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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66
ANO DE 1951 12 DE JANEIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º66 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 11 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs
Gastão Carlos de Deus Figueira
António Maria da Silva
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Ricardo Durão, para, esclarecimentos sobre o discurso proferido na sessão anterior; João do Amaral, que esclareceu igualmente a sua intervenção naquela sessão; Bartólomeu Gromicho, que solicitou a atenção do Governo para a necessidade de ser dada mais conveniente acomodação ao mausoléu do arcebispo de Évora D. Augusto Eduardo Nunes e também para que se efectuem as obras de restauro da Sé da mesma cidade.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou estar na Mesa uma carta do Sr. Deputado Craveiro Lopett informando ter sido nomeado comandante da 3.ª Região Militar e pedindo para ser esclarecida a sua situação parlamentar. Essa carta foi mandada baixar à Comissão de Legislação e Redacção.
Foi lido o parecer desta Comissão acerca da situação parlamentar do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha. Esse parecer conclui pela perda do mandato.
Sobre o mesmo usou da palavra, para explicações, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Posta à votação, por escrutínio secreto, a Assembleia pronunciou-se pela perda do mandato.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes sobre a mecânica dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Paulo Cancela de Abreu e Sá Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior,
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartólomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
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Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 65.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para lazer uma rectificação ao Diário das Sessões que está em discussão.
No final da p. 220, col. 2.ª, encontra-se consignada a seguinte intervenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente: «Às limitações que o Sr. Deputado Carlos Moreira nesta Assembleia pôs às comemorações solenes do centenário de Junqueiro, aliás com a maior elevação, espírito de justiça e de são nacionalismo, entendeu o Sr. Deputado Ricardo Durão contrapor o seu modo de considerar Junqueiro».
E nada mais, Sr. Presidente. Mas eu tenho a afirmar o seguinte: V. Ex.ª acrescentou a estas suas considerações algumas palavras encomiásticas sobre o meu discurso, e afinal essas palavras não figuram neste Diário.
Não ó por vaidade, Sr. Presidente, que refiro esta falta, mas porque não tenho o direito de menosprezar as atenções que V. Ex.ª me dispensa e que eu enternecidamente escutei.
Depois o Sr. Dr. João do Amaral fez algumas considerações em que sublinhou afigurar-se-lhe particularmente extemporânea a minha intervenção neste dia em que os nacionalistas portugueses comemoram a morto de António Sardinha.
Sr. Presidente: tenho a dizer a V. Ex.ª o seguinte: nesta frase pode transparecer, e transparece realmente para o meu espírito, que eu, afinal, vim perturbar com a minha intervenção inoportuna e impertinente, nesta hora alta em que se invocava a figura de António Sardinha, e ofender o sentimento dos nacionalistas portugueses.
Como poderia eu ofender os sentimentos dos nacionalistas portugueses se eu também sou nacionalista? - e não peço licença a ninguém para o ser.
Eu conheço a obra de António Sardinha...
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Ricardo Durão que se cinja estritamente ao assunto que neste momento se discute - o Diário das Sessões.
O Orador: - Mas desde que pode transparecer no Diário qualquer coisa que toque a minha sensibilidade e que me deixe mal colocado, parece-me que tenho o direito de rectificar.
Eu sou admirador de António Sardinha, o que, aliás, tenho provado mais de uma vez. Conheço a sua obra e o seu conceito. Admiro-o, sobretudo, ao contemplá-lo debruçado sobre as fundas raízes da História de Portugal. Ainda ontem me associei à homenagem que aqui lhe foi prestada, cumprimentando os oradores que falaram no seu nome, e eu, quando cumprimento um orador, é porque concordo com as suas palavras.
Respondi ao Sr. Dr. João do Amaral que quando me inscrevi ignorava que nesse dia se ia invocar António Sardinha, mas que, mesmo assim, não via motivos, e não vejo, para os melindres de S. Exa.
Como disse, não peço licença a ninguém para ser nacionalista, não apregoo os meus sacrifícios nem por eles apresento a factura, mas prezo-me de servir com isenção. No dia em que seja posta nesta Assembleia qualquer dúvida a esse respeito, de uma maneira categórica, eu saio e não volto mais aqui.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. João do Amaral: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª, como já lembrei ao orador que o antecedeu, que neste momento só é permitido fazer reclamações ao Diário.
O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: é para dizer a V. Ex.ª que todos nós que conhecemos o Sr. Deputado Ricardo Durão, e principalmente eu, que há muito tempo o admiro e estimo e tenho pela sua sinceridade e pela sua eloquência a maior admiração, não duvidamos de qualquer forma que não estava na intenção do Sr. Deputado Ricardo Durão melindrar a nossa sensibilidade no dia de ontem.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
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O Orador: - Quero dizer publicamente a V. Ex.ª, com toda a sinceridade, que, como ontem expliquei, se me ocorreu a ideia de que havia uma certa extemporaneidade na sua intervenção, foi porque me recordei do artigo que António Sardinha tinha escrito a respeito de Junqueiro. Senão nem sequer tinha feito essa referência.
Portanto, peço a V. Ex.ª, Sr. Deputado Ricardo Durão, que creia que nem de longe duvidei que V. Ex.ª - um velho batalhador do nacionalismo - tenha pensado melindrar a nossa sensibilidade de nacionalistas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Ricardo Durão: - Agradeço as explicações de V. Ex.ª, mas, como podia transparecer a alusão, por isso acusei o touché.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ricardo Durão, ao fazer reclamações sobre o Diário da sessão de ontem, lamentou a omissão no mesmo Diário de palavras que eu teria proferido, ontem, depois do seu discurso.
Efectivamente, ao referir-me à intervenção do Sr. Deputado Ricardo Durão sobre Junqueiro, eu assinalei p interesse com que a Câmara tinha ouvido o seu brilhante e sincero discurso; e quero que fique registada no Diário esta rectificação e a muita consideração pelo Digno Deputado.
O Sr. Ricardo Durão: - Agradeço a generosa explicação de V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Considero aprovado o Diário com as reclamações apresentadas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Exposições
Cópia de uma, dirigida a S. Ex.ª o Presidente do Conselho por um numeroso grupo de autores e críticos teatrais, referente a alguns dos aspectos da crise que atravessa o teatro.
Outra a propósito do discurso do Sr. Deputado Abel Lacerda relativo à prioridade da resolução dos melhoramentos rurais e pedindo a actualização do estudo e acabamento da abertura do troço de estrada entre Águeda e Cambarinho, do concelho de Vouzela.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma carta do Sr. Deputado Francisco Higino Craveiro Lopes, comunicando que foi nomeado comandante da 3.ª Região Militar e que, portanto, não lhe é possível fazer parte do actual quorum desta Assembleia.
A comunicação do Sr. Deputado vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção, para ela se pronunciar sobre o assunto, e oportunamente será presente à Câmara o seu parecer.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: em 10 de Julho de 1920 faleceu em Évora o grande arcebispo D. Augusto Eduardo Nunes.
A memória de tão ilustro prelado foi consagrada pelo Município no nome que deu à rua onde D. Augusto viveu a última fase da sua atribulada existência.
Também uns tantos admiradores, por subscrição pública, erigiram um mausoléu, que fora colocado, com autorização governamental, na capela do claustro, ao lado do túmulo do fundador, o bispo D. Pedro.
