministerial que lhes concedeu aquele direito.
Ora esse direito em nada é atingido pela proposta que tive a honra de apresentar.

O Orador: - Mas eu só critico a proposta de V. Ex.ª porque ela não conduz a nada do que se pretende atingir.

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O Sr. Botelho Moniz: - É uma opinião.
Já me referi ao Ginásio e ao Trindade, autorizados a funcionar condicionalmente como cinema.
Agora vamos ao caso dos cine-teatros que, ao abrigo de alvarás de há muitos anos, estavam autorizados a trabalhar apenas como cinema.
Pelas propostas da Comissão são prejudicados, indiscutìvelmente, porque ou vão pagar taxa ou serão requisitados como teatros.
Vi o alvará, bastante antigo, concedido há muitos anos a um desses cine-teatros que se reedificou ao abrigo desse mesmo alvará. Vi-o com os meus olhos.
Pois passa a ser letra morta, sem se olhar aos prejuízos de quem confiou na sua validade, garantida pelo Estado.
Pelas propostas que tive a honra de apresentar nenhum desses cinemas será prejudicado, enquanto que pelas propostas de V. Ex.ª sofrerão grave dano.
A diferença entre as nossas propostas é só esta: nós respeitamos direitos adquiridos e V. Ex.ª não.

O Orador: - É exactamente como V. Ex.ª diz; simplesmente, V. Ex.ª diz: eu não prejudico as casas de espectáculo com palco, que estão autorizadas a explorar só cinema, mas também não prejudico as casas de espectáculo que estão autorizadas a explorar cinema e teatro.
É certo. Simplesmente, assim fica tudo como dantes e não se atinge um dos objectivos essenciais da proposta: obter mais palcos para teatro.
Os nossos sistemas movem-se em planos paralelos e, portanto, não se tocam um ao outro. Só podem criticar-se pelos resultados.
Com o sistema da Comissão atinge-se o resultado que a proposta quer atingir e com o de V. Ex.ª não se atinge coisa alguma. Consegue-se apenas não ofender os direitos adquiridos (eu preferiria dizer situações estabelecidas), o que é o mesmo que dizer: não se consegue coisa nenhuma.
Como acabo de pôr o problema, fica perfeitamente esclarecido qual foi o pensamento da Comissão, os objectivos que ela visou e que supõe serem justos.
Não sei se para a hipótese é pertinente a observação feita pelo Sr. Deputado Tito Arantes.
No plano em que a questão está posta, a Comissão não considerou o aspecto suscitado por essa observação, porque isso a levaria a alargar por tal maneira o seu trabalho que nunca mais chegaria ao fim. Teria de ir procurar elementos de facto que lho permitissem organizar um sistema de tributação diferente do actual e isso ultrapassava as possibilidades da Comissão neste momento.
Buscou, por isso, uma solução que lhe pareceu equilibrada, e que fundamentalmente se traduz nisto: consideram-se as casas de espectáculo com palco nas mesmas condições; e depois, como não precisamos, para realizar a finalidade da proposta, de todos aqueles palcos, mas apenas de alguns, vamos então, com a menor ofensa possível das situações estabelecidas, buscar os palcos de que eventualmente careceremos. Indo-os buscar para o teatro eliminamos, além do mais, concorrentes para o cinema, e parece lícito pedir aos primeiros, por isso e porque, apesar de estarem nas mesmas condições materiais objectivas se lhes não impõem as mesmas obrigações, uma compensação dos encargos impostos aos segundos.
Aqui está o pensamento da Comissão.
Como parece ter passado despercebida esta disposição, a avaliar pelas críticas dirigidas à proposta e ao trabalho da Comissão, e para completo esclarecimento do assunto, chamo a atenção de VV. Ex.ªs para o § único do artigo 3.º da proposta da Comissão.

Neste parágrafo diz-se assim:

A parte do Fundo que não for aplicada poderá ser destinada à construção, ou respectiva comparticipação, de casas em que se explorem os espectáculos de teatro a que se refere a alínea a) deste artigo.

