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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

ANO DE 1950 7 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 59 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 6 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Melo Machado requereu vários elementos sobre & Colónia Penal de Alcoentre.
O Sr. Deputado Pinto Barriga mandou para a Mesa um requerimento de elementos do Montepio dos Servidores do Estado.
O Sr. Deputado Tito Arantes apresentou uma nota de aviso prévio sobre a mecânica actualmente estabelecida, para a formulação dos assentos pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães solicitou do Governo a concessão de um subsidio à Orquestra Sinfónica do Porto.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta estranhou que não lhe tivessem sido fornecidos r â rios elementos que pediu.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1951. Falaram os Srs. Deputados Magalhães Ramalho, Sousa Meneses e Manuel Maria Vaz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.

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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos. Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Ar antes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Foi agora distribuído o Diário das Sessões de ontem. Como a Assembleia certamente ainda não teve tempo para examinar este Diário, será o mesmo submetido à sua apreciação na sessão de amanhã.
Vai ler-se o expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Da Câmara Municipal de Braga pedindo que o feriado da Imaculada Conceição seja equiparado aos domingos.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: peço licença para enviar para a Mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida qualquer informação recente do Sr. Chefe da Secção de Finanças do concelho da Azambuja sobre a discriminação do rendimento da contribuição industrial no seu concelho em virtude das actividades industriais da Colónia Penal de Alcoentre e, no caso de não existir essa informação, que ela lhe seja pedida».

«Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida a indicação de quantos quilogramas de azeitona foram trabalhados no lagar da Colónia Penal de Alcoentre em 1949 e qual a quantidade de quilogramas de trigo debulhados pela debulhadora da mesma Colónia Penal nas duas últimas campanhas, dando nota separada do trigo próprio e do alheio, bem como do número de proprietários servidos.
Qual o custo do forno ou fornos da fábrica de telha e tijolo e as quantidades produzidas e vendidas, por qualidades e preços, em 1949 e 1950».

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: nos termos regimentais, roqueiro que, pelo Ministério das Finanças (Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência), me sejam facultados os seguintes elementos:

1.º Em relação ao Montepio dos Servidores do Estado:
a) Número de servidores falecidos desde a entrada em vigor do Decreto n.º 24:046;
b) Número de viúvos e viúvas, filhos e filhas, netos e netas, mães, pais, avôs e avós e irmãs beneficiados ;
c) Número de servidores sem qualquer dos herdeiros hábeis e que, por esse motivo, cederam os seus direitos ao Montepio.

2.º Composição discriminada da rubrica contabilística, dos títulos em carteira e do respectivo rendimento da carteira de títulos referentes a 1949.
3.º Indicação do quantitativo das operações de crédito realizadas pelas rubricas de empréstimos administrativos, crédito hipotecário e operações financeiras que se encontram presentemente na situação de não cumprimento das obrigações contratuais assumidas e o montante das que entraram na fase propriamente executiva e a sua comparação em percentagem com o global de cada uma dessas rubricas.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa unia nota para aviso prévio apresentada pelo Sr. Deputado Tito Arantes, sobre a mecânica actualmente estabelecida para formulação dos assentos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Vai ler-se a nota.

Foi lida. É a seguinte:

«Desejo tratar, em aviso prévio, da mecânica actualmente estabelecida para a formulação dos assentos pelo Supremo Tribunal de Justiça e apreciar algumas conclusões a que, no exercício desta transcendente prerrogativa, tem chegado aquele alto tribunal».

O Sr. Presidente: - Vou dar imediato conhecimento deste aviso prévio ao Governo, a fim de que na altura própria seja designado para ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: «Nem só de pão vive o homem».
Verdade bem conhecida, mas cujo conhecimento e satisfação cada vez mais se impõem, porque o alastramento e intensificação do tecnicismo e, sobretudo, a teimosia

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com que num grande sector do orbe terráqueo se insiste em querer atirar o Mundo para um materialismo estreme vêm demonstrando que a vida sem o alimento espiritual perderia as horas de maior encantamento que tanto a embelezam e muito contribuem para amenizar a dureza do trabalho efectuado horas seguidas sob o comando inflexível do ritmo das máquinas.
Por isso vamos assistindo à consagração de vultos que muito contribuíram para enriquecer o património artístico, como recentemente, lá para o Norte, e notoriamente na cidade do Porto, capital do círculo que tenho a honra de representar nesta Assembleia Nacional, se verificou em relação ao insigne poeta Guerra Junqueiro, ao grande paisagista Silva Porto o à exímia violoncelista Guilhermina Suggia.
Três nortenhos eminentes que, na poesia, na pintura e na música, atingiram as culminâncias da arte, enaltecendo o prestígio nacional e muito contribuíram, cada um em seu sector, para engrandecer o nosso património artístico e proporcionar à colectividade a delícia de momentos inesquecíveis.
Momentos de arte que todos procuram cada vez mais, e a comprová-lo está a rapidez com que a rádio vai penetrando em todas as casas, desde as abastadas às mais modestas, porque já ninguém dispensa o conforto de uns trechos de boa música, além de outras vantagens inerentes a tão valiosa descoberta.
E, também, o ambiente de carinho que rodeava a Orquestra Sinfónica do Porto, criada vai para três anos, mas que, após uma série de concertos apreciáveis, atravessa um período de dificuldades que ameaçam privar a cidade do Porto e todo o Norte de um conjunto filarmónico cuja constituição representa a boa vontade e até o sacrifício de várias pessoas e organismos altamente interessados em dotar aquela terra, onde se registam as melhores tradições musicais, com uma orquestra que a honre não só ao lado da capital, mas no confronto com muitas cidades estrangeiras, onde, como se verifica em quase toda a Espanha, abundam magníficas orquestras, todas elas subsidiadas por entidades oficiais, pois, segundo li num jornal do Porto, apenas a de Filadélfia vive exclusivamente de recursos próprios.
A Câmara Municipal do Porto, que suporta os encargos do respectivo Conservatório de Música (que deveria ser custeado pelo orçamento do Estado, como, aliás, se verifica com o Conservatório de Música da cidade de Lisboa), cônscia das vantagens que resultam não só para os componentes da orquestra, mas para os munícipes, inscreveu no seu orçamento uma verba importante para manutenção da orquestra sinfónica daquela cidade.
Apela agora a imprensa para o Estado, a fim de que contribua também com verba condigna para a manutenção daquele tão valioso factor cultural portuense.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Julgo não ser indiscreto afirmando que, pelo que ouvi ao ilustre governador civil do distrito do Porto, a quem a referida orquestra sinfónica tem merecido carinho muito especial, o Governo está também resolvido a contribuir com um subsídio para aquele fim.
Pela minha parte, só louvores e agradecimentos eu rendo, em nome dos meus ilustres e queridos eleitores do círculo do Porto, por tão oportuna e justa deliberação, fazendo votos no sentido de que o seu montante seja o máximo orçamentalmente comportável.
Sr. Presidente: não termino as minhas considerações sem aludir a uma sugestão que me dizem ter dimanado de entidade altamente colocada e que tivera interferência na Emissora Nacional, e vem a ser que aquele importante organismo, para cujas receitas contribuem avultadamente a cidade e o distrito do Porto, poderia e deveria, como se verifica em relação à magnifica orquestra lisbonense, que amiudadamente nos delicia com primorosos concertos, subsidiar a Orquestra Sinfónica do Porto, de forma a que, juntamente com o contributo do Estado, da Câmara Municipal e dos respectivos associados, a sua existência ficasse assegurada e em condições de corresponder às brilhantes tradições musicais do burgo portuense e aos anseios que a respectiva população tão carinhosa e intensamente tem manifestado, anseios que ecoaram em toda a imprensa, em artigos oportunos e magníficos, e que eu, como Deputado pelo círculo do Porto, deliberei trazer à Assembleia Nacional pelas razões indiscutíveis em que se baseiam.
Oxalá sejam correspondidos por quem de direito!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: na sessão de 21 de Abril findo requeri que, pelo Ministério do Interior, me fosse fornecida cópia de relatórios médico-sanitários que me interessava conhecer.
S. Exa. o Ministro do Interior, então Subsecretário da Assistência, levou o seu interesse pelos problemas que dizem respeito à sua pasta e a sua excepcional amabilidade a comunicar-me pessoalmente que êsses relatórios estavam à minha disposição.
Ao Sr. Dr. Trigo de Negreiros desejo manifestar deste lugar o meu mais caloroso reconhecimento.
Porém, na mesma sessão, solicitei ainda determinados elementos sobre o abastecimento de água às populações rurais nos anos de 1948 e 1949, que não me foram enviados, até esta data, pelo Ministério das Obras Públicas.
Regozijo-me com o facto de durante o período de encerramento da Assembleia, os jornais haverem noticiado a concessão de numerosas e importantes comparticipações para pesquisas de água e construção de fontanários, o que veio ao encontro de um dos votos por mim formulados na sessão de 26 de Abril.
Ainda esta manhã tive o prazer de ler em O Século a notícia da concessão de mais cerca de 1:000 contos de comparticipações concedidas pelo Governo com aquele destino e entre os concelhos beneficiados encontram-se dois do meu distrito: Monção e Caminha.
E, já que, felizmente, assim aconteceu, e para oportunamente poder realçar devidamente a continuação duma política que merece o reconhecimento da Nação e o calor de uma palavra de todos os que se interessam pela resolução dos problemas dos nossos meios rurais, solicito que os elementos pedidos me sejam fornecidos com urgência e que a eles se acrescente a nota do número e montante das comparticipações concedidas para abastecimento de água, discriminando-se, sendo possível, as câmaras municipais e às juntas de freguesia que beneficiaram dessas comparticipações.
Sr. Presidente: em 20 de Janeiro findo - há, portanto, cerca de um ano - requeri que, pelo Ministério da Economia, me fossem fornecidos vários esclarecimentos sobre o povoamento florestal.
Devo dizer desde já que algumas das críticas à maneira como o povoamento florestal estava a ser feito nas serras da região minhota foram ouvidas e alguma coisa se fez já também para conciliar os indiscutíveis interesses daquele povoamento com os interesses não menos indiscutíveis das populações serranas.
No entanto, isso não dispensa que se volte ao problema, sobretudo neste momento, em que S. Ex.ª o Presidente do Conselho acaba de enviar à Assembleia o seu notável relatório sobre a Lei de Reconstituição Económica.

