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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 68

ANO DE 1951 17 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 68 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 16 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 56, que insere o relatório e contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1949.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 67.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos pedidos pelos Srs. Deputados Galiano Tavares ao Ministério das Obras Públicas, bem como os solicitados ao mesmo Ministério pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta.
Estes elementos foram entregues àqueles Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Castilho Noronha, que se referiu a problemas de interesse para o Estado da Índia; Sousa Meneses, para se congratular com o facto de os recentes sismos na ilha Terceira não terem causado desastres pessoais; Sá Carneiro, sobre problemas de energia hidroeléctrica, especialmente no tocante à barragem do Cávado-Rabagão; Elísio Pimenta, que fez considerações sobre o plantio da vinha; Santos Bessa, que enviou para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério da Economia, e Pinto Barriga, que anunciou um aviso prévio sobre o problema dos tabacos.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes acerca da mecânica dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Morais Alçada e José Meneres.
O debate foi encerrado com a leitura de uma moção apresentada pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e que a Assembleia aprovou.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Galheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Finto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Gamara.
Caetano Maria de Abreu Beirão.

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Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das. Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 67.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação sobre o mesmo Diário, considero-o aprovado.
Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Numerosos de condolências pelo falecimento do Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Galiano Tavares ao Ministério das Obras Públicas, bem como os solicitados ao mesmo Ministério pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta.
Os referidos elementos vão ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Castilho Noronha.

O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: o Diário do Governo de 8 de Novembro último publicou o decreto orçamental referente a Angola, Moçambique e Estado da Índia.
Limitando-me ao que diz respeito ao Estado da Índia, não quero ocultar a magnífica impressão que tive com a leitura desse importante diploma.
Verifica-se que foram atendidas quase todas as propostas vindas do Governo da índia. O Sr. Ministro das Colónias tomou em consideração o parecer do Conselho do Governo, que, como é de lei, se havia pronunciado sobre o projecto das bases para o orçamento de 1951. Quer isto dizer que o Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, que com tanto acerto e ponderação vem gerindo a pasta das Colónias, quis dar registo-o com desvanecimento - uma inequívoca prova da sua confiança no são critério com que o mais alto corpo representativo do Estado da índia encara os problemas propostos ao seu estudo e à sua apreciação.
Está bem de ver que o decreto a que venho referindo-me se não limitou a sancionar as sugestões ou as propostas feitas pelo Governo da índia. Há nele disposições que são ida iniciativa e exclusiva responsabilidade do Ministério das Colónias.
Destacarei de entre outras a do artigo 98.º, que diz:

É inscrita no orçamento dos serviços das obras públicas a seguinte rubrica de despesa:

Artigo ... Construções e obras novas:

1) De imóveis:
a) Dotação das obras públicas.

De harmonia com esta disposição, foi inscrita no orçamento para 1951 a verba de 250:000 rupias, destinada à dotação das obras públicas.
Fixou-se assim uma norma diferente da que era até hoje seguida e que obedeceu ao princípio de que devem correr pela tabela da despesa ordinária certas obras novas, como construção de escolas, etc., que, por sua natureza, não podem considerar-se despesa extraordinária.
Avultam pela sua oportunidade o artigo 88.º, que remodelou o quadro e os vencimentos do pessoal da Imprensa Nacional, ficando assim satisfeita a justa aspiração desses funcionários, que, contribuindo com o seu esforço para o Estado auferir apreciáveis rendimentos, eram muito mal remunerados, e o artigo 89.º, que cria alguns lugares nos serviços de saúde e higiene-departamento esse que, por falta de pessoal, continuava à margem do decreto que o remodelou.
Não menos simpática é a disposição do artigo 106.º, que autoriza o governador-geral do Estado da Índia, nos termos do § 3.º do artigo 10.º da Carta Orgânica do Império, a proceder à revisão do quadro e vencimentos do pessoal dos serviços de navegação da índia.
Só quem conhece a exiguidade dos vencimentos que oram atribuídos ao pessoal de navegação da índia podo avaliar o benéfico reflexo que a citada disposição vai ter na triste situação em que esses servidores do Estado se arrastavam.
De largo alcance a disposição do artigo 90.º, que cria em Velha Goa um posto sanitário fixo, e a do artigo 110.º,

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pelo qual são criadas no Estado da índia brigadas de combate ao paludismo.
Despenderam-se nos últimos anos enormes somas no saneamento da velha cidade de Goa. Ainda bem que assim se fez. A velha cidade de Goa é o mais rico e expressivo documentário da acção dos Portugueses nas terras do Oriente. A campanha, empreendida e conduzida com pesados sacrifícios, não podia ter termo com o êxito que a coroou. Impunha-se a sua continuação. Da solução de continuidade dos trabalhos de saneamento resultariam em pura perda os milhares de rupias que se gastaram.
Foi nesta convicção que o Sr. Governador-Geral, comandante Quintanilha e Mendonça Dias, que desde o princípio dispensou ao momentoso problema a mais atenta consideração, propôs a criação na velha cidade de um posto sanitário fixo, tendo tido a satisfação de ver que essa sua proposta mereceu a aprovação do Sr. Ministro das Colónias.
A criação das brigadas de combate ao paludismo, a que se refere o artigo 110.º, obedece à imperiosa necessidade de serem saneadas as extensíssimas áreas de alguns concelhos das chamadas Novas Conquistas e dos distritos do Norte infestadas pela malária.
Sr. Presidente: com a mesma data de 8 de Novembro último foi publicada a Portaria n.º 13:348, que autoriza os governadores-gerais de Angola, Moçambique e Estado da Índia a elaborar os respectivos orçamentos gerais para o ano económico de 1951, observando o disposto nas bases aprovadas nessa portaria.
Entre as bases referentes ao orçamento da índia há duas que não podem passar sem menção especial. É a base III, que manda inscrever no orçamento da receita ordinária a importância de rup. 904:866-02-05, destinada ao pagamento integral da divida pública, e a base viu, que manda descrever na tabela da despesa extraordinária verbas no total de 4.500:000 rupias.
Esta avultada importância representa, se não estou em erro, a dotação mais elevada nos últimos anos para obras de fomento. É ela destinada às obras de construção dos canais de Candeapar e Parodá, adaptação a regadio das áreas beneficiadas por aqueles canais e melhoramento de lagoas, campanha para incremento da produção de arroz, abastecimento de água à cidade de Goa, pavilhão do Hospital Escolar, cais, pontes e rampas de atracação de barcas de passagens, estradas, etc.
Muitas dessas obras vêm ao encontro das mais prementes necessidades do País - necessidades que o Sr. Governador-Geral faz o melhor empenho em ver satisfeitas.
É de justiça frisar que algumas das obras a que me referi, já em vias de realização, se devem ao decidido apoio que lhes dispensou, quando Ministro das Colónias, o Sr. Capitão Teófilo Duarte, a quem presto a minha homenagem pela solicitude e carinhoso interesse que sempre lhe mereceram os assuntos referentes à Índia.
Há ainda um outro ponto que pretendo focar e que reputo ser de grande importância. Refiro-me à angustiosa, verdadeiramente aflitiva situação em que, pelos seus parcos vencimentos, se encontram os funcionários públicos do Estado da índia, na sua quase totalidade.
Verdade é que o decreto orçamental de 8 de Novembro último concede um aumento de 10 por cento de suplemento de vencimento a todos os servidores do Estado até à categoria de primeiro-oficial ou equivalente, inclusive. É já alguma coisa. Mas isso não basta, evidentemente.
Impõe-se como necessidade inadiável uma revisão de vencimentos. E isto tanto mais quanto é certo que aí os funcionários públicos percebem, à parte o suplemento, que é de recente data, vencimentos fixados há quase trinta anos.
O custo da vida subiu, como ó sabido, subiu extraordinariamente, a tal ponto que o pequeno funcionário não pode, com o pouco que ganha, fazer face aos encargos da sua sustentação e de sua família.
No relatório da Caixa Económica de Goa (gerência de 1949) vêm interessantes dados, que lançam muita luz no assunto que venho expondo.
Este relatório, dando, de um lado, em elucidativos mapas, os números-índices simples de alguns artigos alimentares no período compreendido nos anos de 1933-1934 a 1949, e, do outro, os números-índices simples de vencimentos dos funcionários do Estado em serviço activo, dos salários agrícolas e dos salários industriais, no mesmo período, tira as seguintes conclusões:
1.º O aumento médio sofrido por esses géneros durante o período considerado foi de 279 por cento, sendo impressionante o aumento do preço do arroz (485 por cento), se levarmos em conta a sua importância na alimentação da população do país;
2.º O aumento do rendimento nos três grupos considerados foi: nos salários industriais, 165 por cento; nos salários agrícolas, 200 por cento; nos vencimentos dos funcionários do Estado, 38 por cento.
Temos, pois, que enquanto o custo dos géneros alimentícios, de 1933 a 1949, galgou para 279 por cento, o aumento do rendimento dos funcionários do Estado foi apenas de 38 por cento!
Em face desses esclarecimentos, tirados de uma publicação oficial, não tenho de alongar-me em mais considerações.
Eu sei que no Ministério das Colónias está em estudo o projecto da revisão dos vencimentos.
É de esperar que esse projecto se converta o mais breve possível em realidade que vá melhorar a situação dos funcionários, como exige o próprio decoro da função pública.
Recomendo o assunto à esclarecida atenção do Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, que, resolvendo-o, imporá o sen nome às benemerências dos funcionários do Estado da índia, que neste momento têm os seus olhos postos no Ministério das Colónias a ver se daí lhes vem auxílio que os habilite a debelar a crise que os aflige.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: noticiam os jornais, e informam-nos telegramas de carácter oficioso e particular, que tiveram apreciável intensidade os tremores de terra na ilha Terceira.
Já vai decorrida mais de uma semana desde que se sentiu o primeiro grande abalo sísmico, a que se sucederam com desusada frequência, nos dias seguintes, outros mais pequenos; mas as últimas notícias dizem-nos que nos dias 12 e 13 mais dois violentíssimos abalos atemorizaram a população da ilha.
A instabilidade do solo junta-se assim a inquietude das almas.
Até ao presente não há, felizmente, desastres graves a lamentar, mas, por motivo de alguns derrabamentos, houve ferimentos em pessoas, que obrigaram a hospitalização, e já há notícias de danos importantes em vários prédios e edifícios públicos, embora de fácil reparação com os meios locais.
Sabe-se que nestes fenómenos não há possibilidades da ciência para a previsão da sua continuidade ou da sua finalidade. No inesperado da sua eclosão, o abalo sísmico ou actividade vulcânica tanto pode ir do simples tremor de torra, que assusta sempre, ou da fumarola em que se não repara, até à violência de uma calamidade como a do Monte Pelado, na Martinica, que num momento, repentinamente, em poucos segundos, arrasou completamente a cidade de Saint-Pierre, numa fúria total de