Com o desenvolvimento das obras de restauro da Sé e, em especial, com a reintegração do claustro na sua traça original, foi resolvido pelos funcionários dos Monumentos Nacionais que o túmulo do arcebispo D. Augusto Eduardo Nunes fosse removido do claustro, por não condizer arquitectònicamente com o ambiente restaurado.
Instalado provisoriamente numa capela da Sé, com a demolição desta posteriormente foi o arcaz tumular transferido para uma pequena cripta existente na formosa Capela do Esporão, substituindo-se o alçapão de mármore por uma pequena entrada por dentro da sacristia.
É de justiça dizer-se que na ocasião parecia o problema resolvido satisfatoriamente, porquanto houve o assentimento do próprio cabido.
O primeiro Inverno, porém, demonstrou o inconveniente da acomodação fúnebre, pois as águas pluviais ou de nascente invadem periodicamente a cripta, transformando-a numa contramina de nora.
A imprensa já se tem feito eco desta situação afrontosa para a memória de quem foi naquela catedral o maior entre os maiores.
Realmente, a sua voz de ouro, se alguma coisa de eterno existe nas vibrações da voz humana, ainda ecoa naquelas majestosas naves, por onde ele passou como um verdadeiro príncipe da Igreja - príncipe pelas suas virtudes e pelo seu talento.
Não é despropositado recordar que D. Augusto Eduardo Nunes, nascido na humildade, ascendeu por méritos próprios a uma cátedra de Coimbra e que em Évora, sagrado arcebispo de Perga, como coadjutor cinco anos e depois efectivo em 1890, empunhou durante trinta e cinco anos o báculo da arquidiocese com dignidade difícil de igualar.
O seu maior título do glória, a par de excelsas virtudes, foi, como toda a gente sabe, a oratória. A Trilogia da Imaculada - três notáveis sermões pregados em Braga, Évora e Vila Viçosa - é peça literária digna de um padre António Vieira.
As conferências dominicais da Quaresma na Sé de Évora atraíam multidões de fiéis e de simples curiosos.
Os próprios discursos profanos - e ocorre-me lembrar os que lhe ouvi proferir no claustro do liceu pelas festas do 1.º de Dezembro- tinham sempre foros de grande acontecimento. Na verdade, as majestosas arcarias do pátio nobre da velha Universidade eram o mais adequado cenário para aquela voz e para aquela nobre figura, que se agigantava em vibrações patrióticas.
Ora, Sr. Presidente, não é numa desolada e obscura cripta, transformada em nora periodicamente, com. entrada misteriosa e afastada da vista do público, que se guardam condignamente os restos mortais da ínclita figura da Igreja e das letras pátrias que foi D. Augusto Eduardo Nunes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O problema merece e deve ser revisto por quem de direito, no sentido de novo túmulo, estudado de harmonia com as características do local apropriado nas naves da Sé ou no claustro anexo, ser projectado de forma a resolver o duplo aspecto da arte e da merecida e permanente homenagem.
Sr. Presidente: vem a propósito referir-me ao restauro da Sé de Évora, obra meritória dos Edifícios e Monumentos Nacionais, mas que se tem arrastado há bastantes anos, sem se vislumbrar quando será o seu acabamento.
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É lamentável que há cerca de dois anos as obras tenham sido interrompidas sem qualquer motivo plausível e com grave prejuízo da utilização do templo, que mais parece um edifício em ruína do que uma sumptuosa casa de Deus.
O restaure do claustro anexo, cuja primeira obra de limpeza foi levada a cabo pelo Grupo Pró-Évora, está por concluir.
O interior da Sé foi alterado com a demolição das capelas das naves, mas o guarnecimento das paredes está por acabar. Sei que há tremendos problemas a enfrentar e a resolver, mas não é na paralisação que a solução surgirá.
Não se trata de um monumento mono-estilo, lançado numa só época. A Sé de Évora é um livro aberto dos estilos nobres que predominaram, desde o românico ao joanino. E todas as marcas das várias épocas são de tal beleza e valia que um restauro geral tem de respeitar e manter tudo o que representa o esforço e o registo dos séculos.
Obra difícil, é certo, mas não insuperável para a competência e boa vontade dos técnicos dos monumentos, tão exuberantemente demonstradas na vasta obra espalhada por todo o País.
Numa das galerias superiores da Sé fizeram-se obras dispendiosas para a instalação do museu sacro. Faltam pequenos acabamentos, como vitrais nas frestas, iluminação eléctrica, etc.
Porque não se conclui a instalação do museu da Sé, quando há um opulento recheio de quadros primitivos e paramentaria rica a expor?
Para estes problemas, e em especial para a condigna localização do túmulo do ínclito arcebispo D. Augusto Eduardo Nunes, peço licença para chamar a esclarecida atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas, a quem Évora ficará devendo mais esse inestimável serviço.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - No final da sessão de ontem anunciei que seria tratada hoje a situação parlamentar do Sr. Deputado Santos da Cunha, nomeado presidente do Conselho de Administração dos Portos do Douro o Leixões.
A comunicação do Sr. Deputado Santos da Cunha sobre o assunto foi enviada à Comissão de Legislação e Redacção desta Assembleia, a qual emitiu o seu parecer, que foi publicado no Diário das Sessões n.º 63.
O parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Santos da Cunha é no sentido de que o facto da sua nomeação determinou a perda de mandato deste Sr. Deputado.
Vou submeter à apreciação da Câmara esta situação. A Câmara tem de pronunciar-se, nos termos do Regimento, por esferas pretas e brancas, quer dizer, em escrutínio secreto.
Penso que o Sr. Presidente da Comissão de Legislação e Redacção desejará desenvolver este ponto.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não tenho propriamente nada a acrescentar ao que V. Ex.ª acabou de dizer e ao que está contido no parecer da Comissão de Legislação e Redacção. Com a maior objectividade, a Comissão analisou o problema e, por unanimidade, concluiu pela perda de mandato.
O caso é precisamente o mesmo que ocorreu com o Sr. Deputado Sousa Pinto, e a solução dada ao mesmo caso, quando ele se punha a propósito do Sr. Deputado Sousa Pinto, foi no sentido da perda de mandato, vendo-se, portanto, aquele Deputado nessa legislatura obrigado a abandonar os trabalhos da Assembleia.
O caso é este, posto com toda a simplicidade, e está posto mesmo assim no parecer da Comissão de Legislação e Redacção.
Mais nada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vai ser lido à Assembleia o parecer da Comissão de Legislação e Redacção.
Foi lido.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se ao escrutínio secreto para se decidir sobre a perda ou conservação de mandato do Sr. Deputado Santos da Cunha.
Fez-se a votação.
O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Ribeiro Ferreira e Augusto Cerqueira Gomes.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - Está concluído o escrutínio, cujo resultado foi o seguinte: entraram na primeira uma 24 esferas brancas e 53 esferas pretas.
A Assembleia, em escrutínio secreto, pronunciou-se, pois, pela perda de mandato do Sr. Deputado Santos da Cunha.
Resta-me dizer, interpretando certamente os sentimentos da Assembleia, que é com pesar que verifico a perda de um elemento tão útil e valioso para os trabalhos desta Assembleia como era o Sr. Deputado Santos da Cunha.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - É evidente que estas minhas palavras não envolvem a menor censura à decisão da Assembleia, que se limitou à verificação, em sua consciência, de um facto que acarretou, por disposição constitucional, a perda de mandato do Sr. Deputado Santos da Cunha, mas exprimem o pesar pela existência desse facto, que a priva da camaradagem e da colaboração daquele ilustre Deputado.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes sobre a mecânica dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: depois do autorizado depoimento que a Assembleia ouviu com interesse e proveito e de outros que se seguem a minha interferência no debate não terá, porventura, dirimente; mas serve-lhe de atenuante o desejo de confirmar a importância e a gravidade do problema e de carrear mais uma pedra para a sua estruturação em alguns moldes diferentes dos condenados na prática em mais de vinte anos de vigência.