Quer dizer: a Comissão tinha diante dos olhos esta ideia: o Fundo é aplicado em subsídios ou não é aplicado. Pode aparecer um concorrente ou vários concorrentes que absorvam o Fundo ou podem não aparecer concorrentes para absorver esse Fundo.
E, então, o que só diz neste § único é que o Fundo pode constituir base para, construindo casas de espectáculos, se resolver a crise dos palcos, e, assim, deixar sem objectivo as disposições das propostas que, na linguagem expressiva do Sr. Deputado Botelho Moniz, se apresentam como um castigo aplicado pela Comissão aos pobres empresários de cine-teatros.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas esse principio nada tem com a origem das taxas, que foi aquilo a que me referi. Não censurei esse parágrafo. Só tenho que o aplaudir.

O Orador: - O problema não é realmente o mesmo, e trouxe-o apenas porque ele projecta de alguma maneira luz sobre os estremecimentos que teve o Sr. Deputado Botelho Moniz c que se verifica tiveram outros Srs. Deputados, e que também tomaram a Comissão. Também a Comissão considerou que é sempre uma coisa grave estar a fazer mutações nas situações estabelecidas - não digo nos direitos adquiridos, mas situações estabelecidas. Eu mesmo tenho ideia de que o Mundo e a Vida são muito mais comandados pela lei da inércia do que por qualquer dessas outras que nos falam de movimento ou de desintegração atómica.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas isto pode não ser a lei da inércia ...

O Orador: - A prova é que sempre que se toca nas situações estabelecidas, mesmo que se toque para melhor, há agitação, porque se raciocina logo: se lhe mexeram, tinham obrigação de atender a isto, àquilo e àqueloutro, e é um motivo de grave perturbação na opinião.
O Mundo é muito comandado pela lei da inércia, de sorte que compreendem-se as reacções quando se toca em situações de alguma maneira estabelecidas, muito embora possa tocar-se de acordo com os mais puros preceitos constitucionais.

O Sr. Botelho Moniz: - Pode ser; é a lei da gravidade ...

O Orador: - Eu, como não sou grande conhecedor de física, não compreendo bem o alcance dessa observação.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª referiu-se à lei da inércia e eu respondi-lhe com a lei da gravidade. Refiro-me à queda vertical da indústria de cinema, porque se a carregam de taxas não há paraquedas que lhe valham ...

O Orador: - Queria acrescentar agora, a propósito da indemnização a pagar, que não se pretendeu na organização das propostas da Comissão atingir o titular do direito de propriedade de casas de espectáculos ou o titular do direito de fruição; não se pretendeu prejudicá-los, e tanto não se pretendeu prejudicá-los que se estabeleceu um sistema de fixação da indemnização; e, até, não se pretendeu prejudicá-los porque se não faz intervir a compensação que resulta da atribuição das taxas a que

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me referi na determinação do quantitativo desta indemnização. Organizou-se um sistema que pareceu razoável e não se foi para a solução pura e simples do inquilinato, porque a Comissão se convenceu de que, em vez de tomar figuras jurídicas típicas, era conveniente tomar as figuras da realidade que podem ter representação jurídica vária, e essa representação nem sempre se adapta ao inquilinato.
Por isso mesmo não se aplicaram nesta matéria os mesmos critérios do inquilinato.

O Sr. Tito Arantes: - Inteiramente de acordo.

O Orador: - Quanto a outras observações, já prestei, num aparte, os esclarecimentos indispensáveis para a necessária compreensão das mesmas.
Nos artigos 10.º e 11.º da Comissão, como notaram, não nos referimos senão a proprietários de cine-teatros, e eu já disse as razões disso. No entretanto veio a verificar-se que, por conhecimento de facto da vida real, era possível dar-se a hipótese do interessar ao proprietário de um teatro onde não se explora cinema que esse teatro esteja fechado e, para obtemperar a esta situação anómala, é que se propôs no artigo 11.º-bis que a estes proprietários se aplicasse o mesmo regime em Lisboa e Porto que é aplicado aos proprietários dos cine-teatros em determinadas condições.