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destruição em vidas e fazendas, que só é possível comparar aos recentes e verificados processos de destruição, por desintegração atómica.
É por isso que se recordam sempre com temor as grandes calamidades que os abalos sísmicos e as erupções vulcânicas têm provocado.
Conta-as também a história das ilhas dos Açores, onde desde o inicio do seu povoamento já alguns desses grandes cataclismos se verificaram, possivelmente a repetirem-se, porque ainda sobre a maioria de todas elas impende a ameaça de um vulcanismo em actividade, que se exacerba de tempos a tempos, numa seriação espaçada - pelos séculos, mas que é, afinal, a continuidade da mesma causa originando os mesmos efeitos.
Já os sofreram, naturalmente mais intensos, as populações primitivas que assistiram às erupções vulcânicas do grande cinzeiro em S. Miguel e às torrentes de lava que nesta ilha, na Terceira e em S. Jorge irromperam do alto dos montes, queimando a terra pelas encostas até ao mar, em largos tractos de terreno outrora proveitoso; sofreram-nos muito mais as populações de Vila Franca e Praia, da Vitória, totalmente destruídas de repente por violentos abalos sísmicos, e ainda em nossos dias, há duas dezenas de anos, a cidade da Horta, na ilha do Faial, sofreu gravíssimos danos por idêntica convulsão de, um grande abalo de terra.
Então, como no passado, como hoje virá ainda a suceder, passado o alarme, guardada em resignação a conjuntura do fenómeno, o apego à terra, o amor ao torrão, natal, aquela característica típica da insularidade que é a saudade e o regresso à vista imensa do mar, farão esquecer os dias angustiosos, para que novos dias de tranquilidade o trabalho profícuo restituam aos espíritos a calma o a alegria, que é a essência da vida humana na sua continuidade e na sua felicidade.
Neste retorno de actividade sísmica coube agora a vez de a tornar a padecer à terra que aqui represento e que vinha de comemorar no ano que findou, como aqui referi, com o alto regozijo da sua continuidade nacional, o 5.º centenário do seu povoamento - cinco séculos de existência, meio milénio de vida em profícuo trabalho, em' activo desenvolvimento, em devotada dedicação, à Mãe-Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esperemos que a Providência Divina acalme a inclemência da natureza, restituindo à população alarmada a calma e o sossego da sua vida operosa; mas, se bem sei que se não podem pedir outras providências, trago o assunto ao conhecimento da Ex.ª Assembleia, para aquele apreço de simpatia e solidariedade humana com que daqui devemos tributar àquela população o nosso pesar, as nossas preocupações o os nossos votos para que essa intranquilidade termino o se troquem por dias novamente felizes os dias angustiosos que vem passando.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas é ainda com este desejo, Sr. Presidente, que espero, que a população da ilha também espera, não impraticável das providências que a vontade dos homens possa por em marcha para obstar à continuação do seu desassossego e da sua angústia, que não esqueça ao Governo da Nação, na sua alta missão de vigilância e protecção, pôr em linha, acautelar-se com a prevenção de todas as providências usuais, prontas à primeira voz, no caso de ser preciso pô-las em acção para socorro duma calamidade maior.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: no próximo domingo a energia do Zêzere começará a abastecer Lisboa.
Este grande acontecimento nacional não pode deixar de alegrar-nos, até porque muitos dos membros desta Assembleia viveram o problema da electrificação do Pais, pelo menos desde que em 1944 aqui foi discutida a importantíssima proposta de lei sem a qual não teria sido possível este quase milagre.
E todos podemos imaginar o entusiasmo com que compartilharia do nosso alvoroço um dos Deputados que mais assiduamente acompanharam os trabalhos, o nosso já hoje saudoso colega Dr. João Antunes Guimarães, cujo corpo no sábado último deixámos no alto do Bonfim, mas cujo espírito vive e viverá sempre na atmosfera desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acerca do Zêzere nada de novo ou podia dizer, até porque o ilustro Deputado Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho, em sessão de 29 de Novembro, a que não tive o prazer de assistir, enalteceu a grandiosidade da obra em termos de rara elevação, do mesmo passo que estabeleceu princípios que, pelo seu realismo, cuido não poderem controverter-se.
Não quero, porém, deixar de fazer breves considerações acerca de outra grande obra do Estado Novo cujo 1.º escalão está pronto ou em viu de concluir-se o que, até por dever profissional, tenho acompanhado desde o início - o aproveitamento dos rios Cávado o Rabagão.
Depois de enaltecer a obra do Zêzere, aquele ilustre Deputado lamenta que não seja lícito idêntico orgulho com respeito à 1.ª fase do aproveitamento Cávado - Rabagão, que, não obstante ter sido de começo considerado como mais simples, mais rápido i e mais económico, acaba' afinal por se realizar em condições totalmente opostas; e põe em confronto o custo de uma e outra obra - 600:000 e 450:000 contos, respectivamente - quando é certo que aquela La fase do Cávado Rabagão apenas produzirá cerca de metade do Zêzere - 150 milhões de quilovátios hora de energia permanente, do que resultará o preço da venda do quilovátio-hora no Norte ser, aproximadamente, 15 por cento mais caro do que no Zêzere.
Não tenho elementos que me permitam saber o preço do custo da energia no Zêzere.
Todavia, pelo que respeita ao Cávado-Rabagão, os 160 milhões de quilovátios-hora de energia permanente (15O X 10 6 kwh) da Venda Nova, cuja exploração se iniciará em Fevereiro próximo, será de $26; e, porque no artigo 14.º do caderno de encargos se prevê o fornecimento por pregos mais baixos às indústrias electroquímicas, se esse fornecimento for de 15 por cento da produção total o se fixar a $09, os 85 por cento restantes poderiam ser vendidos a $29.
Mas já os 100 milhões do aumento de produção de energia permanente de Salamonde 2.º escalão -, já iniciado o que deve entrar em serviço no primeiro trimestre de 1953, ficarão a $15, o que dará o preço médio de $22 e o de $24 para, os 85 por cento não destinados às indústrias químicas.
Os outros 100 milhões do 3.º escalão, o da Caniçada, ficarão a $17, o preço médio a $20 e os 85 por cento a $28.
E os últimos 200 e tantos milhões - pois deve aproximar-se dos 600 milhões a produção total - ficarão a $16, dando a média de $19 e o preço de 490 para os falados 85 por cento.
Estes números confirmam inteiramente - como não podia deixar de acontecer- as palavras avisadas do Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho, que formalmente