Por isso, permita-me o Sr. Deputado Tito Arantes que eu meta foice na fecunda seara da sua argumentação, posta e desenvolvida com competência e brilhantismo e, por vezes, com a vivacidade, a ironia e o espírito que são seu apanágio e tanto nos cativam, e tanto nos cativaram até num assunto árido como este; milagre que eu não consigo realizar. E felicito-o pela feliz iniciativa do seu aviso prévio, que mais uma vez revelou ao País que na Assembleia Nacional se tratam os problemas sérios e a sério.
No Decreto n.º 12:353, de 10 de Setembro de 1926, do Prof. Manuel Rodrigues, grande mestre e autor da
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maior e mais notável transformação do regime jurídico processual desde o Código de 1876, adoptaram-se providências no sentido de assegurar a uniformização da jurisprudência, declarando-se obrigatória a doutrina dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em tribunal pleno. «E - acrescenta o relatório - a disposição do artigo 66.º é uma das inovações mais importantes do decreto. Temos a esperança de que há-de contribuir eficazmente para a estabilização da jurisprudência nacional. O problema da uniformidade da jurisprudência debate-se em volta de dois perigos extremos: o da imobilização e o da instabilidade. O decreto - conclui - procurou evitar esses dois escolhos; procurou dar estabilidade à jurisprudência, sem cair no defeito da estagnação e da imutabilidade».
Terá o legislador visto realizados os seus vaticínios?
A resposta pode ser afirmativa, sob o aspecto da uniformidade, a partir do momento em que os assentos respectivos foram proferidos pelo tribunal pleno. Na realidade, a doutrina dos assentos, com o seu carácter cominatório, obriga, enquanto não a alteram, a lei ou outro assento.
O assento, como é obvio, não tem projecção do pretérito, não corrige nem afecta os casos julgados, embora contraditórios; evita, sim, que no futuro, e no domínio da mesma lei, haja decisões contraditórias sobre a doutrina que ele estabelece. Mas nada mais.
O assento dá, pois, estabilidade permanente ou transitória à jurisprudência; e, assim, contribui para a certeza do direito.
Mas resulta daí, simultaneamente, a tal imutabilidade mais ou menos duradoura, com os inconvenientes que são, afinal, semelhantes aos que provêm das leis más ou desactualizadas.
Quer dizer: os assentos têm o mérito de impedir a incerteza do direito; mas, por outro lado, os assentos originam, até certo ponto, a imutabilidade que o relatório do Decreto n.º 12:353 também condena.
Corrigem um mal, mas podem originar outro, que será sem dúvida pior e evidente, se a sua doutrina não for defensável ou quando, com o tempo, se torne irrelevante ou inaceitável.
Pondo em presença os convenientes da uniformidade que os assentos criam e os inconvenientes da imutabilidade que deles resultem, é lícito duvidar sobre a utilidade da inovação.
Tenho, porém, para mim que, em princípio, o fiel da balança deve inclinar-se a seu favor, pois pior do que a imobilidade do direito é a sua incerteza. Entre os dois males prefiro o menor.
A imobilidade, quando nociva, tem solução possível em novo assento ou num diploma legal que alterem a doutrina anterior, ao passo que a incerteza, a diversidade das decisões, podem afectar irremovivelmente os interesses sociais ou os particulares que estão em conflito, mesmo que mais tarde a lei venha a remover as divergências.
E quais são, em última análise, o valor e a força dos assentos?
O notável jurisconsulto conselheiro Martins de Carvalho, grande mestre -como já antes o Dr. Fernando Olavo, advogado também ilustre -, combateu energicamente a ambiciosa ideia do juiz legislador ou da autonomia dos juizes designada por Freirecht e favorecida depois pelo Código Civil suíço de 1907, por a considerar afinal atentatória da certeza do direito. Considera ilusório tentar corrigir a falibilidade do legislador por via da falibilidade do juiz.
Mas, contra a opinião também autorizadissima dos Profs. José Alberto dos Beis, Manuel Rodrigues, Paulo Cunha e outros, citados pelo orador precedente, Martins de Carvalho entende que a nossa lei não seguiu a doutrina que brilhantemente critica. A nossa lei pretendo apenas uniformidade na jurisprudência.
Os acórdãos do tribunal pleno - diz - não têm força de lei, não são de modo nenhum interpretação autêntica ou legislativa, não equivalem a leis interpretativas, não saem da esfera da jurisprudência.
E, realmente, não diz o relatório do Decreto n.º 4:620, de 13 de Julho de 1918, que deve reservar-se a função de interpretar autenticamente as leis ao poder a que incumbe estabelecê-las e revogá-las?
Por isso, Martins de Carvalho condena, por imprópria, também a designação de «assentos» atribuída aos acórdãos do tribunal pleno, designação que competira propriamente às decisões da velha Casa da Suplicação, que a lei da Boa Razão (esta sim) mandou observar como lei inalterável. Estas é que, efectivamente, equivaliam a interpretação legislativa e, como tal, tinham força de lei, embora sem poderem ampliá-la, nem restringi-la, como ensinou Borges Carneiro.
«Mando que os assentos já estabelecidos, que tenho determinado que sejam publicados, e os que se estabelecerem daqui em diante sobre as interpretações das leis constituam leis inalteráveis, para sempre se observarem como tais, debaixo das penas estabelecidas», diz o § 4.º da Lei de 18 de Agosto de 1769.
O neologismo foi, porém, adoptado no Supremo Tribunal, por iniciativa de um dos seus conselheiros, e vingou no código actual.
Não será esta tradição do nome uma das maiores razões por que adquiriu consistência a superstição corrente de que os assentos têm força de lei, considerando-se como sendo de jure condito uma competência e atribuições que na lei, afinal, não passam de unidade de doutrina? «Unidade no progresso», como lhe chama aquele relatório do Decreto n.º 4:620, para marcar contraste com uma fixidez que lhe tire todas as condições de acomodação a novas necessidades, tendências e correntes ideológicas.
Dir-me-ão que se trata de uma simples questão de palavras. Mas nem sempre as palavras são indiferentes, especialmente quando têm poder de sugestão ou um significado tradicional.
Pelo seu lado, os paladinos da doutrina oposta à que venho de expor entendem que o juiz é melhor observador das realidades sociais; a sua iniciativa é uma necessidade do processo moderno e impede a cristalização do direito, afastando-o assim dos modernos conceitos da sociologia, etc.
O Dr. Mário de Oliveira, na sua dissertação académica, encontra argumento na douta afirmação do Prof. Marcelo Caetano de que o direito não pode limitar-se à ciência das leis já feitas; deve ser também, e na sua expressão mais alta e nobre, a ciência das leis que não deviam ter sido feitas e das que falta fazer.
É assim, com efeito, mas os contraditores podem objectar que é aos outros dois Poderes do Estado e não ao Judicial que compete e cumpre revogar o que não devia fazer-se e criar o que falta.
Mas prossigamos:
A meu ver, a crítica mais importante ao sistema na sua actual construção está na influência casuística nos assentos.
