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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71

ANO DE 1951 21 DE FEVEREIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 71 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 20 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira

José Guilherme de Melo e Castro

Nota. - Foram publicados seis suplementos ao Diário das Sessões n.º 70, que inseriam: o 1.º, avisos da Câmara Corporativa convocando o Conselho da Presidência e também a Mesa, para funcionar como conselho administrativo durante a interrupção dos trabalhos da Assembleia Nacional e considerando convocados, para prosseguir os estudos durante a referida interrupção, vários Dignos Procuradores e as secções de Finanças e economia geral, Transportes e turismo e Política e administração geral para o projecto do Estatuto do Turismo, de Justiça e Finanças e economia geral para o projecto de lei sobre liquidação da sisa devida pelas transmissões de propriedade imobiliária feita por partilha judicial, de Obras públicas e comunicações para o projecto de decreto-lei sobre o Regulamento Geral das Edificações, de Ciências e letras, Justiça e Belas-artes para o anteprojecto de lei da propriedade intelectual, de Vinhos e Finanças e economia geral para o projecto de decreto-lei relativo ao plantio da vinha no continente, de Autarquias locais, Obras públicas e comunicações e Finanças e economia geral para o projecto de decreto-lei sobre conservação dos edifícios escolares construídos em execução do plano dos Centenários e de Finanças e economia geral e Política e administração geral para, a proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias; o 2.º, um avião da Caiu ara, Corporativa considerando igualmente convocados alguns Dignos Procuradores e as secções do Finanças e economia geral e Política e administra cão geral para a autorização para o Governo contrair um empréstimo interno amortizável até ao montante de 300:000 contos, denominado «Obrigações do Tesouro, 1951», e de Política e administração geral para a revisão da Constituição Política; o 3.º, rectificações à proposta do lei de alteração à Constituição Política, apresentada à Assembleia Nacional na sessão de 18 de Janeiro e publicada, no Diário das Sessões n.º 70; o 4.º, um aviso da Câmara Corporativa fazendo cessar os efeitos da. convocação relativamente aos Dignos Procuradores a que se referem os avisos publicados no 1.º e 2.º suplementos, com excepção, dos relatores Dignos Procuradores Fernando Emídio da Silva, Rafael da Silva Neves Duque e Pedro Teotónio Pereira.; o 5.º, um aviso fazendo cessar os efeitos do aviso publicado no 4.º suplemento na, parte respeitante à secção de Política e administração geral e aos Dignos Procuradores agregados, a fim de se prosseguir na apreciação da proposta de lei sobre a revisão da Constituição Política, e o 6.º, um aviso considerando convocada a secção de Interesses espirituais e morais para intervir na apreciação daquela proposta, de lei.

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Senões n.º 70.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 38:152 e 38:153.
Foi comunicado pelo Sr. Presidente terem sido entregues a diversos Srs. Deputados os elementos que haviam solicitado em sessões anteriores a vários serviços públicos. Usaram dm palavra os Srs. Deputadas Pinto Barriga, que fez uma sugestão para uma amnistia o se referiu à situação dos pensionistas do Estado e dos boletineiros que atingem o limite de idade: Colares Pereira, para agradecer as condolências, propostas pelo Sr. Presidente e a que a Assembleia se associou, pela, morte de sua mãe: Paulo Cancela de Abreu, que propôs um voto do pesar pelo trágico desastre de aviação ocorrido no mar dos Açores, voto que a Assembleia unanimemente aprovou: Pinho Brandão, que fez considerações sobre os decretos do condicionamento industrial e plantio da vinha; Sousa. Pinto, para recordar o centenário do sábio Gomes Teixeira; Caetano Beirão, que advogou a ideia da creação de um monumento a el-rei D. Carlos; Duarte Silva, para chamar a atenção do Governo para a necessidade

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de apetrechar o porto de S. Vicente de Cabo Verde, e Lima Faleiro, que se referiu à recente inauguração da barragem do Castelo Bode.

Ordem do dia.- Usou da palavra o Sr. Deputado Mendes do Amaral, para realizar o seu aviso prévio sobre a lei da reconstituição económica.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas 56 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alvos Pimenta.
Francisco Cardoso do Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares ao Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Casta.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim aos santos Quelhas Lima.
José Cardoso ao Matos.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme ao Melo o Castro.
José Luís da Silva Dias.
José aos Santos Bossa.
Luís Maria Lopes da, Fonseca.
Luís Maria da Silva Uma Valeiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes ao Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo. Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 70.
Pausa.

O Sr. Presidente: Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação sobro aquele Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Oficio
Do Grémio dos Armazenistas de Vinhos prestando um esclarecimento acerca de uma afirmação feita pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta na sessão de 16 de Janeiro.
Petições
De algumas pensionistas de sangue para que seja revista a legislação actual sobre pensões, de forma a ser aumentado o quantitativo que permito recebê-las em conjunto com retribuições que aufiram por empregos particulares.

Carta

Do Sr. Prof. Dr. Froilano de Melo, antigo Deputado, manifestando o seu pesar pelo falecimento do Sr. Dr. João Antunes Guimarães.
Exposições
Do Sr. Prof. Vasco Botelho do Amaral acerca da defesa da Língua Portuguesa.
De um caixeiro viajante acerca do mau fabrico do pão e qualidades de farinhas para isso fornecidas à panificação e considerando insuficiente a fiscalização.
Dirigida a S. Ex.ª o Presidente do Conselho pelos empreiteiros e construtores de obras públicas e que é a seguinte:
Ex.mº Sr. Presidente do Conselho. - Lisboa. Excelência. - Vêm os empreiteiros de obras públicas apelar para a sã consciência de V. Ex.ª no sentido de que seja publicada uma lei que dentro dos limites da justiça, venham minorar a ruinosa situação em que se encontram, arrastados para ela pelas consequências da, guerra e, muito especialmente, pelo que resultou do pós-guerra.
São os suplicantes as maiores vítimas ao serviço do Estado, e não só, como no presente caso, as únicas vítimas atiradas ao esquecimento de um Governo que a

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Tudo e a todos tem atendido com os actos de justiça que o caracterizam, esquecendo, porém, e de tal modo, o nosso esforço de trabalho ao seu serviço a ponto de a alguns de nós apenas só restar miséria!
Os Decretos n.ºs - 32:432, de 24 de Novembro de 1942, 34:073, de 31 de Outubro de 1944, e 34:931, de 20 ao Setembro de 1945, sobre indemnizações aos empreiteiros, apenas se limitaram a remediar os falidos daquelas datas, pois quedaram precisamente quando deveriam não só ser ampliados, como até melhorados; dizemos melhorados porque, se é certo que desde 1939 a 1945 os empreiteiros de obras públicas lutaram com falta de materiais, duas condições razoáveis evitaram que eles se arruinassem: a primeira é porque era sensível o aumento desses materiais e a segunda porque, evocando essa falta, podiam atrasar os trabalhos sem imposição de penalidades; além de que quase não se sentiu nem a falta de mão-de-obra nem, e isso muito menos, o aumento dessa mão-de-obra.
Tal, porém, Exm.º Sr. Presidente; não sucedeu nem sucede nos empreiteiros, que ainda no rescaldo da guerra, mas no convencimento ao uma pronta como rápida melhoria, e portanto de que nada viria a faltar, acorreram as empreitadas do Estado, então quase suspensas pela escassez anterior, e ingenuamente animados da melhor boa fé, vendo nelas a cotação anterior por unidade de trabalho, e por isso afigurando-se-lhes o razoável, empreitaram-nas, sem que pela mente lhes passasse que ao fazê-lo empreitavam a miséria para ai a para os seus!
É que, ao então haviam faltado materiais, mas h falta deles abundância de mão-de-obra, passou deste mal a muito pior: os trabalhos postos em curso pelo Governo, tais a sua quantidade, provocaram imediata falta ao braços; daí o aumento constante, o a tal ente de exagero em certos casos essa mão-de-obra se que atingiu mais ao 150 por cento!
Porém, com a agravante de o preço não suprir a falta, esta foi de tal modo, alarmante que o próprio "orno entendeu criar escolas de aprendizagem, especialmente para canteiros.
Passou a haver materiais, é certo; também passou a haver gasolina em determinada abundância; mos qual o seu custo? Senão o dobro, pouco menos! Qual o custo dos restantes materiais de construção, à excepção do ferro, que mesmo este só em 1947 passou a melhorar? Todos mais de 100 por cento!
E o empreiteiro mantém firme o seu contrato - é o único; da sua obra ruinosa, onde enterra dia a dia o pouco que amealhou em longos anos de trabalho, mas que não chega, porque o Estado impõe o cumprimento do contrato, ele recorre primeiro ao crédito, que em pouco se esgota, depois aos amigos, que, sabendo do seu estado, lhe recusam auxílio; por fim vai-se arrastando o é do balcão dessa sua miséria que assiste ao socorro, aliás justo, de um Governo constituído por homens ao bem, ao tal modo que, em presença desse negro quadro, essa Governo tez publicar leis de protecção, quer ao comércio, quer industria, quer ainda a outras actividades, não esquecendo, como justo era, os seus funcionários, que pelo Decreto n.º 33:272 lhes veio conceder 80 por cento de aumento nos seus vencimentos base.
Não esqueceu o Governo, como também justo o achamos, a protecção à classe operária, cujo benefício resultou também para todos os que não têm, em muitas circunstâncias, o triste título de patrão, pois, pelos despachos de S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado aos Corporações de 9 de Junho e 1 de Outubro, ambos de 1945, lhes foram instituídas as contribuições patronais para as caixas de abono de família e de previdência, contribuições estas que, no seu total, resultam em 15 por conto de encargos para os empreiteiros.
Tudo isto, Ex.mº Sr. Presidente, se passou após o fim da guerra, e desde esse então até fina de 1948, se bem que não parou ainda para as obras empreitadas naquelas datas e tarefas, a próprio Governo se viu na necessidade de aumentar tudo quanto até então era receita do Estado.
Nem era admissível aceitar ou crer que a sua receita anterior, em face de tais encargos, criados após o fim da guerra, pudesse fazer face às despesas provocadas por essa anormal situação.
Ficaram, infelizmente, "como formação de uma camada à parte", os empreiteiros de obras públicas; esses, por serem leais colaboradores do Estado, não reclamaram dele as providências, tão justas o tão humanas, como as que vieram salvar da desonra tantos milhares de seres! Limitaram-se a esperar, como filhos de Deus, também pelo compartilhar dessas providências.
Elos sabiam que podiam, como lhas faculta a lei, ter abandonado as empreitadas ou tarefas a seu cargo, tal foi o é o desproporcional aumento, pois, para tanto, lhas bastaria que ele atingisse 20 por cento; não o fizeram antes, não o fizemos, porque confiámos no Governo da Nação, não lhe quisemos criar obstáculos num período quase revolucionário; preferimos, pois, aguardar confiadamente.
Mas o tempo passou-se o dele só restam as nossas ruínas; porém, não bastam ainda para nos transformar em reclamantes, não, isso nunca! Nós não desejamos reclamar o restauro das nossas ruínas a um Governo de bem, tanto mais que somos pessoas cordatas, verdadeiramente integradas nos termos da ordem e da disciplina; somos, pois, obreiros do Estado e desejamos compartilhar ao seu bem e ao seu mal.
E, porque assim o compreendemos o até nos afastamos das pessoas que não comungam nesses princípios, por isso mesmo nós não reclamamos, como atrás deixamos dito, pois apenas e somente vimos junto de V. Ex.ª respeitosamente pedir-lhe que salve a nossa precária situação.
Para tanto, Exm.º Sr. Presidente, fácil é ao Governo da digna presidência de V. Ex.ª, pois basta que nos tome como irmãos iguais a todos que, como nós, seriam hoje infelizes se as suas medidas de auxílio não tivessem vindo em seu socorro.
Terminamos, Exm.º Sr. Presidente, com a certeza de que no espírito de V. Ex.ª não ficará calado o infortúnio dos combatentes da "guerra acabada"; sim, porque os empreiteiros de obras públicas que assistiram ao mundial troar do canhão, isto é, desde Setembro de 11939 até ao fim da guerra, tiveram a seu lado nesse período, aliás de pouca monta, alguém que lhas protegeu as " trincheiras "; porém, os que se lhas seguiram, os que ficaram no combate envolvidos nas ruínas daquilo a que ,se convencionou chamar guerra, que passou, mas que desse fim nasceu e medrou o período mais crítico do que foi toda a batalha, esses não tiveram ainda ninguém que os protegesse, o por isso apelam para o alto espírito de justiça de V. Ex.ª

A bem da Nação.

Braga, Rua do Castelo, 19, 8 de Dezembro ao 1950.

A comissão nomeada pelos empreiteiros de obras públicas em reunião de 26 de Outubro de 1950, efectuada na soas aos Mestres Construtores Civis ao Porto, sita à Rua do Almada, 59, 1.º:

João de Oliveira Santos, construtor civil e empreiteiro de obras públicas - João da Costa Parente, empreiteiro de obras públicas - Luís José de Oliveira, construtor civil e empreiteiro de obras públicas - Cassiano Gomes, empreiteiro de obras públicas.

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Dirigida a S. Ex.ª O Subsecretário de Estado da Agricultura pelo Grémio dos Armazenistas, de Vinhos e de que foi por este organismo enviada cópia à Assembleia Nacional:

Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura. - Excelência. - A direcção da delegação no Porto do Grémio dos Armazenistas de Vinhos, principia por cumprir o dever de agradecer a V. Ex.ª, a atenção de ter acedido a recebê-la, em audiência que solicitou, para vir de viva voz expor o mais claramente que lhe for possível um grave problema que, sem exagero do significado, assim classifica.
Não queremos fazer perder tempo a V. Ex.ª nem em vão roubar-lhe uns momentos da sua atenção. Vamos possivelmente ser longos mas v. Ex.ª, perdoar-nos-á, porque o assunto é suficientemente importante para contarmos com a sua benevolência.
De reato, não somos dirigentes de um organismo corporativo para fazermos perder tempo, e a prova é que há tantos anos firmes no nosso posto nunca nos dirigimos desta forma a V. Ex.ª nem a nenhum dos seus ilustres antecessores.

O problema que vimos tratar não é de hoje e, sempre que ele se tem deparado mais agudo, temos procurado soluções de verdadeira emergência, mercê de esforços e entendimentos e quase sempre à custa de sacrifícios que o espirito de boa vontade, ordeiro e de colaboração o comércio tem sabido aceitar.
Vimos falar verdade a V. Ex.ª e somos, como nos cumpre, o porta-voz de uma classe do excepcional valor na economia do vinho. Esperamos e temos a convicção (A sermos por V. Ex.ª ouvidos como comerciantes que têm a noção nítida dos seus deveres e dos seus direitos.