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condenou qualquer hesitação que pudesse surgir quanto ao prosseguimento imediato dos escalões seguintes.
Vou mais longo em dizer que seria um verdadeiro crime não ultimar as obras, pois, obviamente, é da feitura integral delas que pode resultar um preço económico para a energia.
E os preços apontados não poderão taxar-se de exagerados quando se atenda a que, no projecto referente ao aproveitamento do Douro, se queria o preço de $22 para a energia permanente, o qual baixaria para £17 entrando em conta com a energia temporária.

O Sr. José Meneres: - Quer dizer: vamos ter energia mais cara no Norte do País!

O Orador: - Relativamente a certas indústrias, assim acontecerá.

O Sr. José Meneres: - Então, ainda bem!

O Orador: - As administrações o os técnicos que trabalharam na obra do Zêzere merecem, sem dúvida, incondicional louvor.
Mas estou certo de que não estava no espírito do Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho incriminar o esforço ingente, que eu posso testemunhar, das pessoas que têm passado pelo Cávado e que a essa empresa dedicaram o melhor da sua inteligência e do seu valor.
Sabe-se que o projecto do Zêzere tinha sido objecto de estudo mais aprofundado que o do Cávado-Rabagão.
Ambas as empresas tiveram, como era natural, de vencer as dificuldades da* organização inicial, de obter o equipamento do estaleiro, e esforçaram-se pela rápida conclusão dos aproveitamentos.
Mas Cávado-Rabagão lutava com dificuldades especiais.
Tratava-se do aproveitamento de uma cabeceira de bacia hidrográfica que não beneficiava da regularização dos caudais resultante de aproveitamentos a montante; à complexidade do tipo acresciam dificuldades de ordem geológica, sendo a obra porventura a mais difícil de quantas se fizeram no País; a central teve de ser sobre equipada, pelas suas características de central de ponte, o que fez aumentar o custo dos trabalhos de derivações, muito extensos e sujeitos a elevadíssimas pressões; houve que inundar a Venda Nova, a mais importante aldeia da região, tendo de construir-se 20 quilómetros de estradas, em terreno difícil de montanha; e, ainda por cima, o edifício da central, subestação transformadora e outras obras foram executadas na parte que respeita ao 4.º escalão, o de Paradela, o que acentua a índole antieconómica do 1.º escalão, comparado com os restantes.
Estes, mercê da regularização de caudais da albufeira da Venda Nova nos escalões de jusante, produzirão energia permanente cerca de 40 por cento mais barata que a de Venda Nova, em condições que podem, afoitamente, confrontar-se com qualquer grande aproveitamento hidroeléctrico com possibilidade de realização nos próximos anos.
E é claro que os últimos escalões aproveitarão do prosseguimento ininterrupto dos trabalhos, evitando-se a paralisação do equipamento do estaleiro e que seja dispersa a organização do trabalho.
Ambos os aproveitamentos Zêzere e Cávado-Rabagão - constituem demonstração insofismável da nossa capacidade de realização de grandes obras de fomento o honram todos aqueles que labutaram em prol do aumento da nossa riqueza, dando à economia nacional força motriz sem a qual não podiam viver nem desenvolver-se indústrias vitais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: o Ministério da Economia, ao abrigo de disposições constitucionais, solicitou parecer da Gamara Corporativa sobre mu decreto-lei a publicar referente ao plantio da vinha.
Embora o diploma lia já sido elaborado com notável minúcia e a preocupação evidente de estabelecer regras de defesa da qualidade e das características dos vinhos regionais, unificando ao mesmo tempo legislação dispersa e contraditória, a verdade é que nem por isso mesmo, ou talvez por isso mesmo, se dispensou de ouvir as opiniões e conhecer os pontos de vista dos representantes autorizados dos diversos interesses em causa.
Só há que louvar francamente o Sr. Dr. Ulisses Cortês, cuja entrada no Governo abriu uma lacuna nesta Assembleia.
O assunto interessa fundamentalmente à região do Entre Douro e Minho.
Região de policultura e de pequena propriedade, vivo essencialmente da vinha e do vinho, com o qual faz face vitoriosamente às crises com que a Providência experimenta volta e meia a resistência e a índole pacífica da sua gente.
Ano de pouco pão, mas de bom vinho, é ano bom ...
É que esse vinho, inconfundível pela sua qualidade típica e original, bebida fresca, leve e colorida, é a seiva e o ouro do minhoto.
E tudo isso sem roubar terra ao pão. A vinha é alta, em árvores ou ramadas, orlando os campos e cobriu d o os caminhos, as poças, as noras ou os quinteiros.
Eis a razão, Sr. Presidente, por que os 100:000 produtores da região demarcada dos vinhos verdes, para os quais o Governo nem sempre olha com pleno conhecimento dos seus problemas - haja em vista, diga-se em parêntesis, o Decreto-Lei n.º 36:742, que limitou a entrada do vinho verde em concelhos limítrofes do Porto e autoriza o abastardamento da qualidade, impondo a lota com vinhos estranhos à região -, acolheram com o maior interesse, e interesse nitidamente favorável, pela sua oportunidade e pelo seu conteúdo, a proposta do diploma em questão.
E esse interesse manifesta-se precisam ante nas exposições e representações enviadas a esta Assembleia e à Câmara Corporativa e em outras que eu, o mais desvalioso representante da região, tenho recebido de grémios da lavoura e doutros organismos e de pessoas qualificadas, sem falar nos simples e humildes lavradores, cujos sentimentos ausculto sempre que as obrigações das minhas funções de Deputado me não obrigam a permanecer em Lisboa.
Isto quer dizer que, mais uma vez, o Governo foi ao encontro dos desejos e das necessidades da Nação a que esta não fica inerte perante os problemas que a apoquentam, colaborando na sua resolução.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O facto de o artigo 36.º da proposta estabelecer que o disposto nele sobre a. forma de cobrança das taxas entra em execução no dia 1 de Maio de 1951 dá-me a convicção de que a publicação do decreto-lei tão virá a fazer durante o funcionamento efectivo desta Assembleia, e, portanto, em condições de ser sujeito a ampla discussão, o que só será proveitoso à regulamentação definitiva do momentoso problema do plantio da vinha.
É esse o meu voto, e nada me poderia ser tão grato do que ter ocasião para unia vez mais, então, como representante de uma região que tantos benefícios virá a tirar do diploma, prestar a minha homenagem ao Sr. Ministro da Economia, cujo fecundo e brilhante labor - não esqueçamos que a proposta de lei sobre o condicionamento industrial liberta desse condiciona-

