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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 63

ANO DE 1950 15 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 63 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
Elísio de Oliveira Alves Pimenta

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 52 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 62.
O St. Presidente mandou ler o acórdão da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha.
A Assembleia autorizou o Sr. Deputado Elísio Alves Pimenta a depor, como testemunha, no tribunal de Monção.
O Sr. Deputado Carlos Moreira falou sobre as comemorações do centenário de Guerra Junqueiro.
O Sr. Deputado Mendes Correia leu e mandou para a Mesa um requerimento.
Também o Sr. Deputado Sá Carneiro leu e mandou para a Mesa um requerimento.
O Sr. Deputado Mendes Correia referiu-se à concessão de uma verba para estagiários do Instituto de Línguas Africanas e Orientais.
O Sr. Deputado Carlos Borges falou sobre o Presidente Sidónio Pais.
O St. Deputado Duarte Silva ocupou-se da situação dos funcionários coloniais aposentados e da extinção da subvenção colonial.

Ordem do dia. - Continuou e encerrou-se, na generalidade, o debate sobre a Lei de Meios.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Daniel Barbosa, Antunes Guimarães e Alberto de Araújo.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior,
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.

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Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 62 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 62.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Santos da Cunha.
Este parecer vai ser publicado no Diário das Sessões de amanhã, e amanhã mesmo será submetida à apreciação da Assembleia a situação daquele Sr. Deputado, criada pelo facto de ter sido nomeado presidente do Conselho de Administração dos Porto do Douro e Leixões.
Vão ser lidos na Mesa o parecer da Comissão de Legislação e Redacção e a carta a que o mesmo se refere.

Foram lidos os referidos documentos. São os seguintes:

Parecer

Sr. Presidente da Assembleia Nacional . -Pela sua carta de 15 de Novembro último informa o Sr. Deputado Antão Santos da Cunha que, por portaria do Ministério das Comunicações de 28 de Junho de 1950, publicada no Diário do Govêrno, 2.ª série, de 30 do mesmo mês, foi nomeado presidente do Conselho de Administração dos Porto do Douro e Leixões, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37:190, de 24 de Novembro de 1948.
Informa ainda o mesmo Sr. Deputado que no dia 1 de Julho de 1950 tomou posse do lugar para que foi nomeado.
A Comissão de Legislação e Redacção, ouvida quanto aos efeitos daquela nomeação sobre a subsistência do mandato de Deputado, emite o seguinte parecer:
O artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição Política estabelece o princípio geral de que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar do Govêrno emprego retribuído ou comissão subsidiada. A êsse princípio geral estabelece o § 1.º do mesmo artigo certas excepções, que, como tais, são de interpretação restrita.
Ora o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37:190, de 24 de Novembro de 1948, determina que os membros dos Conselhos de Administração da Administração-Geral do Porto de Lisboa e da Administração dos Portos do Douro e Leixões são de livre escolha do Ministro das Comunicações e exercerão as suas funções em regime de comissão de serviço pelo período de três anos, a qual se considerará sucessivamente renovada, sem dependência de qualquer formalidade.
O Sr. Deputado Santos da Cunha, tendo sido nomeado nos termos do artigo 1.º do referido decreto e tendo tomado posse do lugar, está pois abrangido pelo disposto no artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição, visto não se verificar nenhuma das excepções consignadas no § 1.º do mesmo artigo.
Nestas circunstâncias, a Comissão de Legislação e Redacção emite o parecer de que o Sr. Deputado Antão Santos da Cunha perdeu o mandato.
Nota-se que, como consta do Diário das Sessões de 3 de Dezembro de 1947, esta Comissão já emitiu parecer no mesmo sentido quando foi nomeado, precisamente para o mesmo cargo, o Sr. Deputado Alexandre Alberto de Sousa Pinto e nota-se igualmente que, em sessão de 11 de Dezembro de 1947, a Assembleia Nacional votou a perda do mandato do mesmo Sr. Deputado.

Lisboa e Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 13 de Dezembro de 1950.
Mário de Figueiredo
Luís Maria Lopes da Fonseca
Joaquim Dinis da Fonseca
João Luís Augusto das Neves
José Gualberto de Sá Carneiro
Manuel Franca Vigon
João Mendes da Costa Amaral
Manuel Lopes de Almeida
António Abrantes Tavares.

Carta a que se refere o parecer:

«Porto, 15 de Novembro de 1950. - Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Lisboa. - Excelência. - Para os devidos efeitos, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que, por portaria do Ministério das Comunica-

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ções de 28 de Junho de 1950, publicada no Diário do Governo n.º 150, 2.ª série, de 30 do mesmo mês e ano, fui nomeado, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37:190, de 24 de Novembro de 1948, presidente do Conselho de Administração dos Portos do Douro e Leixões, lugar de que tomei posse no dia 1 de Julho de 1950.
Como este facto, segundo me parece, implica a perda do meu mandato de Deputado, muito agradeço que V. Ex.ª se digne considerá-lo em seu superior critério e submetê-lo à elevada e esclarecida apreciação da Assembleia.
Enquanto o problema não tiver definitiva resolução, permitir-me-ei, com a devida vénia de V. Ex.ª, não comparecer às sessões.
Aproveito esta oportunidade para, e enquanto me não é possível fazê-lo pessoalmente, apresentar a V. Ex.ª os mais vivos agradecimentos por todas as imerecidas atenções que V. Ex.ª me dispensou o renovar a V. Ex.ª a expressão muito sincera do meu alto apreço e muita consideração.
Digne-se V. Ex.ª aceitar os meus melhores e mais respeitosos cumprimentos.

Antão Santos da Cunha, Deputado pelo círculo de Braga».

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa dois ofícios do juiz de direito da comarca de Monção pedindo autorização para que o Sr. Deputado Elísio Pimenta possa prestar depoimento naquele tribunal nos dias 13 e 21 do corrente.
A audiência marcada para o dia 13 foi adiada para 19.
Vou submeter à decisão da Assembleia o pedido de autorização para o Sr. Deputado Elísio Pimenta prestar o depoimento solicitado nos dias 19 e 21 do corrente.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta não vê qualquer inconveniente para a sua acção parlamentar em que a Assembleia o autorize a prestar esse depoimento.

Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Carlos Moreira.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: não vou proferir uma conferência literária, nem entrar nos domínios de uma apreciação crítica à volta de um assunto ou de um vulto da literatura.
Nem o momento nem a função da Assembleia em que nos encontramos o justificam. Vou tão-sòmente afirmar uma posição que pretendo definir como professor e Deputado. Posição pessoal, evidentemente, mas que coincide, tenho a certeza, com a de muitos espíritos, cultos e menos cultos, da terra portuguesa.
Tenho, Sr. Presidente, o culto pela tradição e pelos que, através das gerações, têm nobilitado e nobilitam o nome português. A inteligência e o trabalho ao serviço da grei, em exemplar esforço de hoje e de ontem, como o heroísmo e a fé, merecem o louvor das gerações e as memórias que se lhes levantam. Admiro a contrição e o arrependimento que rasgam auroras de luz, como abomino a mudança de ideias ou de posição, por conveniências mais ou menos calculadas. Emprego sempre a minha vontade (se me não engano comigo mesmo) no sentido de ser tolerante, compreensivo e justo. Mas, ao mesmo tempo, nunca me arreceio do dizer o que penso, agrade ou desagrade. Cumpro um mandato imperativo da minha consciência.
Vem isto a propósito das comemorações há pouco iniciadas, e que estão decorrendo, do nascimento do poeta Guerra Junqueiro. Do poeta, digo eu propositadamente, porque só nesse aspecto compreendo a ideia de tais comemorações.
Acrescentarei: do poeta, na forma e brilho dos seus versos. Já não digo, seguindo a corrente fácil dos louvadores académicos e não académicos, já não digo, repito, da essência moral da obra, do seu aspecto educativo e da sua projecção política e social.
Custa ser discordante no coro dos ditirambos laudatórios que surgem, mesmo onde menos se podia esperar. Mas o caso é público: vestiram a Junqueiro a toga imaculada de amigo e guia da juventude; com a alta responsabilidade do seu cargo no mais elevado organismo de projecção nas Letras e nas Ciências, o escritor e académico Júlio Dantas, elemento responsável da Alta Cultura Portuguesa, dadas as marcantes intervenções que em tal campo lhe têm sido confiadas, apresentou uma antologia de Junqueiro para a juventude, que depositou oficialmente nas mãos do Sr. Ministro da Educação Nacional, acompanhando o acto com as seguintes palavras:

Quem é hoje recebido no Palácio da Educação Nacional com provas de tão particular deferência não somos na verdade nós; é o próprio Junqueiro. Não aquele Junqueiro rebelde que encarnou o espírito negativista, as cóleras proféticas, o génio saturniano da poesia universal do século XIX, mas o poeta amorável que exaltou a família, que enalteceu as virtudes do lar, que cantou as crianças, que cultivou a literatura infantil e cujo doce panteísmo cristão, tocado de claridade e de imortalidade, é uma escada refulgente erguida para Deus.

Há portanto dois Junqueiros? Não. Há apenas duas facetas da sua obra, aliás com o mesmo fundo informativo.
Não me foi dado ainda conhecer essa obra do escolha e compilação! Uma coisa, porém, é certa, aliás vincada já nas palavras de agradecimento proferidas pelo Sr. Ministro: a dificuldade de seleccionar a obra de Junqueiro.
É natural que o seleccionador tenha joeirado cuidadosamente as composições, mas receio que, mesmo assim, o crivo tenha sido largo e haja passado algum joio para o campo de sementeira da juventude ou então que a antologia represente tudo menos a obra de Junqueiro, pela insuficiência e parcelamento das suas composições.
E, depois, quem nos diz que os jovens se limitarão a conhecer somente os pedaços de antologia que lhes ministram? E o resto da obra? Quem lha oculta ou lha destrói?
E toda a literatura crítica que se produziu em torno da obra junqueiriana?
Rasgavam-se as páginas de Sena Freitas, esse gigante camiliano da polémica, de Leonardo Coimbra, de António Sérgio, de Fidelino de Figueiredo, do padre Moreira das Neves e tantas outras?
Que se havia de ensinar à juventude para explicar a amputação da obra?
Do muito que se tem dito e escrito quase parece pretenderem envolver o poeta no rude e pobre burel de S. Francisco de Assis. Quiseram assim trazer perante os nossos olhos um Junqueiro compassivo e sereno, exortador de virtudes patrióticas, pregando, a resignação, a paz e a pobreza, aquela Irmã Pobreza do excelso Poverello!
Mas quem conhece esse Junqueiro? Antes violento, sarcástico, ia mesmo a dizer satânico, demolidor das aras de Deus e das grandes forças construtivas e mantenedoras da Nação, Junqueiro foi totalmente diferente daquele que agora querem apresentar-nos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Eu bem sei que Junqueiro foi - como diz um crítico da sua obra - «o poeta da multidão e da praça pública, sempre atento ao rugido ou aos uivos da cidade revoltada, e não se enclausurou, como outros poetas, na sua torre de marfim».
Isto significa que a obra de Guerra Junqueiro foi uma expressão da época. Já Camilo, no seu vernáculo e inconfundível estilo, afirmara que «a poesia, essência fétida ou aromática da literatura, é a expressão de uma época».
Mas, se tal circunstância pode interessar as razões da obra e absolver em parte o autor, ela não invalidou as consequências ou os maus resultados da mesma obra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Querem falar-nos do Junqueiro dos últimos meses ou anos da sua vida? Mas esse não interessa senão na medida em que renegou muitos excessos e injustiças dos seus versos. A contrição e o arrependimento são actos morais que aproveitam para o futuro, mas não destroem os males produzidos. Esses, tal qual acontece com o incêndio que tudo destruiu, não podem anular-se senão na misericórdia de Deus e no perdão da posteridade. Mas os malefícios, esses lá ficaram e produziram seus frutos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O escritor, cultor apaixonado da Língua e da educação, elevado a professor universitário em homenagem a uma vida e a um labor postos ao serviço da língua e literatura pátrias, Dr. Agostinho de Campos escreveu, com a sua responsabilidade de crítico e de autoridade reconhecida, em Julho de 1923, as seguintes palavras:

Não há, em língua portuguesa ou noutra qualquer, sátiras contra o catolicismo de virulência comparável às da Velhice do Padre Eterno; e a Pátria é libelo tão feroz contra a dinastia de Bragança e contra o seu último representante, D. Carlos I, que não será exagero chamar-lhe um breviário de regicídio.

Mais que breviário, acrescentarei, pois chega a ser incitamento. Que outra interpretação podem ter estas palavras:
Papagaio real, diz-me quem passa?
É alguém, é alguém que foi à caça.

(Do Caçador Simão.)

Colérico, rebelde, anárquico em nome de um falso cristianismo panteísta, simulando doçura através de gangrenas, é incitador à revolução social da desordem. É o que dizem, na sua aliciante revolta, tantos versos como estes:

Faminto, nu, sem mãe, sem leito,
Roubei um pão.
Quem vai além de farda e de grã-cruz ao peito?
Um ladrão.

E ainda estes:

Que prostituta está cantando àquela esquina?
A Lei.

Por isso, como acrescenta Agostinho de Campos, «graves são perante a História as responsabilidades políticas e sociais de Guerra Junqueiro ou dos seus versos vingativos e demolidores».
Sr. Presidente: é ministrando pábulo de vingança e de demolição que se quer educar a juventude portuguesa?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É chamando a Cristo, na Morte de D. João, «Um Deus cadáver, um cadáver frio»?
É negando que o mesmo Cristo seja o amparo supremo dos desgraçados, como ele faz nos seguintes versos:

Como há-de ele amparar os desgraçados
Se tem os braços lívidos, pregados
Nos braços de uma cruz!?

Mas basta de citações. Eu bem sei, repito, que os últimos tempos da vida do poeta foram de contrição e arrependimento. Não se ignora que ele repudiou A Velhice do Padre Eterno, chamando-lhe um livro de mocidade. Também é conhecido que entregou a Luís de Magalhães um exemplar da Pátria com várias supressões, fazendo desaparecer os passos mais injustos para a dinastia de Bragança e para o desventurado e grande rei D. Carlos I.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Alegramo-nos com a justiça das suas últimas palavras e decisões e com o reconhecimento dos seus erros e injustiças. Mas porque as reconheceu, denunciou e repudiou não significa que a obra tenha ficado isenta e, sobretudo, que se justifique a elaboração de uma antologia para uso da juventude.
Antologias morais e patrióticas?
Façam-nas com Fernão Lopes e Garcia de Resende, Sá de Miranda e João de Barros, Gil Vicente e Camões; com Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Melo, Frei Luís de Sousa e os padres António Vieira e Manuel Bernardes; com Frei Heitor Pinto e Frei Tomé de Jesus; com Garrett e Herculano, João de Lemos e João de Deus; com António Sardinha e Afonso Lopes Vieira e tantos outros, louvado Deus, tantos outros!
Sr. Presidente: anda desviada, consciente ou inconscientemente, em vários sectores e detida por muitos que dizem servi-la a revolução do Exército feita em 1926 por alto imperativo nacional.
Julgo ter suficiente autoridade para o afirmar quem viveu no inconformismo e na luta a sua mocidade nesses conturbados tempos, que têm seu ádito no duplo regicídio, a que um grande orador sagrado dos princípios deste século tanto a preceito chamou também regnicídio.
Morte de reis foi, na verdade, e morte do reino de oito séculos de operosa e gloriosa história. Deve assistir suficiente autoridade a quem viveu e sentiu a vigília e a alvorada da libertação e lhe prestou o seu concurso dedicado e desinteressado.
Festejem, embora, o nascimento do poeta, exaltem méritos ou virtudes, admirem-lhe a cadência dos versos, louvem-lhe as intenções, se bem lhas descobrem e conhecem, deixem-se encantar com a melodia do seu estro - mas não façam dele mestre ou guia da juventude.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Essa precisa de exemplos mais altos e de doutrina mais sã.
Quer e precisa de Cristo no seu lugar verdadeiro de Deus e os que servem a grei na altura a que os elevou um magnífico ideal patriótico.
Precisa de viver no amor de Deus e da família, da Pátria e da tradição, e não no ódio ou na revolta. Não pode aprender a ser injusta, mas a ter fé na justiça do Deus e na melhoria do homem. Em suma: precisa de formar-se cada vez mais cristã e cada vez mais portuguesa!

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O padre Sena Freitas, há já bem mais de meio século, escreveu a respeito de Junqueiro:

Mas estas reflexões, únicas profundas de todo o meu escrito, resvalarão muito provavelmente sobre a sua alma, sem nela deixarem um sulco de luz.

Há pouco tempo, outro sacerdote de Cristo, o padre Moreira das Neves, escreveu:

A luz de Cristo vem ainda de mais longe, porque vem de além de todos os hiperespaços. Mas um instante lhe é suficiente para vencer a distância infinita que vai da Terra ao Céu, da eterna crepitação do coração de Deus aos sobressaltos pávidos e gementes do coração do homem. Nos últimos dias da vida Junqueiro amava a penumbra. Talvez porque já amasse, como devia amar, a luz de Cristo.