O caso sub judice não pode deixar de, frequentemente, influenciar o espírito do julgador em presença da omissão ou da dúvida da lei.
Não é descortesia reconhecê-lo.
É até precisamente um antigo juiz do próprio Supremo Tribunal de Justiça, o conselheiro Caetano Gonçalves, que, ao criticar a inovação, nos diz que reputa impossível alcançar através do juiz a unidade da lei, pois o juiz parte dos factos para o direito e tem de atender às circunstâncias do caso.
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Sim, até porque o determina o artigo 16.º do Código Civil, quando no texto, no espírito ou na analogia não encontre a solução e, por isso, haja de socorrer aos princípios de direito natural conformo as circunstancias do caso.
Quer dizer: a resolução tem de ser, em determinadas emergências, inspirada nos factos, cujas circunstâncias podem ser (e em geral são? diferentes ou opostas em cada um dos processos onde foram proferidas as decisões contraditórias.
Interessa agora encarar o problema um pouco mais no campo das realidades.
É facto incontestável e frequente a contradição nas doutrinas firmadas nas sentenças e acordos dos tribunais.
Por maiores que sejam a ciência o competência dos julgadores, as contradições são inevitáveis.
São inevitáveis e até legítimas, ainda que o julgador seja o mesmo, porque sapientis est mutare consilium.
E havemos de reconhecer que a incerteza do direito provém especialmente da própria lei.
De que modo se tem conduzido o Supremo Tribunal de Justiça no exercício da importantíssima função que o artigo 66.º do Decreto n.º 12:363 e, depois de outros diplomas, os artigos 763.º a 770.º do Código de Processo Civil lhe atribuíram?
A pergunta é melindrosa, porque colide como acatamento e respeito devidos a um dos Poderes do Estado, integro o respeitável, até por ter sido dos três o único que saiu salvo, firme o prestigiado dos dezasseis anos de convulsões políticas e sociais, onde quase tudo o mais se subverteu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Nação deve ao Poder Judicial o serviço inestimável de se ter sempre esforçado por manter o império e o prestígio da lei e a defesa e a disciplina da ordem social, sem a qual tudo se perdia.
Vozes: - Muito bem, muito, bem!
O Orador: - Enfim: não é arrojado afirmar que a Nação deve também ao Poder Judicial - mal compreendido e mal pago - o exemplo conjugado de virtudes raras: honestidade, independência e desinteresse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi há quarenta anos, no limiar da demagogia triunfante, João Franco e os seus Ministros, processados pelo crime de abuso do Poder, agravaram de injusta pronúncia. João Franco ficou alarmado ao saber que o relator do seu recurso era precisamente o juiz que, anos antes, ele enviara para a Relação dos Açores por, ao abrigo da Carta Constitucional, ter negado acatamento a um decreto do Governo.
Mas João Franco foi despronunciado, e este juiz o os seus colegas que subscreveram o aresto pagaram com o exílio nas Relações de Goa e de Luanda a coragem e o desassombro de libertarem aqueles homens públicos o sustentarem que as leis não se revogam simplesmente a tiros de canhão.
Sou suspeito para narrar este episódio; mas julgo-o interessante e valioso como expressão do que tem sido a Magistratura portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem assim pensa e solenemente o afirma, sem que o anime o menor espírito de lisonja, pode responder afoitamente e sem rodeios à pergunta
atrás formulada: àquela pergunta inteiramente justificada da parte de quem deseje ser esclarecido e encontrar solução que corrija os vícios do sistema.
Ora ninguém - nem os próprios venerandos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça - pode esperar que a resposta seja incondicionalmente favorável em relação a todas as doutrinas firmadas nos assentos do tribunal pleno. Os factos não deixam mentir, o alguns já foram aqui revelados.
Concretizando: não têm sido sempre as mais aceitáveis as doutrinas estabelecidas. E que não é suspeito este pensamento provam-no até os votos de vencidos, por vezes numerosos, que subscrevem alguns dos assentos.
Alguns exemplos, compreendendo os aqui referidos pelo Sr. Deputado Tito Arautos:
No assento de 4 de Abril de 1933 dos quinze conselheiros que intervieram no pleito sete assinaram vencidos; cinco foram os contrários no de 9 de Abril do 1935; nos de 7 de Março e 27 de Maio de 1947 houve seis vencidos; no de 18 de Dezembro de 1942 o presidente teve de desempatar a votação; no de 18 de Maio de 1947 foram seio os contrários; no de 12 de Julho do mesmo ano houve seio, e no de 10 de Maio de 1950 foram cinco. Outros tiveram dois, três e quatro votos contrários.
Dá-se até a circunstância singular de, por vezes, o número dos votos vencidos, somado aos vencedores no acordo contraditório revogado, poder ser superior aos dos que, no assento, fizeram vencimento! E isto é chocante e necessariamente colide com a feição dogmática que a lei imprime à deliberação vencedora.
São factos que não desprestigiam.
Desprestigiante seria não outorgar aos juizes o direito de pensar o querer segundo os ditames da sua consciência individual o ilaqueá-los e submetê-los a um critério rígido de inflexidade.
Apoiados.
E tem sido relativamente fecunda a acção do tribunal pleno. Desde 1927 até ao fim de 1950 proferia cerca de 140 assentos. Não é uma euforia.
Destes assentos, 66 foram sobre direito substantivo (44 civil, 11 comercial e 11 penal e alguns sobre administrativo); e os restantes versaram direito formal: processo civil, comercial o penal.
É de notar que, até à vigência do artigo 668.º do Código de Processo Penal, estava decidido pelo assento de 20 de Dezembro de 1927 que o regime dos assentos não era aplicável às causas criminais; e dos assentos sobro processo civil e comercial só prevalecem os posteriores ao novo Código de Processo Civil (1939), visto que o artigo 763.º limitou a força obrigatória deles ao período de vigência da mesma legislação.
Foi esta a restrição largamente debatida na Ordem dos Advogados, tendo prevalecido, como ontem disse, a opinião dos meus brilhantes contraditores contra a que eu sustentei no sentido de poderem normalmente prevalecer os assentos cuja doutrina não sofresse alteração no novo diploma ou, mais concretamente, no caso de prevalecerem ai disposições que originaram ou fundamentaram o assento. Mas este aspecto importante do problema foi ontem. bem o suficientemente apreciado pelo Sr. Dr. Tito Arantes.
Os assentos sobre direito substantivo, sem dávida os mais importantes, vários assuntos vários e complexos: convenções antenupciais, depósito de mulher casada, arrolamento dos bons do casal, redução das doações, arrendamentos a longo prazo, efeitos do dote, direito de referência, fixação e elevação das rendas, classificação do prazo para a propositura das acções, distinção entre legado condicionado e [...], impugnação da legitimidade, anulação, pelos filhos, de dívidas simuladas dos pais, falta de notificação do depósito de renda, efeitos da matricula comercial, arrematação, nas falências, do di-
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reito ao arredamento, câmbio nas liquidações em moeda estrangeira, prevalência da dívida depois da prescrição de letra, registo da escritura antenupcial, graduação das penas, punição da culpa, invocação da simulação pelos próprios simuladores, aplicação da pena de degredo, etc.
Este simples enunciado é suficiente para revelar aos próprios leigos a transcendência, do problema e o real interesse da sua apreciação, nos princípios que a informam, na estrutura e no mecanismo da sua efectivas.