Excelência:
De longa data, já remota para citar uma era, os concelhos limítrofes da cidade do Porto constituem uma zona clara e insofismável, de grande consumo de vinhos maduros.
Preferência do consumidor, gosto e até necessidade, alem de cada um ter o livre direito de beber o que lhe apraz.
Falam as estatísticas a linguagem cristalina da verdade. Podemos afirmar que, não obstante as restrições aliás claramente determinada e definida na lei (Lei n.º 1:889).
E como tem sido ou foi contrariada desde o imolo a sua função? Não se permitindo manter nos seus armazéns as quantidades, de vinho que cada um necessita para fazer os seus lotes e preparar os seus tipos, consentindo durante largos anos que apenas se recebesse a quantidade máxima ao 3:500 litros o mais tarde 7:500 litros de cada vez, [...] [...] colhia uma amostra para uma análise laboratorial que custa 15$, além do imposto privativo da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes de, $10 por litro. E só era permitido receber outra remessa quando a primeira estava esgotada. Melhorou, porém, um pouco a situação, mas apenas na aparência, porque, se agora pelas novas normas se permite receber maior quantidade de vinho maduro, é imposta a aquisição simultânea de [...] quantidade ao vinho verael Negação absoluta da função do armazenista.
Mas a liberdade de plantio da vinha na região dos vinhos veraes fez passar a produção no curto espaço as treze anos (1946 a 1947) de 80:872 pipas para 472:176 pipas (números publicitários da Comissão de Viticultura da Região aos Vinhos Veraes), a esse que os consideremos como definitivos.
E nessa riquíssima região, produtora de milho e outros cereais, ao linho, de, pastosa regados, pretende que o vinho seja a [...] da sua economia e, orientada por este critério, há que vender o vinho por alto prego, que a todo o custo tem ao ser mantido ... embora se lute ingloriamente, apesar dos sacrifícios impostos ao comercio armazenista com essa política contrária aos mais rudimentares princípios das leis naturais da economia e das suas lógicas consequências, em que o valor ao produto oscila normalmente, consoante a falta ou a abundância.
Excelência:
Entremos agora na apreciação aos factos perante a política de orientação posta em prática pela Comissão da Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, que, a manter-se, forçará o comércio armazenista há vinhos a suspender a sua actividade, sem que isso possa significar uma, atitude de protesto, mas tão-somente uma consequência lógica das exigências das normas publicadas pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes.
Deliberou a Comissão .de Abastecimento de Vinhos à Cidade do Porto, que abrange a área da delegação do Grémio dos Armazenistas de Vinhos, cumprindo a doutrina do despacho de V. Ex.ª de 26 de Novembro de 1948, o abastecimento de 14:000 pipas de vinho do Douro na campanha vinícola de 1948-1949 -para os quatro concelhos limítrofes, o qual se fez livremente enquanto foi esse contingente distribuído pelo Grémio, ou seja sem qualquer encargo de vinho verde, porque, em dada altura, depois de estarem escoadas cerca de 8:000 pipas daquele contingente, tomou conta da distribuição a Comissão de Viticultura, em consequência da rectificação interpretativa do despacho de V. Ex.ª, e logo principiou por impor um encargo de 30 por cento d« vinho verde. Encargo, a nosso ver, atrabiliário como escusado, porque decorridas curtas semanas passou para 15 por cento, para a seguir ser aberta a região dos vinhos verdes à entrada absolutamente livre de vinhos maduros para abastecimento da população.
É oportuno frisar neste momento a existência de um erro, assim se lhe pode chamar, na estatística da existência permanente dos vinhos verdes, que orça por 100:000 pipas, erro que pode levar as pessoas a conclusões que não correspondem à verdade dos factos.
E que quase até ao fim de cada campanha aparecem nos mapas estatísticos da existência de vinhos na região

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dos vinhos verdes cerca as 100:000 pipas, que em verdade só existiram no momento das declarações de colheita o que representam as produções de uma, duas o três pipas, de uns milhares de pequeninos viticultores, que utilizam a colheita para consumo próprio o que portanto nunca são postas em venda. Daqui ao conclui, sem erro de cálculo, que do activo há que reduzir 100,000 pipas, o que levará em verdade a produção disponível de cada ano a menos daquelas quantidades. Este facto é de capital importância para V. Ex.ª, como julgador, ao ter que estudar números de produção o da sua colocação no comércio ou no consumo.
Para a campanha, vinícola em curso, de 1949-1950, deliberou a Comissão do Abastecimento de Vinhos à Cidade do Porto (hoje área da delegação ao Grémio) o abastecimento de 12:656 pipas de vinho da região do Douro.
Era de esperar que houvesse a compreensão de que um contingente ao abastecimento, determinado sobre o consumo na base de 40 por cento, imposto para ajudar a economia de uma região de monocultura o indirectamente a economia ao vinho do Porto se entendesse como livro para o consumo, e assim parecia estar dentro da lógica. Mas não. A Comissão de Viticultura da Região dos vinhos verdes entendeu servir-se de uma aparente generosidade e abnegação pela entrada dessas 12:000 pipas de vinho do Douro nos quatro concelhos limítrofes do Porto, para imediatamente determinar que, a entrada dessas 12: 000 pipas de vinho do Douro ficavam sujeitas a uma compra de outro tanto de vinho verde.
Consideramos que um abastecimento obrigatório de vinho do Douro não pode nem deve ser agravado com encargos do vinho verde, porque tal medida representa a negação do abastecimento o só pode servir de entravo ao escoamento do quantitativo de vinho do Douro determinado segundo o despacho de V.Ex.ª
Consideramos que não, é essa a intenção do Governo, traduzida pela comissão, do abastecimento, ao interpretar o despacho já citado de V.Ex.ª, porquanto a omissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes não deve servir-se de uma obrigação de escoamento de vinho do Douro, numa verdadeira zona de consumo, muito mais do que produtora, para anular os efeitos da ajuda superiormente determinada para a região duriense.
Mas não nos furtamos à transcrição do n.º 2 das normas (aditamento) da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, que reza assim:

2.º A quantidade, de vinho maduro ou estranho à, região demarcada, a receber para consumo dos concelhos de Matosinhos, Maia, Gondomar o Valongo não poderá ser superior às quantidades de vinho verde adquirido fora dos citados concelhos e destinado ao consumo dos mesmos em cada mês e por cada, comerciante.

Poderíamos naturalmente interpretar desta disposição que se exclui a produção de vinho verde dos quatro concelhos como vinho regional, o que só reforçará, e sem contestação plausível, que os quatro concelhos são zona nítida de consumo e [...] produtora, porque a própria Comissão de Viticultura coloca os vinhos ali. produzidos numa escala desigual dos da restante região.
Julgamos, para já, poder informar que a produção, de vinhos verdes dos quatro concelhos limítrofes está computada numa média de 13:000 pipas.
0 n.º 3.º das normas (aditamento) reza o seguinte:

3.º Na quantidade de vinho maduro cuja entrada venha a ser autorizada em relação ao vinho verde adquirido para consumo dos referidos concelhos ficará compreendido o quantitativo necessário ao contigente, de vinho do Douro fixado na última reunião da comissão do abastecimento. Como, porém, se torna necessário, regular a entrada do referido contigente, fica estabelecido que a entrada de, vinho do Douro, seja obrigatória e fixada em 40 por cento, reservando-se os 10 por cento restantes para os vinhos de outras procedências que os Srs. Armazenistas pretendam receber.

Forçados somos a pôr à consideração de V. Ex.ª as resultantes de tão draconianas disposições, que se traduzem num entrave ao regular abastecimento de vinhos maduros à zona de consumo que é composta pelos quatro concelhos limítrofes e ao golpe mortal em um livre comércio legal, corporativamente dirigido.
Conforme se lê no n.º 3.º das normas da Comissão da de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, restarão 10 por cento para os vinhos de outras regiões. Perante tal determinação vê-se o comércio armazenista impossibilitado de satisfazer as exigências do consumidor, onde em alguns dos quatro concelhos o consumo de vinho branco, é muito superior ao do vinho tinto, e como o Douro não pode fornecer vinho branco ma quantidade indispensável, visto que nesta região aquele é na sua maioria utilizado para tratamento, só no sul o armazenista encontra as quantidades a qualidades necessárias.
Mas, com 10 por cento, como pode abastecer-se o mercado? É impossível.
Excelência:
Agora somos, pelas circunstâncias forçados a abordar um aspecto do problema que reputamos muito delicado.
A Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, no intuito de promover o maior escoamento possível de vinho verde, resolveu no decurso da campanha vinícola transacta autorizar a lotação de vinhos verdes com vinhos maduros, para, serem esses lotes vendidos como vinhos maduros. Como interpretar esta liberal forma de actuar? Nós entendemos o seguinte:

1.º O reconhecimento de que nos quatro concelhos os consumidores dão preferência aos vinhos maduros;
2.º O consumidor, sempre constrangido pelo paladar, foi aceitando o processo usado por desconhecimento técnico, porque o armazenista tinha o cuidado de procurar na zona da região dos vinhos verdes aqueles que pela sua elevada força alcoólica, e baixa acidez fixa moas ao aproximavam dos vinhos maduros e que, portanto, admitiam. unia mistura;
3.º Negligência passiva para o abastardamento de os vinhos o verde e o maduro - num casamento forçado para manter a cotação elevada do vinho verde.

Mas este ano, com vinhos maus na região dos vinhos verdes amadurados, (Baião, Resende e Cinfães), com graduações inferiores, que, com raras excepções, atingem, os 11 graus, quando em 1948 atingiram 12 e 12,5 graus, e ate 13, e, ainda este ano, com elevada acidez tartárica, o casamento referido não é auspicioso.
Deverá, em boa lógica, manter-se esta política anticaracterística de vinhos e de abastardamento de tipos?
Poderá objectar-se, e logicamente: mas não é função do comerciante servir-se de tal processo. Em parte estamos de acordo, mas quando a, função do armazenista
é contrariada, quando o exercício do seu comércio é entravado com disposições ilógicas, perante encargos contributivos, negócios montados, é admissível que, não sendo ouvidos os clamores, as coisas se vão adaptando às circunstâncias. E, Ex.mo. Sr. Subsecretário; as

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circunstâncias são estas: a Comissão de Viticultura Da Região dos Vinhos Verdes é quem põe e dispõe, de onde resulta dizer-se que existe um Estado dentro do Estado! Serão duras estas verdades, mas, como são verdades, a Justiça, de olhos vendados, ouve-as com doçura e só podem ser amargas para quem excede as suas atribuições, sem respeito por aqueles que são os servidores da viticultura, porque compram o produto, o seleccionam, o empatam, o pagam a dinheiro e o vendem a crédito.
Excelência:

Agora, abandonando mesmo outros argumentos que encheriam muitas folhas de papel e porque consideramos isto bastante para V. Ex.ª formar o seu juízo, vamos resumir os desejos do comércio armazenista de vinhos:

1.º Que sejam considerados zona de consumo, e portanto com venda livre, os quatro concelhos de Matosinhos, Maia, Valongo e Gondomar;
2.º Para já, e enquanto a primeira sugestão se não efectiva, que os armazenistas possam, para bem exercer a sua função, receber livremente nos seus armazéns dos quatro concelhos as quantidades de vinhos que julguem necessário as para a constituição dos seus stocks e preparação dos seus lotes e tipos de vinho;
3.º Que o contingente ao vinho do Douro a receber obrigatoriamente não seja sobrecarregado com qualquer percentagem de vinho verde;
4.º Que seja reduzida a taxa de $10 em litro que tanto sobrecarrega o custo ao vinho;
5.º Que, se for de todo em todo necessário manter o critério de percentagem de vinho verde cobre as vendas de vinho maduro estranho ao Douro, a titulo de escoamento, ela seja razoável e de modo a poder ser vendida, visto que a imposição de 50 por cento é incomportável, mesmo aceitando o sistema, nada recomendável, de alterar as características do vinho maduro e do vinho verde;
6.º Que os vinhos verdes produzidos, nos quatro concelhos limítrofes, se é que a Comissão de Viticultura os considera como tais, possam contar para a percentagem sobre os vinhos estranhos e que não sejam do Douro;
7.º Que seja esclarecida por V. Ex.ª a reclamação oportunamente apresentada par este Grémio sobre a livre entrada e consumo na região dos vinhos verdes ao vinho maduro em garrafões de 5 litros de marcas registadas, considerando tanto mais que os vinhos verdes nestas embalagens são expedidos para outras regiões demarcadas.

Porto, 9 de Dezembro de 1949. - A Direcção do Grémio dos Armazenistas de Vinhos, Delegação no Porto,

José de Magalhães Carneiro, Carlos Lelo e Cristiano B. Baptista.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. Excelência. - As firmas abaixo assinadas Brites & Tomé, Lda, e António Joaquim Pereira, a primeira com oficina
De repicagem de limas e a segunda com repícagem do mesmo produto e - seu fabrico em regime caseiro e familiar autónomo em Vieira de Leiria, concelho de Marinha Grande, vêm, com respeito e permissão, junto de V. Ex.ª e para que o objecto da presente exposição seja apresentado à competente entidade que na Assembleia Nacional tem a seu cargo a revisão e modificação do condicionamento industrial- expor o que se segue.
Levam a efeito este gesto, pois pode, porventura, suceder que nessas alterações ao condicionamento de momento em estudo e pendente não esteja englobada esta tão importante actividade industrial, natividade que é por assim dizer a razão de ser das populações de Vieira de Leiria e zona anexa.
Trata-se, assim, de uma mera sugestão quanto à indústria limeira no seu principal e quase único centro da actividade fabril - Vieira de Leiria -, facto de superior importância e como tal a considerar sob todos os pontos de vista e por qualquer faceta, que seja encarado.
Na verdade, a indústria de limas (fabrico por sistema mecânico), pelas suas condições especiais de fabrico e comercio, é daquelas que carece de ser isenta do condicionamento, ou, pelo menos, regulamentada de modo a harmonizar-se com as exigências da exportação, ponto focado na proposta de lei em discussão por V.Ex.ª o Ministro da Economia.
Isto sob o aspecto geral.
Porque, encarada a questão sob o ponto de vista local, às firmas signatárias afigura-se que deveriam ter, desde há muito, o direito de (ainda com base nas declarações de S. Ex.ª o Ministro, acerca das modificações a introduzir no condicionamento industrial) ver transformadas em fábricas de limas novas, mecanicamente accionadas as suas oficinas de repicagem.
Tal não afectaria a economia nacional nem local, muito em contrário, determinaria um maior desenvolvimento industrial e comercial no, País e no, estrangeiro, o que se reflectiria do modo apreciável nas classes trabalhadoras da especialidade, hoje já contando muitas centenas, que teriam muito melhor assegurada a sua situação económica e dos seus.
Perdoará V. Ex.ª a ousadia da presente; mas, certamente, não deixará de ser reconhecido que a indústria em causa carece da isenção, provisória ou definitiva, ou, se tal se não entender, de um condicionamento mais suave que permita deixar do existir em Portugal o quase monopólio de fabrico de limas novas, mecanicamente que de há muito, e com geral desagrado se vem injustificadamente notando dado que a produção não cobre as necessidades da exportação.
Do superior a imparcial critério da entidade que tem a seu cargo a revisão e transformação do condicionamento espera justiça.

Vieira de Leiria, 15 de Fevereiro de 1951

As firmas suplicantes: Brites & Tomé Lda. António Joaquim Pereira.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional.- Foi a industria de artefactos de malha (algodão, Lã e seda)dolorosamente surpreendida pela publicação do Decreto n.º 38:143, pelas seguintes razões.

1.ª Porque a sua eliminação do quadro das industrias abrangidas pelo condicionamento industrial se verificou antes da revisão do condicionamento geral, que é submetido à apreciação da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional;
2.ª Porque as considerações que sobre ela são feitas no preâmbulo do decreto não correspondem à verdadeira situação e finalidade da indústria;
3.ª E, sobretudo, porque a sua situação aflitiva já merecera do próprio Ministério da Economia um estudo especial, de que resultou a necessidade de a fazer beneficiar de maior cuidado na aplicação das regras do condicionamento do industrial em vigor.