Sr. Presidente: à distância de mais de meio século vê-se que o «sulco de luz» de que falava Sena Freitas se abriu na alma de Junqueiro. Exultemos pela vitória do espírito que a Graça de Deus, por certo, tocou. O homem volveu os olhos à luz da Fé e a centelha do seu génio queimou-lhe os últimos momentos da vida em bela contrição de magnânimo espírito.
O destino desse homem, não o da «vida trasitória e imperfeita», mas o homem eterno, pertence aos insondáveis desígnios de Deus.
Porém, quanto à sua obra, não já na arte da sua métrica nem no ritmo ou melodia dos seus versos (que esses são aspectos de arte), mas nas ideias que a informaram e nos juízos produzidos, ideias e juízos de projecção moral, política e social, quanto a essa está já lançado o implacável juízo da História.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Mendes Correia.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: dada a importância que para o aumento do rendimento nacional possui o conhecimento científico do território metropolitano, como base para o aproveitamento devido dos recursos naturais e até para a defesa destes contra todos os factores de degradação e destruição, e sendo certo que a última edição da carta geológica do País data de 1899, e que, por outro lado, há urgência na elaboração da Carta dos solos, sobre a qual está pendente da discussão e aprovação desta Assembleia, há tempos, uma proposta de lei, já com o parecer da Câmara Corporativa:
Requeiro, por desejar ocupar-me oportunamente do assunto, que pelo Ministério da Economia me sejam fornecidos os seguintes elementos:

1.º Nota sumária sobro o estado de adiantamento dos trabalhos para uma nova edição revista da Carta geológica a 1/500:000 e para as folhas a 1/50:000, com indicação das verbas despendidas nos últimos cinco anos especialmente com tal tarefa e do pessoal a ela adstrito, com pormenorização das suas categorias e vencimentos;
2.º Nota sumária do estado de adiantamento dos trabalhos para elaboração da Carta dos solos da metrópole, com indicação de verbas despendidas nessa tarefa e do pessoal a ela adstrito, mencionando-se as especializações científicas dos investigadores e os respectivos vencimentos;
3.º Nota das verbas globais despendidas nos últimos cinco anos com trabalhos de prospecção mineira pelos serviços oficiais respectivos, com indicação do pessoal científico e técnico actualmente ocupado nessa tarefa, pormenorizando-se as respectivas especializações, categorias e vencimentos;
4.º Nota dos estrangeiros que permanente ou transitoriamente têm colaborado, durante o mesmo período, nos trabalhos mencionados nas alíneas anteriores e ainda das informações que seja possível obter, através da fiscalização do Estado, sobre colaboradores estrangeiros, suas especializações e remunerações, e trabalhos por eles realizados na tarefa de prospecção petrolífera no Portugal metropolitano, indicando-se, se for possível, a parcela do concurso por eles solicitado de serviços oficiais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: em sessão de 2 de Março do corrente ano pedi que, pelo Ministério das Finanças, me fossem dados certos esclarecimentos sobre avaliações de prédios urbanos feitas de harmonia com a Lei n.º 2:030.
Só parcialmente recebi satisfação.
E porque desejo fazer com perfeito conhecimento dos factos um aviso prévio sobre a forma como tais avaliações vêm decorrendo, requeiro que, pelo dito Ministério, me sejam fornecidos com urgência os elementos referentes àquele requerimento na parte em que faltam e que me sejam indicados os resultados das primeiras avaliações a que se procedeu em todo o ano de 1950, com referência às rendas pedidas pelos senhorios, às oferecidas pelos arrendatários e às fixadas pela comissão, bem como, igualmente até ao fim do corrente ano, quantos recursos foram interpostos, quantos os resolvidos e como o foram.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para exprimir o meu júbilo e o meu reconhecimento, como estudioso e como português, para com o ilustre Ministro das Colónias, por ter sido incluída nos orçamentos coloniais a verba legal necessária para os vencimentos e bolsas de estudo de três estagiários do Instituto de Línguas Africanas e Orientais, criado em 1946 junto da Escola Superior Colonial.
Devo também salientar com aplauso que, graças ao Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, foi já possível no ano corrente uma missão de estudo do professor de Quimbundo do mesmo Instituto na área linguistica respectiva do território de Angola.
Estes factos não contrariam a política tradicional portuguesa de difusão, ao máximo, da língua pátria pelo Mundo, antes concordam com a orientação missionária de bem conhecer as línguas indígenas para uma eficiente acção espiritual e civilizadora junto das populações, e, ao mesmo tempo, servem o objectivo científico de investigação linguística que todos os países civilizados adoptam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os diferentes países que possuem territórios em África seguem ali
políticas linguísticas diversas. É bem conhecida, por exemplo, a posição da Inglaterra na matéria e é bem conhecida a tentativa frustrada da Bélgica, que pensou em criar no Congo Belga uma língua franca, que seria extensiva a todo o território, utilizando para isso uma das línguas indígenas ali mais falada.

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Portugal não tem que modificar a sua acção tradicional na matéria. Ao mesmo tempo que se esforça por difundir a língua metropolitana, não esquece o interesse, quer moral, quer material, que existe no conhecimento e no estudo das línguas indígenas.
Desejo ainda dirigir daqui um apelo ao Sr. Ministro das Colónias para que o mais rapidamente possível seja solucionada a questão do provimento da cadeira de Língua e Cultura Árabes no mesmo Instituto.
Apoiados.
Nós, portugueses, mercê da nossa história e da nossa geografia, temos uma tradição magnífica de estudos arabísticos. É natural por vários motivos. De facto, possuímos nos territórios portugueses de além-mar massas consideráveis de população muçulmana e temos dentro do nosso próprio território metropolitano monumentos e tradições várias do domínio árabe. Estou evocando essa bela cidade de Silves, em que os antigos príncipes árabes declaravam guerra uns aos outros em verso e onde existia a bela «varanda dos rouxinóis».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho bem vivas as minhas impressões de uma curta estada, há dias, no Egipto, que não é hoje um país adormecido, como muitos erradamente supõem, não é somente o berço de uma grandiosa civilização milenária. É uma pátria viva e desperta, um pais que vibra e se agita, talvez ainda suspenso sobre alguns caminhos do porvir. E há a considerar o facto de que, o Egipto se encontra num ponto nodal entre a Ásia, a África e a Europa. A sua posição material e moral não interessa apenas o mundo árabe ou o mundo islâmico, mas o mundo inteiro, especialmente o Ocidente.
Visitei ali instituições culturais das mais interessantes e progressivas e estive em grato contacto com elementos preponderantes da cultura e da política. Visitei, especialmente, o Instituto Fuad I do Deserto, que se dedicará a estudos científicos e técnicos sobre a desertificação e seu combate e o qual será inaugurado dentro de poucos dias, suponho, felizmente, com a assistência de um delegado oficial português.
É evidente o labor fecundo e elevado que está em marcha naquele país.
Presenciei directamente os bons efeitos da acção desenvolvida pelo pais vizinho, pela Espanha, no intuito de estreitar o mais intensamente possível os laços culturais e de afecto com o Egipto.
No ponto de vista da defesa da cultura e da língua portuguesa, quero também salientar a importância do recente Colóquio Luso-Brasileiro em Washington, e da mesma maneira os efeitos salutares, vibrantes e entusiásticos da presença da Missão Cultural Portuguesa junto dos excelentes núcleos de emigrantes lusitanos na América do Norte.
Termino, Sr. Presidente, renovando as minhas expressões de agradecimento ao Sr. Ministro das Colónias, e, ao mesmo tempo, fazendo um apelo a S. Ex.ª e a todas as entidades governativas de quem os assuntos expostos dependem, para que rapidamente se intensifiquem os esforços no sentido que defini.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Borges, para se ocupar do aniversário, que passa hoje, da morte do Presidente Sidónio Pais.
Convido S. Ex.ª a subir à tribuna.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : é muito grande a figura que tenho de evocar e são muito escassos os recursos que me empresta a minha formação intelectual para levantar mais uma vez a minha voz perante a Assembleia Nacional e o País.
Em 14 de Dezembro de 1918 caiu, tombou no seu posto de chefe, uma das mais nobres, das mais altas figuras de português e de político.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O homem que, com um punhado do rapazes sem ambições pessoais, sem a ânsia do Poder e sem desejo de conquistar qualquer vantagem para si, logrou dominar a demagogia que avassalava o País e conseguiu incutir nos corações um pouco de esperança - que já parecia perdida e apagada para sempre - em todos quantos viveram essas horas de desordem, de confusão, de prepotência e de feroz demagogia, que nos arrastaram a todas as misérias, a todas as vergonhas e a todas as transigências, não pode, não deve ser esquecido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sidónio Pais surgiu no meio dessa desordem e dessa miséria como uma figura impecável, de uma elevação, de um aprumo, de uma dignidade e de um patriotismo que não há palavras para bem os traduzir.
Era o homem que todos ambicionávamos, era o chefe que conseguiu dominar e conquistar o País, e principalmente os humildes, os fracos, os deserdados, os desprotegidos, impondo-se mesmo aos seus adversários, pela valentia, pela coragem moral e pelo desassombro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E foi assim que ele morreu; por não ter medo, por não querer defender-se dos inimigos que o espreitavam e que armaram um braço para o abater na estação do Rossio.
Creio que, neste país, ainda não foi prestada a devida homenagem a esta grande figura da história contemporânea.
Creio que está em aberto a dívida e espero que esta situação, que tantas reparações tem feito, que tantas injustiças tem corrigido, também saberá pagar condignamente a dívida contraída para com a memória inolvidável de Sidónio Pais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não posso esquecer que Sidónio Pais nos últimos momentos, quando se lhe apagava para sempre a luz da vida, murmurou ainda estas palavras: «Rapazes: salvai a Pátria!».
Foi, pois, a salvação da Pátria o seu último pensamento, o seu último anseio, a sua última recomendação aos amigos que o choravam e que devotadamente o acompanharam sempre.
Perdeu-se durante algum tempo, no tumultuar das paixões, a recomendação suprema de Sidónio Pais. Mas no 28 de Maio o Exército tomou-a para si e fê-la triunfar.
É para a salvação da Pátria que tudo se tem feito na reconstituição financeira, económica, moral e política do País.
Ao recordar a grande figura de Sidónio Pais mais uma vez me curvo perante a sua memória, com a imensa gratidão que todos os portugueses sinceramente lhe devem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: por mais de uma vez expus nesta Assembleia os inconvenientes de ordem política que derivavam da existência de leis estabelecendo discriminações raciais entre os funcionários do ultramar e pedi com insistência a supressão da chamada «subvenção colonial», que não tinha a justificá-la uma tradição na nossa legislação ultramarina.
Pois bem; verifico, com prazer, que não foi em vão o meu apelo: o artigo 78.º do Decreto n.º 38:084, de 7 do corrente, publicado no último número do Diário do Governo que nos foi distribuído, acaba com essa subvenção em Cabo Verde, Guiné e S. Tomé, onde ainda existia, determinando que a respectiva importância seja incorporada no subsídio eventual e paga a todos os funcionários, qualquer que seja a sua naturalidade.
Desejo, Sr. Presidente, felicitar o Sr. Ministro das Colónias pela sua nobre coragem de romper com um preconceito que teimosamente procurava resistir às justas críticas que lhe eram feitas, dando assim um grande passo para cimentar mais fortemente a condição primordial da nossa existência - a unidade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aceite, pois, S. Ex.ª as homenagens sinceras não só dos portugueses do ultramar, para os quais o assunto, de insignificante interesse material, tinha sobretudo grande importância moral, mas de toda a Nação agradecida.
Aproveito a circunstância de estar no uso da palavra para abordar de novo um assunto de que já me ocupei nesta Assembleia e que requer pronta e justa solução.
Refiro-me, Sr. Presidente, às pensões de aposentação dos funcionários do ultramar.
No Diploma Legislativo Colonial n.º 38, de 5 de Setembro de 1924, que remodelou o sistema de remuneração do funcionalismo ultramarino, estabelecia-se que, quer os vencimentos dos funcionários em activo serviço, quer as pensões dos aposentados, constariam de uma parte fixa, que uma lei posterior determinou, e de uma parte variável, que era função do custo da vida. E, enquanto se não determinava qual tinha sido o agravamento do custo da vida em relação ao ano de 1920, estabelecia que a parte variável se obtinha multiplicando pelo factor 10 a referida parte fixa.
Esse factor foi posteriormente alterado para 12 e mais tarde, em Dezembro de 1944, para 14, quer para os funcionários do activo, quer para os aposentados, compreendendo-se bem que assim fosse, pois o agravamento dos preços é igual para todos.
Todavia, o Decreto n.º 36:020, de 7 de Dezembro de 1946, elevou para 17 o factor a aplicar aos funcionários em activo serviço, mantendo, inexplicavelmente, para os aposentados o factor 14.
E esta, Sr. Presidente, é ainda a situação, apesar do agravamento progressivo do custo da vida.
Tive anteontem o prazer de aplaudir o ilustre Deputado Dr. Sousa Pinto nas considerações justas e oportunas que fez a propósito dos funcionários do ultramar em gozo de licença graciosa.
A condição dos aposentados é, porém, muito mais aflitiva, como se vê do que acabei de expor.
Uns e outros, porém, necessitam de ser atendidos, como, de resto, todos os funcionários públicos, segundo se depreende do que acerca do assunto tem sido dito por quase todos os Deputados que têm falado sobre a Lei de Meios.
Quanto aos funcionários coloniais, porém, a lei em vigor já estabelece que os seus ordenados ou pensões variem com o custo da vida.
O que se pretende, pois, ó o cumprimento da lei.
No seu memorável discurso de há dias afirmou S. Ex.ª o Presidente do Conselho que a moeda de há quinze anos a esta parte tinha perdido cerca de metade do seu valor.
Assim, o factor 12, que então vigorava para o cálculo dos vencimentos e das pensões dos funcionários ultramarinos, deveria hoje ser elevado para 24.
É certo que, em atenção a isso, foi estabelecido o suplemento de vencimentos. Mas, se considerarmos que, para os aposentados, esse suplemento é de 50 por cento apenas, concluiremos que esses funcionários recebem ainda muito menos do que aquilo a que por lei tem direito.
Espero, pois, que S. Ex.ª o Ministro das Colónias, que no exercício das elevadas funções que tem desempenhado sempre revelou um elevado espírito de justiça, não deixará de atender ao que acabo de expor.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Vai passar-se

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1951.
Tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Barbosa.

O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: não tinha tenções de intervir este ano na discussão da proposta da chamada Lei de Meios que o Governo, por intermédio do Sr. Ministro das Finanças, uma vez mais apresentou à Assembleia Nacional no cumprimento estrito dum preceito que a nossa Constituição lhe impõe.
De resto, já tivera ocasião de marcar claramente aqui, no ano que passou, o meu modo de ver quanto às directrizes que me parecem mais próprias para uma política financeira conducente aos mais altos interesses nacionais; iria portanto agora, e quando muito, repetir-me, sem qualquer vantagem para ninguém.
O facto até de ter havido uma mudança funda no elenco ministerial justificava plenamente que se ficasse aguardando, numa expectativa confiante, o resultado de novas orientações que, porventura, surgissem; era lógico dar tempo ao tempo para se poder avaliar, com segurança e com critério, da forma como se ia trabalhar: em particular, as finanças estão em novas mãos e o Ministério da Presidência pode garantir, decerto, a coordenação mais necessária e mais atenta desse importante sector com o da economia.
Por outro lado, a análise minuciosa, a traduzir-se em crítica demonstrada, da fornia como se têm seriado as nossas despesas públicas, com vista à reconstituição económica nacional, não precisaria de buscar pretexto para se levar a cabo, quer na discussão da Lei de Meios, quer naquela que virá a relacionar-se com as Contas Gerais do Estado; eu julgo, Sr. Presidente, que no nosso actual programa de trabalhos há-de caber, finalmente, a realização do palpitante aviso prévio que, a tal respeito, o nosso ilustre colega tenente-coronel Mendes do Amaral anunciou logo nos princípios deste ano.
Salvo melhor opinião, essa será a altura própria para, sem afogadilhos nem precipitações, se discutir e criticar assunto de tanta monta.
Entraram já nesta Câmara, há pouco mais de quinze dias, os relatórios daqueles Ministérios que têm relação com a economia do País no tocante à execução dessa lei; são vastos de assuntos e minúcias e hão-de neces-