O Sr. Meio Machado: - Com maioria de razão.

O Orador: - Sim, com maioria de razão.

O Sr. Botelho Moniz: - Portanto, o regime do artigo 11.º-bis apresentado por V. Ex.ª tende para o mesmo fim do artigo 11.º da proposta por mim apresentada com outros Srs. Deputados. Obriga os proprietários dos teatros que estão encerrados a pô-los a funcionar. O sistema é diferente, mas o princípio é o mesmo.

O Orador: - Exactamente.
A Comissão propõe ainda a eliminação da alínea f) do artigo 2.º e a referência que se lhe faz no parágrafo.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados desejar fazer uso da palavra, vai passar-se às votações.
A primeira votação que vai fazer-se, nos termos do Regimento, é a da eliminação da alínea a) do artigo 2.º, proposta pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de substituição da alínea a), apresentada pela Comissão de Educação Nacional.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a alínea b) tal como consta do texto da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Quanto à alínea c), há uma proposta de emenda do Sr. Deputado Botelho Moniz, que consiste em substituir a palavra «superior» por «inferior».
Vou submeter à votação esta alínea com a emenda apresentada pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: -Vai votar-se a alínea c) tal como consta da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vão votar-se as alíneas d) e e) conforme constam do texto da proposta do lei.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - A Comissão de Educação Nacional propõe a eliminação da alínea f).

Submetida à votação, foi eliminada a alínea f).

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a alínea g).

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - O § único deve considerar-se prejudicado na sua referência à alínea f)
Peço ao presidente da Comissão de Educação Nacional para explicar este ponto.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É que, tendo sido votada uma proposta de substituição em que desaparece a referência à alínea f), está prejudicada a referência à alínea f) do § único.

O Sr. Presidente: - Considero prejudicada a referência à alínea f) no § único, e portanto submeto à votação da Assembleia o § único sem referência à alínea f), que foi eliminada.

Submetido à votação, foi aprovado o § único do artigo 2.º nessa conformidade.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 10.º Encontram-se na Mesa três propostas de substituição, que VV. Ex.ªs já ouviram ler. Uma da Comissão de Educação Nacional, outra do Sr. Deputado Botelho Moniz e vários Srs. Deputados e ainda outra do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que coincide com a proposta da Comissão, salvo ligeiras divergências.

O Sr. Mário de Figueiredo: - As minhas propostas só não foram assinadas pelas mesmas pessoas que assinaram as da Comissão de Educação Nacional porque não tive tempo de reunir essa Comissão. Mas pelo ambiente que eu tive ocasião de palpitar, a Comissão de Educação Nacional não teria dúvida, se eu tivesse podido reuni-la, em aderir às propostas tal como as apresentei.

O Sr. Presidente: - Como disse, a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo coincide, quase totalmente, com a proposta da Comissão de Educação Nacional. Nessas condições, vou submeter à votação da Câmara as duas propostas ao mesmo tempo, isto é, a proposta da Comissão, com as alterações do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta de substituição apresentada pela Comissão, com as alterações sugeridas na proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Está prejudicada a proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz. Vai votar-se o artigo 11.º
Há na Mesa uma proposta de substituição deste artigo apresentada pela Comissão de Educação Nacional, o ainda outra proposta da autoria do Sr. Deputado Botelho Moniz, também de substituição. Há ainda outra proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que coincide com a da Comissão, mas acrescenta-lhe um artigo - o 11.º bis -, de que a Câmara já tem conhecimento.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta de substituição apresentada pela Comissão de Educação Nacional.

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O Sr. Presidente: - Está, portanto, prejudicada a proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz.
Vai agora votar-se o artigo 11.º bis, proposto pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está assim esgotada a votação relativamente aos artigos 2.º, 10.º e 11.º
O debate continua na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Calheiros Lopes.
António Finto de Meireles Barriga.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Diogo Pacheco de Amorim.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Manuel Colares Pereira.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Domingos Alves de Araújo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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