De facto, atendendo aos clamores da industria de artefactos de malha, que se debatia numa grave crise, em virtude do desregramento na montagem constante

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de movas máquinas e unidades industriais e concorrência da indevidamente denominada indústria caseira, S. Ex.ª o Sr. Dr. Castro Fernandes, então Ministro da economia, nomeou em 29 de Junho de 1949 uma comissão, presidida pelo Exmo. Sr. Engenheiro Álvaro Almeida Cruz e composta pelo Exmo. Sr. Engenheiro Pires Antunes, ambos funcionários da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, e pelo Sr. Carlos Farinha, presidente da secção de malhas do Grémio dos Industriais de Lanifícios do Sul o em representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.
Ora precisamente essa comissão chegou à conclusão de que se devia apresentar a despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia o parecer que juntamos (documento anexo), e cujas conclusões principais são:
1.ª Dadas as dificuldades presentes de estabelecer doutrina segura sobre a futura orientação das diversas modalidades da industria de malhas e a superprodução que actualmente se verifica, em quase todas essas modalidades da indústria, não serão de autorizar novas fábricas durante o período de um ano, a contar da data da publicação no Diário do Governo do despacho normativo de S. Ex.ª o Ministro da Economia;
2.ª A definição do que se deve considerar regime a e trabalho caseiro, visto ele ser actualmente uma ficção.

Consta ao delegado da indústria de malhas nessa comissão que o seu trabalho mereceu parecer favorável de S. Ex.ª, o Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, que mandou preparar o respectivo despacho, normativo.
Pelo que se lê no preâmbulo do Decreto n.º 38:143, não foram considerados, na sua elaboração nem o parecer da comissão que estudou a crise da indústria de malhas nem o despacho, de S. Ex.ª, o Sr. Subsecretário do Estado do Comércio e Indústria, que não nos é dado transcrever.
Diz o preâmbulo: "A industria de malhas é, por sua natureza, uma daquelas em que convém fomentar e proteger sem quaisquer entraves o trabalho caseiro, familiar e autónomo.
Nunca a indústria, de malhas, que foi coagida a incorporar-se na Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, por despacho de S. Ex.ª, o Ministro da Economia de 25 de Novembro de 1943, e, consequentemente, sujeita à sua disciplina, foi contrária à existência do trabalho caseiro, familiar e autónomo, mas, evidentemente, nas condições em que ele foi estabelecido na base IV da Lei n.º 1:956, cuja regulamentação se pretende estabelecer com o Decreto n.º 36:279, ainda que, no parecer desta indústria, em termos latos demais, pois se permite o trabalho em dependências exteriores ao agregado familiar e até utilizando máquinas consumindo força motriz até 10 C.V. de potência.
Que o trabalho caseiro seja permitido ao agregado familiar, de acordo; mas que ele seja limitado na sua efectivação, que seja regulamentado, considerando-se o seu objectivo social, mas nunca transformado-o em pequenas industriais sem obrigações de horário de trabalho e sem os encargos sociais inerentes.
Como se pode considerar trabalho caseiro instalações possuindo quatro e cinco teares rectilíneos, ocupando mão-de-obra estranha ao agregado familiar?
De um pretenso agregado familiar exercendo trabalho caseiro tem conhecimento esta indústria onde se ocupam vinte e três operários!
Ora, ma maioria dos casos, o trabalho caseiro é executado por conta dos armazenistas ou lojistas, que fornecem o fio ao agregado caseiro com a mira de obter os artigos mais baratos. em benefício próprio e não do consumidor, em concorrência desleal com as fábricas organizadas, com todas as responsabilidades que lhes são impostas.
Qual o resultado efectivo para o agregado familiar?
Por vezes o resultado é inferior ao ordenado que poderia auferir trabalhando em fábricas tecnicamente montadas e obedecendo a todos os preceitos legais.
E para agravar ainda mais a situação permite-se pelo Decreto n.º 88:143 a montagem livre de teares rectos e circulares.
Que espécie de teares circulares?
Aqueles que destinam à fabricação de meias e peúgas ou os que se destinam à produção de malha tubular, com o consumo do 15:000 a 20:000 quilogramas de fio por ano?
Serão estas máquinas adequadas à indústria caseira?
Igual pergunta se pode fazer para os teares rectilíneos.
O que deve ser indústria caseira está bem definido no parecer da comissão nomeada para estudo do despacho normativo já aqui referido.
Por isso, julga a indústria de malhas que é de manter o que nesse parecer foi proposto, sem o que maior será a sua crise.
Quanto à liberdade do condicionamento para a indústria devidamente organizada, também merece reparo à indústria de malhas o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38:143.
Diz-se que "... por outro, reconhece-se que a fabricação industrial mediante modernas, grandes e bem apetrechadas unidades fabris não é viável entre nós, dada a exiguidade do mercado e limitada extensão do consumo".
Não pode a indústria de malhas aceitar este princípio, salvo o devido respeito, pelas razões seguintes:
Como poderia ela justificar a sua existência e impedir a importação de artigos similares estrangeiros se não acompanhasse, como aliás o tem feito, todo o progresso industrial desta indústria?
Não é pelo melhoramento da técnica industrial que se reduz o prego do custo dos artigos produzidos?
Só com um ponto de vista concorda a indústria de malhas. É na exiguidade do mercado e limitação de consumo.
Se isto é reconhecido oficialmente, como se pode libertar do condicionamento uma actividade industrial onde a superprodução é um facto verificado?
Aproveita a indústria para refutar a afirmação da existência de lucros e preços excessivos.
Os lucros das empresas de malhas são suficientemente demonstrados por algumas falências e encerramentos ultimamente verificados.
Os preços dos seus produtos são dependentes do custo das matérias-primas, cujas cotações estão em alta constante, quer no mercado interno, quer no mercado externo.
Diz a estatística de 1948- a última em nosso poder- que deixaram de existir 38 unidades fabris desta indústria nesse ano.
Para que possa ser devidamente demonstrado que o anterior regime de condicionamento industrial não foi um entrave à iniciativa privada nem ao desenvolvimento da indústria de malhas basta referir que em 1938 existiam 176 estabelecimentos industriais e em 1949 existem no País 342, sendo 242 fábricas ou estabelecimentos que laboram em regime industrial e 100 oficinas que laboram em regime de indústria caseira, familiar e autónoma.
Quer isto dizer que em dez anos duplicou o número de estabelecimentos industriais, além do grande número de máquinas instaladas no mesmo período, o que

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na região Sul é de cerca do três vezes o que era em 1938.
Pode-se, nestas condições, isentar do condicionamento uma indústria que tem capacidade muito superior às necessidades de consumo, quando existem já elementos de produção suficientes para estabelecer a concorrência necessária para evitar abusos de preços que a carência de produtos pode provocar?
A situarão actual da indústria pode ser demonstrada pela citação dos seguintes números:
Existem neste momento instaladas por agremiados, inscritos na Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, sem contar com algumas das maiores empresas que só trabalham algodão o seda, as seguintes máquinas produtoras: 3:004.
Destas estão legalmente seladas por falta de trabalho 403 máquinas, fora as que estão paradas sem estarem seladas, podendo-se calcular que das que utilizam lã como matéria-prima 40 por cento não produzem neste momento.
Convém nesta altura salientar o valor económico da indústria de malhas.
Existem 342 estabelecimentos, cujo capital global pode ser computado em 250:000 contos e possuindo maquinismos de valor superior a 100:000 contos, empregando a mão-de-obra de mais de 10:000 operários.
Produziu em 1948 mais de 2:000 toneladas de artefactos.
Só a indústria de malhas agremiada na Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios paga de impostos e encargos sociais mais de 18:000 contos anuais.
Os salários pagos por estas firmas podem-se computar em cerca, de 40:000 contos.
Trata-se, pois, de uma indústria que deve merecer do Estado a consideração relativa à sua importância.
Deseja a indústria de malhas esclarecer os seguintes pontos:

1.º Não é sua pretensão impedir ou atrofiar o trabalho caseiro, familiar e autónomo, mas apenas solicitar que ele seja devidamente regulamentado e controlado, até para defesa dos próprios praticantes, para que não se transforme num elemento perturbador organizado, correspondendo inteira e unicamente ao objectivo social que com ele se pretende atingir;
2.º Que o condicionamento industrial, não sendo um entrave à modernização dos processos de trabalho indispensável para o progresso de qualquer actividade industrial, sirva de freio às aventuras industriais e produza os serviços que foram assinalados por S. Ex.ª o Sr. Ministro do Comércio e Indústria na sua nota oficiosa de 1936, que diz:

A observação do que tem sucedido entre nós com a multiplicação absurda de estabelecimentos e serviços industriais em vários sectores que momentaneamente se propuseram de exploração fácil e frutuosa, a tendência que se mostra para copiar e imitar as iniciativas alheias e também a facilidade com que se resvala para a concorrência sem regra e sem limites são factos que permitem a certeza de que a execução do condicionamento poupou durante estes anos à economia nacional prejuízos e desastres inumeráveis.

Ora a indústria de malhas é a melhor ilustração da absurda multiplicação de estabelecimentos industriais, pois muitos consideram que esta indústria pode estar ao alcance de todos.
Julga a indústria de malhas que não convém à economia nacional que ela se transforme num artesanato sem defesa. Quem beneficia não será o agregado familiar, mas sim quem dele se utiliza em proveito próprio, sem vantagem para o consumidor.
Logo, permite-se solicitar de V. Ex.ª que, quando do estudo do projecto de condicionamento industrial, seja tomado na devida consideração o parecer da comissão nomeada por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia em 29 de Junho de 1949, que aqui se junta e que bem representa a verdadeira situação e necessidades da indústria de malhas para poder sobreviver.
Que seja suspendo, iate à decisão dia Assembleia Nacional sobre o projecto de modificação do condicionamento industrial, o Decreto-Lei n.º 38:143, cujas determinações vêm agravar uma crise já bastante alarmante.
Aproveitamos para juntar a moção que foi aprovada, por unanimidade, pelos numerosos industriais de malhas do Grémio dos Industriais de Lanifícios do Sul e pelo presidente da secção de malhas do Grémio dos Industriais de Lanifícios do Norte, reunidos na sede do Grémio do Sul quando lhes foi apresentada, para apreciação, a exposição acima:

«A secção de malhas do Grémio dos Industriais de Lanifícios do Sul, reunida na sede do Grémio, em 18 de Janeiro de 1951, sob a presidência do seu presidente e com a assistência do Exmo. Sr. Delegado do Governo junto da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, aprovou, por unanimidade, as seguintes conclusões:

1.ª Considera que a exposição à Assembleia Nacional representa o claro pensamento de todos os industriais de malhas e dá-lhe o seu inteiro apoio;
2.ª Dá o seu louvor e plena aprovação ao estudo feito pela Associação Industrial Portuguesa sobre o condicionamento industrial;
3.ª Afirma a sua incondicional adesão à doutrina corporativa, considerando que a economia nacional corporativa é a que permite aos seus elementos realizar os justos objectivos da sociedade e deles próprios;
4.ª Respeitosamente discorda de que a indústria de malhas seja, pela sua natureza, uma daquelas em que convém fomentar: e proteger sem quaisquer entraves o trabalho caseiro, familiar e autónomo. Sob o ponto de vista económico, considera que do trabalho caseiro, familiar e autónomo não resultará diminuição do preço de custo dos artefactos na venda ao público. Sob o ponto de vista social, o Decreto-Lei n.º 38:143 conduzirá, salvo o devido respeito, à desprotecção de um grande número de operários, que, erigindo-se em trabalhadores caseiros, deixarão de beneficiar da previdência. Neste ponto o preâmbulo do referido decreto-lei manifesta uma certa despreocupação pela sorte dos trabalhadores quanto aos benefícios da previdência;
5.ª Reputa injustificada a afirmação de que a indústria ide malhas esteja praticando preços excessivos, pois que se pode afirmar com verdade que os preços actuais são inferiores aios que resultariam, dia aplicação dos factores oficialmente aprovados e impostos à indústria quando do regime do tabelamento dos artefactos de malha.
Os preços actuais, que não são, por isso, excessivos e na maior parte dos casos nem sequer são compensadores, não podem sofrer qualquer diminuição. Da libertação da in-

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dústria de malhas do regime do condicionamento industrial poderá inicialmente resultar, por via de «uma concorrência sem regra e sem limites», um afrouxamento de preços, que se não manterá, por impossível. Mas resultará necessariamente a ruína da indústria, sem qualquer espécie de vantagem económica;
6.º Estando a secção de malhas integrada, através do Grémio dos Industriais de Lanifícios do Sul, na Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, é seu modesto parecer que a Federação deveria ter sido ouvida antes da publicação do Decreto-Lei n.º 38:143, de forma a poder, como organismo corporativo, colaborar pela apresentação dos elementos de estudo e de informação de que dispõe».

Lisboa, 19 de Janeiro de 1951.

A bem da Nação.

O Presidente da Secção de Malhas, Carlos Farinha.

Segue, como anexo, cópia de um parecer dirigido ao director-geral dos Serviços Industriais pela comissão para esse fim nomeada, parecer que serviria de base a um despacho normativo no sentido de regular as autorizações de novos pedidos para instalações na indústria de malhas.

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Tem esta Associação conhecimento de que o Governo da Nação enviou à Assembleia Nacional uma proposta de lei sobre o condicionamento industrial.
A direcção desta colectividade apreciou essa proposta na sua reunião de 35 de Janeiro passado e, tendo em atenção o interesse de que esta matéria se reveste para a indústria e para a economia do País, deliberou sobre ela emitir o seu parecer e solicitar de V. Ex.ª o favor de o aceitar, certa de que os pontos de vista expendidos poderão vir a ser úteis a essa Assembleia para a elaboração da respectiva lei.
Neste sentido tenho a honra de passar a expor a V. Ex.ª as considerações que esta Associação julga conveniente fazer sobre o assunto:
I) Cerca de vinte anos decorridos desde a publicação do Decreto n.º 19:354 pode hoje avaliar-se, com relativa justeza, a acção exercida pelo condicionamento sobre a nossa indústria e sobre a economia do País.
O resultado final deste balanço é, sem dúvida, favorável ao regime provisoriamente instituído por aquele decreto e depois, em 1937, remodelado em melhores bases pela Lei n.º 1:956.
A disciplina que manteve em numerosos sectores da indústria portuguesa, a segurança que dispensou aos valiosos capitais investidos em tantas empresas e a protecção que concedeu à mão-de-obra nacional são factos positivos, de incontroverso valor, que beneficiaram a nossa economia e sensivelmente ultrapassaram os inconvenientes resultantes das restrições que tal regime implica.
É inegável o grande progresso efectuado nos últimos vinte anos pela nossa indústria. A Feira das Indústrias Portuguesas, que esteve patente em Belém no passado ano, permitiu avaliar um pouco do muito que realizamos. E se a nossa indústria não é ainda hoje aquilo que porventura poderia ser, é preciso recordar que ,não era fácil avançar mais em tão curto prazo, dados os meios que tem usufruído quanto a energia, transportes, matérias-primas e mão-de-obra, esta sem a necessária preparação técnica. O mal vinha de longe e a completa descrença nas nossas possibilidades industriais era quase geral. Os capitais portugueses fugiam com desconfiança dos investimentos industriais para procurar frequentemente no estrangeiro colocações que reputavam mais seguras - e que tantas vezes, afinal, não o foram.
O problema da industrialização do País tem da facto merecido a melhor atenção ido Governo da Nação, sendo inegável que as diferentes medidas promulgadas a tal respeito têm eficazmente suscitado ou auxiliado o nosso desenvolvimento industrial. Entre essas medidas encontra-se o condicionamento industrial, que foi e pode ainda hoje considerar-se instrumento indispensável da nossa política económica, constituindo, sem dúvida, um importante factor de atracção do capital, pela segurança que veio trazer aos investimentos fabris.
Evidentemente que as restrições ao livre exercício das actividades industriais que o condicionamento implica pedem, por vezes, ter dado lugar - e certamente deram - a soluções inconvenientes ou injustas.
Mas, globalmente considerado, os seus benefícios foram consideráveis, havendo apenas que aperfeiçoar e melhorar a forma da sua aplicação.
O condicionamento, como instrumento que é da economia dirigida, vale evidentemente pela orientação que lhe for dada e pela forma como for executado.
Importa assim, essencialmente, aperfeiçoar o processo da sua execução, por forma a que os diferentes problemas sejam convenientemente esclarecidos e informados e a decisão se ajuste aos reais interesses da indústria e da economia do Império.
A este respeito julgamos conveniente ainda salientar quanto se torna necessário coordenar as actividades industriais da metrópole e das províncias ultramarinas, para o que seria preciso rever agora também a legislação que regula o condicionamento das indústrias nas nossas colónias.
A sujeição em que importantes sectores da nossa indústria se encontram em relação a matérias-primas de origem colonial, a necessidade de defender a mão-de-obra dentro da metrópole, sem esquecer a vantagem de encaminhar o nosso excedente demográfico para os territórios do ultramar, e a interdependência existente entre numerosas produções da metrópole e das colónias demonstram a imperiosa necessidade, sob os aspectos económico e social, de conciliar os justos interesses de todas as regiões do Império ao estabelecer as bases da nossa actividade industrial.
Estas considerações são tanto mais oportunas quanto a tendência da Administração se fixa anais acentuadamente no sentido de se conseguir uma unidade económica imperial.
Da proposta de lei nada consta a respeito desta matéria que permita fixar a orientação geral que se torna necessária, com o fim de melhor se coordenarem os empreendimentos industriais que a iniciativa particular deseje levar a efeito na metrópole ou nas colónias.
II) A orientação geral estabelecida em matéria de condicionamento pela proposta do Governo não pode deixar de merecer a aprovação desta colectividade. As linhas directivas da proposta estão de acordo com os princípios anteriormente consagrados pela Lei n.º 1:956, que em muitos passos é, porém, consideràvelmente corrigida e melhorada.
Há em todo o caso alguns pormenores que esta Associação julga carecerem de rectificação ou esclarecimento e sobre os quais pede licença para solicitar a atenção dessa Exma. Assembleia.
III) Refere-se a base VI a dois importantes problemas: o do trabalho caseiro e familiar e o dos estabelecimentos complementares das explorações agrícolas.
Quanto ao primeiro, o princípio consagrado na proposta é inteiramente de aplaudir. Deve ser, na verdade, função dos diferentes decretos regulamentares definir

