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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61

ANO DE 1950 13 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º61 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 12 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada

SUMARIO: - O Sr. Presidente declara aberta a sessão às 15 horas e 48 minutos.
Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 60.
O Sr. Presidente manifestou aos jornalistas que prestam serviço na Assembleia o profundo pesar pela morte do jornalista e escritor Gomes Monteiro.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Sousa Pinto referiu-se, à situação dos funcionários coloniais que vêm gozar férias na metrópole e a outras questões ultramarinas.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira tratou do abandono em que se encontra o recheio da Biblioteca Nacional, que está a ser pouco a pouco devorado, por falta de instalação condigna.
O Sr. Deputado Vaz Monteiro falou sobre a inauguração da Catedral de Bissau e a grande obra de civilisação que temos realizado na colónia da Guiné.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para os fins do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 38:078, 38:079, 38:083 e 38:085.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate, na generalidade, acerca da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1951.
Falaram os Sr.ª Deputados Melo Machado, Carlos Mantero Belard e Cortês Lobão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carios Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.

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Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Alares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 48 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 60.

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário em reclamação: a p. 134, col. 2.ª, l. 6.ª, onde se lê: «É indispensável», deve ler-se: «É indiscutível»; e a p. 135, col. 1.ª, l. 54.ª, onde se lê: «1914», deve ler-se: «1944».

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum dos Srs. Deputados desejar lazer qualquer reclamação àquele Diário, considero-o aprovado com is reclamações apresentadas pelo Sr. Deputado Sousa Rosal.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Faleceu no dia 9 do corrente o ilustre jornalista e escritor Sr. Gomes Monteiro, que durante anos exerceu nesta Assembleia as funções de repórter parlamentar.
Não pude assistir ao funeral de Gomes Monteiro por estar fora de Lisboa nesse dia, mas neste momento cumpro o dever de em nome da Assembleia, apresentar ao corpo de repórteres jornalísticos em serviço nesta Assembleia o nosso profundo pesar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sousa Pinto.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: uso da palavra por desejar pedir a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a situação em que se encontram os funcionários coloniais quando vêm de licença à metrópole.
Os vencimentos dos funcionários coloniais são regulados fundamentalmente pelas disposições do Diploma Legislativo Colonial n.º 38, de 3 de Setembro de 1924. Sem descer a pormenores, que seriam inúteis, direi apenas que se estabelece nesse diploma que, quer os vencimentos metropolitanos de categoria, quer os ordenados coloniais de categoria, se compõem de duas partes, uma fixa e outra variável, a qual resulta da multiplicação da parte fixa por um coeficiente a determinar, tendo em vista a relação entre os custos de vida em cada época e os referentes ao ano de 1920, tomados para base. Decretos posteriores - o último dos quais de Dezembro do 1949 - têm apenas, sem modificar a doutrina, alterado os factores de multiplicação.
O que se pretendeu, em última análise, foi que um funcionário colonial quando vem à metrópole passe a perceber vencimentos equiparados aos dos funcionários metropolitanos de categoria equivalente à sua. Parece à primeira vista justo este critério. Na realidade penso que o não é.
A estada na metrópole no gozo de licença graciosa representa, por um lado, um direito conferido ao funcionário que, abandonando a sua terra, foi prestar serviço em territórios portugueses de além-mar, e é, por outro lado, um dever do Estado, a quem cumpre velar pela saúde dos funcionários coloniais, permitindo-lhes que venham periodicamente retemperá-la no clima metropolitano.
Tão evidente é esse dever que nalgumas nações coloniais o gozo de licença graciosa na metrópole não é facultativo, é obrigatório.
Ora, nas condições actuais, a vinda dos funcionários coloniais portugueses à metrópole é, para muitos, um verdadeiro desastre. Há funcionários que deixam de gozar a licença para evitar a ruína.
Outros podem antecipação do termo da licença por se lhes ter esgotado o pecúlio que em anos de trabalho colonial tinham podido angar ar. E compreende-se bem que assim seja.
Os funcionários metropolitanos têm a sua vida organizada, bem ou mal - geralmente mal, porque os vencimentos são insuficientes -, mas em todo o caso estabelecida em obediência aos vencimentos que percebem. O funcionário colonial que chega à metrópole, esse está em completo desequilíbrio.
Não tem casa arrendada. Exceptuados os que têm ainda aqui parentes muito próximos, a grande maioria tem de recorrer a estadas dispendiosas em hotéis, pensões ou casas particulares.

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Têm, quantas vezes, eles e algumas pessoas de família que os acompanham, necessidade de fazer curas de águas. Têm, por outro lado, de manter despesas na colónia a que pertencem, onde deixaram as suas casas, e, se as não deixaram, terão no regresso as despesas de nova instalação. Têm ainda o justo desejo de se deslocar de Lisboa às suas terras, quando são da província o nelas tem ainda parentes ou aderentes.
Posto em igualdade de condições com os funcionários metropolitanos, o funcionário colonial só à custa da própria ruína poderá cumprir tal programa. Será justo que a licença graciosa se converta num castigo?
Há ainda outro aspecto deste problema que me parece dever ser considerado. Hoje no funcionalismo colonial há já bastantes funcionários nascidos nas colónias e com famílias ali constituídas, muitos dos quais nunca vieram à Europa. Julgo que, dum ponto de vista de política patriótica, deveria facilitar-se a esses funcionários avinda à metrópole, incitando-os a aproximar-se da terra dos seus antepassados. Ora não há dúvida de que, sem o incentivo saudosista dos que deixaram aqui a casa paterna, muito poucos farão o sacrifício material a que os obrigaria a vinda à metrópole, quando podem, com muito menor dispêndio, gozar lá as suas licenças, intercalando nelas, se estão, por exemplo, em Moçambique, uma vilegiatura, sempre agradável, à África do Sul ou à Rodésia. É tanto mais de considerar esta circunstância quanto é certo quê o número de funcionários naturais das colónias tende gradualmente a crescer, à medida que se ampliam as possibilidades de completarem ali os seus cursos secundários, que lhes abrem as portas dos quadros oficiais.
Foi tão grande este ano a afluência de inscrições nos cursos secundários -liceais e técnicos - em Moçambique que foi necessário tomar medidas de emergência, por estar muito excedida a capacidade dos estabelecimentos existentes. Com a próxima conclusão do liceu de Lourenço Marques o a abertura do anunciado colégio da Beira as possibilidades de admissão serão cada vez maiores.
Era para as considerações que acabo de fazer que desejava pedir a atenção do Sr. Ministro das Colónias, dispensando-me de acrescentar outras, que não deixariam de vir a propósito, sobre a situação dos funcionários coloniais reformados, que, por motivos de ordem semelhante aos que apontei, se vêem muitas vezes obrigados a desistir de vir passar a velhice na terra onde nasceram, com os ossos amarrados à colónia onde gastaram os melhores anos da sua vida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já que estou no uso da palavra, Sr. Presidente, e para me não fazer eco só de lamentações, aproveito o ensejo para me congratular com a publicação, pela pasta das Colónias, do Decreto n.º 38:043, de 8 de Novembro findo. Revela esse diploma um estado de progresso das nossas terras do ultramar que é justo e oportuno pôr em relevo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Referindo-me sómente ao que diz respeito a Moçambique, merecem especial registo os seguintes pontos:

Progresso considerável dos serviços de saúde, onde, além de pessoal técnico subalterno para os serviços gerais e para o combate às tripanossomíases, são criadas novas especialidades módicas, é instituído o serviço novo do hemoterapia e reanimação o criado um dispensário antituberculoso em Lourenço Marques. Aumenta-se o pessoal dos serviços de polícia e é criada de novo uma polícia internacional, cuja necessidade há muito se fazia sentir. São criados novos cargos técnicos especializados nos serviços de agricultura, pecuária e minas. É criado um centro de investigação científica, que certamente será uma ampliação, já prevista, do Centro de Estudos da Cultura Algodoeira. Ampliam-se consideravelmente os quadros dos serviços meteorológicos. Moçambique, que já ia, a esse respeito, na vanguarda dos nossos territórios coloniais, vai ficar de modo a poder cumprir neste sector, cada vez mais importante, as funções que lhe competem, no ponto de vista nacional como no internacional. Criam-se secções de contabilidade de Fazenda junto das curadorias dos indígenas portugueses no Transval e em Salisbúria, medida que considero do grande alcanço.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todas as vezes que visitei o Consulado de Portugal em Salisbúria verifiquei a inconveniência de estar essa função atribuída juntamente com a de curadoria ao mesmo funcionário, que, não dispondo de pessoal categorizado, não podia abandonar o Consulado, deixando por isso de visitar, como é necessário, os locais de trabalho dos nossos indígenas ali emigrados. A criação duma secção de contabilidade da Fazenda na curadoria permitirá talvez ao curador ter junto de si funcionário categorizado a quem possa confiar os serviços do Consulado durante as suas ausências. Não é ainda uma solução completa do problema, mas deve ser já um progresso.
Na mesma data de 8 de Novembro foi publicada a Portaria n.º 13:348, que autoriza os Governos-Gerais de Angola, de Moçambique e do Estado da Índia a elaborarem os respectivos orçamentos para 1951. Nesse diploma é fixada em cerca de 107:500 contos a1 despesa extraordinária para o de Moçambique, compreendendo importantes dotações para obras, apetrechamento de portos e aeródromos, reconhecimento mineiro, estudos de colonização, missões e outros empreendimentos aprovados pelo Ministro das Colónias. É um grande programa de realizações, dentro do qual vai ser posto o Aeródromo de Lourenço Marques em condições de receber os grandes quadrimotores e construir-se talvez a necessária ponte sobre o Pungue, na estrada da Beira à Rodésia.
Não surpreendem estes sintomas de progresso a quem tenha acompanhado a vida das colónias nos últimos anos e saiba que ali têm sido gastas muitas centenas de milhares de contos, grande parte dos quais tiveram aplicação em Moçambique, não só no resgate e apetrechamento de portos e caminhos do ferro, como em obras o construções de toda a ordem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, se não surpreendem, não deixa por isso de ser oportuno que se ponha em relevo o modo como o Governo Central, pela pasta das Colónias e peitadas as outras que com ela colaboram, tem promovido, com rasgadas iniciativas, o crescente progresso dos nossos territórios do ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não terminarei, Sr. Presidente, sem unia última nota que desejo registar. É que o decreto e a portaria a que fiz referência mostram claramente que o Ministério das Colónias, concedendo autorização aos Governos-gerais para elaborarem os seus orçamentos, não os entrega discricionàriamente a esses governos, antes mantém firmemente na mão do Ministro a fixação das

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grandes directrizes a seguir, dentro das quais os orçamentos têm obrigatoriamente de se enquadrar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: no dia 17 de Julho do corrente ano tomou posso do cargo de director da Biblioteca Nacional o Prof. Silva Marques. E no discurso que então proferiu disse, entre outras coisas, o seguinte, que transcrevo dos jornais diários:

Não há necessidade de carregar nas sombras do quadro, já de si notoriamente enegrecidas, para com sobeja razão lhe podermos chamar (à Biblioteca) uma casa desgraçada. Mais que péssima e vergonhosa instalação: graves perigos de incêndio e explosão (e ameaçando precisamente mais de perto a secção dos reservados).

As espécies, o recheio, sem exceptuar as mais preciosas, fortemente atacadas, ou, antes, a ser progressiva e incessantemente devoradas pelos bichos, desaparecendo as mais antigas, valiosas e raras e ficando as mais modernas, mais vulgares e menos valiosas; quase completa falta de espaço - tanta que não tardará que tenham de se amontoar as novas aquisições, condenando-as a não poderem ser lidas e a apodrecerem rapidamente.

Extrema escassez de meios materiais para fazer face as mais urgentes e prementes necessidades de uma Biblioteca Nacional; impossibilidade, por esta razão, de encadernar as espécies, ainda que só as mais importantes, e, em consequência, a sua desagregação e destruição certas; impossibilidade, pela mesma razão, de publicar as espécies mais raras, valiosas e inéditas, que assim continuam perdidas para a Ciência, etc. Estou muito longe de esgotar o triste rol.

Dois meses depois o director da Biblioteca, em entrevista concedida à revista católica Flama, afirmou:

Além de camiões de livros valiosos já vendidos a peso, e por várias vezes, por estarem reduzidos a uma renda, e, portanto, ilegíveis e perdidos, há milhares e milhares de outros já muito atacados de toda uma fauna de insectos bibliófagos e até de ratos.

Uma desinfecção total, mas total e feita a fundo, com cloropicrina ou ácido cianídrico está orçada em cerca de 400 contos. Ora nós temos, para todas as despesas de limpeza, higiene, etc., uma dotação anual de cerca de 20 contos. Já se vê que tem de ser outro o caminho, e este não pode ser senão o auxilio decidido e suficiente do Estado.

Todos nós sabemos que estes males não são de agora, o o próprio Prof. Silva Marques o vincou na mesma ocasião quando disse:

Já há mais de um século, em 1844, no sou relatório que corre impresso, o então director, José Feliciano de Castilho, escreveu a frase desgraçadamente profética:

Se daqui não for removida quanto antes a Biblioteca Nacional, não tardará muitos anos em que dela apenas reste memória.
Mas, pelo decorrer de muitos anos, o mal foi-se agravando e chegámos à situação angustiosa presente. A obra de destruição não pára e, a não ser atalhada rápida e eficazmente, consumar-se-á dentro em pouco.

Este quadro, verdadeiramente confrangedor, não é, infelizmente, único, pois o ilustre Deputado Dr. João Ameal, no seu discurso sobre a figura de Alfredo Pimenta, também aqui nos revelou o desgosto permanente do erudito publicista pela perda irremediável a que estavam condenadas as preciosidades encerradas na Torre do Tombo, de que era devotado director.
Em 1920 realizou-se na Biblioteca Nacional uma triste e escandalosa exposição dos livros destruídos pelos parasitas, mas não foram tomadas quaisquer providências.
Já em 1935 o Dr. António Ferrão propôs a aplicação dos meios parasiticidas usados com sucesso em bibliotecas estrangeiras e onze anos depois, em 194G, renovou a proposta.
Em 1940 o ilustre Deputado Prof. Mário de Albuquerque lançou nesta Assembleia um grito de alarme.
Também a propósito da investigação científica o ilustre Deputado Dr. Cortês Pinto se referiu largamente já este ano.
Tudo em vão.
A que poderemos atribuir, Sr. Presidente, tal indiferença, talvez mesmo tal descuido, para com estas parcelas da riqueza cultural da Nação, em contraste chocante com o zelo e o carinho que aos Governos depois do 28 de Maio tem merecido a generalidade do património nacional?
Só motivos decerto muito ponderosos terão levado a manter-se a Biblioteca Nacional nesta situação desgraçada ainda quase vinte e cinco anos depois de Gomes da Costa ter desembainhado a espada em Braga.
Não podemos, felizmente, atribuí-la à falta de recursos financeiros. Por estranha coincidência, logo no dia seguinte os mesmos jornais diários publicavam com destaque igual ao desta reportagem uma fotografia do estado de adiantamento do novo edifício do Instituto Nacional de Educação Física.
Ora não se pode censurar em absoluto a construção de um edifício novo para a educação física. É intuitivo que estas e outras obras públicas, mesmo económicamente não produtivas, representam dinheiro a circular e que esta circulação vai traduzir-se parcialmente em salários para os pobres. E é da boa doutrina social que, para estes, a melhor protecção consiste em lhes proporcionar trabalho digno.
Mas pergunto apenas: se em vez do novo Instituto Nacional de Educação Física tivesse sido planeada a construção de uma nova Biblioteca Nacional, não teria sucedido o mesmo quanto aos pobres, quanto às obras públicas, etc.? E não teria sido mais rendoso para a riqueza nacional?
Por isso, se não é condenável em absoluto a construção deste edifício ou outra qualquer obra sumptuária, não poderá deixar de o ser em relação às necessidades que ficam por satisfazer, o que deveriam ter tido primazia dentro de um plano devidamente ordenado.
Mas este caso da Biblioteca Nacional põe ainda em destaque um facto não menos de registar, que se traduz na pouca importância atribuída a este alarme público: em face deste grito aflitivo da cultura nacional, emitido por uma pessoa altamente responsável, as entidades competentes não julgaram necessário fazer qualquer declaração, tranquilizar os estudiosos, dar conta das providências a tomar ou já tomadas para evitar o desastre total.
Será isto um bem ou será antes um mal?