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Estou certo de que os Srs. Ministro da Economia e Subsecretário de Estado da Agricultura, a quem presto a homenagem da minha mais elevada consideração, não deixarão de ordenar aos serviços respectivos que o meu pedido de há cerca de um ano seja prontamente atendido.
E a V. Ex.ª, Sr. Presidente, ficarei a dever mais uma gentileza, a juntar a tantas outras de que sou devedor- a de se dignar transmitir aos Srs. Ministros das Obras Públicas e da Economia os pedidos que acabo de formular.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Presidente: - Vou de novo transmitir aos Srs. Ministros das Obras Públicas e da Economia os pedidos formulados por V. Ex.ª e insistir por que sejam satisfeitos o mais rapidamente possível.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1901.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Ramalho.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Sr. Presidente: sempre dentro daquele espírito que se tornou já proverbial em documentos desse género acaba de ser presente a esta alta Assembleia mais uma proposta de lei de meios: a relativa ao ano de 1951.
Nunca é sem certa emoção que, desde que me conheço, faço a leitura e os primeiros comentários a trabalhos dessa natureza.
Julgo que o mesmo sucederá a todos os portugueses verdadeiramente amantes da sua Pátria e ciosos das rotas do seu destino.
E não admira: nas escassas páginas de papel amarelecido em que tais. propostas usam conter-se cabe bem todo um mundo de recordações e de anseios. Em momentos de pausa como este pode mesmo sentir-se através delas o palpitar nervoso da própria consciência da Nação perguntando, inquieta, por quanto tempo mais terá ainda de refrear essa arrancada maravilhosa a que se havia já habituado, e por tal forma que a considerava essência da sua própria vida e seguro penhor do futuro dos seus filhos!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É realmente doloroso que a fatalidade das circunstâncias e os erros dos homens tenham lançado o Mundo na triste aventura que está vivendo e que com isso hajam igualmente limitado - sabe-se lá por quanto tempo! - a ascensão gloriosa de um povo para quem as palavras «paz» e «amor dó próximo» não são simples tropos de poesia para uso externo, más radiações fulgurantes que podem ser observadas por quem quer, sobre toda a terra portuguesa, de qualquer parte e com qualquer ângulo sob que a mesma seja olhada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nada adianta, porém, alimentarmos péssimismos acerca de circunstâncias que ultrapassaram de há muito as próprias possibilidades humanas.
«Grande descanso viria ao Mundo se todos nos contentássemos com o possível», dizia D. Francisco Manuel de Melo, mas tinha o cuidado de acrescentar logo a seguir: «Mas isso é querer outro Mundo...»
Se assim é, ou tem de ser, prossigamos então o nosso caminho, apesar de tudo e na compreensão total daquele princípio filosófico de conduta a que já Horácio se referia nas suas Odes, com uma sabedoria que dois milénios não envelheceram: «Quando se não tem o que se ama, há que amar o que se tem».
Uma reflexão, porém, se impõe antes de retomarmos a nossa jornada através duma paisagem ou sob uma luz um pouco diferente daquela a que talvez mimadamente já nos havíamos habituado.
Se o Destino se esmerou, nestes últimos anos, em desorientar alguns homens e em submeter a nossa estrutura económica à prova real de todas as deformações possíveis -à tracção, à flexão, à compressão, à torção e, até, ao corte, e que cortes, Santo Deus! - substituamos os homens, se necessário, mas tiremos sobretudo desse gigantesco ensaio de alta resistência todas as lições que o mesmo comporta.
Sr. Presidente: antes de entrar propriamente na apreciação na generalidade da proposta que aqui temos para estudo eu desejo também associar-me às justíssimas palavras e louvores aqui proferidos a propósito da alegria que a todos nós causou ver que foi pela primeira vez satisfeita a velha aspiração desta Assembleia de discutir a proposta da lei de meios não só com tempo, mas também com um conjunto de elementos de informação que, se não são, por enquanto, completos - falta ainda, a meu ver, um anteprojecto, ou, ao menos, qualquer esboço ou resumo numérico daquilo que o Governo supõe que possa vir a ser o novo orçamento-, fornecem, no entanto, já um material preciosíssimo para uma apreciação criteriosa.
Ao associar-me a esses louvores eu não posso calar o meu regozijo -apesar de «caloiro» nas lides parlamentares- ao verificar que o espírito de bem viva e real cooperação que sempre existiu entre esta Assembleia, a Câmara Corporativa e o Governo da Nação tende, nos últimos tempos,* a vincar-se tão acentuadamente que me parece oportuno chamar para esse facto a atenção do País, principalmente pelo contraste que representa em relação a alguns exemplos que às vezes nos vêm lá de fora...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Feitas estas considerações prévias, que me pareceram indispensáveis e úteis, passo, Sr. Presidente, a ocupar-me propriamente da apreciação na generalidade da proposta que aqui temos para estudo e aprovação.
Considerada no seu conjunto e pondo de parte certos aspectos de pormenor que, embora importantes, não destroem essa impressão, parecem-me ressaltar muito expressivamente da leitura desse documento - e a forma e vigor com que o mesmo está redigido julgo que a ninguém deixa quaisquer dúvidas- as seguintes preocupações fundamentais:
Compressão e disciplina enérgica de despesas, para se poder fazer face às despesas extraordinárias reputadas do maior interesse;
Reforma de quadros e de orgânicas, para aumentar a eficiência dos serviços públicos e adaptá-los àquelas finalidades;
Intensificação dos trabalhos e estudos indispensáveis à averiguação do capital e dos rendimentos nacionais e à preparação de ulterior reorganização tributária, com vista, certamente, também àqueles objectivos e a uma mais justa distribuição da carga tributária já suportada

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ou que se torne necessário, porventura, vir ainda a aumentar.
Numa palavra: «A bem da Nação, mas agora sob o signo da austeridade!».
Esta nova situação não me surpreendeu, e creio que só impensadamente pode a alguém alguma vez ter passado pela ideia que numa Europa em ruínas -em que seres humanos como nós morreram aos milhares, de dor, de miséria, sem lar e subalimentados -- nós nos poderíamos furtar a qualquer período de austeridade, mais tarde ou mais cedo, quanto mais não fosse para que no meio de tanto sofrimento nós e poucos mais povos não deixássemos de prestar também, ao menos humildemente, aquele tributo de sacrifícios que devíamos à Providência por nos ter salvo, milagrosamente, no meio de tão tremendo cataclismo!
Pelo pouco das devastações da guerra que até então já havia visto no estrangeiro, e sobretudo porque habituado desde a minha infância a conhecer o preço que usa custar o sustento honrado de uma família de recursos limitados, mas numerosa e em crescimento constante - o que é senão isso a grande família portuguesa?! -, lembro-mo, como se fossa hoje, do estado de espírito com que escrevi algures estas palavras, no começo do ano de 1944, como conclusão de um estudo sobre a ocupação e desemprego no continente português e as causas fundamentais do nosso baixo nível de vida:

A população do continente português, conquanto pareça dar mostras de estar também já seguindo a conhecida lei da natalidade decrescente, de Maine, deverá ainda aumentar em valor absoluto no decorrer dos próximos quarenta anos....

O território, pela fraca produtividade do seu solo, não deve bastar só por si para sustentar e garantir trabalho, através da agricultura, a um tal aumento de população.
Impõe-se, por isso, uma mobilização geral de todos os esforços no sentido do aproveitamento integral dos vários recursos metropolitanos e coloniais em coordenação.
Esse aproveitamento, tendo particularmente em atenção as condições extremas e difíceis em que terá de se efectuar, exige o apoio da técnica e da organização mais cuidadas e pressupõe a existência de meios monetários suficientes.
Serão, pois, de aplaudir todas as medidas que visem:

a) A conclusão rápida do reconhecimento e estudo dos vários recursos nacionais, agrícolas e industriais, e formas racionais de os valorizar;
b) A adaptação às novas finalidades em vista das disposições normativas e orientadoras aplicáveis e bem assim dos departamentos ligados à sua execução e à coordenação cias actividades em causa;
c) A conclusão urgente de todos os anteprojectos e estudos que respeitem às realizações de mais imediato interesse ou possibilidade;

e reparem agora bem VV. Ex.ªs:

d) A distracção, ainda durante a guerra, com vista aos mesmos objectivos, da maior soma de capitais hoje excedentes, por forma a evitar-se a sua expatriação aquando da natural sucção, que se há-de dar, de países estranhos, por motivo da reconstrução da Europa.
A não se tomar essa precaução, correr-se-á o risco de que nos fujam na hora própria, depois de termos sofrido os nefastos efeitos da inflação que cansaram.
Escrevi isto há quase sete anos, e nada tenho hoje a rectificar senão que as previsões de ordem demográfica que então fiz, baseado nos índices de um período anterior demais de trinta anos, foram desde então largamente ultrapassadas, devido à subida brusca do ritmo das taxas de natalidade e de excedentes de vidas a partir de 1943, pormenor curioso que muito deve vir a embaraçar os estudiosos dessas questões quando, num futuro afastado, quiserem fazer conciliar essa realidade matemática com o muito de mal que, não há muitos anos ainda, se disse e deixou escrito sobre o estado sanitário e do alimentação da generalidade da população portuguesa durante os anos da guerra de 1939-1945 e daqueles que imediatamente se lhes seguiram ...
Só posso, por isso, continuar a aplaudir, hoje como ontem e sempre, com o maior entusiasmo e louvor, toda a política que, com austeridade ou sem ela, tenha em vista o espírito da orientação a que me acabo de referir.
Considero igualmente do maior alcance associar-se essa política à intenção de aperfeiçoar o actual sistema e mecânica tributária, de rever o regime legal e situação dos vários fundos especiais existentes e de procurar tirar dos serviços públicos melhor rendimento ou partido do que aquele que presentemente deles se tira.
Com efeito, se as circunstâncias nos levam a fazer sentir cada voz mais que a hora dos sacrifícios ainda não passou e que, pelo contrário, talvez outra se aproxime em que eles tenham de ser ainda maiores, manda a mais elementar prudência e justiça que nos preparemos para o pior, na certeza de que só uma grande equidade na distribuição desses sacrifícios por todos os portugueses e a consciência colectiva de que ninguém malbaratará o que é o fruto sagrado do trabalho e do esforço de cada um poderão manter o moral e a confiança da Nação à altura que essas circunstâncias em cada momento vierem a impor.
É evidente, porém, que uma tarefa tão complexa não podo ser realizada de um jacto nem precipitadamente, para que se não corra o risco de na ânsia ou com a intenção de só remediarem rapidamente certos erros, se acabar afinal por cair noutros.
Assim, por exemplo, se é certo que têm havido alguns fundos que têm servido para muitas coisas, até para a finalidade para que foram criados, como humoristicamente alguém aqui já disse, o erro não está no sistema - que julgo plenamente defensável em muitos casos - mas na forma como ele tem sido por vezes aplicado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Recordo, a esse propósito até, as razões que aqui invoquei há um ano em defesa da criação de um fundo nacional de investigação cientifica e técnica.
Por mais que medite, com efeito, não encontro melhor solução do que a de um fundo específico, bem administrado, para se conseguir uma concentração adequada de esforços e de meios para a realização de determinadas tarefas que- o mereçam; nem para em cada momento se poder ter uma ideia exacta da grandeza desse esforço; nem ainda para fazer nele tomar parte - com confiança e na certeza de que a respectiva contribuição não será aplicada a outros fins - os capitais ou tributos das entidades ou instituições privadas que nessa tarefa possam estar particularmente interessadas.
Opinião semelhante tenho a respeito de publicações e de viagens ou missões ao estrangeiro: julgo, na verdade, não haver dúvidas de que algumas delas se têm feito em pura perda de dinheiros públicos, sem vantagens para o País e só servindo, por vezes, a propaganda ou satisfação de vaidades de certos serviços ou pessoas, que procurarão assim até com elas - quem sabe?! - encobrir