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e regular os termos em que, em cada indústria, pode ser exercido o trabalho caseiro e familiar sem dependência da disciplina do condicionamento.
Haveria só, possivelmente, que suprimir do texto a palavra «autónomo».
Por esta palavra pretende-se, segundo julgamos, qualificar o trabalho realizado por conta e risco do próprio trabalhador, isto é, aquele em que este é o empresário da exploração.
Ora uma grande parte da nossa indústria caseira é realizada de forma diversa, trabalhando por conta de empresários que fornecem a matéria-prima e depois recebem os produtos manufacturados.
Assim, em cada caso, haverá ou não vantagem em facilitar ou dificultar esta modalidade de trabalho industrial. É, em nosso entender, problema que deveria ser resolvido no decreto regulamentar respeitante a cada indústria, e não na própria lei.
A segunda parte da base VI trata de um problema por certo mais delicado e a que não pode negar-se excepcional importância. E evidente que a lavoura precisa de valorizar o mais possível os seus produtos e que as medidas tomadas com esse objectivo são de interesse para a economia do País. Mas no caso a que nos estamos a referir, essas medidas carecem de ser executadas com excepcional cuidado,, porque, em face do disposto nesta parte da base VI, o prejuízo provocado por tal industrialização poderá ser maior para a lavoura do que os benefícios que comporta. Assim acontecerá se, em indústria condicionada, vierem a ser instaladas livremente pela lavoura unidades que perturbem e prejudiquem as explorações industriais já existentes. Neste caso o prejuízo sofrido pela agricultura pode ser maior do que a vantagem recebida - e para isso bastará que a indústria seja obrigada a restringir a produção, e portanto a compra à agricultura da respectiva matéria-prima.
A isenção do condicionamento dos estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador é inteiramente justa e não pode apresentar inconveniente sério, tendo sido já consagrada na Lei n.º 1:956.
Julgamos, porém, sumamente inconveniente alargar a mesma isenção aos estabelecimentos instalados por «vários lavradores associados».
Estabelecer este preceito seria o mesmo que tornar praticamente inútil e ineficaz o condicionamento em relação à maior parte das indústrias agrícolas e subsidiárias da agricultura.
Fosse por meio de cooperativas, como se refere no relatório do projecto de lei, fosse por meio de qualquer espécie de sociedade, a lavoura poderia começar - e começaria em breve, certamente - a instalar um certo número de unidades industriais, que não deixariam de perturbar seriamente as empresas já existentes, inutilizando investimentos valiosos e todo o trabalho de organização até hoje realizado.
Nestas circunstâncias estariam as indústrias de descasque de arroz, moagem, fabrico de bolachas, biscoitos e massas alimentícias, panificação, lacticínios, álcool, etc., devendo notar-se que na maior parte das indústrias de alimentação a capacidade de produção existente excede muito todas as possibilidades de consumo.
Seria, pois, necessário que, para se poder coordenar e orientar devidamente toda a produção desses sectores industriais, se sujeitasse a instalação e modificação de tais unidades às regras gerais do condicionamento no respectivo sector industrial.
Assim se acautelariam os justos interesses de todos.
IV) A base VIII estabelece que o Governo poderá impedir que o condicionamento seja desvirtuado dos seus fins, transformando-se em obstáculo ao progresso técnico das indústrias ou conduzindo a um exclusivismo anormalmente lucrativo das empresas existentes.
Estes princípios não podem deixar de merecer o melhor aplauso desta Associação. No entanto, a faculdade concedida ao Governo, pela segunda parte desta base, de modificar ou revogar as autorizações concedidas, mesmo relacionando-a com os objectivos consignados na primeira parte, encontra-se possivelmente estabelecida em termos demasiado amplos e genéricos.
Trata-se, na verdade, de uma medida de excepcional gravidade e que só deveria poder aplicar-se em casos nitidamente determinados.
A base XII permite ainda a modificação ou revogação como sanção pela falta de cumprimento das obrigações impostas pela base XI, pela prática de actos sem autorização ou ainda pela inobservância das cláusulas, limites ou condições constantes da licença.
A Lei n.º 1:956 já permitia ao Governo, na sua base XII, retirar ou modificar as autorizações concedidas, mas só nos casos seguintes:

a) Quando a entidade interessada «não apresentasse garantias de solidez e estabilidade;
b) Quando não procurasse aperfeiçoar a sua produção e concorrer para o progresso do seu ramo industrial;
c) Quando se desviasse dos fins concretamente expostos no seu pedido de autorização;
d) Quando não cumprisse as condições em que a autorização lhe foi concedida.

Julga esta Associação que seria conveniente definir com mais precisão os casos em que poderia ser modificada ou revogada a autorização concedida, aplicando esta medida apenas quando o interesse geral o exigisse ou quando a falta cometida fosse excepcionalmente grave, e, em qualquer caso, ouvido sempre previamente o interessado, e ainda, como dispõe a base XVI, o Conselho Superior da Indústria.
V) A simplificação do processo das autorizações sem prejuízo do (necessário esclarecimento da Administração e da justa defesa dos interesses privados, consignada na base IX, é princípio inteiramente de louvar.
Julga mesmo esta Associação que a instrução do processo mão deveria ser igual em todos os casos, pois não pode colocar-se um pedido para instalar uma nova fábrica com influência decisiva ma economia do País ao lado de um pedido de instalação de uma simples máquina.
No primeiro caso deveriam exigir-se os necessários elementos de informação de carácter técnico e económico, bem como a prova da capacidade financeira da empresa.
Esta seria uma forma de evitar certos pedidos, destinados depois a servirem de base a futuras organizações...
No segundo caso, o pedido e o processo deveriam limitar-se ao estritamente indispensável.
Ainda a respeito da base IX julga esta Associação que, pelo menos quando não exista organismo corporativo ou de coordenação económica da respectiva indústria, deveriam ser consultadas as associações industriais do País. O seu largo passado, inteiramente devotado à defesa da indústria, e os elementos de informação de que dispõem dão-lhes singular autoridade para se pronunciarem sobre esta matéria, podendo eficazmente concorrer para «o necessário esclarecimento da Administração e a justa defesa dos interesses privados».
VI) Refere-se a base X a «licenças» e «alvará»».
O termo «alvará», aqui empregado, bem como na base VII, é utilizado também, há muitos anos, para de-

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signar o título de licenciamento do local de trabalho, nos termos do Regulamento das Indústrias Insalubres, Incómodas, Perigosas ou Tóxicas, aprovado pelo Decreto n.º 8:364.
Para evitar confusões inúteis e prejudiciais poderia vantajosamente substituir-se o termo «alvará» por «autorização», normalmente utilizado em matéria de condicionamento industrial.
VII) Os constantes inquéritos a que as empresas industriais são obrigadas a responder, com o consequente preenchimento de mapas e verbetes, por vezes complicados, constituem frequentemente um sério embaraço à vida da indústria.
A indicação dos custos de produção a que a base XI se refere pode apresentar inconvenientes, e por tal motivo só com relutância será dada certamente por muitas empresas.
VIII) Não determinam as bases XV e XVI que o Conselho Superior da Indústria tenha de ser obrigatoriamente ouvido nos processos de condicionamento, doutrina que se nos afigura de aplaudir.
Ao Conselho deve pertencer fixar as normas ou regras gerais, de acordo com as quais serão depois decididos os pedidos, alterando e modificando essas regras, conforme os interesses da indústria e da economia do País o forem exigindo. Em todo o caso, sempre que se estivesse em presença de um caso novo, acerca do qual ainda não estivesse fixada orientação pelo Conselho, parece que este deveria ser obrigatoriamente consultado.
IX) A revisão dos condicionamentos actualmente existentes, prevista; pela base XVII, é trabalho delicado e difícil, e como tal necessariamente demorado.
Há que ter em conta, as faltas e os defeitos da classificação industrial existente, as imperfeições dos nossos cadastros e a inexistência, em relação a muitos sectores industriais, das informações estatísticas indispensáveis.
O trabalho de revisão a efectuar teria de enquadrar, as autorizações relativas às actuais unidades na classificação das indústrias e modalidades industriais que vier a ser adoptada, tarefa particularmente melindrosa pelos termos em que certas autorizações foram concedidas.
De facto têm sido grandes as dificuldades suscitadas pelos termos genéricos, ambíguos ou imprecisos em que foram e continuam a ser concedidas certas autorizações, por não existir uma classificação das modalidades industriais devidamente especializada e actualizada.
Seria também ainda conveniente prever e evitar na lei os inconvenientes verificados, desde longa data, quanto ao exercício pela mesma empresa de diferentes actividades nada afins, que a prática mostra ser prejudicial ao trabalho normal de certas indústrias, que necessitam de maior capacidade de produção e de uma mais acentuada especialização. Estas indústrias suportam encargos de natureza fiscal e social mais elevados em relação às empresas a que acima se faz referência, pois estas normalmente apenas suportam tais encargos por uma única modalidade industrial.
Por tudo o que fica exposto, julga esta Associação que os prazos fixados nesta base devem ser insuficientes para que os complexos problemas a decidir possam ser estudados e apreciados com o cuidado indispensável.
Sugeria assim que o prazo estabelecido fosse alargado, com o fim de permitir que comissões devidamente especializadas apresentassem os seus trabalhos em condições e tempo antecipadamente fixados, habilitando desta forma o Governo a publicar os decretos a que esta base se refere.
Ao terminar as considerações que esta Associação entendeu dever submeter à apreciação da Assembleia Nacional, aproveito o ensejo para apresentar a V. Ex.ª os protestos da minha mais elevada consideração e apreço.
A bem da Nação.

Porto e Associação Industrial Portuense, 2 de Fevereiro de 1951. - O Presidente, Mário Borges, engenheiro.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Os signatários vêm, muito respeitosamente, no uso do poder que lhes confere o n.º 18.º do artigo 8.º da Constituição Política da República Portuguesa, expor a V. Ex.ª, com o pedido de comunicação à Assembleia Nacional, o seguinte:

A indústria de panificação julga-se tratada injustamente pela legislação e organismos políticos e de coordenação económica que a governam, e por isso, e porque as suas anteriores reclamações não têm merecido a atenção de quem lha devia prestar, vem reclamar perante a Assembleia Nacional contra esta injustiça.
Esta indústria é uma actividade económica de importância nacional, pois paga grandes tributos ao Estado, aos corpos administrativos, etc.; sustenta muitos milhares de trabalhadores; presta à Nação e ao consumidor relevantes serviços, que não são devidamente avaliados; é ordeira, amante do trabalho e esforça-se continuamente por contribuir para o bem comum, e é sóbria nas suas justas reivindicações.
Mas:
1.º Os seus problemas são resolvidos - quando o são - por individualidades que só teoricamente a conhecem e que, por isso, coactivamente lhe impõem soluções que nem sempre são as melhores;
2.º Acha-se abandonada a si própria quanto à concorrência desleal;
3.º Vive tecnicamente atrasada, por falta de efectiva coordenação e de assistência técnica, estímulo, garantias de progresso e estabilidade económica;
4.º E mal vista, quase desprezada, muitas vezes apontada na imprensa, mesmo por elementos de responsabilidade, coimo uma classe de traficantes, sem que se lhe reconheça amplamente o direito de em público, e perante o público, se reabilitar;
5.º Foi-lhe limitado o lucro, produto do seu árduo labor e duros encargos financeiros, relacionado com determinadas despesas que se supunham fixas. Mas estas despesas foram depois agravadas em cerca de 80 por cento por determinações superiores tomadas sem sua audição, e isto sem que, em contrapartida, tenha sido ordenado ou permitido o necessariamente correlativo reajustamento dos preços de venda, pelo que, se já antes estava mal, pior ficou. E, apesar disto, continua a beneficiar o consumidor com a consuetudinária venda a crédito, mesmo à custa de muito sacrifício;
6.º Não pode comprar a farinha onde melhor lhe convenha, não tem, na compra desta, efectivas garantias de qualidade ou mesmo de peso, enquanto que o consumidor pode comprar onde quiser e com o direito de exigir e a certeza de obter peso exacto e qualidade superior;
7.º A sua já grande debilidade económica mais ainda é agravada pelo consentimento quase sem limites da abertura de novas instalações, mesmo absolutamente desnecessárias;
8.º A concorrência clandestina campeia livremente e pode, isenta das pesadas contribuições e tantos outros encargos, bem como de exigências de higiene, observância de horários e descanço semanal, etc., concorrer de forma inelutável com a indústria legalizada;
9.º Está sujeita a horários impróprios, que em muitos casos não respeitam sequer os costumes regionais nem

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quadram com as condições climatéricas nem Com as boas normas de fabrico;
10.º As leis que a regem, em grande parte desactualizadas, são confusas, o até por vezes contraditórias, muito esquecidas, além disso, no pouco em que podem
proteger o industrial, e sempre rigorosamente aplicadas contra ele, com todas as suas graves sanções, nem sempre justas.
Por tudo isto, e porque as suas múltiplas reclamações e exposições, vindas de todos ou de quase todos os distritos do País, não têm sido atendidas e, ao que parece, nem sequer ponderadas, e porque estão os signatários convictos de que se tornou urgente uma cuidadosa análise e profunda remodelação da regulamentação legal que a rege, vêm estes, convictos aliás de interpretar o pensamento e legítimos anseios dos seus colegas do resto do Pais, e não apenas os dos distritos de Braga e Viana do Castelo, a que pertencem, fazer esta exposição e reclamação perante a Assembleia Nacional, em cujo esclarecido critério e superior visão profundamente confiam, pelo que mas suas mãos depositam a esperança da justa solução das suas dificuldades.