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Por mim permito-me opinar que o pior mal que pode suceder a um povo é o desinteresse dos seus cidadãos pelos problemas da governação pública. E esta política de abafar os problemas pode levar a fomentar o estado de «não vale a penas, o não «importequismo», como o designou um dia Maurras, o qual não representa senão a fase prodrómica de desinteresse cívico.
Por isto, podemos ter a certeza de que a quase totalidade das pessoas que leram o discurso do Prof. Silva Marques está convencida de que ninguém lhe ligou importância, de que pregou puramente no deserto, e que dos 400 contos necessários para o expurgo ele não pôde dispor sequer de 400$.
E se assim aconteceu também não se poderá dizer que foi por falta de disponibilidades, porque a simples leitura dos jornais permite julgar que, se fosse necessário, muitas despesas efectuadas desde então em outros sectores da Administração poderiam ter sido substituídas por esta, destinada à eliminação de parasitas.
Sr. Presidente: tal como o director da Biblioteca Nacional, eu creio que não carreguei absolutamente nada as cores do quadro. Limito-me a fazer votos para que o Ministério das Obras Públicas, terminada que seja a série dos estádios e edifícios afins do plano de fomento desportivo nacional, possa mandar fazer ò projecto das novas instalações para a Biblioteca e que, entretanto, sejam concedidos urgentemente a esta os meios de salvar muitas espécies bibliográficas já condenadas a serem carregadas em novos camiões de refugo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: em 8 do corrente, dia da Imaculada Conceição, padroeira de Portugal, houve duas cerimónias solenes, sendo uma no ultramar e outra na metrópole, que, pelo seu alto significado, merecem que delas se ocupe esta Assembleia.
Realizou-se na província ultramarina da Guiné a cerimónia religiosa da consagração da igreja-catedral de Bissau e, à mesma hora, rio gabinete do Sr. Ministro das Colónias, procedeu-se à imposição das insígnias de oficial da Ordem do .Império Colonial ao venerando padre José Pinheiro, que muito contribuiu para a construção daquela igreja-catedral.
Para um país colonizador como Portugal, que, conforme muito bem diz o artigo 2.º do Acto Colonial, tem aã função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendem v, as cerimónias da inauguração de uma igreja-catedral era terras do ultramar e da condecoração de um missionário português revestem-se da maior importância para a nossa vida nacional.
É basilar, para se alcançarem os nossos fins colonizadores de civilizar e nacionalizar as populações nativas, recorrer à acção humanitária, moral, religiosa e patriótica das missões católicas portuguesas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É que para colonizar verdadeiramente à maneira portuguesa temos de dilatar a fé cristã - a religião tradicional dos portugueses. Temos de tratar humanamente os indígenas, considerá-los nossos compatriotas, ensinar-lhes a nossa língua e a nossa religião e adaptá-los, por meios suasórios, aos nossos usos e costumes.
Para alcançarmos o aperfeiçoamento moral e social dos indígenas das nossas províncias ultramarinas muito se deve à acção das missões católicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A nossa escola tradicional de colonizar sempre teve por primeiro princípio o primeiro mandamento da nossa religião - o amor ao próximo -, e ú assim que nós desde o começo da nossa expansão ultramarina considerámos como seres humanos, como nossos verdadeiros irmãos, todos os indivíduos com quem íamos tomando contacto à medida que se dilatava a Fé e o Império.
Os missionários acompanharam sempre os nossos marinheiros, os nossos militares, durante os períodos dos descobrimentos e da ocupação; e hoje continuam a colaborar igualmente com os nossos colonos, com os nossos funcionários do ultramar.
Ao mesmo tempo que ensinam aos indígenas a pronunciar a palavra Deus, ensinam-lhes também as palavras Pátria e Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A nossa maneira de colonizar não dispensa a colaboração das missões católicas portuguesas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Parecerá estranho, Sr. Presidente, que, sendo a Guiné a mais antiga das nossas províncias ultramarinas, velha de cinco séculos, feitos em 1946, se tenha deixado atrasar na cristianização a tal ponto que, como afirmou o Sr. Ministro das Colónias, «quase metade da população da nossa Guiné adoptou o credo muçulmano já depois de nós estabelecidos naquela província, enquanto que a outra metade continua, na sua grande maioria, feiticista».
E na verdade assim é porque, a bem dizer, «esteve ausente a acção missionária católica na Guiné desde a descoberta até à beira dos nossos dias».
Eis, Sr. Presidente, um grande motivo para mais nos regozijarmos com a inauguração da igreja-catedral de Bissau e com a homenagem prestada a um missionário que se manteve na Guiné perto de trinta e quatro anos, durante os quais uma só vez veio de licença à metrópole.
Portugal é assim encaminhado pelo Estado Novo na senda da sua função histórica de civilizar e nacionalizar as populações nativas do nosso ultramar. E todos nós temos o dever de animar os missionários franciscanos, a quem se entregou a seara da Guiné, para que eles possam realizar naquela província ultramarina uma grande e extraordinária obra de evangelização. É preciso que se trabalhe muito e bem para se reaver algum do tempo que se perdeu enquanto a Guiné esteve livremente exposta à expansão maometana e era muito precária a nossa ocupação.
Quando o padre José Ribeiro chegou à Guiné, em 1908, os régulos ainda desrespeitavam as nossas autoridades. Registavam-se com frequência actos de insubordinação e rebeldia. O gentio dificultava a navegação nos canais e rios e o transporte dos produtos através dos estreitos caminhos dos indígenas era penoso e perigoso.
A população de Bissau ainda necessitava de defender-se dos insubmissos e aguerridos Papéis, tendo de recolher à noite ao abrigo que lhe oferecia a muralha erguida para tal fim entre o quartel da Amura e o cais do Pigiguiti.
As operações militares sucediam-se com bastante frequência.
Em Maio de 1908 a força expedicionária metropolitana, composta de perto de 500 praças europeias, encontrando-se dizimada pelas baixas por doença e depois do combate do alto do Intim em que alguns perderam a vida, e entre, eles o alferes Vítor Duque, regressava extenuada à metrópole.