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a realidade de deficiências que não pensam ou não querem corrigir.
Volto a insistir, porém: não nos agarremos demasiado à preocupação de evitar todos os erros dos homens ou os aspectos tristes da vida. Eles existem e existirão sempre, quer o queiramos, quer não. Em matéria de publicações e de viagens ou missões ao estrangeiro não pensemos só no mau: lembremo-nos também de que nem todas têm sido, mal empregadas e que algumas são, ou têm sido tão úteis à cultura, aos interesses materiais e à própria projecção externa do prestígio do País, que chegam mesmo a resgatar muitos abusos que, porventura, tenham sido cometidos com outras.
Não nos esqueçamos, sobretudo, de que continua a ser um dos nossos problemas
n.º 1 o de saber ou conhecer tudo o que nos interesse na cultura, nas ciências, nas artes e nas técnicas, mesmo que se passe em nossa casa, quanto mais em países estrangeiros.
Creio não ser preciso dar exemplos; todos os que profundamos a sério qualquer assunto - mesmo só para falar com segurança e consciência do alto desta tribuna, em que só temos a obrigação de tratar de ideias gerais - sabemos bem quão desoladora é ainda a falta de referências ou de relatórios oficiais escritos e circunstanciados com que lutam os estudiosos em Portugal, até mesmo sobre trabalhos em que já vão gastos muitos milhares de contos e que não devem, por isso, continuar a ser mantidos no segredo das torres de marfim de meia dúzia de privilegiados...
Enfim, se há conveniência ou necessidade de se fazerem sacrifícios, que se façam, mas que se evite também cair no risco das soluções excessivamente geométricas e frias.
Na verdade, são já bem visíveis as dificuldades com que deparam quase todos os serviços oficiais para poderem exercer as suas funções; é certo também, em alguns, por sua culpa, por não saberem ou não quererem organizar convenientemente o seu trabalho.
Sabe-se também que as condições de vida do funcionalismo público - sobretudo do mais modestamente remunerado e das classes inactivas - atingiram já um nível abaixo do qual seria perigoso descer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se desconhece, igualmente, que a suspensão de admissões e promoções de pessoal criou um mal-estar e ressentimento que, a manter-se por muito mais tempo, pode afectar inconvenientemente o moral e o rendimento útil de trabalho de quem vê todas as portas do seu futuro fechadas.
Reorganizem-se então, quanto antes, os quadros ou serviços que se veja indispensável modificar; reduzam-se, ou mesmo anulem-se, as dotações ou encargos supérfluos; imprima-se à orientação superior dos vários departamentos oficiais o dinamismo e energia que as circunstâncias actuais exigem, ainda que para tal haja que substituir o aliciante conforto de certos comandos vitalícios pelo sistema mais estimulante de boas vontades de cumprir, que é o das comissões periódicas de serviço; ponham-se os órgãos de inspecção dos vários serviços em situação total de independência em relação aos mesmos - como sucede, por exemplo, na magistratura e nas instituições militares - e dê-se-lhes a incumbência de na dependência directa dos Ministros responsáveis, zelarem pela sua boa eficiência, unidade de orientação e sincero espírito de colaboração uns com os outros; faça-se tudo, enfim, que os interesses superiores da Nação e as condições próprias do momento presente exijam. Não se vá, porém, mais além, e principalmente não se esqueça o profundo significado humano destas palavras, que, proferidas há quase um ano, conservam ainda todo o seu frescor e actualidade:
O útil é da essência da economia, mas não exprime nem delimita o complexo da vida. Para além das riquezas destinadas à satisfação de necessidades primárias há exigências do coração e do espírito, em sentimento, em beleza, em justiça...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Q Orador:-Sr. Presidente: talvez fosse de boa praxe, depois daquilo que em linguagem académica se poderia chamar um rápido exame da parte vaga da matéria, em dar por agora terminadas as minhas considerações.
À extensão e complexidade dos assuntos tratados na proposta em causa e no tempo limitado de que, apesar de tudo, se dispõe para o seu estudo veio este ano juntar-se mais um elemento novo, que me obriga a desviar daquela orientação.
Refiro-me, Sr. Presidente, ao relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935 (Reconstituição Económica), no final do qual
S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho exprime este desejo:

O Governo estimaria encontrar, com o auxílio da Assembleia, através da mais larga discussão destas questões, a orientação conveniente para a respectiva solução.

Tal intenção afigura-se-me, sem favor, digna do maior reconhecimento e aplauso, não propriamente já pelo que tal representa de satisfação a pedidos que aqui têm sido feitos, mas muito principalmente pelas vantagens óbvias que podem resultar de um franco debate e ajustamento de pontos de vista sobre problemas de transcendente interesse nacional.
Creio, por isso, Sr. Presidente, que não se nos pedirá, de momento, outra coisa que não seja a impressão geral que nos deixou a rápida leitura que até agora foi possível fazer de tão importante documento e que em momento mais oportuno - que suponho deverá ser o da efectivação do aviso prévio, já anunciado sobre o assunto, pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral - se fará então a análise mais profunda da matéria e em termos tais que, com segurança, se possa habilitar o Governo com uma opinião ou parecer mais pormenorizado, e sobretudo melhor fundamentado.
Quanto a mim, a impressão que esse relatório me deixou resume-se em poucas palavras, que são as seguintes:

1.º Foi realmente notabilíssimo o esforço feito nestes últimos quinze anos em matéria de reconstituição económica, muito particularmente se se tiverem em atenção as condições da época em que o mesmo se realizou;
2.º Ainda que pese a muitos, que desejariam que se tivesse ido mais além, ou mais depressa, sente-se visivelmente que muitos planos não estavam - nem alguns mesmo estarão ainda - em condições de poderem ser executados sem hesitações, pelo que houve que adiar uns e modificar ou reduzir outros, para os pôr mais conformes com as necessidades ou possibilidades reais do País;
3.º Por tudo isso e pelo que a evolução dos acontecimentos nos tem mostrado desde 1930, impõe-se um exame cuidadoso das necessidades que, apesar de tudo, nos faltam ainda satisfazer, dos meios ou recursos de que, efectivamente, poderemos dispor para lhes fazer face e dos processos de trabalho ou orientação que a experiência anterior nos aconselha a seguir, para o efeito, nos anos mais próximos.