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mento as pequenas indústrias agrícolas - está a ter interessantes repercussões de ordem política.
Sr. Presidente: não é sem emoção que termino estos breves palavras.
Hoje, mais do que há quatro dias, ao abrir os jornais da manha, e depois, ao tomar parte, com comovido orgulho, na imponente manifestação de pesar feita pela minha terra - a cidade do Porto - à memória do Dr. Antunes Guimarães, eu senti a perda irreparável que o Norte e nós, os do Norte, sofremos.
Encontrava-o quase sempre, às terças-feiras, em Campanhã, esperando o rápido, e nesses breves minutos, e por vezes durante a viagem até Lisboa, ouvia-o interessado falar com paixão dos seus, dos nossos problemas. E, ouvindo-o, eu aprendia a lição da dedicação desinteressada de alguém que se devotara sem limites à causa da pequena lavoura e dos seus humildes servidores e que se sentia satisfeito e recompensado ao saber que as suas palavras eram lidas com reconhecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O legado que nos deixou a nós, homens do Norte, é difícil - impossível pelo que me toca - de cumprir.
Mas eu não poderia, no cumprimento desse legado, deixar de falar hoje do plantio da vinha, que tanto interessa ao presente e ao futuro desses pequenos lavradores e de que eu sabia que o Dr. Antunes Guimarães viria a falar no momento oportuno.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Santos Bossa: - Sr. Presidente: requeri em 26 de Março de 1950 determinados elementos sobre uma doença que grassava entre os bovinos importados da Holanda pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários e que levou a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários a impor-lhes regime de sequestro, doença que peritos veterinários portugueses diagnosticaram como peripneumonia exsudativa. Esses elementos foram-me fornecidos no último dia de trabalhos da anterior sessão.
Como é a primeira vez que uso da palavra depois disso, quero aproveitar esta oportunidade para agradecer a minuciosa e completa informação que me foi prestada.
Tenho conhecimento, porém, de que, depois dessa data, veio a Portugal, a convite do «Governo Português, um médico veterinário francês, com a missão de estudar a doença de que sofriam esses bovinos, procurando-se, por esta forma, tranquilizar os que admitem grave erro de diagnóstico por parte dos peritos veterinários portugueses.
Porque tenho necessidade de actualizar todos os elementos respeitantes a esta doença, de modo a esclarecer-me sobre qual foi a actuação dos nossos técnicos, da Direcção-Geral dos Serviços (Pecuários, do médico veterinário francês e do professor encarregado do inquérito, requeiro que, com a possível urgência, me sejam fornecidos, pelo Ministério da Economia, os seguintes elementos:

a) Relatório do médico veterinário francês, protocolos das experiências que realizou e resultado das investigações a que procedeu em Portugal;
b) Conclusões a que, nesta data, tenha chegado o inquiridor nomeado pelo Ministério da economia e relatório dos seus trabalhos;
c) Quaisquer outros elementos que o Ministério da Economia entenda dever fornecer para completo esclarecimento deste problema de sanidade pecuária e da actuação da respectiva Direcção-Geral.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte:

Aviso prévio

«Nos termos regimentais, desejo tratar em aviso prévio da reactualização do problema dos tabacos, considerado nos seus múltiplos aspectos.
Na realização do aviso prévio tentarei demonstrar:

1.º Sob o ponto de vista económico:

a) Que o problema tem sido encarado fora de uma boa óptica económica, com grave detrimento para a nossa balança de pagamentos;
b) Que sê tem descurado a intensificação e melhoramento da produção agrícola tabaqueira no ultramar, vivendo a produção e fabrico fora da sistematização corporativa portuguesa, sem um organismo de coordenação económica que pudesse estudar, através dos seus serviços regionais, os regimes climáticos, de modo a bem situar e repartir as operações de cultura; a determinar a adubação eficiente, quer para o desenvolvimento das plantas, quer para influenciar a dosagem de nicotina, ainda que esta dependa mais de factores morfológicos; a promover o aproveitamento e adaptação ao terreno das variedades ambicionadas das solanáceas; a determinar o melhor regime de exploração - grande, média ou pequena; a presidir judiciosamente aos afolhamentos; a indicar uma boa maturação industrial e os processos conducentes a uma melhor dissecação e fermentação; a concluir sobre a questão da produção agrícola tabaqueira continental; a iniciar uma fiscalização técnica da produção e fabrico, hoje praticamente inexistente, de modo a assegurar a melhor apresentação e qualidade do produto industrializado e a racionalizar a indústria adentro da precaridade dos nossos meios técnicos e da exiguidade do mercado;
c) Pela renovação do sistema de distribuição, de modo a evitar certos «polipólios» que pesam sobre o custo do produto e o dificultam aã consumidor.

2.º Sob o ponto de vista financeiro:

a) A exigência de uma melhor utilização fiscal dos tabacos, com bom aproveitamento dos réditos fugidios da distribuição;
b) Pela reactivação administrativa, dentro dos princípios jurídicos da imprevisão, do arrendamento das fábricas, do Estado, mas sem forçosamente ir para uma interpretação contratual odienta e pejorativa dos legítimos interesses da empresa arrendatária, embora afastada, em boa técnica e figuração jurídica, indiscutivelmente, da posição legal de concessionária de serviços públicos;
c) Defrontar o problema do condicionamento dessa indústria e comércio exclusivamente à luz directa das obrigações contratuais assumidas, das carências1 fiscais> e do conjunto económico português;

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d) Constatar a urgência de um aumento de receitas neste sector orçamental, facilmente suprido por uma possível elevação de capitação, quantitativa e qualitativa, mas, bem longe de um dirigismo acanhado de consumo, deixando livremente evoluir as preferências do público, orientando-as, contudo, num sentido em que a motivação do lucro empresário ocuparia um lugar secundário para dar posição de relevo às exigências higiénicas do fumador, às fiscais e às do nosso mercado cambial;
e) Finalmente, concluirei pela defesa do consumidor menos abastado contra um certo dirigismo que lhe impõe inexoravelmente a compra de qualidades de tabaco que, além de mão serem das suas preferências, aquele não justifica, nem por motivos de saúde, nem por exigências de maiores receitas fiscais, nem tão-pouco por uma poupança de divisas, nem sequer pela melhor produtividade económica dos capitais empregados nessa indústria; talvez, apenas, por um envelhecimento de processos de organização administrativa, e até por mera rotina, saciando incompletamente uma necessidade, embora supérflua, tornada imperiosa pela habituação, transformando-a pela sua insatisfação total ou relativa numa fonte de tortura e de angústia, quando deveria servir de manancial a um bem-estar que compensasse e acompanhasse o consumidor nos seus trabalhos, canseiras e agruras quotidianas.
Resumindo: provarei que, criando ainda mais receitas para o Estado e defendendo a nossa posição cambial, se poderá obter melhor tabaco, mais barato, mais ao gosto do público e localmente mais acessível, por uma melhor distribuição, embora mantendo para os produtores, industriais e comerciantes respectivos uma legítima taxa de retribuição».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes sobre a mecânica dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça.
Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Alçada.