Guimarães, 23 de Novembro de 1950. - (Seguem várias assinaturas).

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 8.12 e 13, respectivamente de 17 e 18 de Janeiro próximo passado, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 38:152 e 38:153.
Durante a interrupção dos trabalhos desta Câmara foram recebidos dos Ministérios da Justiça e da Educação Nacional os elementos solicitados, respectivamente, pelos Sr.ª Deputados Melo Machado, em sessão de 6 de Dezembro findo, o Manuel Lourinho, em sessão de 5 do mesmo mês. Os referidos elementos foram entregues àqueles Srs: Deputados.
Pausa.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: nunca me senti como hoje representante da Nação; não é o republicano que fala, é o português. Venho chamar a atenção do Sr. Presidente do Conselho para aqueles nossos compatriotas, monárquicos a republicanos, idealistas que tudo sacrificaram pela sua concepção política, que hoje vivem tão perto da miséria, dessa miséria honrada que, em vez de envergonhar, exalta.
Uns, militares, constelado o peito de condecorações das meia honrosas, ganhas nos campos de batalha; outros, civis, professores alguns, que viviam para o seu ensino o que envelheceram, encaneceram ao serviço da Nação e lutando pelo seu ideal.
A alguns a idade impossibilita de alcançar trabalho; vivem, repito, perto da miséria. Sofrendo longamente as horas amarguradas da desventura - como dizia admiravelmente Oscar Wilde, "suffering is a very long time"- nas horas de angústia sentiam como uma longa esperança a amnistia, o a consequente reintegração.
Sr. Presidente do Conselho: V. Ex.ª é beirão, como eu, o sabe que a caridade cristã é o mais lídimo sentimento nas nossas serras.
Vem a florir a Páscoa, o certamente, V. Ex.ª não se esquecerá destes homens, desses idealistas que viveram a sofreram para a sua fé política.
Em nome deles, desde já lho digo: bem haja pelo que fizer, mas faça-o depressa, porque alguns deles poucos anos de vida poderão ter e para que a amnistia não
fique sendo mais que um ramalhete de flores de esperanças murchado pelo tempo.

Vozes: Muito bem muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: já que estou no uso da palavra, aproveito, a oportunidade para chamar a atenção do Governo para a situação em que ficam os boletineiros dos CTT que atingem o limite de idade o são, por consequência, lançados no desemprego.
Também aproveito este momento pua igualmente chamar a atenção do Governo para a situação dos pensionistas do Estado que tem de empregar-se, por circunstancias várias, e por esse motivo, perdem a sua pensão e até mesmo são obrigados a restituir os valores recebidos.
Ora os empregos que por vezes esses pensionistas arranjam não os compensam da perda da respectiva pensão, de tal modo são diminutos os vencimentos neles auferidos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Fui agora informado, de que durante a interrupção dos trabalhos dessa Câmara faleceu a mãe do Sr. Deputado Colares Pereira. Penso que a Câmara quererá associar-se ao voto de sentimento que deste lugar dirijo àquele Sr. Deputado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para agradecer pessoalmente a V. Ex.ª e aos meus ilustres colegas o voto de sentimento que acabam, de exprimir pelo falecimento de minha mãe.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: no interregno desta sessão legislativa ocorreu no mar dos Açores um grave desastre de aviação, em que perderam a vida catorze oficiais, sargentos e praças do glorioso exército português. Perderam a vida em serviço, e, portanto, morreram no seu posto.
Por isso, dobrado foi o sentimento de pesar de toda a Nação pela horrosa tragédia.
Interpretando este sentimento, e decerto o desejo de toda a Assembleia, proponho que no Diário das Sessões fique exarado um voto de profundo pecar por este lamentável acontecimento, que vitimou tantos valorosos militares na flor da vida, do quem tanto havia a esperar ao serviço da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente. - Ficará exarado no Diário da sessão de hoje o voto de pesar desta Assembleia, proposto pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, pelo trágico desastre nos Açores, que tão profundamente enlutou a nossa aviação, militar.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Pinho Brandão.

O Sr. Pinho Brandão:- Sr. Presidente: o Governo, pelo Ministério da Economia, e conforme a imprensa diária referiu, elaborou uma proposta de lei que altera o actual regime legal do condicionamento industrial. Tal proposta, segundo. Declarações feitas na mesma imprensa,

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foi até já enviada para a Câmara Corporativa e, em seguida, será submetida à apreciação, discussão e votação desta Assembleia.
Não é este o momento, Sr. Presidente, de apreciar e discutir aqui essa proposta governamental, que a imprensa diária acolheu com satisfação, louvando a iniciativa do Governo de alterar o actual regime de restrições às actividades industriais, e que parece ter interessado vivamente a opinião pública do País.
Essa discussão nesta Casa virá a seu tempo, mas isso não impede que desde já se louve a intenção do Governo, e especialmente a do Sr. Ministro da Economia, de conceder à iniciativa privada uma maior amplitude.
Pela mesma ocasião em que a imprensa diária dava o justo relevo à referida proposta de lei, inseria o Diário do Governo o Decreto-Lei n.º 38:143, que, filiando-se na orientação geral da proposta, eliminou do quadro das indústrias abrangidas pelo condicionamento algumas modalidades industriais, o que demonstra iniludivelmente ser resolução firme do Governo deixar o exercício do algumas indústrias ou de algumas das suas modalidades à livre iniciativa privada.
Tal atitude governamental merece que seja, desde já, notada por esta Câmara, porque, Sr. Presidente, embora se não deva estabelecer um regime de inteira liberdade económica (o liberalismo fez a sua época e nenhum povo civilizado do Mundo o adopta hoje na sua pureza, vendo-se que os Estados intervêm na vida económica com maior ou menor amplitude), a verdade é que um excessivo condicionamento industrial, apertado ainda numa burocracia asfixiante, por um lado, elimina ou reduz demasiadamente os benefícios da concorrência, em prejuízo da massa consumidora, e, por outro lado, concentra em meia dúzia de pessoas, que tiveram a sorte de conseguir alvarás industriais, interesses económicos que, por vezes, estão longe de ser justos e não o são com certeza quando esses interesses ultrapassam a justa compensação do trabalho e do capital investido.
E nem é justo nem razoável que se negue a possibilidade de exercício de actividades industriais a quem tenha para isso vocação e se mantenham a este respeito privilégios e monopólios que o bem comum não justifique.
Um excessivo e apertado condicionamento é, creio-o bem, altamente prejudicial e lesivo do progresso industrial do País e presta-se até a actividades pouco sérias. Sabe-se, Sr. Presidente, que chegou a ser objecto de negócio muito lucrativo a obtenção de alvarás industriais. Obtinha-se o alvará das instâncias superiores e vendia-se em seguida por preços fabulosos, algumas vezes por dezenas ou talvez por centenas de contos, sem que só tivesse feito a respectiva instalação industrial.
Tal não pode admitir-se, porque é imoral, e por isso repugna ao espírito de justiça e de honestidade da Revolução Nacional. Há que criar regime legal que impeça se pratiquem actos desta natureza.
O Sr. Dr. Ulisses Cortês, que foi e é nosso ilustro colega nesta Câmara e cuja acção aqui, durante o tempo em que exerceu o seu mandato de Deputado, se pode, com justiça, considerar de brilhante, pois as suas intervenções eram, além de oportunas, cheias de ensinamentos, merece o mais rasgado elogio pela intenção que revela de servir corajosamente os interesses da Nação e de ir ao encontro dos anseios da consciência do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No importantíssimo departamento do Estado confiado à sua competência está ele a realizar, em parte, aquela política que, em Novembro de 1949, o Chefe da Revolução Nacional anunciou, como zeloso intérprete do bem comum.
Também poucos dias antes do início desta sessão legislativa deu relevo a imprensa diária ao novo decreto sobre o plantio da vinha, enviado, como afirmou a mesma imprensa, à Câmara Corporativa, para em seguida ser publicado no Diário do Governo, e assim convertido em lei do País, sem passar por esta Assembleia.
Este diploma toca em importantíssimos interesses do País e vem regular uma das maiores actividades da economia nacional. Ninguém ignora certamente que a vinicultura constitui uma das maiores riquezas da Nação e que a ela anda ligado, em grande escala, o nível de vida de uma grande parte dos lavradores do País.
Tão importante diploma, a regular a actividade da viticultura do País, necessita de ser largamente apreciado e amplamente discutido. Ele envolve a resolução de problemas de mais elevado alcance nacional, afecta interesses tão vastos e toca tão profundamente na economia do País que se pode afirmar que o mesmo se reveste da mais elevada importância económica, social e política. Estas razões justificam exuberantemente, Sr. Presidente, que esse projectado decreto venha a esta Assembleia para exame e votação.
Apoiados.
Aqui está a Nação, de norte a sul, representada por Deputados, que naturalmente, no desempenho do seu mandato, querem estudar, discutir e votar a disciplina da viticultura do País.
Estou convicto de que todos os meus ilustres colegas nesta Assembleia pretendem que esse novo diploma seja submetido à apreciação desta Câmara.
Como Deputado da Nação, cônscio das minhas responsabilidades, supondo servir os legítimos interesses do agregado nacional, solicito do Governo, e especialmente do Sr. Ministro da Economia, nosso colega nesta Câmara, que o projectado decreto do condicionamento do plantio da vinha seja submetido à votação desta Assembleia e de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que faça saber ao Governo a conveniência política de que assim proceda.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: passou em 28 de Janeiro último, durante a interrupção dos trabalhos desta Assembleia, a data centenária do nascimento do Dr. Francisco Gomes Teixeira. Não falta nunca a Câmara ao dever de prestar a sua homenagem às grandes figuras nacionais, e não podia, por isso, deixar passar aquela data sem uma palavra de recordação do sábio mestre que tanto prestigiou o nosso país e que nas sessões legislativas de 1879, 1883 e 1884 fez também parte da Câmara dos Deputados.
Não foi da passagem pelo Parlamento que nasceu a auréola que cerca o seu nome.
Com um feitio inteiramente avesso a enlear-se nas pugnas parlamentares desse tempo, ele próprio confessou, em notas autobiográficas, que não o interessou a experiência política, chegando a afirmar que a vantagem que tirou da sua vinda à Câmara foi ter podido ouvir a excelente ópera que então se cantava em S. Carlos e que ele, como apaixonado amador de música, grandemente apreciou.
Poucas intervenções suas regista o Diário das Sessões, em assuntos de pequena importância, quase sempre do interesse local do seu concelho.
Onde Gomes Teixeira se elevou à altura das grandes figuras nacionais foi no campo do ensino e d u investigação científica.
Tive a feliz oportunidade de conviver durante algumas dezenas de anos com esse grande mestre; e poderia,

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talvez sem fatigar a Câmara, porque tem sempre interesso o conhecimento da vida e modo de ser dos homens que excederam a craveira, normal, contar com pormenores o que foi a sua actividade de sábio e de professor, os seus métodos do trabalho, a sua posição de alto prestígio nos meios cultos do seu tempo, a sua acção como chefe da escola matemática portuguesa, com larga projecção dentro o fora das Universidades, e o prazer com que aconselhava os estudiosos o lhes indicava pontos interessantes a tratar, incitando-os à investigação, apontando-lhes as belezas do cada assunto, franqueando-lhes as páginas do seu Jornal das Ciências Matemáticas e dos Anais da Academia Politécnica do Porto, tudo feito com extraordinária simplicidade o modéstia e com uma permanente e comunicativa alegria no trabalho.
Não o farei, porque não é este o lugar para isso apropriado.
Tomou já a Academia das Ciências a iniciativa de promover uma sessão destinada a consagrar a memória do que foi seu sócio de mérito.
Vai mais uma vez honrá-lo, em sessão pública, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, à qual durante tantos anos, Gomes Teixeira deu o brilho excepcional do seu nome.
Vai também homenageá-lo a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde se formou e doutorou e onde começou a sua vida de professor.
Hoje o meu propósito é apenas salientar quanto a Nação deve à sua memória. Nesse período de apagada tristeza da vida portuguesa, em que Portugal era olhado lá de fora como um pobre país em decadência, só os grandes espíritos que então viveram entre nós mostravam ao Mundo que no seio da gente portuguesa não estavam extintas as qualidades ancestrais que a tornaram grande no passado.
Teve Portugal a fortuna de, nessa época, ao lado de valorosas espadas que encheram de datas triunfais a história do nosso ultramar, lhe não faltarem grandes escritores, poetas, artistas e homens de ciência.
E quando, nas numerosas academias estrangeiras que porfiavam em o receber e premiar ou nos congressos internacionais em que tomou parte, apareciam trabalhos de Gomes Teixeira, o mundo culto deixava de sorrir e curvava-se reverente ante o prestígio intelectual do sábio português. Este é o grande penhor da dívida da Nação para com a sua memória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E a Nação reconheceu essa dívida, prestando-lhe, ainda durante a vida, homenagens de excepcional apreço.
O seu busto de mármore e de bronze, obra do grande mestre Teixeira Lopes, foi erigido nas nossas Universidades e numa praça da sua terra.
No ano de 1900, em seguida aos triunfos que Gomes Teixeira acabava de colher na Academia Espanhola, que premiou e mandou publicar importantes memórias suas, fez a nossa Câmara dos Pares, em sessão memorável, a consagração do seu nome, como grande figura nacional.
Em Março de 1902 publicou o Diário do Governo uma portaria em que o Governo Português mandava fazer uma edição completa das suas obras, a qual veio a ser concluída em sete grandes volumes.
Não têm conta, a par disso, as altas distinções que em vida recebeu do estrangeiro e que seria impossível recordar neste momento.
O meu intuito foi somente registar a data que passou e curvar-me perante a memória de Gomes Teixeira, o que faço com o mais profundo respeito e a mais comovida saudado. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: depois do nobilíssimo apelo formulado nesta Assembleia há cerca de um ano pelo ilustre Deputado João Cerveira Pinto para que se faça justiça à memória de el-rei D. Carlos, consagrando-se-lhe condigno monumento numa das praças públicas do Lisboa, a imprensa de vários matizes e de várias regiões do País, e até do Brasil, aplaudiu calorosamente a iniciativa, o que deve ter sido muito grato ao espírito do proponente e estou certo de que a todos os corações portugueses bem formados.
Há pouco tempo, o Sr. Dr. Rui de Andrade, Deputado a esta Câmara na legislatura transacta, em editorial de A Voz, solidarizava-se com a ideia, propondo que ao realizá-la se lhe dê a maior grandiosidade; e ainda hoje o Sr. Joaquim Leitão, que foi digno secretário desta Assembleia, a ela se refere desenvolvida monte, em artigo cheio de bom senso e entusiasmo.
Estas circunstâncias e o facto de se efectuar hoje a primeira sessão depois do quadragésimo terceiro aniversário do assassínio vil do grande rei-precursor e do desventurado príncipe D. Luís Filipe - cujas comemorações foram significativamente concorridas nas principais cidades do País - levaram-me a pedir a palavra a V. Ex.ª para me ocupar também do assunto.
Ao rever-se agora a distância, objectivamente, a figura do rei D. Carlos há que reconhecer que ele foi não só um dos maiores chefes de Estado da sua época, mas um dos grandes soberanos da Casa de Bragança. A tão caluniada Casa de Bragança!
Mas basta invocar quatro nomes para que a «lenda negra» se desfaça: D. João IV, D. João V, D. Miguel e D. Carlos; os dois grandes reis vencedores e os dois grandes reis vencidos.
O primeiro, vencedor pelas armas e pela diplomacia na campanha da Restauração. O segundo, vencedor na paz, cuja obra magnífica foi ainda, há pouco brilhantemente evocada por dois membros desta Assembleia: o Prof. Lopes de Almeida e o Dr. João Ameal.
D. Miguel, o defensor da genuína tradição portuguesa contra a intromissão das ideias e a ingerência estrangeiras. O grande rei que o povo português compreendeu e amou e que caiu esmagado pela «cortina de ferro» de há cento e vinte anos.
E o rei D. Carlos, vencido porque pretendeu também reagir contra os desmandos dum sistema importado, que nunca pôde nem poderia aclimatar-se em Portugal.
Depois das lutas sangrentas e das crises constantes dos primeiros anos do sistema liberal, o constitucionalismo encontrou uma certa estabilidade durante o remado de D. Luís, com o rotativismo à inglesa. Mas funcionava mal - como o reconheceu Júlio de Vilhena. Continha em si próprio o germe da sua destruição. E o reinado de D. Carlos é inaugurado com tristes presságios. O rei, apesar de muito novo, tem energia, talento, e procura vencê-los.
São as tentativas da chamada «vida nova», que caracterizam a acção pessoal do soberano naquele triste desmanchar de feira.
É o Ministério Dias Ferreira, com Oliveira Martins, são as conversas de D. Carlos com Fuschini, é a ditadura de Hintze Ribeiro de 1895 e é, finalmente, a luta do rei, a descoberto, com a chamada de João Franco ao Poder.
O dilema apresentava-se nítido, iniludível: dum lado, todo o artificialismo da engrenagem constitucional, que,