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A esse propósito desejo desde já esclarecer que na controvérsia que se tem por vezes estabelecido sobre os méritos ou deméritos dos grandes planeamentos económicos,- sobretudo numéricos, eu tomo a posição de afirmar que no estado actual de conhecimento de uma grande parte dos nossos problemas nos é ainda materialmente impossível elaborar conscienciosamente qualquer trabalho completo desse género, pelo menos no sentido em que o tomo, isto é, de um projecto de realizações e ambições sérias sobre problemas seriamente estudados.
Para mim, portanto, o nosso problema principal, de momento, não é arquitectar qualquer coisa que nos possa iludir a esse respeito, mas sim inventariar, tão completamente quanto possível, necessidades e recursos, e sobre um primeiro balanço criterioso desses dados estabelecer um plano de ideias-base ou princípios, não de números, que nos permitam continuar a guiar o ataque ao nosso problema de fomento ou reconstituição económica por forma a não se cometerem grandes erros, ou desvios, enquanto o aprofundamento das milhentas questões necessárias «o esclarecimento de planos parcelares não permitir equacioná-lo com a generalidade que se pretende.
A seguir-se outro critério, receio muito que nada nos adiante continuar a querer sonhar, quando as realidades teimam em nos querer manter em estado de alerta...
Continuemos, pois, a estudar com afinco -e cada um na sua especialidade - todos os problemas de pormenor que possam ajudar a organizar planos parcelares, completos e conscienciosos, que irão sendo ou não executados, conforme as circunstâncias e as tais ideias-base melhor aconselharem; procuremos, paralelamente, ir já integrando esses planos parcelares em planos de ordem superior, em que as várias interconexões entre os mesmos se revelem bem e vão já sendo ajustadas ou previstas; tente-se mesmo - para se ir tendo uma ideia da silhueta de um tal plano geral de fomento que se deseja e para manter uma certa unidade e equilíbrio no pensamento e na acção - elaborar trabalhos de síntese provisória de tudo isso, como muito brilhante e louvavelmente o fez, por exemplo, há poucos meses ainda, o Sr. Deputado Araújo Correia no seu interessantíssimo parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948.
Não nos iludamos, porém: apesar do muito que já se estudou e que poderá servir, no futuro, à elaboração de um tão ambicionado-diploma legal, ainda muito mais há que estudar, até mesmo só em relação às fundações da obra, quanto mais no que respeita à concepção final da respectiva estrutura, que todos no fundo desejamos ver erguida, mas com harmonia e segurança!
Se VV. Ex.ªs mo consentem, eu cito, ao acaso, alguns exemplos que servem para ilustrar a orientação que estou defendendo. Nem sequer preciso de recorrer para isso àqueles - como os das construções dos edifícios escolares, hospitalares ou quartéis; o da renovação da marinha de guerra, etc.- que o próprio relatório da Lei n.º 1:914 fornece. Vejam VV. Ex.ªs:
Todos sabemos que quando foram convertidas em lei as propostas da electrificação e do fomento industrial do Pais - reparem VV. Ex.ªs que se trata apenas de dois planos parcelares e que decorreram desde então só seis anos! - se enunciaram nelas princípios e intenções de realização importantíssimos.
Pois bem: quanto aos princípios, ainda há hoje alguns em relação aos quais não foi, por enquanto, possível ou não se achou oportuno dar-lhes aplicação; quanto às intenções, receio que algumas das realizações - como as da montagem das duas indústrias-base mais importantes: a da metalurgia do ferro e a do fabrico dos adubos azotados - tenham de ser revistas, mais ou menos profundamente, a uma nova luz.
Com efeito, pensava-se, ou julgava-se, por exemplo, em 1944 que essas indústrias se deviam apoiar fundamentalmente no consumo de grandes massas de energia eléctrica: qualquer coisa que na fase final do seu desenvolvimento deveria andar pelos 600 milhões de kilowatt-hora por ano, ou seja é dobro da produção anual de uma central como a do Castelo do Bode!
Essa energia teria de ser adquirida a um preço que ainda hoje julgo que se não poderá afastar muito dos 610 por kilowatt-hora.
Mas, claro, passaram meia dúzia de anos como os que todos nós sabemos; evoluíram preços e técnicas; as circunstâncias mostraram-nos quão falazes são as aparências de riqueza que as guerras costumam dar, e a posição dos dados fundamentais do problema para aquelas duas indústrias é hoje a seguinte:
Quanto à energia eléctrica, são bem conhecidas as dificuldades com que se tem deparado -muito principalmente no aspecto da reunião dos capitais necessários para as obras- só para tornar realidade duas centrais com uma produção equivalente àquelas necessidades de consumo; pelo que respeita a preços de energia, sabe-se igualmente que, a não ser com sacrifício -que embora pequeno será sempre, em todo o caso, um sacrifício - do preço da energia para outras actividades, não se pode pensar em ter energia com carácter permanente aquele preço de $10, ou pouco mais, e que para nos podermos aproximar dele há que recorrer a grandes fontes de energia temporária, como o rio Douro, por exemplo, que ainda nem sequer hoje puderam começar a ser aproveitadas.
E quanto às técnicas da produção do ferro e dos adubos azotados, o que sucedeu? Suspeito que progredissem entretanto e por tal forma que talvez haja que retomar novamente o estudo desse problema e dar razão a todos aqueles que, muito embora incompreendidos - considero-me incluído nesse número -, se fartaram de chamar a atenção para o facto de que os poucos carvões minerais que possuímos no continente são precioso pé-de-meia, que devemos poupar, prospectar e estudar carinhosamente para períodos de emergência ou para aplicações nobres, pois, como matéria-prima essencial de muitas indústrias novas, já hoje são considerados dignos dessa precaução em todo o Mundo, mesmo nos próprios países grandes produtores desse tipo de combustível.
Na verdade, e pelo que se refere ao ferro, parece que efectivamente se avançou nos últimos tempos por forma muito interessante na mise-au-point de mais um novo processo de extracção do ferro aos seus minérios, com base no emprego de antracites e outros carvões em vez do coque.
A notícia não deve espantar ninguém, pois está na linha natural do caminho de certas pesquisas e no da evolução lógica de uma indústria que há-de procurar, com tempo, encontrar a solução para um problema que se põe a muitos países, mesmo aos que ainda o não sentem: o da falta de bons carvões para o fabrico de coques metalúrgicos.
Se a informação que a esse propósito chegou há poucos meses a Portugal vier a confirmar-se e, sobretudo, sublinho bem, para evitar desilusões ou entusiasmos prematuros- se a aplicação do novo processo se mostrar técnica e económicamente interessante parado caso de certos minérios portugueses mais abundantes - ainda mesmo que o não seja senão daqui a alguns anos-, grande sorte parece termos tido em não nos havermos ainda abalançado a qualquer realização em glande escala sobre o assunto, pois que a nova solução se apresenta com um aspecto de ser bastante menos onerosa que a eléctrica e de não necessitar de artifícios para poder viver satisfatoriamente.

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Pelo que respeita aos adubos, deu-se um caso semelhante, com a diferença de que aí já estão empatadas algumas dezenas de milhares de contos em duas fábricas ainda em montagem, mas que há que acabar, embora creio que se saiba os Srs. Deputados Proença Duarte e Botelho Moniz, melhor o podem dizer do que eu - que a produção de adubos azotados com base no hidrogénio electrolítico fica sensivelmente mais cara do que quando os mesmos são produzidos com base no hidrogénio químico - obtido por gasificação do coque, do fuel-oil ou de lignites, por exemplo, do tipo das nossas de Rio Maior -, com a vantagem ainda, a favor deste último processo, de necessitar apenas de um quinto da energia eléctrica do primeiro e a poder pagar sensivelmente ao dobro do preço, ou até talvez um pouco mais.
Todavia, quer num caso quer no outro destes dois exemplos, os estudos para o esclarecimento completo de tão importantes problemas parecem ter deparado, pelo menos de início, com uma certa frieza ou desconfiança das repartições ou instâncias oficiais competentes - a quem competia logicamente facilitá-los e impulsioná-los -, desconfiança essa que compreendo, mas que não louvo, por motivos que VV. Ex.ªs todos bem compreenderão.
Além destes exemplos poderia ainda dar outros, em que deles ressalta bem cruamente sempre a necessidade de se efectuarem, antes de nos abalançarmos a realizações em grande escala, importantes estudos prévios, quanto mais não seja para nos não enganarmos muito no montante das verbas necessárias para esse efeito.
Vem-me à ideia, a esse propósito, o caso bem expressivo e de tão transcendente interesso nacional como é o da electrificação rural, a que a proposta em estudo bem explicitamente se refere num dos seus artigos.
Sabe-se, com efeito, que qualquer empreendimento desse género, em escala já de certa ordem, para poder interessar a todo o País, importará em qualquer coisa como 1 milhão a 2 milhões de contos. Uma economia que se fizer de uns 20 a 30 por cento nessa despesa - e julgo-a perfeitamente possível quando confronto os nossos processos caros de trabalho com os usados por outros países mais ricos que o nosso, como os Estados Unidos da América - representará, com certeza, bastantes centenas de milhares de contos, que muito jeito nos farão para outros empreendimentos.
Sobre o assunto tenho até aqui à mão um exemplar do Distribution Line Construction Contract, usado pela Rural Electrification Administration do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América, que constitui um tal modelo de simplicidade, economia e bom senso do orientação, que, creio, teríamos toda a vantagem em mandar alguém competente à América, quanto antes, estudar in situ o assunto, e com o que aí víssemos, ou noutros países, e aquilo a que aqui pudéssemos também nós chegar com os nossos laboratórios e especialistas do assunto - que também os temos bons - tentarmos elaborar qualquer coisa de parecido, mas aplicável às condições particulares do caso português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Poderia continuar a dar toda uma série de exemplos como estes, que serviriam para demonstrar que, quando aspectos de pormenor - mas tão importantes e fundamentais - estão ainda neste estado de atraso de estudos, não parece realmente fácil nem aconselhável estarmo-nos a preocupar demasiadamente - pelo menos por enquanto - com a ideia de qualquer plano grandioso de realizações, que é capaz, afinal, de a cada passo vir a acabar por precisar de sofrer importantes modificações.
Não esqueçamos principalmente que a vida de uma nação, por isso que de um ser vivo só trata, deve sempre evoluir harmonicamente e em função das características próprias de cada um dos seus órgãos e das condições funcionais ou do meio ambiente em que os mesmos necessariamente têm de trabalhar.
Não nos precipitemos, por isso, num excesso de mal ponderados entusiasmos ou dinamismo, querendo colocar «o carro adiante dos bois», porque tal processo de trabalho pode dar maus resultados - e receio que alguns já nos tenha dado - e não é certamente o melhor para alicerçar a confiança da opinião pública, de cujo apoio moral ou material imprescindivelmente necessitamos.
Em minha modesta opinião, por isso - volto a insistir - o que há que fazer e quanto antes, através de todos os serviços oficiais, daquém o além-mar, é um apanhado das mais salientes ou urgentes necessidades nacionais nos próximos cinco a dez anos, período em que se esclarecerá, certamente, muita coisa, até mesmo internacionalmente; ter uma noção quanto possível exacta da posição relativa, e das razões que a justificam, que a satisfação dessas necessidades deve ocupar numa escala hierárquica de prioridades ou urgência do realização; e estimar com cuidado os meios ou recursos de que efectivamente se poderá dispor para o efeito, ainda que com as contingências que não dependem da nossa vontade.
Com fundamento nesse trabalho de triagem e coordenação preparatória das grandes linhas de elementos, que só o Governo está à altura de conhecer - não qualquer particular, por mais ilustro ou estudioso que seja -, conviria então que fosse elaborado um relatório semelhante a este que está em nosso poder relativamente ao que se fez, mas que seria agora sobre o que de mais urgente ou mais importante falta fazer.
Em face da realidade bem expressiva dos números nele contidos e da consciência, principalmente, da grandeza e dificuldades reais da tarefa sobre que temos de nos pronunciar e que urge executar é que eu julgo que a Câmara Corporativa e esta Assembleia poderiam então, com mais completo conhecimento de causa, estar habilitadas a emitir qualquer voto relativamente aos grandes princípios ou directrizes gerais que em seu parecer devem vir a orientar a administração pública nos próximos anos em matéria de fomento ou reconstituição económica. Até lá eu prefiro continuar a dar, totalmente, o meu voto de confiança ao Governo para proceder como entender mais conveniente ou melhor.
Dir-me-ão alguns que isso é pouco para a ideia geométrica ou de disciplina com que eles vêem o problema; dir-me-ão outros que tal solução levará a uma demora da definição de um plano que as prementes necessidades do País já não consentem.
Responderei aos primeiros que foi qualquer coisa do género que aponto -se não estou em erro- que, juntamente com muita fé e coerência de atitudes, salvou o País e lhe tem permitido singrar, pela forma disciplinada que todos conhecemos, num mar que não tem sido positivamente um mar de rosas...
Lembrarei aos segundos que só os impossíveis se fazem às vezes depressa; os milagres... esses... exigem as longas e dolorosas caminhadas pelos trilhos pedregosos da fé, e o milagre português -embora começado há alguns anos - ainda está muito longe de terminar...
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa de Meneses: - Sr. Presidente: parecerá estranho que a minha juventude em lides parlamentares me despertasse o desejo de subir a esta tribuna para tomar parte na discussão da lei basilar para o Go-