O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pedi a palavra para, através de breves considerações, associar o meu voto aos fundamentos invocados pelo aviso prévio sobre o mecanismo dos assentos, de autoria do ilustre membro desta Assembleia e nosso muito considerado colega Sr. Dr. Tito Arantes, que, com rara clareza e inexcedível concisão, nos trouxe a este lugar a sua palavra viva e fácil, abrindo com ela os meandros áridos do assunto, de modo a transformá-lo em notável e agradável exposição e ficar desse modo ao alcance de todos.
As minhas considerações nada adiantam ao que já aqui foi dito brilhantemente pelos oradores que me precederam e terão, por conseguinte, a única virtude de reforçar pelo número o que de momentoso o problema reveste.
Circunscrita a minha intervenção a esse desígnio bem modesto, começarei por dizer que a generalidade do problema da certeza das soluções legais em que se integra o aspecto particular agora suscitado perante n discussão desta Assembleia não é novo, pois que remontam a meio século as preocupações que têm merecido aos juristas portugueses.
Todavia, este problema, apesar de antigo - e para a solução do qual está em vigor desde 1926 o ordenamento que a experiência cada vez mais desaconselha -, assume flagrante actualidade, até por virtude das recentes vinculações de interpretação emanadas do nosso mais alto tribunal comum e impostas, em contraste aberto, ou com a esmagadora opinião da doutrina ou com o próprio quadro material dos textos legais apreciados.
E talvez, por via destes últimos factores, se tenha tornado mais viva e imperiosa a necessidade de apregoar as deficiências do sistema em vigor, substituindo-o por outro que mais garantias traga, simultaneamente, à fidelidade material da lei, à uniformização das interpretações oficiais, à certeza, do direito e, consequentemente, ao prestígio da justiça, através dos órgãos que superiormente a administram.
E claro que, enunciando tais objectivos, estou longe de acertar o passo com as críticas estabelecidas, há já alguns anos, ao anseio da uniformização da jurisprudência, de modo a concluir, como então se fez, pela exautoração dos assentos e pela inutilidade dos esforços, que datam da Portaria de 27 de Outubro de 1898, no sentido de se tornarem líquidos 05 conflitos abertos de interpretação, por divergência de julgados do Supremo Tribunal, a respeito da mesma natureza de interesses.
Ao contrário, tenho por conveniente, e absolutamente radicado no meu espírito, que a vida do direito e a existência das sociedades, principalmente das de tipo latino, só auferem vantagens da certeza da disciplina legal, sem prejuízo da flexibilidade própria da interpretação objectiva, sempre atenta aos progressos e às mutações sociais.
Quando em 1929 o Prof. Doutor José Alberto dos Reis, com a autoridade e o prestígio do seu nome, escrevia que a alguns assentos têm sido mal recebidos pelos juristas, dois ou três foram exautorados pelo legislador e um foi posto em cheque pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça», já então se divisava no panorama deste assunto algo de consistente a demonstrar os inconvenientes do sistema para alcançar o objectivo que se tinha em vista.
E desde então, decorrida a experiência de mais de vinte anos, os índices não melhoraram, e antes podemos afoitamente afirmar terem-se avolumado os motivos daquela autorizada verificação.
Chegados a este tempo, não traduz desdouro para ninguém nem desrespeito para qualquer instituição a emissão de um juízo crítico, já suficientemente amadurecido pela larga experiência do tempo.
De resto, o que está em causa é o próprio sistema da actividade do Supremo no tocante à missão específica que lhe está confiada, e à subordinação do qual ele vive, para produzir o melhor ou o pior, de que o mesmo sistema é exclusivamente o culpado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, a função, muitas vezes, é o que a própria disciplina legal de exercício lhe permite que seja, não se podendo, razoavelmente, acoimar o agente das responsabilidades defeituosas da orgânica em que está integrado e a que está sujeito.
Ora, apesar disso, é da mais curial justiça que se reconheça e insista que a actividade do Supremo na especial função de pacificar os conflitos de interpretação tem sido operante, fazendo esforços por corrigir, dentro dos limites orgânicos, as deficiências para que necessariamente seria arrastado, e ainda acertando, na

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maior parte dos casos, e com forte maioria, as soluções convenientes às -divergências estabelecidas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Portanto, até por estes motivos, impõe-se que se diga, e sem qualquer espécie de constrangimentos, na ânsia da perfeição, que deve ser predicado humano, que o mecanismo ou a forma de estabelecer, em nossos dias, a uniformização da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está longe de corresponder às necessidade reais e de se conservar constantemente atento à finalidade que o instituiu. Deu provas suficientes de que se acha incapacitado de socorrer com êxito certos aspectos do problema.
E senão vejamos, ainda que de modo ligeiro, alguns apontamentos que penso conterem-se dentro das realidades presentes.
Sr. Presidente: se tivermos por certo que ao organismo encarregado de estabelecer a uniformização da jurisprudência deve «residir, nesse mister, um espírito suficientemente largo, sem deixar de ser científico, de modo a dissipar, a tempo e horas, qualquer brecha, de incerteza ou de dúvida sobre o sentido a dar aos comandos legais, não se compreenderá então essa espécie de resistência que se tem notado, em numerosos casos, por parte do Supremo Tribunal de Justiça em reconhecer os conflitos que lhe são propostos.
Como justificar então esse fenómeno?
Não é trabalho fácil, muitas vezes, surpreender razões sem correr o risco de enfrentar meras probabilidades, e estas pouco contam em capítulo onde tudo deve estar fundamente alinhado.
A meu ver, o principal defeito do sistema em vigor consiste em atribuir à mesma entidade que há-de pronunciar-se sobre a unidade da interpretação o prévio reconhecimento da divergência de sentidos que se apontam.
E, assim, tem-se verificado que, à custa de uma mera diferenciação formal, às vezes de uma simples distinção de expressões, em que, todavia, o «interesse qualificado é, na sua essência, o mesmo, o Supremo tem resistido, optando pela negativa», em reconhecer conflitos substanciais de tratamento, claramente denunciados em assuntos que lhe são indicados.
E o pior é que, conhecida esta orientação inconveniente, irremediavelmente se estabelece, em regime reflexo e de contrapartida, o natural retraimento em submeter à apreciação e decisão do Supremo um certo número de casos em que ó interesse tutelado pela lei tem possuído soluções de interpretação opostas, expressas em decisões do tribunal superior.
E daqui o continuar à deriva incerta das correntes estabelecidas a disciplina correspondente a certas relações.
Muitas vezes os advogados que são consultados, em lugar de declararem a tutela, que devia ser única, para a hipótese formulada, têm necessariamente de informar, perante a surpresa do consulente, que não presume sequer a subtileza destas coisas, um hesitante a talvez sim ou talvez não ...», um desconsolador a é conforme ...»!
Deste ambiente se nutre, a pouco e pouco, o desprestigio da Justiça ficando, em boa parte, com o odioso uma classe que funciona na causa dessas decepções como Pilatos no Credo.
Vê-se, desta forma, que nem sempre é observada aquela alta missão que se teve em vista cometer: «de conseguir-se para casos semelhantes uma decisão comum de que resulte depois a norma geral».
E assim, neste defeituoso enquadramento em que o problema faz, é possível continuarmos oscilantes e incertos, como, por exemplo, acerca do conteúdo de facto que informa a noção jurídica de «caminho público», e, do mesmo modo, como que submetidos ao capricho dum jogo, continuarmos variantes, por exemplo, sobre as circunstâncias de facto que determinam a qualificação de «convívio notório» nos fundamentos das acções de investigação de paternidade ilegítima e ainda sobre o direito de o senhorio fixar livremente a renda para a renovação do 'arrendamento, desde que haja sublocação.
E mais e muitos mais casos poderíamos relatar em que, sem. vantagens de qualquer espécie, certos assuntos mostram idêntico panorama de incerteza perante as orientações da jurisprudência conhecida.
Se com a mecânica promulgada pelo Decreto n.º 12:353, de 22 de Setembro de 1926, se pretendeu «estabelecer a uniformização da jurisprudência, lutando contra o caos das decisões contraditórias», está bem à vista que o resultado não se apresenta tão fecundo e animador como seria de esperar.
Agora outro aspecto que também merece ser assinalado:
Em parte dos últimos assentos publicados revela-se uma profunda indiferença pelo forte pendor da doutrina, que se afirmara em sentido contrário ao que neles foi decidido, quando é sabido e certo que, embora a doutrina não seja fonte imediata da lei, deve assumir no papel da uniformização do direito a função importantíssima de «fonte de interpretação» dos textos, pois constitui «o melhor auxiliar dos práticos e dos técnicos no seu trabalho de constante aplicação das normas jurídicas aos factos e realidades da vida».
Todavia, o juízo crítico dessa doutrina ficou absolutamente desprezado nos assentos a que me refiro, entre os quais se conta o de 10 ide Maio de 1950.
A apoiar previamente o sentido que, afinal, veio a ser consignado neste assento estivera - bem sei - a autorizada opinião do distinto jurisconsulto e nosso muito estimado colega Sr. Dr. Sá Carneiro, mas, entre todas as opiniões publicadas e que chegaram ao meu conhecimento, parece que foi esse o único apoio da literatura jurídica nacional. A restante divergia da solução que, apesar disso, tem hoje força obrigatória e carácter imperativo.
E também depois da publicação do assento de 4 de Maio de 1950, tirado igualmente contra a opinião quase unânime da doutrina, ficámos inteirados, de que todos aqueles casos duvidosos de correcta aplicação de sanções penais em que o condenado se julga preterido ficarão, sem graves riscos para ele, por discernir e por esclarecer, ao menos à custa da iniciativa própria. E, deste modo, em substituição da ansiedade que seria legítimo esperar da instituição encarregada de fiscalizar e de censurar os julgados «dias instâncias inferiores, abrindo, rasgadamente, possibilidades de ela própria corrigir repressões excessivas, teremos depois desse assento de 4 de (Maio, rejeitado pela doutrina, os pretensos lesados a absterem-se de recurso, pois é óbvio, ainda neste aspecto, que ninguém está para, como se diz vulgarmente, ir buscar lã e vir tosquiado ...
Desta reserva de atitudes pode resultar então que, em troca de menor intensidade de exercício funcional, se contribua, por via indirecta, piara uma limitação exagerada da liberdade ou para uma medida de carácter patrimonial excessivamente onerosa.
Eu sei que, em tese pura, a enunciação que decorre deste assento se estrutura em argumentação do mais fino quilate, sendo até porventura aceitável, dentro de uma organização criminal completa e especializada, que vá desde o estudo particular do delinquente e das condições do crime até à sua apreciação judiciária.