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sitar, portanto, de alguns dias de trabalho para bem se poderem apreender.
Acompanha-os um relatório-síntese do Chefe do Governo, a constituir uma peça de alto relevo e interesse, como são todas aquelas que saem de suas mãos; cabe-nos tirar dele toda a ilação e proveito, como dado fundamental de análise, visto provir do próprio Presidente do Conselho.
Mas o valor da síntese que traduz, o interesse político a que se liga no seu ajustamento de ideias, no estabelecimento de princípios, no definir de posições, a valia que representa para um estudo crítico a coordenação de todos esses dados, provenientes de campos tão diversos, na sua modelação dentro duma política geral que se integra e se define na acção orientativa do Chefe do Governo, só podem ser devidamente apreciados e medidos, em todo o seu alcance, depois de se conhecerem os relatórios um por um.
Apoiados.
Estes serão os pontos de partida para uma conclusão que há que tirar; e, por mim, reputei sempre perigoso para a objectividade do estudo partir da conclusão para a análise dos dados, ou ficar-se dentro dela sem os profundar como se impõe.
De facto, o que interessa é comparar conclusões, que se alicerçam nas mesmas hipóteses de partida, e discutir, depois, até que ponto elas poderão ser concordantes ou não; e até que ponto, também, uma conclusão apresentada se pode oferecer como intangível à crítica que a procura. Para chegar a dados quantitativos, ou, melhor, para se explicar sob uma certa «quantidade» aquilo a que se chegou, temos, quantas vezes, de partir de dados e razões qualitativas, incapazes assim de se ligarem àquelas através de uma função que não permita a menor dúvida quanto ao resultado da análise.
E é na ponderação destes dados e razões e na sua ligação com os resultados que podemos francamente divergir.
De resto, a Lei de Reconstituirão Económica, fixando aos trabalhos da Administração Pública as grandes linhas de orientação, vive do orçamento do Estado, como uma parcela importante dos seus objectivos e encargos; mas não é, em si, o orçamento peça mestra da acção financeira do Estado, no seu aspecto motor da vida nacional.
No seu todo, cada parcela tem o seu interesse, e torna-se evidente que quanto mais perfeito for o ajustamento de cada uma delas àquilo que mais convenha ao bem-estar, defesa e progresso da colectividade em que vivemos tanto mais o orçamento, que as alimenta e reúne, servirá os superiores interesses da Nação.
A parcela que se representa pelo cumprimento daquilo que se procura atingir - ou se procurava atingir - com a Lei n.º 1:914 justifica plenamente, tão momentosa e importante é, uma discussão à parte; e então caberá perguntar unicamente: poderemos discutir a Lei de Meios sem considerar tal assunto nos seus aspectos diversos e nas minúcias que o compõem?
A proposta de lei que estamos discutindo não envolve senão a apresentação de directrizes e princípios dentro dos quais, ou nos quais, se há-de vir a estabelecer o orçamento, destacando-se até os princípios informadores de encargos novos e as normas ou preceitos através dos quais se mantêm ou se alteram orientações para a distribuição de despesas e obtenção de receitas.
E, muito embora o orçamento não tenha - poderá dizer-se - um significado político quando o encaramos sob a forma como, dentro do processo orçamental vigente, o Governo tem poderes para o elaborar e executar, o certo é que tem um «fim político», que se analisa e discute nesta Câmara quando se aprecia a maneira como o Governo traduziu, em administração e em realizações, a confiança tão lata que ela lhe confere através da autorização da cobrança de receitas e da realização de despesas.
Podemos, assim, dentro do campo da discussão da Lei de Meios, criticar ou discutir normas, princípios, orientações e preceitos, tudo condicionando até ao «fim político» a atingir; mas, para isso, não temos necessidade, nem seria decerto conveniente, descer a minúcias que para o efeito se escusam, e se poderiam, mesmo, considerar como excessivas em face do carácter de tanta generalidade com que as propostas referidas normalmente se apresentam.
De resto, e exactamente porque queremos e devemos fazer um trabalho sério de crítica objectiva, é lógico que estejamos convencidos de que o Governo não poderia pretender um estudo da nossa parte realizado em poucos dias, em relação a uma série tão vasta de elementos que ele próprio levou quase um ano a preparar.
Tudo isto que referi pesava no meu espírito, levando-me a pensar na simples aprovação da Lei de Meios, com certas alterações na especialidade, e sob a restrição compreensível de manter aqueles pontos de vista que aqui explanei no ano que passou; aguardaria, entretanto, o aviso prévio que referi para avaliar até que ponto foram ou não satisfeitas as necessidades apontadas na Lei n.º 1:914, e, como se diz no relatório do Sr. Presidente do Conselho, do «estado de execução dos planos que se elaboraram e como foram utilizadas as autorizações conferidas ao Governo pela citada lei».
De toda essa discussão, na qual se incluiria a do próprio relatório, se haveria de ajuizar da orientação a seguir para o futuro; assim se cumpriria, lealmente, o desejo manifestado pelo Chefe do Governo quando afirma que:

O Governo estimaria encontrar, com o auxílio da Assembleia, através da mais larga discussão destas questões, a orientação conveniente para a respectiva solução.

Mas entendeu S. Ex.ª ser conveniente também que os Deputados tenham presente o assunto «precisamente quando a Câmara é solicitada a pronunciar-se sobre o primeiro orçamento que se segue ao termo da sua vigência»; quer dizer: que deve ter sido ideia do Governo levar-nos desde já a orientar toda esta discussão de forma a, desde já também, se começar a aproveitar a Lei de Meios com vista a preparar caminhos que ainda estão para desbravar.
Tratando-se de discutir agora princípios informadores ou normativos nos quais se há-de estruturar o orçamento, não prejudicaremos o aviso prévio em questão (nem tão-pouco sobreporemos assuntos que aí mais interessam àqueles que agora mais respeitam) fazendo algumas observações que, dentro do desejo expresso do Governo, o possam orientar desde já na elaboração do orçamento e na sua execução, facilitando assim a tarefa para amanhã de promulgar nova lei, de assentar numa prorrogação modificada da actual ou de se lançar num plano de fomento, como parece preferir.
E só isto me levou a intervir também.
Antes de entrar propriamente na matéria seja-me permitido afirmar a satisfação que senti vendo tão claramente expresso pelo Sr. Presidente do Conselho o desejo em que o Governo se encontra de buscar, com o auxílio da Assembleia Nacional, a orientação conveniente para assuntos que tanto a têm preocupado e que são do maior interesse para o País; o Chefe do Governo, mostrando nesta atitude judiciosa a clana noção das suas responsabilidades e daquelas que nos estão cometidas, pratica simplesmente um acto inteligente de política e de justiça.

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Esta sua atitude é para nós de tanto mais valia quanto é certo que hoje, como ontem, continuamos a ver nele a personificação do regime, a cujos valores morais estamos estritamente ligados pela inteligência e pelo coração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entre os mais delicados encargos que até agora têm estado cometidos à Assembleia Nacional situa-se, sem dúvida, aquele que se traduz no seu direito de análise aos actos da nossa Administração; exercendo-o, pratica, afinal, um acto da mais alta transcendência política, visto dar ao País que a elegeu a certeza da presença de uma instituição capaz de traduzir os seus anseios, reflectir as suas tendências, levantar as suas objecções, controlar e estimular, dentro do interesse geral, a própria actuação governativa.
Contribui, assim, eficazmente para a sua maior eficiência, visto fornecer ao Governo parte da crítica que este precisa para o exame objectivo dos seus próprios actos, facilitando-lhe o processo de melhor se orientar ou mostrando-lhe a necessidade de melhor esclarecer e comunicar com os governados.
No dia em que o não fizesse, pode dizer-se que traía uma das suas principais missões.
A par, portanto, de uma função de limitação a eventuais desvios do Poder, a par da sua função legislativa ou de correcção a erros que porventura se cometam, tem outra, importantíssima, a traduzir-se no estabelecimento de uma ligação entre as reacções e as dúvidas do País e a acção dos governantes: constitui, portanto, um elemento de auxílio precioso para aqueles a quem cabe a delicada função de governar.
Na realidade, o Governo está numa permanente obrigação perante o País, e não na fruição dum direito, adquirido ou usurpado, que o leve a poder desinteressar-se da opinião e da vontade da gente que governa: um governo, para governar, tem de conhecer e, para conhecer, tem de ouvir, mas o País tem de ter a consciência que se faz ouvir e de saber claramente se foi ouvido ou não.
E é aqui, exactamente aqui, que a Assembleia Nacional pode prestar ao País e aos governantes um relevante serviço nessa acção de ligação imprescindível; e pode fazê-lo sob uma forma própria, que nasce do modo como a sua composição se encontra estruturada, onde não há ligações que nos desviem ou limitem, mas uma plena liberdade dentro dum só princípio: «tudo pela Nação, nada contra a Nação».

Vozes - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Temos, meus senhores, a consciência de que não nos falta o fecho da estrutura para objectivar convergentemente as questões. Temos de acautelar unicamente a base, para que toda a estrutura se equilibre da forma que mais se impõe.
Não vemos esta Assembleia, Deus louvado, constituída por facções ou agrupamentos partidários, por elementos representativos de vários entendimentos políticos, que acintosamente, dentro daquele facciosismo que uma disciplina de grupo tornaria inevitável, jogassem tudo por tudo, procurando utilizá-la para alcançar o Poder.
Os povos estão já devidamente esclarecidos quanto ao valor construtivo dum trabalho parlamentar em moldes tais, o qual, muito para além das dificuldades e atrasos que acarretam aos governos, a repercutirem-se em dificuldades e atrasos para a vida nacional, está claramente demonstrado quanto à própria insegurança das nações. E esta não ficará, mais tarde, a lembrar-se unicamente através dos relatos das sessões tumultuosas ou das recordações das habilidades e processos pouco limpos com que interesses partidários conseguiam desviar a justa solução dos problemas: fica a testemunhá-la, quantas vezes, o sacrifício em sangue, de uma ou de várias gerações.
Sendo a acção interventiva destas câmaras puramente partidária, puramente subjectiva, não pode merecer respeito ou confiança por parte das nações: não está, porque não pode estar, na nossa consciência nacional.
Apoiados.
No pólo oposto poderíamos encontrar uma câmara amorfa, num anodinismo condenável, que lhe tirasse toda a personalidade e todo o interesse; seria então um simples prolongamento da vontade do Governo, estabelecendo, na aparência de um respeito por certas garantias uma ligação orientada num sentido só. A sua função essencial, senão a única, seria a de encobrir uma ditadura pura e simples, dando-lhe uma exteriorização, aliás inconsistente, de sujeição e de acatamento à vontade nacional.
Câmaras assim constituídas não têm aceitação nem interesse para a política interna de um país, e muito menos se poderiam conceber numa política de verdade: são simples prolongamentos disfarçados dum estatismo omnipotente e omnisciente.
É certo que às nações interessam governos que perdurem, a poder garantir, através da sua continuidade, a solução dos problemas de fundo, e não unicamente daqueles casos burocráticos mais correntes, ou a enunciação de planos e reformas que, às vezes, nem sequer chegam a ver a luz do dia através do texto que os traduz; só a expectativa confiante de uma permanência prolongada, a certeza indispensável de se manterem princípios formativos da política em que um governo se integra, permitem trabalhar com aquela segurança que se torna imprescindível para o progresso e bem-estar das nações - só elas nos dão a garantia de que a ponderação, a seriação e a realização dos problemas, a que é indispensável o tempo, não ficam comprometidas pela improvisação aventurosa do momento.
Sinto poder afirmar, meus senhores, com a aquiescência de todos, que, ultrapassando de longe os seus defeitos, a experiência portuguesa comprovou plenamente as vantagens do sistema, e esta convicção enraizou-se de tal modo em nós, cimentada até pela comparação com aquilo que se viveu já em Portugal, e que outros, por seu mal e mal de todos, vão vivendo ainda pelo Mundo, que a grande preocupação na política interna do presente é simples preocupação da política no futuro.
Apoiados.
Mas, se o princípio se pode considerar inatacável, o mesmo não acontece quanto à forma como um Governo pode viver dentro dele: o interesse que se apontou fica condicionado pela frescura e novidade do labor governativo, pelo sentir-se a evolução constante dos métodos e dos processos que a experiência dia a dia nos impõe, pela adaptação de novos meios que a prática aconselha, pelo ajustamento de ideias e conceitos que o evoluir da política legitima, pelo reparo dos erros inevitáveis que a melhor, mais pura e mais bem intencionada acção governativa pode acarretar nas suas decisões.
Um Governo que se feche em volta de si mesmo, que cristalize na sua actuação, que deixe acumular o pó do tempo nos processos de que vive, que teime em manter erros condenáveis, com o medo incompreensível de sofrer um desprestígio, retirando a tempo uma medida - buscando, assim, na intransigência o prestígio que melhor encontraria na razão -, que não deixe atrás de si, em consequência da sua própria forma de actuar, um rasto institucional a assinalar a sua integração no sentimento

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do País - pode perdurar, mas não interessa. E acaba fatalmente por cair, apagando-se dentro do vazio que por suas próprias mãos criou.
Só a um Governo destes, que precisa de viver de qualquer modo, que não tem força para encarar abertamente a luz do dia, e, antes, se fecha e se protege atrás de fingimentos que não contam, pode interessar, na verdade, uma Câmara que tenha unicamente por missão incensar e aprovar; a ilusão deste processo inconsistente de defesa comprovou-a o Mundo já, também em experiências bem tristes e recentes, que encontram na figura de Cipolla, que Tomás Mann criou, um simbolismo que nos obriga a meditar.
Apoiados.
Governos que tal pretendam confessam à puridade a falta de prestígio dos seus homens, o desinteresse da sua própria actuação; e sinto poder dizer também, com a aquiescência de todos, que a maior das injustiças que se poderiam cometer quando analisamos, em conjunto de vantagens e defeitos, a obra moral e material que se levou a cabo nestes últimos vinte anos era pretender que se tornava necessária uma Câmara assim moldada para que se pudesse manter por largo tempo ainda essa continuidade que foi a nossa salvação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E essa continuidade impõe-se, aliás, por dois motivos: pelo reconhecimento de que só através dela poderemos corrigir os erros e os defeitos que, apesar de tudo, dentro dela se encontram aqui e além e pela convicção de que só através dela poderemos plasmar a política do futuro, condição indispensável - nunca é demais repeti-lo - para se evitar com segurança um retrocesso ao passado.
E hoje até, mais do que nunca, o Governo tem necessidade, a par da colaboração cada vez mais necessária da Câmara Corporativa, da contribuição da Assembleia Nacional, como organismo eleito, na discussão dos problemas e na orientação das soluções. Na realidade, quanto mais se passa do campo do arrumo e da reorganização para o campo da acção e das realizações, tanto mais o País tem o direito de fazer ouvir a sua voz, tanto mais o País tem necessidade de ter perante si a conta corrente de trabalhos em quantidade, em qualidade e em preço que a ele se destinam e que por ele são pagos.
Muitas questões precisam de ser publicamente ventiladas, torna-se imperioso discutir abertamente os prós e contras de várias soluções, temos de chamar a atenção dos governados para este terreno de análise, onde, sem paixões mas sem rodeios, pode surgir a verdade que os tranquilize ou oriente; precisamos de medir com toda a objectividade as necessidades que sentimos, as possibilidades que temos, as tarefas que estamos levando a cabo, aquilo que ainda temos para fazer: se tudo isto fizermos olhando com coragem para a frente, podemos deixar para traz, como quebra-mar que não interessa, as dificuldades que tivemos no passado, os inconvenientes que existiam no passado, o perigo de um retrocesso ao passado...
Só então afirmaremos, num rasgo de vitalidade, que o interesse e a aceitação do presente se polarizam na direcção do futuro.
Mas o Governo está tratando dele. Como não aceitar que seja assim, se nisso está a sua própria obrigação? Simplesmente é necessário, imprescindível, que a Nação o compreenda e o sinta, que a Nação colabore abertamente com os governantes no acatamento compreensivo dos sacrifícios que se impõem para a obtenção de benefícios e vantagens, que já não serão, talvez, para nós.
E aqui a acção da Assembleia Nacional é, pode dizer-se, insubstituível; o Sr. Presidente do Conselho, com a posição que marcou ao findar o seu valioso relatório, mostrou exactamente a sua alta independência intelectual e moral, reconhecendo a necessidade e a Vantagem de uma colaboração estreita entre esta Câmara e o Governo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho não fez mais, aliás, do que reconhecer a forma como esta Câmara pode trabalhar: numa independência completa em relação aos homens; numa dependência total em relação a princípios formativos. Podemos, na verdade, ser simpatizantes com formas bem diferentes de governo, somos capazes - e temo-lo mostrado - de estar a discordar em muitos pontos, mas julgo que todos nos unimos em volta desta norma de actuação parlamentar: não se critica, aqui, na ânsia doentia ou calculada de destruir ou de dificultar, mas sim porque, sentindo como temos condições que nos sobejam para sermos mais perfeitos na acção interventiva do Estado na vida nacional; porque, sentindo como certos erros e processos são incompatíveis com aquela doutrina que entusiasticamente aceitámos quando algo de novo surgiu em Portugal; porque, sentindo como está nas mãos do Chefe do Governo estruturar um futuro para esta situação que se criou, quando sentimos tudo isto, podemos dizer que criticamos na ânsia compreensível de querer ainda melhor.
Apoiados.
A colaboração que se nos pede pode ser, por isso mesmo, de um alto valor político; devemos, para tal, organizá-la de forma que, mais do que atitudes isoladas e dispersas, no individualismo dos protestos ou louvores, na análise das soluções já adoptadas ou das propostas de outras que nos pareçam mais convir, tenha para base, devidamente integrada numa determinada dogmática (e onde, afinal, repousa e se fortalece o princípio de autoridade que aceitamos e acatamos como indispensável ia vida nacional), tenha para base, dizia eu, uma actuação tal que nela se evidenciem, na realidade, tendências que ao Governo interesse conhecer e considerar, ponderar e interpretar.
Poderemos ser então, talvez, intransigentes quando notamos erros que nos diminuem sem perdão; poderemos ser demasiado violentos nas nossas reacções quando sentimos viverem à nossa sombra interesses que não contam para o País; mas, seja como for, o Governo só terá a aproveitar com essa colaboração que lhe prestamos: porque, mesmo na hipótese, aliás provável, de actuarmos sobre razão que não assiste, fica o Governo sentindo a necessidade em que se encontra de esclarecer a Nação; fica o Governo a sentir até que importa «saber» esclarecê-la. Porque o efeito político de uma determinada medida não nasce só da própria medida em si, mas também do modo como ela se recebe e interpreta: disse um dia o Sr. Presidente do Conselho - e disse bem - que em política o que parece é.
Temos obrigação, portanto, de corresponder a este apelo do Governo com tanto ou mais entusiasmo com que corresponderíamos ao da nossa consciência, levantando, sem qualquer apelo especial, as nossas objecções. Nesta colaboração que agora nos é pedida só cabe, como é evidente, a verdade, e tenho para mim, de resto, que o acto de melhor lealdade na colaboração política está precisamente nesse campo.
Foi dentro deste espírito que resolvi apreciar a proposta da Lei de Meios sob um dos seus aspectos mais particulares e mais graves.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Não desconhecem VV. Exas., nem creio que o Governo o desconheça também, que se nota no País um certo movimento de crítica à nossa administração, podendo acarretar para os espíritos um estado quase mórbido de afastamento e de cansaço; essa crítica, que umas vezes as circunstâncias facilitam e outras certos homens parecem empenhados em fomentar não sei porquê, tem, por assim dizer, altos e baixos, mas vai, em cada dia que passa, perdendo objectividade.
Após a recomposição ministerial que teve lugar nos princípios de Agosto deste ano, a situação, pode dizer-se, melhorou, pelo menos no que respeita ao ambiente político que se vivia no País; e até, em relação a certos sectores mais delicados, houve um renascimento de esperança quanto a novos caminhos a seguir.
Pois bem: talvez eu vá contrariar a opinião de muitos, talvez eu vá, até, ferir alguém que não pretendo, mas tenho de afirmar, em plena consciência, que pena foi que a proposta de lei que estamos discutindo viesse a constituir uma inesperada surpresa para bastante gente.
Não discuto, por agora, a necessidade de certas medidas que nela se propõem, como creio que, a tornarem-se precisas, o País as não discutirá também; o que pergunto é por que é que vieram a final a ser precisas, e por que razão surgiram de repente, a constituir desalento para muitos.
Recordo a nota oficiosa do Ministério das Finanças de 17 de Junho do ano que findou, acerca de «certo estado de alarme criado no espírito público» pelo conhecimento de que aquele Ministério «tomara medidas tendentes à compressão de despesas do Estado, e, também, pela publicação de diplomas aumentando algumas receitas». Nela se considerava injustificado tal alarme e, numa nota de tranquilidade, afirmava-se que só pessoas habitualmente alheadas da apreciação dos fenómenos financeiros poderão ver sintomas de crise em medidas prudentemente destinadas a manter a política de fomento com a habitual folga de tesouraria».
E no relatório das Contas Gerais do Estado de 1949 não se encontram afirmações a traduzir alarme no campo das finanças públicas.
Relembro a última conferência do Sr. Ministro da Economia com a imprensa, marcando, do princípio ao fim, um ambiente de optimismo com base no regresso, que sentia, para a normalidade - e isto não poderia deixar de alegrar o coração dos portugueses; como relembro a sua afirmação tão clara acerca dos resultados obtidos quanto ao comércio externo e balança de pagamentos, que classificou simplesmente de brilhantes.
A esperança podia renascer, portanto, e aqueles, por exemplo, que vivem dos seus magros vencimentos ou aguardam, ansiosos, as suas merecidas promoções ou os seus contratos viram derrubar-se todo esse optimismo, em face da fria rigidez com que se vinca a necessidade imperiosa de uma austeridade maior.
A proposta de lei, que marca, muito embora, boas directrizes, mas que não quero discutir senão sob aquele aspecto, constitui, torno a dizer, uma surpresa dolorosa a contrapor-se à tranquilidade, à alegria e à esperança que pessoas responsáveis nos tinham incutido há pouco tempo.
Há quem pretenda, até, que aqueles quatro pontos postos pelo actual Chefe do Governo, quando tomou posse das Finanças em 27 de Abril de 1928, marcando as condições axiomáticas da sua reforma financeira que nos tirou do caos, são ultrapassados, na severidade e na rigidez que já traduzem, por aquilo que veio a prescrever-se nesta, proposta de lei. Certas minúcias, possivelmente descabidas, que só transcrevem nela, por se referirem a questões de simples regulamentação ministerial ou de orientação do próprio Ministério das Finanças no seio do Governo, podem justificar-se pela necessidade de dar demonstração, através de exemplos que nada terão que ver com a própria lei em si, do grau de compressão que se torna imprescindível para as despesas, em face da carência que temos de receitas.
Quando, em 1928, o Ministro das Finanças impôs as suas normas restritivas, o País acolheu-as com entusiasmo, apoiando incondicionalmente a visão e a coragem desse homem, que viera a final impor aquilo que se devia ter já imposto há muito tempo; quase que se podia falar em alegria - pelo menos na alegria que nos dão as atitudes que redimem.
Mas agora, após vinte e dois anos de disciplina financeira, em que, pari passu da marcha governativa. o Ministério das Finanças exerceu inflexivelmente, tenazmente, o seu contrôle, em que tudo se subordinou nos seus princípios e, senão à sua orientação, pelo menos ao seu comando censor, em que, acabada a ditadura do Governo, se manteve inexorável a ditadura financeira dentro dele, já não é com entusiasmo, decerto, que podem ser acolhidas de novo medidas semelhantes.
Acolhem-se, pelo menos, com espanto, e impõe-se esclarecer as suas causas e demonstrar as suas razões, para que o espanto passe a dar lugar a uma compreensiva aceitação.
Que são precisas? Não discuto; o que pergunto é se elas vêm, na realidade, comprovar a excelência do critério que em grande parte presidiu à fixação e distribuição das despesas durante estes longos anos de absoluto comando das finanças.
Para desde já evitar todas as eventuais confusões que, voluntária ou involuntariamente, se teceram em volta de tudo aquilo que acerca deste assunto melindroso aqui se disse no ano que passou, e que levou talvez a esquecer de se discutir certas coisas que afirmei, por se teimar em manter considerações em relação a hipóteses de partida que não pus, peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para relembrar num curto instante aquilo que disse então acerca do equilíbrio orçamental e da subordinação - passe o termo - do «financeiro» ao «económico».
Tudo se encontra devida e claramente relatado no Diário das Sessões n.º 9, de 15 de Dezembro próximo passado.
1.º ponto (p. 92, col. 1.ª, 1. 66.ª a 73., e col. 2.ª, 1. 1.ª a 17.ª). Disse eu:

A severidade com que se tem marcado a nossa técnica orçamental, a clareza modelar, a precisa pontualidade com que se apresentam os números que a definem, são garantia plena da honestidade no trabalho e, principalmente, da solidez dos princípios que há muito vêm presidindo às contas públicas portuguesas; a preocupação do seu arrumo, a coragem de não deixar sacrificar à euforia de uma grandeza passageira a segurança previdente, capaz de garantir para o futuro uma boa administração financeira, a certeza de uma verificação constante e objectiva do modo como se gasta, do modo como se amealha, são também garantias, por seu lado, da preocupação premente de ter sempre na devida ordem este conjunto complexo de receitas e despesas, e que há muito constitui uma das melhores pedras de toque da estabilidade nacional.
O princípio dum equilíbrio orçamental, mais do que um simples acto de pura administração judiciosa, traduz uma das mais transcendentes características de uma política de verdade, que corajosamente se apresenta, e se oferece, como pólo oposto, aos processos de administração financeira, que cobrem com deficits mais largos ou mais estreitos a mentira de procurar realizar aquilo para que não dispõem de meios.

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Mantendo, como mantenho, o mesmo ponto de vista, julgo não me encontrar de qualquer modo fora daquele princípio basilar da nossa reforma financeira; e, sendo assim, discuto o problema na mesma base de partida, o que é fundamental para comparar conclusões.
Seja-me permitida, contudo, uma observação, aliás ligeira: que houvesse quem fosse capaz de ler sem saber como se escreve, não era novidade para mim; mas haver quem escrevesse sem saber como se lê, isso é que constituiu, para mim também, uma verdadeira surpresa ...
2.º ponto (p. 93, col. 1.ª, 1. 9.ª a 36.ª). Disse eu:

Se o orçamento constitui um elemento de acção, se fomenta a economia nacional, se facilita a criação da riqueza, se tem vida e dinamismo na sua contextura, a disciplina financeira aparece, por mais severa que seja, com o próprio fundamento de salvaguardar o fim que se encontra na essência da sua concepção - e, então, todos a acatam; mas se, pelo contrário, se cai na rigidez da pura contabilidade aritmética, indo buscar a paliativos de momento a possibilidade de equilibrar simples despesas correntes ou outras a que, excepcionalmente, nos vejamos obrigados, se teimamos numa vida estática entre o alinhamento dos números existentes, se não procuramos alterá-los por novos meios da nossa economia, se não sabemos tirar todo o proveito da muita riqueza que temos em potencial pelo País, se tudo subordinamos ao critério dum equilíbrio no que existe e não tratamos de obter um equilíbrio mais largo, mais são e mais profícuo, através do muito que podemos encontrar ainda, então a situação é, na verdade, diferente.
Já não vivemos, somente, sob a disciplina, lógica e construtiva, de uma administração obediente a determinado conceito de sanidade financeira, mas sob a hegemonia perigosa de um critério de pura contabilidade orçamental, que pode levar a esquecer o princípio posto por Salazar na Sala do Risco, em 1930, de que a par da ordem na administração tinha de existir a ordem financeiras e «sobre esta e por meio desta o desenvolvimento económico».

E perguntarei, agora, unicamente:

É ou não verdade que o processo da despesa pública reside, em grande parte, na transformação do património financeiro em património económico?
É ou não verdade que o processo da receita pública reside na reconversão do património económico em património financeiro?
Se é assim, por que razão não aceitar que o fluxo das despesas públicas, capazes ide espalhar, directa ou indirectamente, a produtividade, não seja capaz de preparar um refluxo de rendimentos, capazes de procurar, directa ou indirectamente, um aumento de riqueza utilizável do Estado?
As finanças públicas não podem encontrar na política económica geral nem servidão nem concorrência, dado que têm de ser francas colaboradoras dela; já hoje não são, como o poderiam ser ontem, simples repartidoras ou consumidoras de riquezas, mas, acima de tudo e fundamentalmente, criadoras delas.
Esta é, de resto, a directiva da política financeira do Estado que marca uma orientação nova dos processos, a tornar bem evidente a mudança que se operou no decorrer dos últimos vinte anos e que a levam, das qualidades estáticas que tinha, de parcimónia, «descrição e pouco mais, às qualidades dinâmicas que vêm a traduzir-se numa função interventiva fomentadora de riqueza.
Revelam-se as consequências desta nova forma nos campos social e económico; e lembro, de passagem, a opinião corajosa de um moderno tratadista, de que nunca se impôs tanto como agora a alternativa axiomática de que a negação do social conduz à revolução e a negação do económico é o caminho mais aberto para nos levar à ruína.
Por isso todo o encorajamento que dermos ao Governo para a realização de um bom trabalho nestes campos é sempre um dever e é sempre pouco.
Não esqueçamos, meus senhores, que, ao referir as características das despesas públicas sob o ponto de vista político, o Prof. Laufenburger, detentor da cadeira de Finanças da Faculdade de Direito de Paris, as aponta como constituindo a alma política do Estado; e na sua recentíssima Teoria Económica das Finanças Públicas o Prof. Masoin, da Faculdade de Direito da Universidade de Liége, lembra, por sua vez, que a política financeira do Estado deve tender - tem de tender! -, por todos os meios e em todas as circunstâncias, para se conseguir aquela abundância, aquela segurança e aquela justiça que são as condições económicas e sociais do bem comum. E ilustra este conceito, que reputo por mim indiscutível, com opiniões dos melhores economistas a militar em políticas diferentes; faz, digamos nós, a sua demonstração partindo exactamente da inteira concordância neste ponto de homens sabedores e experimentados, que tanto discordam noutros.
Para muitos, porém, defender este critério é ser-se partidário inconsciente duma política de desequilíbrio orçamental, visto que, sem a menor dúvida, este seria consequência inevitável dele.
A resposta a tão precipitada conclusão resume-se, aliás, a muito pouco; só a isto: as receitas vêm, como é evidente, do que existe, do que está, ao passo que as despesas, se em grande parte se destinam ao que se deve, também se podem destinar ao que se quer.
E nada impedirá, portanto, que as possamos destinar a fomentar riquezas e bem-estar social.
Mesmo nas próprias crises, nas próprias conjunturas, não há normas indiscutidas e indiscutíveis para a política a aceitar quanto às despesas do Estado: se uns são partidários - e constituem, sem dúvida, a maioria de restrições no seu volume, com vista à salvaguarda do equilíbrio financeiro, outros, pelo contrário, defendem o seu aumento nessas circunstâncias anormais, como único meio, na verdade, de se poderem libertar rapidamente delas.
Se a Argentina, a Austrália, a Bélgica, o Canadá, a França e a Inglaterra restringiram as suas despesas orçamentadas no período de 1930 a 1935-1936; por exemplo, o certo é que seguiram política diferente a Dinamarca, os Estados Unidos, o Japão e a Suíça - não tomo posição no problema: aponto simplesmente o facto à consideração de VV. Exas., nada mais.
Mas retomemos as considerações que me prendiam.
A par das despesas reais e de repartição aparecem-nos, como de primacial interesse para o Governo e para os governados, as chamadas despesas reprodutivas, ou sejam todas quantas possam encontrar contrapartida no valor económico dos bens para cuja criação concorrem: justificar-se-iam, portanto, pelo seu próprio rendimento económico e financeiro.
Ora a pergunta que, desde já, se pode aqui fazer é se é ou não verdade que entre muitas despesas realizadas nos últimos quinze anos algumas se poderiam talvez ter sacrificado em benefício de outras de muito maior interesse sob o ponto de vista do «rendimento nacional»?
Não discuto, porque não tenho competência para o efeito, aquelas que se devem considerar como improdutivas sob o aspecto económico, e que tiveram lugar,

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e hão-de continuar a ler, com vista às necessidades da defesa nacional: o custo da força material que às rezes se precisa, nem que seja para manter o reconhecimento de um direito no campo da moral, só poderia entrar em conta de «deve» e «haver» onde &e pudesse materializar o valor da obrigação que temos de procurar manter, por qualquer forma, Portugal para os portugueses.
Não é valor que se meça através do sistema de unidades com que se pode medir o rendimento económico de um país; mede-se da mesma forma que se mede o valor da história pátria, na sua imposição de obrigações e deveres que agora se encontram à nossa guarda. Por isso inteiramente as encaro à margem destas considerações.
Mas se, em compensação, nos debruçarmos sobre as despesas volumosas com que o Ministério das Obras Públicas, por exemplo, tem realizado a sua obra enorme, que constituiu, para nós, motivo de merecida admiração - nós, que ainda nos lembramos daquilo que se «não fazia» em tempos que já lá vão -, abra que dá ao seu ilustre Ministro a projecção que bem merece no campo das realizações materiais de maior vulto do Estado. Começam a levantar-se as dúvidas, começam a surgir as objecções.
De facto, sempre através de períodos em que as receitas estavam longe de permitir realizar tudo quanto se quisesse ou, melhor, tudo quanto na realidade era preciso, sempre no decorrer de anos em que a tributação se foi tornando mais pesada, até esgotar em muitos campos a possibilidade de se obter à custa dos rendimentos, para começar a ferir os próprios capitais, só esse departamento do Estado realizou despesas, de 1936 até ao fim do ano que passou, totalizando cerca de 8.567:000 contos. E se tomássemos para início desta avaliação o ano financeiro de 1932-1933 poderíamos falar nos 9.700:000.
Não estão incluídas nelas, como se torna evidente, as despesas que a partir de 1947 se encontram afectadas ao Ministério das Comunicações.
Mas notem VV. Exas. que não podemos dar por aqui uma ideia bem exacta do que estas despesas representam; precisamos traduzi-las em valor da moeda de hoje para melhor assentar nas conclusões.
De facto, estas totalidades são constituídas por despesas parcelares de ano a ano, e ano a ano o poder aquisitivo da moeda sofreu variações, a que temos de atender para efeito de corrigir. Feita a correcção através de um cálculo simplicíssimo, vemos que o poder aquisitivo do dinheiro que se gastou através dessas despesas sobe para 12.189:000 contos e 15.414:000 para os períodos de 1936-1949 e 1932-1933-1949, respectivamente.
Quer dizer: em valor relativo da moeda de hoje gastaram-se nesse Ministério, e em doze anos, mais de 15.000:000 de contos; e pergunto unicamente se a aplicação deste dinheiro - que, portanto, existiu e se consumiu - correspondeu sempre a um judicioso critério de distribuição, no sentido de impor a sua aplicação primeiro a obras na realidade essenciais, ou seja de indiscutível necessidade?

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? E só para fazer um simples reparo. Eu estava à espera, depois de certas críticas que V. Ex.ª ensaiou no princípio do seu discurso, que V. Ex.ª escancarasse os olhos para o futuro e deixasse em paz o passado.
Afinal, V. Ex.ª, depois da crítica que fez precisamente ao que podem revelar, quanto ao passado, certas disposições da Lei de Meios, vem incidir ou reincidir no mesmo ponto que criticou.
Isto não tem aspecto de crítica ao que de fundo V. Ex.ª está a dizer. Quer só significar que eu não posso acompanhar muito bem a lógica do seu pensamento.

O Orador: - Cada vez admiro mais a vivacidade e juventude de V. Ex.ª Eu, apesar de muito mais novo, talvez tivesse esperado pela conclusão do raciocínio enunciado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Como já tenho pouco futuro, sou mais apressado.