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verno do País como é a lei de autorização de receitas e despesas.
Serve-me de amparo a ausência dessa outra- juventude que se foi já com os anos, a experiência da vida que me ficou e o interesse com que na minha idade se olha a tudo que se refere ao Governo e ao desenvolvimento do País.
E olha-se com tanto maior interesse quando se viveu uma mocidade em que os homens do Governo perdiam energias, que podiam ser proveitosas, em disputas estéreis de significado e objectivo e quando se não pode quebrar a ligação de continuidade, que é a própria vida, entre pólos tão opostos de ordenação governativa.
Percorri toda essa gama na esperança das promessas que nos faziam e nas desilusões com que finalizavam, mas tive a dita de ainda viver o tempo bastante até poder verificar a realização do que eram anseios generosos, concebidos, formados e propagados na geração da minha juventude.
Não se presta o assunto e o momento para explanar conceitos sobre a potencialidade latente ida capacidade humana para a formação dos seus génios na sabedoria, nas grandes virtudes que levam até à santificação e na elevação dos seus grandes obreiros, mas creio que é essa mesma força que deve gerar no momento necessário os grandes governantes.
E a força latente da vitalidade dos povos, é o anseio do melhor, é a razão de continuidade das nações, que vence, domina e impõe, através dos seus homens de eleição, as directrizes da sua orientação e agora nos conduz no mesmo caminho de grandeza com que entre nós o recordamos no passado.
Se me serve de amparo a continuidade que nunca interrompi entre os anseios generosos da juventude e a verificação do que se trabalhou e se continua a trabalhar para o engrandecimento da Nação, ainda preocupações governativas no pequeno meio onde vivo me levaram sempre e mais me levam actualmente a meditar as directrizes da Lei de Meios em apreciação e a subir a esta tribuna.
De toda ela sobressai a preocupação na economia das despesas, mas, se esta é dominante, uma conclusão imediata se pode tirar - é que, não havendo alteração nas contribuições existentes e sendo princípio inflexível o equilíbrio orçamental, é porque existe a confiança de que as receitas cobrirão as despesas. E basta só isso, basta apenas que as contribuições sejam as mesmas, para que o povo, jubiloso e confiante, confie nos homens que o governam e lhes tribute as merecidas homenagens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas se domina a preocupação da economia nas despesas, a lei também abre possibilidades para a continuação dos auxílios financeiros na realização de obras e melhoramentos públicos, e isso é também confiança para esperar que eles continuem no mesmo ritmo, na mesma graduação de necessidades para os aglomerados rurais e para os empreendimentos das autarquias locais a quem esse auxílio se torna imprescindível.
E ele tem de continuar, deve mesmo ser sempre apoiado, favorecido, estimulado e ampliado, se possível, pelo Governo, para não dar causa a esmorecimentos no anseio do progresso e na onda de realizações que se vão efectuando em todos os recantos do País, e são, afinal, o seu engrandecimento.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E abençoadas sejam as economias exigidas para que essas possibilidades mais se possam desenvolver, neste desejo de mais e melhor que domina todo o País, porque o significado íntimo destas duas palavras, definindo uma insatisfação permanente, suo ao mesmo tempo um veemente desejo de progresso e um estímulo de trabalho.
Fica-se, portanto, esperando que nas atribuições do artigo 3.º não seja preciso reduzir dotações orçamentais muito além do que- tem sido até hoje no que se vem destinando a subsídios e comparticipações essenciais à continuação desse enorme esforço construtivo que resulta desse apoio do Governo às iniciativas locais.
A par do rigor das economias a fazer, encontram-se também na proposta indicativos de uma outra necessidade, ou seja a colheita de elementos para uma ulterior reorganização tributária, na qual se incluiria uma simplificação do sistema de impostos. E nada poderá agradar mais ao contribuinte do que essa simplificação, que será afinal a libertação de uma multidão de exigências que ele se não nega a pagar, anãs que paga com redobrado esforço - o da bolsa e o das canseiras a despender para estar em dia com todos eles.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É claro que à ideia de economia se não pode subtrair a necessidade da dotação suficiente para a execução dos serviços, mas também é certo que a maior parte das vezes importa mais gastar bem que gastar muito.
A hipótese de uma revisão tributária para uma reorganização e simplificação do sistema de impostos é assunto que interessa altamente o meu distrito, como em geral todos os das ilhas adjacentes, em regime de autonomia administrativa.
Não é azado o momento para discutir se é vantajoso ou não o sistema, se tem provado ou não, se há forte fundamento em razões geográficas ou outras para que ele se mantenha. Mas creio que sim, e em meu apoio vem o próprio Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, publicado em 1939, que, ao fixar as normas de administração para as juntas gerais existentes, criou ao mesmo tempo mais um distrito autónomo - o da Horta -, sem que ele o pedisse, com este fundamento, que é afinal uma justificação e um apoio a favor do sistema: «se em 1895 já se impunha que aos distritos insulares fosse deixada certa liberdade para se administrarem, muito mais pesam hoje as razões de então e outras novas se lhes podem juntar».
Não vale neste momento carpir lamúrias sobre as dificuldades administrativas, que vão crescendo com os tempos, com as necessidades e com os encargos existentes, sem haver correspondente compensação de receitas; mas será óbvio frisar que as suas dificuldades serão sempre crescentes e em grau superior às que se impõem à meditação do Governo Central.
Espera-se, portanto, que nessa revisão tributária não fiquem esquecidas as condições especiais de administração dos distritos autónomos, dos quais se não pode afirmar que tenham ficado recuados no desenvolvimento da Nação, mas pura os quais são sempre precisas as oportunas providências e atenções do Governo, nesta mutação constante que são as necessidades e as dificuldades, e para que uma penúria de recursos administrativos os não arrastem a situações de estiolamento e ruína.
Há que rever esse problema com vontade de acertar, como há da parte dessas populações um esforçado trabalho em prosperar, e parece, à primeira vista, que tudo que sejam impostos directamente incidentes sobre o seu desenvolvimento à administração distrital deviam igualmente pertencer, para ainda mais se poder pró-

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mover os meios necessários a esse continuado desenvolvimento.
Eu não compreendo por que, sendo, o imposto complementar um imposto correctivo e progressivo a outras deficiências de cobrança, não fique pertencendo às juntas gerais dos respectivos distritos para corrigir o que nas outras contribuições que lhes são destinadas o não tenha sido também.
Nessa revisão, desejada pelo Sr. Ministro das Finanças, este e alguns outros impostos, como o de espectáculos, etc., que se arrecadam por uma actividade própria do distrito, parecia que ao próprio distrito deviam pertencer para nele serem aplicados.
Mesmo por pequenos que sejam, no relativo das circunstâncias existentes, encontram no aforismo popular a grande razão da sua finalidade: «é de grão em grão que a galinha e ache o papo».
E tudo que isso desse a mais nos recursos financeiros das juntas gerais ainda não seria muito para o que o estatuto especifica como despesas obrigatórias dos seus serviços privativos e dos do Estado a seu cargo, que não são pequenas.
E alguns destes serviços do Estado a cargo das juntas gerais são até de tal modo desproporcionados em relação com os seus recursos, de distrito para distrito, que não é possível encontrar unia razão de proporcionalidade.
Tomando apenas para exemplo dois cios serviços do Estado a cargo das respectivas juntas gerais - o da instrução primária e o das delegações do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência -, o facto é de tal modo frisante que os distritos mais pequenos e de muito menor população são justamente aqueles onde se absorve das suas receitas ordinárias maior percentagem para custear as despesas daqueles dois encargos.
Quem se der ao trabalho de fazer essas contas de proporcionalidade para as quatro juntas gerais dos distritos autónomos das ilhas adjacentes em relação ao ano corrente de 1950 encontrará que das suas receitas ordinárias foram absorvidas as seguintes percentagens:

Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo:

Instrução primária, 21 por cento.
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, 2 por cento.

Junta Geral do Distrito da Horta:

Instrução primária, 37 por cento.
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, 3,5 por cento.

Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada:

Instrução primária, 26,5 por cento.
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, 1,5 por cento.

Junta Geral do Distrito do Funchal:

Instrução primária, 20,9 por cento.
Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, 1,2 por cento.

A disparidade do encargo ressalta assim logo à primeira vista em relação a grandeza dos respectivos distritos e às possibilidades das suas juntas gerais.
Angra e Horta, com populações, respectivamente, do 78:109 e 52:7-31 habitantes, são as que suportam maior encargo, e para a delegação do trabalho ele pesa-lhe de tal modo que se apresenta em proporção dobrada esse encargo em relação aos distritos de Ponta Delgada e Funchal, respectivamente com 156:045 e 200:124 habitantes pelo último recenseamento da população.
E por isso, Sr. Presidente, que eu tenho esperanças dê que nos estudos a promover pelo Governo, no sentido expresso no artigo 11.º da proposta de lei, sejam pelos vários Ministérios adoptados os melhores métodos para que os serviços do Estado a cargo das juntas gerais se harmonizem na sua organização com a proporcionalidade das populações, no que respeita ao dispêndio a suportar e no que convém ao rendimento que há a esperar deles.
E é também no conteúdo do artigo 12.º que eu fundo idênticas esperanças para que já no ano de 1951 se tornem efectivas as medidas de protecção à preferência a dar-se à indústria e à produção das ilhas, que são afinal, e substancialmente, indústria e produção nacionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para não alongar em demasia estas ligeiras considerações, que não são mais do que aspirações do povo que aqui represento, eu lembro a protecção que se deve dar a uma indústria de pó de pecíra-pomes que existe no meu distrito e se começa a ressentir com a concorrência de idêntico produto que se importa da Itália, quando naquele distrito há capacidade para se fazer o fornecimento a todo o País.
Na mesma ordem de ideias e directrizes preconizadas pelo Sr. Ministro das Finanças para o desenvolvimento da riqueza nacional, há outro problema importantíssimo que eu não posso deixar esquecido, que se arrasta sem solução e até já parece ter foros de perseguição ao labor açoriano: a permanência das medidas proibitivas à entrada livre do gado das ilhas no continente - o que é duma injustiça flagrante, além dos avultados prejuízos que tem já acarretado para a lavoura dos Açores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - À ordem de produzir, produzir mais, produzir sempre, dada pelo Sr. Presidente do Conselho, não tem negado o seu esforço o lavrador açoriano. Os rebanhos tem vindo sempre em crescente aumento, e hoje em todas as ilhas está em completo desenvolvimento um trabalho intensivo de seleccionamento de gados, que podem bem u vontade rivalizar e competir com as melhores raças de produção em leite e em carne.
Sabe-se que já se tem feito diligências para a livre importação e aproveitamento no continente de alguns dos bons exemplares que lá temos; mas persiste, com fundamento na suspeita duma doença que lá se não encontra e nunca cabalmente se verificou, o obstáculo a esse livre trânsito do gado das ilhas, que só entra no mercado de Lisboa para efeitos de matança e ainda assim com depreciação de valorização absolutamente injustificada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já vão decorridos onze anos que essa suspeita de doença tão grave, como é a peri-pneumonia, se levantou - e eu torno a erguer as mãos ao céu: onze anos! -, sem que as diligências e responsabilidades oficiais esclarecessem essa suspeita completa e cientificamente - mas única e exclusivamente em pura ciência -, mandando às ilhas unia missão especializada que estudasse e verificasse os seus fundamentos perante a responsabilidade da sanidade pecuária das ilhas, que é garantida pela afirmativa unânime dos intendentes de pecuária de todos os distritos açorianos, que asseguram que a doença não existe e nunca existiu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Traz-nos assim, Sr. Presidente, esta proposta de lei fundadas esperanças para que aos desígnios do ST. Ministro das Finanças, na valorização de tudo que é trabalho e esforço do País, se juntem os desejas e a actuação de todos os outros sectores da administração pública para que nos vendiam melhores dias e terminem tantos desses grandes e pequenos obstáculos que dificultam a vida e o desenvolvimento açoriano.
E eles não são poucos. Até parece que o mar, o campo aberto à mossa grandeza passada, o orgulho dos nossos famosos empreendimentos, é hoje um forte obstáculo ao nosso progredimento.
Há peias na lei e nos regulamentos que são autênticos estorvos aos nossos empreendimentos interilhas. Eu- não sei como evitá-los ou como modificá-los em melhor sentido, mas sei que o meu distrito é constituído por três ilhas e quando é preciso movimentar actividades administrativas tendentes ao desenvolvimento agrícola ou pecuário dessas três ilhas, na uniformidade de acção que a Junta Geral empreende, mais do que o braço de mar que as separa, é forte obstáculo a exigência da lei e, mais do que isso, as formalidades do seu cumprimento.
Na situação existente creio mesmo que, sem as possibilidades imediatas de solução que o regime de autonomia administrativa nos favorece, o caso seria impossível e deve ter sido essa uma das fortes razões para que é preclaro relator do Estatuto dos Distritos Autónomos visse hoje mais razões para subsistir tal sistema administrativo do que em 1895.
Quando se tem de mandar reprodutores, alfaias agrícolas ou quaisquer outros aparelhos destinados à intensificação do fomento agro-pecuário para qualquer dessas outras duas ilhas, o que é autêntico serviço distrital de desenvolvimento económico, não são pequenas as contas dos despachos da alfândega, dos direitos, dos emolumentos, dos impressos e dos selos, como se se tratasse de um movimento de exportação, e não da extensão de um serviço privativo da administração distrital, em tempo próprio, a qualquer dessas ilhas componentes do distrito.
E não me furto à curiosidade de exemplificar um caso que, na sua simplicidade, traduz esta grave complicação de ir por mar de uma ilha para outra.
Em dado momento, pelos serviços agrários da Junta Geral, foi preciso mandar um seleccionador de trigo para a Graciosa, ilha que fica a quatro horas de distância para o vapor usual da carreira. Pois foi precisa toda esta complicada formalidade: sobre o cais, o aparelho é retido e submetido à conferência de um soldado da Guarda Fiscal, que apresenta uma guia a cobrar: 8$ ($80 para o Estado, pelo § 3.º do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 24:046, e para ela, praça, 7 $20, por esse volumoso trabalho de conferir uma coisa que estava u vista de todos em cima do cais).
Como V. Ex.ª vê, Sr. Presidente, é bem complicada a diligência de uma junta geral, logo que sé interpõe o mar, para promover e desenvolver a execução dos seus serviços agro-pecuários, que são a riqueza máxima das três ilhas sobre que tem jurisdição.
O mar das nossas glórias passadas é ali um formidável obstáculo para a livre circulação de um objecto oficial, útil ao fomento de uma ilha, que o serviço correspondente no continente transportaria livremente a qualquer parte do seu distrito, ou mesmo a um outro distrito distante.
E, como este, outros casos se contariam, como ainda aqueloutro de ser posto à porta de uma alfândega um edital para venda em hasta pública de uma caixa com peças sobresselentes de tractor agrícola, consignadas a uma junta geral, caso que uma simples chamada telefónica, em boa compreensão do que deve ser a diligência no serviço, teria esclarecido quais as causas justificativas da demora por mais uns dias do respectivo despacho, pois parece-me que o rigor da lei e o zelo do funcionário não valem, evidentemente, o que isto tem de desarmónico tanto com os meios modernos de comunicação, como até, se não digo com o decoro, com a colaboração e interdependência a haver na boa execução dos serviços públicos.
Não há dúvida de que ainda há muito a fazer na Revolução Nacional para que o proceder dos serviços se adapte e corresponda à grandeza do trabalho que o País vai já usufruindo e não pode, nem deve, ser perturbado pela desarmonia e embotamento dos seus serventuários.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: desculpará V. Ex.ª ,e a Ex.ma Assembleia que os tenha feito perder tempo com estas sumárias considerações relativas ao meu distrito no que importa - de essencial apreciar na proposta de lei em discussão, mas ali também é Portugal - a Portugal com cinco séculos de existência.
E, sem querer ser impertinente, ainda direi, eu reforço do nosso orgulho nacional, que em todos os momentos graves e solenes da Nação o meu distrito foi participante, e ainda hoje, no momento difícil que o Mundo atravessa, é sobre a minha ilha que pousam os olhos ansiosos de todos os que palpitam a segurança e a tranquilidade do futuro e procuram um ponto de apoio no nosso país.
Mas antes de terminar e ao inteirar-me do relatório do Governo, distribuído conjuntamente com a proposta da Lei de Meios, eu olho desvanecido estes últimos quinze anos de trabalho intensivo para o engrandecimento da Nação e confio. Confio nas próprias dificuldades e na sua solução, e confio porque vejo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Promete a proposta da Lei de Meios a continuidade desse esforço, pelo seu artigo 16.º, e, se se chama sacrifício às restrições que for preciso impor para que esse trabalho de engrandecimento continue, abençoado seja esse sacrifício, porque todos o considerarão como sendo uma obrigação.
Ainda há poucos meses, na visita do Sr. Ministro das Obras Públicas aos Açores, eu vi o carinho, o interesse, o firme propósito que S. Ex.ª manifestou por tudo que representasse uma obra de engrandecimento ou de valorização, deficiências a remediar, defeitos a corrigir, tudo que fosse um benefício, tudo que fosse unia utilidade.
Eu ouvi os seus conselhos, eu admirei os seus propósitos, tudo no conceito superior de mais e melhor. Eu vi S. Ex.ª subir montes, saltar valados, penetrar em extensas furnas subterrâneas para o estudo e apreciação dum aproveitamento hidroeléctrico, e ficaria sabendo, se o não soubesse já, que com homens como este o trabalho de engrandecimento nacional não pode parar, tem de seguir pela própria imposição da sabedoria, da decisão e da providência dos homens que nos governam e que a continuidade da Nação soube originar no momento preciso.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Não pode findar esse movimento progressivo, esse poder de reconstituição, que pôde elevar, sem sacrifício da Nação, o cálculo de 6,5 milhões de contos para mais de 14 milhões de contos na execução da Lei de Reconstituição Económica, como o diz a exposição do Sr. Presidente do Conselho.

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A reconstituição continuará, assim o esperamos todos, e todo o País saberá esperar pelo seu complemento, se é possível afirmar que pode ter fim, que se pode completar, o que sejam os desejos de engrandecimento duma nação.
E eu quero esperar, o meu distrito saberá esperar, a obra máxima da sua aspiração, que não é mais do que uma necessidade evidente, que vem de trás, que já tem séculos de indicação, que tem sido sempre retardada e que dia a dia mais imperativa se afirma - a construção do seu porto de abrigo.
Estava previsto para a 2.ª fase do plano portuário e devia estar pronto em 1952 se razões superiores não tivessem surgido como impeditivas da conclusão dessa 2.ª fase do plano.
E que, Sr. Presidente, ainda se embarca e desembarca na ilha Terceira como no tempo das caravelas e não está certo, Sr. Presidente, que uma população de 80:000 habitantes permaneça na contingência de naufragar à vista das suas casas quando tiver de embarcar ou desembarcar, quando vemos a solidariedade dos homens e dos Governos mandar para o mar esquadras e aviões à procura dum náufrago que, voluntariamente e sem propósito de monta, se lembra de atravessar o Oceano por simples capricho duma aventura sem proveito.
Quanto essa obra se impõe e não pode mais ser adiada vem em meu auxílio o desfavor das tempestades que têm por estes dias assolado o mar dos Açores, do que deram conhecimento a rádio e os jornais, como nesta desolante notícia que encontro no Diário de Notícias de ontem se pode ler:

Prejuízos nos Açores

Angra do Heroísmo, 4. - Devido ao mau tempo, que está a causar prejuízos nos Açores, o porto de Angra esteve impraticável durante alguns dias. Por mais de vinte e quatro horas o paquete Carvalho Araújo e o vapor Monte Brasil tiveram de se abrigar na baía do Fanal. Também um navio norte-americano esteve durante o mesmo período de tempo sem poder fundear na baía da Praia da Vitória.