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Mas não é esse aspecto que agora interessa. O que naturalmente desperta a nossa atenção é o problema de saber se tal princípio cabe ou não cabe, sem esforço de dialéctica, nó quadro do sistema legal português. A tal respeito bastará talvez dizer, omitindo outras razoes que não nos parecem oportunas, que essa orientação do assento passará de ora avante a aplicar-se aos delinquentes do foro comum, mas só a estes, porque quanto aos delinquentes sujeitos ao foro militar, ao contrário, aplicar-se-á o princípio oposto, que era defendido pela quase unânime corrente da doutrina nacional, visto que é BSSB o que se encontra especialmente expresso no artigo 532.º do Código de Justiça Militar.
E que dizer ainda da tantas vezes reduzida pluralidade de votos com que os assentos são tirados, a denunciar a fragilidade do comando?
Convirá prolongar a observação deste exame que declara tacitamente, e em visíveis termos, a hesitação do princípio que se torna lei e em que a argumentação vencida é por vezes mais lúcida e convincente do que a vencedora?
Sr. Presidente: pelo que acabo de referir e pelo que deste lugar já foi exposto nos dias anteriores, sou também da opinião que com o actual mecanismo dos assentos não se obtêm os efeitos desejados, aqueles efeitos que importa maximamente satisfazer.
Que soluções devem então encarar-se? Se me permitirem, arriscarei duas linhas de orientação, cada qual visando um campo de aplicação.
Nas hipóteses de conflitos latentes, esses que prometem arrastar-se indefinidamente vários e abúlicos, parece-me que a função de os reparar devia ser cometida ao Governo, aliás, esta solução estaria dentro das nossas tradições legislativas, contidas na Portaria de 27 de Outubro de 1898 e na Lei n.º 706, de 16 de Junho de 1917.
Mas não vejo inconvenientes que em posição, ou separada ou, simultânea, fosse atribuída à Assembleia Nacional tal função, quer por via oficiosa quer por via da representação, prevista no Regimento.
Quando, porém, a divergência de julgados surgir pela primeira vez em processo que está em curso, parece-me que não deve deixar-se a parte que foi surpreendida com a inovação do julgado sem possibilidades de reacção, de modo a alcançar uma solução votada pela maioria dos julgadores.
Subsistiria então para estes casos o recurso ao tribunal pleno nos moldes hoje em vigor, modificadas que fossem as condições actuais do mecanismo com as alterações que a experiência aconselha.
Mas estes problemas das soluções serão para estudar com prudência e com competência, não por mim, mas por VV. Exas, que mais qualificados estão para o fazer.
O meu objectivo é apenas o de proclamar necessidades e anseios, e, portanto, nesta parte penso que referi o essencial.
Vou terminar, agradecendo a atenção com que fui escutado e pedindo desculpa do prejuízo de tempo que, talvez baldadamente, tenha tomado aos trabalhos desta Assembleia.
Não apoiados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Meneres: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que saia da ordem do dia, por um instante apenas, para, aproveitando a circunstância de estar no uso da palavra, render uma última homenagem à memória do falecido Deputado Dr. João Antunes Guimarães, que, sobre ser ornamento valioso desta Assembleia, foi também, e sem sombra de dúvida, um dos mais convictos e úteis alicerçadores da situação política em que vivemos.
Fui seu amigo pessoal desde muito antes do advento da Revolução Nacional e na convivência com ele aprendi a conhecer quanto o seu desinteresse pessoal se antepunha aos interesses alheios, que, como verdadeiro homem bom quê era, ele defendia com persistência, principalmente os dos pequenos e humildes que o procuravam e dele se abeiravam como incontestado protector que deles era.
A prova disso está na manifestação de pesar que as classes humildes lhe prestaram, acompanhando-o anonimamente, mas sentidamente, ao lado das autoridades e representações oficiais, no funeral que se realizou no Porto.
Eleito como ele pelo círculo eleitoral do Porto, eu, que não estive presente na sessão desta Assembleia em que se exaltou a sua memória, não podia deixar de pronunciar estas ligeiras palavra de saudade para quem faz tanta falta à representação e defesa dos interesse do Norte do País nesta Assembleia.
E, ditas elas, vou, embora resumidamente, dar também o meu contributo para a análise do aviso prévio do Deputado Sr. Dr. Tito Arantes.
É fora de dúvida que a possibilidade de uniformização da jurisprudência por via dos assentos, designação que a esta espécie de acórdãos foi inicialmente dada pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça e, segundo creio, por sugestão do conselheiro Basílio da Veiga, foi salutar princípio introduzido na nossa legislação contemporânea, pondo os interessados a coberto de incertezas, cuja solução, a maior parte das vezes, dependia exclusivamente do jogo da distribuição dos pleitos entre os juizes componentes dos tribunais superiores.
Estabelecida a doutrina pelos assentos e tornada obrigatória, deixam os pleiteantes de ter dúvidas sobre o alcance da lei, e tanto basta para que o princípio se mantenha, embora nem sempre tenha sido correctamente usado.
Alguns dos assentos proferidos são susceptíveis de censura, mas eu abstenho-me de o fazer nesta Assembleia, que não é academia de jurisprudência, mas sim, e apenas, câmara política, e é só sobre o aspecto estritamente político ou genérico que me ocupo do caso.
Tenho até certo melindre, neste lugar, em referir-me especificadamente a eles, dado que a sua apreciação pode deixar supor (o que, aliás, está, evidentemente, fora do espírito de todos os Srs. Deputados que me antecederam nesta discussão), pode deixar supor, repito, uma invasão de funções e competências que não pode nem deve haver.
O Supremo Tribunal de Justiça, pelo que representa na orgânica nacional, tem de estar acima de todas as críticas, e as suas decisões têm não só de ser acatadas, mas respeitadas. Não se discutem.
Se são por vezes más, como aqui já se acentuou, temos de admitir que o vício não vem do órgão de que dimanam, mas sim, e apenas, de um defeito de composição ou de organização, que não é tão boa quanto seria necessário para que tão alta instituição se prestigie como é da sua obrigação e desejo de todos nós.
E daqui vem que discordo de todas as sugestões que se formularam no sentido de que os assentos, uma vez proferidos, venham seguidamente ao Governo ou à Assembleia Nacional, para simples ratificação ou para serem discutidos como propostas de lei.
Quer os assentos tivessem carácter definitivo dentro do pleito quer não, sempre a sua discussão obrigatória nesta Assembleia, ou a sua apreciação no seio do Governo colocaria o Supremo Tribunal de Justiça, o mais

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alto órgão da hierarquia judicial, no banco dos réus (a expressão é forçada mas dá ideia do meu pensamento).

