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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETÁRIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 74 ANO DE 1951 24 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 74 EM 23 DE FEVEREIR0
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 59 minutos.
Antes, da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 72 a 73 do Diário das Sessões.
0 Sr. Deputado Gastão de Deus Figueira, ocupou-se do povoamento florestal e de outros problemas económicos da ilha da Madeira.
O Sr. Deputado Mendes Correia referiu-se ao 25.º aniversário da fundação do Instituto Rocha Cabral.
O Sr. Deputado Santos Carreto reclamou o regulamento e execução da lei que fixa as condições de entrada de menores nos teatros e cinemas.
0 Sr. Deputado Miguel Bastos renovou o seu pedido de informações sobre o estudo do estabelecimento de uma zona franca no porto de Lisboa.
Sr. Deputado Ernesto de Lacerda pediu providências ao Governo contra a acção dos resineiros que destroem os pinhais.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral relativo á execução da Lei de Reconstituição Económica. Usou da palavra o Sr. Deputado Magalhães Ramalho.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas.
CÂMARA CORPORATITA.- Parecer n.º 13/V, acerca da proposta de lei n.º 111 (alterações à Constituição Política.
0 Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 48 minutos.
Fez-se, a chamada, a qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António aos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
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Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal. João Luis Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes ao Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luis da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.
0 Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 59 minutos.
Antes da ordem do dia
0 Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 72 o 73 do Diário das Sessões.
Pausa.
0 Sr. Presidente:- Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre os referidos números do Diário, considero-os aprovados.
Pausa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Gastão Figueira.
0 Sr. Gastão Figueira:- Sr. Presidente: o Diário do 07overno de ontem publica o decreto que vem dar execu91o aos planos complementares do plano de povoamento florestal, aprovado pela Lei n.º 1:971, referentes ao distrito do Funchal.
Cria se a respectiva circunscrição o tomam-se providências especiais em defesa das matas existentes naquele distrito.
Marcha-se assim na resolução, de um dos problemas dominantes da Madeira que ora, de há muito, preocupação constante dos madeirenses cônscios dos legítimos interesses da sua terra e também, é justo dizê-lo, das entidades que tinham a responsabilidade e o dever de o solucionar.
Com efeito, a Junta Geral, principalmente desde 1939, e o Ministério da Economia nunca deixaram de considerar tão importante problema.
Foi o Ministro Sr. Engenheiro Daniel Barbosa quem simplificou o deu uma melhor adaptação e viabilidade aos planos referidos, procurando o Ministro Sr. Dr. Castro Fernandes tornar efectiva a solução desejada.
Agora é o dinamismo inteligente e compreensivo do actual Ministro, Sr. Dr. Ulisses Cortês, que vem coroar estes esforçou com o decreto de que falo, ponto de partida duma era de renovação e prosperidade num dos sectores fundamentais da economia da ilha. Em matéria de tanta importância e delicadeza terá de se operar com muito bom senso, discernimento, firmeza e persistência.
Basta dizer-se que da vida das florestas da Madeira estão em grande parte dependentes, entre outras fontes de riqueza, o seu clima e o turismo, que são, ao mesmo tempo, dois elementos valiosos de autêntica propaganda nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Quando o ano passado me referi nesta Câmara, como outros já haviam feito, à imperiosa necessidade de. se resolver o problema florestal da Madeira, eu tinha a confiante certeza de que o Governo o consideraria na primeira oportunidade, o que de facto aconteceu, como se vê.
Presto-lhe, por este motivo, em nome do círculo que represento, as mais vivas homenagens.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Estou convencido, Sr. Presidente, de que outros problemas dá Madeira, da mais alta importância, que pedem solução rápida o pronta serão atendidos na altura própria.
De entre eles quero salientar o das obras do porto do Funchal e seu condicionamento ao fornecimento de óleos A navegação, o dos pequenos portos da ilha, o das comunicações aéreas, e da construção do hospital, tão angustiosamente urgente, e o de certos aspectos da economia madeirense a regular e a acertar.
0 problema dos portos e das comunicações aéreas foi no ano findo objecto de estudo especial por parte de um ilustre membro do Governo que se deslocou à Madeira para aquele efeito.
Dispenso-me, por isso, de sobre tão momentosos assuntos entrar em desenvolvimentos que poderiam, nesta ocasião, parecer impertinência, o não zelo, tanto mais que esses assuntos estão bem presentes no espírito do Sr. Presidente do Conselho, que sempre tem sabido, carinhosamente, compreender o sentir os problemas da Madeira, como do sobejo o mostram, entre muitas outras coisas, as obras grandiosas das estradas e dos aproveitamentos hidráulicos, onde foi bem marcada a sua forte decisão e intervenção pessoal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Quanto ao estado de certos aspectos dos problemas económicos da Madeira o sua adequada solução, penso que seria de uma enorme vantagem para a política de verdade do Governo o prosseguimento eficaz da sua obra no distrito do Funchal que o Sr. Ministro da Economia fosse àquele distrito e lá permanecesse alguns dias, observando e estudando directamente as matérias respeitantes à sua pasta, matérias que formam uma conjuntura das mais curiosas e originais, como, algum tempo há, ouvi o Sr. Subsecretário do Comércio o Indústria referir e destacar.
Estou certo de que o Sr. Ministro da Economia, com o seu senso das realidades e das proporções e com o seu fino tacto político, definiria em termos claros e seguros
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a justa medida que deverá e terá de existir, por exigências do bem comum, nas relações entre os vários factores da riqueza madeirense.
Espero seja atendida esta minha sugestão, que é um pedido instante.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
0 Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: vou-me referir nesta Casa, que é da Nação, a um facto que considero do maior relevo e que não necessita, a meu ver, de trepes de retórica florida para ser devidamente enaltecido.
Vou referir-mo à comemorarão que hoje se efectua, como li nos jornais desta manhã, do primeiro quarto de século de vida de uma organização que reputo sabidamente meritória: o Instituto de investigação Científica Rocha Cabral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Em 1921 dava-se um facto quase sem precedentes (na expressão do director daquele Instituto) na nossa terra: um homem possuidor de uma grande fortuna - Bento da Rocha Cabral- falecia e no seu testamento consagrava a maior parte dos seus bens à fundação de um estabelecimento de investigação científica em Lisboa, designando para a sua organização o Prof. Ferreira de Mira, que, na realidade, imediatamente tratou de assumir a tarefa tão honrosa de que ora investido. E porquê esta designação? Porque entre o Prof. Ferreira de Mira e Bento da Rocha Cabral houvesse qualquer velha amizade, existissem velhas relações? Não, pois nem sequer se conheciam pessoalmente, mas sim porque Bento da Rocha Cabral tinha ma sua vida ao trabalho pousado os olhos atentamente e com inteligência sobre artigos de propaganda da investigação científica publicados pelo Prof. Pereira de Mira.
É um aspecto curioso e impressionante do facto que hoje se comemora: este de uma feliz propaganda jornalística dar estimulo a uma iniciativa alevantada e patriótica.
Ferreira do Mira aceitou a incumbência e foi o organizador o primeiro director do Instituto de Investigação Cientifica Rocha Cabral.
Em 1925 tinha aquele professor concluído a adaptação do prédio em que vivera Bento da Rocha Cabral depois das suas viagens o dos seus trabalhos pelo Mundo o rodeava, se duma falange notável de colaboradores.
Ele próprio interpretara os objectivos de Rocha Cabral no sentido de que era sobretudo à biologia, e mais ainda à biologia para do que à biologia aplicada, que tio deveriam dirigir os trabalhos de investigação do novo estabelecimento científico. E rodeou-se de naturalistas e médicos, de todos os quais não vou citar. os nomes - são em número superior a cinquenta os que trabalharam no Instituto Rocha Cabral -, mas citarei, com a homenagem' devida, os nome.4 daqueles que infelizmente já desapareceram do número dos vivos. Citarei em primeiro lugar o de Ferreira de Mira (Filho). Morreu prematuramente, quando era uma justificada esperança, quando todos os seus entusiasmos e o seu talento se encaminhavam na investigação, ao lado de professores muito distintos, como seu pai e o Prof. Lopo de Carvalho.
Cito o nome de Carlos França, espírito nobre, elevado, parasitalogista insigne, epidemiologista notável, alma do importante Congresso de Medicina Tropical realizado há anos em Luanda e um dos nossos mais ilustres historiadores científicos. A ele se deve muito especialmente o relato de que os portugueses fizeram na investigação científica, no século XVI, nos territórios brasileiros.
Citarei também o padre Silva Tavares, figura gloriosa de zoólogo e de sacerdote, antigo director dessa magnífica revista, que honra a cultura nacional, a Brotéria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: -0 P.e Silva Tavares é uma das figuras mais luminosas da cultura e da ciência portuguesas.
Simões Raposo, médico e investigador, uma promessa magnífica que a norte prematuramente arrancou aos seus admiradores, aos seus amigos, à ciência e á cultura portuguesa. Era ele o secretário dedicado da antiga Junta Nacional, da Educação, hoje Instituto para a Alta Cultura. Foi um dos mais activos e talentosos impulsiona. dores daquele organismo.
Devo dizer, mona senhores, que tenho conhecido pouca gente dotada como Simões Raposo de um tão forte poder de atracção pessoal, de uma tão irradiante simpatia, de tanto talento vivo o ao mesmo tempo simples.
Foi um dos espíritos mais gentis e mais nobres que eu tenho encontrado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - E cito, finalmente, Mark Athias, o insigne professor e fisiologista, figura eminente da inteligência e do saber desta terra portuguesa.
Estes já desapareceram, mas ficaram os seus esforços, as suas recordações, como que pairando tutelarmente sobre o Instituto Rocha Cabral e, de uma maneira geral, sobro a investigaç1o científica portuguesa.
Como poderia o Prof. Ferreira de Mira esquecer a colaboração que naquele Instituto lho deu o seu filho, um filho desaparecido?! Que laço maior podia unir o Prof. Porreira de Mira ao seu Instituto? Duplamente essa união se estabeleceu: como fundador o como pai.
Meus senhores: há muito pouca gente neste país que compreenda o amor desinteressado que qualquer pessoa tem às suas obras, quando essas obras são nobres e alevantadas.
Há qualquer coisa de paternal nos laços que prendem Ferreira de Mira ao seu instituto.
Neste trabalham e têm trabalhado outras individualidades. Citarei, de entre as que são ainda felizmente do número dos vivos, o Prof. Egas Moniz, prémio Nobel, que ali fez os seus primeiros trabalhos de encefalografia. Foi ao Instituto Rocha Cabral que ele foi pedir auxílio para poder efectivar praticamente uma grande parte dos seus primeiros ensaios, das suas primeiras tentativas. Só por isso o Instituto Rocha Cabral seria credor da gratidão dos portugueses.
Mas ali se tem trabalhado, senhores, em fisiologia, em culturas de tecidos, em endócrinas, em bacteriologia, especialmente no sector da tuberculose, em cancerologia experimental, à qual está ligado o nome, tão saudoso para mim, de Luís Simões Raposo, em fitopatologia com o P.e Silva Tavares, já referido, o depois com D. Matilde Bensaúde, em química biológica, etc.
Houve um momento em que o Instituto Rocha Cabral sofreu uma crise gravíssima; é que o legado de que resultou era sobretudo constituído por fundos brasileiros, que se desvalorizaram quase instantaneamente.
Foram suspensas todas as bolsas de estudo, foram suspensos todos os subsídios a investigadores, mas nem por isso se deixou de trabalhar ali.
0 Prof. Ferreira de Mira e a comissão administrativa do Instituto tinham tido o cuidado logo de início de trocar alguns dos títulos brasileiros por títulos do Fundo do Estado Português.
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Sr. Presidente: não quero alongar mais as minhas considerações. Nada seria mais grato ao meu espírito do que fazer aqui uma larga exposição sobre as actividades do referido Instituto, mos desejo aqui e perante o País, tirar da iniciativa de Rocha Cabral e da dedicação do Ferreira de Mira e dos seus colaboradores, dois exemplos, duas grandes lições:
0 exemplo de Rocha Cabral para com a gente rica do meu país. Lá fora - como Rockefeller o outros muitos empregam os excedentes consideráveis das suas fortunas em obras desta natureza. Aqui o caso de Rocha Cabral é impressionante excepção.
Não quero dizer que não haja grandes benemerências para hospitais, para estabelecimentos de assistência geral, mesmo para uma ou outra escola, como testemunho de gratidão e reconhecimento dos doadores à escola em que se formaram. Mas, Da generalidade, na nossa terra a iniciativa particular para institutos desta natureza é duma raridade confrangedora.
É por isso que daqui dirijo aos homens da nossa terra com fortuna pessoal este apelo, chamando a atenção para o gesto prestimoso do benemérito Rocha Cabral.
Recordo, em segundo lugar, que este Instituto já tem, felizmente, 25 anos de idade, um quarto de século de fecunda existência. Eis uma lição de continuidade, de perseverança, de tenacidade desinteressada que é preciso assinalar numa terra em que geralmente as iniciativas desta natureza andam aos ziguezagues, aos altos e baixos nas curvas mais sinuosas e lamentáveis.
sinuosas e lamentáveis. Uma, tal continuidade é condição indispensável do êxito para todo o trabalho deste género. Também é preciso que em iniciativas desta, natureza se reconheça que para a selecção dos colaboradores devem somente existir duas preocupações: a Ciência e a Pátria. Não há lugar para malevolências, intrigam, despeitos, preocupações mesquinhas.
Termino estas minhas breves e desataviadas considerações, Sr. Presidente, prestando aqui a minha homenagem, que eu julgo ser uma homenagem de gratidão da Nação inteira, à memória de Rocha Cabral, do benemérito Rocha Cabral; ao organizador e director do respectivo Instituto, o Prof. Ferreira de Mira, o autor dessem artigos que levaram unia feliz sugestão ao ânimo de Bento da Rocha Cabral; à memória dos seus colaboradores falecidos, entre os quais eu próprio contava bons amigos, entro os quais havia figuras na quais mo ligam perenemente os laços de uma admiração impregnada de profunda saudade; enfim no valor e a dedicação doa seus colaboradores actuais.
Tenho dito.
Vozes Muito bem, muito bem!
0 orador foi muito cumprimentado.
0 Sr. Santos Carreto: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª algumas palavras apenas sobre um assunto de incontestável gravidade, que eu preferiria não ter de, tocar novamente aqui.
Quando, há cerca de um ano, se discutiu nesta Câmara a proposta de lei que criou o Fundo de Teatro tive conhecimento de que ainda não fora regulamentada a lei que fixa as condições de entrada de menores em teatros o cinemas e que tinha sido votada pela, Assembleia Nacional em 17 de Janeiro de 1939 o publicada no Diário do Governo do 16 de Fevereiro do mesmo ano, sob o n.º 1:974.
Havia onze anos, portanto!...
Surpreendido e sobressaltado, chamei aqui a atenção do Governo para tão estranho facto, cujas consequências desastrosas são fáceis de calcular.
0 nosso ilustre e mui querido colega Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu dignou-se corroborar o apoiar o meu justo o oportuno reparo, com todo o ardor da sua alma gentilíssima.
0 acolhimento que às nossas considerações foi dispensado nesta Câmara levou-nos a alimentar a esperança de que não tardaria a desejada regulamentação de uma lei de tão larga e profunda projecção moral.
E nesta mesma esperança tem estado o País inteiro, aguardando ansiosamente que seja satisfeita tão grave e alta aspiração.
Decorrido vai já um ano e ... a tão suspirada regulamentação não foi ainda decretada!
Porquê? Porque esta dilação em assunto de tamanha responsabilidade?
Abstenho-me, Sr. Presidente, de fazer neste momento os comentários que tão desconcertante facto naturalmente justificaria.
Decididamente, enérgico na defesa dos boas princípios que todos temos de viver e servir apaixonadamente, cristãmente intransigente quando se trate da observância da lei, como o bem da Nação exige e impõe, procurarei no entanto cumprir os imperiosos deveres da minha função, sem recorrer a exaltações desnecessárias e inúteis, sem agravar dificuldades que a todos compete ajudar a vencer, sem assumir atitudes que poderiam despertar o estimular a sensibilidade das multidões, mas que não serviriam certamente o prestígio desta Assembleia, tem, enfim, atirar desabridamente pedras duras para o caminho, por vezes bem áspero, que o governo de uma nação tem de trilhar em jeito de verdadeiro holocausto.
Nem outra coisa me consentiriam o espírito e coração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - A minha missão aqui, Sr. Presidente, a missão de todos nós, é colaborar dedicada e abnegadamente com o Governo na melhor administração da coisa pública, é facilitar por todas as formas a acção governativa, que tantas vezes tem de desenvolver-se outros sacrifícios verdadeiramente heróicos, é oferecer sem reservas nos homens sobre cujos ombros pesa o tremendo encargo de promover e assegurar o bem comum a reconfortante certeza de que com eles estamos, animados do mesmo espírito, dominados pelos mesmos cuidados, atraídos pelas mesmas nobres aspirações, abrasados na mesma devoção patriótica, apaixonados pelo mesmo ideal, prontos para os mesmos sacrifícios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Seja-me licito, Sr. Presidente, repetir nesta oportunidade a afirmação feita quando me foi dado falar pela primeira vez nesta Câmara: "Aqui, como em toda a parte, ou sou sacerdote e português, sempre e só".
E nesta dupla qualidade ou não posso, - nem devo, nem quero, ter outro pensamento ou preocupação que não seja servir dedicadamente os sagrados interesses da Igreja e da Pátria - dois amores que me enchem o coração o aos quais eu imolo, do bom grado, a minha vida toda.
Vozes Muito bem, muito bem!
0 Orador: - E é precisamente o interesse nacional que me obriga a insistir novamente, com a alma sobressaltada, mas confiante, porque seja urgentemente regulamentada uma lei de tão, largo alcance social.
Toda a lei justa evidentemente, porquanto ... lex injusta non est lex- correspondo a uma necessidade imperiosa da vida da Nação.
Se a Assembleia Nacional em 1939 votou uma lei que regula a entrada de menores em espectáculos públicos
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é porque reconheceu e sentiu que assim o exigia o bem da comunidade portuguesa.
Vozes: :- Muito bem, muito bem!
0 Orador: -0 mesmo bem colectivo reclama imperiosamente que essa lei se regulamente e se cumpra sem demora.
De contrário, ocorro perguntar: para quê fazer e publicar leis?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Doze anos de livre entrada de menores em espectáculos públicos, que tantas vezes são ... o que todos nós sabemos o sentimos dolorosamente! ...
Quem pode medir, em toda a sua extensão, as irreparáveis ruínas que tal facto terá produzido em tantos almas juvenis o consequentemente na própria alma da Pátria?... A juventude de hoje é a sociedade de amanhã; logicamente ela é a alma, o futuro, a vida mesma da Nação. Descurar a sua preparação e formação é, portanto, descurar o comprometer gravemente a própria vida da Nação, a segurança do seu futuro, os sons melhores e mais sagrados interesses.
Quem quererá para si tamanha responsabilidade?...
Sr. Presidente: grato me é ter oportunidade de mais uma vez afirmar aqui a minha melhor confiança no zelo esclarecido e patriótico do Governo, que, por graça de Deus, leva já realizada uma obra magnífica de resgate nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 orador foi muito cumprimentado.
0 Sr. Miguei Bastos: - Sr. Presidente: em 14 de Abril do ano findo requeri aqui me fosse fornecida pelo Governo cópia do relatório ou relatórios apresentados pela comissão nomeada por portaria de 4 de Dezembro de 1939 ao ministério das Obras Públicas e Comunicações, comissão encarregada do estudo preliminar parti o estabelecimento de uma zona franca em Lisboa..
Até agora apenas recebi a cópia de um oficio ao ministério das Obras Públicas no qual se diz que não possui aquele Ministério relatório algum referente aos trabalhos da referida comissão nomeada em 1939.
Sacode, porém, que num estado da autoria do Sr. Manuel Gonçalves Monteiro, que foi ilustre membro da aludida comissão, encontrei há dias a notícia de que, na verdade, tinham sido apresentados os trabalhos da aludida comissão, com as suas conclusões.
Peço, por isso, licença para, confiado na benevolência ao V. Ex.ª, insistir no pedido que fiz em Abril do ano passado, rogando a V. Ex.ª as melhores diligências, para que ele seja agora satisfeito.
0 assunto em causa tem real interesse para a vida económica da zona atlântica, na qual temos posição de destaque e relevo, e é de primordial importância, a meu ver, no desenvolvimento e robustecimento das nossas .economias continental e ultramarina, podendo igualmente vir a constituir um novo e forte elo a ligar as relações económicas e sociais dos dois mundos - o português e o brasileiro.
Esta a razão por que vivamente insisto porque me sejam fornecidos os elementos pedidos, que reputo muito necessários para o estudo que estou fazendo sobro a necessidade do estabelecimento de uma zona franca na costa continental portuguesa, estabelecimento que se tem de fazer esquecendo a simples presença de ideias feitas e tendo só diante dos nossos olhos a sua urgência e a realidade das nossas possibilidades económicas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Sr. Ernesto Lacerda:- Sr. Presidente: pretendo abordar hoje, embora em muito breves palavras, um assunto que creio merecer cuidada atenção.
Quero referir-me ao problema da conservação da nossa riqueza florestal, no que diz respeito especialmente aos pinhais.
A este assunto se referiu o jornal 0 Século numa campanha efectuada nalguns números publicados no princípio do mês corrente, nos quais se chama a atenção para a importância que ele reveste e para as medidas que urge tomar.
A continuar o estado actual de coisas, os prejuízos para a economia do País serão cada vez maiores e mais graves.
Os resineiros, na ânsia de extrair a maior quantidade possível, de gema, abrem incisuras de grandes dimensões, prejudicando o desbaratando as árvores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Este mal faz-se sobretudo sentir na região das 13eira%, onde é abundante este ramo da nossa riqueza florestal, que por isso constitui factor do relevo na economia das populações rurais.
0 Sr. Manuel Domingues Basto: - É o Minho acontece o mesmo.
0 Sr. Pinho Brandão: - É assim em toda a parte.
0 Orador: - A exploração tio resinas é feita de tal forma que os pinheiros, dada IL profundidade das feridas quo são abortas nos seus troncos, não resistem a um golpe mais forte de vento o caem, ficando mutilados e sem préstimo.
0 Sr. Manuel Domingues Basto: - Mas a lei marca regras e medidas...
0 Orador: - Mas não se cumprem.
0 Sr. Pinho Brandão: - Não se cumprem o até do uma forma desonesta.
0 Orador: - Ainda há dias quem percorresse as estradas daquela região ficava dolorosamente impressionado, sentindo pena o indignação, ao verificar o elevado número de pinheiros que haviam caído á beira delas o interrompiam por vezes o trânsito.
Isto era a consequência inevitável dos abusos cometidos na exploração da resina.
Eu sei, Sr. Presidente, que existe legislação de molde a proteger os proprietários dos pinhais contra estes actos do verdadeiro vandalismo. Nessa legislação se encontram prescritas 6edidas tendentes a evitar que as feridas feitas nos pinheiros excedam determinadas dimensões. Todos sabem que essa legislação existe, mas todos sabem igualmente que ela se não cumpre o é letra morta, porque os exploradores das resinas gozam de impunidade pelas transgressões que cometem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador:- O pequeno proprietário, por modo do recurso nos tribunais, por falta de conhecimentos ou de recursos, não reage contra estes actos lesivos dos seus direitos, embora bem sinta os seus nefastos reflexos na sua magra economia. Assim, o mal vai-se agravando e a nossa riqueza em pinhais vai sendo continuamente cerceada, e a tal ponto que afinal até os próprios resineiros lho virão a sofrer as consequências.
As árvores vivem menos tempo, decrescem em número o em qualidade, e não só a economia do País é afectada pela diminuição do valor das madeiras e das lenhas, como pela diminuição da própria produção de resinosos.
Este empobrecimento é tanto mais grave quanto é certo que se está verificando em seguida a um período
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em que, mercê da situação anormal proveniente da passada guerra, o Governo ao viu obrigado a fazer, há poucos anos ainda, grandes requisições de lenha e de madeiras, requisições que atingiram milhões de toneladas e em que foram principalmente sacrificados o eucalipto e o pinheiro.
Já mais de uma vez nesta Assembleia se tem falado na necessidade de medidas que defendam a propriedade privada dos ataques e abusos a que está sujeita.
Muito se tem feito para dar satisfação a esta necessidade. Mas ainda não basta. Importa, na verdade, que se tomem medidas urgentes, destinadas a velar pela conservação das florestas, não só do Estado, mas também dos particulares.
0 jornal 0 Século ao efectivar a sua campanha, agitou de facto um problema de alta importância nacional.
Os números revelados nossa campanha e que o grande público certamente desconhecia são impressionantes e põem claramente em foco a gravidade do caso.
Torna-se, por isso, necessário encontrar remédios para o mal, fazendo-se cumprir a lei o poupando-se assim multa riqueza, que não deve estar á mercê daqueles que por ela não têm respeito e que, sem relutância, sacrificam o interesse geral em benefício do seu desenfreado e insensato egoísmo.
Sr. Presidente: pertencendo a uma região onde o pinheiro representa um elemento importante na economia das populações, creio saber avaliar a gravidade do problema a que acabo de fazer rápida referência.
Entendi, por isso, que devia deste lagar chamar para ele a esclarecida atenção do Governo.
Estou convencido do que o Governo, sempre atento ao interesse geral, tomará as medidas necessárias para por cobro a abusos que são lesivos não só dos direitos dos proprietários rurais, mas também da economia nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 orador foi cumprimentado.
0 Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidente do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 33 e 34 do Diário do Governo, respectivamente de 21 e 22 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 38:175, 38:176, 38:177 e 38:178.
Está também na Mesa um ofício do Sr. Presidente da Câmara Corporativa remetendo o parecer daquela Câmara sobre a proposta de lei da revisão constitucional, parecer que vai baixar às Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral.
0 Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
0 Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio, apresentado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral, sobre a execução da Lei de Reconstituição Económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Ramalho.
0 Sr. Magalhães Ramalho: - Sr. Presidente: diz-se no relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1:914 que com esta se não teve a pretensão de aprovar qualquer plano económico, mas tão-somente - feito um balanço de disponibilidades financeiras presumíveis num certo número de anos - "prescrever uma linha geral da respectiva aplicação ao desenvolvimento da economia do País e da capacidade defensiva da Nação, procurando "substituir aos processos de realização improvisados e dispersivos a elaboração de planos que por ai mesmos obrigassem ao estudo das condições e riqueza do solo e subsolo portugueses, à definição e escolha das soluções, a seriação das fases em que o mesmo empreendimento se poderia desdobrar, ao prazo de execução, aos processos por que havia de realizar-se, no orçamento e valor económico das obras, ao seu custeio de disponibilidades públicas e particulares".
0 apropriado de uma tal orientação, atendendo ás condições de então, sente-se ainda hoje por tal forma, a quinze anos de distância, que julgo não precisar de qualquer justificação ou defesa.
Com efeito, excepção da certeza nos resultados da aplicação de certos métodos - que, com sucesso, haviam já sido ensaiados -, tudo nos faltava ainda em 1935, desde a experiência aos projectos e estudos sérios, desde a preparação dos homens até à própria noção exacta das nossas possibilidades e necessidades efectivas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Estulta pretensão teria sido, por isso, tentar promulgar nessa altura qualquer outra lei com aquela finalidade que não fosse mais delineativa do que taxativa ou que ambiciosamente pretendesse traduzir mais do que esta indiscutível realidade: ganha a batalha financeira, exprimir a conveniência e a oportunidade de se iniciar, metodicamente, o reconhecimento do campo da batalha seguinte - o da reconstituição económica.
Poderá, por isso, hoje, ao examinar-se todo o caminho percorrido nestes últimos quinze anos, chegar-se à conclusão de que nesse reconhecimento se foi talvez, nalguns pontos, mais além do que de no momento conviria a um certo equilíbrio de conjunto, e que noutros, pelo contrário, se ficou bastante aquém.
Não se deverá, porém, ser injusto nem precipitado nos juízos que, apoiados sobre essa análise, se emitem agora na posição, sempre fácil e cómoda, do crítico de obra feita.
Apoiados.
Desequilíbrios dessa natureza são sempre de recear quando as possibilidades de visão e de meios de ataque estão em manifesta desproporção com o volume ou a dispersão das tarefas a realizar.
Se a essas dificuldades se juntam a tentação da simplicidade e da maior rapidez da execução de determinados tipos de empreendimentos e, sobretudo - como foi o caso - a de tirar partido de um certo cepticismo, muito nosso conhecido, por meio de obras cujo alcance todos compreendessem e vivessem imediatamente, então aqueles desequilíbrios não são só de recear: são tão inevitáveis e fatais como o destino. Não há assim que os estranhar: fazem parte do próprio processo reeducativo de todos os povos que se deixam atrasar...
Todos os que duvidam de que assim é que pensem e tentem recordar-se um pouco. E não digo já que façam o confronto então o número de pessoas que hoje clamam com tanta insistência e segurança por fomento económico, em toda a parte e em todos os tons, e aquelas que ainda há duas dezenas de anos pensavam sequer nesse problema.
Peço apenas à esmagadora maioria que confesse, com sinceridade, o que a irritava mais em 1935: se o mau estado da estrada que lhe passava à porta ou da escola a que tinha de mandar os seus filhos, se, por exemplo, a vaga construção de uma vaga barragem, que nem sequer se dava ao trabalho de ir ver no mapa onde ficava?!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - De resto, não tenhamos também dúvidas: a confiança e o à-vontade com que vamos agora decidir, por exemplo, o início de tarefas grandiosas, como a execução de um novo plano de fomento, em que se contêm trabalhos de responsabilidade, como o aproveitamento do DOUTO, não seriam possíveis sem a experiência, o treino e a preparação que nos deu; muita obra anteriormente realizada, sumptuária talvez - que agora já se não faria e possivelmente nunca mais, e não só de pão vive o homem! -, mas que felizmente aí estão de pé, para benefício das gerações futuras, depois de terem servido, pelo menos, para a formação da nossa própria consciência colectiva actual, e de tal modo que não sei que mais admirar hoje, se as realidades grandiosas que dia a dia vemos erguerem-se e exigimos, se a obra, não menos gigantesca, mas que já vai sendo esquecida, dos primeiros pioneiros que a tornaram possível!
Não sou muito velho, mas ainda nasci a tempo de poder contar só pelos dedos de uma mão o número de arquitectos existentes em Portugal e de admirar enlevado essas obras-primas de bom gosto e honestidade que foram as «gaiolas» construídas depois da guerra de 1918 pelos «práticos», termo com que então se enchia a boca, depreciando os conhecimentos sérios da verdadeira ciência e arte de construir!
Não sou muito velho, mas ainda nasci também a tempo de sofrer a humilhação de ver um povo que tinha sido mestre de outros povos aceitar indiferente e snobemente a subalternidade da sua técnica à de simples práticos estrangeiros: até os próprios maquinistas dos nossos navios mercantes, netos das caravelas, eram ingleses!
Não sou, porém, tão novo que não tivesse assistido e seguido de perto toda essa obra dos últimos quinze anos, verdadeiramente revolucionária, realizada não só no campo material, mas, sobretudo, com a criação de um estada de espírito de confiança colectiva na nossa própria capacidade realizadora e na nossa técnica, esta acordada da sua posição de ostracismo e de ignominiosa subalternidade por esse grande Ministro a quem o País ainda não prestou a justiça que merecia: o engenheiro Duarte Pacheco.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sejamos agora, portanto, justos, não criticando só pelo prazer de criticar, esquecidos até talvez alguns - quem sabe? - de responsabilidades que também tiveram na matéria.
Na obra que estamos apreciando verificaram-se, de facto, desequilíbrios importantes e que foi realmente pena não se terem atalhado mais a tempo, mas no seu conjunto traduziu-se por um tão gigantesco esforço de progresso e de preparação de pessoas e de posições pana novas arrancadas que, por mim, chego a ter escrúpulo de a criticar: ao feliz desfecho de qualquer batalha interessa muito mais o sacrifício daqueles que, por amor dela, foram caindo abnegadamente pelo caminho do que o som estrídulo dos clarins prenunciadores da vitória final, quando esta já começa a estar à vista...
Só dentro desse espírito, por isso, e no mate vivo reconhecimento, como português, pela dedicação de todos os que nos precederam e se empenharam massa tarefa ao serviço da Pátria - e dos quais de alguns já só podemos evocar piedosamente a respectiva memória - é que eu me atrevo, Sr. Presidente, a entrar na análise daquilo que se fez à sombra da Lei n.º 1:914 e do que, como seu natural complemento, logicamente se lhe deverá fazer seguir imediatamente.
Como aqui já fez anotar o Sr. Deputado Mendes do Amaral, as principais observações de ordem geral que se podem fazer à, forma como foi executada a Lei n.º 1:914 ressaltam de tal modo dos próprios números que quase se torna desnecessário gastar palavras para os apreciar devidamente.
Com afeito, e não obstante não ser fácil formar uma ideia exacta da grandeza efectiva do esforço financeiro do Estado nestes últimos quinze anos só com o relatório que nos foi distribuído - faltam, inclusivamente, nele os valores dos auxílios indirectos vários através de fundos especiais, caixas, Plano Marshall, etc. -, reparem, por exemplo, VV. Ex.ªs o que nos dizem ainda mais esses inúmeros quando se agrupam, de uma maneira diferente da que apresentou aquele ilustre Deputado, as várias despesas, ordinárias e extraordinárias, por rubricas genéricas, abrangendo realizações tanto quanto possível afins e por ordem decrescente dos respectivos montantes.
Para uma despesa total, em catorze anos, da ordem dos 14.000:000 de contos gastaram-se, grosso modo, com o reapetrechamento, ou fomento, dos principais sectores de actividades nacionais importâncias no valor e percentagens seguintes:
[ver tabela na imagem]
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[ver tabela na imagem]
(a) Não incluídos 1.160:000 contos do valor do material recebido do Governo Inglês por força da lei de empréstimo o arrendamento, nem a despesa da mais de 3 milhões de contos com as despesas excepcionais de guerra, pagas com recursos ordinários.
(b) Despesa total, ordinária o extraordinária, indicada pelo Ministério das Obras Publicas, no seu relatório, como podendo considerar-se realizada em execução do planos ligados à Lei n.º 1:914.
(c) Não incluída a contribuição de 42:700 contos das Câmaras Municipais do Lisboa e Porto para os aeródromos das respectivas cidades, nem parte das despesas efectivamente suportadas pelo Estado com a exploração de aeroportos e linhas aéreas.
(d) Não incluídos auxílios indirectos vários, dados através de fundos, Caixa Geral de Depósitos, Credito e Providência o grémios das respectivas actividades, para o reapetrechamento da frota mercante e de pesca nacionais.
(e) Despesa total indicada pelo Ministério da Economia.
(f) Não incluídos os edifícios construídos directamente pelo Ministério da Justiça.
Ainda que possam talvez ser discutíveis os valores absolutos de certas rubricas - pelo que melas se não inclui ou, ao contrário, (pelo critério demasiadamente lato com que parecem ter sido atribuídas despesas por certos Ministérios, como é o caso, por exemplo, da despesa com estradas, indicada pelo Ministério das Obras Públicas -, o que não há dúvida é que a simples desproporção notada entre os volumes das despesas com os vários grandes grupos de realizações permitem tirar imediatamente as seguintes ilações:
A primeira é a de que - mesmo sem ter em conta os 3.000:000 de contos de recursos ordinários consumidos «m despesas extraordinárias de guerra e que fariam elevar a percentagem dos gastos militares para quase 45 por cento - parece não ficarem quaisquer dúvidas de que foi o estado pràticamente de guerra que se tem vivido de 1939 para cá, e não a orientação propriamente seguido, pelo Governo em matéria de construções, o principal responsável de que o fomento económico não tivesse ido mais além.