Quanto ao mecanismo, o regime em vigor está hoje estabelecido nos artigos 763.º a 770.º do Código de Processo civil.
Não é este o lugar próprio para desenvolver as regras formais do sistema, nem isto interessava.
Como também já se disse o recurso só é admissível quando o Supremo tiver proferido dois acordos opostos sobre a mesma questão de direito.
Os autos correm os vistos de todos os juizes do tribunal o no julgamento devem intervir, pelo menos, quatro quintos dos magistrados que compõem as secções.
presidente terá o voto do desempate.
E em julgamentos posteriores pode ser alterada a jurisprudência fixada nos assentos, sendo, porém, mister que a iniciativa parta da maioria dos juizes que intervierem na decisão.
É novidade introduzida, no código o recurso para o pleno poder ser interposto pelo Ministério Público, mesmo que não seja parte no pleito.
Este recurso tem o mérito de o assento já não poder ser influenciado pela causa. O assento destina-se a por, abstractamente, termo ao conflito de jurisprudência; digamos: a criar a doutrina.
Eis porque o Prof. José Alberto dos Reis elogia a inovação, dizendo que deixa de haver a tal preocupação do caso concreto, que, por vezes, tem prejudicado a doutrina dos assentos.
E quais as soluções a adoptar para se por termo aos inconvenientes que a instituição dos assentos tem revelado?
Suprimi-la pura e simplesmente?
Admiti-la só mediante aquele recurso interposto pelo Ministério Público, independentemente do pleito já definitivamente resolvido, fixando-se e uniformizando-se assim a jurisprudência para o futuro, à margem da influência casuística?
Exigir apenas que, além da presença de quatro quintos de todos os membros do tribunal, o assento obtenha o voto da sua maioria absoluta ou mesmo a de dois terços?
Para o caso de o assento fixar doutrina oposta à do acórdão recorrido, levar em conta os votos deste, a fim de se evitar que ao todo, nos dois acordos, vingue a doutrina perfilhada pela minoria?
Não me julgo habilitado a sentenciar (não apoiado), e verifica-se que, em geral, a critica do sistema, embora construtiva, nem sempre tem apontado soluções concretas.
Em todo o caso, ouso sugerir que, em primeiro lugar, se desfaça a versão corrente de que um assento não difere da lei interpretativa, pois este critério, além de, a meu ver, não ter justificação, dificulta a modificação de sua doutrina em novo assento, como permite o artigo 769.º do Código, que, talvez devido àquela influência, tem sido letra morta.
Enfileiro, repito, ao lado dos que negam que o assento deve ter aquela equiparação. Os tribunais cumprem e executam as leis. Interpretam-nas, é certo, quando têm de aplicá-las; mas a sua interpretação vale apenas como doutrina: como doutrina que, quando fixada em assento, obriga enquanto o próprio pleno ou o legislador a não modificam.
Uniformizar a jurisprudência é o seu fim, legalmente expresso.
O contrário é admitir como legitima a invasão ou inversão aos poderes do Estado, que nem o texto do código nem a Constituição permitem, nem a intenção do legislador justifica.
Se não fosse esta a minha maneira de pensar inclinar-me-ia abertamente para a supressão deste instituto, acabando-se assim com uma perniciosa confusão nas atribuições dos poderes do Estado.
Nesta conformidade, postas assim as coisas no lugar que julgo o devido, manifestar-me-ia então no sentido de só haver recurso para o pleno interposto pelo Ministério Público, tenha ou não tenha sido parte no processo, desde que exista oposição de doutrina; e este recurso seria obrigatório.
O assento a proferir era irrelevante para o pleito originário: destinava-se somente a estabelecer para o futuro a tal uniformidade na jurisprudência, com ausência completa de influência, difícil de evitar, do caso concreto, que, deste modo, até estava ignorado por grande parte dos juizes chamados ao julgamento no plenário.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta solução tem também a virtude de evitar que a estabilização da jurisprudência, a tal certeza do direito - tantas vezes referente a preceitos de direito e ordem pública -, esteja dependente da vontade, do interesse ou do capricho das partes.
Quer dizer: se as partes recorrem, a uniformidade da jurisprudência estabelece-se; se elas não recorrem, a instabilidade prevalece. Ao fim e ao cabo: o acaso no direito!
Que ao era isto o que o legislador pretendia prova-o o artigo 770.º do Código, pois dá efectivamente ao Ministério Público legitimidade para recorrer nas condições que referi.
Simplesmente não tornou obrigatório este recurso, e o resultado foi, segundo creio, nunca ter sido utilizado.
E repare a Assembleia que a solução que defendo tende precisamente a dar vida e movimento a este preceito do código, com as modificações seguintes: ilegitimidade das partes para recorrer ao pleno; obrigatoriedade do recurso do Ministério Público sempre que houver acordos baseados em doutrinas opostas.
Embora do direito não seja possível dizer nihil novum, a verdade é que aquilo não constitui inteira novidade, pois já a Lei n.º 706, de 16 de Junho de 1917, impunha (note-se: impunha) aos agentes do Ministério Público a obrigação de enviarem ao Supremo Tribunal de Justiça nota dos julgados contraditórios, a fim de sobre eles incidir parecer.
E quanto aos votos ?
Persistindo-se na manutenção do direito de as partes recorrerem e mesmo no caso de ser adoptada a solução que sugiro, inclino-me para a exigência do voto de dois terços dos membros do tribunal para haver vencimento, pelo menos, nos assentos que fixaram doutrina oposta à do acórdão contraditório recorrido.
E fico por aqui.
Não estamos numa academia de jurisprudência, nem discutindo uma proposta de lei ou rectificações de decretos. E não pretendo lavrar assento, apesar de nesta doutrina, como se viu, não haver uniformidade entre nós.
Receio mesmo que, se houvéssemos de lavrar um assento, por todos os que interviemos na discussão, o meu voto seria de vencido ...
Por isso termino.
E termino confiadamente, porque neste debate faz-se alguma luz, que há-de iluminar o espírito dos que, por graça de Deus, não sofrem da miopia que levou os venerandos desembargadores de à três séculos e meio a, no ano da graça de 1960, aos 30 de Janeiro, assentarem
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que fosse aumentada de 200 para 500 réis a propina para óculos, atribuída anualmente a cada um deles; ... como tudo consta do livro 3.º da Esfera da Relação do Porto, na sua douta página 222 v.º!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: as questões suscitadas pelo aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Tito Arantes interessam vitalmente à boa administração da justiça.
E isso bastava para que eu devesse intervir no debate generalizado. São tão poucos os problemas levantados nesta Assembleia sobre que posso falar com algum conhecimento de causa, que eu próprio me sentiria em falta se me escusasse a dar o meu concurso para a solução daqueles em que posso emitir opinião.
A esta razão acrescem outras.
E que, não obstante não me considerar especialista em direito processual ou em qualquer outro ramo da ciência jurídica - e, muito à puridade, aqui confesso que não abundam naquele problemas que apaixonem o meu espírito -, por dever de profissão tenho de conhecer as leis de processo.
É, como director de uma publicação jurídica, acompanhei com interesse as reformas da lei adjectiva feitas pelo grande Ministro que foi o Doutor Manuel Rodrigues, grande talento e grande coração, cuja morte os seus amigos ainda hoje sentem e que para o País constitui perda irreparável.
Com a sinceridade que é meu timbre, reagi contra algumas das novas disposições, publicadas no início da sua gerência, que, como se sabe, foram tiradas de um projecto anos atrás elaborado pelo querido mestre Doutor José Alberto dos Beis.