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-me licença?
Como V. Ex.ª está de certo modo a colidir com afirmações que eu fiz, quero dizer que, quando patrocinava a ideia da intervenção do Governo, era apenas naquele caso de o conflito estar aberto sob o ponto de vista latente, isto é, de se arrastar de longa data, sem intervenção que o haja pacificado ...
Não era para os conflitos que foram abertos na própria ocasião em que o processo está em curso. Para esses subsistiria a mecânica em vigor.
Logo, não sou de opinião que os assentos, uma vez definidos, venham à ratificação da Assembleia ou à apreciação do Governo, de modo a aproveitar ao caso sul) judice. Isso seria uma monstruosidade jurídica,- porque haveria, realmente, uma invasão de órgãos!

O Orador: - Eu responderei já a V. Ex.ª, na sequência das minhas considerações.
Por agora digo apenas que contrario a vinda dos assentos à Assembleia, visto que esta tem liberdade de tomar a iniciativa de formular leis, alterando ou esclarecendo a sua doutrina.

O Sr. Morais Alçada: - Bem sei! O meu ponto de vista é este: a Assembleia pode hoje fazê-lo e o Governo também. Hás essa possibilidade legal tem sido obliterada, talvez porque, em regime de pré-ordenação, se tem confiado na finalidade específica que sobre o assunto está cometida ao tribunal pleno.

O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Quando há um assento é porque há dúvida; o assento põe termo, momentaneamente, a essa dúvida, mas nada inibe o Governo de acabar com ela de uma vez para sempre.

O Orador: - Mas essa ó precisamente a tese que defendo.

O Sr. Sá Carneiro: - Como fui eu o principal visado, gostava de dizer duas palavras.

O Orador: - V. Ex.ª desculpe-me interromper o aparte. V. Ex.ª referiu-se, não a uma opinião própria, mas a uma opinião do Sr. Dr. Barbosa de Magalhães e defendida no seio da comissão revisora do projecto do Código de Processo Civil.

O Sr. Sá Carneiro: - Perdão; mas, em princípio, eu perfilhei a sugestão.
Quanto a não poderem discutir-se os julgados do Supremo, respeito muito a opinião de V. Ex.ª, mas, como director de uma revista de direito, com a devida vénia, muitas vezes discordo dos arestos do nosso mais alto tribunal.

O Orador: - Estamos aqui em assembleia política, e não, como eu já disse, em academia de jurisprudência.

O Sr. Tito Arantes: - Eu entendo que a apreciação da boa administração da justiça faz parte integrante de uma assembleia política.

O Orador: - Inteiramente de acordo, Sr. Deputado Tito Arantes.

O Sr. Morais Alçada: - Isto é uma assembleia política, mas é também, de certo modo, uma assembleia técnica, visto que, em princípio, a discussão sairia vaga
se não houvesse certa especialização nos assuntos abordados.

O Sr. Manuel Vaz: - A justiça não ó política, mas a administração dela tem reflexos políticos.

O Sr. Sá Carneiro: - A questão é a de saber se os assentos devem ter efeitos de interpretação obrigatória para casos futuros.
Na parte jurisdicional é óbvio que a decisão produz efeitos plenos e definitivos.
Outro tanto não deve acontecer no que toca ao futuro, pois o próprio Governo, quando legisla durante o funcionamento efectivo da Assembleia, pode ver o acto legislativo sujeito a ratificações.

O Orador: - Nada obsta a que o Governo ou a Assembleia alterem a doutrina do assento.

O Sr. Tito Arantes: - Salvo o devido respeito, V. Ex.ª pôs a questão dizendo que havia uma invasão do Poder Judicial quando a Assembleia apreciava a parte judicial do assento.
Ora, discutindo a futura força obrigatória dos assentos, a Assembleia Nacional não invade as funções do Poder Judicial. Ao contrário, o Supremo, legislando, é que, de certo modo, invade as funções desta Assembleia.

O Sr. Sá Carneiro: - Nessa altura o assento, como acto legislativo, era intangível.

O Sr. Carlos Borges: - Não se aprecia o assento mas a sua doutrina.

O Sr. Morais Alçada: - O assento seria proferido, vincularia as partes, mas a sua doutrina ficava podendo ser objecto de discussão nesta Assembleia pára os casos futuros!
Não seria para lhe atribuir efeitos retroactivos. Nada disso.

O Orador: - Discordo da vinda obrigatória dos assentos à Assembleia para serem discutidos.

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-me licença? Não são os assentos que vêm à Assembleia para ser discutidos. Talvez seja uma simples questão de palavras: o assento não vem à ratificação ou à discussão da Assembleia; o que vem ú a matéria, a doutrina, melhor ainda, o conteúdo da norma.

O Orador: - Volto a dizer que discordo da vinda obrigatória do conteúdo da norma à Assembleia, visto que esta pode tomar a iniciativa de a discutir quando quiser. Não é necessário que a lei lhe imponha essa apreciação.

O Sr. Tito Arantes: - V. Ex.ª dá-me licença? Este problema, que, creio, nós aceitamos por maioria, está, de resto, previsto na lei, pois diz-nos o artigo 768.º, § 2.º, do Código de Processo Civil que o tribunal terá de remeter cópia dos assentos ao Ministério da Justiça. E o Sr. Dr. José Alberto dós Reis diz que esta inovação teve por fim permitir que o Ministro da Justiça, quando discorde da doutrina do assento, possa providenciar no sentido de ele ser revogado ou modificado.

O Orador: - Sobre isso estamos de acordo. A única divergência é apenas a da obrigatoriedade da discussão dos assentos cela Assembleia Nacional.

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O Sr. Carlos Borges: - A questão a por é a que resulta, da forma como a Assembleia há-de proceder para tomar conhecimento do assento.

O Orador: - Apenas continuo a sustentar que a apreciação obrigatória dos assentos não é necessária, pois tanto o Governo como a Assembleia Nacional têm a possibilidade de, por sua iniciativa, criar lei nova corrigindo para futuro a doutrina de qualquer assento inconveniente. Deve legislar-se quando necessário, mas não fazer-se a apreciação sistemática de todos os assentos do Supremo.
Os defeitos até agora verificados na sua formação devem ser evitados, para futuro, por uma melhor regulamentação, da forma de os votar.
Convenho, como todos os oradores que mo antecederam, que não é prestigiante para esse alto tribunal empatar na votação de assuntos de somenos importância, a ponto de ser necessária a intervenção do seu presidente ou que certos assentos tenham obtido vencimento com número de juizes inferior ao que resulta da soma dos vencidos com os que tiraram o acórdão em recurso.
Pode pensar-se se não, teria havido capricho, estudo menos aprofundado, ou até possível má vontade, em face de actividades reprováveis desenvolvidas pelos litigantes. Mas, como é evidente, o Supremo tem de estar acima de tudo isto. E, se não o está, é porque a sua, composição é defeituosa.
Legislo-se, pois, no sentido de a melhorar, de forma que a autoridade que legalmente detém se revista de prestígio suficiente para que as suas decisões não possam ser apodadas de contrárias à lei e nem sequer de infelizes.
Em França> onde, após a guerra, o prestígio do mais alto tribunal daquele país foi posto em cheque, as promoções dos juízes ficaram a cargo de um conselho presidido pelo Presidente da República o do qual fazem parte seis personalidades eleitas pela Assembleia Nacional, quatro magistrados escolhidos pelos seus colegas e dois vogais designados pelo Presidente da República.
lato não é sequer sugestão. É mero apontamento.
O aviso prévio do Sr. Dr. Tito Arantes e a moção do Sr. Dr. Sá Carneiro são, a meu ver, inteiramente oportunas, pois vieram chamar a atenção para um problema que carece de ser revisto.
Este aviso prévio podia ir ainda mais longe.
Desde que se discute o funcionamento do órgão supremo do Poder Judicial, poder-se-ia neste momento discutir também o funcionamento dos tribunais inferiores, acerca dos quais muito há que dizer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Comarcas há onde, devido às ausências dos magistrados, aliadas a deficiências da lei processual, que carece de ser revista, o ainda a outros factores, a aplicação da justiça se reveste de aspecto verdadeiramente caótico.

O Sr. João Pereira de Melo: - Isso é um beneficio do sistema da oralidade.