O Orador: - Mas há-de ter vida suficiente para que me seja permitido chegar ao fim ...
Dizia eu ...
Ou se então, pelo contrário, se não se sacrificaram algumas destas em benefício de outras, já não digo sumptuárias ou de simples alindamento, mas capazes de poderem ser diferidas sem inconvenientes de maior?
Quer dizer: se se cumpriu aquele velho preceito ele tratar primeiro do que é útil e deixar o bonito ou o que não é tão urgente para se realizar depois?
É evidente que ao fazer esta pergunta não vejo unicamente a posição relativa das verbas destinadas àquele Ministério, mas também a posição da sua totalidade em relação à totalidade das despesas do Estado.
E certo que D. João V e o marquês de Pombal ainda hoje são lembrados na nossa história brilhante, mas a ciência e a técnica, nas novas possibilidades que nos deram, desviarão a atenção das gerações que hão-de seguir-nos para aqueles que, muito embora, marcando a sua época em monumentos grandiosos, estão principalmente enriquecendo este país pela conquista de Portugal à natureza.
E é exactamente por força da dúvida levantada, pelo conhecimento pessoal que tenho de alguns casos, pela observação e pela análise de certas directrizes que deram orientação as realizações pelo Estado que não poderei regatear os mais rasgados louvores ao Sr. Ministro das Finanças quando o vejo na disposição de dar preferência às obras que mais directamente - e é ele quem o diz! - possam contribuir para o aumento do rendimento nacional.
Estou, por mina, plenamente convencido de que um maior severidade na oportuna seriação de muitas obras que o Estado realizou, ou fomentou, teria seguramente evitado a austeridade que agora se prescreve, com prejuízo para todos e a traduzir-se numa compressão violenta e intransigente de despesas.
Sem quaisquer referências mais, que encontrarão cabimento naquele aviso prévio que por tanta vez referi, quero deixar somente um ligeiro apontamento, que por completo se integra dentro da generalidade da questão.
Muito mais vincadamente do que naquilo que se pode traduzir pelos diversos pareceres da Câmara Corporativa acerca das propostas enviadas para a aprovação das leis de meios, vejo nas declarações de voto do Prof. Ezequiel de Campos e nos pareceres judiciosos do engenheiro Araújo Correia acerca das Contas Gerais do Estado a reacção contra um processo de administração financeira que havia de conduzir, fatalmente, a uma carência de receitas e, consequentemente, a uma impossibilidade de despesas.
Numa e noutra se batia constantemente a tecla de se tornar necessário seriar, da forma mais inteligente e mais própria, as despesas do Estado, em obediência a um plano de fomento (como agora se prescreve) com que melhor se salvaguardasse e se fomentasse a riqueza nacional.
E de lamentar é, com certeza, que o Governo não tenha dado, durante tão largo tempo, atenção, que bem

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mereciam, às críticas que essas opiniões, a envolver e a valorizar tantas outras, ano por ano apresentavam; porque, das duas uma: ou estes homens responsáveis não eram merecedores de consideração por aquilo que diziam ou a política económico-financeira do Estado não se amoldou, como devia, à forma que mais convinha aos interesses nacionais.
Lembro, para apoiar a razão daqueles que tão sensatamente previram esta situação a que chegámos, aquilo que se dizia no relatório do Decreto n.º 20:979, de 7 de Março de 1932:

Escusado é frisar que a perfeita ordem e equilíbrio das contas públicas não poderiam indefinidamente manter-se sem a produção de maior riqueza e a maior movimentação de todas as forças económicas de iniciativa pública e privada.

Teimou-se num determinado critério, considerou-se utopia aquilo que para muitos não passava de simples realidade, classificou-se de megalomania ou de fantasia aquilo que a experiência já mostrara serem os meios necessários para se poder viver. E agora?
Agora a solução que se apresenta é comprimir mais as despesas, é ser ainda, decerto, mais severo e mais austero do que se foi até aqui.
E o pior é que as despesas já estão demasiadamente comprimidas, e em muitos sectores que vivem das despesas ordinárias já se abafa com tanta falta de ar ...
O processo perdeu mesmo o aspecto de emergência que o desculpe ou apresente à boa vontade nacional: tomou foros de medida permanente, como se outros processos não houvesse (para a política financeira do Estado.
Que é preciso ainda mantê-lo? Mas isso era, com certeza, inevitável em face de tudo aquilo que se podia prever; o que pergunto é como se há-de continuar a aplicá-lo sem trazer as repercussões mais graves à vida nacional?
Eu sei, como todos VV. Exas. que me escutam, como o sabe o País também, que as nossas despesas públicas têm continuamente aumentado, dando assim a impressão de se desmentir a afirmação daqueles que pretendiam que a política financeira seguida pelo Governo não estava contribuindo para o aumento necessário das receitas que as cobrissem.
De facto, em 1936, no início da aplicação da Lei n.º 1:914, as despesas ordinárias mediram-se por 1.812:000 contos e as extraordinárias por 863:000; em 1948, catorze anos depois, já aquelas ultrapassavam os 3.983:000 e estas os 1.677:000 também, ou sejam aumentos de quase 120 e 94 por cento, respectivamente.
Simplesmente, a moeda foi-se desvalorizando entretanto; e, assim, feitas as correcções indispensáveis para se poder comparar o montante das despesas de hoje com aquele por que se mediam as despesas então realizadas, vemos que, pelo contrário, houve diminuição e não aumento: as despesas ordinárias, reduzidas ao valor da moeda de 1936, caem de 21,4 por cento, e na totalidade (ordinárias e extraordinárias) desceram de 24,5 por cento. Nunca mais conseguimos atingir o nível de 1936.
Estamos assim, e em valor relativo, gastando unicamente cerca de 3/4 daquilo que gastávamos pouco antes de a guerra começar; lembremos que desde 1928-1929, e à excepção de 1931-1932, 1933-1934 e 1936, sempre as receitas ordinárias tiveram de cobrir o déficit existente entre as receitas e despesas extraordinárias: cerca de 9.797:000 contos destas, representando 58 por cento da sua totalidade, foram cobertos por aquelas, reduzindo, portanto, em cerca de 17 por cento a aplicação das receitas ordinárias às despesas que mais logicamente deveriam cobrir.
As despesas extraordinárias, de acordo com a legislação vigente, devem ser cobertas pêlos excedentes das receitas ordinárias, quando os haja; ora o certo é que se deve ter forçado esta possibilidade, criando a sua existência por força duma carência provocada.
Pretende agora a proposta deixar de trabalhar numa excepção e dar ao sistema em que se tem vivido carácter de normalidade; na especialidade se discutirá, decerto, este aspecto do problema, em relação ao qual, aliás, a Câmara Corporativa apresentou a sua discordância; por agora bastar-me-á chamar a atenção para o seguinte: este princípio de conduta orçamental traduz-se na necessidade já referida duma compressão das despesas de carácter normal e permanente dos diversos Ministérios; não vou repetir, agora, toda aquela série de razões que me levaram a afirmar, no ano que passou, que não julgo possível economias substanciais no campo da nossa Administração, sem prejuízos graves para o que se torna indispensável manter na máquina burocrática do Estado.
Recordemos, meus senhores, que nos vésperas da segunda grande guerra já Portugal se apresentava como um dos países mais modestos no que respeitava à despesa do Estado por habitante; víamos então toda uma longa série de países à nossa frente, em que, a par da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Suécia, da Holanda e da Noruega, por exemplo, se encontravam a Estónia, a Letónia, ia Turquia, a Jugoslávia, a Bulgária e a Polónia, por exemplo também. Mostrava-se assim claramente a nossa indiscutível pobreza de recursos financeiros, que levava a apertar ao máximo possível as despesas mais comentes do Estado, através daqueles rigores pesados que os seus funcionários bem conhecem.
E agora como testamos?
Feita a correcção que já referi (e sem a qual toda a comparação é impossível), tomando em linha de conta o aumento populacional que temos tido, vê-se que a despesa do Estado por habitante, que atingiu 365$ em 1936, passou piara 238$ no ano que findou: menos 35 por cento e nada mais.
Isto quer dizer, portanto, que estamos realizando despesas por habitante a medir-se por menos de dois terços daquelas que se realizavam há catorze anos para trás.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
É interessante saber que cálculo fez V. Ex.ª para reduzir o valor da moeda. V. Ex.ª raciocina sobre os cálculos que fez e que nós desconhecemos.

O Orador: - Tenho aqui todos os cálculos analíticos e gráficos que efectuei e que estão à disposição de V. Ex.ª Foram feitos com baste nos índices de preços por grosso.
Continuando:
Vamos reduzir ainda mais estas despesas?
Quando o Governo diz que necessita de comprimir despesas ordinárias, é a justiça e a moral que lhe apontam a necessidade imperiosa de rever, como já se disse aqui, os vencimentos do seu funcionalismo, que vive, mais do que nunca e na sua maior massa, uma vida de privações de sacrifícios, que se está prolongando em demasia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho sentido ao pé de mim o problema tremendo de muito lar que precisa, tenho falado com gente que faz mil malabarismos para viver, afinal, endividada, tenho visto, por meus olhos, a aflição daqueles para quem o cuidado da doença ou o desgosto

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a morte se avolumam ainda mais com o pavor da falta de dinheiro. Temos de actuar!
O Governo precisa de estar atento a este problema, não só em face do presente como pelas perspectivas do futuro, e vou, Sr. Presidente, esclarecer porquê:
O custo da nossa vida vai aumentando dia a dia, apesar de todos os cuidados, de todas as atenções, que o Governo ponha em campo para impedir tal aumento - e esta é que é a dura realidade. A pouco e pouco, portanto, vão as dificuldades crescendo, e a pouco e pouco, também, os vencimentos e os salários para menos vão chegando - esta é a situação presente, que o Governo tem de encarar depressa - e bem.
Mas, se olharmos aos valores dos índices de preços por grosso, por exemplo, que o Instituto Nacional de Estatística nos fornece, vemos que os índices relativos aos produtos nacionais e aos produtos importados (e donde aqueles resultam por simples média ponderada) são por completo distintos na sua ordem de grandeza: muito mais baixos os primeiros, muito mais altos os segundos.
Uns números para exemplo:

1939:

Índice geral .............. 103
Índice dos produtos nacionais ....... 94
Índice dos produtos importados ...... 131

1944:

Índice geral .............. 248
Índice dos produtos nacionais ....... 188
Índice dos produtos importados ...... 415

1949:

Índice geral .............. 252
Índice dos produtos nacionais ...... 225
Índice dos produtos importados ..... 328

E assim se vê que, embora indirectamente, o custo da nossa vida é altamente influenciado pelo custo dos produtos estrangeiros de que precisamos na mais larga escala; ora o certo é que pouco ou nada melhorámos no que respeita às quantidades que se importam e que nos mantêm em perigosa dependência dos mercados estrangeiros: melhorou unicamente, e louvemo-nos já por isso, a balança do comércio externo, no que respeita às consequências das condições do preço que se oferecem, mas não em relação aos quantitativos que absorvemos.
De facto, em 1943 importámos só do estrangeiro, por exemplo, 1.226:875 toneladas, ao preço de 2.265$ a tonelada; em 1944, 1.543:356, ao preço de 2.060$; em 1945, 1.480:558, ao preço de 2.227$; em 1946,2.153:460, ao preço de 2.704$; em 1947, 2.862:966, ao preço de 3.046$; em 1948 (já em plenas restrições), 2.832:445, ao preço de 3.347$, e em 1949 (com as restrições levadas muito mais longe), 2.861:000 (tantas, pràticamente, como em 1947), ao preço de 2.755$.
Não tenho por agora elementos que me permitam referir a importação só do estrangeiro em relação ao período de Janeiro a Outubro deste ano; se admitirmos, porém - e com toda a reserva duma hipótese bem frágil -, a mesma percentagem em relação à importação que se manteve ligada ao ano de 1949, ficaremos na mesma tonelagem com que se mediu a importação de igual período do ano que passou. E, contudo, o seu preço foi incomparavelmente menor.
É flagrante, por exemplo, o que acontece com as substâncias alimentícias, de que nunca se importou, talvez, tanto como agora.
Em 1947 importáramos 635:000 toneladas e em 1948 descemos para as 541:000, mas já depois, em 1949, fomos para números mais altos, para 694:000, e até agora,
nos dez meses decorridos até Outubro, já passámos as 672:000: quase mais 6 por cento do que em 1947, durante o ano todo, em que havia quem dissesse que a vida não estava fácil e quem pretendesse até, num exagero condenável, que lhe faltava alguma coisa... Boatos que sempre se cultivaram nesta terra em que vivemos. Sei que temos conseguido um aumento apreciável de importação das províncias ultramarinas; nunca será demais louvar quem tal conseguiu, nem os colonos que tanto contribuíram para dar realidade a um desejo de todos e tanta vez manifestado.
Apoiados.
Mas, continuando:
Os números mostram claramente que temos usufruído a vantagem - para que, aliás, não contribuímos e que, portanto, é estranha ao nosso esforço - de uma baixa de preços no estrangeiro e de uma maior facilidade de escolha de mercados, que o Governo tem procurado aproveitar do modo que melhor pode; mas não avançamos
muito para uma posição que nos defenda, por via do aumento da nossa própria produção, o que constitui, aliás, a causa fundamental de grande parte dos desequilíbrios que sentimos é de grande parte das surpresas que sofremos.
Estamos, assim, hoje, como ontem, na contingência de uma subida de preços, que nos levaria ao pior, e, se a Coreia está longe e os homens ainda discutem à procura nem se sabe bem de quê, as alterações exteriores vão-se sentindo, como repercussão inevitável do ambiente de guerra que já se está vivendo.
E aproveito a ocasião agora, e ao tratar exactamente deste ponto, para testemunhar ao Sr. Ministro da Marinha, como português, o agradecimento que lhe devo - e lhe hei-de ficar devendo - pela renovação a que obrigou a nossa marinha mercante, e cuja valiosa consequência talvez, infelizmente, possamos sentir ainda em breve.
O destino a Deus pertence, mas o ambiente que está pesando no Mundo pode ter uma influência decisiva no custo da vida em Portugal: e é este o problema para que o Governo se tem de preparar, olhando ao poder de compra reduzido da grande maioria da gente que trabalha no País.
Nesta tarefa enorme a que o Governo se vai lançar, neste mar tremendo de dificuldades que temos de atravessar, esteja bem presente no espírito dos que governam a lição insofismável que o passado nos deixou e que o presente nos afirma; agora o caminho é para a frente, mas para a frente noutra direcção, a não ser que queiramos tornar a vida incomportável àqueles que trabalham para viver. Não hesite o Sr. Presidente do Conselho em assentar, francamente, num plano de fomento a executar, como disse, em meia dúzia de anos, e devidamente «ordenado para satisfazer algumas das maiores e mais prementes necessidades do povo português».
Mas não deixemos, por Deus, que a modéstia dos processos torne demasiado lento o aproveitamento que se impõe dos recursos enormíssimos que, em potencial, se estendem por todo o vasto espaço que constitui o Império Português.
Vou terminar, Sr. Presidente, pedindo que todos me desculpem esta divagação, com que tanto os massacrei (não apoiados), mas não desejaria fazê-lo antes de chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para certas interpretações que a proposta de lei que nos enviou está indubitavelmente suscitando.
E, porque elas se reflectem no campo político, merecem com certeza uma cautelosa atenção.
Parece da maior necessidade que o Sr. Ministro das Finanças, no relatório que há-de acompanhar o decreto do orçamento, apresente ao País as razões que francamente justificam as providências severas que pôs pé-