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Naquele tempo ninguém frequentava a igreja, e o padre José Pinheiro rezava habitualmente a missa sem um único assistente.
Este era o estado desolador em que o padre Pinheiro foi encontrar a Guiné.
Não admira, pois, que a grande maioria dos indígenas da nossa Guiné ainda não esteja catequizada e antes esteja islamizada. E porque infelizmente assim é, foi motivo para aumentar a nossa satisfação ao saber que em Bissau se ergueu um templo onde muitos indígenas se deverão instruir sobre os ensinamentos da religião cristã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É certo que muito se tem feito sentir na Guiné a falta de difusão da nossa religião e até da nossa língua; mas a verdade é que, apesar destas dificuldades, é grande o progresso e o desenvolvimento da Guiné, que dia a dia recebe novos impulsos.
Seguindo a nossa política tradicional de colonização, abrimos estradas em todas as direcções do território da Guiné, construímos pontes, melhorámos as condições naturais dos portos, fornecemos sementes e animais reprodutores, abrimos escolas, hospitais, igrejas, oficinas e centros comerciais, estabelecemos a boa amizade com os chefes gentílicos e com os próprios indígenas, ganhando a sua confiança. Foi de tal modo eficaz a nossa actuação que se chegou a demolir a muralha que cercava Bissau de lado oeste por não ser já necessária à segurança da população, visto que deixara de existir o perigo da rebeldia dos indígenas.
Há muito tempo já que se percorre a Guiné por toda a parte com a maior segurança e tranquilidade. E, se não fora a nossa tradicional política nacionalizadora e humanitária, os numerosos povos da Guiné continuariam irreconciliáveis e em guerra permanente uns com os outros.
Não há dúvida de que foi necessário para os pacificar e submeter a intervenção da força armada, sob o comando do heróico Teixeira Pinto. Mas podemos dizer que trouxemos o II indígenas da Guiné ao caminho da paz e do trabalho mais pela amizade e conciliação do que pela força e prestigio das armas.
Presentemente falta-nos realizar na Guiné uma obra grandiosa, cuja execução pertence directamente à Prefeitura Apostólica, a fim de que a sua população indígena abrace a nossa religião e fale a nossa língua e assim fique mais fortemente nacionalizada.
Confio para tanto na Ordem Franciscana, que tem elementos valorosos no seu apostolado e a quem presto homenagem.
Manifesto o meu apoio e dou o meu aplauso no Governo da Nação pelo acto de justiça que representa a condecoração do padre Pinheiro e faço votos ardentes para que a nova igreja, agora aberta definitivamente ao culto católico, não sirva sómente o plano de urbanização da cidade de Bissau, mas também seja ao mesmo tempo um centro activo e permanente de grande irradiação da nossa fé cristã.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios das Comunicações e das Obras Públicas em satisfação ao requerido pelo Sr. Deputado Pinto Barriga nas sessões de 16 de Março e 12 de Abril deste ano.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.ºs 249, 251 e 202 do Diário do Governo, respectivamente de 5, 7 e 9 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 38:078, 38:079, 38:083 e 38:085.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1951.

Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pensei se não haveria hoje de apresentar-me nesta tribuna de alva e baraço ao pescoço, pelo facto de ter tido a audácia, o atrevimento de ter tocado num aspecto dos serviços prisionais.
Parece-me impossível que, depois do catorze anos de existência desta Assembleia, ainda haja serviços, ainda haja repartições, aos quais se não pode fazer qualquer reflexão que não seja elogiosa, que não dê lugar a uma hipersensibilidade de tal natureza que logo aqui apareça a irritação cansada por essa observação. De tal maneira essa irritação apareceu aqui, que até, traduzindo um limitado espírito de aldeia, que sempre perante qualquer facto pretensamente desagradável logo busca encontrar um responsável que esteja bem perto, se instituiu nesta Assembleia um sistema novo, que eu, justificadamente, espero não tenha seguidores.
Desde quando foi costume nesta Assembleia responsabilizar alguém que não tem aqui assento nem voz por aquilo que disse um Deputado?! Devo afirmar a V. Ex.ª que não fui de maneira nenhuma solicitado para tratar do assunto da Colónia Penal de Alcoentre.

O Sr. Abrantes Tavares: - V. Ex.ª dá-me licença para fazer um esclarecimento? Acredito inteiramente na boa fé com que V. Ex.ª diz isso. Queria todavia certificá-lo de que o Sr. Gorjão Henriques tinha prevenido a direcção da Colónia de que havia de arranjar um Deputado para vir aqui levantar esta questão, e, logo que V. Ex.ª tomou o encargo de a levantar, eu tive o cuidado de o fazer constar.

O Orador: - Estava no seu direito, porque eu não lhe pedi segredo.

O Sr. Abrantes Tavares: - Ele não disse que V. Ex.ª lhe tinha pedido elementos, disse que seria V. Ex.ª a levantar a questão.

O Orador: - V. Ex.ª vai ver que esse interesse era muito antigo e não diz respeito apenas aos serviços prisionais. Eu interessei-me pelo assunto e, necessariamente, precisava de algumas informações. Pedi-as a quem muito bem entendi e quis, e das palavras que aqui proferi não posso consentir que quem quer que seja possa responsabilizar outra pessoa que não seja eu. Assumo essa responsabilidade com muito prazer e ela não me pesa absolutamente nada.

O Sr. Abrantes Tavares: - Eu fiz a alusão pela informação que tinha, e espero que V. Ex.ª, se tiver elementos para a desmentir, a desminta. O Sr. Gorjão Henriques disse que havia de arranjar um Deputado

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para levantar a questão contra a Colónia e disse depois que era V. Ex.ª quem o faria.

O Orador: - Não me interessa o que disse o Sr. Gorjão Henriques.

O Sr. Abrantes Tavares: - Mas interessa-me a mim.

O Orador: - Eu não fui solicitado para levantar a questão, e se o fiz foi por meu alvedrio.
Para V. Ex.ª ver que isto não é nem uma antipatia especial, nem uma ideia que agora apareceu ao meu espírito, eu digo a V. Ex.ª que em 9 de Janeiro de 1947, a propósito da discussão nesta Assembleia de uma proposta de lei sobre os serviços militares, proferi aqui as seguintes palavras:

Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer a V. Ex.ª que estou em desacordo com a emenda apresentada pelo Sr. Deputado Ricardo Durão quando pretende acrescentar as palavras «em geral» à segunda linha da proposta do Governo.
A proposta do Governo diz:

Os estabelecimentos industriais do Estado não podem concorrer com as empresas ou actividades particulares...

Este «em geral», na minha opinião, sem inutilizar o princípio estabelecido na proposta de lei do Governo, não está de perfeito acordo com a Constituição. Pelo contrário, a proposta do Governo está dentro dos princípios da Constituição e corresponde perfeitamente a uma ansiedade pública neste sentido.
Uma das coisas que tem preocupado a indústria particular é a concorrência feita pelo Estado através dos seus estabelecimentos fabris, bem apetrechados, uma vez que tem uma indústria de exploração diferente da dos particulares.
É certo que o Estado se serve de elementos que recebem os seus vencimentos por outras folhas que não são as dos serviços e que o Estado não paga impostos, nem tem outras despesas inerentes, o que não sucede com a indústria particular.
Desta forma a concorrência feita pelo Estado é desleal.
Esta proposta tem, portanto, o merecimento de vir ao encontro das ansiedades da indústria particular e de estar de acordo com os preceitos constitucionais.

O Sr. Ricardo Durão: - Eu traduzi nessa proposta a opinião da Comissão de Defesa Nacional. A proposta não era minta. Assinei-a apenas como relator dessa Comissão.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que esta discussão prosseguiu por muito tempo com o nosso querido amigo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Estas palavras que acabei de ler demonstram bem que não se tratava de uma ideia nova em mim: são princípios que julgo temos obrigação de respeitar, porque continuo, hoje como ontem, hoje como há três anos, a pensar da mesma maneira, até porque, graças a Deus, não sou muito dado a mudanças. Por isso, continuo a não concordar com a atitude do Estado, concorrendo com a indústria particular e pondo em sérias dificuldades os contribuintes que mourejam para angariar o seu sustento e o dos seus e ainda para tirar dos seus escassos ganhos a contribuição que hão-de pagar ao Estado. É uma situação que reputo perfeitamente inadmissível.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Abrantes Tavares, entende que o contribuinte, mesmo .em circunstâncias de tanto aperto como estas, deve, como digladiador romano, salvar César ao morrer.
Não valia a pena V. Ex.ª ter trazido aqui o cheiro raposinho das sebentas, porque as considerações que por V. Ex.ª aqui foram feitas a respeito do regime prisional já eram do nosso conhecimento. E na verdade não era isso que estava em causa, não foi esse problema que ataquei: não sou contra a regeneração pelo trabalho; simplesmente me insurgi contra a concorrência feita pelo Estado aos particulares.
V. Ex.ª carregando nos adjectivos, influenciado pela irritação que o trouxe a esta tribuna, afirmou que eu fora torpemente enganado. Mas enganado em que?

O Sr. Abrantes Tavares: - Enganado nesse aspecto da concorrência desleal.

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, eu afirmei que na Colónia Penal de Alcoentre se exerciam determinadas indústrias e S. Ex.ª não só não desmentiu, como confirmou, pois que veio mesmo acrescentar algumas outras àquelas que eu tinha citado.
S. Ex.ª, nas palavras que aqui proferiu descrevendo o que se faz noutras colónias penais e os projectos que ainda há a realizar, ocupa uma coluna inteira do Diário das Sessões, e são tão ambiciosos esses projectos, Sr. Presidente, que dentro de pouco tempo o Ministério da Justiça será certamente uma potência industrial que pesará sèriemente na economia deste país. Que o digam os industriais gráficos, metidos em seríssimos apuros por causa precisamente dessa concorrência.

O Sr. Abrantes Tavares: - Isso é o que iremos ver.

O Orador: - Que o digam os industriais gráficos, coitados, que já têm quase um volume de reclamações apresentadas a todas as entidades oficiais que viam. poder dar-lhes razão e solução para o seu caso. Que o digam certamente muitos outros industriais deste país que sofrem severamente as consequências da concorrência feita por esses estabelecimentos oficiais.
Devo porém dizer, Sr. Presidente, que o sistema político que abandona, que repele, que sujeita completamente, que domina as iniciativas particulares e que só deixa aos contribuintes a glória de pagar ou de desaparecer na sua insignificância, não é o nosso sistema político, porque o nosso é absolutamente contrário e oposto àquele. Por consequência, Sr. Presidente, no que diz respeito à existência de uma exploração de várias indústrias na Colónia Penal de Alcoentre, como aqui foi acentuado pelo meu antagonista Sr. Deputado Abrantes Tavares, é uma verdade, não uma mentira, nem qualquer espécie de engano. Também eu afirmei, Sr. Presidente, que a exploração dessas indústrias era feita em concorrência com as entidades particulares e S. Ex.ª não só não negou a minha afirmação como até excedeu toda a minha expectativa, vindo aqui afirmar que essa concorrência atinge a espantosa proporção de 50 por cento.

O Sr. Abrantes Tavares: - Perdão; eu não afirmei nada disso.

O Orador: - V. Ex.ª quer que eu cite essa parte da sua exposição?

O Sr. Abrantes Tavares: - Faça obséquio. O que eu disse a V. Ex.ª e à Câmara foi que há um problema de concorrência que não está resolvido aqui ou em qualquer outra parte.

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O Orador: - V. Ex.ª disse aqui:

Um dos grandes mandou construir na serralharia da Colónia, para uso próprio -efectivamente não a traz ao ganho -, uma grade de discos. Esta grade custava no mercado 24 contos e veio-lhe a ficar por 12.
Ora, Sr. Presidente, eu não sei de que mais me hei-de admirar, se da consciência, se do talento industrial, capaz de numa simples oficina de serralharia, construir uma peça única mais barata 50 por cento do que em qualquer outra parte, porventura em outras condições mais favoráveis. E andamos todos nós, o Governo e a Associação Industrial Portuguesa, preocupados com este problema sério e grave da possibilidade de industrializar o nosso país. Poder-se-ia aproveitar o talento excepcional que existe na Colónia Penal de Alcoentre.

O Sr. Botelho Moniz: - O pior é o recrutamento da mão-de-obra.

O Orador: - A concorrência à iniciativa particular, feita pela Colónia Penal de Alcoentre à indústria particular, foi por mim aqui referida, sem que essa afirmação fosse de qualquer modo enganosa.

O Sr. Abrantes Tavares: - Mas eu confirmei essa concorrência.

O Orador: - Mas o que há a mais ainda na irritação do Sr. Deputado Abrantes Tavares? Há, Sr. Presidente, uma debulhadora, que, segundo a minha afirmação, circula no concelho da Azambuja, trabalhando mais barato para arranjar freguesia, e cirandou aqui no discurso do meu antagonista para arranjar ambiente. Pois também posso afirmar a VV. Ex.ªs que ninguém frisou este aspecto industrial da debulhadora; fui eu a quem ela impressionou particularmente, e vou já dizer porquê.
É que para a ir procurar não é preciso ir até aos altos muros da cadeia de Alcoentre - digo altos muros sem saber se digo bem, pois nunca os vi, mas talvez sejam mais baixos do que eu suponho, porque de lá fogem constantemente delinquentes graves, que vêm cá para fora pôr em perigo a vida e os haveres dos cidadãos pacíficos e honestos.

O Sr. Abrantes Tavares: - As fugas de uma colónia agrícola são inevitáveis, mas não são nada para que V. Ex.ª esteja ai a fazer frases. Essas fugas só demonstram da parte dos guardas prisionais uma louvável inibição no exercício do cargo, pois se eximem em atirar a matar quando essas fugas se registam.

O Orador: - Isso só demonstra, Sr. Deputado, que esse sistema presidiário é tão belo que os desgraçados que são honrados estão sujeitos a assaltos a toda a hora e até a ser mortos, como aconteceu já na Fábrica de Cimento de Alhandra.

O Sr. Abrantes Tavares: - V. Ex.ª sabe que os evadidos das prisões não tardam muito tempo em ser recapturados.

O Orador: - Eu constato o facto: todos os dias fogem presidiários da colónia.

O Sr. Abrantes Tavares: - Isso é um exagero. Eu convido V. Ex.ª a demonstrar que todos os meses -já não digo todos os dias - fogem presidiários da Colónia de Alcoentre. E, note V. Ex.ª, eu alargo o prazo para todos os meses...

O Orador: - É muito simples fazer a prova.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Melo Machado para continuar as suas considerações.

O Orador: - Dizia eu que para as demais indústrias era necessário o acto deliberado do os procurar dentro da colónia, que, segundo suponho, ainda não tem caixeiros viajantes.
Não tardará, porém, que venham a casa de cada um ladrões ou assassinos oferecer os produtos da colónia.

O Sr. Abrantes Tavares: - Não posso responder a V. Ex.ª aqui de baixo. Responder-lhe-ei aí de cima.

O Orador: - Mas para a debulhadora o caso era diferente.
Ela vinha para fora dos muros, aliciante na baixa dos preços, ter com o freguês para o solicitar. E foi só isso que me impressionou.
De resto, ele foi aqui apresentado como uma coisa muito simples.
Devo dizer a VV. Ex.ªs que a coisa não é tão simples como se disse.
No concelho da Azambuja há só os seguintes industriais: nada menos de 10 de cerâmica; há lagares de azeite, nada menos de 18; fornos de cal, nada menos de 5; alambiques bagaceiros, nada menos de 11; debulhadoras, nada menos de 13.
O caso não era tão restrito como V. Ex.ª pôs.
Sr. Presidente: demonstrado que nada do que eu aqui disse foi contestado - por consequência não fui enganado, nem torpemente nem de outra maneira qualquer -, que é que resta desta discussão? É que, de facto, isto é um problema, S. Ex.ª o afirmou, acrescentando que não sabia como se havia de resolver.

O Sr. Abrantes Tavares: - Não sou só eu. Se fosse só eu não havia mal nenhum. É V. Ex.ª e todos os que dele se ocupam.