O Orador: - No Porto, por exemplo - e falo Por conhecimento próprio -, qualquer cansa de somenos importância leva anos a julgar; uma conheço na qual mediariam sete anos entre o seu ingresso em juízo e o julgamento em 1.ª instancia.
isto faz com que os interessados em resolver qualquer questão percam toda a confiança na acção da Justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro do Justiça tem procurado remediar o mal. Mas as reformas decretadas têm sido insuficientes.
A divisão dos tribunais cíveis de Lisboa e Porto em varas e juízos não foi bastante para os descongestionar.
Com a elevação do valor dos processos sumários estes aumentaram e como os depoimentos, em regra, são escritos tornou-se muito mais demorada a sua conclusão.
Por outro lado, as varas, não podendo realizar julgamentos todos os dias, para não ocuparem. permanentemente nos tribunais colectivos os juizes que julgam os processos sumários, vêem-se obrigadas a marear julgamentos com espaço de muitos meses, por vezes mais de seis - meio ano.
Se se contar com os adiamentos clássicos - faltas de testemunhas, doença do advogado, falta de um juiz, impedimento do tribunal ocupado com a discussão de outra causa já iniciada - e se se contar ainda com - seis meses de intervalo entre cada dia designado para julgamento, quando a causa vier a ser apreciada, desapareceram já todos ou quase todos os elementos de informação o os litigantes honestos descreram da Justiça.
Há que remediar estas anomalias.
Desta tribuna eu chamo a atenção de S. Ex. o Ministro da Justiça para as condições em que presentemente trabalham os tribunais cíveis de Lisboa e Porto, cuja reforma urgente se impõe, dotando-os de meios para eficientemente poderem exercer a sua acção.
Faço votos, pois, para que breve surjam, por iniciativa do Governo ou por proposta apresentada nesta Assembleia, - o neste caso podiam ser incluídas nas que viessem a ser formuladas sobre o regime dos assentos, visto serem da mesma natureza -, as medidas ou reformas processuais tendentes a tornar mais fácil, mais eficiente o mais prestigiante a acção dos tribunais.
Isto significa que, além dos problemas de organização, há que encarar abertamente a necessidade da revisão da nossa lei processual, não apenas na parte focada pelo aviso prévio do Sr. Deputado 'rito Arantes, mas em todo o seu conjunto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: vou ser muito breve.
Não devo principiar as minhas considerações sem dizer a VV. Ex.ªs que me sinto pouco à vontade, e sinto-mo pouco à vontade não pela natureza do assunto em debate, Intimamente relacionado com a profissão que exerço há mais de trinta anos, mas porque me sinto perante uma tarefa que tem talvez o seu quê de ridícula, visto que consiste em ir arrombar uma porta aberta.
O problema foi aqui posto com tal proficiência o rodeado de detalhes e minúcias, que o esclareceram completamente, por todos os oradores que me precederam no uso da palavra. A Assembleia está neste momento suficientemente informada e esclarecida para, segundo suponho, se encontrar em condições de dar o seu voto, som hesitação de qualquer espécie, à moção com que o ilustre Deputado Sr. Sá Carneiro pôs termo às suas considerações de há dias.
Ao por o aviso prévio, de que em boa hora foi autor, o Sr. Deputado Tito Arantes encarou o problema dos assentos no seu duplo aspecto: do sistema em si, na sua essência, e da forma como lho tem sido dada execução.
Seria inútil apreciar ou repetir agora tudo o que a Assembleia já sabe acerca clã própria essência do instituto; mas, dirigindo-me àqueles que não fazem da vida forense profissão, quero, a titulo de mero exemplo, referir-lhes no que consistia um dos primeiros assentos

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tirados pelo Supremo Tribunal de Justiça o que se encontra em pleno vigor.
Há muitos anos o Supremo Tribunal de Justiça decidiu por assento que o filho legítimo podia impugnar a sua própria legitimidade.
Vamos a ver praticamente a enormidade moral que,
em determinados casos, pode vir a ter êxito, mercê da doutrina contida nesta decisão:
Certo casal faz uma vida de exemplar honestidade, cria uma reputação moral indiscutível no conceito de todos os seus concidadãos, ganha direito ao acatamento e ao respeito de todos que com elo privam, mas o pai ou a mãe desaparecem, levados pela morte.
O assento reconhece ao filho nascido de um matrimónio nestas condições a possibilidade de vir a juízo alegar que o conceito de honestidade inconcussa que, durante toda a vida, honrou sua mãe possa ser anulado, bastando para tal articular que tivera relações sexuais com um amante, relações essas das quais ele era o fruto.

O Sr. Sá Carneiro: - Sou insuspeito para me pronunciar sobre este particular, pois sempre entendi que o princípio do artigo 106.º do Código Civil se encontrava em pleno vigor.
No entanto, é possível que, de lege ferenda, o Supremo, estivesse no bom campo.
Há pais de filhos ilegítimos que arranjam marido acomodatício à mãe do filho nascituro ou já nascido, para o efeito de o filho se tornar legitimado.
É realmente duro que tal manobra prejudique irremediavelmente o direito de o Mo ilegítimo vindicar o seu verdadeiro estado.

O Orador: - Não ignorava isso; conhecia até perfeitamente o caso.
Pode realmente verificar-se a hipótese que V. Ex.- acaba de formular, mas o exemplo a que eu mo referi também é possível, e tanto me basta para chegar ao objectivo que proeuro atingir.
O sistema que permito semelhantes factos ou conclusões carece, pois, de ser revisto. Um critério rígido condená-lo-ia em absoluto. Mas faria mal.
Os Sr.ª Dr. Tito Arantes, Sá Carneiro e Paulo Cancela de Abreu apontaram a razão perturbadora dessa e de outras decisões constantes de assentos do Supremo Tribunal de Justiça e repelidas pelo consenso unânime da jurisprudência. Essa razão encaixa-se na influência' do caso concreto sobre os princípios legais a assentar.
Parece-me, pois, que o remédio consiste em proibir a aplicação do assento nos casos concretos que a provoquem, limitando-os às novas decisões a proferir.
E o sistema melhorará sensivelmente.
Outro aspecto que foi aqui largamente debatido foi o do modo de funcionamento do sistema.
Com referência a este, o Sr. Dr. Tito Arantes, com aquela ternura, de espírito o a graça que lhe são peculiares, pôs caricaturalmente o dos vícios de que tem enformado a execução prática do sistema.
As conclusões falham por completo? Pois o advogado é convidado a formulá-las e o supremo Tribunal toma conhecimento do recurso. Existem conclusões, mas esqueceu apenas indicar expressamente o texto da lei substantiva ofendido? Pois o Supremo não toma conhecimento do recurso!
Evidentemente que estas críticas justificam por como a votação da moção, apresentada pelo nosso colega
Deputado Sá Carneiro. Mas tenho a informação de que SS. Ex.ªs, isto é, os Srs. Deputados Tito Arantes e Sá Carneiro, pensam em trazer a esta Assembleia um projecto de lei destinado a regularizar definitivamente o assunto.
Reservo-me, portanto, meus senhores, para nessa oportunidade trazer a esta tribuna as considerações que julgar pertinentes à justificação do meu ponto de vista.
Entretanto, termino formulando votos no sentido de que a Assembleia dê o seu aplauso à moção do Sr. Deputado Sá Carneiro, porque desta forma facilita e apressa a resolução de um problema que é da mais decisiva e indiscutível oportunidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para este debate. Dou por encerrada a discussão sobro este aviso prévio.
Vai passar-se à votação da moção do Sr. Deputado Sá Carneiro, moção que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Moção

"A Assembleia Nacional, tendo ponderado a discussão do aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Tito Arantes sobre os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, emito o voto de que, em diploma legislativo, se corrijam os inconvenientes notados ao sistema actual, aperfeiçoando-se o mesmo sistema em ordem a obter-se uma justiça cada ,vez mais perfeita".

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação.

Submetida à votação, foi aprovada a moção do Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, sendo a ordem do dia a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Jacinto Ferreira sobre desemprego intelectual.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Américo Cortês Pinto.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Délio Nobre Santos.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista doa Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alexandra Alberto de Sousa Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.

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17 DE JANEIRO DE 1951 265

Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim ao Pinho Brandão.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães, Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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