No entanto, não duvidei acolher com simpatia a tentativa de uniformizar a jurisprudência.
Estudei os primeiros assentos logo após o seu aparecimento e publiquei então um pequeno trabalho, em que propunha a ampliação do recurso para pleno.
Anos depois, quando da revisão do projecto do Código de Processo Civil, coube-me relatar a sessão referente ao recurso para tribunal pleno. E o ambiente da comissão era de nítida hostilidade contra o mesmo recurso. Tudo fazia prever que ele seria banido do novo código, tão generalizada estava a ideia de, na sua maioria, os assentos serem errados.
Dei-me então ao cuidado de fazer uma espécie de balanço dos assentos, um por um, analisando-os à face da lei e das opiniões emitidas relativamente a eles; e com surpresa verifiquei que a impressão corrente não correspondia à realidade, pois, na sua quase totalidade, os assentos estavam certos, havendo alguns duvidosos e muito poucos claramente erróneos.
Não sei se constituirá imodéstia apresentar-me como o salvador dos assentos; suponho, contudo, que, à falta de mais gloriosos cometimentos, posso vindicar essa honra.
O que deixo exposto não significa que considere o assunto coutada exclusivamente minha; nunca tive a pretensão de me apropriar de qualquer tema, tanto mais que nenhum esgotei, e neste, como noutros assuntos que estudo, apenas procuro dar o meu contributo para o aperfeiçoamento do direito.
Bem fez o Sr. Dr. Tito Arantes em trazer ao debate o problema da uniformização da jurisprudência; e temos de reconhecer que o tratou brilhantemente, por forma acessível a todos, sem deixar de dizer o essencial.
Também eu não desejo profundar problemas técnicos, até porque nem sequer tive ensejo de ler o que relativamente aos assentos tenho escrito.
Do discurso do Sr. Dr. Tito Arantes depreendo que o ilustre Deputado concorda com a manutenção dos assentos, pois em vários passos do seu discurso louva, de um modo geral, a acção do Supremo Tribunal de Justiça no exercício da delicada missão que o Estado Novo lhe confiou.
E o que expus obriga-me a nem sequer pôr a questão do banimento do recurso para tribunal pleno.
Neste ponto tenho de discordar da opinião exposta pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu, que emitiu o voto de que o recurso para o pleno obrigatório para o Ministério Público colocaria este magistrado em grave risco de não cumprir o seu dever, pois é tarefa ingente a de pesquisar toda a jurisprudência do Supremo, publicada ou inédita, para saber se há decisão em contrário.
O Supremo Tribunal de Justiça, no desenvolvimento da sua actividade, tem atravessado fases mais ou menos gloriosas.
Tempo houve em que a maior ou menor competência dos juizes conselheiros era apenas função da Providência: se a percentagem de maus juizes que a morte fosse levando excedesse a dos bons, o Supremo melhorava, sucedendo o contrário no caso inverso.
Hoje, que a promoção ao colendo Tribunal depende de escolha, podem exigir-se a certas entidades contas pela má selecção que façam.
No entanto, o Supremo, apesar de todas as críticas que alguns seus arestos suscitam, ainda nos dá a nós, homens de leis, consoladoras provas de corrigir injustiças, que, sem a sua intervenção, se consumariam.
Mas, porque não é infalível, por vezes o Supremo se engana.
Daí a questão de saber como reagir contra injustiças notórias que - aliás com menos frequência do que poderia supor-se - o alto Tribunal pratica.
Poderia pensar-se em facultar o recurso com base na aludida injustiça; mas para quem interpor tal recurso?
Para o pleno, constituído por juizes das três secções?
A experiência tem mostrado que a tendência do Supremo é no sentido de dificultar o recurso para o pleno.
Quando se trata de apreciar a existência de oposições de arestos, só ante a que seja evidentíssima o recurso é admitido pela conferência, mas isso não assegura ao recorrente que a final se mantenha o reconhecimento da oposição, já que, pelo artigo 767.º, § único, do Código de Processo, o pleno pode decidir em contrário.
Ó Código de Processo de 1939 cerceou muitos recursos, e a posterior subida das alçadas, que continuo a considerar excessiva, faz com que, como regra, apenas subam ao Supremo pleitos de valor superior a 50.000$.
Entendo que a causa da justiça só tem a lucrar com a ampliação dos recursos.
E, pelo menos no Supremo, advogo convictamente a admissão dos embargos, mas não condicionada pela simples maioria de um voto, a julgar em termos idênticos aos prescritos no Decreto n.º 21:287, de 26 de Maio de 1933.
Os embargos decididos pelos mesmos juizes, como na vigência do código velho sucedia, constituiriam recurso inútil se os prazos dos advogados fossem então respeitados.
Todavia, como tais prazos não se cumpriam, muitas vezes os embargos conduziam à revogação do acórdão de que eram interpostos, porque os primitivos juizes vencedores, quando o recurso se julgava, ou tinham falecido ou deixado de pertencer ao Tribunal.
Actualmente isso não é possível, e daí a necessidade de fazer intervir no julgamento novos magistrados.
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Bastaria, pois, o restabelecimento dos embargos aio Supremo, que apenas poderiam ser rejeitados quando o acórdão tivesse aplicado um assento.
Isto, a não se facultar o recurso para pleno de todos os acórdãos proferidos em recurso de revista.
No Supremo Tribunal Administrativo, a que V. Ex.ª preside com tanta inteligência e tanto relevo (apoiados), a permissão de recurso para o pleno - que, de resto, devia também ser ampliado, na 1.ª secção, de acórdãos proferidos sobre actos de Governo e, na 2.ª acima de certo valor - não tem provocado abusos.
Recorre-se, em regra, de acórdãos que podem suscitar dúvidas, e não daqueles cuja argumentação convence o próprio vencido.
O sistema actual de recurso, fundado em acórdão anterior, poderia manter-se e até ampliar-se para os casos em que os embargos não fossem permitidos.
Quais são os principais inconvenientes do sistema?
Em primeiro lugar, e porque nem todos os acórdãos tio Supremo são publicados, a pesquisa de acórdão oposto ao recorrente é difícil; pode haver um acórdão e o mesmo conservar-se inédito.
Procurá-lo equivale a buscar agulha em palheiro.
O recurso depende de circunstâncias do acaso; se, por casualidade, o advogado da parte vencida conhecer algum acórdão em contrário ao recorrendo, bem está o vencido, não tendo possibilidade de interpor o recurso na hipótese contrária.
Em segundo lugar, e porque deve presumir-se que o tribunal julga bem, não é de supor que aceite alguma decisão contrária à recorrenda.
Se a lei é clara, pode o tribunal nunca ter tido ensejo de aplicá-la, por não se ter levantado a dúvida acerca do testo em causa.
Surge uma ofensa nítida ao preceito. Mas, porque nunca antes se pusera em dúvida o significado dele, a violação fica impune.
Quer dizer: as novas leis podem considerar-se, com novo sentido, imperfeitas, enquanto o Supremo não proferir acórdão determinando-lhes o recto significado.
Em terceiro lugar, o sistema actual tem o inconveniente de deixar aos próprios juizes que fizeram vencimento a competência para admitirem ou não o recurso.
Mas esse contra seria facilmente remediável desde que se atribuísse ao pleno essa competência.