O Orador: - Num problema sério desta gravidade vale a pena meditar um pouco.
E, se se reconhece de boa vontade que é absolutamente indispensável procurar a regeneração dos delinquentes através do trabalho remunerado, não posso deixar de afirmar a VV. Ex.ªs que entre os assassinos e ladrões e as pessoas de bem eu estou ao lado destas.
Sr. Presidente: o que é que resta da fala do meu antagonista? Suponho que já toquei todos os pontos. Mas resta ainda da fala de S. Ex.ª o parto e o dedo no nariz.
Quanto ao parto, Sr. Presidente, foi ele de S. Ex.ª laborioso e rebuscado. Quanto ao dedo no nariz, suponho que é gesto que não diz bem com a austeridade desta tribuna nem com a importância do assunto que me permiti trazer à consideração de VV. Ex.ªs
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Abrantes Tavares: - Com a tribuna estou de acordo, com a questão que aí me levou é que não.

O Sr. Carlos Mantero Belard: - Sr. Presidente: é a primeira vez que falo nesta sessão legislativa.
Por isso começarei por palavras de respeito por V. Ex.ª e de admiração pela dignidade com que V. Ex.ª ocupa o alto cargo de Presidente da Assembleia Nacional, pelo seu grande saber e elevada distinção de espírito.
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, as minhas cordiais saudações.

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Nesta altura do debate, depois de terem falado sobre a matéria numerosos Srs. Deputados, é muito difícil dizer coisas novas. Corro, pois, o risco de repetir afirmações ou comentários já feitos. E natural, portanto, que procure ser breve, para não ser enfadonho.
A proposta de lei que ora nos ocupa diverge substancialmente da que apreciámos no ano passado.
Temos um novo Ministro das Finanças e, com ele, algumas ideias novas.
Antes de entrar propriamente na apreciação da proposta quero saudar o Dr. Águedo de Oliveira.
Escritor notável, versando com saber e grande bom senso as coisas económicas e financeiras, a sua experiência como antigo Subsecretário das Finanças e presidente do Tribunal de Contas, o seu contacto com as realidades nacionais em longos anos de vida parlamentar, em que a sua voz se fez ouvir sempre que se tratou aqui de finanças públicas, indicavam-no, como poucos, para ocupar um cargo a que só ascenderam nos últimos vinte e três anos especialistas consagrados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A proposta que nos apresenta traz algumas novidades que merecem especial referência. Apontá-las-ei, apenas limitando muito os meus comentários, porque a matéria já foi discutida a fundo pelos ilustres Deputados que me precederam.
O § único do artigo 1.º indica o propósito de fazer face às despesas extraordinárias, que não poderão, na sua totalidade, ser cobertas com receitas extraordinárias ou saldos de exercícios anteriores, com os excedentes das receitas ordinárias criadas pela compressão, ao máximo possível, das despesas da mesma natureza. Interpreto esta disposição como querendo significar que se procurará elaborar um orçamento ordinário com forte saldo positivo à custa das despesas, como parece esclarecer o último parágrafo do artigo 2.º, por forma a apresentar-se o Orçamento Geral, que é a soma dos dois orçamentos parciais, equilibrado, em estrita obediência aos preceitos constitucionais expressos nos artigos 63.º e 66.º
Outros, porém, pensam que não é no orçamento ordinário que o forte saldo positivo deve aparecer e que ele deverá formar-se, ao decurso do exercício, por sucessivas compressões das despesas ordinárias. Seja qual for, a ideia do Governo, sejam quais forem os méritos ou os defeitos de qualquer destes dois sistemas, o que sobretudo importa é o propósito de compressão imediata das despesas ordinárias, e de merece, nesta emergência nacional, a minha inteira aprovação. Queira Deus que a alta dos preços não venha prejudicar a sua aplicação!
Em equilíbrio com esta orientação nada aparece na proposta que nos leve a supor que o Governo contempla qualquer agravamento de impostos. Também este propósito merece aplauso, porque os tempos não estão para maiores sacrifícios tributários, dadas as dificuldades verificadas .em numerosos sectores da economia nacional, onde as alternativas de altas e quedas abruptas de preços provocaram nos últimos anos considerável destruição de capital, de que a crescente diferença entre a liquidação e a cobrança da contribuição industrial, que passou de 3,5 por cento em 1945 para 6,5 por cento em 1949, são clara indicação.
Sempre dentro da mesma orientação de nada fazer em matéria de impostos que agrave a situação dos contribuintes, o Governo diz-nos que procurará que a carga tributária seja proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional, e para o determinar com a maior equidade fará prosseguir os trabalhos do Instituto Nacional de Estatística, fixando-lhe, desde já, um prazo máximo para apresentar a primeira estimativa, tão urgente ela se torna para se poder ajuizar da capacidade tributária do País, principalmente a capacidade relativa, de ano para ano.
É, com efeito, o rendimento o que sobretudo importa conhecer, uma vez que as despesas públicas terão de ser custeadas pelo rendimento social, mais precisamente, por aquela parte que puder retirar-se do rendimento sem prejuízo da contínua elevação do nível de vida, que constitui uma constante política e uma aspiração social e económica de carácter universal, e da formação de novo capital em volume suficiente para assegurar o ritmo crescente do progresso nacional.
É de verificação muito mais precária e muito menos importante, para efeitos fiscais, a expressão monetária do capital nacional e do enriquecimento, que significa o crescimento anual do capital. Com efeito, os erros de avaliação do capital podem ser consideráveis, uma vez que no geral não temos, como no caso dos rendimentos, o conhecimento dos preços para podermos expressar com exactidão em moeda corrente o capital nacional. Essa dificuldade aumenta com a necessidade de repetir anualmente os inventários para que os números exprimam a realidade de cada ano, dada a constante mutação de valores.
Como, evidentemente, se não pensa, nem se pode utilmente pensar, em impostos sobre o capital ou sobre o enriquecimento, que é a formação de novo capital, pois de contrário se reduziriam as fontes do rendimento social e, portanto, a base do rendimento público, o interesse fiscal do seu conhecimento é muito menos urgente. Por isso se não fixa o prazo para a sua avaliação.
O facto é que os números estatísticos da produção que agora temos ao nosso dispor e que estão referidos no parecer da Câmara Corporativa não nos permitem chegar com confiança a qualquer conclusão de conjunto sobre o rendimento nacional, que continua a ser o enigma que tem impedido numerosos investigadores de avançarem nos seus trabalhos.
Se a estimativa do ilustre Deputado Araújo Correia se aproxima da verdade, os 20.000:000 de contos do rendimento nacional em 1949 teriam suportado uma despesa pública da ordem dos 6.000:000 de contos, quase a terça parte do rendimento do País. Esta relação não representa, porem, a totalidade do sacrifício feito pela Nação para manter o Estado e os municípios nas suas múltiplas actividades e ramificações. Se considerarmos também os gastos municipais, os dos organismos corporativos e de coordenação económica, os dos- organismos de previdência e dos fundos que vivem à margem do Orçamento Geral do Estado, a relação entre o rendimento nacional e a parte absorvida pelo conjunto das actividades públicas, incluindo os investimentos, sobe de 2 para 5. Teremos chegado tão longe? ... E ainda há tanto que fazer! Será esta a relação real? O aspecto que o problema reveste é tão grave, as suas implicações fie consequências tão vastas, que são poucos todos os esforços que se façam para conhecer com exactidão o rendimento nacional no mais curto prazo de tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tão considerável participação pública no dispêndio nacional poderia explicar, em parte, o elevado nível dos preços internos.
Os impostos, sejam eles classificados de directos ou indirectos, ou se integram nos custos de produção, e são, portanto, absorvidos pelos preços, ou, quando incidem directamente sobre os rendimentos dos capitais, são capitalizados por dedução nas cotações dos títulos ou nos preços de transmissão das propriedades, harmonizando estes e aquelas com o chamado mercado de capitais, por forma que o capital adquirido renda o juro ou d I vi-