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rante a Assembleia Nacional; foi-nos enviada, é certo, uma documentação curiosa, que intitulou «Elementos justificativos da proposta da Lei de Meios», mas confesso que, através da sua maior parte, não me parece fácil avaliar se é exagerada ou não a austeridade impressionante que essa proposta traduz.
São dados estatísticos, referências de trabalhos, que de modo algum podem constituir relatório necessário para nos fazer compreender por que razão se tem de continuar a viver agora talvez com maior constrangimento do que se vivia no tempo do seu antecessor; muitos gostariam mesmo de ver fora da sua proposta de lei algumas notas dispensáveis, exteriorizando um pessimismo preocupante, uns excessivos rigores, cuja omissão de modo algum comprometeria o caminho por onde a sua alta inteligência o levará, tenho a certeza.
O contacto mais intenso com os problemas, a par do decorrer do tempo, o ajudariam mesmo a libertar-se daquelas reacções que ainda hão-de surgir no seu espírito, o qual durante largos anos se preocupou com as questões bem delicadas de pura fiscalização, geometrizando-se assim, inevitavelmente, em consequência do lugar que tão brilhantemente ocupou.
A sua libertação dessas amarras, sem perda do direito de as buscar, dar-lhe-ia largo benefício, sem influir desânimo nos espíritos nem da razão interpretações precipitadas, com que não lucra ninguém.
Todos sentimos que, a par dos benefícios inegáveis que a existência de certos fundos tem trazido para o serviço da economia nacional, e entre os quais -tenhamos a coragem de o dizer - pode avultar, com certeza, aquele que se representa pelo seu aspecto de defesa das pequenas economias contra o domínio oligárquico, nos aparecem erros que temos de evitar ou corrigir, exactamente para que na aplicação judiciosa desses fundos se encontre a sua melhor fundamentação.
Não será, como é evidente, com a sobreposição de serviços que se trabalha melhor, nem se desoneraria a Nação, como urge, sem se diferenciar certo aspecto tributário da organização corporativa. Em tudo quanto o Governo conseguir de melhoria neste campo, quer mediatamente, pela reorganização que se impõe, quer imediatamente, pelas medidas transitórias que se julguem necessárias paro atenuar desde já certos males que conhecemos, só tem a merecer louvores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todos, porém, que assim pensam e que objectivamente apoiam o Sr. Ministro das Finanças no desejo que o anima de contribuir para o melhor ajustamento de todos estes problemas são os primeiros a reagir, com certeza, contra aquelas interpretações que à volta de assuntos tão delicados como este se estão alimentando no País.
Certos elementos que o Sr. Ministro das Finanças juntou naquilo que alguns consideram «relatório», a acompanhar a Lei de Meios, não chegam, com certeza, para se tomar posição quanto a forma como os fundos especiais têm sido administrados; digamos mesmo: quanto à forma como eles se têm aplicado ao serviço do País.
São lados isolados dum conjunto, pontos de referência importantes para um estudo crítico, mas não serão, com certeza, os únicos elementos que importa considerar. Não podemos, na realidade, esquecer que há serviços prestados com que o País bem lucrou, e que só depois de tudo posto nos pratos da balança poderemos conhecer a justa posição do seu fiel ...
Ainda- anteontem mesmo o Sr. Presidente do Conselho, ao lembrar perante nós que o assunto relativo, aos encargos corporativos não é susceptível de se resolver por disposições de ordem genérica, apontou certas vantagens inegáveis da sua aplicação, desde a função que têm tido de intervenção no mercado e concessão de créditos junto dos próprios produtores, desde a defesa dos preços, armazenamento de excedentes, pagamento antecipado de colheitas, até à desoneração que trouxeram para o Estado de competências custosas que surgiriam da extensão dos seus serviços.
E, permito-me ajuntar, não esqueçamos o seu auxílio inegável ao fomento de certos sectores da vida nacional, de que a marinha mercante, por exemplo, é certamente prova testemunhável.
Este necessário ajustamento, a prevenir «contra o simplismo das soluções precipitadas» e «contra as esperanças excessivas que nelas se depositem», é uma interpretação do espírito da Lei de Meios, visto provir do próprio Chefe do Governo.
Em certos sectores do País está-se-lhe dando, porém, interpretação diferente. Na realidade, o simples facto de se pretender estudar o regime legal e a situação financeira desses fundos não inscritos no Orçamento Geral do Estado, tendente à sua extinção, fusionamento com outros, reorganizações, etc., motivou as mais desencontradas opiniões.
São fundos, como se diz no parecer da Câmara Corporativa, que se criaram por finalidades económicas, por necessidades de momento, por motivos de ordem social ou humanitária; às vezes constituem, é certo, espécie de «Ministérios das Finanças» dentro de certos Ministérios, e talvez que a sua administração, num ou noutro caso, se não tenha orientado dentro duma determinada característica.
A necessidade de lhes dar um outro arrumo situa-se entre a vantagem de tudo centralizar no Ministério das Finanças (ponto de vista pessoal deste) e as vantagens que trazem à solução de certos problemas, quando existentes dentro dos diversos Ministérios, muitos dos quais se não teriam resolvido se tudo estivesse pendente duma autorização orçamental (ponto de vista oposto).
Que há muitas coisas a emendar e a ajustar? Mas com certeza, muito embora a centralização, que alguns têm defendido, possa acarretar inconvenientes graves por uma burocracia orçamental na realidade incompatível, quantas vezes, com a urgência ou com a importância da questão. Tudo isto é necessário ponderar! Mas é preciso impedir a interpretação de que, como já muita gente julga, têm de mudar de mão para se evitarem consequências pouco honestas que a decência não pode permitir: o facto de a sua administração ser realizada sob o controle directo do Sr. Ministro das Finanças não lhe daria, como se torna evidente, garantias de maior honestidade do que aquelas que lhe conferem as pessoas que encontramos à frente dos Ministérios da Marinha, da Economia, das Corporações e do Interior.
O simples enunciado do artigo 18.º e dos seus dois parágrafos está dando motivo, sem razão, a especulações de toda a espécie, que o Sr. Ministro das Finanças -não tenhamos qualquer dúvida - será o primeiro a repelir com a severidade que merecem e que o seu próprio carácter não estaria disposto a tolerar.
Tudo que de novo aparece com o aspecto de emenda ao que já está precisa ser devidamente esclarecido quanto aos motivos que constituem a sua causa; e isto pela razão compreensível, no campo da política, de que, se os homens mudaram, o Governo continuou.
Veja-se, por exemplo, o que se diz e o que se pensa acerca do que se torna imperioso fazer para emendar algum mal que se encontrou!
Se há assunto que me sinto a vontade para focar, é com certeza este, no aspecto tão delicado das suas interpretações: de facto, posso dizer que sempre discordei, e continuo a discordar, em muitos e variados pontos, do

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critério da política financeira seguida polo seu antecessor, como muita vez discordei da sua actuação e, principalmente, da sua forma de actuar.
Pois apesar disso tudo, presto-lhe ùnicamente a justiça que merece quando afirmo estar plenamente convencido de que sempre soube ter a «casa em ordem», e em boa e melhor ordem a há-de ter deixado, com certeza, quando de lá saiu.
Nesta certeza, que tem de ser geral no País, repousa uma das maiores forças políticas do Governo; não podemos, portanto, deixá-la prejudicar ou ferir-se através de interpretações tendenciosas que o Sr. Ministro das Finanças de hoje, e nosso ilustríssimo colega de ontem, num pronto, e em poucas linhas, melhor do que ninguém, poderá nobremente desfazer.
E aguardando esse relatório, que julgo indispensável para nos esclarecer e ao País, dou à proposta de lei o meu voto na sua generalidade, desejando ao Sr. Ministro das Finanças as felicidades que precisa, e que merece, para o trabalho dificílimo que vai iniciar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: a Lei de Meios constitui a base da administração pública, justificando, pela sua manifesta importância, que, no respectivo debate, intervenham bastantes Deputados a apreciarem-na em seu vastíssimo conjunto ou nos variadíssimos temas que no articulado submetido pelo ilustre titular das Finanças desfilam nos vinte artigos que a compõem, a despertarem a atenção dos membros desta Assembleia e a justificarem comentários, misto de concordância e de reparos concretizados em sugestões e alvitres tendentes a melhorar o diploma definitivo.
Na minha primeira intervenção neste debate eu esforçara-me por não ultrapassar as linhas gerais da proposta de lei.
Mas, nas considerações então feitas, já aludira à conveniência de, na fiscalização das oportunas restrições planeadas com tanta oportunidade e competência, não somente para defesa dos cofres do Estado mas dos restantes organismos, compreendendo corpos administrativos, serviços autónomos, mesmo os dotados com simples autonomia administrativa, e, notoriamente, os do vasto e importante sector corporativo, se evitar que essa indispensável fiscalização viesse a degenerar na invasão de atribuições que não lhe pertencem, perturbando os serviços, entravando a administração e levando ao desânimo, ao aborrecimento e até aos protestos de bons e insubstituíveis servidores da Nação.
Sr. Presidente: evidentemente importa respeitar o manter em toda a sua integridade o decoro fundamental do trabalho profícuo dos cidadãos dignos, que, sem pertencerem ao profissionalismo burocrático, não trepidam em descer à liça em prol da colectividade.
Sem essas garantias não seria possível o desempenho de tão simpáticas funções.
Apoiados.
Sr. Presidente: no artigo 18.º, que diz:

O Governo realizará durante o ano de 1951 o estudo do regime legal e situação financeira dos fundos especiais existentes, ainda que não inscritos no Orçamento Geral do Estado, tendente à sua extinção, fusão com outros ou reorganização e à possível redução dos respectivos encargos.

figuram dois parágrafos, sendo o primeiro do teor seguinte:

Enquanto não for promulgada a reforma prevista no corpo deste artigo, os referidos fundos especiais subordinação a sua gestão administrativa e financeira às seguintes normas:
1.ª Compressão geral das despesas, nomeadamente no que se refere à concessão de gratificações, construções, obras novas, instalações, mobiliário, decorações, representação e missões no estrangeiro.

Seguem-se mais três números, sobre os quais não tenho observações a fazer, e um § 2.º, tornando aplicável aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa o disposto no parágrafo anterior.
Sr. Presidente: a compressão de despesas, quando respeitante a construções, obras novas e instalações, se não for realizada com superior critério, pode não só perturbar, mas até anular, o esforço administrativo de qualquer serviço.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Compreende-se que em qualquer campo de actividade possa surgir a exigência de construções, obras novas ou instalações cuja realização não admita delongas nem restrições, sob pena de perturbação, muitas vezes irremediável, para a respectiva administração.
Conforme já afirmei desta tribuna ao abordar pela primeira vez a discussão desta proposta de Lei de Meios, não só concordância, mas. os maiores louvores, merece o critério, que a informa, de não sangrar mais do que já está o contribuinte (ao qual, consoante a categoria das suas actividades, há absolutamente que poupar os fundos de maneio indispensáveis, sob pena de se entravar o trabalho das empresas e perturbar as economias já escassas de todos os seus numerosos colaboradores).
De não sangrar ainda mais o contribuinte, para que o enxame não tenha de comprometer a sua laboração, e enveredar decididamente pelo caminho das economias, restringindo desposas e exigindo todo o esforço possível dos servidores do Estado.
Mas, compreenda-se, despesas há que são indispensáveis e urgentes, não se compadecendo com quaisquer demoras.
Por isso importa confiar, dentro de limites aconselháveis, nos servidores do Estado, não os entravando desmedidamente com a exigência de consultas dispensáveis a organismos centrais, nem lhes criando um ambiente, diremos, do pavor perante a contingência - autêntica espada de Dàmocles - de inspecções que acontece degenerarem em devassas vexatórias e em críticas por vezes petulantes e quase sempre descabidas sobre actuações que exigem preparação técnica especializada ou conhecimentos pormenorizados da vida local, e que só estariam ao alcance de inspectores se eles fossem omniscientes, o que seria utópico, e ainda por cima os expõem a recriminações e sanções de ordem disciplinar e, por vezes, penal.
Numa tal atmosfera de desconfiança o de ameaças todo o trabalho produtivo é impossível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando não se confia nos colaboradores, vale mais dispensá-los.
Seria melhor para eles e para os respectivos serviços.
Recordo que ao passar, no triénio de 1929-1932, pelo Ministério do Comércio e Comunicações fui surpreendido pela morosidade com que se desenvolvia a actividade dos diferentes serviços, a qual não correspondia - e até entravava - ao ritmo acelerado que o Governo empenhadamente se esforçava por conseguir no vasto sector das realizações.
Averiguei que os mais insignificantes projectos careciam de aprovação do Conselho Superior de Obras Pu-

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blicas, acumulando-se ali em pilhas astronómicas até que chegasse a sua vez.
Outro tanto só verificava no Tribunal de Contas, de cuja aprovação dependiam empreendimentos de toda e qualquer categoria.
Relativamente ao Conselho Superior de Obras Públicas, que dependia do meu Ministério, reorganizei-o no sentido de ali apenas ascenderem projectos de maior envergadura, exigindo grandes despesas ou eriçados de dificuldades e ainda os que constituíssem importante inovação.
E aos seus antigos componentes, os inspectores de carreira das obras públicas, agreguei delegados das Universidades, dos serviços públicos e das actividades privadas.
Os projectos de menor monta passaram a ser da competência das diferentes categorias dos serviços públicos, consoante a sua importância.
E tudo começou a girar em esferas, não se repetindo as delongas inibitórias anteriormente registadas, porque, paralelamente com a mencionada reorganização, eu ia tendo o cuidado de não deixar o sono e o descanso prolongarem-se além do razoável.
Relativamente ao Tribunal de Contas, que não estava na minha alçada, resolvi o caso dispensando, sempre que se me afigurava conveniente, os concursos públicos, certas formas de contrato e outras formalidades enredosas, demonstrando assim confiança na competência e zelo dos funcionários.
E não me arrependi.
Sr. Presidente: nós, os módicos, confiamos mais nos recursos naturais do doente para a autodefesa da saúde do que na infinidade de socorros que se compram na botica.
E só recorremos a estes quando falecem as fontes energéticas que a natureza acumulou no organismo para resistir à ofensiva dos agentes morbigenos; mas nunca o fazemos sem primeiramente tentar acordá-las e restituir-lhes o vigor natural
Mutatis mutandis, há que dignificar todos os que exercem funções públicas de qualquer categoria, não lhes entorpecendo a inteligência nem dificultando os movimentos, embora responsabilizando-os por suas deliberações e actuação.
Desta forma evitar-se-ia a notória centralização para que vai caminhando o Estado Novo, na convicção errada de que tudo terá de ser resolvido no Terreiro do Paço e - ainda por cima - subordinado na sua execução ao critério de funcionários estranhos às regiões interessadas nos diversíssimos assuntos da administração local.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: na minha primeira intervenção neste debate, e a propósito da fiscalização que as restrições propostas não deixarão do determinar, eu aludi às inspecções ordenadas pelo Ministério das Finanças e pela Administração Política e Civil às câmaras municipais, dizendo que, se até certo ponto eram aceitáveis, acontecia o critério que, por vezes, as orientava provocar desgostos e protestos, procedimento que se já vinha traduzindo na dificuldade frequentemente oposta por determinadas pessoas a aceitarem o exercício daquelas funções, o que, se não for corrigido em certos aspectos, poderá determinar o alheamento de bons elementos locais pela respectiva, administração, geralmente gratuita, prejudicando os interesses dos concelhos, que eles conhecem melhor que ninguém, e obrigando a um reforço do funcionalismo, o que, além doutros inconvenientes, seria ruinoso para as reduzidas finanças municipais.
Este gravíssimo e momentoso problema das inspecções aos corpos administrativos, por mim tocado muito de passagem na primeira intervenção que se fizera no debate sobre a Lei do Meios, se despertou o interesse de toda a Nação, afirmado em numerosos telegramas e cartas recebidos de variadíssimos concelhos, logrou também fé só por isso não foi perdido o tempo que eu tomara à ilustre Assembleia com as ligeiras considerações então feitas, logrou também despertar a atenção do Ministério do Interior, cujo ilustre titular nos honrou agora com uma exposição muito inteligente, que, esclarecendo o assunto, completa o documentado relatório redigido pela Direcção-Geral de Administração Política e Civil.
Pela leitura daquele oportuno, sensato e inteligente documento que vem dizer à Nação, por intermédio do Diário doa Sessões, em cujo n.º 58 foi publicado, as estranhas e até inconcebíveis atribuições, definidas por lei, da referida inspecção administrativa, verifica-se que se lhe confia nada mais nada menos do que a orientação dos presidentes das juntas de província e das câmaras municipais, chamando a sua atenção para lacunas e deficiências que descobrirem na sua gestão.
E dá-se-lhes competência a uns senhores que pontificam no Terreiro do Paço, situado na margem esquerda do formoso estuário do Tejo, circundado de bem pavimentadas ruas, onde circulam numerosos eléctricos e luxuosos automóveis, muitos deles com requisitos que os fazem incluir na classificação de «espadas», iluminação a jorros e outros benefícios do progresso, para proceder a estudos sobre a administração local!
A gente varia, mas é mesmo assim que lá está escrito.
Há mais de vinte anos, quando eu tive de promover o fomento rural para valorização das zonas mais esquecidas dos Poderes Públicos, mas dotadas de considerável potencial, capaz de as tornar úteis aos respectivos habitantes e concorrerem assim para o engrandecimento da Nação, esforcei-me por estimular a iniciativa local no que respeita à construção de múltiplos melhoramentos (porque os da terra é que sabem, como os doentes, onde lhes dói), mas, para evitar um progresso descoordenado, integrei-os nas respectivas municipalidades e, ainda, para evitar a rotina e erros de técnica, garanti-lhes o concurso de técnicos especializados (e não de inspectores, alheios à multiplicidade de obras vicinais, mas a quem a citada legislação pretende dar foros de omnisciência), justificando este concurso com a necessidade de se assegurar o conveniente emprego dos subsídios concedidos pelo Estado segundo a fórmula de comparticipações então criada e à qual estava reservado futuro brilhante na política de fomento nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Verifico agora, com satisfação, que a quase totalidade dos oradores que têm subido à tribuna na discussão da proposta de lei das receitas o despesas para 1951 se tem referido à política de melhoramentos rurais com palavras reconhecedoras da oportunidade da sua criação, em 1930, lamentando que não tivessem tomado o desenvolvimento que bem. mereciam e pronunciando-se decididamente pelo rumo de franca valorização rural.
Sr. Presidente: retomando o fio dos meus comentários sobre fiscalizações administrativa e financeira às autarquias e voltando à apreciação do notável documento do ilustre titular do Interior, lá se encontra a afirmação de que são lado das funções de estudo e orientação, cabiam-lhe as de averiguar se a lei foi infringida, e que para isso a inspecção realiza inquéritos, ouvindo queixosos e testemunhas, etc.».
Mas reconhece-se que tal prática tem suscitado reparos, «pois nem sempre é fácil conciliar o interesse no esclarecimento da verdade com a necessidade de salva-