E a modificação teria a vantagem de o pleno se pronunciar quando o fundo do recurso estava já sanado pelas partes; se a injustiça do acórdão recorrendo fosse palpável, o tribunal poderia facilitar um pouco a decisão sobre o conflito.
Notarei que pelo Código de Processo Penal se admite recurso para pleno do Supremo quando as Relações proferirem acórdão de que não seja admissível recurso ordinário e que esteja em conflito com outro da mesma ou de diversa Relação; não vejo motivo para que o artigo 669.º desse corpo de lei não se torne extensivo «m matéria cível, admitindo-se, porém, o recurso também com base em anterior acórdão do Supremo.
Sr. Presidente: o ponto crucial dos assentos, o drama u que ontem aludi em aparte ao discurso do Sr. Dr. Tito Arantes, é o da sua obrigatoriedade.
Há o perigo de o Tribunal, para evitar uma injustiça no caso em debate, tirar assento errado.
Devo declarar que o perigo de assentos injurídicos não me atemoriza.
O Sr. Tito Arantes: - Esse receio, que na verdade teoricamente existe, na prática imo se tem revelado, e a prova está naquele assento sobre fogo posto a que ontem me referi, em que o Supremo absolveu um confessadamente incendiário. O Supremo nesse caso mão fez justiça no caso particular, exactamente pela preocupação de chegar à regra que, de uma forma geral, convinha estabelecer.
O Supremo Exactamente desatendeu o caso particular para atender o caso geral.
O Orador: - Folgo em ver «confirmada a minha opinião.
Considero exacto o brocardo de que mais vale uma má jurisprudência do que uma jurisprudência incerta.
Quando o advogado não pode dizer aos interessados, com a menor probabilidade, qual a orientação que os tribunais adoptarão em certa controvérsia, gera-se a desconfiança entre aqueles que deveriam poder exigir alguma certeza no campo jurídico.
O assento errado é preferível a acórdãos divergentes, até porque, se o legislador estiver atento às realidades e não se conservar no dolce farniente que, por nosso mal, por vezes contemplamos, logo corrigirá a injustiça.
Quero recordar neste momento o nome de um Ministro que passou fugazmente pela pasta da Justiça, mas que foi magistrado muito inteligente e sabedor, um dos mais competentes do seu tempo - o Doutor José da Silva Monteiro.
O seu tribunal proferiu assento que pode enquadrar-se entre os infelizes sobre revelia.
Quem algum dia fosse revel, por falta de junção do procuração ou pela não escolha de domicílio do patrono na comarca, ficava perpetuamente em situação de revelia.
Pois o conselheiro Silva Monteiro não duvidou condenar tal jurisprudência, restabelecendo a boa doutrina, hoje expressa no código vigente.
No entanto, reconheço que há o inconveniente de, por inércia de quem detém o Poder Legislativo e porque o sistema que permite a revogação dos assentos pelo Supremo jamais funcionou, fazer com que subsistam assentos errados.
Casos há em que o próprio Supremo concilia a boa justiça com a formulação de assentos correctos: assim aconteceu com o assento que considerou o arrendamento a longo prazo, acto que exigia a intervenção da mulher, mas que reputou sanada a falta de intervenção dela pela passagem de recibos.
Mas nem sempre as circunstâncias do caso permitirão soluções conciliatórias.
Por isso entendo que deve encarar-se de frente o problema de restringir a posse obrigatória dos assentos.
Por compreensível melindre, o Sr. Dr. Tito Arantes não aludiu a uma solução proposta na revisão do projecto pelo Sr. Doutor Barbosa de Magalhães.
Devo declarar que em matéria jurídica jamais conheci facciosismos.
Nesse capítulo sou tão liberal como aquele ilustre jurisconsulto, a quem me ligam laços da maior estima.
Não posso esquecer que na sua Gazeta publicou os meus primeiros trabalhos de jovem estudante de Direito que eu era, há mais de trinta anos.
E, com a maior sinceridade, exprimo aqui o grande prazer que eu teria se visse reaparecer aquela publicação, que muita falta faz a todos os juristas ...
O Sr. TitO Arantes: - V. Ex.ª dá-me licença ? Quem me conhece, como V. Ex.ª, sabe que o melindre; a que há pouco se referiu provém da minha particular amizade com o Sr. Doutor Barbosa de Magalhães e do facto de sermos até, há mais de vinte e cinco anos, companheiros de escritório. Julgo conveniente prestar este esclarecimento, para que, quem não conheça estas circunstâncias, não pudesse supor que a natureza do melindre podia ter um sinal diferente ...
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O Orador: - Claro que eu sabia que era assim.
Voltando, porém, ao projecto do Sr. Doutor Barbosa de Magalhães, se bem me recordo, ele consiste no seguinte :
A eficácia imediata do assunto limitava-se ao processo em que foi proferido.
Mas o assento constituía proposta de lei interpretativa, que a Assembleia Nacional tinha de discutir.
Tal proposta não foi apreciada pela comissão revisora ; no entanto, cuido que ela merece ser estudada por quem pensa «m reformar o código vigente neste capítulo.
Por minha parte, estou pronto a colaborar com aqueles colegas que desejem trabalhar num projecto limitando o recurso para o pleno, pois a revisão final do código, se dia a dia se torna mais urgente, é reforma de maior vulto, embora tenhamos de propô-la, se o Governo a não fizer em curto prazo.
O assento podia não vigorar imediatamente para outros processos, ainda, que não fosse natural que o Supremo e os tribunais inferiores deixassem de respeitá-lo.
Mas passaria a vigorar obrigatoriamente se, em certo prazo, o Governo ou a Assembleia Nacional não aprovassem diploma em contrário.
Esboçadas estas ideias, desejo pronunciar-me concretamente sobre as sugestões do Sr. Dr. Tito Arantes.
Relativamente à da exigência de certa maioria para a votação dos assentos, concordo plenamente com a necessidade de se estabelecer um mínimo de vencedores; a possibilidade de os juízes, caso se mantenha o regime actual da obrigatoriedade dos assentos, assinarem vencidos constitui irrenunciável garantia de justiça.
Foi desastrada a experiência que sujeitava um juiz a lavrar acórdão contra a própria opinião; raramente este deixava de transparecer uma fundamentação ilógica ou deficiente.
Mas é óbvio que um assento votado por pequena maioria não tem autoridade para, se impor como interpretação autêntica da lei. Tal assento poderá resolver o caso concreto.
Se, porém, os assentos não vigorarem como interpretação obrigatória, as declarações de voto podem orientar o Governo ou a Assembleia para o efeito de não sancionarem a tese que fez vencimento.
No que toca ao número de acórdãos adversos ao recorrendo que é lícito invocar, igualmente concordo com a sugestão do Sr. Dr. Tito Arantes.
A premissa de o recorrente citar um só acórdão para cada questão, tomando o Tribunal em consideração o primeiro, caso o recorrente não fizesse a escolha que lhe era facultada, surgiu como exagero rítmico da invocação de numerosíssimos arestos, por vezes só remotamente relacionados com o problema discutido ou até de todo estranhos a ele.
Mas tal jurisprudência não encontra apoio na lei nem é razoável, pois, entre vários acórdãos, a parte pode hesitar para saber qual deles é mais típico.
Pode mesmo acontecer que um feixe de arestos vinque jurisprudência contrária à firmada na decisão de que pretende recorrer-se.
Por isso aceito que se permita a invocação de mais de um aresto para cada questão; e, se o número 5 pudesse considerar-se exagerado, pelo trabalho que o Tribunal teria quando fossem várias as questões suscitadas, que ao menos se nos permita invocar 3 - que parece ser a conta que Deus fez.