E a súmula é esta: o porto de Angra impraticável por alguns dias, mais de vinte e quatro horas sem o navio da carreira poder entrar na baía, passageiros que chegam, passageiros que querem partir, passageiros que seguem em trânsito para outras ilhas, sobre aquela tormenta, à vista de terra!
É bem injusto quem puder remediar o caso e o não fizer.
Dizia minha santa mãe: «Olha que Deus não castiga nem com pau nem com pedra», e parece-me ser grave pecado perante Deus sujeitar 80:000 habitantes a situações como esta.
De resto, a ilha merece o seu porto de abrigo, merece-o muito mais o labor da sua população, em permanente trabalho de desenvolvimento e progresso.
E não se diga que é aspiração fantasiosa e incomportável. Quem se der ao trabalho de o procurar nos anuários de estatística de 1948 e 1949 verificará que o movimento de passageiros portugueses entrados, saídos e em trânsito pelo porto de Angra somou naqueles anos, respectivamente, 26:634 e 24:675 pessoas, traduzindo assim o maior movimento de vidas humanas portuguesas em portos dos Açores. E isto não obstante os temporais que de Verão e de Inverno o não deixam abordar.
É que o porto de Angra é o centro das comunicações interinsulares e por ele tem de passar, como porto intermédio, toda a navegação de cabotagem entre as ilhas, e só isso seria o bastante para justificar a obra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas se formos ao cômputo do movimento de mercadorias entradas e saídas pelos rendimentos cobrados na Alfândega, também se conclui que atingem já a cifra de valor para em cinquenta anos cobrir a estimativa prevista para a sua construção, se fosse aceitável a doutrina de as grandes obras do futuro só serem feitas com o rendimento de um ano. Então, tudo seria pequeno perante a grandeza da continuidade da Nação.
E quanto ao incomportável da despesa, que tem de ser grande por razões técnicas da obra, permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que ao terminar eu conte um pequeno episódio que com o caso pode ter alguma analogia sugestiva.
Na minha ilha, vai brevemente fazer um século, a edilidade da Câmara de Angra resolveu construir os novos paços municipais. Tratava-se para a época de um grandioso edifício, o mesmo que existe actualmente, feito com tal grandeza que ainda hoje pode figurar em qualquer das grandes cidades de província do continente, como já o viram alguns dos Srs. Deputados presentes e que tivemos o grande prazer de os ver por lá.
A Câmara de então era presidida por um autêntico morgado e por cahnaristas, alguns descendentes de outros, e é sabido que lá e cá os morgados não gozavam de boa fama, gentes de mãos largas, gastadoras e dissipadoras quando se tratava de figurar.
Consta na tradição local que algum clamor se levantou então, prevendo-se ruína para os réditos municipais e temendo-se o agravamento de tributos com que o povo teria de arcar para pagar o que ao tempo parecia desperdício de morgados.
No entanto a obra fez-se na grandeza com que fora traçada e já hoje é pequeno o edifício para a exigência dos serviços municipais, mas também não consta que do facto resultassem prejuízos fosse para quem fosse, nem tão-pouco ouvi a meu pai, que viveu esse episódio, qualquer censura ou lamentação por encargos que adviessem ao nosso património familiar.
Sr. Presidente: mais do que possam valer estas justificações, eu termino com as palavras ditas a um jornal pelo Sr. Ministro da Defesa, na sua recente passagem pela ilha, ao regressar da conferência dos Ministros em Nova Iorque, como máximo significado da posição da ilha e do seu valor nacional e ainda como apoio para estas minhas considerações: «ca Terceira, com a sua grande base aérea, é a rainha do Atlântico, que todos os grandes senhores da Terra desejariam desposar».
E com isso se diz tudo para o que é preciso fazer, porque essa rainha é terra portuguesa, genuinamente povoada por gente portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Maria Vaz: - Sr. Presidente: a leitura e análise da proposta de lei em discussão, na sua quase totalidade, deixou-me uma impressão favorável, o que é muito raro em diplomas desta natureza.
Talvez porque não sou um economista e menos ainda um homem de finanças, tive a impressão de me encontrar defronte de um trabalho notável pela sua clareza, pouco nela havendo que mereça ser modificado na sua essência, e pelos intuitos alevantados que presidiram

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à sua elaboração. Qualquer alteração será meramente formal.
É nova a técnica nela empregada; nova, a arrumação das suas matérias, em que transparece um louvável desejo de simplificação do sistema tributário, aliado a uma preocupação de severa economia, que os tempos convulsos que atravessamos aconselham. Procura-se ainda nela fazer o inventário da riqueza nacional.
Não há, porque não pode haver, qualquer inovação fundamental nos princípios que doutrinàriamente informam a mecânica da nossa administração pública, e dentro do regime actual constituem já uma tradição. O equilíbrio orçamental, que mais uma vez se propõe, afirma a sanidade das finanças nacionais na difícil conjuntura económica actual e garante a continuidade, agoira em ritmo miais brando, da obra formidável iniciada e em parte já realizada, mas cujo termo se não vê próximo ainda.
E nem é natural que se possa atingi-lo, uma vez que as ansiedades humanas são insaciáveis e aumentam com o tempo, como certas miragens tentadoras com a distância.
Mas se não sou um economista nem um financeiro, sou, como toda a gente, um contribuinte.
E nesta qualidade, e como toda a gente também, tem-se o direito de saber, e quer-se saber, quanto se paga e por que se paga. O Estado, se por um lado cobra, pelo outro distribui. E legítimo este desejo. A proposta promete satisfazê-lo.
Não interessa muito referir os quantitativos das receitas e das despesas. Isso é trabalho dos contabilistas.
O que importa é verificar se a carga tributária é ou não suportável; se o contribuinte pode ou não arcar com o seu peso; se o sacrifício necessário que o imposto representa não irá além das suas forças; e se ele, absorvendo os rendimentos dos patrimónios .particulares, não irá destruir correlativa e gradualmente a riqueza, pública.
Isto é que é importante.
Para esclarecer o problema posto não dispomos infelizmente de estimativas, nem oficiais, nem particulares, que nos possam orientar.
Não sabemos a quanto montam o valor e o rendimento da matéria tributável.
As bases adoptadas e os cálculos sobre elas feitos são puramente empíricos e só miraculosamente poderão estar certos.
E temos a impressão de que andam distantes das realidades económicas da Nação.
Pelo que nos diz a proposta de lei em discussão, propõe-se o Governo realizá-las.
Bastava este propósito, claramente exposto e sinceramente definido, para valorizar uma lei cujos objectivos são fixar receitas, cobrá-las e aplicá-las.
Há nele um fundo de honestidade e de justiça inquestionável, que convém ter sempre presente, porque, se nesta matéria o factor económico predomina, o factor psicológico não é para desprezar.
Se o contribuinte reconhece que existe no fisco um vivo desejo de justiça no regular do imposto e que há equidade na distribuição do seu peso - o que nem sempre acontecerá-, ele sente-se levado a aceitá-lo como uma necessidade imperiosa da vida administrativa do Estado, a que não deve fugir.
Sr. Presidente: se um voto me fosse permitido fazer a este respeito, eu desejaria que, ao realizarem-se as estimativas anunciadas na proposta em estudo, fossem bem ponderadas todas as circunstâncias que podem valorizar ou diminuir os rendimentos idos valores dos patrimónios individuais.
Desejaria que não se adoptassem para esse efeito critérios rígidos, absolutos, uniformes, mas suficientemente elásticos para permitirem de facto uma igualdade relativa perante as exigências fiscais.
Essas circunstâncias são múltiplas, mas duas merecem especial relevo: a localização e as cartas dos terrenos, indicando a sua morfologia.
Atendendo a todas elas, poderá fazer-se uma equitativa distribuição da carga tributária, na medida do humanamente possível.
E, feitas as estimativas anunciadas, poderá saber-se não só aquilo que se paga, mas também que esse pagamento é o justamente devido.
Por enquanto, sabendo-se o que se paga, pouco se sabe da equidade, da justiça desse pagamento.
E até, se nos guiássemos unicamente pelos algarismos dos últimos orçamentos, seríamos levados a concluir que a carga tributária é excessiva, uma vez que há excedentes das receitas ordinárias, e vultosos.
Em rigor, assim devia entender-se.
Mas a verdade é que sobre a geração de hoje pesam inibições de quase um século, e é preciso caminhar, e caminhar depressa, se não queremos ficar irremediavelmente para trás. O sacrifício é preciso. O País sente a sua necessidade e, compreendendo-a, aceita-a, se bem distribuída.
O propósito do Governo a este respeito só merece louvores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não menos para louvar é o desejo manifestado na proposta de simplificar todo o sistema tributário, pela adopção de novos métodos.
Aí está uma outra necessidade extrema, cuja satisfação o País inteiro, de certeza, aplaudirá.
As malhas da rede fiscal estão hoje terrivelmente emaranhadas. A teia das obrigações fiscais é densa. O contribuinte tem-lhes pavor.
São várias as contribuições, vários os prazos, várias as exigências fiscais, acrescidas das não menos variadas o complicadíssimas contribuições da organização corporativa.
Vive-se no receio constante de se ter esquecido algumas dessas obrigações; de não se ter lembrado de algum desses prazos; de não se ter liquidado qualquer dessas contribuições.
Para viver tranquilo o contribuinte quase carece de um funcionário só para lhe lembrar todas essas coisas, tanto mais que os avisos chegam dispersos, quase sempre tardiamente e muitas vezes perdem-se no caminho.
O ideal seria um conhecimento único, onde se lançassem todas as contribuições do mesmo contribuinte, com as indicações dos prazos do seu pagamento e todos os elementos indispensáveis para um completo conhecimento das suas obrigações. Promete-o a proposta.
Dar-se-á, dessa ou doutra maneira, a tranquilidade de que ele carece, facultando-se-lhe simultaneamente o tempo indispensável para realizar dinheiro, de que nem sempre dispõe.
Mas depois de ter pago, com maior ou menor sacrifício, ele sente curiosidade em saber o caminho que o seu dinheiro levou.
Natural e legítima, esta curiosidade, que é, no fim de contas, um direito.
Ele pretende saber se esse dinheiro é bem ou mal aplicado.
E as medidas de severa economia que a proposta enuncia não podem deixar de lhe agradar.
Simplesmente, essa economia quanto à orgânica dos serviços não deve prejudicar a eficiência dos mesmos.
A extrema economia, em certos casos, é mais prejudicial que certas liberalidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - A proposta em discussão, além da promessa de poupar, dá-nos esclarecimentos sobre a aplicação das receitas durante o próximo ano económico, conjugando desta maneira a economia no dispêndio com a maior utilidade na aplicação.
Em virtude de o período de quinze anos que a Lei n.º 1:914 fixava para a execução do chamado plano de reconstituição económica do País ter expirado em 24 de Maio último, aquele esclarecimento tornava-se necessário, uma vez que a Lei n.º 1:914 não foi substituída por outro diploma do mesmo género.
Não vou fazer o estudo pormenorizado das intenções do Governo no capítulo das despesas públicas extraordinárias, uma vez que as ordinárias estão fora da discussão.
De entre os vários aspectos que na sua generalidade elas comportam apenas me referirei, ainda que ligeiramente, a um deles que muito de perto conheço. Refiro-me ao programa dos melhoramentos rurais, que, segundo a proposta, consiste:
a) Nos pequenos melhoramentos agrícolas, designadamente obras de rega;
b) No povoamento florestal com fins económicos;
c) Na electrificação rural e abastecimento de águas às populações;
d) Nas estradas e caminhos de interesse local.