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guardar o prestígio das pessoas que exercem determinadas funções».
Da, leitura do relatório da Direcção-Geral de Administração Política e Civil fica-se com a impressão de que tais reparos não se têm verificado e que as edilidades inspeccionadas têm exultado não só pela forma como tudo tem corrido, mas pelos resultados vantajosos para a administração local.
Sr. Presidente: outra tem sido a linguagem ouvida nos arraiais políticos. E, sem pretender prejudicar o valor do que se diz nos ofícios transcritos e dimanados de várias câmaras municipais, posso garantir a V. Ex.ª que, mais do que os reparos muito lealmente referidos pelo distinto Ministro do Interior, tem havido repetidos e enérgicos protestos, e são constantes as alusões fritas às consequências nocivas daí resultantes para o prestígio das pessoas que exercem as altas, difíceis e trabalhosas funções de presidentes e vereadores das câmaras municipais e doutras autarquias, quase sempre gratuitas, prestígio que o mesmo Ministro reconhece, e muito bem, ser necessário salvaguardar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esclarece o ofício da Direcção-Geral de Administração Política e Civil que as inspecções efectuadas por este organismo são definidas pelo artigo 373.º do Código Administrativo e pelo artigo 16.º do Decreto n.º 36:702, de 30 de Dezembro de 1947.
O primeiro daqueles diplomas, vá que não vá.
Foi-se um pouco longe demais reconhecendo aos inspectores administrativos competência para «averiguar a obra realizada pelas autarquias locais», uma vez que à palavra «averiguar» se dê o significado de apreciar, pois esta função exige preparação técnica e conhecimento das necessidades e possibilidades locais, difíceis de se verificarem nos referidos inspectores.
Mas o citado artigo do Decreto n.º 36:702 vai mais longe, pois reconhece aos inspectores administrativos competência para averiguarem quais as necessidades públicas mais instantes das autorquias respectivas e grau de urgência, e orientarem sobre a ordem de resolução dos problemas e outras atribuições de equivalente jaez, como se os tais senhores do Terreiro do Paço tivessem conhecimento para decidir das necessidades dos povos rurais e competência técnica para se pronunciarem sobre as obras precisas para as atender.
Valha-nos Deus, já que as leis dos homens são o que acabamos de ver e expõem as sacrificadas autarquias a tais inspecções e aos desígnios que os respectivos inspectores ordenarem sobre a vida local, e às devassas que entenderem fazer, e aos inquéritos que determinarem, e às conclusões a que chegarem, e ao risco de sentenças condenatórias, e ao desprestígio que tudo isto implica, e à fobia e consequente abandono de funções de administração local pelos homens bons do concelho, e ao inevitável engrossamento do funcionalismo, e à correspondente burocratização dos serviços municipais, em suma, a uma perigosa hipertrofia de um dos sectores do Estado, o que em nada contribuirá, antes estorvará o equilíbrio que a nossa política sempre visara entre o Estado e a Nação, para que do concurso de todos possam resultar o progresso e o bem-estar gerais.
Sr. Presidente: no primeiro quarto de século do actual regime, que se completa no próximo dia 28 de Maio, todos nos esforçámos por dignificar e valorizar o principio da autoridade expressa na vasta gama dos Poderes Públicos, não hesitando para isso em diminuir-nos, e até apagar-nos, bem como em concentrar no erário a quase totalidade dos réditos da Nação.
Mas à medida que a máquina do Estado engrossava em poder e recursos alastrava e complicava-se a rede de formalidades e de exigências e assistia-se a certo definhamento da autonomia,, actuação e demais prerrogativas municipais.
Simultaneamente registava-se um intervencionismo e dirigismo, que iam asfixiando as actividades privadas.
Mutatis mutandis, tão empenhado fora o esforço do Estado Novo no capítulo social para dignificar e melhorar as classes operárias que nos esquecemos do vasto e importantíssimo sector das classes médias, alterando assim o anterior equilíbrio económico-social existente entre os variados sectores da colectividade, com manifesto dano dos interesses não só do funcionalismo em geral - militar e civil, professorado e outros servidores do Estado -, sobre os quais, recentemente e com razão, se ouviram nesta Assembleia palavras eloquentes de defesa, mas das restantes actividades agrícolas, industriais e comerciais, proprietários, capitalistas, profissões liberais e tantas outras que em tempos desfrutaram relativa abastança, mas que as dificuldades da conjuntura económica fizeram descer para uma mediania que frequentemente roça pela penúria e até pela miséria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ainda há dias, na reunião que os representantes distritais tiveram com a nova comissão executiva da União Nacional, eu afirmara que, entre outros problemas que importa tratar, avulta a tríade preocupadora da defesa das classes médias, sem prejuízo, é bem de ver, das legítimas aspirações do operariado; a simplificação da máquina burocrática, expurgando-a do exigências e formalidades desnecessárias, bem como de manobras intervencionistas e dirigistas que perturbam o trabalho e estiolam a actividade das empresas; e, finalmente, a valorização, paralelamente com a organização estadual, para cujo robustecimento todos vimos contribuindo, da organização civil, na multiplicidade dos seus componentes privados e dos organismos oficiais ou paraoficiais, uns de proveniência electiva e carácter acentuadamente político, a começar pelas juntas de freguesia, câmaras municipais, juntas de província, até ao último escalão constituído pela Assembleia Nacional, e outros de nomeação, como os governadores civis, presidentes de câmaras e tantos outros cargos cujas pomposas designações estão longe de corresponder à exiguidade de funções e limitação de poderes mercê de uma centralização politico-administrativa que tem pontificado por mais tempo do que conviria aos altos interesses da Nação, rumo inconveniente, que tem de ser alterado.
A ligar todos aqueles elementos que podem vir a ser utilíssimos ao País lá está a União Nacional, até aqui subordinada ao decreto que a criara, mas que o eminente português que preside à sua comissão central afirmou, em seu discurso notável de anteontem, que «a massa dos nacionalistas muito bem pode já tomar sobre si, definir os laços que os ligam e a orgânica em que desejam integrar-se».
Eis o rumo acertado, o único que pode e deve seguir a grande massa de nacionalistas, que, após um quarto de século de esforços patrióticos rematados por um dos maiores triunfos da nossa história, demonstrou poder dispensar em certos aspectos a intervenção do Poder Central.
Rumo tão acertado e justificado que conviria generalizá-lo aos restantes sectores, reduzindo ao estritamente indispensável o intervencionismo polimorfo do Estado na vida nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: aprecia presentemente a Assembleia Nacional a proposta de Lei de Meios para o ano próximo, que lhe compete discutir e aprovar no exercício de um dos seus mais importantes atributos constitucionais.
Obedece aquela proposta de lei às regras fundamentais que estão na base do saneamento orçamental iniciado há vinte e dois anos pelo Sr. Presidente do Conselho e é dominada pelo princípio do equilíbrio entre as receitas e as despesas públicas, a que o Ministério das Finanças se tem mantido inalteràvelmente fiel.
É evidente que a Lei de Meios não pode ter todos os anos a mesma redacção nem obedecer a fórmulas rígidas e severas. E, se é verdade que aquele diploma tem tido uma certa uniformidade de disposições, menos certo não é também que tem possuído a elasticidade bastante não só para adaptá-lo às necessidades do Tesouro, mas para através dele se realizarem aspirações de justiça tributária e social, muitas delas expressas e traduzidas nesta Assembleia.
Não tem sido isenta de dificuldades e de vicissitudes a vida financeira do Estado nos últimos anos. Quando o País tinha entrado francamente em novos hábitos de desafogo e de disciplina orçamental, que permitiram acumular importantes saldos de contas, logo a guerra veio perturbar a política tão firmemente iniciada. Aumentou muito, em consequência da guerra, o volume de certas despesas públicas, nomeadamente as da defesa nacional; logo se ressentiram determinadas receitas do Estado, e houve que assegurar, por outras vias, o equilíbrio e o desafogo da tesouraria.
A paz trouxe outras dificuldades, pôs novos problemas. As próprias reservas cambiais acumuladas em consequência de fortes saldos positivos da balança comercial originaram um aumento de circulação de notas que, embora com correspondência em ouro e divisas em ouro, não deixou de influir no custo da vida e, portanto, nos gastos públicos. Por outro lado, receitas que a própria economia de guerra e o volume das exportações tinham feito subir baixaram abruptamente. Houve por isso que proceder a novos ajustamentos, mantendo, porém, sempre a Lei de Meios inalterável o princípio do equilíbrio do orçamento.
Mercê das economias acumuladas, puderam fazer-se no estrangeiro compras avultadas; efectuaram-se aquisições importantes de leis de consumo, fizeram-se stocks e renovaram-se equipamentos.
Contínuos saldos negativos da balança comercial originaram, porém, um outro problema: o do desequilíbrio da balança de pagamentos, com todas as suas consequências no desgaste das reservas cambiais e monetárias da Nação.
Dentro dos conceitos clássicos da escola liberal, sempre que há desequilíbrio da balança de pagamentos o próprio mecanismo das trocas internacionais restabelece automaticamente o equilíbrio perdido, quer se viva em regime de moeda metálica ou de moeda fiduciária.
No sistema do estalão-ouro segundo a escola liberal - o desequilíbrio da balança de pagamentos implica a saída de ouro do país devedor para o país credor e essa diminuição de quantidade de moeda em circulação acarreta uma baixa de preços e uma baixa de salários. Essa baixa no custo de produção encoraja a exportação, dificulta a importação, e, como no país credor se dá um fenómeno inverso, a balança de pagamentos tende automaticamente para o equilíbrio.
No regime da moeda inconvertível o mecanismo é idêntico: a baixa do câmbio que não está sujeito aos limites dos gold-points torna mais difíceis as importações, facilita a exportação e, embora os preços internos subam, essa subida é mais lenta do que à subida do câmbio e dos preços exteriores.
Os factos não deram razão à escola liberal. Antes de tudo, a baixa de preços dos produtos de exportação nem sempre melhora a balança de pagamentos. Um país pode exportar mais. a baixo preço, mas esse aumento quantitativo nem sempre corresponde a um aumento de valor global.
Além disso o progresso técnico verificado nos meios de produção dos países credores neutraliza, em regra, as consequências da alta de salários.
Na tese liberal o restabelecimento do equilíbrio da balança de pagamentos repousa na desvalorização do trabalho nacional em relação ao trabalho estrangeiro.
Mesmo no que respeita aos países credores àquela tese s perigosa e inconveniente. O aumento das importações - e o decréscimo das exportações originam o desemprego.
A falência da tese liberal, levou à conclusão dos acordos de Bretton Woods, em que dada a impossibilidade, do equilíbrio automático das balanças de pagamentos, se procuraram encontrar outras fórmulas de estabilidade monetária e cambial.
Como já se escreveu, em desmentido da tese clássica, é difícil permanecer próspero em face do empobrecimento alheio.
De justiça é salientar aqui nesta tribuna, onde o problema foi várias vezes ventilado, o valor das providências adoptadas pelo Governo tendentes a melhorar a balança de pagamentos do País através do comando do nosso comércio externo e assinalar, ao mesmo tempo, os resultados obtidos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Atravessaram-se anos sucessivos de balanças de pagamentos fortemente deficitárias. As reservas do Banco de Portugal sofreram forte desgaste, mas nunca o desalento nos invadiu, antes o Governo encarou corajosamente a situação.
Através do contrôle e registo das respectivas operações pôde obter-se o comando do nosso comércio externo, estar atento à sua direcção e a par do seu conteúdo.
As providências adoptadas tiveram notável repercussão na balança de pagamentos do País, pela diminuição do desequilíbrio da balança comercial e pela direcção do movimento das importações e das exportações, no sentido de se obterem as maiores vantagens da ajuda americana através do Plano Marshall.
O plano americano, e aqui já tive ocasião de referi-lo, estabelecia, como formas de auxílio, além dos empréstimos e das doações, a ajuda condicional e a ajuda indirecta, correspondentes à utilização de direitos de saque sobre outros países.
Destas formas de auxílio só o empréstimo constituía o país beneficiário devedor dos Estados Unidos. As outras davam origem à formação de fundos de contrapartida que podiam ser no futuro utilizados de acordo com o governo do país beneficiado e a administração do plano americano.
Houve que encarar o desenvolvimento do auxílio Marshall no plano interno e no plano externo.
Internamente procurou-se afectar o produto dos empréstimos, mesmo daqueles que tinham a sua expressão em escudos, correspondentes ao pagamento em dólares de bens de consumo, a empreendimentos de carácter reprodutivo.
E isso responde aos que receiam os encargos futuros consequentes da aplicação do Plano Marshall e dos empréstimos contraídos. Tem-se tido predominantemente em vista aumentar, com a ajuda americana, a produção do País, economizando, no futuro, cambiais e divisas que servirão para satisfazer encargos agora contraídos, em condições excepcionais de juro e de amortização.

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Quando se adquire, ao abrigo do plano americano, material circulante para os nossos caminhos de ferro ou para as nossas centrais eléctricas tem-se em vista o fomento da produção. Mas mesmo, quando ainda dentro do mesmo plano se adquire gasolina ou trigo, não se pense que se delapida a ajuda americana na compra de bens de consumo. Os escudos recebidos dos importadores respectivos afecta-os o Governo a empreendimentos que visam a maior produtividade e o enriquecimento da Nação.
Mas o plano americano teve também a sua influência no nosso comércio externo e toda a acção do Governo nesse aspecto se dirigiu no sentido de aproveitar as suas possibilidades, nomeadamente através da utilização de direitos de saque, por forma a que, dentro do mesmo pensamento que ditara o registo prévio das operações de comércio externo, se obtivesse uma melhoria sensível na balança de pagamentos do País.
A batalha foi árdua, mas a final vencida e ganha.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No ano económico de 1948-1949 o déficit da balança de pagamentos do País atingiu o montante de 4:139 mil contos, assim distribuídos:

Milhares de contos
Área do dólar .......... 1:099
Área do esterlino ...... 2:162
Países participantes na O. E. C. E... 524
Suíça ............. 149
Outros países .......... 58
Total ... 4:139

No ano económico de 1949-1950 distribuíram-se assim os saldos de pagamentos do País:

Milhares do contos
Área do dólar ............ - 523
Área do esterlino ........... - 47
Países participantes na O. E. C. E. . + 10
Suíço ................ - 143
Outros países ............. + 225
Saldo negativo . . 480

O saldo negativo da balança de pagamentos desceu assim de mais de 4 milhões de contos em 1948-1949 para menos de meio milhão em 1949-1950.
Relativamente à área do dólar o déficit ficou reduzido no exercício de 1949-1950 para metade do ano anterior; na área do esterlino passou de 2:162 mil contos para 47 mil, e relativamente a outros países, incluindo os países participantes na O. E. C. E., o saldo foi positivo.
No referido exercício foi-nos atribuída uma ajuda, ao abrigo do Plano Marshall, 'de 65:965 mil dólares, sendo 38:756 de ajuda directa e 27:200 de ajuda indirecta, representados por direitos de saque.
Em 1948-1949 os direitos de saque tinham tido uma natureza essencialmente bilateral. Mas como por vezes faliram os cálculos e previsões em que esses direitos foram estabelecidos, em 1949-1950 estabeleceu-se que só 75 por cento dos direitos de saque tinham carácter bilateral, podendo os outros 25 por cento ser "utilizados em relação a quaisquer países participantes na O. E. C. E. Quer isto dizer que ficou assegurada a cobertura de 20:400 milhões de dólares de deficits possíveis da nossa balança de pagamentos relativamente a certos países participantes na O. E. C. E. e de 6:800 mil dólares relativamente a países indeterminados da mesma organização.
O facto de nos ter sido distribuído um certo montante de direitos de saque não significa que os tenhamos utilizado integralmente. O que se pode afirmar é que o nosso comércio externo foi orientado no sentido de essa utilização ser feita pela forma mais conveniente à posição da balança de pagamentos do País, adquirindo-se somas avultadas de bens, ide produção e de consumo em determinadas áreas monetárias reputadas convenientes.
Por números recentemente apurados pode afirmar-se que a ajuda americana, directa e indirecta, contribuiu para melhorar, no exercício 1949-1950, em cerca de 500:000 contos a posição da nossa balança de pagamentos.
Até 30 de Junho último, dos 38 milhões de dólares de ajuda, directa tinha sido aprovada n utilização de 31 milhões, destinados a equipamentos e outras mercadorias.
O auxílio Marshall permitiu ao Governo, através do Fundo de Fomento Nacional, realizar internamente largas e importantes operações de crédito, em escudos, correspondentes aos empréstimos concedidos ao valor, em moeda nacional, recebido do comércio importador, e ainda aos fundos de contrapartida depositados no Banco de Portugal.
Estavam previstas para o ano corrente operações dessa natureza superiores a um milhão de contos, destinados a aumentar, valorizar e fomentar a riqueza do País.
A efectivação do plano americano coincidiu, assim, com as medidas tomadas pelo Governo para condicionar o comércio externo e melhorar a balança nacional de pagamentos. Coincidiu também com a efectivação de obras de fomento que, necessitando de crédito, dele beneficiaram em larga medida.
A gerência, que agora termina faz parte de um período da nossa, administração pública em que as finanças tiveram de estar atentas e vigilantes para manter íntegro o princípio do equilíbrio do orçamento, prover às necessidades dos serviços, dar satisfação aos anseios da aspirações de progresso colectivo e, ao mesmo tempo, zelar o crédito do País, assegurar as suas reservas monetárias e cambiais e defender intransigentemente o património e a riqueza da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Recordado o que foram estes últimos anos de depressão europeia, de dificuldades e de inquietação em todo o Mundo, com os seus naturais reflexos na vida portuguesa, não se pode deixar de ter expressão de merecido louvor para o estadista ilustre que até há pouco geriu as finanças públicas e prestar homenagem à sua competência, ao seu saber, à sua esclarecida visão dos problemas, à adelidaide com que serviu um Pensamento e à isenção com que soube sempre defender os mais faltas e transcendentes interesses do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a Lei de Meios para 1951 apresenta uma nova estrutura, embora mantendo os princípios essenciais que estão na base da nossa administração financeira.
Porque é uma proposta de lei de autorização de receita e despesa dá ao Governo poderes para cobrar as receitas do Estado e aplicá-las no pagamento das despesas legalmente inscritas no Orçamento - autorização extensiva aos serviços autónomos e aos que se regem por orçamentos não incluídos no Orçamento Geral do Estado.