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dendo corrente no mercado para o tipo de risco correspondente.
Assim, todos os impostos novos sobre os rendimentos dos capitais determinam uma redução do preço desses capitais de harmonia com o mercado e correspondem, portanto, a uma perda imediata de capital.
Mas, se a proposta nos não fala de agravamentos tributários, não é menos verdade que o novo Ministro conta já com algumas receitas novas. As alfândegas hão-de, por certo, render mais. Quero referir-me ao recente aumento da generalidade das taxas da pauta de importação por força do Decreto n.º 37:977.
A iminência dos compromissos tomados em Annecy não deu tempo para um longo e exaustivo estudo do problema. É, por isso, de aconselhar o reajustamento da nova pauta naquilo em que se verificar que contraria os interesses gerais, ainda que para tal haja de decorrer algum tempo no estudo aprofundado dos problemas económicos que ela suscitou, que são numerosos.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Portugal é dos países do Mundo de pautas aduaneiras mais baixas.
A defesa pautai média, antes da guerra de 1939, não excedia 10 por cento.
Em consequência da alta dos preços, ultimamente essa defesa, em alguns casos, não era superior a 0,5 por cento, noutros a 2,5 por cento, e, em geral, não excedia 3 par cento.
A questão deve, portanto, ser posta desta forma: como regra geral a pauta aduaneira em Portugal é muito baixa, o que não quer dizer que não haja casos especiais I em que V. Ex.ª tem inteira razão.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua interrupção. Com efeito, o Governo procurou corrigir algumas disparidades, mas essa correcção, a meu ver, não foi feita com base num inquérito económico previamente estudado. E deu isso em consequência as disparidades que referi, como sendo as de artigos que aumentaram sucessivamente e outros que, porventura, não foram sucessivamente aumentados.
Porém, não é do aumento da pauta propriamente que eu falo neste momento.

O Sr. Botelho Moniz: - Quer dizer que V. Ex.ª não protesta contra a generalidade, mas contra simples casos especiais.

O Orador: - V. Ex.ª talvez não tivesse compreendido a minha referência, que era às elaborações fiscais do rendimento, e não aos inconvenientes económicos da pauta. Só incidentalmente me referi a esse pormenor, apontando-o tal como entendo dever ser.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª referiu-se a essas disparidades nos aumentos da pauta e muito bem, porque as há em determinados artigos, e eu vou referir apenas dois, para não falar em mais: os contadores eléctricos e os transformadores, que são indispensáveis na electrificação do País. Pois os artigos da pauta dessas mercadorias foram aumentados enormemente, apesar de não corresponderem a um fabrico nacional.

O Orador: - Sr. Presidente: a pauta de importação deveria, no seu propósito económico, submeter-se a certas regras ou princípios gerais. São, em meu entender, cinco esses princípios:

Protecção à agricultura e às indústrias, com ampla base de consumo interno, que utilizem principalmente matérias-primas nacionais e empreguem em larga escala a nossa mão-de-obra; isenção de direitos ou direitos meramente estatísticos nas matérias-primas estrangeiras não concorrentes; direitos moderados sobre as matérias-primas concorrentes e sobre os produtos em meio fabrico, ou mesmo fabricados, que sejam, por sua vez, materiais primários de indústrias nacionais consideradas economicamente viáveis, por forma não se agravarem sensivelmente os custos da produção nacional, evitando-se assim que os nossos direitos de importação funcionem indirectamente como direitos protectores das indústrias concorrentes estrangeiras; direitos moderados nos produtos fabricados estrangeiros não concorrentes de uso generalizado entre nós ou destinados ao apetrechamento nacional; direitos tanto mais elevados quanto mais restrito for o mercado nacional e mais, se acentuar a natureza supérflua do artigo, sem contudo nos esquecermos de que somos, nós próprios, exportadores em larga escala de produtos considerados hoje como artigos de luxo ou de sobremesa.
Devemos também precaver-nos contra os perigos do fetiohismo industrialista, que pôs em movimento entre nós uma poderosa corrente emocional que nos pode arrastar para um mundo desconhecido, desfigurando a feição agro-mercantil da Nação, que é a sua natureza e está na base da sua economia.
Se tivermos em conta os altos níveis atingidos com a recente revisão pautai e) as limitações consentidas em Annecy, o problema resumir-se-á, agora, a um reajustamento para baixo daquelas taxas que forem julgadas económicamente inconvenientes e a que urge acudir, sob pena de desvios viciosos na nossa produção e de maior agravamento do custo de vida e até de muitos custos industriais.
Com aã novas receitas das alfândegas, com as verbas libertadas pela compressão das despesas ordinárias e com outros recursos de que a tesouraria há-de certamente poder dispor, parece estar assegurado o prosseguimento das obras públicas de maior interesse, que não podem ser interrompidas sem grave dano para o País e, na medida do possível, o início de novas obras na metrópole e no ultramar, sobretudo daquelas que mais directamente possam contribuir para o aumento do rendimento nacional. Não é demais acentuar que nenhum plano de desenvolvimento económico atingirá a plenitude dos seus objectivos se não considerar os territórios ultramarino como o principal factor na redistribuição dos excedentes populacionais e no investimento de capitais na produção de matérias-primas e de produtos de alimentação « o grande sorvedouro potencial dos bens de consumo.
Sr. Presidente: a simplificação do sistema de impostos e a sistematização dos textos constitui um dos pontoai cardiais da proposta. Esse anseio de simplificação insistentemente reclamado pelos contribuintes reintegra-se por fim na política financeira do Governo.
Não é indiferente para o contribuinte a clareza dos textos e a simplificação das suas obrigações fiscais. Estamos numa época em que o tempo não sobra a ninguém. As preocupações constantes não dão vagar aos que têm já excedida em obrigações a sua capacidade de trabalho para longas locubrações sobre as leis fiscais ou para andarem em romaria constante pelas secretarias de finanças.
O País espera que dá prometida simplificação resulte para o contribuinte, pelo menos, uma economia de tempo e de preocupações e para a consciência nacional a convicção de que aqueles que sustentam o Estado ganham em consideração o que dão em sacrifício.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A indisciplina financeira de numerosos fundos especiais e a autonomia das contas de muitos