Devo nesta altura declarar que não estou inteiramente de acordo com a ordem de precedência estabelecida na proposta.
Antes de se atender à terra deve atender-se ao homem.
Se aquela interessa como fonte criadora dos artigos indispensáveis à vida humana, a este se destinam os seus produtos. Ele tem sobre ela prevalência, visto que ela é um instrumento seu, que em conjunção com outros lhe garante a vida e com ela a plenitude dos seus direitos de ser humano.
De entre todos os melhoramentos rurais aquele que no meu entender mais imperiosamente exige uma solução, e uma solução rápida, são as estradas e os caminhos que a proposta designa como de interesse local.
Mas estas estradas e estes caminhos não têm um interesse puramente local.
Que as populações rurais têm na sua construção um interesse directo e imediato não há dúvida nenhuma.
Mas dúvida não há também de que esse interesse vai mais longe, porque elas contribuem, directa e indirectamente, para o bem-estar comum, muitas vezes mais até que certas estradas de vulto.
As mais prementes necessidades das populações rurais são as suas estradas e os seus caminhos. Gastam-se por ano milhares e milhares de contos na construção de estradas, algumas das quais lembram pistas.
Gastam-se por ano milhares e milhares de contos em alargamentos, correcções e reparações das estradas já existentes.
E eu acho tudo isso óptimo.
Os serviços florestais rasgam os flancos da montanha, abrindo estradas que, na generalidade, só a eles aproveitam.
A Junta de Colonização Interna despende grossos cabedais na abertura de estradas que quase só são utilizadas pelas escassas dezenas dos moradores de cada um dos seus aldeamentos.
E eu continuo a achar tudo isso muito bom.
E, no entanto, nos recôncavos das serranias de Trás-os-Montes e das Beiras, nas nossas aldeias serranas, vivem dezenas de milhares de seres humanos quase inteiramente separados do mundo, sob a protecção de Deus, mas abandonados dos homens!
Há aldeias perdidas na serra, a 30 e 40 quilómetros da sede do seu concelho, que se encontram hoje, quanto a comunicações, como se encontravam há séculos e cujas populações só podem deslocar-se, a pé ou a cavalo, por ínvios caminhos.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? É para esclarecer que isso sucede até perto da capital, a 50 quilómetros de Lisboa.

O Orador: - O esclarecimento de V. Ex.ª só vem confirmar a minha afirmação.
Eu não compreendo que se faça em matéria de estradas tudo o que referi, que se realizem certas obras grandiosas, de uma utilidade imediata duvidosa, se deixem vegetar, porque assim não é viver, pelo menos a vida dos tempos modernos, dezenas e dezenas de povoações, milhares talvez, que não podem deslocar-se nem transportar com facilidade os produtos do seu trabalho.
Eu não posso compreender como se deixam viver e se deixam morrer sem assistência médica e sem medicamentos milhares de vidas por falta de vias regulares de comunicações.
Sr. Presidente: fala-se muito no êxodo das povoações rurais. Esta deve ser uma das suas causas principais, porque se foge donde tudo falta para onde se supõe tudo encontrar.
Supõem alguns que a marcha dos rurais para os centros urbanos é unicamente determinada pelo factor económico, que é a ânsia, do lucro que provoca o abandono da terra onde nasceram. É em parte verdade, mas ainda este factor é influenciado pela ausência de ligações que, não estimulando as iniciativas, determinam a falta de trabalho. O que provoca a sua fuga é um conjunto de circunstâncias, que todas se resumem na ânsia de viver. E aquilo ali não é vida. Não é sem apreensões e sem dor que eles abandonam a terra.
Para as populações serranas, secularmente esquecidas .. e entregues a si mesmas, a terra é uma amante exigente, que tudo lhes pede e pouco lhes dá. Ela não é, como muitos julgam, a escrava do homem. Pelo contrário, o homem é que se acha a ela escravizado. Ele sente no mais íntimo do seu ser a sedução da terra, no germinar das plantas ao findar dos Invernos, no florir alegre das Primaveras, no diadema de ouros cintilantes no tempo das colheitas. E, no entanto, parte.
Parte, porque lhe falta tudo o que os outros têm, na ânsia de vir a ter um pouco do muito que os outros possuem.
As suas casas são esburacadas, feitas de pedra solta, e nus cidades há moradas lindas, onde apetece viver; há confortos que as míseras aldeias não têm; há possibilidades de trabalho que no campo falecem.
Daí a tentação, que muitas vezes se transforma em amarga desilusão.
Faltam-lhes estradas. As estradas são o sistema arterial da vida de uma nação.
São elas que prendem os homens, pela comunhão de interesses, às terras convizinhas e designadamente às sedes de concelho, que as exigências da vida obrigam a procurar com frequência.
Eu sei que muito se tem feito neste sentido.
Eu sei que anteriormente nada se havia feito.
Eu sei que a obra é de vulto e não pode realizar-se de um jacto.
Mas entendo que é tempo de a estudar em bloco, de a planificar por inteiro e de a executar integralmente.
E, depois de executada, conservá-la.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Depois das ligações com o mundo exterior seguem-se as águas. Neste sector dos melhoramentos rurais o trabalho vai muito adiantado e não tardará em concluir-se.
Há só que continuar.
A luz vem em terceiro lugar.
E neste capítulo, embora alguma coisa já se tenha feito, o que resta fazer é ainda imenso, sobretudo nos pequenos aglomerados rurais.
Não ignoro que há ainda escassez de energia eléctrica e que as empresas alegam não ser compensador o sen fornecimento, pela exiguidade do consumo.
Tudo isso pode e talvez deva estar certo.
Mas não é menos certo que essas populações tem direito a fruir as mesmas regalias dos outros povos.
Elas querem viver a vida dos nossos dias; elas querem desenvolver-se e progredir.
A avidez do lucro, natural em todas as indústrias, não deve fazer-nos esquecer o princípio de que as indústrias eléctricas, pela função que desempenham, são de interesse e ordem públicos. E este interesse não se limita aos grandes centros, para onde a energia eléctrica deriva em grande parte.
As populações rurais têm de fugir à fatalidade desta situação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se desenvolvem porque não têm energia eléctrica e não têm energia eléctrica porque se não desenvolvem.

Apoiados.

De resto, o que hoje pode não ser lucrativo não o será amanhã, quando todas as fontes de riqueza local forem bem aproveitadas?
Na realização destes melhoramentos as autarquias locais têm colaborado na medida das sua forças.
Muitos deles não se realizaram ainda porque os recursos financeiros desses organismos não o têm consentido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se vislumbram possibilidades de tão cedo eles verem aumentar as suas receitas. Antes pelo contrário. As câmaras são constantemente sobrecarregadas com novos encargos. A muitos competia ao Estado atender. As juntas de freguesia foram privadas de todos os seus haveres e de todos os seus rendimentos a favor dos Serviços Florestais e da Junta de Colonização Interna, sem compensação alguma, ao título de um melhor aproveitamento económico dos seus baldios. São estes problemas graves que espero poder tratar com desenvolvimento em ocasião oportuna.
Por agora limito-me a perguntar:
Como poderão esses órgãos administrativos colaborar honestamente na realização desses serviços se não têm possibilidades económicas, se não dispõem de meios financeiros para a fazer?
Tais obras incumbem ao Estado.
São obras públicas de interesse público restrito, é certo, mas interesse público em todo o caso.
Sr. Presidente: atendido o homem do campo, atenda-se depois à terra.
O povo diz e com razão: «A fazenda é fazendo-a».
O valor da propriedade rural está dependente do esforço do trabalho humano. Terras que ontem não valiam nada são hoje prédios magníficos. É ver o Douro, que de penhascos agressivos fez a maravilha das suas vinhas.
É ver as encostas ásperas das Beiras e de Trás-os-Montes, que o braço humano mexe e remexe, num trabalho incessante, e dão pão e dão vinho e dão tudo o que se lhes pede. Terras pobres ou terras ricas não importa agora averiguá-lo-, o trabalho humano fecunda-as e transforma-as como por encanto.
Mas nem tudo o homem, por si só, pode fazer. Vontade não lhe falta, mas não sabe, e muitas vezes não pode. O problema da água, nos Verões calcinados, é angustiante. O homem do campo bem a procura muitas vezes e não a encontra; outras, sabe onde ela está, mas não pode ir servir-se dela, por várias razões. É preciso que o Estado providencie, no interesse dele, mas também no interesse de todos.
Não me refiro aqui às grandes obras de irrigação.
Umas estão já feitas, outras estão em execução e muitas em estudo. Neste campo confia-se absolutamente nas magníficas qualidades de trabalho, entusiasmo, saber e devoção patriótica do homem que as dirige.
Quero simplesmente aludir às pequenas obras de rega, como poços, minas, depósitos e represas para aproveitamento das águas subterrâneas, superficiais e, até mesmo, pluviais, que podem operar uma verdadeira revolução no cultivo da terra, mais que duplicando a sua produção.
Não são obras caras. O seu custo é reduzido, mas em todo o caso superior às posses do médio e pequeno lavrador, que são a grande maioria no Norte do País, onde a cultura é já intensa, mas pode intensificar-se muito mais, desde que a água abunde, e como é preciso, porque a população do País aumenta sem cessar.
Torna-se necessário aproveitar ao máximo todos os terrenos para cultivo, pequena ou grande que seja a sua área. No estudo e execução desta obra estará talvez a razão de sobrevivência da Junta de Colonização Interna, mais que nos povoamentos, que saem caríssimos e não têm a extensão e a projecção de um trabalho desta natureza.
Só a obra realizada pelos Serviços Florestais e Aquícolas no campo do povoamento florestal se tem de considerar esplêndida, merece alguns reparos a forma por que em certos casos realiza os seus trabalhos.
Suponho que toda a gente aplaudirá a plantação de árvores, de muitas árvores, em todos os terrenos especialmente indicados para esse fim.
Mas também suponho que ninguém defenderá a plantação de árvores em terrenos que podem dar tudo o que neles se semear ou plantar, quando falece o pão, base essencial da alimentação do País.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
E não esquecer aqueles terrenos que se destinam à pastoreação e que estão sofrendo graves prejuízos em certas regiões transmontanas.

O Orador: - É um problema a estudar na altura própria, como já disse.
Temos de aproveitar tudo, repito, para produzir o máximo, a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Pinto de Meireles Barriga.
Avelino de Sousa Campos.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Joaquim Simões Crespo.
António de Sousa da Câmara.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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