Pense-se só no que teriam sido cerca de 8.000:000 de contos aplicados ao fomento da agricultura e da indústria!
Não nos esqueçamos, porém, de que foi parte deles que aios permitiu assegurar a posição dos Açores e da Madeira até ao momento que entendemos, e só isso valeu várias vezes esses 8.000:000!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foram-se alguns anéis? É certo. Agradeçamos, porém, a Deus o ter-nos deixado os dedos
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sãos para trabalharmos, o que mão sucedeu a todos, e peçamos-Lhe, sobretudo, que nos afaste do caminho horas análogas às que então passámos.
A segunda conclusão que se pode tirar - quer quando se examina o quadro na generalidade, como na especialidade - é a de que se verificou de facto um certo desequilíbrio geral entre os vários tipos de realizações, pelas razões que já atrás se apontaram e outras - como a falta de um plano director e o próprio entusiasmo de realizar depressa e para cem anos - a que o Sr. Deputado Mendes do Amaral se referiu.
Não falo já na sensível desproporção que se nota logo à primeira vista entre o volume das despesas com as realizações menos imediatamente reprodutivas e as reprodutivas. A despesa de mais de 2 milhões de contos - 16,5 por cento do total - só com edifícios de vária natureza e de apenas pouco mais de 1.400:000 - 10,3 por cento do total - com os trabalhos e estudos ligados ao fomento da agricultura, da silvicultura e da indústria dá bem uma medida dessa desproporção.
O facto impressiona principalmente, por se passar num período em que se consolidou e fez escola o salutar princípio do equilíbrio das receitas com as despesas e não se vê muito bem como o mesmo poderia continuar a ser respeitado no futuro se continuássemos muito mais anos a fomentar o que dá despesas, postergando para segundo plano o que afinal as há-de permitir suportar.
É aspecto, por isso, para que não nos devemos cansar de chamar a atenção até o vincarmos bem na própria consciência das populações, porque são estas que, sob o influxo da estrita preocupação do bem-estar material imediato, dominando o espírito de nossos dias, não poucas vezes forçam os governos a seguir orientações com o seu quê de perigoso para o futuro.
Não faço esta afirmação no ar. Continuo a tirar as suas razões justificativas também do exame na especialidade dos números que estou analisando. Reparem, por exemplo, VV. Ex.ªs: gastaram-se, como se vê no quadro atrás, só em comunicações 28 por cento da importância total - quase tanto como com a defesa nacional. Pois bem, dessa percentagem corresponderam 13,3 por cento a estradas e apenas 0,2 por cento a caminhos de ferro!
E isto com a experiência de uma guerra em que se provou mais uma vez à saciedade a importância vital dos caminhos de ferro e em que, por uma excessiva liberdade de importação de viaturas automóveis e o retardamento de medidas adequadas a uma mais eficiente coordenação do complexo estrada-carril, se criou este melindroso problema:
Aumento demasiadamente brusco da capacidade transportadora da frota rodoviária do País, com a exportação desnecessária de mais de meio milhão de contos de divisas, com a compra, em excesso, de viaturas automóveis e a quase triplicação do consumo anual de gasolina e gasóleo das mesmas;
Saturação de importantes extensões da rede geral de estradas e dos arruamentos centrais de muitos centros urbanos, criando problemas sérios de trânsito futuro e cujo alargamento importará em muitas centenas- de milhares de contos. Que o digam os números apontados ontem pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa na sua comunicação sobre trânsito: duplicação do número de viaturas automóveis para um aumento de população de 16 por cento no mesmo período de tempo;
Agravamento dos deficits da exploração ferroviária, que, em última análise, hão-de acabar também por ser suportados por alguém, como é óbvio.
E, todavia, umas duas centenas de milhares de contos aplicados em automotoras, locomotivas Diesel eléctricas e tractores de manobra teriam ajudado a aliviar muito sensivelmente as condições das explorações ferroviárias. Já não falo na electrificação da linha de Lisboa ao Porto e das dos arredores, que também tem a sua justificação económica.
É claro que não quero dizer com isto que se gastou mal com as comunicações ou com as estradas. Todos nós sabemos o papel importantíssimo que elas desempenham em relação ao fomento económico, à defesa nacional, à unidade imperial, ao conforto das populações, etc.
Não desconhecemos também que faltam ainda para completar a rede de estradas nacionais cerca de 5:000 quilómetros, num valor da ordem de 1,5 a 2 milhões de contos. Não se discute, porém, a necessidade ou o volume das despesas em questão, consideradas em si mesmas.
Regista-se apenas um desequilíbrio visível, para oportuno ajustamento, e lembra-se que, mesmo em matéria de estradas, há também estradas e caminhos municipais, problema tão premente e importante como o das nacionais, mas que ainda nem sequer mereceu a honra de ter a tratar dele mais do que uma modesta secção, creio eu, da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização!
Deixemos, porém, estas considerações sobre obras rentáveis e não rentáveis e sobre algumas observações que sugere - além daquelas que aqui já foram feitas sobre a marinha mercante, aviação, etc. - o exame das despesas com as comunicações.
Passemos, meus senhores, a um outro sector igualmente importante - o dos melhoramentos de interesse especialmente local -, que julgo ser daqueles em que há talvez um certo lugar para mais algumas observações de ordem geral sobre a orientação que acerca do mesmo se tem seguido.
Com efeito, embora um superficial exame dos respectivos números nos possa dar a ideia, à primeira vista, de que se trata precisamente de um dos sectores em que mais equilibradamente se verificou a distribuição de despesas, o que é certo é que o simples facto de só notar aí uma quase igualdade dos gastos com a cidade e com o campo nos revela em si mesmo um critério que julgo dever merecer alguma meditação.
Suponho mesmo que corresponde a uma das tais orientações defeituosas em matéria de obras públicas, que convém modificar, embora não deixe de se reconhecer a dificuldade que o problema tem, pela pressão política que exercem as grandes massas de população urbana, cada vez mais importantes e exigentes.
Não deve, de facto, esquecer-se que o conjunto das povoações rurais se refere a uma área e a um volume e pobreza de populações muito maiores que o das cidades, sendo, portanto, de elementar justiça entrar-se em conta com essa circunstância no cômputo das despesas com o melhoramento das respectivas condições de vida. Mas há ainda uma razão muito mais forte, a meu ver, para aconselhar a revisão desse critério:
É a de que, continuando-se, de preferência, ou, pelo menos, mais eficazmente, a proteger o citadino em relação ao rural em matéria de inquilinato, de preços dos alimentos, das matéria suprimas, energia e serviços de utilidade pública; a tornar mais confortável e atraente a vida nas cidades do que nos campos; a limitar com mais rigor os preços dos produtos ligados u alimentação, quase todos fruto do trabalho do rural, e a tomar outras medidas de efeito análogo - que não poucas vezes se traduzem até num sacrifício demasiadamente injusto dos do campo a favor dos da cidade -, estaremos pondo em jogo, sem darmos por isso, um conjunto de forças dirigidas em sentido precisamente oposto, àquele que desejaríamos e defendemos: o da fixação do
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homem à terra e o do combate aos malefícios do excessivo urbanismo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Passando adiante:
Foquemos agora um outro sector - talvez o mais importante na vida de um país - e em que julgo haver também razões para se fazerem observações merecedoras de certa atenção. Refiro-me ao da educação, ensino e cultura.
É evidente que o interesse por este. sector não se pode apenas medir pelo volume das despesas com as respectivas instalações nem o grau de eficiência de qualquer sistema educativo ou cultural é necessariamente função do valor material daquelas.
A posição de quinto lugar que este sector ocupa no quadro geral de despesas a que nos estamos referindo parece-me, no entanto, dever merecer alguma meditação, como meditação julgo nos deverem merecer também certos lapsos e deficiências que aqui igualmente se verificaram, alguns deles até - como o dias escolas técnicas - suficientemente chocantes para terem já chamado a atenção governamental.
Não sou dos que protestam contra os modestos 0,6 por cento de despesas feitas com os estádios e campos de jogos públicos, pois que mesmo sem falar já nas lições de inolvidável beleza que nos dá sempre a contemplação de alguns, como o Estádio Nacional - e que pouco a pouco se insinuam, melhorando-a, na alma e no sentir do próprio povo - , não se pode ser homem do nosso tempo negando as vantagens evidentes da cultura física no quadro geral dos esforços para a formação equilibrada da mocidade, estouvanada de hoje sim, mas talvez homens mais saudáveis e felizes do que nós amanhã...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Direi até que se algum defeito tem havido é o de não se fazer acompanhar esse esforço da construção de instalações para o desenvolvimento da cultura física de outro análogo no sentido de se dotarem os grandes aglomerados urbanos - as cidades de Lisboa e Porto, pelo menos - com salas adequadas a realização de espectáculos, exposições, concertos, congressos, conferências e outras reuniões de feição social ou cultural, no sentido clássico e público do termo.
Apoiados.
Para fundamentar essa falta lembro apenas que até há muito pouco tempo se via com frequência, por exemplo, o ginásio do Liceu Camões transformado em sala de espectáculos públicos para os festivais da F. N. A. T., exposições de aves, etc., com os perigos que se calculam para a saúde das crianças que, logo no dia seguinte, aí iam fazer a sua ginástica e exercícios respiratórios!
Recordo igualmente a série de reuniões de finalidade alheia aos planos docentes da respectiva escola - e algumas até com prejuízo para o seu ensino - que se têm realizado no edifício do Instituto Superior Técnico, à falta de melhores instalações.
De transigência em transigência chegou-se já aí ao espantoso espectáculo, nada edificante pedagogicamente, de se ver convertido em sala de restaurante, para a realização de um banquete de confraternização da administração e pessoal de uma empresa privada muito conhecida, o seu próprio salão nobre!
Isto na primeira escola superior ide engenharia do País!
Parece-me também que há motivos para se reparar que entre tanto dinheiro gasto em quinze anos não tenha havido algum, para pôr a salvo, ou em condições de melhor recato, preciosidades culturais sem preço que, uma vez perdidas, nada mais as poderá substituir e que pessoas com responsabilidade no assunto nos têm dito, aqui e na imprensa, estarem, por exemplo, em risco de iminente destruição ou ruína, por falta de instalações adequadas, na Biblioteca Nacional, na Torre do Tombo, etc.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Julgo igualmente, à face dos números que agora vemos, que se não pode também deixar de dar muita razão a todos aqueles que, por motivos pedagógicos ou culturais, ou simplesmente por obediência ao mais prosaico princípio do «produzir, poupar e exportar», se queixam amargamente de apenas se haverem gasto 0,07 por cento e 0,02 por cento das despesas totais, respectivamente, com a construção de escolas técnicas e com a instalação de centros de investigação ou estudo científico e técnico.
Por último - e voltando de novo à apreciação na generalidade para concluir esta rápida crítica - julgo que duas observações gerais finais importantes se podem ainda fazer sobre a execução da Lei n.º 1:914, sobretudo quando se lêem com atenção os relatórios parciais dos vários Ministérios.
A primeira - de que já aqui se falou a propósito do desemprego no Alentejo e que se salienta agora melhor com o gráfico de despesas anuais apresentado pelo Ministério das Obras Públicas - é a de que foi talvez pena não se ter podido desfasar o mais possível os períodos da* inflação monetária e das realizações, por forma a que as despesas com estas últimas jogassem como amortecedoras, e não como amplificadoras, das crises de inflação e de deflação provocadas pela guerra de 1939-1945.
A segunda observação é a de que choca um pouco - pelo menos a mim tal me sucedeu, confesso-o sinceramente - verificar que, com uma frequência maior do que seria para desejar, se adoptaram como instrumento normal de trabalho - não como inventário de necessidades gerais, a rever periodicamente, em que tal orientação tem indiscutíveis vantagens - planos de amplitude demasiadamente desproporcionada às possibilidades de realização mais imediatas.
Tal é o caso, por exemplo, do Plano dos Centenários, em que de 7:180 edifícios escolares previstos só puderam ainda ser feitos 1:187 em oito anos e meio; dos planos da rega e do povoamento florestal e de outros, em relação aos quais se tenham de fazer confissões como estas, que constam nos relatórios de vários Ministérios:
Quanto à execução dos planos estabelecidos, verifica-se que, apesar do volume do trabalho produzido, não foi possível levar a final qualquer daqueles cuja execução competia ao Ministério das Obras Públicas e o facto provém das seguintes causas...
As dificuldades com que deparou o programa de colonização interna, definido pelo Decreto-Lei n.º 36:054, podem concretamente avaliar-se pelo facto de só terem podido, de 1947 a 1949, utilizar-se 31:500 contos dos 107:220 que foram postos à disposição da Junta para esse fim.
Está, portanto, sensivelmente em metade a execução do conjunto de obras e melhoramentos... (porto de Lisboa).
O ritmo dos trabalhos realizados não acompanhou o previsto na maioria dos casos... (C. T. T.).
Sr. Presidente: é certo que parte destes atrasos tiveram a sua explicação em dificuldades de vária ordem criadas pela guerra.
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Noutros fica-se, porém, com a impressão de que não foi só isso e que talvez se encontre a sua melhor explicação no facto de se haverem talhado demasiadamente por Largo para as nossas possibilidades reais os respectivos esquemas normais de trabalho.
Fará mim parecia-me por isso orientação mais aconselhável dispormos as coisas de modo a estudarmos os vários assuntos sobre inventários de necessidades ou programas elaborados e actualizados periòdicamente pela forma mais ampla possível, mas, pelo que respeita propriamente aos planos de execução, só nos servirmos de esquemas de realizações proporcionados e precisos, sobre os quais pudéssemos concentrar o máximo dos nossos esforços e vê-los cumpridos em prazos de tempo aceitáveis.
Numa palavra: compilar tarefas sim, para podermos apreciar melhor em conjunto as respectivas soluções, mas parcelai-las depois, para as realizarmos com o ritmo mais adequado de cada época de trabalho, sem se correr o risco de se estender demasiadamente o período da sua execução e por tal modo que ao chegar-se aos escalões finais dos planos já talvez a visão ou soluções mais ajustadas aos problemas sejam outras.
Estas, Sr. Presidente, são algumas das principais observações de ordem geral que julgo que se poderão fazer de boa fé sobre a execução da Lei n.º 1:914, sem necessidade de ir buscar aspectos de demasiado pormenor, que não teriam cabimento numa discussão desta natureza.
Ao fazê-las nem sequer original se é, pois que de uma forma ou de outra elas já têm sido assinaladas noutras ocasiões, em discursos, decisões ou documentos de responsabilidade governamental, desta Assembleia ou da Câmara Corporativa e até de simples particulares que se dedicam ao estudo destas questões.
Se as recordei foi apenas com um fim construtivo: o de tirar da lição de um passado alguns ensinamentos que me parecem dever interessar-nos para a definição dos rumos da nossa orientação futura.
E qual deverá ser então essa orientação?
Suponho que não precisamos de fazer grande esforço paxá a encontrar: falam por si, exuberantemente, a experiência já vivida; a realidade irremovível das necessidades fundamentais de uma população em crescimento constante num mundo convulsionado e as fatalidades geoclimáticas do torrão em que elas se têm de desenvolver.
De resto, o Sr. Presidente do Conselho, com aquela muito sua e discreta forma de salientar os rumos próprios de cada hora, muito clara e incisivamente a deixou esboçada com estas palavras, no seu último discurso de 12 de Dezembro passado:
Temos de ser muito severos nos gastos e moderados nas ambições...
Por mim preferia catalogar e inscrever entre as. despesas ordinárias aquelas despesas que são exigidas pelo desenvolvimento dos serviços, como as de instalações, mas não se podem considerar reprodutivas.
E ainda:
Eis por que, mais do que uma lei ambiciosa, se me afigura corresponder às circunstâncias actuais um plano modesto de fomento, a executar em meia dúzia de anos e ordenado para a satisfação de algumas das maiores e mais prementes necessidades do povo português.
Não se pode querer tudo ao mesmo tempo e é a altura de definir critérios de preferência.
Julgo que muito dificilmente se poderá ser mais precise ao pretender-se traduzir honestamente, em poucas palavras, a lição de uma experiência e a aspiração de um possível.
Por mim dou-me plenamente por satisfeito com tal orientação e passo, por isso, a ocupar-me, nos assuntos que melhor conheço, do enunciado de algumas das realizações que me parecem ter cabimento num tal plano «preciso e restrito», a executar em meia dúzia de anos, com um espírito impregnado do mais profundo sentimento humano e sob um lema que Virgílio mão enjeitaria: Pelo pão e pela enxada!...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: na minha intervenção em 6 de Dezembro passado, a propósito da Lei de Meios, tive a ocasião de procurar ilustrar, com meia dúzia de exemplos, as razões de ordem técnica que por enquanto me pareciam contra-indicar a ideia de uma programação económica em grande escala neste momento - o que muito naturalmente iremos poder fazer, certamente, no fim destes seis anos - e antes aconselhariam à definição de um sistema de critérios ou princípios básicos que nos ajudassem a conduzir as questões de fomento económico neste período de transição que temos de atravessar.
O ponto de vista pode ter parecido estranho, sobretudo partindo a afirmação de um técnico, que, como todo o bom engenheiro, tem sempre um amor muito especial pelos planeamentos como forma normal e mais eficiente de trabalho.
Sinto, porém, sinceramente que uma tal opinião corresponde, de facto, pelo menos para mim, a uma realidade que nada lucraremos em tentar disfarçar e antes só temos vantagem em procurarmos pôr bem a nu, para lhe darmos o remédio adequado nestes seis anos que se vão seguir.
Penso até, por isso mesmo, que, como aqui já foi dito, chegou precisamente o momento de se dar corpo a uma velha sugestão do Sr. Deputado Araújo Correia sobre «a formação de um órgão coordenador encarregado do estudo e planificação do programa económico nacional» e que eu vejo, por sinal, com funções bem mais vastas do que essas: as de um verdadeiro Conselho Superior da Economia, na dependência do Ministério da Presidência por motivos óbvios, senhor duma preparação e depositário de uma experiência capazes de permitirem uma visão mais imparcial e universal dos problemas e mais conforme com uma certa linha de continuidade de doutrina do que aquela que lhe podem dar a paixão dos serviços ou flutuação dos critérios pessoais dos sucessivos Ministros que passem pelas diversas pastas a que estejam afectos assuntos de repercussão visível no complexo económico do País.
Aquilo cuja oportunidade se poderia discutir em 1935, pelo risco de se aviltar ou perder uma ideia feliz com a construção artificial de um tal organismo sobre a areia movediça de um desconhecimento quase total dos respectivos problemas, ou com as polémicas sem base e sem fim, acerca dos mesmos, tem hoje toda a sua razão de ser.
Dispõe-se já de uma experiência e de conjuntos de estudos de vários assuntos muito razoável, sente-se, visivelmente, a falta de um estado-maior para auxiliar o comando económico da Nação, existe já uma consciência colectiva em matéria de fomento económico: chegou, portanto, a hora de agir em mais esse campo. Que a Nação e o seu Governo o saibam compreender!
Sr. Presidente: sem, portanto, ter mudado de opinião, desde 6 de Dezembro passado, eu vou começar, por isso, por apontar alguns dos tais critérios ou princípios por que me guiei para fazer a selecção das reali-
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zações que me pareceram mais dignas de serem consideradas na elaboração do plano que estamos tratando.
Esses critérios foram os seguintes:
O do equilíbrio ou evolução harmónica das diversas actividades que interessam á vida da Nação;
O da maior necessidade ou utilidade dos empreendimentos;
O da unidade de planificação nas realizações conexas;
O da oportunidade, sequência e concentração de esforços e meios;
O da maior rentabilidade;
São, evidentemente, critérios simples e naturais, tão simples e tão naturais que quase pode parecer infantil preocuparmo-nos sequer em enunciá-los. Tente-se, porém aplicá-los, conciliando-os uns com os outros, na elaboração de qualquer plano de fomento e ver-se-á a disciplina espiritual, a que obrigam, não falando já nas mil e uma questões, importantes que nos forçam a esclarecer e a associar antes das realizações e que doutro modo quase nos passariam despercebidas com os consequentes riscos de surpresas posteriores desagradáveis.
De resto, se se notar bem, foram desvios de princípios gerais dessa ou doutra natureza que, provocaram os reparos mais importantes que hoje se fazem sobre a execução da Lei n.º 11:914.
Vejam V. Ex.ªs: é o desequilíbrio do desenvolvimento de tal ou tal tipo de realizações em relação ao, ritmo geral do conjunto ou, das actividades afins; é a obra mais necessária ou útil que é preterida por aquela que interessa mais politicamente; é a fábrica de adubos ou a instalação que se monta antes de haver energia, ou linha para o seu transporte; absolutamente indispensáveis para se para a fazer andar; é a obra que encarece por se arrastar mais anos do que deve, porque se não dotou ou executou com o ritmo mais aconselhável á sua economia; é a obra sumptuária que se preferiu á reprodutiva, etc.
Como quer que seja, porém, a primeira questão fundamental que a disciplina destes princípios nos obriga a pôr é a seguinte: quais são os mínimos de realizações que efectivamente se julga absolutamente necessário satisfazer nos vários sectores nos próximos anos, qual o seu custo provável e qual o somatório de meios de que se calcula poder dispor para o efeito?
Compreende-se, a dificuldade da resposta, como se compreende que só o Governo, com todos os elementos de informação de que dispõe, poderá estar em situação de a fornecer nas devidas condições.
Por mim, e a falta dela, sou levado a aceitar que a ordem de grandeza de 911:000 contos das despesas extraordinárias e a distribuição das mesmas indicada no Decreto 11.º 38:145 - que regula as receitas e despesas do Estado para 1951 - corresponderão ás disponibilidades de recursos normais possíveis nas actuais circunstâncias e á satisfação dos encargos mínimos impostos pelos compromissos tomados anteriormente para a execução de obras já iniciadas e que não podem, evidentemente, ser suspensas.
Se assim é, uma outra questão prévia se levanta também imediatamente, a qual é a de saber-se se temos ou não meios internos ou externos de elevar aquela dotação anual de 900:000 contos nos próximos seis anos, pois, se não os temos sinto ser quase materialmente impossível dar de repente, e em prejudicar gravemente o andamento de trabalhos ou planos já em execução- o que não é admissível por motivos óbvios- , um outro rumo á orientação até agora seguida sobre a matéria, e isto porque as realizações a que me vou referir serão precisos, com toda a facilidade, 3 ou 4 milhões de contos, de que parte, evidentemente, tem de ser coberta pela iniciativa privada, mas que outra parte, não menos importante, tem de ser suportada pelo Estado.
Feita essa ressalva e admitindo que tudo correrá pelo melhor, a confrontação daqueles princípios com a obra já realizada, com os aspectos fundamentais do problema demográfico e do pleno emprego, em Portugal e das responsabilidades que nos advém como nação emigrantemente cristã e ultramarina impõem-nos sem dúvida alguma, como tarefas fundamentas no campo económico, nos próximos seis anos, e como bem já salientou também o Sr. Deputado Mendes do Amaral;
A produção de alimentos;
A criação de novas fontes de ocupação e trabalho;
A extensão ao campo económico do mesmo principio de unidade imperial que vamos defender a propósito da revisão constitucional.
É, evidente que, como coadjuvantes da solução deste tríplice problema, todos os auxílios, são benvindos: a exportação, a emigração e a colonização, o turismo, a prestação de serviços externos ( com a marinha mercante, etc.,), etc.
A chave fundamental da questão encontra-se porém com é óbvio e era de esperar, no fomento da agricultura e da industria e da respectiva organização.
Tem-se perdido, às vezes, muito tempo a discutir qual das duas referidas formas de actividade deve Ter a prioridade. O problema, pelo menos para mim, não tem discussão possível, e só espante que haja ainda espíritos que o não tenham compreendido.
Com efeito, tal como na agricultura, a economia nacional, será tanto mais sólida e menos sujeita aos reflexos das crises quanto mais diferenciadas e melhor organizadas forem as suas actividades.
Não há, pois, que defender só a agricultura ou só a industria, ou, dentro, de qualquer delas, só tal ou tal tipo de actividade específica.
Há que fomentar pelo contrário a maior multiplicidade possível de actividades economicamente viáveis e imprimir-lhes a unidade de orientação necessária e suficiente para tirar delas o maior partido possível.
Apoiados.
Dai resultam, como corolários imediatos, a conveniência de uma política no sentido de uma industrialização mais equilibrada com as actividades agrícolas que já exercemos e do reforço da produtividade e pluralização destas pelo auxílio da extensão científica, da industria e da rega.
A evidência, da necessidade desta orientação ressalta tanto mais quanto é certo que, salvo, certas excepções, muito honrosas, a nossa indústria só com muita dificuldade tem conseguido abrir caminho através da concorrência estrangeira, e isto porque,:
Os mercados internos nacionais são, no geral, demasiadamente restritos para permitirem à maior parte das indústrias o seu funcionamento no ponto óptimo de produção;
A sua técnica e a organização são ainda incipientes;
A mão-de-obra, as matérias-primas, a energia e o crédito no geral, caros como consequência das suas deficiências ou faltas.
Na fase actual da respectiva evolução em que se encontra, a indústria portuguesa, antes de poder contar com os mercados estranhos - o que seria o ideal, por todos os motivos -, terá de se dirigir, por isso, principalmente, á satisfação das necessidades dos mercados internos; aqui e além-mar, onde o poder de compra destes é ainda, na sua maior parte, função do fruto da exploração da terra.
Fomentar a agricultura e a silvicultura é, pois, ipso facto, fomentar a indústria, e fomentar esta - sobretudo em matéria de fabrico de adubos, insecti-
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cidas, maquinaria, transformação ou conservação dos produtos do trabalho daquelas - é fechar o ciclo ideal que de momento mais se adapta às nossas condições actuais e que nos pode vir a dar o fôlego que precisamos para a preparação da conquista de mais largos horizontes de expansão: os mercados estrangeiros. Qual a influência que estes podem vir a ter na estruturação e elevação do nosso nível económico mostra-o bem a euforia dos negócios e dos níveis de vida de 1940 a 1948 e a sua réplica na deflação a crise de desde então para cá.
Esta sequência de raciocínios levou-me, por isso, ao seguinte esquema de prioridades de realizações nos anos que se vão seguir:
Na metrópole:
Produção de energia eléctrica e expansão da sua distribuição, com vista, principalmente, à electrificação rural, à indústria e à rega individual, com águas de profundidade ou fluviais, propriedade a propriedade;
Fomento equilibrado da agricultura, da silvicultura, da pecuária e da pesca e da indústria, em geral, com especial carinho, porém, pelos seus problemas de contacto; pelas questões ligadas à «extensão científica e técnica» às mesmas; pelo desenvolvimento ou montagem das indústrias-bases dos adubos e do ferro e das de insecticidas e maquinaria para a agricultura; pelo desenvolvimento da pesca e da criação de gados e produtos seus derivados (lãs, peles, lacticínios, etc.) e pela criação de um sistema adequado e eficiente de conservação dos alimentos e pastos (pelo frio, ensilagem, etc.);
Grandes aproveitamentos hidroagrícolas e povoamento florestal;
Aperfeiçoamento do sistema de transportes, em geral, mas muito particularmente no que se refere às vias de comunicação rurais, aos caminhos de ferro e à expansão do porto de Leixões, esta só na hipótese de a montagem da siderurgia e da indústria pesada no Norte, como parece provável tal vir a exigir.
Em relação à estranheza que, possivelmente, causará a muitos de VV. Ex.ªs a posição de 3.º lugar que dei à grande rega e ao povoamento florestal, eu justifico-a pela seguinte forma, sem deixar de reconhecer que são dois dos mais poderosos instrumentos de fomento de que podemos dispor:
Pelo que respeita à rega em grande escala por meio dos grandes aproveitamentos hidroagrícolas, confesso que tenho certas preocupações, que ainda ninguém conseguiu desvanecer satisfatòriamente, acerca desta questão prévia, que julgo fundamental: se o problema, de facto, se acha já suficientemente esclarecido entre nós para nos podermos lançar a ele afoitamente em maior escala, sem receios de surpresas futuras.
A circunstância de até agora só se terem regado pouco mais de 10 por cento da área inicialmente prevista numa primeira fase não sei se não será um índice até de alguma coisa mais do que as dificuldades trazidas pela guerra.
As dificuldades que com frequência se ouve dizer terem sido encontradas, por exemplo, na reintegração dos capitais investidos nas obras; nos problemas da distribuição equitativa dos benefícios e das mais valias produzidas pelas mesmas; nos riscos de exaustação da própria terra no caso de certos aproveitamentos ou no de virem a verificar-se em certa altura sobreproduções sem colocação possível na cultura do arroz, precisamente uma das poucas com que parece terem-se encontrado melhores resultados e maior entusiasmo nas áreas já regadas; na expansão da cultura da beterraba sacarina, que parece ser das que estariam mais imediatamente indicadas para a aplicação da água da grande rega, com os consequentes benefícios que aqui nos foram apontados há poucos dias pelos Srs. Deputados Melo Machado e André Navarro, e ainda em várias outras questões, devem levar, a meu ver, a caminhar-se com prudência, não nos abalançando ao início de novos projectos de aproveitamentos sem se ter esclarecido satisfatòriamente o problema com aqueles que já estão em curso.
Até lá, atendendo a que seis anos passam depressa e não chegarão talvez para concluir os projectos começados e porque a experiência está ainda por fazer em grande escala, não obstante os curiosos resultados aí já obtidos, eu preferia aplicar os capitais disponíveis, se os houver, no fomento, devidamente vigiado, da produção agrícola, através de uma «extensão técnicas eficiente e da lei dos melhoramentos agrícolas, dirigindo os auxílios desta fundamentalmente no sentido da rega por pequenas barragens e águas de profundidade, da ensilagem e instalações de nitrificação e do desenvolvimento de indústrias agrícolas, indiscriminadamente por todo o País e nos locais em que tal se mostrasse econòmicamente conveniente ou vantajoso para a irradiação até das novas práticas agrícolas que se julgue conveniente introduzir nos vários meios rurais.
Pelo que respeita ao repovoamento florestal, as suas vantagens são óbvias e indiscutíveis, até mesmo como protecção das obras de aproveitamento hidroagrícola ou hidroeléctrico.
Como os seus benefícios são, porém, de fruição retardada e nós temos que, de momento, andar depressa em matéria de aumentos do rendimento e fontes de trabalho nacional, eu condicionaria de momento o seu desenvolvimento às necessidades de protecção daqueles aproveitamentos e às disponibilidades financeiras sobrantes ou existentes para o fomento económico em geral.
E pelo que respeita ao fomento no ultramar?
É evidente que cada província ultramarina tem o seu esquema de prioridade próprio, diferente do da metrópole, e em que estão logo à cabeça as comunicações e o fomento agro-pecuário, seguidas de perto pelo desenvolvimento de certas indústrias de alto interesse local, como a da preparação de óleos, fibras, açúcar, fabrico de adubos azotados a partir do hidrogénio químico obtido na gaseificação de combustíveis de produção local, produção e exportação destes, etc.
É assunto, porém, para que me não sinto com competência para tratar, pensando, no entanto, sobre a orientação geral do mesmo o seguinte:
1.º Que há de facto aspectos de fomento agro-pecuário e industrial da metrópole e ultramar que muito lucrariam em serem vistos em conjunto, a uma luz mais íntima e realística que a actual;
2.º Que, atendendo à nossa manifesta insuficiência actual de meios para realizarmos uma obra de fomento económico de envergadura, mesmo só na metrópole, o fomento ultramarino, pela maior extensão de territórios e necessidades a que se dirige, deve merecer a maior atenção no sentido da melhor aplicação possível de todos os recursos disponíveis para o efeito. Lembro a propósito que a expansão substancial das exportações em algumas províncias lhes deve ter permitido fazer capitalizações apreciáveis, que devem ser canalizadas a tempo e convenientemente para o fomento
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dessas mesmas províncias para não suceder como na metrópole depois da guerra, que parte dela esvaíza em despesas de carácter meramente sumptuário ou de puro desperdício.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Sr. Presidente: falta-me precisar ideias sobre os principais empreendimentos cuja realização parece dever encarar-se nos próximos anos.
Quanto a mim e tendo apenas em atenção o campo restrito do esquema a que atrás me referi e dos assuntos em que me sinto, mais à vontade - a electricidade e a indústria -, creio que haverá vantagem em se seguiram os seguintes caminhos:
Em matéria de aproveitamentos hidroeléctricos.
Como, muito bem têm feito notar muitos daqueles que ao assunto o têm dedicado, qualquer plano de aproveitamento hidráulicos, independentemente dos problemas técnicos melindrosíssimos que por vezes se levantam, no seu estudo e execução, representa quase sempre uma das mais delicadas tarefas de julgamento e conciliação de aspectos em que o engenho, a inteligência e o bom sendo dos homens melhor podem ser postos á prova.
Razões essas, portanto, mais do que suficientes para que ao tomarem-se decisões se afastem do nosso espírito todas as ideias preconcebidas ou apaixonadas sobre o mesmo, pois que nos podem fazer correr o risco de sermos levados a uma visão deformada ou unilateral do problema, e esta não é certamente a que nos convém; qualquer empreendimento só é verdadeiramente profícuo na medida em que organicamente se harmoniza com o complexo técnico, económico e social em que se integra.
Tem por isso, razão o Sr. Deputado Araújo Correia e outros ilustres técnicos e economistas quando defendem o principio de que ao estudar-se um aproveitamento se não podem nem devem de forma alguma esquecer as várias facetas que no mesmo concorrem e que ao realizar-se a obra esta deve ficar servindo a unidade de um todo, e não só as fracções de uma das suas partes.
Tem igualmente razão o Sr. Ministro das Obras Públicas quando pensa e nos diz - como o fez no seu discurso no passado dia 21 de Janeiro na central de Castelo de Bode - que a execução de qualquer plano de aproveitamentos hidroeléctricos "resultará proveitosa quando acompanhada de medidas tendentes a tornar possível o aumento de consumo - pelo sempre moroso e caro alargamento das linhas de transporte e redes de distribuição - e a fomentar esse aumento através de uma política tarifária baseada no principio de que o preço de venda da energia só pode descer quando aumenta o consumo, e este aumento só terá lugar quando baixe o preço de venda".
0ra todos os que trabalham em questões de electricidade sabem que a evolução, do respectivo consumo em quase, todos os países se verifica - excepção feita dos desvios momentâneos - segundo uma lei bem concluída, em que a taxa do incremento anual anda, no geral, à volta de 7 por cento, o que corresponde a uma duplicação do consumo entre o início e o final de cada período de dez anos. Aplicada ao caso português essa lei, diz-nos, por isso, que temos obrigação de nos prevenir com tempo para satisfazer necessidades mínimas do consumo da ordem dos 1:550 milhões de kWh em 1955 e dos 2050 milhões de kWh em 1960, isto sem contar com o consumo nas grandes indústrias electroquímicas e electrometalúrgicas, cujos esquemas de desenvolvimento ainda se não acham suficientemente esclarecidos.