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As disposições contidas na Lei n.º 2:038 relativas às taxas da contribuição predial rústica e urbana, às taxas que incidem sobre as transmissões entre irmãos e cônjuges, às isenções de pagamento de imposto sucessório, ao valor dos prédios rústicos e urbanos para efeitos de liquidação de sisa ou de imposto sobre as sucessões e doações e ainda aos adicionais que é lícito ao Governo cobrar, aos limites de isenção do imposto profissional dos empregados por conta de outrem e ao imposto profissional das profissões liberais passaram para a proposta de lei em discussão, que expressamente no seu artigo 9.º as perfilha e adopta.
A lei anterior adoptava certas regras destinadas a garantir o equilíbrio das contas e o regular movimento da tesouraria que a proposta actual igualmente sanciona.
Assim expressamente se preceitua que no ano próximo se tomarão as medidas adequadas a esses fins. ficando o Ministro- das Finanças autorizado a condicionar, de harmonia com os interesses do Estado e da economia nacional, a realização de despesas públicas e de entidades ou organismos subsidiados ou comparticipados pelo Estado, a reduzir as dotações orçamentais, a limitar as excepções ao regime dos duodécimos e a restringir a concessão de fundos permanentes e os quantitativos das requisições, por conta das verbas orçamentais, dos serviços autónomos e com autonomia administrativa e ainda a restringir ao indispensável o preenchimento de vagas nos quadros do funcionalismo público.
Embora com outra sistematização, estes princípios estavam consignados na lei anterior.
Igualmente se manteve a disposição que vedava aos serviços do Estado e aos organismos corporativos e de coordenação económica a criação de qualquer taxa ou receita sem autorização prévia do Ministro das Finanças.
Numa época dominada pela preocupação de mobilizar ao máximo todos os recursos do País, por forma a libertar-nos, tanto quanto possível, da dependência dos mercados estranhos, melhorando ao mesmo tempo o nível e as condições gerais de vida do povo português, a Lei de Meios não podia deixar de exprimir o papel e o interesse das finanças na realização dos grandes planos de fomento.
Era esse o fim do artigo 12.º da Lei n.º 2:038. Esse é o objectivo do artigo 16.º da actual proposta de lei.
Transitaram sem alteração da lei «anterior as disposições referentes à inscrição, como despesa extraordinária, da verba necessária paira pagar ao Instituto Geográfico e Cadastral as despesas com os levantamentos topográficos e as avaliações da propriedade, bem como determinadas importâncias de vidas às Casas do Povo; à situação dos funcionários consulares quando residam em castas arrendadas pelo Estado tem países onde se verifiquem condições sociais e económicas anormais e ainda a certas (negras a observar nas construções abrangidas pelo plano florestal.
Da Lei n.º 2:038 transitou também a enumeração das despesas a efectuar dentro do regime do Decreto-Lei n.º 31:286, de 28 de Maio de 1941, mas, enquanto que por aquela lei as despesas a efectuar em Timor tinham por objecto a reconstrução da capital, pela proposta de Lei de Meios para 1951 tem-se em vista a reconstrução e reconstituição da vida económica e administrativa da colónia.
Estas, resumidamente e de uma forma geral, as disposições comuns à Lei de Meios em vigor e à proposta de lei que há-de vigorar no ano próximo.
Mas a proposta em discussão insere matéria nova. Subscreve-a o actual titular da pasta das Finanças, Sr. Dr. Águedo de Oliveira, que durante algumas legislaturas consecutivas foi membro ilustre desta Câmara. Os que foram seus colegas cuja Assembleia Nacional recordam com apreço não só a sua camaradagem, mas também o brilho, a clareza, o alto nível dos trabalhos que aqui apresentou, muitos dos quais exprimiam simultaneamente as preocupações do seu autor e os grandes anseios e inquietações da nossa época.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todos os que seguiram de perto a brilhante acção parlamentar do Dr. Águedo de Oliveira, que conheciam os seus pontos de vista em matéria financeira, podem concluir, facilmente, que procura realizar, como Ministro, aquilo que pensava como Deputado.
Apoiados.
Vimo-lo, nesta Câmara, pugnar pela determinação e avaliação do rendimento nacional como base das imposições fiscais.
Vimo-lo sustentar a necessidade de reformar o sistema tributário, defender uma certa ordem na seriação dos trabalhos e obras públicas.
Estes princípios informam, fundamentalmente, a proposta da Lei de Meios.
Dos seus doze artigos novos, cinco referem-se, fundamentalmente, ao sistema tributário.
Dentro de um pensamento de reforma, expressamente se consagra o princípio de que a carga tributária será proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional e distribuída de harmonia com a sua composição, estabelecendo-se providências e prazos para uma primeira estimativa desse rendimento.
Anuncia-se também uma reforma tributária e estabelece-se o plano dos respectivos trabalhos preparatórios: sistematização dos textos legais vigentes, nomeação de comissões, definição dos princípios gerais a adoptar.
A reforma anunciada parece ter dois objectivos fundamentais: fazer do rendimento a base principal dos impostos e obter uma maior simplificação dos processos administrativos da sua liquidação e cobrança.
Para isso se procederá à revisão de taxas, adicionais e encargos, englobando-os numa taxa única, à actualização das isenções, à revisão e uniformização do regime das liquidações adicionais.
Ao mesmo princípio de simplificação obedece a tendência, consignada na lei, de a cobrança dos impostos se basear num conhecimento único e de haver uniformidade na divisão das prestações, nos prazos de cobrança e no relaxe.
Se o Ministério das Finanças tem perante os servires a responsabilidade pela satisfação das dotações orçamentais previstas, natural é que, em contrapartida, lhe sejam assegurados poderes especiais atinentes não só a assegurar essas dotações, mas também a manter permanente desafogo da tesouraria.
A Lei n.º 2:038 englobava um conjunto de disposições que podemos chamar de austeridade financeira. A proposta em discussão adoptou-as e foi além ainda ao preceituar que os serviços públicos deverão ser de rigorosa economia na utilização das verbas de que dispõem, principalmente na realização de despesas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, devendo o Governo providenciar para limitar ao indispensável as compras a efectuar no estrangeiro, tornar efectiva a preferência concedida à indústria nacional, cumprir o que se acha regulado quanto à compra e assinatura de publicações, diminuir o número das publicações oficiais e o seu custo e reduzir ao mínimo possível as missões oficiais fora do País.
Aos mesmos princípios de economia e de severidade na administração pública obedecem as disposições que

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mandam o Governo promover os estudos necessários à adopção nos serviços públicos de métodos conducentes a obter-se melhor rendimento de serviços com o menor dispêndio e ainda a que se refere à utilização de automóveis oficiais.
Disposições novas na Lei de Meios são ainda as que respeitam ao regime dos fundos especiais e à posição dos servidores do Estado e das suas famílias em face dos desastres ocorridos no exercício de funções e de moléstias contraídas em serviço e provenientes do seu desempenho.
Pode dizer-se que a grande inovação da actual proposta da Lei do Meios é proclamar abertamente o princípio de que a, carga tributária será proporcionada ao valor do rendimento nacional e distribuída de harmonia com a sua composição.
Todos nós tomos a noção do que seja o rendimento nacional, e alguns países, como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Suécia, conseguiram montar serviços o reunir elementos que lhes permitem determinar com precisão não só o montante, mas também a distribuição, desse rendimento.
Pode dizer-se que os Estados modernos, e quaisquer que sejam os recursos de que disponham, têm sempre mais tarefas a cumprir do que meios para as realizar. E também é certo que, excluído o recurso à moeda e ao crédito, o imposto continua a ser o meio normal de o Estado assegurar a realização dos seus fins. A capacidade tributária não é, porém, ilimitada, e quando o imposto ultrapassa curtos limites diminui a procura de bens e de serviços; baixam, em consequência, os consumos, nomeadamente os das classes de menores recursos; prejudica o investimento e diminui o próprio rendimento da Nação.
Um tratadista contemporâneo formulou recentemente esta base de política fiscal: qualquer novo gasto público que se considere desejável, deve ser financiado por meio de impostos. Os fins do imposto são repartir justa e equitativamente entre os cidadãos os custos reais das actividades colectivas públicas, assim como evitar a inflação.
Ora, para uma distribuição justa o equitativa do imposto e para que o seu montante não exceda as possibilidades do rendimento nacional impõe-se, antes de tudo proceder à sua estimativa e verificar a sua distribuição.
Esse é o objectivo do artigo 5.º da proposta.
Apesar de haver concepções generalizadas relativamente ao que se deve entender por rendimento nacional, não são unânimes as definições desta expressão e muitas são as discussões que se levantam quando se procura concretamente determinar se certos elementos da produção do trabalho, da própria vida, devem ou não ser incluído, no seu activo.
Os modernos tratadistas de economia dos Estados unidos - país onde os estudos nesta matéria têm atingido grande desenvolvimento - encaram o rendimento nacional através de diferentes prismas, que por serem aspectos da mesma coisa, resultam equivalentes.
Pode dizer-se que numa noção mais simples há acordo em considerar o rendimento nacional como a soma de todos os ganhos auferidos pelos diversos factores da produção.
Para se calcular o total desses ganhos recolhe-se um número infinito de memórias, dados e informas tendentes a determinar os salários e suplementos recebidos pelos que trabalham por conta de outrem, os lucros líquidos das empresas individuais e de tipo pessoal, como sejam os agricultores, comerciantes, profissões liberais, etc., os juros recebidos de títulos, obrigações e empréstimos, as rendas pessoais, os lucros líquidos das sociedades anónimas, quer sujam distribuídos entre os accionistas, quer sejam reintegrados na sociedade ou pagos ao Estado sob a forma de impostos sobre os lucros.
Nos Estados Unidos as estatísticas têm acusado variações sensíveis nos diversos elementos que compõem o rendimento nacional, embora os salários conservem sempre a mesma proporção relativamente ao rendimento total. E tem-se constatada também que quanto mais elevados são os rendimentos pessoais em menor proporção entram os salários e sem maior os juros e os dividendos.
A determinação do rendimento pessoal para a sua integração no rendimento nacional nem sempre é isenta de dificuldades. Nem todas as somas de dinheiro que um indivíduo recebe em qualquer momento se podem considerar como ganhos pessoais. Se uma pessoa - e tiro o exemplo de um livro americano - vende um quadro antigo por 1:000 dólares, não há um aumento de rendimento nacional. O que se deu foi uma troca de bens por outros bens. Mas, se um artista pintou um quadro do mesmo valor, aquele que excede o material empregado deve considerar-se como elemento a integrar no rendimento nacional.
Parece que o critério para determinar se uma quantia ou um ganho deve ser incluído no rendimento nacional é averiguar primeiro se representa o pagamento de um factor da produção e, depois, se implica um aumento da própria produção.
Apesar deste critério há muitos casas concretos sujeitos a controvérsias, como sejam certas heranças, pensões, subsídios, determinadas espécies de vendas, prémios de Seguros, o valor locativo das casas habitadas pelos seus proprietários, os trabalhos domésticos das donas de casa, que nos Estados Unidos não são, contra a pura lógica, do sistema, incluídos no rendimento nacional e que o fariam aumentar num quinto se porventura, o fossem.
O que se procura sempre determinar é o rendimento real da Nação e como por vezes varia o valor da moeda há, nestes casos, que corrigir o valor apurado pelos índices do custo de vida.
Em resumo e em síntese pode dizer-se que o rendimento nacional corresponde à produção nacional real e líquida.
Esta determinação da produção nacional liquida suscita também certas dificuldades e corre o perigo de fazer incorrer em duplicações.
Para evitar esse inconveniente e que um produto que entra, na confecção de outro apareça duas vezes no rendimento nacional - e é o caso do trigo e da farinha que entram na confecção do pão - se adoptou o critério de incluir no apuramento do rendimento da Nação os chamados produtos finais, cujo valor corresponde à soma dos bens intermédios.
Todavia, para calcular o rendimento nacional não há que contar apenas com os bens e serviços finais, mas também com o capital acumulado. A diferença entre os bens produzidos e os bens consumidos vai-se acumulando sob a forma de reserva de bens reais ou capital da comunidade, mais e melhor maquinaria, novas e, maiores fábricas, grandes existências de matérias-primas, mais casas, estradas e edifícios públicos.
É fácil avaliar a grandeza do empreendimento destinado a determinar o montante do rendimento nacional. Mas a sua avaliação não interessa apenas ao fisco. Interessa fundamentalmente à nossa economia, que através dos elementos colhidos pode verificar a sua própria evolução, o seu progresso ou o sen declínio, a sua prosperidade ou a sua depressão, comparar o nível de vida do País com o nível, de vida dos outros povos.
Nos Estados Unidos da América três organizações se dedicam ao apuramento do rendimento nacional: o Departamento do Comércio, que é um organismo do Go-

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verno Federal, o National Bureau of Economie Research, que é uma entidade científica, sem carácter comercial, e o National Industrial Conference Board, que é uma organização financeiro-comercial de investigação.
Estes três organismos trabalham em planos diferentes e são autónomos e independentes uns dos outros. Apesar disso, têm chegado aos mesmos resultados. Isso demonstra que, embora complexa, não é tarefa impossível a de determinar o rendimento nacional de um país.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sobre a proposta da Lei de Meios incidiu um parecer da Câmara Corporativa que honra o seu autor - o Sr. Dr. Supico Pinto -, não só pelos vastos conhecimentos que demonstra, mas também pela notável clareza e sistematização da matéria exposta.
Apoiados.
O parecer dá, na generalidade, a sua concordância à proposta, embora lhe introduza alterações substanciais.
Assim, não concorda com a redacção do § único do artigo 1.º, pois entende que na organização do orçamento não se deve prever a cobertura de parte das despesas extraordinárias com excedentes das receitas normais. A introdução da referida prática como princípio de administração financeira pode conduzir a situações de tesouraria menos desafogadas, e, por isso, preferível seria calcular as receitas e despesas com a folga habitual.
No decorrer do ano se ajuizará, para nos servirmos dos próprios termos do parecer, sobre o montante das despesas extraordinárias que prudentemente podem ser satisfeitas por conta da receita ordinária e os saldos acumulados serão destinados a fazer face, nos anos económicos seguintes, a despesas extraordinárias reputadas de maior interesse económico e social. E nesse sentido propõe que «as despesas ordinárias serão fixadas pelo Governo de modo que possa obter, na execução do orçamento, o máximo excedente das receitas ordinárias, destinado a fazer face, nos anos económicos seguintes, a despesas extraordinárias reputadas do maior interesse económico e social».
Na parte referente à reforma tributária a Câmara Corporativa, embora louvando o Ministro pelos seus propósitos, entende, na interpretação do § 2.º do artigo 70.º da Constituição, que as disposições contidas na Lei de Meios e atinentes a essa matéria devem ser entendidas como estabelecendo um programa de acção do Governo. E porque estão ainda muito atrasados os trabalhos destinados a avaliar o rendimento nacional e porque essa avaliação exige não só um grande desenvolvimento de serviços, mas também uma consciência cívica e uma educação generalizadas, propõe que o estudo da reforma tributária tenha por objectivo, além da simplificação do sistema actual, um melhor ajustamento da carga tributária às realidades económicas e uma equitativa distribuição desta pelas várias fontes ou categorias de rendimentos passíveis de tributação.
Parece-me que não são de proceder os reparos feitos pela Câmara Corporativa. A Lei de Meios é uma lei-programa, é como que um mandato político e constitucional conferido ao Governo, e é através essa sua natureza específica que se tem de apreciar as suas disposições.
De mais a mais o princípio consignado no § único do artigo 1.º não representa uma inovação e é louvável até que se transforme em norma aquilo que já ó prática.
De resto, a margem com que são calculadas as receitas, os poderes conferidos ao Ministro das Finanças e as regras de administração interna adoptadas garantem o desafogo da tesouraria, não havendo que recear uma situação da qual o Ministério das Finanças tem tomado sempre, e continua certamente a tomar, inteira e plena responsabilidade.
Não se me afigura também que ao enunciar o princípio de que a carga tributária será proporcionada ao rendimento nacional haja violação do disposto no § 2.º do artigo 70.º da Constituição. Este preceito constitucional refere-se à cobrança de impostos e a Lei de Meios estrutura de grandes princípios da administração financeira da Nação.
Se o sistema geral da tributação deve assentar no rendimento nacional, não vejo inconveniente em que se consagre, desde já, esse princípio.
A presente proposta de lei é um todo subordinado a determinados princípios gerais que o informam e dominam e creio não ser aconselhável introduzir-lhe alterações que afectem a sua estrutura e a sua própria sistematização, sob pena de se prejudicar o plano de gestão que a própria proposta da Lei de Meios exprime.
Sr. Presidente: nada podia traduzir melhor a situação actual e o sentido da política financeira da Nação do que a oração proferida anteontem pelo Sr. Presidente do Conselho.
Apoiados.
Esse magistral discurso condensa, simultaneamente, a gravidade da situação que atravessa o Mundo, a necessidade de ser-se austero nos gastos públicos e particulares, a influência das despesas de defesa nos orçamentos dos Estados, o propósito de se não interromper o desenvolvimento económico da Nação, traçando novo e adequado plano de fomento.
Exprime apreensões, mas, ao mesmo tempo, anima-o uma grande fé, um alto sentido do patriotismo e de espiritualidade, bem expresso no seu nobre desejo de, pela nossa doutrina, pelas nossas certezas e pelas nossas realizações, não deixarmos lugar vago - nem na inteligência nem no coração dos portugueses.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Estavam ainda inseridos para usar da palavra, na generalidade, os Srs. Deputados Botelho Moniz e Proença Duarte, mas SS. Exas. não se encontram na sala. Nestas condições, vou declarar encerrado o debate na generalidade. A ordem do dia da sessão de amanhã será a discussão desta proposta na especialidade.
Lembro a VV. Exas. que, constitucionalmente, a referida proposta tem de ser aprovada até ao fim de amanhã e, por consequência, essa sessão terá de ser prolongada para além da hora habitual.
Na sessão de amanhã deverão, além do mais, ser submetidas à apreciação da Câmara as autorizações, solicitadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, para alienação de imóveis em favor do Governo da Rodésia e do Governo de Sua Majestade Britânica, respectivamente, na cidade da Beira e na de Lourenço Marques.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António Pinto de Meireles Barriga.
Délio Nobre Santos.
João Alpoim Borges do Canto.

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Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
José Cardoso de Matos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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