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foi até já enviada ara a Câmara Corporativa e, em seguida, será submetida h apreciação, discussão e votação desta Assembleia.
Não é este o momento, Sr. Presidente, de apreciar o discutir aqui essa proposta governamental, que a imprensa diária acolheu com satisfação, louvando a iniciativa do Governo de alterar o actual regime de restrições às actividades industriais, e que parece ter interessado vivamente a opinião pública do País.
Essa discussão nesta Casa; virá a seu tempo, mas isso não impede que desde já se louve a intenção do Governo, e especialmente a do Sr. Ministro da Economia, de conceder à iniciativa privada uma maior amplitude.
Pela mesma ocasião em que a imprensa diária dava o justo relevo à referida proposta de lei, inseria o Diário do Governo o Decreto-Lei n.º 38:143, que, filiando-se na orientação geral da proposta, eliminou do quadro das indústrias abrangidas pelo condicionamento algumas modalidades industriais, o que demonstra iniludivelmente ser resolução firmo do Governo deixar o exercício do algumas indústrias ou de algumas das suas modalidades à livro iniciativa privada.
Tal atitude governamental merece que seja, desde já, notada por esta Câmara, porque, Sr. Presidente, embora se não deva estabelecer um regime de inteira liberdade económica (o liberalismo fez a sua época a nenhum povo civilizado do Mando o adopta hoje na sua pureza, vendo-se que os Estados intervêm na vida económica com maior ou menor amplitude), a verdade é que um excessivo condicionamento industrial apertado ainda numa burocracia asfixiante, por um lado, elimina ou reduz demasiadamente os benefícios da concorrência, em prejuízo da massa consumidora, e, por outro lado, concentra em meia dúzia de pessoas, que tiveram a sorte de conseguir alvarás industriais, interesses económicos que, por vezes, estão longo de ser justos o não o aio com certeza quando esses interesses ultrapassam a justa compensação do trabalho e do capital investido.
E nem é justo nem razoável que se negue a possibilidade de exercício de actividades industriais a quem tenha para isso vocação e se mantenham a este respeito privilégios e monopólios que o bem comum não justifique.
Um excessivo e apertado condicionamento é, creio-o bem, altamente prejudicial e lesivo do progresso industrial do Pais o presta-se até a actividades pouco sérias. Sabe-se, Sr. Presidente, que chegou a ser objecto de negócio muito lucrativo a obtenção de alvarás industriais. Obtinha-se o uivará das instâncias superiores e vendia-se em seguida por preços fabulosos, algumas vezes por dezenas ou talvez por centenas de contos, sem que se tivesse feito a respectiva instalação industrial.
Tal não pode admitir-se, porque é imoral, o por isso repugna ao espírito de justiça e do honestidade da Revolução Nacional. Há que criar regime legal que impeça se pratiquem actos desta natureza.
O Sr. Dr. Ulisses Cortês, que foi e é nosso Ilustro colega nesta Câmara o cuja acção aqui, durante o tempo em que exerceu o seu mandato de Deputado, se pode, com justiça, considerar de brilhante, pois as suas intervenções oram, além de oportunas, cheias de ensinamentos, merece o mais rasgado elogio pela intenção que revela de servir corajosamente os interesses da Nação e de ir ao encontro dos anseios da consciência do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No importantíssimo departamento do Estado confiado à sua competência está ele a realizar, em parte, aquela política que, em Novembro. de 1949, o Chefe da Revolução Nacional anunciou, como zeloso intérprete do bom comum.
Também poucos dias antes do inicio desta sessão legislativa deu relevo a imprensa diária ao novo decreto sobro o plantio da vinha, enviado, como afirmou a me ma imprensa, à Câmara Corporativa, para em seguida ser publicado no Diário do Governo, e assim convertido em lei do País, sem passar por esta Assembleia.
Este diploma toca em importantíssimos interesses do País e vem regular uma das maiores actividades da economia nacional. Ninguém ignora certamente que a vinicultura constitui uma das maiores riquezas da Nação e que a ela anda ligado, em grande escala, o nível de vida e uma grande parte dos lavradores do País.
Tão importante diploma, a regular a actividade da viticultura do País, necessita de ser largamente apreciado o amplamente discutido. Ele envolve a resolução de problemas de mais elevado alcance nacional, afecta interesses tão vastos e toca tão profundamente na economia do País que se pode afirmar que o mesmo se reveste da mais elevada importância económica, social e política. Estas razões justificam exuberantemente, Sr. Presidente. que esse projectado decreto venha a esta Assembleia para exame e votação.
Apoiadas.
Aqui está a Nação, de norte a sul, representada por Deputados, que naturalmente, no desempenho do seu mandato, querem estudar, discutir e votar a disciplina da viticultura do País.
Estou convicto de que todos os meus ilustres colegas nesta Assembleia pretendem que esse novo diploma seja submetido à apreciação desta Câmara.
Como Deputado da Nação, cônscio das minhas responsabilidades, supondo servir os legítimos interesses do agregado nacional, solicito do Governo, e especialmente do Sr. Ministro da Economia, nosso colega nesta Câmara, que o projectado decreto do condicionamento do plantio da vinha seja submetido à votação desta Assembleia o de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que faça saber ao Governo a conveniência política de que assim proceda.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: passou em 28 de Janeiro último, durante a interrupção dos trabalhos nesta Assembleia, a data centenária do nascimento do Dr. Francisco Gomes Teixeira. Não falta nunca a Câmara ao dever de prestar a sua homenagem às grandes figuras nacionais, e não podia, por isso, deixar passar aquela data sem uma palavra de recordação do sábio mestre que tanto prestigiou o nosso país e que nas sessões legislativas de 1879, 1883 o 1884 fez também parte da Câmara dos Deputados.
Não foi da passagem pelo Parlamento que nasceu a auréola que cerca o seu nome.
Com um feitio inteiramente avesso a enlear-se nas pugnas parlamentares desse tempo, ele próprio confessou, em notas autobiográficas, que não o interessou a experiência política, chegando a afirmar que a vantagem que tirou da sua vinda à Câmara foi ter podido ouvir a excelente ópera que então se cantava em S. Carlos e que ele, como apaixonado amador de música, grandemente apreciou.
Poucas intervenções suas regista o Diário das Sessões, em assuntos de pequena importância, quase sempre de interesse local do seu concelho.
Onde Gomes Teixeira se elevou à altura das grande, figuras nacionais foi no campo do ensino e da investigação científica.
Tive a feliz oportunidade de conviver durante algumas dezenas de anos com esse grande mestre; e poderia,

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Palavras proféticas de quem ia derramar o seu mangue em holocausto a um pais dilacerado por ideologias mortíferas e devastadoras.
Decorridos vinte anos de desvairamento, que foram como dolorosa penitência, a Nação acordou para retomar o caminho dos seus próprios destinos. E hoje podemos responder com segurança à exortação do rei-mártir "unidos todos na mesma aspiração de renascimento, nacional ".
Que não, esmoreça, pois, a ideia de se erguer o monumento à memória de el-rei D. Carlos I, em lugar eminente desta cidade de Lisboa.
Depois de o Comércio do Porto, foi o Sr. Joaquim Leitão quem, em Setembro do ano passado, muito oportunamente lembrou que a estátua a colocar no referido monumento não deve ser senão a que foi modelada pelo génio de Teixeira Lopes -
por muitos considerada a sua melhor obra - o que, devido ao cuidado e ao senso artístico daquele escritor, se salvou e se guarda no museu desta Assembleia.
Excelente ideia, na verdade, que, estou persuadido, terá a aprovação de V. Ex.ª e de todos os Sr.ª Deputados, porque a obra é magnifica de semelhança, de majestade e de beleza.
Devo dizer que discordo do meu querido amigo Dr. Rui de Andrade quando sugere - aliás com a mais nobre das intenções- que a estátua do rei D. Carlos seja acompanhada pelas imagens de outras grandes figuras nacionais, como D. Miguel, Sidónio Pais, Mouzinho de Albuquerque, etc. Não.
0 rei D. Miguel, sob certos aspectos tão grande como D. Carlos, embora não tivesse podido fazer tanto o não caísse varado pelas balas assassinas, merece, a meu ver, um monumento só a ele consagrado. Como o merecem o Presidente Sidónio Pais o Mouzinho de Albuquerque que, de resto, já o tem onde ele deve estar.
Mas seja no parque de Monsanto, como alvitra Rui de Andrade, seja, por exemplo, no centro da renovada Praça da Figueira, coração de Lisboa, à qual o rei tanto quis, ou seja aqui perto, junto da avenida que tem o seu nome, o certo é que a memória de el-rei D. Carlos espera -c& dívida de gratidão ainda em aberto", e para tal não se poderá conceber mais adequado o. digno monumento do que a imagem admirável que se encontra no museu da Assembleia Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para voltar a apresentar à consideração da Assembleia o do Governo um assunto que, para as ilhas de Cabo Verde, que aqui represento, tem uma importância vital, mas que, em meu entender, também interessa à economia do País e ao próprio nacional.
Refiro-me, Sr. Presidente, ao apetrechamento do porto grande de S. Vicente. E sugeriu-me esta intervenção um facto muito recente.
Ainda há poucos dias o paquete Serpa Pinto, no seu regresso do Brasil, viu-se obrigado a arribar ao porto de Dacar a fim de reparar uma avaria sofrida, desviando-se da sua rota normal e eliminando as escalas do Funchal e S. Vicente, por não poder encontrar neste porto os meios necessários para a reparação da avaria.
E o mesmo sucede a outros barcos, não digo frequentemente, mas por certo algumas vezes por ano.
É inacreditável, Sr. Presidente, que o porto de S. Vicente, que é, sem contestação, o nosso primeiro porto de reabastecimento, careça da necessária utensilagem para oferecer aos barcos que o demandam a possibilidade de repararem rápida e convenientemente as avarias que lhos sobrevenham no decurso da viagem, condição indispensável em qualquer porto de escala da sua categoria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para se fazer ideia da importância do porto de S. Vicente como porto de reabastecimento, bastará dizer que o fornecimento de combustíveis líquidos atingiu ali, nos anos de 1948 e 1949, as cifras de 403:213 e 329:198 toneladas, respectivamente, quando, nos mesmos anos, o porto de Lisboa apenas forneceu 115:597 e 163:855 toneladas, respectivamente. E, enquanto nos dois primeiros trimestres do 1950 Lisboa forneceu 84:000 toneladas, S. Vicente, só no 1.º trimestre, ultrapassou as 100:000 toneladas.
Bem sei, Sr. Presidente, que Lisboa não é propriamente um porto de reabastecimento e S. Vicente não passa de um simples porto de escala. E, ao citar estes números, não pretendo fazer uma comparação, mas tão-somente dar uma ideia mais viva do movimento que tem o porto de S. Vicente dentro da sua função.
E valerá a pena, num simples porto de escala, realizar obras de monta? Será de aconselhar o investimento de somas consideráveis no apetrechamento de um porto que amanhã deixará de ser frequentado?
Este é o problema que se põe e que, a meu ver, tom sido mal equacionado pelos que afirmam peremptoriamente que os portos de escala estão condenados.
Os factos desmentem claramente essa afirmação. 0 que revelam é que os portos de escala só se tornam inúteis, e são, por isso, abandonados, quando não oferecem à navegação vantagens a considerar.
0 progresso tornou, realmente, possível a realização de longas viagens sem necessidade de escalas. Mas o comércio marítimo não é um desporto ao qual só interesse a velocidade da viagem. É, uma actividade económica que tem de ter em conta factores vários, nomeadamente o espaço aproveitável para a carga, o preço do frete, o consumo do barco e o preço do combustível.
E é por isso que falharam no seu raciocínio apriorístico aqueles que do aumento do raio de acção dos navios deduziram o abandono irremediável dos portos de ecala.
Sem falar na possibilidade de aumentar a capacidade de carga à custa da redução, dos porões de aprovisionamento, facto a considerar no momento da construção, há que atender à conveniência de escalar determinado porto desde que a diferença do preço do combustível entre esse porto e os portos de origem ou destino compense a perda de tempo e as despesas que a escala determino;
Outra não é a razão por que continuam a ser procurados o porto de S. Vicente e os portos das Canárias e de Dacar, que são também, e principalmente, portos de reabastecimento.
De facto, enquanto o preço da tonelada de fuel oil regula nos portos da Europa por 140 xelins, 150 xelins em Capetown o mais de 170 xelins no Brasil, em S. Vicente é de 181,5 xelins e nas Canárias e Dacar ligeiramente superior.
Convirá, pois, a um barco que gaste 2:000 a 3:000 toneladas por viagem abastecer-se nestes últimos portos, pois realizará assim uma economia de algumas centenas de contos, que compensam bem o desvio e a perda de tempo que a escala ocasiona.
E o que é que justifica uma tão considerável diferença de pregos entre os portos do médio Atlântico e os portos do carga e de descarga?
A distância a que uns e outros se encontram dos centros exportadores do combustíveis.
Mas, sendo assim, objectar-se-á: porque não é maior a diferença, de prego entre os portos concorrentes e

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S. Vicente, quando este fica bastante mais próximo dos centros abastecedores ?
E porque é que, sendo em tais portos o rego mais elevado, muitos barcos ainda os preferem a S. Vicente?
Noutros tempos, quando o combustível usado era o carvão, já a questão havia sido ventilada, afirmando-se que o frete para S. Vicente era mais oneroso porque ali os barcos carvoeiros não encontravam, como em Dacar ou nas Canárias, carga de retorno.
Essa razão, aliás nem sempre justificada, perdeu, porém, todo o valor, visto que os petroleiros, como se sabe, não admitem carga de retorno.
A substituição do carvão pelos combustíveis líquidos só veio, pois, favorecer S. Vicente.
É certo que o prego dos óleos combustíveis é já inferior em S. Vicente, mas a diferença deverá ser forçosamente maior quando, com o porto devidamente apetrechado, a descarga dos combustíveis e o seu fornecimento em quantidade avantajada se puderem fazer tão rapidamente como se fazem naqueles portos concorrentes.
Para tanto não teremos de gastar coisa alguma que se pareça com o que se gastou naqueles portos.
Em 1938 já ascendia a 350 milhões de francos, então valorizados, a importância despendida no porto de Dacar.
Depois, muitos mais milhões se gastaram.
E o mesmo se pode dizer dos portos das Canárias.
Nós, porém, temos um porto amplo e com bons fundos, naturalmente abrigado, e, por isso, não temos necessitado de dragagens e de grandes obras para fazer um porto, que já temos, bastando-nos somente apetrechá-lo com a utensilagem. necessária.
A razão por que muitos barcos preferem Dacar a S. Vicente é que, enquanto naquele porto o combustível lhes pode ser fornecido à razão de 1:000 toneladas por hora, em S. Vicente não conseguem obter mais do que 300.
E o tempo, como se sabe, é dinheiro.
Além dos fornecimentos feitos directamente pelos pipe-lines aos barcos atracados, Dacar tinha em 1988, para fornecimentos ao largo, três lanchas-cisternas de 2:500 toneladas cada e mais cinco de capacidades variando de 500 a 1:450 toneladas.
Em S. Vicente temos apenas quatro lanchas de 400, três de 350 e duas de 150 toneladas.
O mal está em que não nos tem sido fácil fazer compreender que se não trata de construir um porto, mas tão-somente de apetrechar um porto que possuímos com admiráveis condições numa posição invejável e que é um crime conservar no seu estado primitivo sem lho proporcionar o necessário apetrechamento para que desempenhe a função que naturalmente lho está designada.
Trata-se, sem dúvida, de um empreendimento importante e dispendioso, mas que não pode causar receios a um Governo que tem realizado muitos outros de maior envergadura, nem sempre de tão grande projecção na vida nacional.
Trata-se de garantir ao arquipélago de Cabo Verde condições de vida desafogada que até agora, infelizmente, não teve.
Uma produção regular e crescente só será possível em Cabo Verde quando o apetrechamento do porto, atraindo a navegação, lhe garantir uma colocação segura e remuneradora.
Em matéria de economia portuária é princípio indiscutível de que é o desenvolvimento de um porto que promove o desenvolvimento do tráfego.
Assim sucedeu nas Canárias, assim aconteceu em Dacar, onde, como se lê no número do Jornal da la Marine Márchande a ele dedicado, "foi o porto que fez nascer a cidade o foi o mais poderoso estimulante para a valorização do hinterlands.
O engenheiro Latinay, inspector-geral das Obras Públicas da A. 0. F., chega mesmo a afirmar:
"Nenhuma, circunstância de ordem económica impunha Dacar para ali se criar um porto, a tal ponto que um espírito esclarecido como Faidherbe julgou dever duvidar do interesse da sua escolha".
E acrescenta: "Dacar nasceu de um acto de fé, da visão profética que do seu futuro tiveram os promotores da obra que hoje simboliza tão eloquentemente o génio colonizador da França".
Das possibilidades e riquezas inexploradas de Cabo Verde têm falado aqueles que o estudaram: Pedro Alexandrino da Cunha, Travaços Valdês, Lopes de Lima e, nos nossos dias, o general João de Almeida e o engenheiro Bacelar Bebiano; dos estrangeiros, bastará citar os sábios professores alemães Friedlaender e Doelter.
Cabo Verde, porém, tem a triste sorte das pessoas obscuras, cujo nome só logra aparecer nos jornais na secção dos desastres ou na necrologia.
Efectivamente, só se fala de Cabo Verde por ocasião das crises. Passadas estas, cai no esquecimento, vão-se as atenções todas para os territórios ricos, que produzem muito, o para as regiões longínquas, que fascinam pelo seu exotismo, até que, anos volvidos, uma nova crise venha despertar o sentimento nacional e lembrar-lhe que existe, a pouca distância daqui, uma população genuinamente portuguesa, que deseja viver, trabalhar e progredir.
Sr. Presidente: o confronto do porto de S. Vicente com os portos estrangeiros vizinhos não pode ser lisonjeiro para o brio nacional. Urge por termo a esse contraste, que nos não dignifica.
E se, como afirmou o aludido engenheiro francês, Dacar nasceu de um acto de fé, é necessário que se não possa dizer que o porto de S. Vicente morreu da incompreensão e do cepticismo daqueles que tiveram nas mãos o seu destino.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Lima Faleiro: - Sr. Presidente: durante a recente interrupção dos trabalhos parlamentares produziu-se um acontecimento da mais alta transcendência que marca verdadeiramente o limiar de uma nova idade no progresso e desenvolvimento económico do País o que, pela sua enorme projecção aquém e além-fronteiras, bem merece ser celebrado nesta Assembleia Nacional.
Refiro-me inauguração no Castelo do Bode da barragem e da central eléctrica ali construídas, que permitem pôr a funcionar o primeiro escalão do aproveitamento hidroeléctrico do rio Zêzere.
O facto, pelo seu intrínseco valimento o transparente significado político, económico o social, atraia ao magnífico cenário do velho outeiro do Bode, numa luminosa o inesquecível tarde de Janeiro, além do Venerando Chefe do Estado e de Sua Eminência o Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa, o Governo da Nação, algumas das mais altas e representativas figuras da sociedade portuguesa, o povo humilde das imediações e milhares de curiosos e peregrinos, provenientes dos mais diversos e afastados pontos do País.
Eu disse Sr. Presidente, que a inauguração da barragem do Castelo do Bode assinala o início de um novo ciclo na vida da sociedade portuguesa.
Não contém sombra de exagero semelhante afirmação.
Se a solução do problema da electrificação nacional há-de comandar a industrialização do País, o desenvolvimento da nossa riqueza e, consequentemente, a elevação do nível de vida, do nosso povo, é fora de toda a dúvida que acaba de ser dado um passo gigantesco - ia

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dizer um passo decisivo - no caminho de tão almejada solução e na efectivação dos princípios enunciados na Lei n.º 2:002, de Dezembro de 1944.
Um longo percurso, eriçado de espinhos e acidentado de contrariedades, foi reduzido com- impressionante rapidez!
Estudada a viabilidade do empreendimento, logo em 1945 se constituiu uma empresa, que adoptou a denominação de
«Hidro-Eléctrica do Zêzere», destinada a explorar obras hidráulicas e centrais eléctricas nesse rio, cabendo ao Estado garantir os recursos financeiros indispensáveis, atraindo os capitais particulares e participando, ele próprio, na constituição do capital definitivo.
Iniciados os trabalhos, que prosseguiram a ritmo acelerado, removidos vários obstáculos e vencidas diversas dificuldades - que, aliás, não eram especificamente portuguesas, mas antes se situavam no quadro sombrio de uma angustiosa crise mundial -, pôde a obra ser concluída com uma antecipação de cerca de três anos em relação à data inicialmente fixada.
E onde, num passado relativamente recente, o viandante apenas deparava o pitoresco de vales abruptos e colinas pedregosas, salpicados aqui e além das manchas verde-escuro do arvoredo, oferece-se hoje à curiosidade e meditação de nacionais e estrangeiros o surpreendente espectáculo de uma das maiores e mais importantes obras de engenharia hidráulica da Europa, documentário magnífico do que pode o esforço dos técnicos e dos trabalhadores portugueses quando estimulado por patriótica incentivo, amparado por sólida capacidade financeira e utilizado por uma política eminentemente nacional, no mais nobre e mais alto significado da expressão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acentue-se que tão meritória obra de fomento não representa senão um pormenor no conjunto do grandioso plano projectado, cuja realização decerto modificará em absoluto a fisionomia do País e será factor decisivo da sua prosperidade e do seu progresso económico e social.
Sr. Presidente: não me proponho traçar aqui - seria inadequada a oportunidade e tanto não caberia nos acanhados limites do tempo que o Regimento me concede - um quadro completo do valor dos aproveitamentos hidroeléctricos na economia nacional e menos ensaiar acerca do complexo problema da electrificação nacional e ,das inúmeras e delicadas questões que ele suscita um trabalho sério de esclarecimento, que, aliás, reputo vantajoso e mesmo necessário. Limitar-me-ei a uns ligeiros e despretenciosos apontamentos.
É lícito prever que as volumosas importações de carvão, que nos últimos tempos tanto têm agravado os deficits da nossa balança comercial, venham a sofrer gradual e progressiva redução, até serem de todo dispensadas.
E, do mesmo passo que se evitarão sucessivas drenagens de ouro, que poderiam vir a tornar-se incomportáveis pelas possibilidades da nossa balança de pagamentos, aliviar-se-á o Pais de uma perigosa e contingente dependência do estrangeiro, tanto mais indesejável quanto mais se apresente confusa, nebulosa, ameaçadora a situação internacional.
De outra parte, o aumento de energia utilizável e a redução do custo da mesma decerto irão fomentar a instalação de novas indústrias e imprimir mais largo incremento às já existentes, com manifesta vantagem para a economia do País.
E não se perna de vista que a aplicação nos usos domésticos e em larga escala de energia abundante e obtida em vantajosas condições de preço terá, no aspecto social, notável relevância, pois determinará apreciável subida do nível de vida da gente portuguesa.
Alguns destes benefícios já foram oficialmente prometidos pelo Governo.
Efectivamente, no magnifico discurso que proferiu na sessão solene inaugural realizada no Castelo do Bode, em 21 do mês passado, o Sr. Ministro da Economia, ornamento valoroso e prestigioso desta Câmara, que todos recordamos com saudade, personalidade forte de intelectual e de político, exemplo vivo de devotamento ao regime, de, fidelidade aos princípios e de firmeza nas realizações, o Sr. Ministro da Economia, dizia, depois de judiciosas considerações que bem denotam profundo conhecimento do problema e perfoito sentido das realidades, afirmou:
Dentro em breve será anunciado o novo sistema de tarifas de Lisboa, o qual comportará uma redução geral do custo da energia, tanto para usos domésticos como para fins comerciais e industriais, além da instituição do taxas degressivas, destinadas a baratear o preço médio da electricidade, e da adopção de um regime especial para as classes economicamente débeis.
Tão oportunas e animadoras palavras envolvem uma promessa e anunciam uma esperança.
Cabe ao País aguardar, com serenidade e confiança, a materialização de uma e de outra e reconhecer que o critério adoptado pelo Governo para converter em utilidade colectiva, para repartir pela massa da população, a economia resultante da substituição da energia térmica pela hidráulica é de todo o ponto justo e equitativo.
Sr. Presidente: por virtude que já alguém qualificou, com inexcedível propriedade, de «inspiração divinatória do génio político de Salazar», Portugal acaba de oferecer a um mundo conturbado e empobrecido mais um edificante exemplo de concórdia, de progresso, de prosperidade, de trabalho pacífico, fecundo e reprodutivo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, na sobriedade e imponência das suas linhas arquitectónicas, a barragem do Castelo do Bode, padrão imorredouro do prodigioso ressurgimento português, ficará a demarcar, com meridiana clareza, duas épocas bem diferenciadas na história deste País.
Que todos os portugueses saibam extrair do acontecimento a magnífica lição que ele comporta e, irmanados nos mesmos sentimentos de louvor e admiração, reconheçam agradecidos que obra de tal magnitude e de tão elevado custo não teria sido possível sem o rumo seguro da nossa administração, sem o crédito e o desafogo financeiro de que desfrutamos, sem ordem nas ruas, sem disciplina nos espíritos, sem que nos portugueses tivessem renascido a confiança no seu próprio valor e a crença nas próprias possibilidades, sem que tivesse sido criado clima propício à afirmação da capacidade dos nossos técnicos, isto é, sem os efeitos brilhantes e altamente benéficos de vinte e cinco anos de trabalho ingente em favor da reforma dos nossos costumes, da educação cívica e política da nossa gente, da recondução de Portugal ao perdido rumo da sua vocação histórica e do seu destino imperial.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Honra, pois, à excelsa figura do Sr. Presidente do Conselho, que, com a sua aguda visão de genial estadista, concebeu obra de tamanha grandeza e possibilitou a sua execução em quadra tão singularmente calamitosa da história do Mundo I

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Honra às invidualidades ilustres que, nas cadeiras do Poder, ou. fora delas, prestaram a S. Ex.ª uma leal, volorosa e esforçada colaboração!
Honra aos técnicos, nacionais e estrangeiros, que, no plano das respectivas especialidades, gizaram as linhas mestras do empreendimento e trabalharam para ele, em íntima e fraterna colaboração!
Honra aos operários e aos trabalhadores portugueses, por tão bela prova do que podem as suas aptidões e o seu esforço aturado e persistente!
Honra à Nação, que, transbordante de patriotismo, de fé nos seus destinos e de confiança nos seus dirigentes, se não tem poupado a sacrifícios para que, remoçado, este Portugal, velho de oitocentos anos, reconquiste no concerto dos países civilizados uma posição de vanguarda, que legitimamente lhe pertence pelo seu passado e pelo seu presente e que parecia irremediavelmente comprometida por densa noite de apatia colectiva, de lutas fraticidas, de disputas estéreis, de instabilidade governativa, insuficiência, política e incapacidade administrativa!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma comunicação do Sr. Deputado Teófilo Duarte informando a Assembleia de que foi nomeado, por portaria de 10 do corrente, delegado do Ministério das Colónias no conselho de administração do Banco Nacional Ultramarino.
Está ainda na Mesa idêntica comunicação do Sr. Deputado Lopes Alves informando a Assembleia de que foi nomeado delegado do Governo junto da Companhia Colonial de Navegação.
Ambos estes Srs. Deputados pedem que a Câmara esclareça as respectivas situações parlamentares.
Estas comunicações vão baixar à Comissão de Legislação e oportunamente será o assunto submetido à apreciação da Assembleia.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a efectivação do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral sobre a Lei de Reconstituição Económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes do Amaral.

O Sr. Joaquim do Amaral: - Sr. Presidente: há pouco mais de um ano, numa ocasião em que esta Assembleia aguardava a conclusão de trabalhos em curso na 'Câmara Corporativa, sugeri aqui a possibilidade e a conveniência de aproveitarmos o tempo de que dispúnhamos para fazer a apreciação da obra realizada sob a égide da Lei n.º 1:914, chamada de Reconstituição Económica e promulgada em 25 de Maio de 1935, como autorização legislativa conferida pela Assembleia Nacional ao Governo pelo prazo de quinze anos. E, ao fazê-lo, desde logo indiquei que o objectivo dessa apreciação era dela extrairmos «ensinamentos e directivas que nos permitissem sugerir ao Governo, como era nosso direito e nosso dever, a orientação a adoptar no prosseguimento da reconstituição económica do País, que, por definição, nunca se pode considerar concluídas.
Foi e continua a ser este o fundamento predominante da iniciativa que então tomei sob a fórmula regimental do aviso prévio cujo anúncio desde logo provocou na maioria dos Srs. Deputados um justificado interesse e ao Governo mereceu não somente a sua aprovação, como até a sua preciosa colaboração através do relatório que em Novembro passado nos foi distribuído.
Na verdade, Sr. Presidente, eu subo a esta tribuna convencido de que no exame que vamos fazer à execução da Lei n.º 1:914 durante o longo período de quinze anos nós vamos ter ocasião de apreciar um esforço nacional, possivelmente sem paralelo na nossa história, a não ser talvez com aquele realizado há mais de quinhentos anos, que floresceu nessa admirável epopeia de descobertas e conquistas e durante perto de dois séculos nos garantiu o lugar de primeira potência marítima e comercial do Mundo.
Passada a era triste da decadência, que começou com a ri denominação espanhola, os esforços de levantamento nacional que se lhe seguiram, o do consulado de Pombal, dedicado sobretudo ao revigoramento do comércio e da indústria, o da época de regeneração, visando em especial a modernização do País em matéria de comunicações, e por último a gloriosa e cruenta arrancada desferida para a ocupação militar das nossas colónias africanas, nenhum - deles, creio, por notáveis que, incontestavelmente foram, excedem a colossal tarefa colectiva que desde 1928 até hoje conseguimos realizar, graças ao providencial aparecimento de um homem de génio u frente da administração pública e à entrega total que de si própria lhe fez a Nação; tarefa mercê da qual conseguimos mão apenas refundir os alicerces da nossa futura economia, mas até remodelar a nossa psicologia e a nossa moral colectivas, mediante uma soma de realizações levadas a efeito na ordem material e nos domínios do espírito que hão-de ficar para sempre a marcar na história de Portugal o período que já hoje podemos chamar a era de Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas palavras são proferidas em obediência a um imperativo de sinceridade a que não poderia furtar-me, mas também para desvanecer desde já quaisquer ideias que porventura pudessem ter surgido de que eu viria aqui fazer uma crítica impiedosa dos possíveis erros de concepção, dos inevitáveis desvios ou exageros de execução, de algumas constatadas faltas na harmonia ou na proporção relativa entre as centenas de empreendimentos realizados, na seriação e prioridade com que o foram, numa palavra, uma crítica virulenta desses minúsculos «senões» de que fala a exposição do Sr. Presidente do Conselho, para cuja explicação, diria mesmo justificação, bastaria considerar a urgência e o entusiasmo com que pretendemos recuperar em dezena e meia de anos o formidável atraso de mais de um século na marcha
do progresso nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se fez nestes decorridos quinze anos sob o signo da Lei n.º 1:914, em seguimento do que já começara a fazer-se, sobretudo a partir de 1928, o que se tem feitio e há-de continuar a fazer-se neste Pais com a nova ética política e administrativa desafia tranquilamente qualquer espécie de crítica actual ou futura. Mas à verdadeira, a, justa apreciação desta obra só poderá ser feita, à luz de um critério histórico e imparcial, pelas gerações futuras, em face dos resul-

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tados dos efeitos, das repercussões distantes da obra de hoje, que só essas gerações poderão avaliar devidamente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A crítica contemporânea, se não pôde ou não quis exercer-se oportunamente sobre os planos e projectos, apenas interessa fazer-se agora sobre as realizações na medida necessária para evitar reincidências nos pequenos erros verificados, nuas mesmo nesta crítica é indispensável ter-se em conta o factor emocional da nossa presença, da nossa assistência à execução da obra e das reacções que, por esta circunstância, fatalmente hão-de perturbar a serenidade do nosso juízo crítico.
Neste momento o que é primacial é fazer o balanço da obra realizada e, debruçando-nos sobre ele, reflectirmos sobre as linhas gerais do programa futuro, linhas que a conjuntura actual impõe que sejam traçadas, amais cuidadosamente do que nunca, porque se o lema que inspirou o legislador de 1935 foi o de que éramos demasiadamente pobres para nos permitirmos o luxo de fazer obra sem planos, não é difícil demonstrar que ainda não estamos suficientemente ricos para podermos mudar de sistema.
De resto, Sr. Presidente, o comentário crítico, sintético e definitivo da obra realizada está luminosamente feito pelo próprio Presidente do Conselho no § 4.º da exposição que precede o relatório dos vários Ministérios por onde se executou a Lei n.º 1:914, e nada mais seria necessário acrescentar, - não propriamente às palavras, mas ao sentido dessas curtas e incisivas linhas. Tomá-las-ei como linhas condutoras de um pensamento construtivo no desenvolvimento das minhas considerações, para por elas ser levado com lógica e coerência às minhas modestas conclusões.
Começarei por fazer uma breve resenha do que se passou nesta Assembleia com a discussão da proposta de lei de reconstituição económica apresentada pelo Governo em Fevereiro de 1935.
Baseava-se essa proposta nos resultados obtidos pela Administração entre 1928 e 1934, designadamente a diminuição efectiva de 2.549:000 contos na dívida pública e de 46:000 contos nos respectivos encargos anuais e, ao mesmo tempo, a acumulação de 717:000 contos de saldos das gerências anteriores, depois de gastos cerca de 1 milhão de contos em obras e aquisições diversas, excluindo as despesas militares; daí se concluía pela possibilidade de se contar com 6,5 milhões de contos para serem despendidos durante quinze anos, a partir de 1935.
O parecer da Câmara Corporativa revela que a proposta do Governo lhe despertou inicialmente algumas dúvidas - acerca das quais, aliás, declara ter sido esclarecida no decurso da sua apreciação, mas não deixou, por isso de emitir a opinião de que, em seu entender, a contextura geral da proposta deveria ser uni tanto diferente da apresentada, sugerindo, em síntese, que deveria ser a seguinte:
1.º Far-se-ia o inventário das necessidades do fomento do País;
2.º Estudar-se-iam as respectivas soluções;
3.º Seriam orçamentados os recursos financeiros necessários;
4.º Estabelecer-se-ia o [programa de ordem das realizações, que poderia ser o seguinte: força hidráulica, combustíveis e outras fontes de energia, com a respectiva rede de distribuição; caminhos de ferro, estradas, portos e rede telegráfica e telefónica; hidráulica agrícola e urbana; saneamento e - urbanização; crédito colonial; edifícios e monumentos públicos; outras obras.
O nosso ilustre colega Sr. Deputado Araújo Correia apresentou por sua vez mina outra proposta, a que imo poderei chamar contraproposta, tanto ela se harmonizava nos seus fins com a do Governo, mas na qual, além de uma seriação diferente dos trabalhos, propunha a criação de uma junta central de economia, que fosse junto do Governo o órgão de consulta, coordenador e orientador ida execução da parte propriamente económica do programa; propunha ainda que esta execução fosse subordinada a sucessivos planos quinquenais e que estes por sua vez fossem revistos de três em três imos por aquela junta central de economia.
Em minha opinião foi pena que não tivesse sido perfilhada a ideia da criação desta junta, que deveria funcionar como um estado-maior orientador da grande batalha pelo revigoramento económico do País, organismo que, cuidadosamente constituído, daria a garantia de uma continuidade e de uma técnica de trabalho que havia de pôr a execução do programa ao abrigo das contingências das mudanças ministeriais e dos consequentes critérios de orientação.
A larga atribuição de completa liberdade de movimentos ao Governo durante um período de quinze anos mereceu àquele nosso colega, como a alguns outros, reparos inspirados no receio de uma instabilidade governativa, que felizmente não veio a verificar-se, mas essa mesma atribuição foi para outros seus colegas motivo e ensejo para calorosas afirmações de fé na perduração de uma situação política que, instaurada pela vontade do Exército Português, com o acordo unânime da Nação, tivera a felicidade de ir descobrir na sombra da sua clausura de professor universitário o maior estadista português da nossa época.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E a proposta de lei foi finalmente aprovada, sensivelmente com a redacção apresentada pelo Governo.
Vejamos agora como se desenvolveu a sua execução.
Desejaria fazer este exame com base nos elementos fornecidos pelos relatórios parcelares dos Ministérios por onde se fizeram despesas epigrafadas sob a Lei n.º 1:914, mas tive de reconhecer, ou, pelo menos, pareceu-me preferível adoptar um sistema de concentração geral das verbas despendidas com os vários sectores de fomento dispersos por aqueles Ministérios, e isto não só para facilitar comparações, como também porque são bastante diferenciados os critérios adoptados pelos referidos 'Ministérios na elaboração dos respectivos relatórios, verificando-se, por exemplo, no do Ministério das Obras Públicas que se somam despesas feitas sob a epígrafe da Lei n.º 1:914 com outras feitas dentro do orçamento ordinário do Ministério, como sucede com a rubrica de «Estradas», ou revelando despesas como é feita com «Edifícios militares», da ordem dos 436:000 coutos, de que não há a menor indicação como despesa extraordinária nas Contas Gerais do Estado, certamente porque, segundo declara o próprio relatório do Ministério, tais edifícios foram sendo feitos «com dotações anualmente consignadas no Orçamento Geral do Estado, mas dependentes das possibilidades do Tesouro, não obedecendo a quaisquer esquemas de financiamento fixados pelo Governo». Outro relatório, o do Ministério das Comunicações, refere-se em alguns capítulos apenas às despesas feitas depois da sua recente criação, não dando assim uma ideia exacta do dispêndio feito, por exemplo, com a «Aeronáutica civil», que foi realmente de ordem superior a 500:000 contos, e nele vem cifrado apenas por 261:204 contos.
É o mapa n.º 1 do relatório do Ministério das Finanças aquele que nos dá a ideia mais aproximada do dis-

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pêndio feito com o esforço da reconstituição económica da Nação, se bem que o montante apresentado, de 10.862:000 contos, seja ainda inferior em cerca de 500:000 àquele que extraí dos mapas de despesa extraordinária das Contas Gerais do Estado que anualmente aqui aprovamos. E nesses mapas encontram-se multas despesas de autêntica reconstituição económica que não foram escrituradas à conta da respectiva lei, como aliás se observa no citado relatório do Ministério das Finanças.
Mas o que maio importa não é necessariamente a exactidão, rigorosa do montante gasto, mas tão-somente a sua ordem de grandeza e, ainda mais do que esta, a sua repartição pelas diversas parcelas do integral fomento que se pretendeu levar a cabo. Esta repartição fez-se, pouco mais ou menos, como passo a expor, em números redondos:
Gastámos com a defesa nacional cerca de 4.200:000 contos; com as estradas, além da dotação anual ordinária da Junta Autónoma de Estradas, à volta de 818:000 contos, cifra que excede de 150:000 a que consta do mapa do Ministério das Finanças, porque nos anos de 1937 e 1940-1944, não sei por que motivo, nem o relatório explica "não se classificaram como despesas em execução da Lei n.º 1:914 importantes verbas despendidas com estradas" e também porque nesta rubrica eu incluí várias despesas feitas com diversas estradas que a Administração escriturou à conta de urbanização e à margem da Lei n.º 1:914. Gastámos 630:000 contos com a hidráulica agrícola e obras afins de regularização de margens e regimes de rios; 650:000 contos com portos comerciais e de pesca; 250:000 contos com edifícios públicos não especificados; 540:000 contos com estádios, escolas, liceus e Universidades; 440:000 contos com hospitais e prisões, incluindo o apetrechamento daqueles; 230:000 contos com o povoamento florestal; com os melhoramentos rurais gastaram-se ou 334:000 contos, segundo o que mostram as Contas Gerais do Estado, ou 262:583 contos, segundo o mapa do Ministério das Finanças, ou ainda 278:000 contos, segundo o mapa do Ministério das Obras Públicas.
Devo explicar que estas diferenças provam uma parte das reposições feitas pelos serviços e outra parte porque os dois Ministérios, das Obras Publicas e das Finanças, não têm um critério de contabilização rigorosamente igual.
Despendemos 400:000 contos com a rede telegráfica e telefónica, incluindo edifícios e aparelhagem; 1.810:000 contos destinaram-se a investimentos financeiros; 620:000 para empréstimos às colónias e 1.190:000 em empréstimos o subscrições de capital em empresas particulares metropolitanas e coloniais.
Gastámos ainda mais de 500:000 contos com a política do ar, e, juntando a tudo isto o que se despendeu com fomento mineiro, com colonização interna, com o cadastro geométrico da propriedade rústica, com o estudo das bacias hidrográficas para fins hidroeléctricos, com casas económicas, com os Centenários e exposições e outras despesas, ultrapassámos os 11.000:000 de contos.
Mas há que juntar ainda os 2.800:000 contos que nos custaram as despesas. excepcionais derivadas da guerra, feitas pelos Ministérios da Guerra, Marinha, Colónias o Negócios Estrangeiros; Contar com 1.319:000 contos de amortizações, remições e conversões da dívida pública, com 884:000 contos fornecidos pelo Fundo de Desemprego e com a despesa extraordinária ainda não contabilizada de 1950, para verificarmos que ultrapassa os 17.000:000 de contos o valor do esforço feito pela Nação nestes decorridos quinze anos.
Desta vultosa soma constata-se que quase 45 por cento foram absorvidos pelas exigências da defesa do nosso património, do nosso prestígio, da garantia da nossa independência e diz-nos o relatório do Governo que para a totalidade da despesa feita com os fins da Lei n.º 1:914 apenas concorreu o aumento da dívida pública com 3:692,4 contos. Daqui se pode concluir que a nossa geração pagou integralmente e a pronto o pesadíssimo encargo que representa o prémio de seguro, normal e de guerra, da nossa independência.

O Sr. Presidente:- A hora vai adiantada e ou não desejaria interromper as considerações de V. Ex.ª em qualquer altura. V. Ex.ª verá qual o ponto em que elas devem ser interrompidas.

O Orador: - Se V. Ex.ª não se importasse, eu iria até ao ponto de começar a fazer a análise pormenorizada das diferentes parcelas da despesa com a reconstituição económica.
Que mais comentários fazer, Sr. Presidente, sobre esta dramática parcela dos nossos sacrifícios tributários absorvida pelas despesas militares?
Confesso a minha longa hesitação sobre a resposta a dar a esta pergunta. Mas, depois de repetida e atenta leitura, tanto do elucidativo e desassombrado relatório do Ministério da Guerra como do não menos claro e objectivo relatório do Ministério da Marinha, depois de ter demoradamente reflectido sobre as dificuldades, os atrasos, as deficiências e incompetências neles apontadas, em dolorosa contrapartida dos sacrifícios feitos apresentando muito suor e até possivelmente muitas lágrimas da Nação", resolvi resumir a minha apreciação referindo-a ao ângulo puramente económico e manifestando a opinião, que aliás não é original, de que nos países onde como no nosso, não existe uma infra-estrutura do indústria metalúrgica pesada, o problema da armadura militar está permanentemente condenado a solução de relativa inanidade, por maiores que sejam as verbas orçamentais que lhe sejam atribuídas.
Os reflexos económicos da orçamentologia de guerra são totalmente diferentes para países como os Estados Unidos da América, que, votando ao rearmamento quantia igual ao resto do seu orçamento geral, ao menos garante à sua formidável indústria um alimento que ela redistribui por quase toda a sua população, e para países que, como o nosso, apenas podem contar entregar à sua economia própria o máximo de 20 por cento do que necessitam para equipar a sua, defesa.
Da improdutividade dos gastos militares decorre para todo o Mundo um empobrecimento geral, mas com o ritmo tão diferente para uns e outros países que somos levados a concluir ser preferível para o permanente equilíbrio económico do Mundo que a solidariedade atlântica contra o perigo bélico que o ameaça se concretizasse sobretudo em generoso auxílio aos países sem condições para proverem ao seu equipamento militar.
Sr. Presidente: ia passar agora à apreciação das verbas gastas propriamente com a reconstituição económica do Estado, e isso levar-me-ia ainda perto de uma hora. Se V. Ex.ª entende que não devo continuar, peço me reserve a palavra para a sessão de amanhã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Reservarei a V. Ex.ª a palavra para a sessão de amanhã.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está pendente de resolução da Assembleia, a concessão de duas propriedades em Lourenço Marques para a residência dos funcionários consulares do Governo doa Estados Unidos naquela cidade. A referida resolução será submetida à decisão da Assembleia, na sessão de amanhã, dispondo já do respectivo parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, publicado no Diário de Sessões de 16 de Dezembro último.

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336 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71

Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia de hoje e mais o aludido pedido do Governo dos Estados Unidos quanto à concessão das duas propriedades em Lourenço Marques.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 12 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
António Joaquim Simões Crespo.
António de Matos Taquenho.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Délio Nobre Santos.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPBBNSA NACIONAL DB LISBOA

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