Estas previsões de consumo correspondem a necessidades de aumentos de produção anual de energia da ordem dos 600 milhões de kWh até 1955 e aos l:200 milhões de kWh até 1960, isto é, o equivalente à produção de duas e de quatro centrais iguais à do Castelo do Bode, respectivamente!
Quando se confrontam com serenidade estes números e o esquema, dos aproveitamentos hidroeléctricos mais imediatamente possíveis ou realizáveis, duas conclusões podem tirar-se imediatamente:
A primeira é a de que, por muito depressa que venhamos a andar, já o devemos conseguir fazer acompanhar à evolução das necessidades do consumo e a do aumento da produção de energia, hidráulica, sendo a partir de 1955, e lutaremos, portanto, sempre com deficits desta;
A segunda é a de que, não só por esse facto, mas ainda pela conveniência ao se tirar do conjunto dos nossos recursos energéticos o melhor partido futuro possível, se impõe a estruturação, quanto antes de uma política integral da energia, isto é, respeitante não só á electricidade, mas ainda aos combustíveis, ás fontes de energia nuclear, etc.
Claro está que para essa estruturarão se torna indispensável assentar definitivamente e antes de mais nada num certo número ao critérios fundamentais relativos á produção, à distribuição, aos regimes tarifários, ao estudo e utilização racional aos vários recursos energéticos, etc.
Pareceram-me, por isso, muito oportunos os esclarecimentos prestados ao País pelo Sr. Ministro das Obras Públicas no passado dia 21 ao Janeiro sobro as razões que levaram oportunamente o Governo a decidir-se pela escolha do Zêzere o do Cávado, este com o fiou afluente Rabagão, para início dos primeiros grandes aproveitamentos hidroeléctricos.
Apoiados.
Salva a contra-indicação, em relação ao Cávado-Rabagão, das condições especiais tectónico-geológicas da região, tratava-se de facto, e sob váriospcnto9 e vista, de dois do.9 mais interessantes aproveitamentos hidroeléctricos ao País, com a vantagem de, por serem rios totalmente portugueses, não se porem a seu respeito quaisquer dúvidas quanto ao grau de liberdade e segurança na utilização das respectivas águas.
Por melhores que pudessem ter sido os argumentos a favor da prioridade de aproveitamento de outros rios - que então ainda nem sequer haviam começado a ser estudados -, uma das alternativas mais razoáveis que hoje se deve pôr é, evidentemente, a de começar por se acabar o que já se principiou, com a reserva, quanto ao Cávado, de se não minimizarem outra vez as condições tectónico-geológicas próprias da região, que a experiência do 1.º escalão já demonstrou deverem ser merecedoras da maior ponderação e cuidado.
Se tudo correr pelo melhor, o aproveitamento total desses rios poderá estar concluído em 1956, com um aumento de produção de energia hidroeléctrica na ordem dos 800 milhões de kWh anuais e com a vantagem, como aflui já disse o Sr. Deputado Sá Carneiro, de se poder diluir muito substancialmente o preço de custo obtido com o escalão da Venda Nova.
Ficariam assim pràticamente satisfeitos os aumentos de consumo previstos até essa altura, tanto mais que existem outros aproveitamentos - requeridos por outras empresas concessionárias que poderão também ser concluídos durante esse período de tempo.
Não pode, porém, esquecer-se uma circunstância fundamental, que deve levar a alterar aquela ordem de aproveitamentos, sobretudo no Norte do País.
Com efeito, como se sabe, parece ter chegado a altura de nos decidirmos, francamente, sobre o que vamos
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afinal fazer em matéria de electroquímica e siderurgia, indústrias de importância decisiva para o desenvolvimento económico do País, mas em que só poderá pensar-se dispondo de grandes quantidades de energia ou de carvão a baixo preço, o que só é viável no caso da electricidade com energia temporária.
Se assim é, como por outro lado não podem verificar-se, sem inconvenientes graves, soluções de continuidade de uns planos de aproveitamentos para os outros e há que contar sempre com um número apreciável de anos entre o seu primeiro delineamento e a respectiva execução, é evidente que se acha também automaticamente posta a questão de saber qual dos nossos grandes rios - o Tejo ou o Douro - deve começar a ser aproveitado.
Por mim inclino-me francamente pelo Douro - em conjugação racional, evidentemente, com os seus principais afluentes - e pelas seguintes razões:
1.º É dos dois sistemas aquele que, muito de longe e mais facilmente, poderá dar maiores volumes de energia a preço aceitável, tanto permanente como temporária;
2.º É aquele cujos estudos estão não só mais avançados como parecem indicar possibilidades reais de caudal de maior confiança;
3.º Por feliz coincidência, com tal aproveitamento hidroeléctrico torna-se não só esse rio navegável - tão importante para uma região agrìcolamente rica como é o Douro - como se completa um esquema de condições -energia, minérios de ferro e mão-de-obra abundantes, carvão e transportes fáceis e acessíveis - que fazem do Norte a região ideal do País para a montagem da rainha das indústrias: a siderurgia.
Por outras palavras: entre um rio como o Douro, de interesse eminentemente industrial já bem conhecido - portanto com possibilidades de maior e mais rápido aumento do rendimento nacional -, e um rio como o Tejo, de interesse particularmente hidroagrícola - tão importante como o industrial, mas, infelizmente, ligado às debatidíssimas questões que suscita a rega em grande escala -, eu julgo que não é possível hesitar neste momento.
Concordo, por isso, plenamente com o esquema de aproveitamentos hidroeléctricos sugerido para os próximos seis anos pelo Sr. Ministro das Obras Públicas no passado dia 21 de Janeiro: Cabril, Salamonde e o conjunto dos primeiros escalões do Douro, Côa e Távora, representando uma produção anual total de cerca de 1:000.000:000 de kWh permanentes e 100.000:000 temporários e uma despesa, aos preços actuais, de cerca de 1.600:000 contos.
Creio mesmo que será muito difícil sugerir qualquer outro esquema de aproveitamentos em que se conciliem ao mesmo tempo tantos aspectos de tão alto melindre e interesse para os problemas técnicos em questão, considerados em si mesmos, como nas novas perspectivas que ora se rasgam ao progresso material do País.
Sr. Presidente: feitas estas muito breves considerações a propósito da produção, há agora que completá-las, dizendo ainda alguma coisa sobre a distribuição e, sobretudo, sobre a necessidade de se assentar, quanto antes, nas bases de uma «política nacional da energia», no sentido integral em que tal expressão deve ser tomada, isto é, de orientação não só das questões de produção, distribuição e regimes tarifários da electricidade, mas muito principalmente da utilização racional, ou mais conveniente para o desenvolvimento do País, de todos os seus recursos energéticos em geral, metropolitanos e ultramarinos: electricidade, combustíveis, fontes de energia nuclear, etc.
Nos termos da Lei n.º 2:002, de 26 de Dezembro de 1944, ou da electrificação do País, como ela é vulgarmente conhecida:
O Governo auxiliará o estabelecimento das linhas de transporte e de grande distribuição, com respectivas subestações, por meio da concessão de empréstimos até ao limite de 50 por cento do seu custo, devendo o início do pagamento das anuidades de juro e amortização ser diferido pelo tempo indispensável, sem que a taxa de juro, a fixar à data da concessão, possa exceder a do desconto do Banco de Portugal.
As empresas concessionárias da grande distribuição .(alta tensão) ficam especialmente obrigadas ca levar energia de tensão não inferior a 6 kV nem superior a 30 kV a todas as cabeças de concelho dentro da sua concessão, desde que nelas seja instalado um serviço público de distribuição em baixa tensão (base XVI).
A pequena distribuição de energia eléctrica será feita por federações de municípios ou por municípios não federados, por si ou seus concessionários, podendo o Estado comparticipar até 50 por cento nos encargos com o resgate das concessões que tenham de passar para a posse e administração dessas federações.
O Estado comparticipará ainda nas despesas com a instalação de novas redes para a pequena distribuição, numa percentagem que poderá ir até 50 por cento do custo das mesmas, quando pertencentes a federações, mas que poderá ser excedida em casos de reconhecida insuficiência de recursos dos municípios não federados e suas freguesias interessadas. Este último auxilio poderá ser dado também aos concessionários dos municípios não federados, relativamente às instalações não consideradas obrigatórias pelos actuais cadernos de encargos (bases XIX, XXII e XXIII).
Toda esta orientação traduz, a meu ver e de forma que considero muito feliz, a solução mais aconselhável para o caso do problema da electrificação em Portugal.
Nenhum técnico que dele se tenha ocupado desconhece, com efeito, que a realidade desse problema é esta entre nós:
1.º Com a nossa escassa centena de kilowatts-hora por habitante e por ano ocupamos ainda das mais baixas posições na escala das capitações dos diversos países da Europa;
2.º A baixas capitações correspondem, implicitamente, utilizações más das redes eléctricas, que, construídas e mantidas para funcionarem nas 8:760 horas que tem cada ano, são afinal frequentemente utilizadas entre nós num tempo que não chega sequer a atingir as 2:600 horas, ou seja o equivalente apenas a cerca de 30 por cento da capacidade total anual de transporte das mesmas;
3.º Com baixas utilizações o preço médio de venda da energia em baixa tensão será, evidentemente, sempre caro, pois que os encargos totais de primeiro estabelecimento, de conservação e de exploração das redes terão de ser suportados por um pequeno volume de energia e, portanto, de consumidores.
Basta que se diga que dos dezoito distritos que compõem o País nove deles - os do litoral, desde Viana do Castelo a Setúbal - consomem pràticamente cerca
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de 90 por cento de toda a energia produzida no País e dos outros, um - o de Bragança - não tem praticamente sequer 1 quilómetro de linhas de alta tensão!
Pois, apesar disso, é muito frequente encontrarem-se vilas electrificadas lia quase trinta anos, mesmo no coração desses distritos mais avançados, em que as densidades de consumo por quilómetro não vão além, respectivamente, dos 7:500 e dos 5:000 kWh por ano dois ramais de alta tensão e das redes de baixa tensão que as servem.
Lembro, a título de comparação, que esta última densidade de consumo é cerca de trinta vezes menor que na cidade do Porto!
Como os encargos anuais só com a reintegração e juro do capital de 1.º estabelecimento e com as despesas de conservação de 1 quilómetro de ramal de alta e de 2 quilómetros de rede aérea de baixa - proporção muito corrente nas redes das províncias -, andam pela ordem dos 15 contos por ano - ou seja perto de 1650 por kWh vendido!-, far-se-á assim uma ideia - quando o peso dos encargos é esse nas pequenas cidades e nas vilas das províncias há tanto tempo electrificadas - de quais serão as dificuldades do problema em regiões, como a do Nordeste ou no Baixo Alentejo o Algarve, que pela primeira vez se queiram o devam abrir mais imediatamente a esse beneficio.
E, todavia, uma electrificação satisfatória de todas as regiões do País que ainda a, não conhecem não deverá andar muito longe dos 2.000:000 de contos, importância tão vultosa que, antes de mais nada, nos devo levar a estudar imediatamente - como aqui disse em sessão de 6 de Dezembro passado- a possibilidade de se reduzirem os encargos dos nossos actuais processos do construção de linhas e redes, aproveitando a experiência de outros países na matéria.
Não hesitemos, portanto. As conclusões estão tiradas o a experiência está ja feita: as empresas não se dispõem, evidentemente, a construir totalmente à sua custa linhas ou redes que de antemão sabem que lhes darão só prejuízos, ou não podem ser amortizadas antes de passarem para a posse definitiva do Estado ou dos municípios, no final das respectivas concessões; os municípios e as populações interessadas silo natural o normalmente muito mais ricos de ambições de electrificação do que de meios para as realizar; o Estado, por sua vez, o excepção feita da sua comparticipação na Companhia Nacional de Electricidade e dos auxílios através do Fundo do Desemprego, tem estado até agora muito longo de prestar aquele auxilio substancial que se torna indispensável para que a electrificação, sobretudo boa meios rurais, possa ter aquela expansão rápida que razões de ordem económica e de melhor arrumação demográfica impõem.
0 circulo vicioso das tarifas caras por falta de consumo e do fraco consumo por causa das tarifas caras tem, porém, de ser quebrado o só vejo possibilidade de o
fazer nas condições favoráveis para o custo da energia tomando o Estado sobre si - como o fez para as estradas, portos o outras realizações de alto interesse público não imediatamente o encargo de suportar, na medida do necessário, as despesas de 1.º estabelecimento das linhas e redes rurais cuja construção não sejam economicamente viável de outra formo.
Pode objectar-se que a solução representa mais um grande encargo a suportar pela geração actual a favor das seguintes ou que tem contra si o problema melindroso de o Estado subsidiar linhas ou redes que ficam a ser exploradas por entidades privadas.
Tais dificuldades são, porém, mais aparentes do que reais, pois que, quanto ao primeiro inconveniente há o recurso aos empréstimos públicos, com que usam endossar-se às gerações futuras a parte de sacrifícios que lhes compete, e, quanto ao segundo inconveniente, há que não esquecer que no final das concessões todas as instalações de alta ou baixa tensão revertem, gratuita e respectivamente, para o Estado ou para os municípios, não havendo, portanto, possibilidades do locupletamente a favor de entidades privadas se o assunto for conduzido com a seriedade que deve e é habitual.
De resto, o problema de financiamento dos grandes aproveitamentos hidroagrícolas tem aspectos muito semelhantes e este o não têm aterrado ninguém.
Não querendo, porém, seguir-se aquela orientação então só há dois recursos: ou não electrificar, ou na fixação das tarifas das várias empresas onerar o custo da energia distribuída nas regiões mais ricas por forma a com osso sobrelucro poderem ser suportados os encargos com a construção das linhas e redes não remuneradoras das regiões mais pobres.
Esta solução tem, porém, a meu ver, a dificuldade de ser de aplicação mais melindrosa que a primeira e o inconveniente de se traduzir por mais um agravamento de tarifas, a juntar a tantos outros que já nos afligem, e com razão.
Seja, porém, como for, o que parece já fora de dúvida é que chegou a altura de, conjuntamente com o plano dos novos aproveitamentos hidroeléctricos, se estabelecer também um plano para o desenvolvimento da electrificação nas várias regiões atrasadas e assentar, com firmeza e precisão, as linhas gerais de uma conduta que, num futuro que suponho muito próximo, nos hão-de levar, fatalmente, à definição de uma "política nacional da energia", à luz da qual se terão de passar a ver, como já disse, não só as questões da produção, repartição, distribuição e tarifação propriamente da energia eléctrica, como também a candente questão da utilização mais racional de todos os nossos recursos energéticos: electricidade, combustíveis nacionais e de importação, fontes de energia nuclear, etc.
E pelo que respeita à indústria?
A esse respeito desejo antes de mais nada dizer que estava já há alguns meses preparando notas para um aviso prévio sob o título "A indústria portuguesa: seus problemas e soluções possíveis" quando foi anunciada a proposta governamental sobre o condicionamento industrial.
E evidente que o problema se reveste do aspectos bem mais sérios e complexos ainda do que os de uma simples preocupação de condicionamento ou de programação de realizações ou financiamentos.
Guardar-me-ei, por isso, para melhor oportunidade, para abordar convenientemente tão palpitante e debatido problema.
Entretanto desejo chamar a atenção para o facto porque pode-se relacionar com a necessidade de construção de instalações adequadas de que aí se faz também sentir a falta de um ensino à altura das necessidades do Pais e, sobretudo, de uma "extensão técnica" de alto nível prestada à pequena e média indústria
através de uma instituição de feição o orgânica especiais que, a propósito do aviso prévio sobre a investigação científica, visionei com o nome de Instituto
Nacional de Investigação o Auxílio à 1ndústria.
Creio ter sido um erro, que considero grave, ter-se extinto há três anos a Junta de Fomento Industrial, a quem, de resto se começaram logo por so atribuir só funções que sempre considerei como uma pequena parte apenas da actividade que um organismo desse género verdadeiramente deverá vir a desenvolver no nosso país.
A ideia, porém de se reduzirem ainda mais essas funções e de, a pretexto das muito discutíveis vantagens da centralização, se terem reduzido essas atribuições a uma simples repartição da Direcção-Geral dos Serviços Industriais parece-me muito infeliz sob todos os aspectos.
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Igualmente infeliz me parece a orientação que se tem às vezes seguido para a resolução de problemas sérios de se concentrarem os seus estudos em gabinetes de feição política ou em departamentos que amanhã têm de ser os próprios responsáveis pela sua aprovação e os fiscalizadores desapaixonados o mais rigorosos dos respectivos projectos e execução.
Temos de nos convencer de uma vez para sempre se verdadeiramente quisermos progredir no campo material - que uma técnica e ciência de altos níveis não se compadecem com ambientes burocráticos, nem com a preocupação de servirem de acesso à administração das companhias que tratam dos assuntos que lhos dizem respeito, nem muito menos com o amadorismo nem com corta selecção de valores que às vezes ainda por aí se vê fazer às avessas, nesse campo, em função apenas de factores ou critérios de ordem meramente pessoal nada recomendáveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - A eficiência técnica a organização e o crédito fácil ainda são hoje das armas mais poderosas de que os países se podem servir quando querem caminhar no sentido do aperfeiçoamento das suas indústrias.
Não brinquemos, então, com coisas tão sérias, para que não tenhamos ainda de vir a arrepender-nos tardiamente.
Quanto às grandes realizações de carácter propriamente industrial, creio também que, como disse o Sr. Presidente do Conselho, em 12 de Dezembro passado, as relativas às indústrias dos adubos e do ferro são daquelas sobre que mais concentradamente devemos dirigir a nossa atenção nestes seis anos que vão seguir-se, não só porque na base delas está o fomento da nossa agricultura e indústria, como ainda porque são daquelas em que mais imediatamente se podem realizar maiores economias de divisas na importação.
Como tive, porém, ocasião de aqui também dizer a propósito do debate da Lei de Meios para 1951, o avanço verificado nos últimos anos nos processos técnicos de produção nossas duas indústrias foi de tal natureza que talvez tenhamos de modificar bastante profundamente a nossa orientação inicial em matéria precisamente aos processos que vamos usar para o efeito.
0 problema que de novo se põe é este: energia eléctrica ou carvão mineral nacional? Este parece, de facto, vir a ser aquele que presentemente dará os mais baixos preços de custo dos produtos considerados - cerca de 40 por cento menos no caso do amoníaco por via química - se os novos métodos a que me acabo de referir se mostrarem apreciáveis entre nós e, sobretudo. se tivermos reservas suficientes de antracites para o ferro e de antracites ou lignites para os adubos.
Terão, além disso, a enorme vantagem de se poder começar a dar finalmente uma das utilizações mais nobres - a da fertilização da terra - a carvões como os de Rio Maior, com grandes dificuldades de aceitação noutros fins, o em cuja valorização já vão gastos muitos milhares de contos, que seria criminoso deixarem-se perder na inconcebível situação em que o Estado se deixou colocar, apesar de ser o principal capitalista, em certa empresa que promoveu, precisamente para o fabrico de adubos azotados por via química.
Enquanto quem de direito procede, porém, a esses estudos parecia-mo pelo menos prudente que se acabassem também por esclarecer definitivamente quais as verdadeiras reservas de minérios de ferro e de carvões nacionais que possuímos no País e em certas colónias, pesquisas que já duram há muitos anos e em que ja vão gastas também muitas dezenas de milhares de contos e cujos respectivos relatórios aguardam incompreensivelmente uma oportunidade de publicação que se não apreendo.
É evidente também que, se esta orientação da utilização dos carvões nacionais nas indústrias do ferro e dos adubos for aquela que técnica e economicamente vier a mostrar-se mais aconselhável, como temos poucos e maus carvões, devemos acompanhar o assunto com toda a atenção para a definição na devida altura de uma adequada política da utilização mais racional da energia eléctrica e dos combustíveis nacionais, problema porque me bati durante quase nove anos de direcção do organismo da coordenação económica respectiva, mas cujo feliz desfecho se frustrou com um simples despacho de "arquive-se", no ano de 1948, sobre um projecto de solução que oportunamente havia entregue.
Isto sem sequer ter sido ouvido previamente e após ter chegado a reunir pacientemente para o efeito, ao longo de muitos anos, mais de duas dezenas de milhares de contos num fundo corporativo que se esvaiu em fina, lidados totalmente diferentes daquela para que afinal ele inicialmente havia sido criado!
Sr. Presidente: estou, felizmente para VV. Ex.ªs, a chegar quase ao final das minhas considerações, suficientemente longas para ter fatigado mais do que devia VV. Ex.ªs (não apoiados), mas também, bastante curtas para mo não ter sido possível mais do que aflorar certos aspectos genéricos de alguns problemas em que me sentia mais à vontade.
Antes de terminar gostaria ainda de dizer qualquer coisa sobre duas questões, que estão há muito no meu pensamento e certamente no de VV. Ex.ªs também, o que são as seguintes:
Com que meios vamos pagar a execução deste plano de fomento?
Sob que espírito o vamos realizar?
Um simples apanhado dos encargos totais com os empreendimentos que indicámos e de outros que, embora não correspondendo a obras propriamente de fomento, não podem ser esquecidos, porque inclusivamente até estilo em curso, leva-nos facilmente à conclusão de que necessitaremos, na melhor das hipóteses, de um mínimo de recursos da ordem de 1.500:000 de contos por ano para os podermos levar a cabo.
A importância, embora talvez não fosse impossível de todo mobilizar em qualquer outra altura, como o demonstrou a experiência dos anos de 1947 a 1949, não parece ser fácil de conseguir, só com os nossos recursos, nas presentes condições do País o do Mando.
0 Sr. Presidente do Conselho o pressentiu já também e nos pos de sobreaviso contra a tentação de optimismos fáceis ou impensados ao dizer-nos o seguinte, quase no final do seu relatório sobre a execução da Lei n.º 1:914:
É certo que o recurso ao crédito externo não está vedado o em certas circunstâncias será aconselhável, para ganhar tempo, utilizá-lo; mas não se pode esquecer que a p lona independência em relação a bolsas estrangeiras nos permitiu nas duas últimas décadas apreciável liberdade de movimentos. É além disso salutar que, sempre que possível, o País conte sobretudo consigo, sem que isto signifique menor interesse ou simpatia pela cooperação do capital particular estrangeiro no desenvolvimento de algumas das nossas riquezas.
A síntese é como sempre feliz e diz tudo, até naquilo que não diz.
Aceitar e defender, em principio, um tal critério parece-me não só praticar-se uma doutrina eminentemente salutar como demonstrar intuição e senso das realidades e do carácter do povo a que se tem de aplicá-lo, não se tentando ao mesmo tempo iludir ninguém sobre os incon-
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venientes de vária ordem que se podem conter em qualquer outra orientação.
Vozes Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Os problemas demográfico o económico portugueses apresentam-se, porém, com um tal cariz e acuidade que não sei se será legitimo hesitar-se, por muito que custe ao nosso brio, em se recorrer ao capital estranho se não tivermos recursos próprios suficientes e aquele se nos oferecer em condições nacionalmente dignas o economicamente aceitáveis.
Só o Governo dispõe, porém, de elementos para decidir em cada momento como melhor convier nos superiores interesses da Nação, e certamente não o deixará de fazer se as circunstâncias o aconselharem.
E quanto ao espírito ou preocupação por que nos devemos guiar na execução de mais esta tarefa?
É já hoje um lugar comum invocarem-no como razões justificativas de qualquer plano de fomento económico e incremento demográfico e a necessidade do aumento dos níveis de vida das populações.
Os argumentos são, evidentemente, não só do peso, mas de um alcance social e humano indiscutível.
Infelizmente, porém vê-se por vezes o último ser agitado com uma indiferença o um à vontade que se fica na dúvida ao os que assim o invocam têm bem a noção da responsabilidade que assumem perante a sua própria - consciência até ao fazê-lo tão despicientemente e sem:
ao menos darem uma pálida ideia da dificuldade dos problemas que ao contêm em tão séria e delicada questão.
Daí o poderem vir a provocar-se dolorosas decepções, como uma certa que todos nós sabemos, ou um perigoso estado de alma daqueles que, não conhecendo os
fundamentos geoeconómicos de tão debatido problema, mas ouvindo falar com desenvoltura da facilidade do aumento do níveis de vida com as obras de fomento
- não poucas vezes vendo- os até exemplificados aos telas dos cinemas , acabam um dia por vir a verificar que o seu ou não mudou, uma das melhores hipóteses, ou fica muito aquém daquele que lho apontaram. E isto muito simplesmente porque a população do seu país cresceu ou porque as calamidades climáticas ou de guerra neutralizaram, entretanto, todo o esforço que havia já sido feito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Ora eu não digo que me chame já a atenção para o paradoxo que está vivendo a humanidade de nossos dias pretendendo estruturar aumentos estáveis
de níveis de vida sobre uma imensidade de ruínas, materiais e morais, que ela própria se tem encarregado de provocar e não poucas vezes nos parece estar disposta a fazer aumentar mais ainda.
Creio que se não poderá também esperar - porque a política está muito longe de se confundir com santidade- que se nos lembre que a moderação das ambições, o trabalho fecundo e a fé ainda são as melhores armas que nos podem assegurar a paz de consciência, e a felicidade, os únicos bens por que afinal ainda vale a
Pena lutar.
Parece-me, no entanto, que é pelo menos prudente chamar-se a atenção, no falar-se de possibilidades de aumentos de nível de vida em Portugal, que cada seu
incremento de 10 por cento - que praticamente pouco se fará sentir em relação ao nível anterior - equivale a qualquer coisa, nas condições actuais, como a um aumento brusco de 800:000 pessoas à nossa população, ou seja quase o que ela está crescendo em dez anos e que tantas preocupações já nos traz ao meu sustento
e ocupação.
Se assim é - e não é difícil fazer as contas - comecemos então
salutarmente, por chamar a atenção para o facto de que a resolução de um problema de tal gravidade e magnitude não, pode ser resolvido com a maioria indiferente a ele, criticando ou de braços cruzados, na desculpa confortável de que é aos Governos que cabe o exclusivo da responsabilidade de achar a solução mais conveniente para o assunto.
Ela pertence a todos nós - mas todos! - e cada um tem pelo menos ao seu alcance um inicio de se associar a tal tarefa, procurando tirar de suas qualidades e fazendas o máximo possível de produtividade útil e não perturbando ou desalentando as actividades dos outros.
A hora que passa e em que tantos erros de trás já, se espiam não parece, de facto, a hora mais própria, para se cruzarem os braços o muito monos para os verbalismos embriagadores dos panfletários, mas para a acção fecunda de espíritos de caridade e renúncia de que grandes figuras estiveram sempre presentes em outros períodos graves da história do Mundo, mas que tão desgraçadamente rareiam e se estão fazendo demorar nos atribulados dias que vamos vivendo ...
Ainda há poucas semanas, quando ao cabo de várias horas consecutivas de estado o de cálculos, já enervado, não conseguia chegar a números que mo consolassem sobre os benefícios materiais que provavelmente poderíamos esperar para o País da execução de um plano de fomento como este que estamos discutindo, caiu-me, por acaso, debaixo dos olhos, um pequeno intervalo de descanso, a seguinte notícia dos jornais do dia sobre a visão dantesca de 100:000 coreanos em fuga por entre as trevas da noite:
0 ar, azulado com o fumo dos edifícios em chamas, era atravessado pelos gritos de milhares de crianças que se tinham perdido de seus pais. Alguns dos refugiados tinham caminhado a pé, com imenso frio, durante três dias e três noites. A costa meridional, a única região que para eles significa a salvação, está ainda a vinte dias de distância ...
Confesso que tive vergonha do mim próprio e dos cálculos presunçosos que estava fazendo, mas encontrei, como por encanto, a resposta apaziguadora da inquietação que mo cansavam no dificuldades que encontrava no problema e o resultado pouco animador das contas que deitava sobre um futuro que só a Deus pertence. È com essa resposta que vou terminar todas estas minhas mal alinhavadas considerações:
Façamos fomento - muito fomento, sim, e a sua propaganda - na crença sincera do que é possível e do que devemos da nossa inteligência e esforço a todos aqueles que, embora mais fracos ou infelizes do que nós, têm também o seu direito a um quinhão de bem-estar o de felicidade na vida.
Não nos transviemos porém: façamo-lo com calor, mas sem arruído, com humildade e sem ambições vãs, esquecidos de vaidades, ressentimentos e interesses menos legítimos.
Façamo-lo, sobretudo, na contemplação magnifica de um testemunho que cada vez mais sangra na noite dor, tempos modernos o que S. Vicente de Paulo nos deixou ao morrer:
A caridade é um grande fardo. Não há, porém honra maior que a de servir os pobres - os nossos senhores. Amá-los, amá-los sempre e tanto mais quanto mais miseráveis. Sorrir-lhes e amá-los, para que nos perdoem o bem que lhes fazemos ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 orador foi muito cumprimentado.
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0 Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima Augusto César Cerqueira Gomes. será na terça-feira dia 27 do corrente, à hora regimental, tendo por ordem do dia a continuação do debate sobre o aviso prévio, apresentado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral, referente à execução da Lei de Reconstituição Económica.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
António Jacinto Ferreira.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Proença Duarte.
Délio Nobre Santos.
Herculano Amorim Ferreira.
João Mendes da Costa Amaral.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados qua faltaram à sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel do Sousa Meneses.
Pedro de Chaves 0ymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
0 REDACTOR - Leopoldo Nunes.
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CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.º 13/V
Proposta de lei n.º 111
A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 103.º da Constituição acerca da proposta de lei n.º 111, emite, pela sua secção de Política e administração geral, á qual foram agregados os Dignos Procuradores, Luís Supico Pinto, António Pedro Pinto de Mesquita, Francisco José Vieira Machado, Francisco Marques, Pedro Teotónio Pereira e Tomás de Aquino da Silva, o seguinte parecer:
Apreciação na generalidade
1. A Constituição Política aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933 foi modificada já, no breve espaço de dezoito anos por seis leis constitucionais; a presente proposta, de lei representará, portanto, a sétima modificação do seu texto.
Interessa examinar a extensão das alterações introduzidas.
A Lei n.º 1:885, de 23 de Março de 1935 (pareceres da Câmara Corporativa no Diário das Sessões n.º 8, de 4 de Fevereiro de 1935, p. 127, e n.º 14, 5.º suplemento, de 19 de Fevereiro, p. 1), substituiu o n.º 1.º do artigo 6.º os artigos 11.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 37.º, 45.º e 67.º, o § único do artigo 78.º, o § 2.º do artigo 80.º os n.ºs 2.º, 7;º e 9.º do artigo 81.º, o artigo 82.º, os n.ºs 3.º e 4.º do artigo 91.º, os artigos 94.º, 95.º, 97.º e 103.º, o § 1.º do artigo 1.04.º, o n.º 2.º e os §§ 3.º e 5.º do artigo 108.º, os artigos 126.º, 131.º, 134.º e 136.º e aditou um artigo 104.º-A (que passou a artigo 105.º) e um § único ao artigo 112.º
A Lei n.º 1:910, de 23 de Maio de 1935 (parecer da Câmara Corporativa no Diário das Sessões n.º 41, de 4 de Abril e 1935, p. 855 alterou o § 3.º do artigo 43.º
A Lei n.º 1:945,de 21 de Dezembro de 1936 (parecer da Câmara Corporativa no Diário das Sessões n.º 89, 3.º suplemento de 7 de Dezembro de 1936), deu nova redacção aos artigos 20.º, 21.º, 126.º e 127.º
A Lei n.º 1:963, de 18 de Dezembro de 1937 (parecer da Câmara Corporativa, no Diário das Sessões n.º 147, 2.º suplemento, de 1 de Dezembro de 1937), substituiu os artigos 9.º e 25.º, o § 3.º do artigo 85.º, a alínea d) do artigo 89.º o artigo 90.º e seus parágrafos, o artigo 102.º e §§ 1.º e 3.º, o § 1.º do artigo 103.º, os artigos 104.º, 105.º 106.º e o 3§ .º do artigo 109.º, aditou o § 4.º do artigo 85.º, o § único do artigo 94.º e o § único do artigo 105.º e fundiu num só os dois antigos parágrafos do artigo 123.º
A Lei n.º 1:966, de 23 de Abril de 1938 (parecer da Câmara Corporativa no Diário das Sessões n.º 150, suplemento, de 9 de Dezembro de 1937), alterou a alínea c) e o 13.º do artigo 89.º e o artigo 95.º
A Lei n.º 2:009, de 17 de Setembro e 1945 (parecer da Câmara Corporativa no Diário das Sessões n.º 176, suplemento, de 16 de Junho de 1945), introduziu alterações nos artigos 85.º, 90.º, 91.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º 98.º, 99.º, 101.º, 103.º, 104.º, 105.º, 107.º, 109.º, 110.º, 116.º, 118.º e 134.º
Finalmente a presente proposta de lei, apresentada pouco mais de cinco anos depois do último diploma mencionado, contém alterações aos artigos 1.º, 2.º, 6.º, 8.º, 9.º 25.º, 38.º, 45.º, 46.º 72.º, 74.º, 76.º, 80.º, 83.º, 84.º, 85.º, 90.º, 91.º, 93.º, 97.º, 98.º 99.º, 102.º, 103.º,
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104.º, 105.º, 106.º e 134.º, propõe a supressão dos artigos 133.º, 138.º, 139.º, 142.º e 143.º e modifica diversas epígrafes.
2. O exame que acaba de ser feito impressiona profundamente a Câmara pela frequência com que se tem alterado o texto da lei fundamental da Nação.
É verdade que o facto tem, até certo ponto, justificação.
A Revolução Nacional de 1926 fez-se contra um sistema parlamentar que provara a sua completa inadequação às necessidades e aspirações do País.
Ao instaurar-se a Ditadura Militar sabia-se precisamente o que se não queria e tinha-se também a noção nítida do que imediatamente importava fazer no domínio das realizações práticas. Mas não era tão segura a decisão quanto ao regime que havia de instaurar-se para no futuro evitar o regresso às circunstâncias catastróficas de que o Exército salvara a Nação.
A primeira definição oficial das ideias basilares em que deveria assentar a nova Constituição consta do Manifesto ao País publicado pelo Governo em 28 de Maio de 1927, no primeiro aniversário, portanto, da Revolução Nacional.
Esses princípios são: «Fortalecimento do princípio da autoridade (consequentemente, Chefe do Estado com mais latas atribuições e Governo da sua livre escolha e perante ele responsável); garantia de competência na gerência do Estado (consequentemente, conselhos técnicos do Governo, representação nestes conselhos por meio de delegados das associações e institutos intelectuais e de produção); garantia das liberdades regionais, corporativas, familiares e espirituais; representação nacional por delegação municipal e corporativa, com atribuições deliberativas; descentralização administrativa e autonomia municipal, sob a fiscalização do Poder Central; autonomia da função jurisdicional; liberdade religiosa; descentralização administrativa e autonomia financeira das colónias, de harmonia com o seu desenvolvimento, e neutralização política da respectiva pastas» 1.
É fácil de ver a quase identidade de pensamento deste manifesto com o do discurso que em 30 de Julho de 1930 o Sr. Dr. Oliveira Salazar proferiu na Sala do Conselho de Estado sobre Os princípios fundamentais da revolução política 2, na ocasião em que foi anunciada a constituição da União Nacional.
Nesse discurso, que representa o passo decisivo no caminho da elaboração de uma Constituição do Estado Novo Português, o então Ministro das Finanças considera as constituições, não como fórmulas definitivas e imutáveis de cristalização de um direito público natural, mas simples «modalidades de vida pública... pelas quais possam coexistir em paz e tranquilidade todos os elementos políticos e sociais e sejam chamadas a uma actuação pacífica as diversas manifestações de vida colectiva que o nosso tempo fez surgir, sem que por isso se atinja a força do Estado, o seu poder de coordenação e de mando, a capacidade administrativa necessária ao progresso das nações» 3.
E para encontrar a mais conveniente dessas modalidades que haverá a fazer? «Tomar resolutamente nus mãos as tradições aproveitáveis do passado, as realidades do presente, os frutos da experiência própria e alheia, a antevisão do futuro, as justas aspirações dos povos, a ânsia de autoridade e disciplina que agita as gerações do nosso tempo e construir a nova ordem de coisas que, sem excluir aquelas verdades substanciais a todos os sistemas políticos, melhor se ajuste ao nosso temperamento e às nossas necessidades» 1.
Foi efectivamente assim que veio a ser redigido o projecto de Constituição publicado na imprensa em 28 de Maio de 1932 para ser objecto de livre discussão: sobre a afirmação de alguns princípios que devem ser tidos por válidos em todos os tempos e lugares propunha-se a experiência de novas instituições, de modo a procurar a fórmula de governo mais conveniente às peculariedades do povo português e às circunstâncias do nosso tempo.
O próprio relatório do projecto o repete: a Constituição procuraria ser «profundamente cingida às realidades nacionais, esclarecida pelas lições dos factos e condicionada tanto às nossas deficiências como às nossas qualidades».
3. Comparando o projecto publicado em 28 de Maio de 1932 com aquele que, pelo Decreto com força de lei n.º 22:241, de 22 de Fevereiro de 1933, foi submetido a plebiscito nacional verifica-se que, apesar da quase inópia dos comentários e críticas vindos a lume no período de discussão pública, o texto primitivo sofreu bastantes alterações.
Mas, sem embargo da longa gestação desse texto e do cuidadoso trabalho de que foi objecto até ser sujei-to ao sufrágio dos eleitores, o escrúpulo dos seus autores foi ião ponto de confiar à primeira legislatura da nova Assembleia Nacional poderes constituintes para que ainda uma vez mais a lei fundamental do Estado pudesse ser discutida e ajustada às conveniências e necessidades da Nação.
Assim, as Leis n.º 1:885, 1:910, 1:945, 1:963 e 1:96", saídas todas dessa primeira legislatura, representam um só trabalho de elaboração ou, se se preferir, de reelaboração constitucional, e será talvez impróprio considerá-las como actos de revisão.
A revisão começa pròpriamente em 1945, para prosseguir agora, à luz de uma experiência que, embora não se possa dizer integral, é, todavia, suficiente para iluminar certas deficiências e para esclarecer sobre certas conveniências.
Não haverá, assim, que estranhar que o processo da redacção da nova Constituição se desenrole ao longo de quase vinte anos: Taine ensinou clarividentemente que as constituições políticas não se inventam, descobrem-se: La forme sociale et polilique dans laquelle un peuple peut entrer et rester n'est pas livrée à son arbitraire, mais dèterminée par son caractère et sont passé. Il faut que, jusque dans ses moindres traits, elle se moule sur les traits vivants auxquels on l'applique; sinon elle crèvera et tombera en morceaux 2.
Mas se a Câmnrai compreende e aprova que se vá procurando, sempre que a experiência aconselhe, ajustai-as normas constitucionais as exigências das realidades - já que, de mais a mais, a Constituição portuguesa pertence ao número daquelas que pouco ou nada deixaram às praxes e aos costumes e nos seus preceitos racionalizaram as práticas de governo -, não lhe merece a mesma boa aceitação certo abuso revisionista que, por mero prurido de perfeição, vai até ao ponto de alterar, retocar ou substituir a redacção ou a disposição de artigos.
A Constituição, como lei fundamental do Estado, deve tender à permanência até mesmo na sua feição geral, até mesmo no seu aspecto formal e no seu estilo.
1 Anais da Revolução Nacional, sob a direcção de João Ameal, vol. II, p. 98.
2 Salazar, Discursos, I, 1.ª edição, p. 69.
3 Idem, idem, p. 71.
1 Salazar, Discursos, I, 1.ª edição, p. 76.
2 Les Origines de la France Contemporaine, I, L'Ancien Régime, préface.
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Para que seja estável se fez rígida. E a periodicidade de revisão é um travão às modificações, e não um desafio ou incitamento às mudanças.
Como ainda há pouco esta Câmara afirmou, «em matéria constitucional as inovações são sempre delicadas. A lei fundamental do Estado deve ser estável para ser respeitada. Sobre ela assenta todo um sistema legislativo, todo um ideário nacional, toda uma doutrina política, todo um trabalho hermenêutico e jurisprudencial. Alterar frequentemente a redacção do seu texto sem motivos de profunda necessidade política é fazer vacilar desde as raízes o edifício jurídico da Nação». (Parecer n.º 10/V).
A estas razões, já de si valiosíssimas, outras ainda se podem acrescentar. Há um quarto de século que a Europa tateia em busca de uma solução eficaz para a crise política do Estado herdado do século XIX: de todas as tentativas feitas é a portuguesa hoje a mais antiga e a mais prestigiosa. Foi ela que serviu de modelo à Constituição austríaca de 1934 1, e não é difícil encontrar influências indisfarçáveis das nossas instituições até em textos de espírito muito diferente, como a Constituição francesa de 1946. Tudo são motivos para que não se toque sem o máximo respeito nos preceitos da Constituição portuguesa, já verdadeiramente pertença da Nação.
4. Assim, a Câmara Corporativa entende que uma proposta de revisão constitucional será tanto mais aceitável quanto mais restrita aos pontos verdadeiramente essenciais, cuja modificação a experiência mostre ser necessária ou conveniente ao bem comum. E, dentro desta ordem de ideias, emite sobre a generalidade do texto que lhe foi submetido o parecer de que devem ser postas de parte todas as alterações que tendam apenas a melhorar, apurar ou completar a redacção de preceitos que até aqui não hajam sido objecto de divergências de interpretação.
A Câmara emite igualmente o voto de que de ora avante os actos de revisão se tornem menos frequentes, de maneira a garantir à Constituição aquela estabilidade que o País deseja e que tudo aconselha a procurar.
II
Exame na especialidade
ARTIGOS 1.º E 2.º
5.º A primeira alteração proposta consiste na eliminação do § único do artigo 1.º, que, após a descrição do território de Portugal no Mundo, afirma:
A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território.
Esta afirmação, juntamente com o preceituado no actual artigo 2.º da Constituição e com a matéria dos artigos 7.º e 8.º do Acto Colonial, constituiria o objecto do novo artigo 2.º
Foi a Câmara Corporativa que, ao apreciar a nova redacção do artigo 7.º do Acto Colonial, observou que este preceito devia, pela sua afinidade com o do artigo 2.º da Constituição, passar a fazer parte deste, uma vez que o Acto Colonial ia ser integrado no texto constitucional principal.
Mas não considera feliz a forma por que se deu cumprimento ao seu voto.
6. Comecemos pelo § único do artigo 1.º
Trata-se de um preceito que na nossa tradição constitucional sempre tem figurado juntamente com o enunciado das diversas partes componentes do território português ou, ao menos, com menção deste.
Assim sucedeu no artigo 20.º da Constituição de 1822: após a enumeração das partes do território, diz-se que «a Nação não renuncia o direito que tenha a qualquer porção de território não compreendida no presente artigo».
Na Carta Constitucional o artigo 2.º é consagrado à descrição do território; o artigo 3.º diz ùnicamente que «a Nação não renuncia o direito que tenha a qualquer porção de território nestas três partes do Mundo, não compreendida no antecedente artigo».
É na Constituição de 1838 que se encontra o preceito mais semelhante na estrutura ao da actual: o artigo 2.º descreve o território e num § único acrescenta que «a Nação não renuncia a qualquer outra porção de território a que tenha direito».
Veio a Constituição de 1911 e no artigo 2.º declarou que «o território da Nação Portuguesa é o existente à data da proclamação da República». E em § único: «A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território».
Como se vê, esta afirmação tem sido feita com autonomia através de todos os nossos textos constitucionais. E depois de dezoito anos de vigência da Constituição de 1933, em que foi acatada a tradição, a Câmara Corporativa não encontra razão plausível -para desfigurar o artigo 1.º amputando-o do seu § único.
7. O problema reduz-se, pois, segundo entende esta Câmara, a reunir num só os artigos 2.º da Constituição e 7.º e 8.º do Acto Colonial.
Na proposta de lei assim se fez, mas, decerto por inadvertência, deixa-se condicionada a instalação de representação diplomática ou consular em prédio a adquirir por potência - estrangeira em qualquer parte do território português pela autorização do Ministro do Ultramar.
A Câmara propõe, portanto, uma nova redacção, que supõe a subsistência do § único do artigo 1.º, nos seguintes termos:
Art. 2.º O Estado não aliena por nenhum modo qualquer parte do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da rectificação de fronteiras, quando aprovada pela Assembleia Nacional.
§ 1.º Nenhuma, parcela do território nacional pode ser adquirida por Governo ou entidade de direito público de país estrangeiro, salvo para instalação de representação diplomática ou consular, se existir reciprocidade em favor do Estado Português.
§ 2.º Nos territórios ultramarinos a aquisição por Governo estrangeiro de terreno ou edifício para instalação de representação consular será condicionado, pela anuência do Ministro do Ultramar à escolha do respectivo local.
8. Examinando-se a redacção proposta pela Câmara, verificar-se-á que, seguindo a orientação inicialmente traçada, se conservou o máximo possível do texto dos actuais preceitos que nela se fundem. Evitou-se inovar mesmo quando parecia fácil substituir uma fórmula por outra tècnicamente mais correcta. Não se criou na metrópole qualquer nova restrição aos Governos estran-
1 «... l'État autorilaire apparut en Autriche comme un progrès et une conséquence de l'éoque moderne. Il était d'ailleurs conçu d'après le modèle portugais et non ser celui de l'Italie». Chanceler Schuschnigg, Requiem, Mémoires (1938-1940), tradução francesa, p. 213.
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geiros, mantendo-se apenas as que já existem no ultramar.
A diferença de redacção que se nota entre o § 2.º sugerido e o artigo 8.º do Acto Colonial é fácil de compreender pela leitura do conjunto do artigo 2.º
A Câmara conformou-se com a proposta de lei quanto à supressão da intervenção da Assembleia Nacional para autorizar os Governos estrangeiros a adquirirem terrenos ou edifícios no ultramar. Na verdade essa intervenção parece dispensável.
Artigo 6.º
9. O artigo 6.º da, Constituição enuncia algumas incumbências fundamentais do Estado como instrumento político da realização dos interesses nacionais. Não se trata de uma enumeração exaustiva: pelo próprio texto constitucional se encontram outras dispersas, como se vê dos artigos. 12.º, 14.º, 16.º, 22.º, 31.º, 32.º, 34.º, 40.º, 41.º, etc.
A proposta de lei contém duras alterações ao artigo 6.º Pela redacção actual «incumbe ao Estado
3.º Zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que aquelas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente».
Propõe-se agora que a parte sublinhada seja substituída como segue:
...procurando assegurai-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana.
Trata-se das tais modificações de redacção que não se impõem por nenhuma necessidade imperiosa caem estuo destinadas a produzir qualquer resultado prático.
Até aqui a Constituição consagrava o princípio da protecção aos econòmicamente débeis es impunha ao Estado o dever de velar por que as suas condições de vida não descessem abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente. Se a Câmara bem interpreta o sentido do preceito, trata-se de uma forma de assegurar o dever de assistência social que incumbe ao Estado, em lugar do direito à assistência pública que a Constituição de 1911 inscrevei-a entre os direitos e garantias individuais (artigo 3.º, n.º 29.º).
Pela redacção agora proposta pretende-se, segundo parece, atribuir ao Estado uma função mais larga, que não se limita a evitar a miséria e o abandono, antes promove o acesso dos econòmicamente débeis a certo grau de bem-estar, assegurando-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana.
Mas qual?
Que conceito de dignidade humana se contém neste preceito? Qual é o critério de compatibilidade entre o nível de vida e essa dignidade? Dado que as necessidades humanas nos tempos presentes são ilimitadas e insaciáveis, onde acabará esta função do Estado como promotor do bem-estar individual?
A proposta de lei não é, infelizmente, acompanhada de relatório, como o exigiria a quantidade e importância das questões em que toca ou que vem suscitar. Mais uma razão para a Câmara Corporativa aconselhar a máxima prudência mas inovações. O texto da actual Constituição não impede que o Estado faça o que puder no sentido não pó de evitar que haja portuguesas sem as condições mínimas de existência humanamente suficientes, mas até para promover que eles melhorem de situação. Mas a primeira parte deste breve programa não está ainda cumprida: para que ir assumir solenemente compromissos muito mais difíceis ainda de honrar?
Porém, visto que o Governo julgou oportuno tocar no referido preceito, a Câmara admite que a fórmula adoptada em 1933 e segundo a qual o Estado deve obstar a que as classes sociais mais desfavorecidas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente, pode prestar-se a interpretações desairosas para o País e não corresponde já às actuais preocupações em matéria social.
Por isso parece-lhe que o anais conveniente seria suprimir toda a parte final do n.º 3.º, o qual ficaria reduzido apenas à incumbência de zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas - o que constitui programa bastante vasto e compreensivo para nele caber toda uma política social de largo alcance.
Foi esta solução que no seio da Câmara conciliou opiniões divergentes e reuniu a unanimidade dos votos.
10. A outra alteração proposta para o artigo 6.º não merece o aplauso da Câmara pela razão da se tratar de mera afirmação redundante de um princípio já consagrado na Constituição.
Na verdade, propõe-se que seja aditado um n.º 4.º, segundo o qual incumbiria ao Estado:
Defende? a higiene pública e a salubridade da alimentação.
Ora o actual artigo 40.º da Constituição, que, segundo a proposta subsistirá, é do teor seguinte:
Art. 40.º É direito e obrigação do Estado a defesa da moral, da salubridade da alimentação o da higiene pública.
Não se compreende, portanto, o aditamento agora proposto, tanto mais que, como de início foi dito, vários outros preceitos existem dispenses, a indicar obrigações precisas do Estado 1.
ARTIGO 8.º
11. Careceria também de explicação em relatório a melindrosíssima inovação proposta para o n.º 1.º do artigo 8.º, segundo a qual na enumeração dos direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses será aditado, ao direito à vida e à integridade pessoal, o direito ao trabalho nos termos que a lei prescrever.
A Câmara ignora quais os desígnios do Governo ao incluir este novo direito na declaração das garantias individuais. Procurará esclarecer os problemas que essa inclusão pode suscitar.
E em primeiro lugar observa que o lugar em que se pretende inseri-lo não parece o indicado.
A afirmação do direito à vida e à integridade pessoal na Constituição não é meramente platónica: trata-se de direitos efectivamente existentes, isto é, cuja eficácia resulta da garantia assegurada pelas sanções penais.
Acontece mesmo que antes de se definirem expressamente esses direitos subjectivos a sua existência foi reconhecida por modo implícito através da cominação das sanções: a punição do aborto voluntário e do homicídio implica o direito à existência, assim como a pu-
1 O Digno Procurador que nesta Câmara representa a Ordem dos Médicos fez alguns reparos à redacção deste número da proposta dignos do nota para o caso em que se insista em aprovar o aditamento ao artigo 6.º
Assim, observa-se que a palavra higiene, considerada como «ramo do saber médico que se ocupa dos meios para salvaguarda da saúde», está a ser proscrita dos usos internacionais e da linguagem política: o Comité d'Hygiène da S. D. N.º foi, depois da segunda grande guerra, substituído pela Organização Mundial da Saúde. E é o termo saúde que presentemente se emprega onde até há pouco se dizia higiene pública.
A «salubridade da alimentação» é simples modalidade da higiene, e por isso não se justifica a especificação.
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nição das ofensas corporais resulta do reconhecimento do direito à integridade pessoal.
Quando na Constituição se incluíram esses direitos não se inovou, não se proclamou um ideal, não fie seguiram os ditames da Razão abstracta, apenas se deu expressão legal a antiquíssimas realidades jurídicas profundamente enraizadas na consciência popular.
Tanto o direito à vida como o direito à integridade pessoal são verdadeiros direitos subjectivos, cujo respeito em cada indivíduo se impõe a todos os outros homens: são, pois, direitos absolutos, de eficácia universal, e que bem se podem dizer fundados nas leis eternas do direito natural.
Ora terá o direito ao trabalho a mesma índole? Que significa, de onde provém e que sentido possui este novo direito público subjectivo?
12. A ideia da existência de um direito ao trabalho é de origem ideológica puramente socialista.
O primeiro filósofo que a defendeu e que com o prestígio do seu nome e da sua obra a lançou no ideário socialista foi Fichte, nos seus escritos publicados nos últimos anos do século XVIII e nos primeiros do século XIX (Die Bestimmung des Gelehrten, 1794; Grundlage des Naturrechts, 1796; Rechtslehre, 1812; Staatslehre, 1813; etc.).
Fichte, que idealizou uma sociedade corporativa onde a propriedade dos bens de produção pertencesse às corporações (como há anos em Itália também foi defendido pela escola de Ugo Spirito), visionava para todos os homens, através da associação, o direito ao trabalho profissional (Eigentum des Arbeitszweiges), garantido pelo direito sobre os instrumentos da produção e pelo direito ao produto integral do trabalho.
Está assim definido o conceito tal como vai depois aparecer, expresso com maior ou menor clareza, nos socialistas franceses da primeira metade do século XIX, em Saint-Simon, em Luís Blanc (que apresenta como direitos fundamentais do homem o direito à vida, o direito ao trabalho e o direito a participar do progresso geral e que propõe como meio de os realizar as cooperativas, por ele designadas ateliers nationaux 1) e em Proudhon (Si le droit de vivre est égal, le droit de travailler est égal et le droit d'occuper encore égal 2).
Não admira, pois, que o direito ao trabalho fosse um dos grandes temas da Revolução de 1848: nas Constituintes depois reunidas a sua inserção no preâmbulo do projecto de Constituição (artigo 8.º) originou acalorados debates que ficaram célebres na literatura política 3, concluindo a discussão pela rejeição do texto por grande maioria (596 votos em 783 votantes).
Escrevendo anos depois, em 1858, no tomo 2:º de De la justice dans la Révolution et dans l'Église, Proudhon chamará ao direito ao trabalho un mot énigmatique, mais terrible 4.
Relembrando a discussão das Constituintes, evoca a perplexidade dos oradores: «Numa democracia onde estão os meios de decretar que devo fornecer trabalho a um particular cujos serviços me são inúteis e que f se não puder empregá-lo, hei-de pagar uma taxa ao Estado para este o empregar? Um tal princípio é um recurso ao despotismo, ao comunismo e a negação da República».
Como soluciona Proudhon o problema? Ouçamo-lo: «E eis como a Revolução lhes responde: na condição económica do antigo regime o direito ao trabalho implica contradição, é verdade; mas na nova ordem de coisas é apenas uma insensatez. Com o balanço dos serviços e dos valores, o equilíbrio das forças, a organização integral da aprendizagem, haverá sempre mais procura de trabalho do que o trabalho oferecido e a questão cai no absurdo» 1.
A resposta da Revolução, como se vê, não é muito convincente...
13. A expressão «direito ao trabalho» pode aparecer em uma de duas acepções principais: na primeira significa um poder reconhecido a todos os homens de exigirem que Lhes seja proporcionada uma ocupação remuneradora donde possam auferir os meios indispensáveis à subsistência; na segunda designará o poder dado ao trabalhador de reivindicar o produto integral do seu esforço de criação de riqueza (direito ao produto integral do trabalho).
No primeiro sentido saltam à vista as dificuldades da formulação de um tal direito subjectivo. Se se reconhece um poder é porque correlativamente se impõe um dever. Ora quem é que tem o dever de proporcionar o trabalho?
O Estado? Nesse caso os Poderes Públicos terão de inventar e manter constantemente campos de actividade para absorver todos os desempregados e não lhes será lícito invocar razões económicas ou financeiras para recusar o emprego de novos braços e para dispensar empregados e assalariados em tempos de crise. Teremos a forma providencialista do Estado na sua modalidade extrema, tendendo inevitavelmente para o regime colectivista.
Os proprietários particulares? É manifesto em todos os escritores socialistas o intuito de proclamar o direito ao trabalho como um princípio oposto, no regime capitalista, ao direito de propriedade. O proprietário seria o único cidadão dotado de verdadeira liberdade, inclusivamente pelo poder que lhe assiste de dar ou de recusar trabalho em virtude de ser o detentor dos instrumentos de produção. Mas o proletariado, que dispõe apenas dos seus braços para assegurar a subsistência, tem de viver dos bens que existem na sociedade, embora estejam individualmente apropriados pelos capitalistas. O proletariado não possui o direito de propriedade: mas tem de se lhe reconhecer um direito à propriedade, que só pode revestir a forma de direito ao trabalho.
Assim, os proprietários teriam a obrigação de repartir a fruição dos seus bens com os proletários, facultando-lhes trabalho mesmo quando desnecessário.
Esta concepção é admissível, dentro dos limites razoáveis e justos, no plano da moral. Foi por voluntária decisão que os proprietários rurais do Alentejo começaram há alguns anos a receber nas suas herdades os desempregados da região, ocupando-os em trabalhos supérfluos apenas para os assistir 2.
Mas onde conduzirá a sua consagração como norma jurídica?
Imposta pelos órgãos do Estado a proprietários rurais e a empresários industriais e comerciais, fácil é de ver o que seria feito da autoridade patronal e da disciplina da empresa, do custo da produção e da economia dos produtos. Onerada com encargos desproporcionados
1 Organisation du travail, 1839.
2 Que'est-ce que la propriété?, 1.º vol., p. 49.
3 Pronunciaram discursos, entre outros, Lamartine, Thiers e Tocqueville, que podem ver-se reunidos no livro de Gamier, Le droit au travail, 1848, e largamente extractados em J. Benet, Le capitalisme liberal et le droit au travail, vol. II, pp. 230 e segs.
4 Obra e volume citados, p. 241.
1 Le capitalisme liberal et le droit au travaill vol. II, p. 244.
2 Confunde-se muitas vezes o ponto de vista moral com o estritamente jurídico. Assim, o livro atrás citado de Benet, defendendo o direito ao trabalho do ponto de vista cristão, não consegue estruturá-lo juridicamente, ficando-se em simples afirmações de princípios de pura ética.
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de mão-de-obra, a economia nacional só poderia competir internacionalmente mediante artifícios que, por outro lado, determinariam a inevitável alta do custo da vida interna.
Tão-pouco é aceitável a segunda acepção do direito ao trabalho, que assenta no falso princípio de que o trabalho manual é a única fonte do valor económico e no postulado de que o capitalista se apropria indevidamente de uma parte desse valor.
Se é certo que é possível progredir ainda no sentido de maior justiça na retribuição do trabalho, a verdade é que para a criação dos valores concorrem muito factores que não são o trabalho operário, sem falar na parte irrecusável do capital, desde os inventores, os lançadores de iniciativa, os organizadores da empresa, até aos que despertam a necessidade dos artefactos, estimulando o consumo e provocando a procura, e aos que garantem a segurança do mercado sob as mais diversas formas.
14. A doutrina social católica sobre o assunto está luminosamente condensada no Code Social, durante anos elaborado pela Union Internationale d'Études Sociales, de Malines, sob a presidência do cardeal Mercier, e que veio a ser aprovado em 1926, já sob a orientação do sucessor desse grande Primaz da Bélgica, o actual cardeal Van Roey.
O artigo 70.º do Código, cuja autoridade nos meios do cristianismo social só tem aumentado desde então, resa assim (segundo tradução do relator):
A obrigação de trabalhar que Deus impôs ao homem desde a origem do Mundo engendra o direito de trabalhar.
Este direito não se confunde nem com a liberdade de trabalho nem com o direito ao trabalho.
A liberdade de trabalho designa, no seu sentido histórico, um estado de facto que, sob pretexto de respeitar a liberdade individual do trabalhador, exclui qualquer regulamentação do trabalho pela profissão ou pelo Estado. Tal estado de facto está em contradição com a doutrina católica exposta por Leão XIII na encíclica Rerum Novarum.
Quanto ao direito ao trabalho consiste no pretenso direito do indivíduo sem trabalho de se dirigir ao Estado a reclamar-lhe ocupação remuneradora e salário. Os Poderes Públicos têm o dever de se esforçar para evitar por todos os meios ao seu alcance o desemprego e suas consequências. Mas não se segue daí que todo o indivíduo sem trabalho tenha direito a um emprego. O salário recebido pelo trabalhador assalariado durante os períodos de actividade deve ser, todavia, suficiente para lhe permitir, mediante caixas profissionais de previdência eventualmente auxiliadas pelo Estado; subsistir durante os períodos de desemprego.
É esta doutrina que no 3.º curso das Semanas Sociais Portuguesas, celebrado no Porto em 1949, foi desenvolvida na lição proferida pelo Prof. Doutor Guilherme Braga da Cruz sobre Bases sociológicas, morais e jurídicas de uma concepção cristã do trabalho.
Aí se distingue o direito de trabalhar (jus laborandi) que consiste na «faculdade que todo o homem tem de despender livremente as suas energias, com vista à realização da sua própria independência e dignidade», desdobramento do próprio direito de viver, do direito ao trabalho (jus ad laborem) «que assistiria a todo o homem desempregado de exigir da sociedade - o mesmo é que dizer do Estado - uma ocupação retribuída, um emprego remunerado, sempre que fosse impossível obter esse emprego da parte dos particulares».
«Um direito ao trabalho assim concebido - ensina o referido professor - não deve admitir-se, porque assenta no pressuposto falso de que sobre o Estado recai um dever - mas um dever no sentido jurídico, uniu verdadeira obrigação - de fornecer trabalho aos particulares. Ora esse dever, essa obrigação, só seria concebível num sistema que atribuísse igualmente ao Estado um direito a dispor ilimitadamente do trabalho dos particulares, o que equivaleria a atribuir ao Estado uma natureza totalitária, ofensiva da liberdade e da dignidade dos cidadãos e inteiramente condenável, como tal 1».
15. Não é a primeira vez, todavia, que o direito ao trabalho aparece mencionado na legislação do Estado Novo.
A alínea a) do capítulo III do Estatuto do Trabalho Nacional trata «Do direito ao trabalho e suas condições» e abre com o artigo 21.º, redigido nos termos seguintes:
O trabalho, em qualquer das suas formas legítimas, é para todos os portugueses um dever de solidariedade social. O direito ao trabalho e ao salário humanamente suficiente são garantidos sem prejuízo da ordem económica, jurídica e moral da sociedade.
O artigo 23.º desenvolve o pensamento do legislador quanto ao direito assim enunciado:
O direito ao trabalho é tornado efectivo pelos contratos individuais e colectivos. Nunca o pode ser pela imposição do trabalhador, dos organismos corporativos ou do Estado, salvo, no que respeita u este último, o direito que lhe assiste, em caso de suspensão concertada de actividades, de usar de todos os meios legítimos para compelir os delinquentes ao trabalho.
Preceito este que é completado pelo do artigo 17.º, que diz:
As empresas não são obrigadas a fornecer trabalho que a sua direcção repute desnecessário ao plano da exploração. Nas crises de trabalho, porém, deverão cooperar com o Estado e com os organismos corporativos na adopção de medidas conformes com o bem público.
Analisando e comparando estas disposições, vê-se que o legislador, afinal, teve o cuidado, por várias vezes acentuado, de excluir o conceito do direito subjectivo a que corresponda um dever eventualmente imposto pela coacção organizada nos meios jurídicos do Estado.
O que o legislador quis afirmar (e essa intenção resulta com clareza do artigo 23.º) não foi o jus ad laborem, e sim ,o jus laborandi - a faculdade dada a todo e homem de procurar uma ocupação remuneradora e de contratar o emprego da sua actividade em termos que lhe permitam viver e cumprir o seu destino temporal e espiritual.
É, pois, um equívoco de termos que leva a encontrar o direito ao trabalho afirmado no estatuto, quando manifestamente se pretendeu definir um direito de trabalhar, uma faculdade a todos reconhecida, sem discriminação, de ganhar a vida, em contrapartida do dever de solidariedade social (dever de moral social e não jurídico), que é o trabalho.
1 Dr. G. Braga da Cruz, Bases..., pp. 19 a 21.
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16. O direito ao trabalho tem sido inscrito em alguns textos constitucionais recentes.
Em Espanha, no Fucro del Trabajo, aprovado por Decreto de 9 de Março de 1938, com base em que «o direito de trabalhar é consequência do dever imposto ao homem por Deus para cumprimento dos seus fins individuais e prosperidade e grandeza da Pátria», estabeleceu-se no artigo 1.º o «direito ao trabalho».
Daí passou para o Fuero de los españoles, lei das Cortes de 17 de Julho de 1945, cujo artigo 24.º proclama que «todos os espanhóis têm direito ao trabalho e o dever de se ocupar nalguma actividade socialmente útil».
Resumindo os comentários que à roda destes preceitos têm sido tecidos, escreve um autor recente: «Coinciden gran parte de los comentarios, tanto de los mencionados textos como de otros similares, en que semejantes declaraciones no otongan al ciudadano un derecho público subjectivo esgrinible para que el Estudo proporcione una ocupación remunerada. No és titulo para exigir una pensión del Estado, ni tampoco para solicitar un empleo cualquiera... el derecho al trabajo és más una directiva de gobierno que una facultad ciudadana. Quienes tienen a su cargo el cuidado de la comunidad, han de cuidar porque no exista paro, ni parados, pero frente a ellos el dercho al trabajo no és sino un derecho político de difícil subjectivación» 1.
Em França, ao elaborar-se a Constituição de 1946, o grupo parlamentar comunista apresentou um projecto em cujo artigo 4.º figura a garantia do «droit au travail et à la sécuritè de l'emploi» 2.
No projecto socialista 3 o artigo 33.º era assim formulado:
Art. 33.º Le droit au travail:
Tout homme a le devoir de travailler et le droit de recevoir un emploi.
Nul ne peut être atteint dans son emploi en raison de son origine, de ses opinions ou de ses croyances.
Foi esta fórmula que, com pequena alteração de redacção da parte final, acabou por ser inscrita no artigo 26.º do projecto de Constituição adoptado pelas Constituintes em 19 de Abril de 1946 e que o referendo popular rejeitou em 5 de Maio do mesmo ano 4.
Na Constituição que, finalmente, veio a ser promulgada em 27 de Outubro desse ano, é no preâmbulo que se lê a declaração dos direitos, entre os quais figura a fórmula antes consagrada:
Chacun a le devoir de travailler et le droit d'obtenir un emploi. Nul ne peut être lésé dans son travail ou son emploi, en raison de ses origines, de ses opinions ou de ses croyances 5.
Reparar-se-á que neste texto, elaborado sob a influência preponderante de dois partidos socialistas - um comunista e, o outro social-democrata -, se afirma, em primeira lugar, o dever de trabalhar. Só depois, como consequência, vem o direito a obter um emprego, e este explicado como sendo o direito a não ser excluído de qualquer ocupação por motivo de origem (raça ou nacionalidade), opinião política ou crença religiosa.
A Constituição da República Italiana, promulgada em 27 de Dezembro de 1947, e em tinja redacção intervieram as mesmas correntes ideológicas que influíram na francesa, contém no artigo 4.º disposição similar, onde se afirma que «a República reconhece as todos os cidadãos o direito ao trabalho e favoreço as condições que tornem efectivo esse direito. Todo o cidadão tam o dever de exercer, consoante as suas possibilidades e à sua escolha, uma actividade ou uma função que concorram para o progresso material ou espiritual do sociedade» 1.
Já agora faça-se referência também à Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948. Como nela mesma se acentua, a Declaração é um simples padrão comum de acção (a common standard of achievement), sem pretensões a força legal. Interessa apenas, portanto, como testemunho de um dado ambiente ideológico.
O seu artigo 23.º, n.º 1, diz:
Everyone has the rigth to work, to free choice of employment, to just and favourable conditions of work and to protection against unemployment.
Trata-se, como se vê pelo contexto, mais do direito de trabalhar do que do direito ao trabalho.
17. Em conclusão, afigura-se à Câmara Corporativa que o problema da definição de um direito ao trabalho não está suficientemente esclarecido em Portugal, e mesmo no estrangeiro, para que possa afoitamente inscrever-se no texto constitucional.
A Câmara entende que não devem assumir-se compromissos solenes de tão grande gravidade sem a consciência do seu conteúdo e sem a segurança do seu cumprimento.
O trabalho faculta-se aos cidadãos promovendo o fomento da riqueza pública e particular. Nas crises cíclicas de desemprego compete ao Estado tomar a direcção do combate a essa chaga social, através de organismos adequados, cujos processos importa não deixar estagnar para que mantenham a todo o tempo a perfeita eficiência que o País deles tem direito a esperar.
Pode e deve o Estado chamar os particulares a colaborar nesta função, mas para isso, e desde que se mantenha dentro da justa medida, não carece de que sejam definidos mais direitos do que os que constam já da Constituição.
Pelo seu artigo 31.º «o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os objectivos seguintes: 1.º Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho...»; pelo artigo 35.º «a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime da cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade colectiva».
1 E. Perez Botija, El derecho del trabajo, 1947, p. 96.
2 Revue du droit public, tomo 62.º (1946), p. 156. Deve notar-se que nas Constituições dos estados comunistas não se encontra inscrito tal direito, mas apenas o dever de trabalhar. Assim, na Constituição da U. R. S. S. de 1936, o artigo 12.º diz:
O trabalho é na U. E. S. S. dever e honra para todo o cidadão apto a trabalhar, segundo o princípio: quem não trabalha não come. Na U. R. S. S. põe-se em prática a divisa socialista: de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo o sou trabalho.
Na Constituição da República Federal Popular da Jugoslávia, de 29 de Novembro de 1945, o artigo 32.º prescreve:
Todos os cidadãos são obrigados a trabalhar segundo as respectivas capacidades: quem não der nada à comunidade, nada poderá receber dela.
3 Idem, tomo 62.º (1946), p. 168.
4 Idem, tomo 62.º (1946), p. 239).
5 Idem, tomo 62.º (1946), p. 580.
1 Revue du droit public, tomo 64.º (1948), p. 388.
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Nestes dois artigos está traçada, em termos originais e porventura mais eficientes do que nas Constituições de inspiração socialista, uma orientação política no sentido de fazer valer a função social dia propriedade e do trabalho paina estabelecer o equilíbrio da população e dos empregos.
O direito ao trabalho é uma aspiração magnífica: mas dar trabalho efectivo e justamente remunerado a todos seria uma realidade bem melhor. Entre a fórmula jurídica um pouco demagógica e bastante utópica e o esforço honesto que tem sido feito para proporcionar aos trabalhadores as vantagens possíveis, a Câmara vai pelas realidades e julga dispensável o direito.
É no sentido de uma economia cada vez mais bem organizada em condições de valer a todos os homens, assegurando larga procura de braços e consumo estimulante da produção, que se orientam os esforços dos pensadores que nesta matéria desejam ir mais além das soluções jurídicas e de que é exemplo o célebre relatório de Sir William Beveridge, Full Employment in a Free Society.
A Câmara Corporativa, onde os trabalhadores portugueses estão largamente representados, preconiza, pois, de preferência ao enunciado platónico do direito ao trabalho, uma economia que tenha em vista constantemente proporcionar mais trabalho, empregos estáveis e remuneração justa e suficiente aos trabalhadores.
Nestes termos, propõe-se que a redacção do artigo 8.º se mantenha como está.
ARTIGO 9.º
18. A nova redacção proposta para o artigo 9.º justifica-se pela ampliação da garantia que nele se consigna.
Actualmente a lei constitucional, na sequência do n.º 32.º do artigo 3.º da Constituição de 1911, apenas garante o direito ao lugar durante o tempo de serviço militar obrigatório aos empregados do Estado, das autarquias locais, das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e das «companhias» que com um ou outros tenham contrato.
O Estatuto do Trabalho Nacional, no artigo 29.º, garantiu o direito ao lugar, durante todo o tempo em que forem obrigados a prestar serviço militar, aos empregados, assalariados e operários dos quadros permanentes das empresas privadas e o artigo 38.º estendeu esta garantia aos operários dos quadros permanentes do Estado, das autarquias locais e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. A Lei n.º 1:952, de 10 de Março de 1937 (que regulou o contrato de trabalho), no seu artigo 18.º regulamentou esses preceitos, estabelecendo os meios de os tornar efectivos.
Posteriormente a Lei n.º 1:961, de 1 de Setembro de 1937, preceituou no artigo 8.º que «ninguém pode ser prejudicado na sua colocação ou emprego por virtude da obrigação da prestação do serviço militar», acrescentando-se na nova redacção dada a esse artigo pela Lei n.º 2:034, de 18 de Julho de 1949, as palavras: «ou em resultado de serviço na defesa civil do território».
A proposta de revisão constitucional pretende ajustar a lei suprema a esta posição da legislação ordinária. Fá-lo, porém, acrescentando novos termos à enumeração das entidades patronais que actualmente constam do artigo 9.º, de maneira a produzir um preceito cuja redacção se não recomenda nem pela elegância, nem pela precisão, nem pela concisão.
Parece à Câmara Corporativa que a fórmula, já por duas vezes examinada e aprovada pela Assembleia Nacional, do artigo 8.º da Lei n.º 1:961 poderia com vantagem inscrever-se na Constituição, deixando de haver divergência entre a lei ordinária e o texto constitucional. Apenas conviria acrescentar o adjectivo «permanente» aos substantivos «colocação ou emprego» para excluir da garantia aqueles que à data do chamamento às fileiras se encontrem desempenhando actividades transitórias ou em regime eventual: embora, em rigor, esse desempenho não constitua «colocação» ou «emprego», na acepção vulgar e comum das palavras, o adjectivo «permanente» acentuará a intenção da lei.
Assim, a Câmara Corporativa propõe que a nova redacção do artigo 9.º da Constituição seja a seguinte:
Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação ou emprego permanente por virtude da obrigação de prestar o serviço militar ou em resultado de serviço na defesa civil do território.
ARTIGO 25.º
19. O artigo 24.º da Constituição, que teve por fonte o artigo 130.º da Constituição alemã de Weimar de 1919, estabelece o princípio de que os funcionários públicos estão ao serviço da colectividade e não de qualquer partido ou organização de interesses particulares.
Era quanto bastava como norma ou ideia-directriz da legislação ordinária e da administração pública: daí se tirariam depois as consequências lógicas, estendendo a disciplina nela contida a quantos devessem ser incluídos na categoria indefinida de «funcionários públicos» ou a ela equiparados.
Mas o legislador constitucional não resistiu, neste como noutros passos, à tentação de regulamentar imediatamente o preceito basilar, sobrecarregando o texto com disposições supérfluas.
É o caso do artigo 25.º, que, na redacção actual (diferente já da primitiva), preceitua: «Estão sujeitos à disciplina prescrita no artigo anterior os empregados das autarquias locais e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, e bem assim os que trabalham em empresas que explorem serviços de interesse público».
Desde que se entrou pelo caminho da enumeração, está-se condenado à insatisfação permanente e ao risco do desactualização periódica. A proposta em estudo vem acrescentar às entidades enumeradas os organismos corporativos e os de coordenação económica. Pois mesmo assim fica motivo para considerar incompleta a disposição. Porque não mencionar os serviços autónomos ou institutos públicos? E, desde que a Constituição passa a aplicar-se directamente ao ultramar, porque omitir agora as províncias ultramarinas?
Há ainda uma dificuldade que poderá surgir se algum dia se quiser extrair deste preceito doutrinário algum efeito prático. Diz-se no artigo 24.º que os funcionários públicos não estão ao serviço de qualquer organização de interesses particulares, e está muito bem. Mas no artigo 25.º torna-se esta regra extensiva «aos que trabalham em empresas que explorem serviços de interesse público».
Ora a empresa é, por definição, uma emanação da iniciativa privada, e portanto uma organização de interesses particulares. A empresa concessionária de um serviço público desempenha funções públicas, mas não perde a sua natureza de sociedade comercial, com fins lucrativos, portanto.
É admissível prescrever-se que os empregados de tais empresas não possam estar ao serviço de partidos (que aliás a Constituição não reconhece) ou de associações secretas (hoje ilegais), mas não pode determinar-se, genérica e vagamente, sem perigo de indisciplina, que não se encontram ao serviço de organizações de interesses particulares.
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Assim a Câmara sugere que a referência a esses empregados passe a um § único, redigido em termos adequados.
A Câmara Corporativa, em face dos inconvenientes da estrutura actual deste preceito, optaria por solução diferente da proposta.
Essa solução podia ser a de manter o artigo como está, deixando aos intérpretes a tarefa de torná-lo extensivo aos casos análogos aos prevenidos nele ou ao legislador ordinário a liberdade, que lhe não está tolhida, de completar o texto constitucional à medida que novas circunstâncias o exigissem.
Ou então, no caso de se querer que a Constituição refira todas as entidades cujos funcionários ficam sujeitos à disciplina prescrita pelo artigo 24.º, substituir a enumeração específica por outra, que poderia ser a seguinte:
Estão sujeitos à disciplina prescrita no artigo anterior os funcionários e assalariados das pessoas colectivas de direito público e todos quantos prestem serviço nas associações ou instituições que desempenhem funções de interesse público.
§ único. Na disciplina do pessoal das empresas concessionárias de serviços públicos ou de bens do domínio público ter-se-á sempre em vista o dever de integração dessas empresas nos fins superiores do Estado.
Com esta redacção abranger-se-iam genèricamente:
a) As pessoas colectivas de direito público, ou seja o Estado, as colónias, os institutos públicos (compreendendo os organismos de coordenação económica) e as autarquias locais;
b) Todas as associações ou instituições que desempenhem funções de interesse público, compreendendo-se neste número as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e os organismos corporativos (que são associações).
Ficaria campo aberto à interpretação do legislador ordinário e evitar-se-ia o risco de dentro de alguns anos ser preciso dar quarta ou quinta redacção ao artigo.
ARTIGO 38.º
20. O artigo 38.º da Constituição determina que o os litígios que se refiram às relações colectivas do trabalho são da competência de tribunais especiais».
Esta disposição obriga a submeter a tribunais especiais as questões emergentes dos contratos e acordos colectivos de trabalho, mas não impede que a lei ordinária estenda a jurisdição desses tribunais a outras questões, uma vez que o artigo 117.º só proíbe a criação de tribunais especiais «com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes».
A proposta dá nova redacção ao artigo, que passaria a estabelecer o seguinte: «Os litígios emergentes dos contratos de trabalho são da competência de tribunais especiais».
Dado que já actualmente a competência dos tribunais do trabalho compreende as questões suscitadas na execução dos contratos individuais (e repare-se, todavia, que não haveria ilogismo em remetê-las, quando relativas a altos ordenados, aos tribunais comuns, como já há anos se praticou) e que a nova redacção proposta é dispensável, a Câmara Corporativa, fiel à sua orientação de conservar quanto possível intacto o texto constitucional, é de parecer desfavorável à alteração.
ARTIGOS 45.º E 46.º
21. A proposta contém nova redacção para os artigos 45.º e 46.º, respeitantes às relações do Estado com a igreja Católica e ao regime dos cultos.
Presentemente vem primeiro, no artigo 45.º, o princípio da liberdade de culto público ou particular de todas as religiões, tendo como corolário a liberdade da organização confessional e o reconhecimento da personalidade jurídica, para efeitos civis, das associações ou organizações das igrejas.
A seguir, no artigo 46.º, consigna-se o regime de separação do Estado e da Igreja Católica ou de «qualquer outra religião ou culto praticados dentro de território português».
Pela proposta pretende-se fazer realçar a posição especial que de facto e, hoje em dia, até mesmo de direito, pertence à Igreja Católica Apostólica Romana, em cujo grémio milita a esmagadora maioria dos portugueses e que sempre tão intimamente se tem encontrado ligada à História de Portugal.
Assim, o artigo 45.º proclama a liberdade do culto da religião católica com o da religião da Nação Portuguesa, e define as linhas gerais do regime jurídico da Igreja Católica.
No artigo 46.º estendem-se às demais confissões religiosas e cultos «praticados dentro do território português», os princípios de separação, liberdade de culto e de organização e reconhecimento da personalidade jurídica das associações religiosas.
Como sistema, a Câmara julga melhor o actual. Se efectivamente existe em Portugal a liberdade de religião e de culto - que nos tempos correntes é apreciada como um dos benefícios inalienáveis da civilização ocidental - parece que é pela sua afirmação que deve principiar-se.
Fiel à orientação de tocar o menos possível no texto constitucional, esta secção da Câmara inclinar-se-ia para conservar, pois, o actual artigo 45.º, limitando as alterações a fazer ao artigo 46.º, onde, na verdade, se impõe que fique consagrado o princípio de que a Igreja Católica, em cujo seio professa a maioria dos portugueses, tem direito a posição especial.
Os princípios consignados no artigo 45.º estão hoje no ânimo de quantos, mesmo acreditando firmemente na verdade religiosa, julgam dever prático de governo e obrigação de caridade cristã deixar que os homens sinceros que professam outras religiões louvem e adorem Deus a seu modo.
Tanto mais que, nos conturbados tempos que correm, o grande abismo já se não abre entre os fiéis de duas religiões ou os sectários de duas confissões ou igrejas, mas (entre os que crêem em Deus e os que o negam, entre os que fazem profissão de fé no Espírito e os que tudo reduzem à fatalidade da Matéria.
Por isso, o artigo 45.º é de manter tal como está 1.
22. As alterações mais importantes restringir-se-iam, portanto, ao texto do artigo 46.º, a que corresponde o artigo 45.º da proposta de lei. A matéria é extremamente delicada, como tudo quanto vai tocar com sentimentos profundos e questões de fé. Não obstante, a Câmara procurará formular algumas observações, restritas, o mais possível, ao campo da política e do direito público.
1 A mesma conclusão chega, embora por outras vias, António Leite em A Igreja e o Estado - A propósito da próxima revisão constitucional (Lisboa, 1950):
Postas estas considerações, e entendido assim como norma prática de governo; não teríamos dificuldade em admitir o artigo 45.º da Constituição e o artigo 23.º do Acto Colonial, que lhe é paralelo. Quando muito restringiríamos um pouco o final do artigo 45.º (p. 11).
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A proposta faz a afirmação de que o culto da religião católica é livre como culto da religião da Nação Portuguesa. Já se viu acima que a liberdade de cultos deve ser igual para todos. Tanto mais que importa não esquecer que, dentro do princípio de comunidade de direito orientador da integração do Acto Colonial no texto da Constituição, este preceito contém a regra normativa da conduta do Estado em África, na China e na índia, onde outras religiões são professadas por grandes núcleos de súbditos portugueses, constituindo maioria nos seus territórios.
Por outro lado, a Câmara teme que a inscrição na lei constitucional da afirmação da existência de uma religião da Nação venha ia ser a porta aberta para o regresso a uma religião oficial, com os seus inconvenientes práticos.
Talvez não fosse inconveniente meditar nas reflexões do chanceler Schuschnigg, sucessor de Mons. Seipel e de Dollfuss na chefia do partido católico austríaco, a propósito da declaração inserta na Constituição da Áustria de 1934, de que a Áustria constituía um Estiado cristão:
...la déclaration de l'Etat «chrétien» ne fût un avantage ni pour l'Eglise, ni pour l'Etat. Pour l'Eglise, parce que tous ceux qui entraient en opposition avec l'Etat, fût-ce pour de minimes raisons administratives, rendaient en partie l'Eglise responsable de leurs mécomptes, d'où une désaffection de l'Eglise à titre de manifestation politique. Pour l'Etat parce qu'il se produisait une source continuelle de frictions inévitables. Les dificultes étaient nombreuses...
................................................................................
On risque... de voir se développer cette hypocrisie et ce faux christianisme, qui ont toujours compté parmi les plus grandes plaies de l'Eglise. On peut croire personellement à l'idéal chrétien, on peut lutter pour lui, mais on ne peut pas vouloir en faire une sorte de monopole spirituel protege par l'Etat. Il perd dans ce cas de son contenu et de sa profondeur pour dégénérer en cette superficialité qui est la mort de toute conduite vraiment spirituelle, de tout caractère et de tout sentiment religieux sincère (Requiem, pp. 215 e 216).
As frases finais fazem lembrar a frase de um político católico francês do século XIX:
Le monde redeviendra chrétien quand l'Eglise sera non plus une force mais une lumière.
Uma breve nota será também oportuna acerca da referência feita na proposta às «concordatas e acordos aplicáveis na esfera do Padroado», que a algumas pessoas menos esclarecidas poderá parecer pouco actual:
O Decreto-Lei n.º 37:917, de 1 de Agosto de 1950, aprovou, para ser ratificado, o texto de um acordo entre a Santa Sé e a República Portuguesa que modifica profundamente o regime do Padroado do Oriente, por se reconhecer «a conveniência de adaptar à nova situação da Índia as disposições estipuladas na Concordata assinada em Roma em 23 de Junho de 1886 e no Acordo assinado na mesma cidade em 15 de Abril de 1928».
Este Acordo não suprimiu o regime do Padroado, que fica a subsistir, mas restrito às dioceses de Macau e de Goa, prevendo-se que o território desta última venha a ser objecto de nova delimitação.
O arcebispo de Goa e Damão mantém a dignidade metropolitana e patriarcal que lhe foi conferida pelo artigo 2.º da Concordata de 1886, e por este motivo conserva o privilégio de presidir aos concílios provinciais de toda a índia, na qualidade de primaz do Oriente.
O Governo Português conserva o direito de apresentação dos prelados dessas duas dioceses e a propriedade dos bens que possuía nos territórios da antiga jurisdição do Padroado e mantêm-se em vigor as estipulações relativas à nacionalidade dos párocos de determinadas paróquias.
O regime do Padroado subsiste, pois, quanto às dioceses (portuguesas de Goa e Macau.
23. Quais serão os pontos que, sob o aspecto estritamente jurídico-político, interessaria consagrar na Constituição quanto às relações entre o Estado e a Igreja Católica?
Em primeiro lugar, é inegável a necessidade de destacar a posição especial da Igreja Católica, em cujo grémio professa a grande maioria dos portugueses. O reconhecimento dessa posição parece suficiente para legitimar o estatuto privilegiado que em matéria confessional é dado à Igreja.
A Constituição irlandesa de 1937, que tanto parentesco espiritual oferece com a portuguesa, e onde manifestamente influíram os sentimentos religiosos que figuraram entre os mais fortes estímulos da independência nacional, resolveu assim o problema da posição do Estado em face das igrejas:
Art. 44.º ......................................................................
................................................................................
2) O Estado reconhece a posição especial da Santa Igreja Apostólica Romana como guardiã dia fé professada pela grande maioria dos cidadãos.
3) O Estado reconhece também a Igreja da Irlanda, a Igreja Presbiteriana na Irlanda, a Igreja Metodista na Irlanda, a Sociedade Religiosa dos Amigos na Irlanda, assim como as comunidades israelitas e as outras confissões religiosas existentes na Irlanda à data da entrada em vigor da presente Constituição.
Em segundo lugar, convirá consagrar constitucionalmente o princípio de livre exercício da autoridade da Igreja afirmado no artigo 2.º da Concordata com a Santa Sé.
Finalmente, manter-se-á a referência ao regime de separação amigável actualmente vigente nas relações entre os dois poderes. A separação ida Igreja e do Estado surgiu em Portugal com carácter unilateral e sectário, lê por isso ofendeu [profundamente a consciência religiosa da Nação. Mas o regime é aceite pela Igreja quando estabelecido concordatàriamente, como é o caso no nosso país. E, desde o momento em que a Santa Sé o admitiu e aceitou, não se vê razão para que continuo a escandalizar.
Nestes termos, o artigo 46.º ficaria assim redigido, no parecer unânime dos signatários deste parecer:
Art. 46.º O Estado reconhece a posição especial da Igreja Católica, em que professa a maioria dos portugueses. É garantido à Igreja o livre exercício da sua autoridade, com a faculdade de na esfera da sua competência, exercer os actos do seu poder de ordem e jurisdição sem qualquer impedimento. O Estado mantém em relação à Igreja Católica o regime de separação, sem prejuízo das relações diplomáticas entoe a Santa Sé e Portugal, com recíproca representação, e das concordatas e acordos aplicáveis na esfera do Padroado ou de outros em que sejam ou venham a ser reguladas matérias de interesse comum.
Em anexo publica-se o parecer subsidiário que sobre a matéria destes artigos foi emitido pela secção de Interesses «espirituais e morais.
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ARTIGOS 72.º, 73.º, 74.º E 75.º
24. No texto actual da Constituição o artigo 72.º define a chefia do Estado Português como magistratura temporária, e electiva e fixa as regras fundamentais da eleição. Os artigos 73.3 e 74.º contêm as inelegibilidades e incompatibilidades relativas ao cargo. O artigo 75.º respeita ao início do exercício das funções presidenciais, posse e juramento do Presidente eleito.
A sequência dos artigos obedece, pois, a uma ordem lógica plenamente satisfatória e a sua comparação com i arrumação das matérias na nova redacção da proposta de lei (para cujo entendimento importa ter presente a rectificação publicada no 3.º suplemento ao n.º 70 do Diário das Sessões de 25 de Janeiro de 1951) mostra à primeira vista a superioridade do sistema que está.
Fiel à sua orientação, a Câmara .Corporativa procurará integrar no próprio texto actual as alterações que haja a fazer, com o mínimo de transtorno da feição e disposição dos artigos.
Importa, pois, ver quais são as alterações de fundo que constam da proposta de lei.
São as seguintes:
a) Deixa de figurar na Constituição o modo de eleição do Presidente da República;
b) Condiciona-se a elegibilidade a uma apreciação da idoneidade política dos candidatos a fazer pelo Conselho de Estado;
c) Prevê-se a hipótese de não ser possível convocar os colégios eleitorais a tempo de substituir, findos os sete anos do mandato, o Presidente que os cumpriu.
25. Segundo o § 2.º do artigo 72.º a eleição do Presidente da República terá lugar «por sufrágio directo cios cidadãos eleitores».
Desaparecendo do texto .constitucional esta disposição, ficará para ser regulado por lei ordinária o modo pelo qual há-de ser eleito o Chefe do Estado.
Ora não parece que tão importante elemento do estatuto político possa deixar de figurar no texto constitucional para andar à mercê das oscilações de critério do legislador ordinário.
Nas Repúblicas o modo de eleição do Chefe do Estado é, inquestionàvelmente, matéria constitucional.
Assim o mostram, por exemplo:
A Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, de 17 de Setembro de 1787, cuja secção lado artigo 2.º regula a eleição do Presidente por sufrágio indirecto;
A Constituição da Finlândia, de 17 de Julho de 1919, cujo artigo 23.º igualmente prescreve a eleição por trezentos eleitores de 2.º grau, escolhidos por sufrágio universal;
A Constituição da República Turca, de 20 de Abril de 1924, que no artigo 31.º estabelece a eleição em sessão plenária da Grande Assembleia Nacional e de entre os seus membros;
A Constituição da Irlanda (Eire), de 28 de Dezembro de 1937, que no artigo 12.º, alínea 2, preceitua a eleição do Presidente «em sufrágio popular directo»;
A Constituição Francesa, de 27 de Outubro de 1946, cujo artigo 29.º reza assim: «O Presidente da República é eleito pelo Parlamento»;
A Constituição da República Italiana, de 27 de Dezembro de 1947, que pelo artigo 83.º determina que o Presidente seja eleito pelo Parlamento, reunido em sessão comum, acrescido de três delegados de cada região e de um do Vale de Aosta...
Esta indicação, a título exemplificativo, compreende unicamente constituições em vigor, mas poderia ser continuada, mesmo só com essas, numa lista de grande extensão, se não parecesse inútil insistir no que parece incontestável: que em todas as Constituições republicanas do Mundo se prescreve o modo de eleição do Chefe do Estado.
Não se vê razão, portanto, para se proceder diferentemente na Constituição portuguesa.
26. A eleição por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, estabelecida em 1933, tem, como todas as coisas, as suas vantagens e os seus inconvenientes.
A Constituição do Estado Novo obedeceu ao intuito de reforçar a posição política do Presidente da República, inclinando-se no sentido de um regime presidencialista, atenuado pela existência do Presidente do Conselho de Ministros, da livre escolha do Chefe do Estado e só perante ele responsável.
Desde que a função governativa ficava assim dependente exclusivamente do Presidente da República e que o Governo recebia o poder de legislar por decretos-leis (sujeitos à promulgação do Chefe do Estado), era necessário que o Presidente tivesse por fonte da sua autoridade o mesmo sufrágio universal ao qual era confiada a eleição da Assembleia Nacional.
A eleição popular, directa ou indirecta, é uma exigência lógica dos regimes presidencialistas: o Presidente, para ser independente do Parlamento, tem de ter uma autoridade igual à dele, brotada da mesma fonte. Como dizem os constitucionalistas norte-americanos, nesse tipo de Constituição política chocam-se duas concepções: «the idea that the people are represented in the Legislature versus the idea they are embodied in the Executive». O Parlamento representa o povo, mas o Presidente da República personifica-o.
Portanto, no domínio da pura lógica, havendo uma Assembleia Nacional eleita por sufrágio universal, o Presidente da República também o deve ser.
A eleição do Presidente mediante sufrágio universal tem vantagens inegáveis: assegura, em princípio, o prestígio da pessoa escolhida, furta a escolha às combinações dos grupos e corrilhos, tantas vezes feitas à última hora nos corredores parlamentares e, até, chamando os eleitores de todo o País de qualquer classe, profissão, sexo ou condição a manifestar-se assegura a neutralização de tendências exclusivistas, facilitando uma escolha de caracter nacional.
Mas também tem inegáveis inconvenientes. Deixa a Câmara de lado, por demasiado conhecidos, os argumentos de princípio que condenam em geral o sufrágio universal, sobretudo nos países latinos. Não vale a pena insistir em ideias que hoje são correntes e que, há-de haver oitenta anos, inspiraram já a Oliveira Martins o seu primoroso folheto As Eleições.
Pelo que respeita especialmente à eleição do Presidente da República, a experiência, nossa e estranha, tem mostrado que o sufrágio universal directo apresenta dois inconvenientes principais.
Em primeiro lugar, para que o eleitorado possa plebiscitàriamente pronunciar-se sobre a personalidade a eleger para a chefia do Estado é necessário que conheça bem os candidatos. Ora para um candidato gozar de uma tal aura popular há-de ser um militar com loiros colhidos na frente da batalha, um sábio cujas descobertas hajam beneficiado a Humanidade, um escritor ou um artista cujas obras tenham penetrado profundamente na alma nacional, um orador de efeitos fáceis capazes de agitar emocionalmente as multidões, raramente um político de altos serviços prestados no Governo, porque governar é descontentar.
Porém, nem a guerra, nem o laboratório, nem as letras e as artes, nem a oratória demagógica são, por via de regra, a escola ideal dos estadistas. E uma carreira política no Governo, na alta burocracia, na diplomacia, mesmo de estudo afincado e atento nos gabi-
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netes das escolas de ciências sociais, não conquista, em geral, para quem a faz os favores da popularidade.
Apresentado o candidato, se este não é (o que só excepcionalmente, portanto, acontecerá) uma personalidade de inegável categoria política e bem conhecida da Nação, torna-se mister uma campanha de propaganda para exaltar os seus méritos e revelá-los ao eleitorado.
Mas aqui surge o segundo grave inconveniente: a campanha divide os partidários das diversas candidaturas, que ao mesmo tempo elogiam o seu candidato e denigrem o do adversário. Durante trinta ou quarenta dias os homens que se propõem consubstanciar a unidade nacional estão sujeitos a ver a sua vida analisada dia a dia; recordados todos os erros, censurados todos os deslizes, exagerados todos os defeitos, malsinados todos os propósitos, ridicularizadas todas as atitudes. Quando, ao cabo deste exame, um candidato obtém a maioria de votos, o homem que se senta na cadeira presidencial para exercer a magistratura suprema da Nação pode muito bem ser o mais infeliz e o menos prestigiado de todos os cidadãos.
Noutros países uma campanha assim talvez decorra num ambiente áspero, mas cheio de desportiva bonomia, e os candidatos poderão esquecer facilmente, no minuto mesmo do apuramento dos resultados, as críticas que não chegaram sequer a ser consideradas agravos e que o público considerou mera necessidade da competição. Mas em Portugal todos reconhecerão facilmente que não seria assim. Um Presidente com largos poderes de governo e com a consciência de ter sido escolhido só por uma parte dos cidadãos, considerando-se agravado por outra parte, dificilmente poderia manter a serenidade e a imparcialidade que a sua função de árbitro e chefe nacional imprescindivelmente reclamam.
A nossa própria experiência política sob a Constituição de 1911, em condições diferentes embora, já tem mostrado como o Presidente para cuja eleição um ou alguns partidos se tenham negado a concorrer pode guardar contra estes, no decurso de todo o seu mandato, um ressentimento depressa volvido em ostentiva ou mal, disfarçada hostilidade.
27. Se se pensasse que os inconvenientes da eleição do Presidente da República por sufrágio universal directo superavam as vantagens, restariam duas outras soluções: a eleição pelas .assembleias legislativas e a eleição por um colégio eleitoral especial.
Comecemos por esta última fórmula, que ë a norte-americana, mas que na Europa tem sido adoptada rarissimamente (na Finlândia, apenas, segundo parece).
Quando os autores da Constituição norte-americana optaram pela escolha do Presidente por uma assembleia que os estados elegeriam especialmente para esse fim o seu pensamento era subtrair a designação do Chefe do Estado à multidão, confiando-a a um grupo selecto de cidadãos mais capazes de ponderarem todas as qualidades necessárias para o exercício de tão grave magistratura. A massa popular, incapaz de escolher um Presidente, pode perfeitamente designar alguns homens bons para em seu critério e consciência escolherem por ela 1.
A breve trecho, porém, o sistema deixou de servir para o fim que a prudência dos patriarcas da independência americana lhe tinha assinado. Os partidos lançaram-se a fundo na eleição presidencial. Cada partido escolhe antecipadamente o seu candidato, em assembleia geral ou convenção adrede reunida, e depois, em cada estado, propõe os nomes dos eleitores que hão-de eleger o candidato partidário. A massa popular, ao votar nos eleitores do Presidente, vota, de facto, no partido e no candidato que ele apresenta, sem que lhe interessem os intermediários. Por isso, logo que se apura o escrutínio do primeiro grau, o número de eleitores eleitos por cada partido elucida imediatamente sobre o nome do candidato vencedor.
Quer isto dizer que, de facto, tudo se passa como se o sufrágio fosse directo, e nem sequer falta na campanha eleitoral a discussão sobre as pessoas dos candidatos, os quais intervêm nela proferindo numerosos discursos.
Parece, pois, de afastar este modo de eleição indirecta.
Quanto à escolha pelas assembleias legislativas, é o processo adoptado nos regimes parlamentares e era o consagrado na Constituição de 1911. As suas vantagens são o não necessitar de fazer discutir publicamente os candidatos e permitir a indicação de um homem de estado conhecido sobretudo das pessoas experientes dos negócios públicos. Os inconvenientes são o facilitar a acção da intriga nessa designação, o dar ao país a impressão de que tudo se passa «entre políticos» e à margem da nação real, o colocar o Presidente na dependência (moral, ao menos) das assembleias legislativas-não lhe conferindo o prestígio indispensável ao exercício do cargo quando este corresponda a uma efectiva função de autoridade, como sucede na Constituição portuguesa.
Km alguns países atribui-se à eleição parlamentar ainda o vício de por vila de regra, sair dos conluios políticos a indicação de personalidades apagadas, únicas que não suscitam oposições muito vivas nem criam o risco de resistências muito tenazes à vontade dos chefes dos grupos ou partidos... Mas esse defeito não é privativo da democracia parlamentar, como se pode ver ,no capítulo que Bryce escreveu no seu livro «clássico sobre a República Americana, quanto às razões por que nesse país os grandes homens não são eleitos presidentes 1.
Muitas destas críticas não são, de resto, cabidas no regime português, dada a especial composição e situação das assembleias legislativas. A Assembleia Nacional procede do sufrágio universal, mas no seu seio não existem partidos permanentes; a Câmara Corporativa corresponde a uma representação orgânica, através da qual se exprimem interesses morais, culturais e económicos de toda a Nação. A junção das duas Câmaras originaria, pois, um colégio eleitoral de esbatido matiz político e de indiscutível significação nacional.
28. Tudo ponderado e largamente discutido no seio da Câmara, inclinou-se esta, por maioria, para a ma-
1 Eis como Bryce explica a solução adoptada: «A nomeação pelo povo, por sufrágio directo popular, do primeiro magistrado provocaria uma perigosa sobre-excitação e daria demasiado incentivo aos candidatos sem outros dons que não fosse a popularidade. O abandono da escolha ao Congresso subordinaria o Executivo ao Legislativo, com violação do princípio que exige que esses departamentos se mantenham distintos; por outro lado, o Presidente, em lugar de ser o eleito da Nação, tornar-se-ia a criatura de uma particular facção. Por estas razões se adoptou o sistema da eleição dupla, talvez com uma vaga reminiscência dos métodos usados ainda nossa época em Veneza para a escolha do Doge e na Alemanha para a do Imperador romano. A Constituição prescreve a cada estado a escolha de um número de eleitores presidenciais igual ao número dos seus representantes nas duas Câmaras do Congresso. Algumas semanas mais tarde estes eleitores reúnem-se em cada estado no dia fixado por lei e dão por escrito os seus votos para a presidência e para a vice-presidência... Esperava-se deste método que assegurasse a designação, pelos melhores cidadãos do rada estado, com calma, reflexão e perfeita independência de critério, do homem que considerassem mais apto a exercer a suprema magistratura da União. Escolhidos como eleitores pelos seus méritos pessoais, seriam mais qualificados do que as massas para eleger para a presidência um homem capaz e honrado». De La Republique Américaine, 2.ª
edição francesa, tomo I, pp. 69 e 70.
1 Ob. cif., tomo I, capítulo VIII, p. 123.
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nutengílo do sistema actual da eleigão do Chefe do Es. tado por sufrágio uniff.eraal o directo, pel" seguintes cousideraçoes pírincipais:
a) Dada a posição proeminente e indepeudente do Chefe do Estado na Constituigílo, é essa a única forma de a tornar efectiva -e de a assentar sobre uma base sólida de legitimidade;
b) Apesar de todds -os seus defeitos, o sufrágio universal é ainda, nos -regimes republiennos, a melhor forma que nhé hoje se descobriu de assegurar a intervenção popular na cleterminagílo do rumo do Estado;
c) As nampanhas eleitorais, com os inconvenientes inegáveis que possam %presentar, constituemuíma owsi&> -n~ífica de, emaim de conaciênraiu nacional e para despertar a consciênuia política da Nagão, possivelmente adormecida nos intervalos por um iuéto;d ' o de governo que dá o maior predomímio
• Admini traçto e ondo prepondera a burocracia;
d) Finalmente, há toda a vantagem em manter • forjiii de sufrágio quê se encontra consagrada já na coi-tstituiç.10 e cujo funcioliamento nIrRal. não se pode-dimer que haja denionstrado deficiência& no espírito cívico do ]?ais.
29. A segunda. inovação da proposta iae lei -Teqpeita à a-preciução da idon4aidadepolítica dos candid-atos, a-ntos da aceitação, oficial. das canaídaturaa, pelo Conselho. de FÁstado.
Essa idoneidade &&ria considorads sob o aspecto de o caiiclidato afeinecer ou alio garantias as reerpeito e Uelidade aos pxincpios fundazd-entais ala ordem. política e social consignados. ma Constituiçao.
A precaução é perfeitawente compreensível. se for mantida a eleição por "Ii-á-gio universal directo; torna-ac dispensável no ca-so contrário.
. 2 compreensível - e mesmo imprescindivel. - no caso -de o Presidente cor eleito por ulrágio directo e GUIVe~, ~ue nos tempos, presentes a Nação não pode ficar à miercê do "gol-pa de estado constitucional ". ALq instituiçka d"mocráfácaa t" -a fraqueza de parmi,tir que -à soinbra doR qwiwípios que us regem eã forças adverísas no . minem e destruain. 0 advento do Hitler ao podior fez-se na A-I"nha Begundo, os mais oa,rree," cânones ec>nstitucionais fix" em. Walmwar. E em Tortugal já se'assistiu à apresentação ao unia candidatura com 0 programa o~-siv<_ a='a' de='de' pa2-a='pa2-a' vi='vi' incios='incios' entebr='entebr' legais='legais' utilizaros='utilizaros' iegaiiaaae='iegaiiaaae' destruir='destruir'>
A g-idavidade da luta qme &e trava nos Nias áe hoje e a irrodutibilidad-e das ooncepç5es d-a vida odo Mundo que nel" se Opõem rlão permitein'mais ia dimplicenth tolaTâUOia -de outrora no jogo político flo sufrágio.
bora a Nação tenha respondido eloquente o inequivocamente ao deisafio que lhe foi lançado em 1945, importa acautelar os interesses isagrados do País, não deixando que £quem -à mercê Nde um lance ao dados.
se ae toa.ºsquantos exercem ou protenaera exercer "ang5es públicas se exige que deem',gaTantias, de fid-eliana e aos principios cowtitucionais de o-raempolítióa e social, como iáe há-de deixar correr quando, se ti-ate 'de -candildatos à auprema magi~tura, do Estado?
Dissemos que no caso da eleição pelas assembleim IegB1at1vas a prévia apreciagi-to da itIoncidade polftim seria aispausável, porque o wxáctew restrito do colégio eleitoral a a e=periência da vida, pública dos seus membros levariam naturalmente a fazer essa apreciagrw por -eles próprios.
Mas, mantendo-se o suIrágio universal, a intervenção de, um óngxo. composto ao pessoas conspféuias o experientes na seiecção aos oanclid%tos a isuf~r parem até uma ideia -paTticularm ente %li!z, ipoia representaria
DURIO DAS SESSOES N.º 74
'ama emilbin4,9ão entre a escolha popular e a soleogilo pelos o elhores, que era, afinal, 6 úe -estava no espírito dos,co.nstituintes norte-ranericanos ao adoptamm a fórmula da "leigiio -em dois gmus.
0 eleitoradó pronunciar-se-á, pois, se a Assembleia aprovar a 1).roposta do Governo, -sobre aqueles canaidatos que o Conselho de Estado considerar prim-eiro idóneos para cumprir p Ia.-er uuinipwiT os p~eitos consti-tucio-
11015.
2 uma providência de legítima def esa -'constitucional e, ao mesmo teiiipo, um anodo, de impddir -a apresentagio -de candidaturas f natmista,& ou, subversivas.
É claro que aeria um (erro pensar quia a existência clast juízo sobiie a ádoneiddde política das caildidatos devesse tolher a possibilidade de discussão ou de escolha entro dois ou mais vanaidatos iaóneos. Nem -assa priinieiTa 6e1ec-gii"o, db caTáctior puramente negativo., pode jiilgar-se sufieiente garantia ao regime, que dispense os jpkrl.id.~Lna de porein. -na sua defem e a-calizaglio o MIO, adedicaçílo e é espírito de sacrifício, sem os quais nffo há obra huanana quio I)ossa perdurar.
A intei-vençílo do Cor=lho de %tado, seria uma precaução, um juízo, ntio uma tutblanem. uma con-raga.
A Câmaxa Oorporativa, por esfies motivos, dá a a= aprovagão à inovagíLoproposta, mas, quanto à redacção, propão que a interve"ao -do Conselho, de Estado conste só do lugar próprio, que -é na disposição Telativa, à compatôncia (iartigo 84.0).
30. A terceira invvação foi introduzida no corpo do ncwo artigo 74.0, ofide se diz que co Presidente é eleito por sete anos impro?rogdveis, salvo o caso de acontecimentos que tornem impossível a convocação dos colégios eleitoraú, teriaitumdo assim o inandato logo que, realizado o acto eleitoral, se proceda à prpcZawwçdo do vãovo Chefe do Estado".
Um primeiro luffar, o funcionamento regular das instituiç5a9 do Es - o representa um valor de tal modo importante na vida de uma nagilo que só se admite seja impedido por autênticoa casos de força maior, e desses 2nesnio a Câmara áó descortina um que verdadeiramene justifique anão reali.%açíío da eleigílo do Chefe do Estado na data marcada pela Coustituiç-.-&o: a guerra no terri-
tórío metropolitano ou.
nação inimiga.
Ainda há poucos anos, aquando da invasão o da derrota da França, a ocupagiio de parte do solo nacional pelo vencedor obrigou a Assembleia Nacional Constituinte a suspender a Constituição de 1875 e a criar um regime transitório compatível com as circunstâncias.
Mas, à parte este caso, é necessário que não fique na
Constituiç.ão uma disposigão por tal modo vaga que
possa eneora , Jar o.pi-olongamento de um mandato pTe
sideneial -a simiples arbítrio"de quem pretenda impor o
seu poder pessoial.
De resto, na hipótese de força maior não se trata de uma verdadeira prorrogação do mandato, o que sup5e uma manifestação -de vont.,tde do colégio eleitoral ou de outros órg,'ms da soberania, a sim de um prolongwrwnto im.posto pelas circunstâncias.
0 carácter -excepcional da hipótese prevista talvez nito tornasse indispensável o preceito, visto ser doutrina lassente que, a verificar-se a forga maior, é, por definiçffo, impossível cumprir as obrigaçõea constitucionhis, a ficam isentos de responsabilidade os que hajam sido foi-gados a proceder em termos diversos do9 estabeleoidos na lei fundamental ao Estado. Desde que assim é, desde que a violação da lei é justificada por um procedimento em estado de "ce3~, tonar-se-ia inútil incluir na Constituição um receito cujos, termos aejam. suacoptíveis de - perigosas aX0aç5es.
a ocupagffo aeste por tropas de
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Mas não há inconveniente em prever a hipótese, por muito rara que seja, contanto que fique restrita ao caso de impossibilidade resultante de guerra.
31. De harmonia com as considerações feitas e procurando manter a actual numeração e sistematização dos artigos, a Câmara Corporativa propõe que as alterações a estes artigos se reduzam a acrescentar um parágrafo ao artigo 72.º e outro ao artigo 73.º, ficando o resto como está no texto vigente:
Art. 72.º ......................................................................
§3.º Se, em consequência de guerra, for impossível a convocação dos colégios eleitorais na data resultante da aplicação do parágrafo anterior, far-se-á essa convocação logo que cessem as razões de força maior, considerando-se prolongadas as funções do Presidente até que tome posse o seu sucessor.
Art. 73.º ......................................................................
§ 1.º Não será aceite a candidatura daqueles que não ofereçam garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consagrada na Constituição.
§ 2.º (O actual § único).
ARTIGO 80.º
32. O artigo 80.º da Constituição contempla a hipótese de vacatura da Presidência da República antes do termo normal de um mandato por morte, renúncia, impossibilidade física permanente do Presidente ou ausência para país estrangeiro sem assentimento da Assembleia Nacional e do Governo.
A eleição do novo presidente, em tais casos, deve ocorrer dentro do prazo máximo de sessenta dias, a contar da data de declaração da vacatura.
E o § 2.º dispõe que:
Enquanto se não realizar a eleição prevista neste artigo ou quando, por qualquer motivo, houver impedimento transitório das funções presidenciais, ficará o Presidente do Conselho investido nas atribuições do Chefe do Estado, conjuntamente com as do seu cargo.
A este parágrafo a proposta de revisão vem acrescentar o seguinte:
...ou, na sua falta, o Ministro que o deva substituir pela ordem de precedência.
O aditamento merece atenta reflexão.
E antes de mais há que classificá-lo no número daquelas alterações constitucionais que se não podem classificar de necessárias nem de urgentes.
As hipóteses por ele previstas são a morte simultânea do Chefe do Estado e do Presidente do Conselho ou impossibilidade física também simultânea, ou o abandono de funções de ambos, com ou sem retirada para país estrangeiro. Além disso, é também abrangida a hipótese de o Presidente do Conselho, em exercício das funções de Chefe do Estado, morrer no decurso dos sessenta dias que medeiam entre a cessação ou impedimento de um Presidente e a eleição do sucessor.
São todas elas hipóteses catastróficas, cuja probabilidade de verificação é pequeníssima. E, quando alguma vez se produzissem, decerto se acharia uma solução prática para o caso.
Já que, todavia, a questão foi posta no plano da revisão constitucional, vejamos se a solução proposta é a mais aconselhável e se está correctamente formulada.
33. Ao elaborar-se uma constituição política é erro, e erro que pode ser muito grave, redigir os seus preceitos em atenção a determinadas pessoas que de momento desempenhem funções de Governo. Os preceitos constitucionais não devem ser concebidos tendo em vista o presente, nem sequer com a ideia de poderem ser substituídos de cinco em cinco anos, mas com a aspiração de uma duração indefinida e, se possível, perpétua.
É à luz deste critério que a Câmara vai examinar o § 2.º do artigo 80.º da Constituição.
O regime político português, embora inspirado fortemente no tipo presidencialista, afasta-se dele. pelo facto de não atribuir ao Presidente da República a condução efectiva das tarefas administrativas do Governo, impondo-lhe que confie essa função a um Presidente do Conselho da sua exclusiva escolha e confiança. É um sistema a que já se chamou presidencialismo bicéfalo.
O Presidente da República pode assim conservar-se afastado das responsabilidades imediatas do Poder, em condições de servir de supremo orientador da vida política da Nação e de fiel e árbitro da balança em que actua o peso dos vários órgãos de soberania e das várias forças sociais.
É, pois, da essência deste regime que exista um Presidente da República e um Presidente do Conselho: um como Chefe do Estado, o outro como Primeiro-Ministro do Governo.
Se o Presidente da República chamasse a si as funções de Chefe do Governo (como sucede em várias constituições da América da Norte e do Sul), poderia esse facto, em países latinos, trazer como consequência um excessivo desequilíbrio de poderes e até, porventura, salvo o caso de tratar-se de personalidade excepcional, afectar o seu prestígio como entidade que incarna e personifica toda a Nação.
Mas já ficou dito que o Presidente da República, eleito plebiscitàriamente e assim ungido com o sufrágio, é um delegado da Nação para o exercício da soberania que nela reside em potência. Compreendia-se, portanto, que, em caso de impedimento do Presidente do Conselho, chamasse a si a chefia efectiva do Governo, retomando os poderes que temporàriamente lhe confiou. Isto em tese, porque a hipótese está fora de discussão.
Vejamos agora o caso de impedimento do Presidente da República. Há a distinguir: ou se trata de um impedimento curto (por doença ou ausência autorizada do País, por exemplo), e então compreende-se que as suas funções sejam exercidas pela pessoa por ele escolhida para realizar o seu pensamento, e que assim, assegurará a continuidade governativa sem interrupção; ou então dá-se a morte, renúncia ou outro facto que determine vacatura do cargo, e nesse caso só um outro órgão de soberania que possa autorizar-se com a representação nacional deve prover à substituição.
Foi assim que se chegou à fórmula do artigo 51.º da Constituição de Weimar: «O Presidente do Reich é, em caso de impedimento, substituído, primeiramente, pelo Chanceler do Reich. Se se presumir que o impedimento deverá prolongar-se por certo tempo, a substituição será regulada por uma lei do Reich. E da mesma forma se procederá no caso de vacatura prematura da presidência, até que a nova eleição tenha lugar».
A nossa Constituição estabeleceu que em todos os casos a substituição compete ao Presidente do Conselho, dentro do princípio de que este é, a tratar-se de impedimento temporário, o mais fiel representante do pensamento do Presidente da República e, para as outras hipóteses, a primeira dignidade do Estado depois dele.
Ora, tais razões já não valem paira justificar o aditamento agora sugerido. Os Ministros são nomeados pelo
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Presidente da República, é certo, mas sob proposta do Presidente do Conselho, perante quem respondem politicamente pelos seus actos (Constituição, artigo 108.º) e de quem são, na prática, auxiliares e agentes.
Assim, não existe, como para o Presidente do Conselho, uma delegação directa e imediata da autoridade do Chefe do Estado nos Ministros e uma escolha pessoal destes.
Por outro lado, na ordem de dignidades do Estado, ao Presidente do Conselho seguem-se aqueles que presidem aos restantes órgãos de soberania: o Presidente da Assembleia Nacional, o Presidente da Câmara Corporativa e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
A substituição do Chefe do Estado, portanto, no caso de falta ou impedimento do Presidente do Conselho, deve ser deferida ao Presidente da Assembleia Nacional, que, de resto, é eleito para essas funções (por uma corporação cuja autoridade tem a mesma origem e o mesmo fundamento da do Presidente da República.
Acrescente-se ainda que não existe ordem legal ou hierárquica de precedências dos Ministros. Estes são todos iguais e apenas guardam entre si a precedência protocolar costumeiramente estabelecida pela data de aparecimento dos seus cargos, considerando-se o Ministro da Justiça sucessor do Chanceler-Mor do Reino e o Ministro das Finanças herdeiro do Presidente do Conselho da Fazenda.
A esta regra se abriu excepção com o aparecimento de Ministros adjuntos à Presidência, que se entende fazerem parte da Presidência do Conselho; mas, à parte essa posição protocolar, nada os destaca dos outros Ministros à face da lei.
Portanto, «a ordem da precedência» não fornece qualquer justificação para fundamentar a entrega da substituição da Presidência da República a um Ministro de preferência a outro.
Nem se diga que em caso de crise o facto de ser um Ministro a assumir as funções de Chefe do Estado oferece maiores garantias de firmeza e decisão: a experiência política portuguesa prova que pode não ser assim, como se viu em 1918. E o Ministro que assumiu então a chefia do Estado não foi um qualquer, por o ordem de precedência», mas o que para esse efeito foi escolhido por parecer mais indicado.
Em resumo: a Câmara Corporativa, atendendo a que o regime constitucional assenta na existência de dois presidentes - da República e do Conselho -, e que só por excepção se deve admitir a concentração dias duas autoridades, dá o seu voto desfavorável ao aditamento proposto para o § 2.º do artigo 80.º, que entende desnecessário.
Quando, porém, a Assembleia Nacional julgue indispensável contemplar a hipótese prevenida por esse aditamento, sugere então a sua substituição pelo seguinte:
...ou, na sua falta, o Presidente da Assembleia Nacional.
ARTIGO 83.º
34. O artigo 83.º da Constituição trata da composição do Conselho de Estado. A proposta introduz nele duas alterações: eleva o número dos seus membros, de dez, que actualmente são, para quinze, e tira o carácter vitalício à função de Conselheiro de Estado exercida por homens públicos de superior competência, podendo de futuro, no início de cada período presidencial, o Chefe do Estado substituir cinco deles.
A primeira alteração é de somenos importância e pode merecer a aprovação da Câmara, atendendo à necessidade de abrir mais o acesso ao Conselho e de revesti-lo da autoridade necessária para o desempenho das novas funções que lhe são confiadas.
Mas, quanto à segunda, já tem de ser objecto da mais madura reflexão.
35. O. Conselho de Estado político, como órgão de consulta da Presidência da República, veio para a Constituição de 1933 da experiência monárquica, segundo a Carta Constitucional.
Os autores da Carta (que foram os mesmos da Constituição do Império do Brasil) aceitaram a doutrina de Benjamin Constant, segundo a qual nas monarquias constitucionais os poderes do Estado seriam quatro, e não apenas os três descritos por Montesquieu, visto que, além dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial, haveria um outro, exercido pelo Rei, como coordenador e equilibrador dos outros três, e que seria o Poder Moderador.
«Les trois pouvoirs politiques, tels qu'on les a connu jusqu'ici - escrevia Constant -, le pouvoir legislatif, exécutif et judiciaire sont trois ressorts qui doivent coopérer, chacun dans sa partie, au mouvement general; mais quand ces ressorts dérangés se croisent, s'entrechoquent et s'entravent il faut une force qui les remette à leur place. Cette force ne peut pas être dans l'un de ces ressorts car elle lui servirait à détruire les autres; il faut qu'elle soit en dehors, qu'elle soit neutre en quelque sorte, pour que son action s'applique partout où il est nécessaire qu'elle soit appliquée et pour qu'elle soit préservatrice et réparatrice sans être hostile» 1.
Ora a este poder próprio do Chefe do Estado corresponde a necessidade de um órgão distinto de todos os outros que sirva apenas para o informar, esclarecer e aconselhar no exercício da função moderadora. Assim, a Carta Constitucional, no artigo 107.º, dispunha: «Haverá um Conselho de Estado composto de conselheiros vitalícios nomeados pelo Rei».
O Decreto de 19 de Setembro de 1833 fixou em doze o número dos conselheiros, atribuiu-lhes o ordenado anual de 2.400$000 réis (que em moeda actual corresponderia ao que vence um Ministro) e estabeleceu que o Conselho fosse presidido pelo Rei ou, na sua falta, pelo conselheiro mais antigo.
Na prática monárquica a entrada no Conselho de Estado representava o último termo da carreira política. Para o preenchimento de cada vaga que nele ocorria costumava El-Rei consultar alternadamente cada um dos partidos políticos e era praxe que o partido consultado indicasse o, mais antigo dos seus Ministros de Estado honorários. Esta regra sofria excepções em benefício do chefe do partido ou de alguma personalidade mais representativa, como em 1895 sucedeu com João Franco, cuja nomeação preteriu antigos Ministros regeneradores mais antigos 2.
O Conselho de Estado era assim um prestigioso corpo político que, além do mais, assegurava aos homens públicos com larga carreira uma posição de dignidade, e até de independência material, necessária ao próprio decoro das instituições 3.
Mas na vigência da Carta Constitucional já se discutia se os conselheiros deviam ser vitalícios e se a nomeação deles devia ficar dependente apenas da escolha
1 Benjamin Constant, Cours de Politique Constitutionnelle, 3.ª edição, 1837, p. 1.
2 Júlio de Vilhena, Antes da República, vol. I, p. 284.
3 Pode ver-se a lista dos conselheiros desde 1833 a 1886 em S. Clemente, Estatísticas e Biografias Parlamentares, I, p. 488
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do Rei. Igual discussão suscitou no Brasil o lugar paralelo da Constituição Imperial 1.
36. A favor da amovibilidade ou nomeação temporária dos conselheiros de Estado têm-se invocado sobretudo razões que se prendem com a natureza dos regimes democráticos como regimes de opinião, nos quais todas as funções devem ser temporárias e sujeitas ao juízo do sufrágio.
O Conselho de Estado deveria então ser, como todos os outros órgãos políticos, uma emanação da opinião pública, uma representação da situação das opiniões e dos partidos e, portanto, a vitaliciedade dos conselheiros, com a inevitável lentidão da renovação do Conselho, criaria um órgão divorciado da Nação, cristalizado nas ideias e em possível oposição permanente a todos os governos e a todas as reformas.
Na Constituição Política de 1822 o Conselho de Estado foi concebido dentro desta orientação democrática: os conselheiros- de Estado eram nomeados por quatro anos e a sua escolha tinha de ser feita pelo rei de entre uma lista tríplice votada pelas Cortes e em que figurariam dezoito cidadãos europeus, dezoito cidadãos ultramarinos (incluindo ao tempo os brasileiros) e três que a sorte decidiria se haviam de ser europeus ou ultramarinos (artigos 162.º a 165.º).
Não se deve esquecer, porém, que, além de ser acentuadamente democrata, a Constituição de 1822, consagrando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (artigo 20.º), tendia para um sistema federativo e num sistema assim era indispensável um órgão federal. O regime era unicameral; o Conselho de Estado correspondia ao órgão próprio do Reino Unido, com, a sua paridade fundamental de representantes.
A amovibilidade num Conselho de Estado do tipo adoptado na Carta Constitucional tem inconvenientes gravíssimos. Em primeiro lugar diminui o prestígio de que deve ser rodeada a função de conselheiro. Um ex-conselheiro de Estado é uma personalidade decaída, posta de parte, e que a fauna inevitável dos aventureiros da política fatalmente há-de aproveitar a ocasião de desconsiderar, com o gosto mórbido das vinganças da mediocridade sobre os que alguma vez passaram acima da média. Depois afecta a independência do conselheiro, cuja manutenção ou demissão possa depender de o seu voto ter ou não sido do agrado de quem o ouve. Impede, além disso, a criação de uma tradição e de uma experiência no funcionamento do Conselho e até atenua a noção das altas responsabilidades da função e do segredo a que ela obriga.
Em Inglaterra, onde o sistema político está intimamente dependente da opinião pública, evitou-se a cristalização do Conselho e o seu possível envelhecimento pela ilimitação do número de membros do Privy Council. Mas o Conselho Privado, que tem à roda de trezentos e cinquenta membros, deixou de funcionar como órgão consultivo da Coroa, e o título de privy councillor passou a ser puramente honorífico e atributivo do tratamento de rigth honourable.
37. O Conselho de Estado instaurado pela Constituição de 1933 recebeu lei orgânica pelo Decreto-Lei n.º 22:466, de 11 de Abril de 1933.
Nele se prevê que, por motivo de doença grave ou prolongada ou de avançada idade, seja concedida escusa do exercício efectivo das funções a qualquer conselheiro vitalício, que nesse caso deixaria vaga, mas ficaria sendo considerado membro honorário do Conselho (artigo 1.º, § 3.º).
Assim, a vitaliciedade das funções não impede que os conselheiros inválidos sejam substituídos sem perda da situação honorífica.
Será razoável a composição do Conselho no texto vigente?
A Câmara entende que sim, muito embora a apagada função que esse órgão tem desempenhado na vida pública portuguesa não permita tirar qualquer ilação da experiência.
Na verdade, o regime político estabelecido pela Constituição de 1933, procurando embora manter o contacto do Governo com a opinião nacional, não é um regime de opinião, antes busca realizar a direcção por um escol que, sob a orientação de um chefe político, elucida, esclarece e conduz o País.
A variedade e complexidade dos problemas que hoje suscitam o governo e a administração de um Estado e o melindre dos interesses de uma nação pequena e fraca no meio do jogo de grandes potências desaconselham formalmente que as resoluções fundamentais sejam tomadas sob a inspiração das paixões, através de debates públicos e com audiência de mil pareceres não esclarecidos nem responsáveis.
Mesmo nos chamados regimes de opinião pode dizer-se que esta só influi nas datas de consulta eleitoral e que cada vez mais os governos decidem como podem e devem, salvo uma ou outra manifestação de respeito formal pela soberania popular.
Assim, o argumento de que o Conselho de Estado deve reflectir as correntes em cada momento actuais da opinião pública não colhe para conduzir à amovibilidade dos conselheiros. Mas, de resto, no Conselho há cinco membros natos, cujas funções são desempenhadas pelos titulares de cargos temporários, a alguns dos quais corresponde necessariamente a sensibilidade política do momento. Esses cargos, cujo exercício confere o direito a assento no Conselho de Estado, são as Presidências do Conselho, dm Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal de Justiça e a Procuradoria-Greral da República.
Pelo que toca aos restantes membros do Conselho, que passariam a ser dez, entende a Câmara Corporativa que convém continuem a ter carácter vitalício e inamovível.
A renovação por metade desses membros no início de cada período presidencial tirar-lhes-ia a feição de conselheiros de Estado para passarem a ser conselheiros pessoais do Presidente.
Se numa monarquia à natureza vitalícia da chefia do Estado e à existência duma nobreza podia corresponder um Conselho de Estado de membros temporários, como correcção desejável a nana, direcção política excessivamente rígida e fortemente institucionalizada, ao contrário, a uma república, onde todas as magistraturas e funções políticas são ou tendem a ser temporárias, convém a correcção de um Conselho de Estado que, pela permanência e prestígio dos seus membros, seja uma instituição estável, depositária da experiência constitucional e até da doutrina política do regime.
A isto acresce ainda que o sistema da Constituição de 1933 oferece o risco da excessiva personalização do poder em certos cargos onde se concentra a autoridade, com inconvenientes sérios, sobretudo quanto à sucessão das pessoas no desempenho deles. A Câmara Corporativa crê que seria prudente criar órgãos que ficassem isentos desses poderes pessoais, para, em caso de crise, haver pontos de apoio para as instituições. E essa a lição, por exemplo, do Sacro Colégio da Igreja Romana.
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Assim a Câmara inclina-se francamente para manter aos dez homens públicos de superior competência que (levem fazer parte do conselho de Estado por nomeação ao Presidente da República o carácter vitalício e inamovível das funções.
A Câmara faz votos, ainda, por que o Conselho de Estado, com a nova composição e com as novas atribuições dadas pela Constituição, passe a ser um órgão de funcionamento efectivo, prestigiado e honrado no primeiro plano das instituições políticas e que a Nação se habitue a venerar.
E nestes termos o n.º 6.º do artigo 83.º deveria ficar redigido como segue:
Art. 83.º ... .... ... ... ... ...
6.º Dez homens públicos de superior competência, nomeados vitaliciamente pelo Chefe ao Estado.
Artigo 84.º
38. A proposta de lei dá nova redacção ao artigo 84.0, que anuncia as atribuições do Conselho de Estado, mas há que ter em conta a rectificação publicada no 3.º suplemento ao Diário das Sessões n.º 70, ao 26 ao Janeiro próximo passado.
Não tem a Câmara objecções a fazer à doutrina do artigo. Julga, quanto aos candidatos à Presidência da República, não haver vantagem ara, submetê-los a um duplo julgamento: das condições de elegibilidade, pelo Supremo Tribunal de Justiça, e da idoneidade política, pelo Conselho do Estado. Desde que fazem parte dele o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o procurador-geral da República, não há inconveniente em que o conselho seja o único juiz da admissão das candidaturas, quer sob o pacto jurídico quer sob o político.
A fazer-se neste artigo a indicação de todas as atribuições ao Conselho, há que incluir a importantíssima função que lhe cabe, nos termos do § 1.º do artigo 80.º, de declarar a impossibilidade física permanente do Presidente da República, quando seja caso a caso, para o efeito de ser considerada vaga a Presidência.
Outras atribuições ainda lhe podiam ser assinadas pela Constituição de 1822 era indispensável a sua audiência, para o Rei negar sanção às leis votadas em Cortes (artigo 167.º). A Carta (artigo 110.º" mandava ouvi-lo sobre o exercício pelo Rei das atribuições próprias do poder moderador enumeradas no artigo 74.º, entre as quais figurava igualmente a sanção das leis, que na técnica constitucional actual corresponde, salva a diferença dos institutos, à promulgação.
Parece, na verdade, que a recusa da promulgação de um projecto votado pela Assembleia, Nacional (ou, mais de acordo com a terminologia tradicional, de um decreto da Assembleia) é um acto que pode envolver tal melindre que convém o Chefe de Estado aconselhar-se antes, de a resolver.
Na vigência da constituição de 1933 o Presidente da República só três vezes usou até hoje da sua prorrogativa de recusar a promulgação de um texto aprovado pela Assembleia Nacional: relativamente a um decreto referente à educação física no ensino secundário votado em Abril de 1935 1, no que lhe conferia a dignidade de marechal e ao que em 1937 deu uma redacção ao § único do artigo 94.º da Constituição, da qual desaparecera o termo de 30 de Abril para o funcionamento da Assembleia Nacional em sessão legislativa ordinária 3.
1 Diário das Sessões da assembleia Nacional n.º 51, de 11 de Dezembro de 1985, p. 47.
2 Idem, idem, P. 50.
3 Idem n.º 156, de 17 de Dezembro de 1087, p. 272.
Mas nada assegura que não surja algum período durante o qual maior número de projectos suscite dúvidas no espírito do Chefe do Estado acerca da conveniência da respectiva promulgação. A experiência norte-americana mostra que podem ocorrer efectivamente períodos destes. Assim, durante a Presidência de Franklin D. Rousevelt, a recusa da promulgação de providências votada pelo Congresso - o veto - verificou-se quinhentas e cinco vezes, ou seja 30 por cento, só nessa presidência, de todos os vetos formulados na história constitucional dos Estados Unidos (1:635).1
Os riscos de uma tal situação no nosso país, a dissolução da Assembleia Nacional, a que fatalmente conduziria, e a necessidade da consulta do Conselho de Estado para decretar esta última medida, tudo indica a conveniência de o Presidente da República ouvir o Conselho de Estado de harmonia com a tradição constitucional portuguesa, nos casos de dúvida sobre a promulgação de um decreto da Assembleia Nacional.
Alguns reparos merece também a redacção do artigo 84.º apresentada na proposta, e assim a Câmara propõe a sua substituiç9o pelo seguinte texto:
Art. 84.º Compete ao Conselho de Estado:
1.º Emitir parecer antes ao exercício pelo Presidente da República das atribuições dos n.ºs 4.º, 5.º e 6.º do artigo 81.º e do § único do artigo 87.º;
2. Emitir parecer nos casos em que o Presidente da República tenha dúvidas sobre a promulgação como lei de um projecto aprovado pela Assembleia Nacional;
8.º Informar e aconselhar o Presidente da República em todas as emergências graves da vida do Estado e, ao maneira geral, sempre que o seu voto saía solicitado;
4.º Reconhecer a impossibilidade física permanente do Chefe do Estado, nos termos e para os efeitos ao § 1.º do artigo 80.º;
5.º Apreciar as propostas do candidatura à eleição para a Presidência da República, decidindo se as pessoas propostas para candidatos obedecem às condições prescritas no § 1.º do artigo 78.º e, sob parecer do procurador-geral da República, da elegibilidade delas.
§ 1.º Não poderão ser candidatos, nem como tais sufragados, os indivíduos que o Conselho ao Estado declarar inelegíveis ou que não oferecem garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consagrada na Constituição.
§ 2.º 0 Conselho reunirá por direito próprio para apreciar as proposta de candidatura á Presidência da República, e às reuniões que celebrar para esse efeito não assistirá o Chefe do Estado nem conselheiro a quem alguma das propostas respeite.
Epígrafe do título III da parte II
39. Presentemente, na parte II da Constituição, que se refere à Organização política do Estado, sucedem-se os títulos referentes a soberania e seus órgãos, sem qualquer referência à Câmara Corporativa.
No título IIII inscreve-se: Da Assembleia Nacional. E só num dos seus capítulos o último, se trata Da Câmara Corporativa, que assim parece ser concebida no texto constitucional como um mero grupo de comissões técnicas da Assembleia.
É certo que nos diplomas de execução de preceitos constitucionais se entendeu logo ser a Câmara Corpo-
_________________
1 E. S. Corwin, The President. Office and Powers, Nova Iorque, 3.ª edição, 1948, p.341.
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rativa um órgão autónomo e que, embora consultivo, está no mesmo plano representativo da Assembleia Nacional. Ainda antes do início da I Legislatura o Decreto-Lei n.º 24:862, de 8 de Janeiro de 1935, aprovou os regimentos provisórios das duas Casas; no artigo 9.º do Regimento da Assembleia Nacional estabelecia-se que «as honras e regalias do Presidente da Assembleia Nacional serão iguais às do Presidente do Conselho» e no artigo 8.º do Regimento da Câmara Corporativa diz-se que «o Presidente da Câmara Corporativa goza das honras, regalias e atribuições do Presidente da Assembleia Nacional ...». Sabido que essas honras são mera projecção da posição constitucional dos órgãos representados pelos respectivos presidentes, fácil é de ver que o legislador (e cumpre não esquecer tratar-se do mesmo órgão legislativo que elaborara a Constituição submetida a referendo popular) tinha em mente a equiparação das duas Câmaras.
A não subalternização da Câmara Corporativa impõe-se, tanto mais que ela é, afinal, a corporização no plano do exercício da soberania da forma de Estado definida pelo artigo 5.º: «O Estado Português é uma República unitária e corporativa ...».
Nem se diga que essa subalternização se justificaria pelo seu carácter consultivo. Acabámos de ver como a função consultiva do Conselho de Estado não empeceu nunca que fosse considerado na tradição portuguesa o primeiro corpo político do País. A Constituição Francesa de 194G, criando junto da Assembleia Nacional um Conselho da República, também consultivo, marcou às duas Camâras igual posição constitucional 1.
A nova epígrafe que o Governo propõe para o título III da parte II corresponde, pois, à consagração de uma realidade jurídica e acentua uma tendência com a qual esta Câmara só tem de se congratular.
Seria desejável também que a Câmara Corporativa fosse mencionada no artigo 71.º, ou, peto menos, que a referência à Assembleia Nacional fosse substituída pela designação genérica do «Câmaras Legislativas», «Cortes» ou outra análoga.
ARTIGO 85.º
40. A proposta de lei apresenta um aditamento ao artigo 85.º no sentido de acrescentar ao princípio de que o mandato dos Deputados terá a duração de quatro anos as palavras seguintes:
... improrrogáveis, salvo o caso previsto no artigo 74.º
O caso previsto no artigo 74.º é o de não ser possível a convocação dos colégios eleitorais por efeito de graves acontecimentos.
Na altura própria emitiu a Câmara o seu parecer acerca da alteração do artigo 74.º, e dão-se por reproduzidas neste lugar as considerações então feitas. Quer dizer que se julga preferível outra redacção, que poderia ser a seguinte:
Art. 85.º A Assembleia Nacional é composta de cento e vinte Deputados, eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores e o seu mandato terá a duração de quatro anos, improrrogáveis, salvo quando a convocação dos colégios eleitorais seja impossível, por se verificarem as circunstâncias previstas no § 3.º do artigo 72.º, pois nesse caso as funções dos Deputados prolongar-se-ão até que possa proceder-se a nova eleição.
ARTIGO 90.º
41. Propõe-se que do § .2.º do artigo 90.º se suprima a referência u verificação pela Assembleia Nacional dos factos que, nos termos dos n.ºs 1.º e 2.º, importam perda de mandato dos Deputados. Essa verificação passaria a só poder ser feita pelo Presidente.
È das alterações que a Câmara considera desnecessárias e que, por isso, julga aconselhável não serem votadas. O texto actual permite que, na prática, seja só o Presidente a fazer a verificação. Não faz anal, porém, que a Assembleia tenha o mesmo direito, para utilizar alguma vez que se torne necessário. De resto, se o Presidente age em representação da Assembleia, parece lógico que o representado tenha o direito exercido pelo representante.
ARTIGO 91.º
42. Na enumeração das atribuições da Assembleia Nacional constante do artigo 91.º propõe-se que o n.º 12.º seja simplesmente: «Deliberar sobre a revisão constitucional», suprimindo-se as palavras «antes de decorrido o decénio».
A Câmara aprova a supressão, visto como, mesmo decorrido o decénio, a revisão constitucional deve depender de deliberação.
ARTIGO 93.º
43. A proposta contém algumas modificações à redacção do artigo 93.º, que determina as matérias que necessariamente hão-de constar de lei.
Acerca do sentido exacto deste preceito constitucional têm surgido dúvidas, ainda até agora não esclarecidas autenticamente.
Aquando da apreciação da proposta de revisão constitucional de 1945, a secção de Política e administração geral desta Câmara manifestou-se já no sentido de que «as matérias indicadas nas várias alíneas do artigo 93.º constituem necessariamente matéria exclusiva de lei, não podendo ser reguladas mediante decretos regulamentares, mas sómente mediante leis ou decretos-leis.
Em princípio, quando a Constituição exige lei quer apenas afastar os decretos regulamentares, e não os decretos-leis, que, para todos tos efeitos, substituem aquela com idêntica eficácia jurídico-formal».
E nesta ordem de ideias a secção propôs que ao corpo do artigo 93.º fosse dada a seguinte redacção:
Constitui, porém, necessariamente matéria de lei, não podendo constar de decretos regulamentares ...
Como, porém, nenhum Sr. Deputado adoptou esta sugestão, a Assembleia não chegou a pronunciar-se sobre ela.
Recentemente, a propósito da revisão e integração do Acto Colonial na Constituição, a Câmara examinou de novo o problema e manteve, por maioria de votos, a interpretação anterior, apenas com esta diferença: as matérias enumeradas no artigo 93.º podem constar de decreto regulamentar desde que neste não haja nenhuma inovação, mas simples desenvolvimento de lei ou decreto-lei anterior 2.
E na prática constitucional verifica-se a existência de numerosos regulamentos sobre matérias relativas à organização da defesa nacional, por exemplo: só as bases
1 Essa equiparacão acentua-se na Lei de 6 de Janeiro de 1950: «portant modification et codification dês textes relatifs aux pouvoirs publics».
1 Parecer de 16 de Junho de 1945, in Diário das Sessões, suplemento ao n.º 170, da mesma data, p. 642-(13), relator o Digno Procurador, Presidente da Câmara. Domingos Fezas Vital.
2 Parecer n.º 10/V, de 19 de Junho de 1950, in Diário das Sessões n.º 70, de 19 de Janeiro de 1951, p. 300.
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gerais dessa organização têm de constar de lei ou decreto-lei.
A minoria vencida sustentou que o artigo 93.º se devia entender como enumeração de matérias exclusivamente reservadas à competência da Assembleia Nacional.
Mas, como nessa altura se ponderou, a ser assim, a redacção não corresponde de todo à intenção, pois uma coisa é reservar exclusivamente certas matérias para a competência de um órgão e outra determinar que elas só possam ser decretadas sob determinada forma.
E a verdade é que na técnica da nossa Constituição a forma de lei é cabalmente preenchida no decreto-lei.
A Câmara Corporativa continua, portanto, a sustentar que a interpretação exacta do actual artigo 93.º conduz a permitir que as materiais nele enumeradas sejam reguladas por lei ou por decreto-lei.
44. Mas os órgãos constituintes não estão vinculados à letra dos preceitos constitucionais vigentes nem ao sentido que ideia extraem os exegetas. Portanto, desde que o problema surge nesta ocasião, não interessa apenas o aspecto técnico-jurídico da questão: importa ainda mais o seu aspecto político. E, sob este aspecto, que convirá mais?
A esta Câmara não repugna, de jure constituindo, que haja certas matérias acerca das quais o Governo não possa legislar por decretos-leis. A existência dessa zona reservada à competência da Assembleia Nacional é uma garantia de publicidade para a legiferação sobre questões que o interesse nacional ou o melindre dois interesses particulares em causa aconselhe elejam tratadas com a maior circunspecção e a plena luz. Por outro lado, assegurará à Assembleia um mínimo de acção legislativa, que, mesmo quando tudo o mais vá passando à efectiva competência do Governo, restará como homenagem às tradições parlamentares.
Aceite esta doutrina, terá de se dar ao artigo 93.º uma redacção que afaste de vez as dúvidas existentes e haverá que determinar, de acordo com ela, que matérias devem ficar reservadas à competência da Assembleia.
A lógica impõe que a orgânica da Câmara Corporativa e a do Conselho de Estado constem de leis discutidos e votadas pela Assembleia, sob padecer desta Câmara 1.
No proposta em exame suprimiu-se do antigo a sua alínea b),relativa à «criação e supressão de serviços públicos», talvez para obviar ao inconveniente notado no parecer sobre a revisão do Acto Colonial de na hipótese de o artigo 93.º se tornar extensivo ao ultramar, ser necessária uma intervenção da Assembleia para criar ou suprimir qualquer novo serviço administrativo nas colónias, onde a evolução prossegue rápida e, portanto, a Administração está em constante devir.
A Câmara continua a pensar que o artigo 93.º não deve ser tornado extensivo ao ultramar. A Assembleia, por imposição dele, pode ser amanhã forcada a ter de pronunciar-se sobre o sistema monetário de Timor ou os pesos e medidas de Macau, matérias de que, sem ofensa, ela decerto ignora quase tudo. Esses assuntos, que estão intimamente ligados à vida quotidiana das populações, são daqueles sobre os quais a maioria dos Deputados está apta a pronunciar-se quanto à metrópole, mas é inepta quanto ao ultramar.
Voltando ,à alínea b), a Câmara, embora, considere conveniente a alteração da sua redacção, não pode, de modo nenhum, ser favorável à eliminação.
É que há um aspecto sob o ,qual a criação de um serviço público assume primordial importância política e toca nos princípios fundamentais da ordem económica: quando o novo serviço público resulte da eliminação de uma actividade privada. Estiveram na moda ainda há bem pouco as nacionalizações e há que acautelar contra qualquer precipitação futura nesse sentido. Por isso a Câmara propõe que se mantenha a actual alínea b), embora com a seguinte redacção: «A transformação de alguma actividade privada em empresa publica».
Discutiu a Câmara sobre se deveria ou não ser incluída neste artigo a matéria do artigo 70.º Venceu; porém, a consideração de que as circunstâncias autuais da vida dos povos já não permitem, muitas vezes, esperar pela reunião da Assembleia Nacional para criar um imposto ou uma taxa, em casos como o da alteração das pautas aduaneiras em consequência de exigências prementes da competição internacional ou para satisfazer acordos entre Estados, ou da conveniência de onerar certo produto cujo preço a especulação de um clima de guerra ou de pré-guerra haja feito subir desmesuradamente, criando o risco de proporcionar enriquecimentos prejudiciais à economia nacional.
Por isso a Câmara reconhece que não pode o Governo deixar de ter a faculdade de criar impostos ou taxas, contanto que o faça apenas em caso de urgência e necessidade pública e por meio de decreto-lei.
E, em homenagem à tradição, deverão estes decretos-leis ser obrigatòriamente sujeitos à ratificação dá Assembleia Nacional.
A nova redacção do artigo ficaria, pois, sendo a seguinte:
Art. 93.º Constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a aprovação das bases gerais sobre:
a) A organização da defesa nacional;
b) A transformação de alguma actividade privada em empresa pública;
c) O peso, valor e denominação da moeda principal;
d) O padrão dos pesos e medidas;
e) A criação de algum novo banco ou instituto de emissão;
f) A organização dos tribunais;
g) A criação de impostos e taxas;
h) A administração e exploração dos bens e empresas do Estado;
i) A organização do Conselho de Estado;
j) A organização da Câmara Corporativa.
§ único. Em caso de urgência e necessidade pública poderá o Governo criar impostos ou taxas por decreto-lei, o qual será sujeito a ratificação da Assembleia Nacional na primeira sessão legislativa que se seguir à publicação.
ARTIGO 97.º
45. Propõe-se a adição de um parágrafo quê, esclarecendo o âmbito da iniciativa legislativa do Governo, permita a este, durante a discussão das propostas ou projectos, submeter à apreciação da Assembleia quaisquer alterações, desde que incidam sobre matéria ainda não votada.
Embora esta faculdade se pudesse deduzir por via hermenêutica, não vê a Câmara inconveniente em que seja expressamente consignada.
Mas, pelo que toca à iniciativa legislativa, há dois pontos que interessam directamente à Câmara Corporativa.
1 Presentemente a lei orgânica da Câmara Corporativa é o Decreto-Lei n.º 29:111, de 12 de Novembro de 1938; a lei orgânica do Conselho de Estado é o Decreto-Lei n.º 22:466, de 11 de Abril de 1933.
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Em primeiro lugar, passada a fase experimental e que esteve sujeita durante quinze anos, a Câmara julga chegada a opinião ao lhe ser dado o direito de iniciativa quanto à sua lei orgânica.
Ninguém melhor do que os membros da Câmara Corporativa, pode ajuizar da conveniência de modificar algum preceito da, organização dela. E tudo se resumiria à apresentação, na Mesa da Assembleia Nacional, pela Presidência da Câmara Corporativa, da proposta de lei acompanhada do parecer justificativo.
Em segundo lugar, o processo actualmente seguido com as alterações das propostas ou projectos de lei sugeridas nas conclusões dos pareceres da Câmara Corporativa não é satisfatório.
Se nenhum Sr. Deputado perfilhar essas alterações, o trabalho da Câmara ficou de todo inútil, sem haver sequer a certeza de terem sido ponderadas as suas razões para fundadamente serem rejeitadas.
E, todavia, essas alterações são por sistema fruto de ponderado estudo e discussão de técnicos e de pessoas versadas nos assuntos a que respeitam e a sua sugestão resulta de motivos apresentados por escrito.
Merecem, pois, que sobre ele recaia um voto.
Poderá dizer-se que o processo actual evita o espectáculo, que por vezes poder ser chocante, da rejeição ostensiva das proposta da Câmara Corporativa. A frequência dessa rejeição poderia mesmo tornar a aparência de um conflito entre as duas Câmaras.
É razão a considerar. Mas o sentimento da Câmara é o de que vale mais correr ame risco do que viver na sensação da inutilidade do esforço.
Nesta ordem de ideias, ao artigo 97.º seriam acrescentados os parágrafos seguintes:
§ 1.º A reforma da lei orgânica da Câmara Corporativa, poderá ser da iniciativa, desta, devendo a proposta, em tal caso, ser enviada à Presidência da Assembleia Nacional, acompanhada já de parecer votado pela Câmara em reunião plenária.
§ 2.º As alterações sugeriam nas conclusões dos pareceres - da Câmara Corporativa enviados à Assembleia Nacional serão consideradas propostas de eliminação, substituição ou emenda, conforme os casos, para efeitos de discussão e votação dos projectos ou propostas ao lei, independentemente de outra iniciativa.
§ 3.º (0 § único que consta da proposta de lei).
AILTIGO 98.º
46. Pela letra do actual artigo 98.º, a promulgação como lei de um decreto da Assembleia Nacional deve ser feita no prazo de quinze aias, a contar da sua remessa ao Presidente da República; decorrido esse período sem promulgação, a Assembleia pode desde logo proceder como se o decreto lhe houvesse sido devolvido.
Os termos em que está redigido o § único permitem pois a interpretação de que se admite a recusa táctica de promulgação pela simples inércia durante o prazo constitucional; e que o Presidente da Assembleia pôde apelar para ela desde que veja decorrida a quinzena sem a promulgação.
Pela nova redacção proposta para este § único cessa a possibilidade de tal entendimento: a Assembleia só pode reiterar o seu voto desde que o decreto (que na defeituosa terminologia, constitucional se diz "projecto aprovado") lhe seja devolvido sem promulgações.
Qual das duas soluções será preferível?
A nossa experiência constitucional não nos forneceu até hoje matéria para sobre ela podermos ajuizar da conveniência ou inconveniência da actual redacção.
Mas podemos recorrer a uma, experiência estrangeira, bastante rica em questões de veto presidencial: a norte-americana.
Para bem se compreender o sistema dos Estados Unidos começaremos por trasladar o § 2.º da secção 7.º do artigo 1.º da sua Constituição:
Every bill which shall have passed the House/Representation and the Senate shall before it become a law be presented to the President of the United States; if he approve he shall sign it, but if not, he shall return it, with his objections to that house in which it shall have originated, who shall enter the objections at large on their joumal and proceed to reconsider it.
If after such reconsideration, two thirds, of that house shall agree to pass the bill, it shall de sent together with the objections, to the other house, by which it shall likewise be reconsidered, and if approved by two thirds of that house it shall become a law. But in all such cases the votes of both houses shall be determined by yeas and nays, and the names of the persons voting for and against the bill shall be entered on the joumal of each house respectively.
If any till shall not be returned by the President within ten days (Sundays excepted) after it shall have been presented to him, the same shall be a law, in like manners as if he had signed it, unless the Congress by their adjournment prevent its return, in which case it shall not be a law. 1
Esta disposição é manifestamente a fonte do nosso artigo 98.º Na Constituição de Weimar o Presidente não tinha o direito de veto, mas apenas o de apelar para o referendo popular. E na Carta Constitucional o rei tinha o direito de veto absoluto mediante a recusa de sanção, conforme o disposto nos seus artigos 55.º a 60.º
É, pois, à experiência norte-americana que se deve recorrer.
Como se viu, a Constituição dos Estados Unidos prevê a recusa expressa de promulgação, com devolução do bill ao congresso e necessidade da maioria de dois terços nas duas Câmaras, obtida em votação nominal, para manter a lei; e a promulgação tácita, presumida do decurso de dez dias após a apresentação ao Presidente sem que este publique ou devolva o bill.
Ora esta inércia pode transformar-se na recusa de promulgação, conhecida na doutrina norte-americana pelo nome de veto de algibeira (pockat veto), mediante a demora na apresentação do bill ao Presidente, de tal modo que os dez dias comecem a correr nas vésperas do adiamento do Congresso, pois, sendo assim, a falta de assinatura não origina a presunção de promulgação
E desde 1792 até ao fim do Governo Roosevelt foi usado este subterfúgio constitucional nada menos de 734 vezes 2.
Quer dizer que a recusa de promulgação pelo silêncio é possível; e nesse caso, de duas uma: ou a Assemb1eia, para não abrir conflito, se conforma e não insiste, ou é conveniente que ela passa usar da faculdade de discutir de novo o projecto, como as tivesse havido recusa expressa como não se vê, pois, necessidade, vantagem ou urgência em substituir o actual § único do artigo 98.º,
a Câmara Corporativa é de parecer que se mantenha como está.
______________________
1 Na Constituição norte-americana todo este texto forma um só parágrafo, que aqui desdobrámos graficamente para mais facilidade de análise.
2 Corwin, ob. cit., pp. 389 e 341.
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Artigo 99.º
47. A proposta acrescenta ao número das deliberações da Assembleia Nacional que devem ser promulgadas como resoluções as tomadas nos termos do novo artigo 2.º "e outras semelhantes".
0 artigo 2.º refere-se à aprovação da rectificação de fronteiras: mas esta tanto pode ser dada através ao resolução, como em consequência da aprovação por lei de um acordo, convenção ou tratado.
Parece, pois, preferível não fazer menção do artigo 2.ºe limitar a modificação da alínea b) no aditamento das palavras "e outras semelhantes". Dessa maneira fica assente o carácter exemplificativo de, enumeração e já se sabe que tão quanto não seja ao promulgar em forma de lei cabe na resolução.
Artigos 102.º
48. A proposta contém nova redacção para o corpo do artigo 102.º o seu § 3.º, para o § 3.º do artigo 103.º e para os artigos 104.º, 105.º e 106.º completos, tudo disposições relativas à organização e funcionamento da Câmara Corporativa.
Deixando de lado pormenores de redacção, vejamos quais as alterações que da proposta decorrem:
1.º No corpo ao artigo 102.º introduziu-se a regra de que a Câmara terá "duração igual à da Assembleia Nacional ".
2.º Ao § 3.º do artigo 102.ºacrescentou-se a frase:
"determinando-se por diploma legal o quantitativo e as condições em que será percebido o subsidio referido na alínea e) ".
3.º A parte final do § 3.º ao artigo 103.º foi substituída para permitir que a Assembleia delibere que a votação incida de preferência sobre o texto das alterações sugeridas pela Câmara Corporativa, a par da faculdade já reconhecida aos Deputados de fazerem suas essas alterações.
4.º No artigo 104.º, a par do funcionamento por secções, admite-se agora o funcionamento por subsecções. E, em consequência dessa inovação, introduz-se a referência às subsecções nos artigos 105.º e 106.º
É este o espólio que se colhe da comparação aos textos propostos com os textos vigentes.
Em duas palavras pode a câmara desde já emitir a sua opinião sobre as alterações 1.ª, 2,ª e 3.ª.
Dizer que a Câmara corporativa tem " duração igual à da Assembleia Nacional é manifestamente incorrecto. Ninguém sabe neste momento qual será a duração de uma e de outra. As instituições duram para além dos homens que as integram e servem: são de duração indefinida. Decerto se deve ter querido dizer que as legislaturas da Câmara Corporativa têm duração igual às da Assembleia Nacional, o que é muito diferente, e a isso nada há a opor.
Notar-se-á, porém, que já a mesma concordância da Câmara não existe quanto às sessões legislativas. Em primeiro lugar, o funcionamento normal desta Câmara como órgão consultivo do Governo no exercício da função legislativa tende a transformá-la em instituição permanente, e não de actividade intermitente em sessões legislativas. Depois, a aceitar-se o funcionamento por sessões legislativas, tudo levaria então a preconizar, para as desta Câmara, o começo anterior de um mês, pelo menos, em relação às da Assembleia Nacional, pois seria essa a única forma de a Câmara poder preparar o trabalho a discutir sem perda de tempo pela assembleia. A experiência realizada com a proposta de Lei de Meios para 1951 mostrou claramente as vantagens da antecipação do começo dos trabalhos da Câmara em relação à Assembleia.
Quanto á 2.ª alteração, a câmara concorda em que as condições do seu trabalho aconselham uma forma de atribuição do subsídio parlamentar diferente da estabelecida para os Deputados. Só não acha bem que no texto constitucional figure a expressão "diploma legal ",não tem sentido técnico rigoroso. Deve dizer-se: "lei".
Pelo que respeita à terceira alteração, já atrás ficou expresso o parecer desta Câmara. Parecendo que se avança consideravelmente com, a nova redacção, fica-se, de facto, na mesma, senão pior. Até aqui, qualquer Deputado pode, só por si, adoptar o novo texto proposto pela Câmara ou fazer suas as alterações por esta sugeridas. Pela nova redacção esta faculdade subsiste, mas, além disso, a Assembleia poderá decidir que a votação incida de preferência, sobra o texto da Câmara. Mas como decide? Decide, evidentemente, sob proposta de um Deputado, o já vimos que proposta e deliberação são em tal caso, supérfluas. É para atribuir a preferência? Mas, para tanto, não se torna necessária uma emenda constitucional, pois a Assembleia, nos termos do 2.º, do artigo 39.º do seu Regimento, pode sempre dar prioridade na votação a uma proposta sobre outra.
A solução, para o problema deve ser outra; a ao tornar obrigatória a votação na Assembleia sobra as propostas da Câmara Corporativa. Essa é, ao há muito, a aspiração desta Câmara a que está dentro do pedido de direito de iniciativa formulado na II Conferência da União Nacional, celebrada no Porto em Janeiro de 19491.
Não faz sentido que propostas cuidadosamente concebidas, discutidas e estudadas pela Câmara Corporativa só mereçam a atenção da Assembleia quando algum Deputado tenha o impulso de as fazer suas.
E para evitar que a Assembleia luto, por vezes, com dificuldades para dissipar dúvidas sugeridas por pareceres da Câmara, deveria estabelecer-se que o relator do parecer ou outro Procurador designado pela Câmara. assistisse às reuniões, de estudo da competente comissão da Assembleia.
No sistema político português os compartimentos constitucionais são demasiado estanques: não tem o Governo contacto com a Assembleia, nem esta o mantém com a Câmara Corporativa em termos de, se assegurar uma colaboração eficaz para além dos meros encontros da ordem particular, que não podem contar num regime bem ordenado.
Esta Câmara pensa que de mais intima ligação de todos estes órgãos poderia resultar trabalho de melhor qualidade e mais intima compreensão.
49. Não sabe a Câmara, por falta de relatório elucidativo, o que pretende o Governo ao propor que o seu funcionamento passe a ser em sessões plenárias ou por secções a subsecções.
0 § 1.º do artigo 104.º da proposta limita-se a dizer que "as secções corresponderão aos interesses de ordem administrativa, moral cultural e económica e as subsecções aos interesses especializados dentro de cada secção".
Julga a Câmara que não se trata de fazer corresponder cada um desses géneros a uma secção e antes se procura, dentro da ordem administrativa, económica, etc., determinar sectores basilares que, nos interesses económicos, morais e culturais, porventura correspondam às corporações a organizar nos termos do Decreto-Lei
Afonso R. Queiró, A evolução da Câmara Corporativa, publicada no volume II Conferência da União Nacional- Discurso inaugural e comunicações. P. 49.
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n.º 29:110, de 12 de Novembro de 1938, e que o Decreto-Lei n.º 29:111 previa viessem a constituir a Câmara,!.
Na reunião do Conselho da Presidência de 6 de Março de 1950 verificou-se que a experiência do funcionamento da Câmara aconselhava uma organização com as secções seguintes:
Interesses económicos:
Agricultura;
Produtos florestais e pecuária;
Pesca e conservas;
Minas, combustíveis e electricidade;
Indústria (transformadora);
Transportes, comunicações e turismo;
Crédito e previdência; Comércio.
Interesses locais:
Autarquias locais.
Interesses espirituais e morais:
Educação, cultura e Igreja;
Assistência e saúde pública.
Interesses públicos:
Política e administração geral;
Finanças e economia geral;
Defesa nacional;
Relações internacionais;
Ultramar;
Justiça;
Obras públicas.
Estas secções poderiam ser em alguns casos divididas ou combinadas em subsecções. Mas não se vê a vantagem de descer a essa minúcia no texto constitucional, pois é matéria que pode perfeitamente ficar para a lei orgânica ou até para o regimento interno.
A Câmara carece, na verdade, de dispor de certa maleabilidade de funcionamento. Para os seus pareceres serem efectivamente representativos dos interesses que nela têm assento faz-se mister recorrer a todo o momento à faculdade que a Presidência possui de agregar Procuradores à secção ou às secções orgânicas incumbidas do estudo do projecto.
Houve pareceres emitidos nos primeiros tempos da Câmara sobre alterações à Constituição em cuja elaboração apenas intervieram três Procuradores, únicos componentes da secção chamada, a emiti-los. Ora, por muito grande que fosse e era- a competência desses Procuradores o parecer assim emitido era mais uma informação técnica do que o auto consultivo de uma assembleia representativa "dos interesses sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica ".
É que a Câmara Corporativa não deve ser concebida tão só como um corpo de técnicos ou peritos para darem laudos informadores, e sim um órgão de representação nacional.
Por outro lado, numa composição com a estrutura acima sugerida muitas vezes as secções de funcionamento podem não ter de corresponder às secções de organização. Já hoje esse facto se produz a cada passo.
Decreto-Lei n.º 29:111: Artigo 1.º "A Câmara Corporativa é constituída por Procuradores das autarquias locais e das corporações morais, culturais e económicas e pelos representantes dos interesses sociais de ordem administrativa".Art. 2.º "São Procuradores à Câmara Corporativa o presidente de cada corporação e membros do respectivo conselho em número e qualidade suficientes para condigna representação dos interesses nelas integrados".
Não há uma secção de indústria, e sim Procuradores de várias actividades industriais dispersas por diferentes secções, quando está em estudo uma proposta de lei com a do condicionamento industrial, que interessa, não a qualquer secção especializada por ramo de produção, mas a toda a indústria, é inevitável que a secção para o respectivo estudo tem de ser constituída por meio de chamamento de todos ou de alguns desses Procuradores. Trata-se de uma tarefa delicada em que o Presidente da Câmara é, para cada parecer, coadjuvado pelo Conselho da Presidência.
Poderia, pois, guardar-se para as secções de estrutura o termo secção e dar às secções de funcionamento a designação de comissões.
Quanto a outras modificações necessárias na estrutura e no funcionamento desta Câmara, são matéria da leis orgânica e do Regimento que não importa considerar aqui.
A Câmara propõe por isso nova redacção para o corpo do artigo 104.º, que não é mais do que a consagração da prática seguida. Nela substituiu a expressão "sessões plenárias" por "reuniões plenárias", visto que o termo "sessão" deve ser reservado para "sessão legislativa".
E, com essa redacção não será necessário aumentar o número actual dos parágrafos.
No § 1.º propõe-se uma fórmula um pouco diferente da que vem na proposta quanto à indicação dos Ministros que poderão assistir aos trabalhos da Câmara. Efectivamente com a criação dos Ministros adjuntos à Presidência do Conselho bem pode acontecer que não só o Ministro das Corporações mas também o Ministro da Presidência tenham conveniência, em vir assistir à discussão de qualquer proposta ou projecto. Assim como se poderá entrar em dúvida sobre se "o Ministro competente" para intervir na discussão de certo projecto de lei será o da Defesa Nacional, o do Exército ou o da Marinha.
No prática, a solução estará em a Presidência da Câmara Corporativa avisar a Presidência do Conselho do dia e hora de cada reunião, passando a constituir assunto de ordem interna do Governo a determinação de conveniência de fazer seguir os trabalhos por algum Ministro ou representante do Governo e a designação de qual.
Quanto ao 2.º- correspondente ao § 4.º da proposta, entende-se não haver vantagem em conservar o princípio do carácter privado das reuniões do Câmara com feição tão genérica como está no texto constitucional. 0 que se pretende é evitar que nas discussões e nos votos da Câmara Corporativa possa influir o desejo de os Procuradores brilharem para a galeria ou justificarem por atitudes espectaculares o mandato que lhes haja sido conferido.
0 trabalho da Câmara Corporativa deve consistir no estilo sereno e desapaixonado dos problemas, fora de qualquer preocupação estranha ao puro propósito de exprimir o parecer mais representativo das realidades e necessidades nacionais: é o que alguns autores chamam uma Câmara de reflexão.
Assim tem sido até hoje e assim convém continue a ser.
Mas isso não impede que uma vez por outra não haja inconveniência, antes até resulte toda a vantagem, de se celebrar alguma reunião plenária pública: as reuniões do início das sessões legislativas, por exemplo, representam a ocasião anual do encontro de todos os ]Procuradores e podem e devem ser momento próprio para a Câmara, como corpo político, se apresentar perante a Nação.
As instituições políticas carecem de um mínimo de presença efectiva na consciência do público, acompanhada da representação e até da solenidade necessárias
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para impressionar pelos, sentidos, de modo a deixar intuir a sua importância e o seu significado.
Por isso, a publicidade e a solenidade são admissíveis em algumas reuniões plenárias da Câmara Corporativa, não só nas acima referidas, como em outras que se promovam de homenagem ou congratulação nacional.
Deverá, pois, deixar-se na Constituição a possibilidade de que algumas reuniões plenárias da Câmara, que não sejam para elaboração de pareceres, tenham carácter público.
50. Em resumo e conclusão, seriam suficientes as seguintes alterações no texto actual da Constituição:
Art. 102.º ... ... ... .
% 3.º (acrescentar:) e determinando-se por lei especial o quantitativo e as condições em que será percebido o subsídio.
§ 4.º (novo). A legislatura da Câmara Corporativa coincide com a da Assembleia Nacional.
Art. 103.º ... ... ... ... ... . .
§ 3.º Se a Câmara Corporativa, pronunciando-se pela rejeição na generalidade de um projecto ou proposta de lei, sugerir a sua substituição por outro, poderá qualquer Deputado ou o Governo adoptá-lo para ser discutido em vez de substituído ou conjuntamente com este, conforme haja ou não sido retirado pelo proponente. Se, porém, a Câmara propuser meras alterações na especialidade, serão consideradas para efeito de discussão e votação na Assembleia Nacional, independentemente de adopção, e, salvo o caso de deliberação em contrário, com prioridade sobre quaisquer outras.
4.º (novo) Ao estudos dos pareceres nas reuniões das comissões da Assembleia Nacional assistirá um delegado da Câmara Corporativa, designado pela Presidência desta, para prestar os esclarecimentos necessários.
Art. 104.º A Câmara Corporativa será organizada por secções especializadas e funciona em reuniões plenárias, por secções orgânicas ou por comissões constituídas consoante a, matéria em estudo reclamar para representação dos interesses que nela devam ter voto.
§ 1.º Na discussão das propostas ou projectos de lei podem intervir o Presidente do Conselho, os Ministros ou seus representantes e o Deputado que do projecto houver tido a iniciativa.
§ 2.º As reuniões das secções e comissões não são públicas.
Art. 105.º e 106º0: onde se lê secções, acrescentar: ou comissões.
Art. 105.º ... ... ... ... ... . .
§ 1.º (o actual § único).
§ 2.º A Câmara Corporativa poderá sugerir ao Governo a adopção de providências que as suas secções ou comissões hajam considerado convenientes e necessárias.
Epígrafe de título VI da parte II
51. Actualmente o título VI tem por epígrafe: Das circunscrições políticas e administrativas e das autarquias locais.
Com a integração da matéria do Acto Colonial no texto da Constituição e dado que a divisão administrativa e as autarquias do ultramar são diferentes das metropolitanas, a epígrafe passa a dizer mais do que o título contém.
A epígrafe proposta tem o inconveniente de ser demasiado extensa. Já a actual é desnecessariamente prolixa: em vez de "circunscrições"...etc., bastava dizer: "divisão administrativa" e em qualquer caso é inútil referir as "circunscrições políticas" pois não sendo o Estado português do tipo federa não há circunscrições para efeitos de governo ou de desconcentração da soberania.
Na nova epígrafe fala-se em " continente e ilhas adjacentes"
Não sabe a Câmara se é intenção do Governo e da Assembleia banir o clássico nome de Metrópole, que outra coisa não quer dizer, afinal, semão a terra-mãe, o país ou a cidade principal de um conjunto de cidades ou de países.
Não vê a Câmara que o falar em metrópole (como correntemente, aliás, se diz no ultramar depois que se deixou de dizer o "reino") constitua ofensa ou contenha desprimor para as populações ultramarinas. E de qualquer modo é preferível o seu emprego a que se generalize um hábito que por lá já vai aparecendo, e esse francamente oposto ás intenções que ditaram a proposta de revisão do Acto Colonial, de mencionar a metrópole dizendo "Portugal" - como se as províncias ultramarinas não fossem Portugal também.
Em rigor a epígrafe do título VI ficaria mais breve e expressiva desta maneira: Da divisão administrativa e das autarquias locais na metrópole.
Tanto mais que a respeito das ilhas adjacentes só aí se encontra o § 2.º do artigo 125.º a remeter para lei especial, e quanto ao "continente" é termo que faz sentido quanto á parte insular do Portugal europeu, mas não se pode esquecer que há territórios portugueses situados noutros continentes, e até hábitos locais de designação por "continente" em ilhas como a de Moçambique, da "terra firme" fronteira.
Epígrafe do título VII da parte II
52. 0 título VII inscreve-se actualmente: Do Império Colonial Português. Vai agora compreender a matéria que constituía o Acto Colonial e que o Governo propõe se epigrafe Do Império Ultramarino Português.
Quando ouvida acerca de uma primeira forma da proposta que o Governo tencionava apresentar sobre revisão do Acto Colonial, esta Câmara, ao apresentar uma outra redacção á consideração governativa, substituiu essa epígrafe por: Do governo e administração do ultramar.
As razões de substituição pareciam-lhe óbvias. Numa altura em que se procura afirmar interna e internacionalmente a unidade política da Nação portuguesa, aquém e além-mar, com a proscrição da palavra colónia, apenas por ela poder representar uma ideia de sujeição ou subordinação dos territórios ultramarinos não faz sentido que, dentro dessa orientação, se conserve o Império.
A ideia de império está ligada a de domínio de um povo sobre outros povos. Ainda se se dissesse o Império Português, poderia dizer-se que a palavra era empregada unicamente para realçar a grandeza do Estado concebido como "variedade da unidade". Mas desde que se diz império ultramarino menciona-se unicamente a parte da Nação que surge como sujeito passivo de um domínio que tem como sujeito activo outra parte.
Portanto a Câmara pronuncia-se pela necessidade de uma atitude lógica, ou se mantém o Império Colonial Português, com a sua tradição, ou se renuncia á terminologia imperial e se passa unicamente a falar em províncias e na comunidade nacional que todas constituem, sem distinção.
Daí o continuar a Câmara a sustentar que a epígrafe do título VII deve ser: Do governo e administração do ultramar.
Metrópole e ultramar passarão a ser meras designações geográficas, consideradas para certos efeitos, significativas de espaços jurídicos e nada mais. coiiil>xoemdL-r a enatéria que cansitituía. o Auto Colornial.e que o Go-veTno pTopõe se iepigxafe Do 1,mpé4kUltra-nia-i<_ portuud8.br='portuud8.br'>
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A ideia de inipério está ligada a de domínio de um povo "ubne outi-os -pGvffl. Ainda.m se idi.49efflo a Inipério
poderia dizer-se que a palavra era empregada Ufilicalilente ipana a-e.%Içair ia grandeza Klo Estado co-n-o..bido, como ~-ededis ida ibilúdad-es. Mas desde que me ílix império ultramarino menciona-se iinicamente. a paírte da Xaçiffo que suige ecuiio isujeitio, ípassivo de pan. domínio que teni coinio sujeito activo outr.i pai,,fie.
Poi-amto, -a CâmaTa Iyrou.uiri"-.9e pela uer.ea%idia,le d-e uma atitudo ilógica: ou se imantém. o Império Colonial Po?.tiigiiés, ~na qua ta-acliçào, ou ae aenimi-cia à terminologia impeirial e im p~i imir-anic-nte a falar em provínicias cina ecnnu(n.i.da(le nacional quiq toilis, constitilem, seni -clsting.To.
Daí o emtinuim- a Câni-nan a suísteentar que i opiiig-ra-fe clo, título vii ld-we reT: Do goL-,erti-o mImio#iRtmção do
111t1.anta-II.
Metrópole e ultramar passarão n. ser meras designa ções geográficas, consideradas, pftTa certos efeitos, significativas ide eopaços jurkliie.ºs, e muida mi-nis.
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ARTIGO 133.º
53. Propõe-se a eliminação do artigo 133.º: é inevitável, visto no Seu Lugar entrar todo o texto Revisto, do Acto Colonial. A Câmara nada tem a opor.
ARTIOG 134.º
54. A proposta a contém uma nova redacção para o artigo 134.º, a fim de com ela se dissiparem dúvidas surgidas na interpretação do texto actual e que, na sessão legislativa de 12949-1950, deram lugar a debate em Assembleia Nacional.
Poderia dizer-se que, se a Assembleia assentou em determinada interpretação ficou. fixada a praxe constitucional; mas, dada a possibilidade de esta ser alterada em qualquer momento, reconhece-se que haverá conveniência em redigir mais precisamente o preceito duvidoso do qual, aliás o § 1.º já foi alterado aquando da revisão de 1945.
Quais são as modificações propostas? São as seguintes:
1.º No corpo do artigo:
a) Acrescentou-se o advérbio normalmente ao princípio da revisão decenal;
b) Manda-se contar o prazo de dez anos desde, a data da última revisão;
c) Conferem-se os poderes constituintes à Assembleia cujo mandato abranger o último ano do decénio.
2.º No § 1.º:
a) A antecipação deverá ser deliberada a partir do início da sessão legislativa correspondente ao último ano do quinquénio;
b) Altera-se, sem modificação da doutrina, a redacção da parte final.
3.º Acrescenta-se um § 2.º (novo), preceituando que, uma vez votada a lei da revisão, cessam os poderes constituintes da Assembleia Nacional.
4.º Num § 3.º, também novo, prevê-se a hipótese de a lei de revisão não poder ser integralmente votada pela Assembleia com poderes constituintes e determina-se que, em tal caso, serão aqueles poderes reconhecidos à assembleia que lhe suceder, mas apenas durante a sua primeira sessão legislativa e para o efeito restrito do ultimar a apreciação e votação das mesmas propostas ou projectos.
5.º O actual § 2.º passa a § 4.º.
55. Antes de entrar no exame destas alterações, individualmente. A Câmara Corporativa deseja uma vez mais acentuar que a sua posição é abertamente contrária ás facilidades em matéria de revisão constitucional. Todas as leis para serem respeitadas, têm de ser estáveis, quanto mais as leis fundamentais do Estado! Os cidadãos não podem andar sempre a curar de saber se determinado preceito constitucional sobre o qual fundaram a crença em certos direitos ou a ciência de certas instituições ainda está em vigor ou variou de cinco em cinco anos.
A ideia de que normalmente a Constituição deverá ser revista todos os dez anos choca a sensibilidade da Câmara. A revisão decenal é uma faculdade, e não é uma
obrigação. Não há lei ordinária sujeita obrigatoriamente a revisão decenal, o que colocaria a Constituição numa posição mais precária do que as leis não constitucionais, quando, pelo contrário se lhe pretende atribuir maior rigidez.
Por outro lado, qualquer alteração à Constituição deve ser rodeada de cuidados e garantias e de reflexão. Quando se verifica que a actual proposta corresponderá à sétima lei de revisão e que, preparada sem publicidade e desacompanhada de relatório, foi apresentada na sessão da Assembleia Nacional de 19 de Janeiro e submetida ao estudo da Câmara Corporativa pelo prazo constitucional de trinta dias, manifestamente escasso para levar a cabo a análise e de documento tão
tenso e com tanta variedade, de questões, algumas bem complexas; o que está anunciada a sua discussão imediata para pouco depois da reabertura parlamentar, não pode deixar de recear-se que a todos estes trabalhos faltem condições de profundo estudo indispensáveis a matéria de tamanha gravidade.
Bem mais seguro era o processo de revisão estabelecido na Carta Constitucional. A iniciativa de qualquer alteração podia ser tomada quatro anos depois da publicação de uma lei constitucional (segundo a interpretação, do artigo 140.º fixada pelo artigo 9.ºdo Acto Adicional de 1885) e devia constar de projecto apresentado na câmara aos Deputados, com a indicação expressa dos artigos a modificar e o apoio da terça parte, dos Deputados.
Após três leituras deste projecto deliberava a Câmara se o admitia ou não; e, no caso afirmativo, seguia-se, o processo legislativo normal. A lei daí resultante tinha como único efeito conferir às Cortes, na legislatura seguinte, poderes para na primeira sessão discutirem e votarem as alterações propostas para os artigos indicados.
Por esta forma se assegurava que nenhuma reforma seria feita sem reconhecida necessidade e sem o prazo conveniente para o seu estudo.