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organismos, apesar tia magnitude dos réditos que arrecadam, levaram o Ministro a propor a sua subordinação às boas normas administrativas e financeiras, acudindo assim a um sector onde se fazia sentir a falta de uma forte acção disciplinar que o País e os bons princípios insistentemente reclamavam.
Quero ainda referir-me, por ser traço saliente da proposta, à concretização que faz dos princípios moralizadores da administração pública, no propósito de redução das despesas de carácter sumptuário, na limitação do número de missões oficiais fora do País, na utilização mais criteriosa dos automóveis do Estado, nos cuidados com o arrendamento dos prédios para instalação de serviços, no provimento de vacaturas.
Ainda que a inclusão de algumas destas disposições possa a alguns parecer descabida no texto de uma proposta de lei de autorização de receitas e despesas, não posso deixar de reconhecer que elas são como que a formulação de um princípio geral de moralização nos gastos e de moderação das atitudes dos que servem o Estudo e têm considerável significado prático e grande oportunidade política.
A proposta é um todo homogéneo, articulado em torno de um pensamento central, logicamente ordenado e exposto com diáfana clareza e objectividade, por forma a poder ser compreendido por todos. Merece a nossa aprovação.
Parece aplicar-se a esta proposta a sentença de 13 de Abril de 1929. Dela hão-de provir mais ordem e economia na Administração, mais justiça e clareza no imposto, menor número e maior facilidade no cumprimento de obrigações tributárias. O pensamento do Doutor Oliveira Salazar continua a ser a verdade.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: principio por saudar os nossos ilustres colegas há pouco chamados para o Governo.
Deram já nesta Assembleia brilhantes provas do que valem.
Tem, portanto, o País muito a esperar das suas qualidades de competência e inteligência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Veio para nossa apreciação a proposta da Lei de Moios para 1901, apresentada pelo Ministro das Finanças, Doutor Águedo de Oliveira.
Esta proposta traduz fielmente as directrizes que ele, um dos grandes valores desta Assembleia, sempre defendeu, como Deputado, ao discutir as anteriores propostas.
Felicito, admiro e aprecio muito a sua firmeza ao pôr nesta proposta o seu pensamento, sem preocupação de agradar, com a certeza mesmo de desagradar a muitos.
Sempre apreciei posições firmes quando ditadas pelo dever, como esta, num momento em que a grave crise internacional torna difícil a nossa vida interna.
Os termos da proposta mostram-nos a dificuldade do momento, mas ao mesmo tempo a sua leitura deu-me confiança e certeza de que, com austeridade, reduções e compressão nos gastos, havemos de chegar ao fim do próximo ano com obras feitas, as dificuldades vencidas, o orçamento equilibrado.
Pede a proposta rigorosa, economia na utilização dos gastos.
Penso que há mais tempo deveríamos ter trilhado esse caminho.
Devemos de boa vontade aceitar essa orientação.
Iremos possivelmente ter um afrouxamento na realização de obras novas? Certamente.
Mas seria possível continuar o ritmo trazido até hoje na realização de obras, onde já foram empregados cerca de 14 milhões de coutos?
Creio que não.
Sr. Presidente: muitas vezes, recordando o passado anterior a 1926, esse passado já muito distante, de triste memória, mas que a minha geração viveu e por isso pode melhor apreciar a obra feita, partindo do zero dessa data, a mim mesmo tenho feito várias perguntas.
Temos uma obra grandiosa - tão grande que ainda hoje me parece um sonho!
Não pode haver dúvidas, porque está à vista de todos.
Mas não será demais debitar toda essa obra a uma geração?
Não será demais que a geração do resgate suporte todo o peso desta transformação?
Não deveria antes esse peso ser escalonado por duas gerações?
Mas, olhando para a situação do País, a pesar do peso tributário já ser grande, visto que aos encargos para o Estado temos de acrescentar os exigidos pelos vários organismos, que somam verbas elevadíssimas, sinto, apesar de tudo isto, que o País ainda pode suportar esse peso.
E, sendo assim, tem a minha geração, tem a nossa geração a felicidade de ver, de sentir, de apreciar os benefícios desta grandiosa obra, desta salutar transformação, desta verdadeira revolução nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a proposta de lei é corajosa, mas também cautelosa:
Traça um programa de administração cuidadoso.
Controla mais de perto a vida de vários organismos autónomos.
Toma contacto com alguns que até agora quase lhe eram desconhecidos. Só é de lamentar que esse contacto não estivesse feito há mais tempo; certamente que se tinham evitado certas críticas de administração que muitas vezes cavaram o desânimo nos mais dedicados servidores.
Não se agravam os impostos.
Impõem-se aos vários serviços normas na elaboração tios orçamentos; exigem-se economias e uma maior fiscalização nos orçamentos e na sua execução; propõe-se acabar com alguns abusos que o País desde há muito sente e condena, abusos que chegam até a desconhecer a lei em vigor.
Na proposta, encontra-se, porém, uma medida que me chocou: o artigo 14.º restringe o provimento das vagas existentes no pessoal civil dos Ministérios.
Sentindo que é uma medida de emergência, reconheço que o nível de vida do funcionalismo público é já tão baixo que impedi-lo de ascender aos lugares quando a isso tem direito, com o consequente aumento nos seus magros vencimentos, cria um mal-estar que pode afectar o rendimento do trabalho pelo desânimo do funcionalismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estou certo de que o Sr. Ministro das Finanças abreviará os estudos necessários propostos no artigo 11.º, de forma a que o funcionalismo possa livrar-se brevemente de uma medida que considera injusta e atentatória dos seus direitos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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150 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61

O Orador: - Na proposta, é dada preferência, pelo sou artigo 16.º, à conclusão no mais curto prazo dos trabalhos iniciados e às obras que mais directamente possam contribuir para o aumento do rendimento nacional.
Nada li á mais certo.
No artigo 17.º faz-se referência aos auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida dos aglomerados rurais através das câmaras municipais, de organismos autónomos e do próprio orçamento do Estado, dando ordem de preferência segundo os trabalhos a executar.
Tem grande importância este artigo para a vida desses aglomerados, pois deve ajudar em certos meios a debelar as crises periódicas do trabalho, que durante o ano tanto se fazem sentir.
E já que numa das alíneas deste artigo se faz referência a estradas e caminhos de interesse local, faço um apelo ao Governo para que continue a rever a rede de estradas municipais, de forma que passem para a Janta Autónoma de Estradas todas as que o estudo permita.
Todos sabem que muitas estradas municipais foram feitas em ocasiões de crises de trabalho, principalmente no Sul do Pais, com verbas distribuídas para esse fim.
Todos sabem também que a maior parte das câmaras não tem verbas, nem material, nem pessoal habilitado para a conservação destas estradas.
Daí resulta que, uma vez feitas, passam anos sem conservação, perdendo-se todo o trabalho realizado.
Impõe-se a sua passagem para a posse dos serviços especializados.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Eu sei que já muitas estradas municipais passaram para esses serviços, mas conheço muitas ainda na posse de câmaras, ligando entre si povoações, e que se encontram quase impossibilitadas de trânsito.
Sr. Presidente: faz a proposta referência às economias e administração dos fundos dos vários organismos autónomos, podendo entender-se que isso vem, de certo modo, dificultar a vida de alguns que precisam de movimentar somas elevadas para o desempenho cabal das suas funções.
Entre muitos, vou citar alguns que mais de perto conheço.
Temos a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, prestigioso organismo corporativo, a quem a lavoura portuguesa tudo deve na parte dos cereais.
Para valer à lavoura tem todos os anos de abrir largos créditos na Caixa Geral de Depósitos e na banca particular, créditos a curto prazo, cujo reembolso é feito pela lavoura.
Para podermos avaliar esse movimento sabemos que este ano, desde Julho até 4 de Novembro passado, a Federação Nacional dos Produtores de Trigo despendeu 912:000 contos com a compra de trigo, milho, centeio o cevada.
O que seria da lavoura portuguesa se lhe faltasse, ou, mesmo, se lhe dificultassem, esta assistência no momento critico em que tem de realizar dinheiro para pagar as dívidas acumuladas de um ou mais anos?
Acresce a isto a necessidade que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo tem de alugar todos os anos maior ou menor número do celeiros para armazenar os cereais adquiridos à lavoura.
Temos a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, osso modelar organismo de coordenação económica em tão boa hora criado e que, movimentando elevadas somas, de milhares do contos, auxilia a lavoura, preparando-lhe a colocação dos seus produtos pecuários e evitando o aviltamento dos preços.
Aproveito esta oportunidade para pedir ao Sr. Ministro da Economia para continuar, como no passado ano, a facilitar a saída de alguns produtos que, devido à sua boa qualidade, a Junta Nacional dos Produtos Pecuários conseguiu colocar nos mercados externos, onde tiveram boa aceitação.
Temos a Junta Nacional do Vinho, outro organismo de coordenação económica a quem a viticultura portuguesa deve a boa qualidade e relativa facilidade de colocação interna e externa dos seus produtos.
Acho bem que sejam acompanhados, mas sem ser dificultado o seu funcionamento, sob pena de os vermos vegetar, com gravíssimas consequências para o sector da economia que comandam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: termino as minhas modestas considerações com aquela confiança no Govêrno que sempre tenho tido e com a certeza de que ele não pretende asfixiar a vida do País.
Quer, sim, que continue a progredir, e apenas pede, neste momento difícil, economias nos gastos, que terminem certos abusos, que haja rigoroso cumprimento das verbas do orçamento.
É uma proposta realista, corajosa, que aceito como uma necessidade de momento, e por isso, louvando o Governo, dou-lhe, na generalidade, o meu voto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, à hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Esteves Mendes Correia.
António de Matos Taquenho.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Luís Augusto das Neves.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.

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13 DE DEZEMBRO DE 1950 151

Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Manuel Cerqueira Gomes.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Manuel Domingues Basto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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