Acerca do entendimento do artigo 763.º, que exige a identidade de legislações, tenho-me batido pela possibilidade de basearem recursos para pleno acórdãos proferidos com base em diploma diverso daquele em cuja vigência foi proferido o recorrendo; e mantenho, convictamente, essa opinião.
Há, porém, duas questões que mão devem ser confundidas: uma é a da caducidade dos assentos proferidos com base em certo diploma; outra a de poderem invocar-se acórdãos proferidos à face de diploma diferente, para provocar um assento.
A aludida caducidade é o único argumento impressionante que tem sido invocado para exigir que ambos os acórdãos - supondo apenas o caso de dualidade de arestos, para simplificar o problema - tenham sido tirados na vigência do mesmo diploma.
Cuido, porém, não ser irrespondível tal argumento.
A vigência de um assento depende de vigorar ou não o preceito que ele interpretou; o assento está umbilicalmente ligado à disposição aplicada.
Revogado este, não pode o intérprete defender a urgência do assento.
O assento desapareceu desde que cessou o rigor da lei que autenticamente interpretava.
Entender o contrário seria, a par do problema já grave de interpretação dos assentos, deixar campo aberto à discussão sobre os que vigoram e os que não vigoram.
Quando, porém, se trata de fixar jurisprudência compreende-se que se invoquem decisões fundadas noutro diploma e o tribunal, ao apreciar se existem contraditas do julgador, pode dizer que há apenas oposição de legislação, que não cumpre ao Supremo resolver.
Conviria, por certo, esclarecer que os assentos, ainda que se lhes mantivesse a força obrigatória, podem ser objecto de pedido de aclarações ou reforma quanto a custas, bem como de arguições de nulidades.
Nenhuma razão existe para se negar tal possibilidade.
Pelo contrário, a própria força do assento exige que ele seja o mais claro possível.
E não deve esquecer-se que, quando interposto o recurso pela parte vencida, o assento resolve um pleito, não podendo os direitos da parte ser limitados.
Quantos assentos foram proferidos?
O Sr. Dr. Tito Arantes aludiu a mais de 130; porque me foi impossível consultar qualquer livro, nada posso dizer a tal respeito, embora confie inteiramente na idoneidade do informador.
Pode parecer estranho que não se conheça o número exacto dos assentos, o qual constituiria mistério tão impenetrável como o revelado pelo Boletim Oficial do Ministério da Justiça, segundo o qual é impossível saber os nomes dos Ministros da Justiça durante o remado do Sr. D. Miguel.
Houve quem se empenhasse em numerar os assentos, mas a tarefa é difícil.
É que, por um lado, têm sido publicados no Diário de Governo como assentos acórdãos que não têm essa índole. Por outro lado, a Secretaria do Supremo não tem divulgado os assentos que constituem repetições de outros.
Não acompanharei o Sr. Dr. Tito Arantes na apreciação dos assentos, por me parecer que a Assembleia dificilmente poderia tomar a iniciativa de revogar os errados, pois isso exigiria a discussão das matérias mais diversas. Todavia, poderia tentar-se a correcção dos mais extravagantes. Começar-se-ia, naturalmente, pelo primeiro - que é, salvo erro, o do testamento contratual.
Entendo que prestaríamos relevante serviço à causa da justiça se apresentássemos um projecto de lei reformando a respectiva secção do código; e estou pronto a trabalhar nesse projecto, conciliando as opiniões que foram ou venham a ser emitidas, por forma a fazer-se um trabalho com probabilidades de ser votado pela Assembleia.
Mais do que isso seria, a meu ver, pedir a Câmara o que só daqui a muito tempo ela poderia apreciar.
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Não deixarei, porém, de referir-me aos casos citados pelo Sr. Deputado.
O Acórdão de 8 de Maio de 1928, que, numa primeira impressão, eu tomei como assento, não resolveu qualquer conflito de jurisprudência, antes reconheceu não existir o mesmo.
Encerra, porém, jurisprudência inaceitável; e reconheço que algum perigo existe em que a mesma não seja exautorada, embora a vigência da lei uniforme sobre secções reduza bastante esse perigo.
O assento que fixou em trinta anos o prazo para a vítima de acidente do viação pedir o ressarcimento foi atacado com tanta felicidade pelo Sr. Dr. Tito Arantes que suponho ser impossível que o legislador que venha a publicar o tão anunciado Código da Estrada não atenda a essa crítica, inteiramente procedente.
O assento sobre fogo posto foi, pelo visto, aplaudido por mim. Serei forçado a rever o assento, e é claro que, se me convencer do engano, não deixarei de penitenciar-me do erro.
No que toca aos das conclusões, não me pesa na consciência o remorso do os ter aprovado.
Tinham inteira razão os vencidos nesses arestos.
A exigência das conclusões deve ser banida na reforma a fazer do Código de Processo, e o caso é tão limitado que poderia ser incluído no projecto sobre assentos.
Mas é perfeitamente absurdo que a parte negligente na formulação de quaisquer conclusões seja convidada a formulá-las e que quem fez conclusões mas não citou nelas a lei ofendida -exigência que a lei não formula- não possa corrigir o lapso.
E o mais grave é que o Supremo vem aplicando os assentos a toda a espécie de recursos, e daí resultará, a não ser a lei modificada imediatamente, não serem apreciados nas Relações recursos em que houve o esquecimento desse rito excessivamente formalista.
O Sr. Tito Arantes: - Para aqueles advogados que fizeram as minutas antes de terem aparecido os assentos não há esquecimento nenhum, porque a lei não fazia essa imposição.
O Orador: - E quantas vezes a decisão recorrida julgou contra direito e o recorrente não pôde, com propriedade, invocar um artigo de lei directamente ofendido?
Combati também o assento por permitir a reformatio in pejus.
Doravante, o réu condenado não ousará recorrer da decisão, por mais injusta que a repute, com temor de ver a pena agravada.
Sr. Presidente: não desejo fatigar mais a atenção da Câmara, até porque os ilustres Deputados que me precederam trataram o assunto com rara elevação e outros, igualmente doutos, estão inscritos.
Quero, porém, salientar que foi oportuníssimo o aviso prévio do Sr. Dr. Tito Arantes. E estou certo de que, como resultado dele, será apresentado um projecto de lei, que ainda nesta sessão legislativa poderá ser discutido.
Se tal fizermos, prestaremos um bom serviço à Nação.
É nesse espírito que mando para a Mesa a seguinte
Moção
«A Assembleia Nacional, tendo ponderado a discussão do aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Tito Arantes sobre os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, emite o voto de que, em diploma legislativo, se corrijam os inconvenientes notados ao sistema actual, aperfeiçoando-se o mesmo sistema em ordem a obter-se uma justiça cada vez mais perfeita».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a sessão, quero prevenir os Srs. Deputados de que é minha tenção dar para ordem do dia, depois de encerrado este debate, o aviso prévio do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, apresentado em sessão de 16 de Dezembro último, sobre a situação de grande número de jovens recém-formados que não conseguem obter colocação compatível com a categoria social a que ascenderam. O que faço desde já, para que o Digno Deputado avisante e os Srs. Deputados que desejem intervir na discussão possam preparar-se convenientemente.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Pinto de Meireles Barriga.
Délio Nobre Santos.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Miguel Rodrigues Bastos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Maria Vaz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA