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656 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 40

por esse motivo, nobremente, sintetizou as opiniões que auscultara, lançando-as na discussão, para que outros, em tarefa fácil, pudessem rebater os argumentos apresentados. Antes que lá por fora se agitassem esses aspectos, eles seriam tratados aqui, discutidos pormenorizadamente, de modo a não deixarem dúvidas.
Assim vi eu a intervenção do Sr. Deputado Jacinto Ferreira.
Compreendo agora que ambos nos enganámos: eu atribuindo-lhe essa atitude, elo julgando-me apostado em acumular críticas umas atrás das outras só pelo prazer de criticar.
Pela minha parte, confesso, tenho imensa pena de me haver enganado.
Sinto, por isso, dobradamente que o ilustre Deputado deixasse transparecer nas suas palavras, como as ouvi e li no Diário das Sessões, injustiça para os que se dedicam à causa da investigação científica em Portugal, afirmando que os investigadores chegavam hoje em dia a esses postos por antiguidade e promoção. Igualmente sinto que se referisse aos ares enfatuados de certos investigadores. Eu não me importo que me chamem enfatuado - porque talvez o seja, em certas condições, e também, não o sendo, nada me impede de tentar o desmentido de tal afirmação. Mas não posso consentir que sejam alcunhados dessa maneira os que têm prendido as suas vidas à investigação científica, e que, lutando contra a escassez de meios, contra inúmeras dificuldades, percorrendo esse áspero e penoso caminho, apartando-se de empresas lucrativas, dão permanente exemplo de sacrifício e de dedicação pelo trabalho.
Julgo que interpreto a maneira de pensar de muitos que trabalham nos laboratórios repudiando as afirmações do que os estabelecimentos científicos podem viver com meios financeiros exíguos.
Reforço o que disse anteriormente. O ilustre Deputado sabe muito bem que o tempo das alfurjas dos alquimistas já passou, que também já não é de admitir o recanto do corredor ou da cave para instalar laboratórios. O trabalho reclama hoje outras instalações, outras ferramentas, mais modernas e mais eficazes - se se quer trabalhar bem!
Antes de terminar quero referir ainda uma pequena nota.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira voltou a falar da penicilina, insistindo que Fleming conseguira o seu notabilíssimo descobrimento apenas com material restrito.
Gostaria de dizer que a história da penicilina não é tão simples. Toda a gente sabe - basta ler qualquer livro de vulgarização - que a história da penicilina se pode dividir em três capítulos: o primeiro, o de Fleming descobrindo a acção do antibiótico num trabalho admirável que se prolonga durante dez anos, exigindo material e mais material; o segundo, o das magníficas conquistas de Florey e dos seus colaboradores do laboratório de Oxford, esses brilhantes bacteriologistas, bioquímicos, patologistas, físicos e químicos, que, socorrendo-se de arsenal abundante e rico, desenvolvendo técnicas especiais e com aparelhagem complicada, alguma dela inventada de propósito para esses trabalhos, completam e continuam a obra de Fleming; por fim, o terceiro capítulo, o da cooperação entre ingleses e americanos para a industrialização dos processos de extracção e purificação da penicilina. É evidente que em todas as fases foi preciso dispor de abundantes recursos e de vasto material.

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que esta já esgotado o tempo de que dispunha para usar da palavra.

O Orador: - Apenas um minuto mais, Sr. Presidente.
Peço à Assembleia desculpa de haver suscitado este incidente. Se eu calculasse que o iria originar, teria procurado evitá-lo, ainda que ficasse a pesar-me na consciência não haver intervindo, isto é, não ter acudido ao que supus uma chamada intencional do Sr. Deputado Jacinto Ferreira.
Ao terminar estas breves considerações, para remate da discussão sobre investigação científica, desejo citar uma frase que, em meu entender, traduz bem o que ela é.
Talvez essa frase possa justificar as minhas atitudes, a ânsia de defender a causa da investigação científica entre nós, a convicção em que estou de que ela é vital para a Nação. Talvez explique a vivacidade que ponho, por vezes, nas minhas exposições, ambicionando ver imediatamente em Portugal um vasto plano de desenvolvimento das nossas organizações científicas.
A frase é uma definição de investigação científica, apresentada por Charles Kettering, o famoso cientista norte-americano. Para ele, investigação científica é «an organised method of finding out what vou are going to do when you cannt keep on doing what you are doing now» («Um método organizado para descobrir o que você vai fazer quando já não pode continuar a fazer o que está a fazer»).
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: relendo há pouco um livro de Malheiro Dias, testemunha e cronista duma época, livro em que se traçou a angústia das gerações portuguesas que viveram as perturbações graves da mudança de regime político, detiveram-se os meus olhos na portada, onde se encontram transcritas estas palavras insuspeitas de Kaymond Poincaré:

... nada de sólido e perdurável pode edificar-se sobre o desprezo das tradições e é insensatez pretender quebrar os elos que ligam o passado ao futuro, pois que a pátria, como a Humanidade, é formada por muito maior número de mortos que de vivos.

Eu bem sei que os espíritos ávidos, ou pretensamente ávidos, de novidade e de mudança articulam contra a tradição os seus argumentos e levam muitos deles as suas perorações revolucionárias ao ponto de reclamarem a demolição das «velhas construções» de tal modo que não possa ficar pedra sobre pedra. Tradição, porém, não é rotina.
Esta é, na verdade, inimiga declarada do progresso e da civilização. Mas quantas vezes, na ânsia demolidora, não se cegam quantos lêem sobre a palavra clara e serena da tradição, que é pacífica e construtora, o dístico da rotina contumaz na aceitação das novas conquistas do espírito humano!
E é ver então como esses homens, em nome de um princípio de emancipação e de progresso, destroem as liberdades conseguidas à custa de uma longa evolução, ou de cruentos sacrifícios da Humanidade. Quebram o elo que liga as gerações através dos tempos e, em nome de uma aspiração de melhoria, retrogradam na concepção da justiça e da liberdade, no respeito do homem pelo homem e na dignidade da vida.
Depois, no meio dos destroços das lutas sem tréguas, ou caem na desolação do desfalecimento ou na raiva incontida da perdição.
Nem tudo, porém, se perdeu. Outros, que permaneceram firmes, lançam o brado contra a desordem avassalante e a minaz ruína da desagregação nacional e social. Nem todos, felizmente, se recolhem à comodidade e quietude do silêncio ou moem em seu íntimo o remorso pela sua indiferença!