A Câmara reconhece que nos tempos de agora nem sempre seria compatível a oportunidade de alguma reforma com a lentidão de tal processo: mas parece-lhe que haveria um meio termo, o qual consistiria em fixar em noventa dias o prazo para ela dar parecer sobre as propostas ou projectos da revisão estabelecendo outros noventa dias de dilação entre a publicação de parecer e o início da discussão na Assembleia. Só em casos de urgência tais prazos poderiam ser reduzidos.
56. Não parece conveniente a nova redacção proposta para o corpo do artigo 134.º e, a tocar-se nele, talvez valesse a pena acentuar que a revisão constitucional não é uma obrigação decenal, mas simples faculdade. Por isso mesmo a Câmara não acha feliz a inclusão do advérbio normalmente.
Quanto ao termo a quo da contagem do decénio é de boa técnica uniformizar o modo de expressão em todo o artigo, dizendo lei de revisão ou, melhor ainda, lei constitucional, pois a lei de revisão seria, mais propriamente, aquela em que se deliberasse proceder a revisão.
Finalmente, da redacção proposta não se extrai com suficiente clareza se os poderes constituintes da, Assembleia vigoram ou não durante toda a legislatura que abranja o último ano do decénio. No caso afirmativo, isso equivaleria, em certos casos a abreviar de um, dois ou três anos o intervalo que se pretende manter entre cada duas leis constitucionais.
Partindo do princípio de que devem medir dez anos completos entre duas revisões e de que não convém facilitar as alterações à Constituição esta Câmara
entende que a actividade constituinte não deveria ser determinada pelo último ano do decénio e sim pelo primeiro que se siga no termo dele.
Esta mesma doutrina se aplica à época a partir da qual pode ser deliberada a antecipação de que trata o § 1.º, cuja redacção carece da ser remodelada. Na
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verdade, menciona-se nele «o decénio referido no artigo anterior» para designar a doutrina do corpo do próprio artigo; e toda a parte final é dispensável, uma vez que no corpo do artigo se fixou a regra de que os dez anos se contam sempre a partir da data da publicação da última lei constitucional.
A Câmara nada tem a opor à doutrina dos §§ 2.º e 3.º, salvo a redacção.
Da coordenação de quanto ficou dito resulta que a esta Câmara parece que o artigo 134.º deveria ser assim redigido:
Art. 134.º A Constituição poderá ser revista decorridos dez anos sobre a data da publicação da última lei constitucional, tendo para esse efeito poderes constituintes a Assembleia Nacional cujo mandato abranger o primeiro ano posterior ao termo do decénio.
§ 1.º Decorridos cinco anos sobre a data da última lei constitucional, pode, porém, a Assembleia Nacional deliberar, por maioria de dois terços dos votos dos Deputados em efectivo exercício, que a revisão seja antecipada, devendo a resolução definir precisamente, neste caso, quais os artigos da Constituição a rever.
§ 2.º Admitida uma proposta ou projecto de lei constitucional, seguirá para a Câmara Corporativa para que emita parecer sobre ela no prazo máximo de noventa dias.
§ 3.º Entre a publicação do parecer da Câmara Corporativa e o início da discussão da proposta ou projecto na Assembleia Nacional deverão decorrer, pelo menos, noventa dias.
§ 4.º Os prazos fixados nos parágrafos anteriores só podem ser reduzidos, até trinta dias cada, em caso de extrema urgência reconhecida por maioria de dois terços dos votos dos Deputados em efectivo exercício.
§ 5.º Quando, por virtude dos prazos do processo estabelecido neste artigo, a discussão e a votação da proposta ou projecto de lei não possa concluir-se na legislatura em que haja tido início, a Assembleia Nacional conservará poderes constituintes na primeira sessão legislativa da legislatura seguinte, mas tão só para o efeito de concluir os trabalhos pendentes.
§ 6.º Os poderes constituintes da Assembleia Nacional em cada época de revisão cessam com a aprovação de uma lei constitucional, desde que esta venha a ser promulgada.
ARTIGOS 138.º, 139.º, 142.º e 143.º
57. A proposta de lei contém, finalmente, a revogação de algumas disposições transitórias, cujos preceitos se encontram completamente esgotados e que, por isso, constituem hoje artigos supérfluos.
Duas orientações se podem seguir a tal respeito: uma a da proposta; outra a de considerar a Constituição um documento a um tempo histórico e vigente. Como texto histórico figuram nele disposições envelhecidas, mas que representam o espírito ou as necessidades de um momento a que está ligada a origem da lei fundamental e que servem a todo o tempo para que se possa recapitular o caminho decorrido em decénios ou até em séculos.
Em boa verdade, suprimindo-se hoje uma, amanhã outra das disposições originárias, a breve trecho a Constituição acaba por ser diferente daquela a cuja sombra nasceram as instituições que nela se apoiam. E para reconstituir a sua vida torna-se necessário reunir e comparar sucessivos textos.
Mas a questão não vale a pena ser debatida. E pois que o Governo optou, na proposta de lei, por uma das orientações, a Câmara entende inútil maior exame do assunto.
III
Conclusões
Em conclusão, é parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de revisão constitucional:
Na generalidade, que a revisão deve ser restrita às alterações rigorosamente consideradas necessárias ao bom funcionamento d aã instituições políticas e à exacta definição do espírito do regime, com prejuízo de tudo o que corresponda a simples melhoramento, correcção ou apuramento de redacção de preceitos até aqui não controvertidos;
Na especialidade, dentro desta orientação geral, que a proposta deveria ser concebida nos termos que seguem, devendo adoptar-se a técnica da Lei n.º 2:009, de 17 de Setembro de 1945, visto mão convir variar constantemente a estrutura das leis constitucionais e sem se discutir mais se a técnica dessa lei é boa ou má.
Constituição
Art. 2.º O .Estado mão aliena por nenhum modo qualquer parte do território nacional ou dos direitos de soberania que/sobre ele exerce, sem prejuízo da rectificação de fronteiras, quando aprovada pela Assembleia Nacional.
§ 1.º Nenhuma parcela do território nacional pode ser adquirida por Governo ou entidade de direito público de país estrangeiro, salvo para instalação de representação diplomática ou consular, se existir reciprocidade em favor do Estado Português.
§ 2.º Nos territórios ultramarinos a aquisição por Governo estrangeiro de terreno ou edifício para instalação de representação consular será condicionada pela anuência do Ministro do Ultramar a escolha do respectivo local.
Art. 6.º .......................................................................
3.º Zelar pela melhoria de condições idas ciásseis sociais mais desfavorecidas.
Art. 9.º Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação ou emprego permanente por virtude da obrigação de prestar o serviço militar ou em resultado de serviço na defesa civil do território.
Art. 46.º O Estado reconhece a posição especial da Igreja Católica, em que professa a maioria dos portugueses. É garantido à Igreja o livre exercício da sua autoridade, com a faculdade de, na esfera da sua competência, exercer os actos do seu poder de ordem e jurisdição sem qualquer impedimento. O Estado mantém em relação à Igreja Católica o regime de separação, sem prejuízo das relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal, com recíproca representação, e das concordatas e acordos aplicáveis na esfera do Padroado ou de outros em que sejam ou venham a ser reguladas matérias de interesse comum.
Art. 72.º ......................................................................
§ 3.º Se, em consequência de guerra, for impossível a convocação dos colégios eleitorais (na data resultante da aplicação do parágrafo anterior, far-se-á essa convocação logo que cessem as razões de força maior, con-
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siderando-se prolongadas as funções do Presidente até que tome, posse o seu sucessor.
Art. 73.º ... ... ... ... ... ... . .
§ 1.º Não será aceita a candidatura daqueles que não ofereçam garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais de ordem política e social consagrada na Constituição.
§ 2.º (0 actual § Único).
Art. 83.º ... ... ... ... . ... ... ...
6.º Dez homens públicos de superior competência, nomeados vitaliciamente pelo Chefe de Estado.
Art. 84.º Compete ao Conselho de Estado:
1.º Emitir parecer antes do exercício pelo Presidente da República dos atribuições aos n.ºs 4.º, 5.º e 6.º do artigo 81.º e do § único do artigo 87.º;
2.º Emitir parecer nos casos em que o Presidente da República, tenha dúvidas sobre a promulgação como lei de um projecto aprovado pela Assembleia Nacional;
3.º Informar e aconselhar o Presidente da República em todas as emergências graves da vida do Estado e, de maneira geral sempre que o seu voto seja solicitado;
4.º Reconhecer a impossibilidade física permanente do Chefe do Estado, nos termos e para os efeitos do § 1.º do artigo 80.º
5.º Apreciar as propostas de candidatura á eleição para a Presidência da República, decidindo se as pessoas propostas para candidatos obedecem ás condições prescritas no § 1.º do artigo 73.º e sob. Parecer do procurador-geral da República, da elegibilidade delas.
§ 1.º Não poderão ser candidatos, nem como tais sufragados, os indivíduos que o Conselho de Estado declarar inelegíveis ou que não oferecem garantias de
respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consagrada na Constituição.
§ 2.º O Conselho reunirá por direito próprio para apreciar as propostas de candidatura à Presidência da República, e às reuniões que celebrar para esse efeito não assistirá o Chefe do Estado nem conselheiro a quem algumas das propostas respeite.
A epígrafe do título III da parte II passará a ser: Da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.
Art. 85.º A Assembleia Nacional é composta de cento e vinte Deputados, eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores e o seu mandato terá a duração de quatro anos, improrrogáveis, salvo quando a convocação dos colégios eleitorais seja impossível por se verificarem as circunstâncias previstas no § 3.º do artigo 72.º. pois nesse caso as funções dos Deputados prolongar-se-ão até que se possa proceder-se a nova eleição.
Art. 91.º . ..... ... ... ... . .. .
12.º Deliberar sobre a revisão constitucional.
Art. 93.º Constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a aprovação das bases gerais sobre:
a) A organização da defesa nacional;
b) A transformação de alguma actividade privada em empresa pública;
c) 0 peso, valor e denominação da moeda principal;
d) 0 padrão dos pesos e medidas;
e) A criação de algum novo banco ou instituto de emissão;
f) A organização dos tribunais;
g) A criação de impostos e taxas;
h) A administração e exploração dos bens e empresas do Estado;
i) A organização do Conselho de Estado;
j) A organização da Câmara Corporativa.
§ único. Em caso de urgência e necessidade pública poderá o Governo criar impostos ou taxas por decreto-lei, o qual será sujeito a ratificação da Assembleia Nacional ma primeira sessão legislativa que se seguir à publicação.
Art. 97.º... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .
§ 1.º A reforma da lei orgânica da Câmara Corporativa poderá ser da iniciativa desta, devendo a proposta, em tal caso, ser enviada à Presidência da Assembleia Nacional, acompanhada já de parecer votado pela Câmara em reunião plenária.
§ 2.º As alterações sugeridas nas conclusões dos pareceres da Câmara Corporativa enviados à Assembleia Nacional serão consideradas propostas de eliminação, substituição ou emenda, conforme os casos, para efeitos de discussão e votação de projectos ou propostas de lei, independentemente de outra iniciativa.
§ 3.º 0 Governo pode, durante a discussão das propostas ou projectos, submeter à apreciação da Assembleia quaisquer alterações desde que incidam sobre matéria ainda não votada.
Art. 99.º ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . .
b) (Acrescentar ao texto actual) e outras semelhanças.
Art. 102.º ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... . .
§ 3.º (acrescentar:) e determinando-se por Lei especial e quantitativo e as condições em que será percebido o subsídio.
§ 4.º (novo). A legislatura da Câmara Corporativa coincide com a da Assembleia Nacional.
Art. 103.º ... ... ... ... ... ... .
§ 3.º Se a Câmara Corporativa, pronunciando-se pela rejeição na generalidade de um projecto ou proposta de lei, sugerir a sua substituição por outro, poderá qualquer Deputado ou o Governo adoptá-lo para ser discutido em vez de substituído ou conjuntamente com este, conforme haja ou não sido retirado pelo proponente. Se, porém a Câmara propuser meras alterações na especialidade, serão consideradas para efeito de discussão e votação na Assembleia Nacional, independentemente de adopção, e, salvo o caso de deliberação em contrário, com prioridade sobre quaisquer outras.
§ 4.º (novo). Ao estudo dos pareceres nas reuniões das comissões da Assembleia Nacional assistirá um delegado da Câmara Corporativa, designado pela presidência desta, para prestar os esclarecimentos necessários.
Art. 104.º A Câmara Corporativa será organizada por secções especializadas e funciona em reuniões plenárias, por secções orgânicas ou por comissões constituídas consoante a matéria em estudo reclamar para representação dos interesses que nela devam ter voto.
§ 1.º Na discussão das propostas ou projectos de lei podem intervir o Presidente do Conselho, os Ministros ou seus representantes e o Deputado que do projecto houver tido a iniciativa.
§ 2.º As reuniões das secções e comissões não são públicas.
Art. 105.º e 106.º: onde se lê secções, acrescentar: ou Comissões.
Art. 105.º ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .
§ 1.º (O actual § único).
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§ 2.º A Câmara Corporativa poderá sugerir ao Governo a adopção de providências que as suas secções ou comissões hajam considerado convenientes e necessárias.
A epígrafe do título VI da parte II passará a ser: Da divisão administrativa e das autarquias locais na metrópole.
A epígrafe do título VII da parte II passará a ser: Do governo e administração do ultramar.
Art. 134.º A Constituição poderá ser revista decorridos dez anos sobre a data da publicação da última lei constitucional, tendo para esse efeito poderes constituintes a Assembleia Nacional cujo mandato abranger o primeiro ano posterior ao termo do decénio.
§ 1.º Decorridos cinco anos sobre a data da última lei constitucional, pode, porém, a Assembleia Nacional deliberar, por maioria de dois terços dos votos dos Deputados em efectivo exercício, que a revisão seja antecipada, devendo a resolução definir precisamente, neste caso, quais os artigos da Constituição a rever.
§ 2.º Admitida uma proposta ou projecto de lei constitucional, seguirá para a Câmara Corporativa para que emita parecer sobre ela no prazo máximo de noventa dias.
§ 3.º Entre a publicação do parecer da Câmara Corporativa e o início da discussão da proposta ou projecto na Assembleia Nacional deverão decorrer, pelo menos, noventa dias.
§ 4.º Os prazos fixados nos parágrafos anteriores só podem ser reduzidos, até trinta dias cada, em caso de extrema urgência reconhecida por maioria de dois terços dos votos dos Deputados em efectivo exercício.
§ 5.º Quando, por virtude dos prazos do processo estabelecido neste artigo, a discussão e a votação da proposta ou projecto de lei não possa concluir-se na legislatura em que haja tido início, a Assembleia Nacional conservará poderes constituintes na primeira sessão legislativa da legislatura seguinte, mas tão só para o efeito de concluir os trabalhos pendentes.
§ 6.º Os poderes constituintes da Assembleia Nacional em cada época de revisão cessam com a aprovação de uma lei constitucional, desde que esta venha a ser promulgada.
São eliminados os artigos 133.º, 138.º, 139.º, 142.º e 143.º
A Câmara Corporativa entende que deve ser mantida a actual redacção do § único do artigo 1.º, do n.º 1.º do artigo 8.º, do artigo 25.º, do artigo 38.º, do artigo 45.º, dos artigos 74.º e 75.º, do § 2.º do artigo 80.º, do § 2.º do artigo 90.º e do § único do artigo 98.º
Para a hipótese, porém, de a Assembleia Nacional resolver alterar esses preceitos sugerem-se novas redacções para alguns deles no texto do parecer.
Palácio de S. Bento, 23 de Fevereiro de 1951.
Afonso de Melo Pinto Veloso, vice-presidente.
Afonso Rodrigues Queira. (Necessito de deixar expresso que me pronunciei, na discussão e na votação dentro desta Câmara, pela forma indirecta de sufrágio na eleição do Chefe do Estado, que passaria a competir às Cortes, ou seja conjuntamente à Assembleia Nacional e à Câmara Corporativa. Estou persuadido de que este sistema, sobre manter-se integralmente fiel aos clássicos princípios da democracia representativa, oferece ainda, em relação ao que mereceu a aceitação da maioria desta Câmara, a vantagem de não afectar o prestígio da personalidade eleita, que, suponho, viria a ser em maior ou menor grau comprometido pelo facto de ter disputado os votos da Nação sem a concorrência dos eventualmente arredados «por falta de idoneidade política», na visão que desta tenham os membros do Conselho de Estado. E não me parece fácil, para mais, contestar que tudo quanto em matéria de vantagens políticas se possa esperar da consagração do sistema preferido pela Câmara, no plano da segurança constitucional, se obteria sem constrangimento do funcionamento da fórmula que advogo.
Em último termo, arredada a solução que perfilho, votaria ainda pela conservação do sistema vigente, sem me arrecear do triunfo dos adversários da ordem constitucional instituída, confiando na Nação, que tão boas provas já deu recentemente da sua maturidade política, reconhecendo irrevogàvelmente a idoneidade de cada um dos que lhe pediram a sua confiança e o seu mandato. Exigiria, quando muito, um juramento prévio dos candidatos, em que afirmassem solenemente a sua integração na ordem constitucional em vigor e o propósito de a manter e defender).
António Pedro Pinto de Mesquita. (Vencido quanto ao artigo 84.º, n.º 5.º, e § 1.º do mesmo artigo.
Conformando-me com a manutenção do sistema de eleição pelo sufrágio directo, também entendo necessário evitar a deturpação tendenciosa de uma eleição presidencial. Sendo da competência da Assembleia Nacional alterar a Constituição, não é de admitir que o acto eleitoral se venha a transformar num plebiscito do regime. Aceitando, assim, o princípio de constituir requisito de elegibilidade a integração do candidato nos «princípios fundamentais da ordem política e social consagrada na Constituição», manifesto-me em divergência com a solução adoptada pela Câmara no que respeita à maneira de tornar efectiva a observância de tal requisito. Julgo que a exigência aos candidatos de um compromisso prévio, que representaria uma antecipação do juramento a que se refere o artigo 75.º da Constituição, constituiria uma baliza eficiente no desenvolvimento da chamada campanha eleitoral.
Manifestando-se, porém, a maioria da Câmara no sentido da intervenção nessa matéria de um organismo de apreciação, votei que, à semelhança do que sucede na averiguação das condições de eleitor - e nestas compreende-se o respeito pela existência de Portugal como Estado (independente e pelos princípios da disciplina social (Lei n.º 2:015, de 28 de Maio de 1946, artigo 2.º, n.º 5.º) -, tal verificação revestisse as características de apreciação jurisdicional que informam o sistema dos artigos 19.º e 20.º da referida lei.
Na apreciação das condições de elegibilidade do Chefe de Estado era lògicamente levado a atribuir essa função à instância superior do nosso contencioso administrativo, mas, porque está em causa o primeiro órgão constitucional da soberania, entendi que na respectiva decisão deveriam intervir, além dos componentes da referida instância de julgamento, o Presi-
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dente da Assembleia Nacional, o Presidente da Câmara Corporativa, o (presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o procurador-geral ida República).
Francisco José Vieira Machado (em relação ao artigo 13.º - alteração ao § 2.º do artigo 80.º da Constituição):
Aprovo a proposta do Governo. Não faz sentido, no meu modo de ver, que o Presidente da República seja substituído pelo Presidente do Conselho e que na falta deste o não seja por outro membro do Governo.
Desde que se admite - e muito bem - que o Presidente da República tem de ser substituído pelo mais qualificado membro do Poder Executivo, não se percebe a razão por que, na falta deste, se recorre a um representante do Poder Legislativo.
A substituição do Chefe do Estado deve permanecer sempre no Poder Executivo.
E o critério da proposta do Governo parece-me o único admissível, sob pena de cairmos no arbítrio.
Em relação ao artigo 15.º (substituição do artigo 84.º da Constituição):
Entendo que é da maior inconveniência dar ao Conselho de Estado a atribuição consignada na alínea a).
Essa atribuição deve caber à Assembleia Nacional, órgão político do regime e representante da vontade da Nação. Só à Assembleia Nacional pode, no meu modo de ver, ser confiada a melindrosa atribuição consignada na alínea a) do artigo 84.º, e é, segundo penso, absolutamente desaconselhável que qualquer outro órgão de Estado se substitua à Assembleia Nacional no exercício do exame encarado pela referida disposição.
Em relação ao artigo 20.º (modificação do artigo 93.º da Constituição):
Mantenho a interpretação que, em declaração de voto sobre o projecto referente ao Acto Colonial, dei acerca da exigência de os impostos serem objecto de lei formal. Creio que essa exigência seria de manter e, visto terem surgido dúvidas de interpretação, que seria indispensável aclará-las no sentido de não se poderem lançar impostos não votados previamente pela Assembleia Nacional. Trata-se de um velho e tradicional direito da Nação, que nada justifica ser prejudicado.
Entendo, finalmente, que o Chefe do Estado devia ser escolhido por meio de eleição indirecta.
Francisco Marques.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Luís Supico Pinto.
Pedro Teotónio Pereira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Tomás Aquino da Silva. (Perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Afonso Queiró).
Marcelo Caetano, relator.
ANEXO,
Parecer subsidiário da secção de Interesses espirituais e morais
A secção de Interesses espirituais e morais da Câmara Corporativa, consultada sobre os artigos 45.º e 46.º da proposta de lei do Governo de alteração da Constituição Política referente às relações entre o Estado e a Igreja Católica, emite o seguinte parecer subsidiário:
I
Apreciação na generalidade
A secção de Interesses espirituais e morais entende que qualquer modificação nesta matéria não deve ser feita sob a influência de ideias ou preconceitos do passado ou com a preocupação de não desagradar às pessoas a quem o assunto porventura menos pode interessar, por não professarem religião nenhuma, mas antes à luz dos princípios cristãos, das tremendas realidades do presente e em vista do futuro espiritual da Nação, que não pode viver sem alma.
É sabido que o democratismo liberal do século passado laicizou a vida oficial. Deus foi expulso das leis e dos actos oficiais, a Igreja Católica, manietada primeiro a pretexto de protecção, foi depois espoliada, oprimida e perseguida, o clero maltratado e caluniado, a religião considerada puro assunto da vida particular do cidadão.
Durante um século mudaram regimes, sucederam-se Governos, operaram-se grandes transformações nos costumes, nas leis, nas instituições, na vida política, mas a hostilidade contra a Igreja e o respeito humano quando se tratava de religião persistiram sempre. A tradição cristã de Portugal foi em dado momento repudiada pelos governantes e a mentalidade laicista e anticlerical difundiu-se em tão larga escala que até católicos dela insensivelmente se deixaram possuir. Dir-se-ia que o laicismo constituía a principal característica, o dogma intangível da democracia liberal.
Veio depois contra ela a Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926, elaborou-se e promulgou-se nova Constituição, reformou-se toda a máquina governativa, expurgou-se a vida política, económica e social de vícios que a comprometiam.
Quando, porém, se pretendeu definir a posição do Estado perante a Igreja, embora se tenha reconhecido a esta personalidade jurídica e fossem restabelecidas relações diplomáticas com a Santa Sé, ficaram a inspirá-la velhos princípios liberais, como o da ausência de Deus, o da igualdade de todos os cultos, o de uma «separação» que até aí tivera carácter agressivo.
Se o democratismo liberal foi corrigido em muitos idos seus aspectos, neste das relações entre o Estado e a Igreja não se foi ainda, então, até onde o direito histórico e a lógica pediam que se fosse.
É agora, segundo nos parece, o momento de acertar o passo também neste ponto. Certas condescendências, talvez admissíveis em 1933, não têm hoje razão de ser. A época liberal morreu, o liberalismo, como política, economia, filosofia ou sociologia, foi ultrapassado. Não vale, por isso, a pena conservar restos dele na Constituição Política, em contradição com o pensar da maioria dos portugueses, que são católicos, tanto mais que assim o exigem as novas circunstâncias do Mundo.
De facto, a questão do mundo de hoje já não é a de manter, no todo ou em parte, as conquistas liberais, nem de combater o clericalismo, que deixou totalmente de existir. Nova barbárie bate às portas do Ocidente e põe em perigo todo o património espiritual, moral, cultural e social que os séculos nos legaram. Não é esta ou aquela regalia de indivíduo ou de classe que está em perigo. Pretende-se aniquilar a pessoa humana total e a civilização de que tão legitimamente nos orgulhamos. Ora a pessoa humana foi o Cristianismo que a descobriu, em toda a sua perfeição essencial, em toda a sua nobreza de origem e destino, e a incomparável obra da civiliza-
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ção a ninguém deve mais do que à Igreja Católica. Suo conhecidas as opiniões a este respeito de Mazzini, Guisot, Minghetti e outros mais recentes.
Sendo assim, é preciso dar à Igreja a possibilidade de defender e continuar a sua obra. Urge armar espiritualmente o Ocidente, dando aos valores espirituais a sua plena eficiência, sem receio de ir até ao fim. A uma negação total há que opor a afirmação total de tais valores-de Deus, da pessoa humana, da missão redentora de Cristo, prolongada no tempo e no espaço pela sua Igreja. Na mobilização geral de energias que vai pelo mundo ocidental, para enfrentar os riscos desta hora, as energias morais não podem ser dispensadas.
Finalmente, qualquer alteração a introduzir neste título da Constituição há-de exprimir o actual grau de relações entre a Igreja e o Estado e da situação religiosa do País, pois não seria bem que ela estivesse ou parecesse estar em desarmonia com as realidades nacionais.
Ora, desde 1933 para cá há mudanças substanciais a registar nesta matéria. Celebrou-se uma concordata entre Portugal e a Santa Sé, na qual se resolveram vários problemas de interesse comum, se regulou, «de modo estável, a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal» e se estabeleceram «relações amigáveis» entre os dois poderes. A Igreja e o Estado têm-se dado as mãos em actividades de interesse verdadeiramente nacional, como a educação da juventude, as missões ultramarinas, a defesa da tranquilidade pública e dos bons costumes e outras. Já longe da hostilidade de há quarenta anos, ou mesmo da simples neutralidade agnóstica de marca liberal, o Estado, na pessoa dos seus mais altos representantes, tem assistido a actos religiosos nos templos e fora deles, procurado, com vivo interesse, assistência religiosa em institutos educativos e assistenciais e tomado a iniciativa de determinadas cerimónias religiosas em festas e comemorações oficiais.
E se à verificação consoladora e altamente nobilitante destes factos acrescentarmos que mais de 90 por cento dos portugueses se declararam livremente católicos no censo de há dez anos, que a Igreja se tem internamente fortalecido e purificado e externamente consagrado a uma obra eminentemente apostólica e benfazeja, que, ao contrário do que poderia parecer, o nível religioso da população portuguesa se tem elevado nos últimos tempos em escala sempre crescente, como provam as estatísticas, teremos encontrado razões mais que suficientes para justificar as modificações que nos vamos permitir apresentar à proposta de lei do Governo.
II
Exame na especialidade
ARTIGO 45.º
1. Há na proposta de lei governamental, a nosso ver, uma falta grave: não confessar expressamente Deus. Não se admitindo ou ignorando-se Deus, não tem razão de ser o «culto nem vale a pena legislar sobre ele. Não admitindo a nossa Constituição formalmente a existência de Deus, não vai, neste ponto, muito além da Constituição Soviética, que também afirma a Liberdade de exercer os cultos- religiosos (Constituição de 1936, artigo 124.º). E certo que se afirma essa liberdade em teoria, mas nega-se depois Deus em toda a vida oficial e difunde-se pelos órgãos oficiais de legislação, de governo, de ensino e de propaganda o ateísmo absoluto. Só há, porém, vantagem em evitar qualquer espécie de paralelismo com ela. Se Deus existe, há que confessá-lo, reconhecer o Seu domínio supremo e prestar-Lhe o devido culto. E esta obrigação impende tanto sobre os indivíduos singularmente considerados como sobre o próprio Estado, que os representa.
2. O nome de Deus é expressamente invocado na Constituição de várias nações. Assim, para só citar alguns exemplos, a Constituição brasileira fá-lo numa espécie de preâmbulo, por estas palavras: «Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a protecção de Deus, em Assembleia Constituinte»; a da Irlanda, no artigo 44.º, em que trata da religião, desta maneira: «O Estado reconhece que a homenagem de culto público é devida a Deus Omnipotente. O Estado prestará reverência ao Seu nome e respeitará e honrará a religião», e, finalmente, a Constituição polaca de 1921, que vigorou até à invasão russa, começa pelas palavras: «Em nome de Deus Omnipotente», e o Chefe do Estado inicia o seu juramento dizendo: «Juro perante Deus Omnipotente, único na Trindade Santa», e termina-o assim: «Que Deus e a Santa Paixão de Seu Filho me ajudem. Amém».
3. Três razões poderiam ser apresentadas contra a inclusão do nome de Deus, agora, ma nossa Constituição: tratar-se de uma simples revisão, e não de uma Constituição nova, não agradar isso possivelmente a algum s portugueses e ir-se de encontro ao princípio dia neutralidade do Estado.
A primeira não colhe, porque a invocação do nome de Deus pode ser feita neste mesmo artigo 45.º, onde aliás fica bem, como acontece na Constituição irlandesa, e nada mais implicará do que tornar explícito o que está implícito e completar o que está incompleto. Noutros títulos a revisão chega a introduzir matéria nova e não se vê nisso inconveniente.
A segunda diremos que a grande maioria dos portugueses aceitará e aplaudirá a invocação de Deus, o que, só por si, basta para tornar improcedente a objecção; e acrescentaremos que nada vale contra o direito de Deus a opinião, aliás infundada, de alguns homens. Por nossa parte não podemos ficar de consciência tranquila miem Deus abençoará o nosso trabalho se, por tão insignificantes razões, deixarmos de O confessar.
Poderia ainda argumentar-se com a neutralidade do Estado. Mas, além da verificação do facto acima feita, se tivermos presente que o Estado nada mais é do que a união de indivíduos politicamente organizados; que tanto os indivíduos como a sociedade tiram a sua existência de Deus, autor da natureza, humana - pois a natureza humana necessita de viver em sociedade para conservação e aperfeiçoamento da vida física, intelectual e moral, conservação e propagação do género humano e defesa comum do património jurídico -, e, ainda, que toda a pessoa física ou moral, dependente de outrem, deve reconhecer a sua dependência, já nos não será difícil admitir que a própria sociedade política deve confessar a sua dependência de Deus, tributando-Lhe o culto que merece.
O Estado Novo, numa frase histórica do Sr. Presidente do Conselho, não discute Deus. Reconhece-O, portanto, e, reconhecendo-O, não pode negar-se a cumprir o seu dever para com Ele.
4. A redacção governamental deste artigo merece-nos também reparo quando emprega a palavra «separação». Em toda a parte, mas especialmente em Portugal, ela conserva um sentido pejorativo, odioso e hostil, que não está por certo no animo dos legisladores. Recorda a lei iníqua que em 1911 tanto agravou e humilhou a Igreja e a bandeira que presidiu à perseguição religiosa dos primeiros tempos da República. Não é palavra de paz, é grito de guerra; não significa união, mas divisão, da família portuguesa. E se no tempo em
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24 DE FEVEREIRO DE 1951 417
que começou a ser usada contrastava com as melhores tradições nacionais, carece hoje totalmente de propriedade para exprimir o actual regime de relações entre o Estado e a Igreja.
Acresce que nas constituições mais modernas, como, por exemplo, a italiana, votada, aliás, por uma assembleia de Deputados das mais diferentes ideologias, muitos dos quais, como os comunistas, nada simpatizantes com a Igreja Católica, o termo não aparece. Foi substituído pela palavra «independência», sem dúvida mais rica daquele sentido que se pretende fazer vingar.
Seria pois conveniente que a expressão «regime de separação» fosse substituída pela de «regime de independência de poderes», ou, ao menos, pela de «regime de separação de poderes». Separação, sem mais nada, é que não.
ARTIGO 46.º
5. Nova redacção sugere igualmente a secção para este artigo.
Depois da posição especial que é reconhecida à Igreja Católica no artigo anterior, parece-lhe que a proposta de lei a contradiz, ou, pelo menos, atenua neste. Nada convém desprezar do que sirva para conservar e até desenvolver a unidade religiosa do povo português. A história dá-nos eloquente depoimento sobre o alto valor que ela teve sempre no destino da Nação. Além disso não se vê necessidade de referencia aqui ao regime de separação, já que nunca existiu, nem é provável, que venha a existir, qualquer espécie de união entre o Estado e alguma das confissões religiosas aqui mencionadas.
E também é de opinião que, dadas as alterações propostas para o artigo anterior, bem pode ser suprimido este, e a sua doutrina incorporada no seu § único, que passaria a pertencer ao artigo 45.º
6. E se lhe fosse permitido tocar num artigo que não é contemplado na proposta de lei, esta secção lembraria ainda que do artigo 48.º, relativo também a matéria de interesse comum para a Igreja e o Estado, desaparecesse a mal sonante expressão «carácter secular». A Igreja não concordará jamais com o princípio da secularização dos cemitérios, que considera sagrados. Mas resigna-se com os factos consumados. Não vale a plena insistir, sem necessidade, numa questão que perdeu a oportunidade.
III
Conclusões
7. Nestas condições, a secção de Interesses espirituais e morais tem a honra de propor que os artigos 45.º, 46.º e 48.º tenham a seguinte redacção:
Art. 45.º O Estado reconhece o dever social de render homenagem a Deus. É livre o culto público ou particular da religião católica como da religião da Nação Portuguesa. A Igreja Católica tem personalidade jurídica e pode organizar-se de harmonia com o direito canónico e constituir por essa forma associações ou organizações cuja personalidade jurídica é igualmente reconhecida. As relações entre o Estado e a Igreja Católica assentam no regime de independência de poderes nas respectivas esferas e mútua colaboração assegurada pelas relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal, com recíproca representação pelas concordatas e acordos aplicáveis na esfera do Padroado e outros em que sejam ou venham a ser reguladas matérias de interesse comum.
§ único. Quanto às demais confissões religiosas existentes no território português, mantêm-se os princípios de liberdade de culto e de organização e reconhecimento da personalidade jurídica das associações religiosas, constituídas de harmonia com as normas da respectiva disciplina.
Exceptuam-se os actos de culto incompatíveis com a vida e integridade física da pessoa humana e com os bons costumes, assim como a difusão de doutrinas contrárias à ordem social estabelecida e à unidade moral da Nação.
Art. 48.º Nos cemitérios públicos podem os ministros de qualquer religião praticar livremente os respectivos ritos.
Eis, resumindo quanto possível, o parecer subsidiário que nos foi pedido. Fiel ao seu carácter e à sua responsabilidade, procurou esta secção interpretar fielmente o pensamento da Concordata de 1940 e o espírito das relações práticas actualmente existentes entre o Estado e a Igreja. Tendo em conta certas circunstâncias do meio português e porventura do momento internacional, consentiu em ficar aquém daquilo que a verdade, o direito, e o interesse da unidade moral da Nação poderiam exigir. Não sugeriu para a Igreja privilégios, antigos ou novos, nem interesses materiais, que, aliás, não deseja, embora em certo sentido justos.
Apenas lhe parece bem que não se falte ao dever para com Deus e que a política de liberdade, respeito e deferência adoptada pelo Estado Novo para com a Igreja seja consagrada na lei fundamental da Nação em termos honrosos e dignificantes para ambos os poderes.
Palácio de S. Bento, 19 de Fevereiro de 1951.
Afonso de Melo Pinto Veloso, assessor sem voto.
Amadeu Guerreiro Fortes Ruas.
Aurélio Augusto de Almeida.
Luís Figueira.
Maria Joana Mendes Leal.
António Avelino Gonçalves, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA