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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 78
ANO DE 1951 3 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 78 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 2 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta a sessão às 15 horas e 56 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 77.
O Sr. Deputado Manuel Domingues Basto ocupou-se da maneira como certos agentes da autoridade, interpretam o Código da Estrada.
O Sr. Deputado Proença Duarte esclareceu um ponto do seu discurso publicado no Diário das Sessões n.º 73.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Mandes do Amaral relativo à execução da Lei n.º 1:914.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados João do Amaral, Sousa Rosal, Délio Santos e Manuel Vaz.
Foram aprovados os textos elaborados pela Comissão de Legislação e Redacção acerca das resoluções da Assembleia quanto aos pedidos de aquisição de propriedades em Moçambique feitos pelos Governos dos Estados Unidos, Rodésia do Sul e Grã-Bretanha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
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João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Finto Meneres.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 56 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 77.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário em reclamação:
A p. 464, col. 2.ª, l. 60, onde se lê: «nossos», deve ler-se: «novos»; a p. 465, col. 1.ª, l. 37, onde se lê: «Ministério», leia-se: «Conselho»; na mesma coluna, a l. 48, deve ler-se: «cronicamente», em vez de: «economicamente» ; ainda na mesma coluna, a l. 64, onde se lê: «apresentarmo-nos», deve ler-se: «apresentar-nos».
A p. 466, col. 1.ª, l. 17, acrescentar à palavra: «financeiros», as seguintes: «nas colónias». E a l. 20 da mesma coluna intercalar um «a» entre as palavras: «verba» e «que».
Finalmente, a p. 467, col. 1.ª, l. 50, onde se lê: «1933», leia-se: «1940».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário, considero-o aprovado, com as emendas apresentadas pelo Sr. Deputado Dinis da Fonseca.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Manuel Domingues Basto.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: é ainda o desamor e injustiça com que por vezes são tratadas as populações rurais e serranas de Portugal que me leva a usar da palavra para a intervenção de hoje. Revolta-me a injustiça e em especial a injustiça praticada contra os fracos, e que, pelo facto de o serem, não podem defender-se.
Desde os 6 anos de idade aprendi na catequese da minha aldeia natal que a opressão dos fracos é um crime tão grave que constitui em moral cristã um dos pecados que bradam ao céu.
Se em tempos de perseguição religiosa o génio literário de Barrès ergueu em França, de forma impressionante, a sua voz a reclamar piedade para as igrejas abandonadas e maravilhosos templos caídos em ruínas, bem pode qualquer português com sincero amor à terra e à grei reclamar atenção e justiça para as nossas populações rurais e serranas, que constituem «o Portugal desconhecido é abandonado» do sábio Léon Ponsard.
Não se pode, com verdade, dizer que o Governo do Estado Novo tenha esquecido completamente ou votado inteiramente ao desprezo as populações rurais e serranas de Portugal. A desmentir qualquer afirmação que neste sentido se fizesse, aí está a lei dos melhoramentos rurais, da autoria de um Deputado cuja voz se fez ouvir ainda no período corrente da actual legislatura e cuja morte esta Câmara, o País inteiro e em especial a região nortenha sentiram profundamente - Antunes Guimarães.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falam bem alto as comparticipações pelo Governo concedidas às câmaras municipais para obras nas aldeias e até o princípio consagrado no Código Administrativo de que a acção municipalista há-de ter em conta todas as freguesias que formam o concelho, e não preocupar-se apenas com bonitos na sede, numa inversão da hierarquia das necessidades que sacrifique o necessário e útil ao supérfluo e num critério de morgados reloucados e falidos, que, não tendo para pão, gastam à larga em luxos e extravagâncias.
A fonte limpa e asseada, o edifício escolar de linhas airosas, para que a escola seja «risonha e franca», a estrada de ligação em bom estado e para comunicação fácil são já realidades consoladoras em muitas aldeias de Portugal. E essas realidades atestam e documentam, no presente e para o futuro, que mais a sério e mais eficazmente do que no tempo em que se falava muito em democracia política se cuida agora do povo português mais afastado dos grandes centros e mais carecido de auxílio para viver do exercício da sua profissão...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entre os benefícios que a pequena lavoura e as populações rurais devem ao Estado Novo Corporativo não pode esquecer-se, porque é dos maiores, o legislado em matéria de inventários e imposto sucessório na linha recta, que veio salvar muitas famílias da ruína e do desaparecimento de muitos casais agrícolas.
Antes do que nesta matéria se encontra agora legislado os inventários, em vez de assegurarem protecção aos menores, eram tão dispendiosos que lhes levavam os bens herdados e constituíam tão sarcástica e escarninha defesa que muitos casos houve em que os bens dos menores não chegavam para pagar o inventário e a transmissão.
Por amor da justiça é preciso dizer bem alto que se fez mesmo neste sector uma revolução salutar, e que essa revolução foi norteada pelo princípio de que um mínimo de bens económicos é, com a moral, condição e base da família estável que seja forte e seguro alicerce da Nação.
Apoiados.
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Mas tudo isto, que é muito, não impede que um ronceiro critério de vida velha, absolutamente contrário ao espírito da Revolução Nacional, trate por vezes os habitantes das aldeias como pessoas sem direitos e não tenha o menor respeito pelas justas regalias que lhes são concedidas pelas leis.
O que se tem passado com a maneira como se faz a resinagem e os abusos das companhias de electricidade nas bouças ou propriedades particulares - para somente me referir a dois problemas recentemente tratados nesta Assembleia - são índice seguro e dão-nos a prova evidente de que a lavoura pode ser desprezada, vexada e oprimida tanto mais quanto mais se proclama nesta Câmara que há-de ser ela a base da reconstituição económica do País.
Só quem de perto conhece a dureza da vida na serra e as circunstâncias difíceis em que se faz o trabalho agrícola nas aldeias é que pode avaliar com exactidão o que tem de iníquo e opressivo o que vou referir.
Há uma disposição legal que determina não poderem os veículos de tracção animal circular nas vias públicas sem estarem registados na câmara municipal do concelho da residência do proprietário respectivo.
Assim o dispõe o Decreto n.º 33:565, de 6 de Março de 1944, no seu artigo 1.º
Determinam mais os artigos 3.º e 4.º do mesmo decreto que o veículo tenha uma chapa que o identifique e um livrete de circulação, que o deverá acompanhar.
Até aqui está tudo certo e nada há que mereça reparos, censuras nem protestos.
O que começa a estar mal é que os agentes de autoridade apliquem a multa a que se refere o artigo 11.º do referido decreto quando encontram um carro cujo proprietário não tenha o livrete num caminho vicinal da serra a muitos quilómetros de distância da estrada pública.
Tal procedimento dos agentes da autoridade não pode ter justificação nem desculpa e só encontra um pretexto no velho espírito de caça à multa que caracteriza, infelizmente, muitos agentes da autoridade, e num critério que em linguagem de escola chamaríamos ad odium e o povo chama «critério de arrocho», duas expressões que indicam fundamentalmente a mesma injustiça.
Para nos desenganarmos de que assim é basta reparar em que o decreto que citei começa por dizer que se publica e para a execução do disposto no artigo 24.º do Decreto n.º 18:406, de 31 de Maio de 1930, e de harmonia com o disposto no artigo 158.º do mesmo diploma».
Mas, sendo o Decreto n.º 18:406 o Código da Estrada e publicando-se o Decreto n.º 33:565 para execução desse código, é evidente que nada tem que ver com os caminhos vicinais da serra, que de estrada nada têm e são por vezes intransitáveis, ou porque vão cheios de água no Inverno ou porque no bom tempo se apresentam quase destruídos pelas enxurradas.
Como, porém, deste sentido do contexto e dos lugares paralelos não sabem nem cuidam de saber os agentes da autoridade, o lavrador ou anda de livrete na mão, em meio dos trabalhos da serra ou do campo, ou é multado, e vê assim mais agravadas por estas interpretações iníquas dos agentes da autoridade as dificuldades da sua vida e descrê de tudo, até de que lhe façam a justiça, que se encontra consignada nas leis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Além de odioso, tal procedimento torna-se ridículo, pois é bem fácil de calcular que, se é justo exigir ao lavrador, quando transita nas estradas, que apresente certificado de haver cumprido a lei - o Código da Estrada -, não pode andar de certificado na mão, no bolso ou na fita do chapéu, só porque saiu de casa com o seu carro de lavoura para os campos situados à volta do casal ou a poucos metros de distância, por caminhos que ou são charcos ou barrancos e nem se parecem com estradas nem estão sujeitos às leis que nelas regulam o trânsito de veículos de tracção animal.
Ridícula e odiosa, esta interpretação de certos agentes da autoridade é, além de tudo, anárquica e conflituosa. Por causa dela têm-se dado em várias terras da província sérios e desnecessários conflitos entre o povo e a Guarda Nacional Republicana e entre esta e as autoridades locais, mais humanas, mais justas e mais conhecedoras da hermenêutica das leis.
Estes os factos, Sr. Presidente, e o critério com que têm sido julgados, que, como disse, não só não é o melhor critério, mas nem sequer tem sido o critério justo.
Termino, por isso, resumindo o que disse e pedindo:
1.º Mais atenção e justiça para as populações rurais e serranas de Portugal;
2.º Reconhecendo que, embora elas muito devam ao Estado Corporativo, há ainda um critério ronceiro de vida velha, odioso e de arrocho na execução das leis que a essas populações se referem:
Que os agentes de autoridade com funções de policiamento rural orientem a sua acção de modo a serem elementos de protecção, defesa e educação das populações rurais, e não pelo critério exclusivo da caça à multa, que torna esses agentes odiosos aos rurais e serranos e faz da sua acção mais uma calamidade para essa pobre gente;
Que, sem demora, o Governo ordene as necessárias providências para que se não apliquem aos caminhos encharcados e aos barrancos das aldeias e das povoações serranas de Portugal leis que se referem à execução do Código da Estrada.
Sr. Presidente: assim se faria simultaneamente turismo e justiça - justiça às populações rurais, não lhes agravando as dificuldades de vida, e turismo para que nacionais e estrangeiros tenham boas estradas e possam nelas transitar com ordem e segurança.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: quando falei nesta Assembleia sobre a Lei de Reconstituição Económica, do Diário das Sessões n.º 73 consta que eu teria dito que as obras da barragem de Idanha-a-Nova haviam custado duas centenas de milhares de contos.
Se assim é, desejo fazer aqui um esclarecimento no sentido de que as obras não custaram duas centenas de milhares de contos, mas apenas cerca de 100:000 contos. Neste momento posso dizer com rigor que essa obra custou 93:150 contos.
Muito me apraz prestar este esclarecimento, para que do texto que consta do Diário das Sessões n.º 73 se não possa tirar qualquer errada ilação para a Junta de Hidráulica Agrícola, à qual, mais uma vez, desejo prestar as minhas homenagens pela acertada dedicação e devoção com que tem servido os interesses do País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio, apresentado pelo Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral, acerca da execução da Lei de Reconstituição Económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado João do Amaral.
O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: venho fazer um breve aditamento à discussão do aviso prévio que durante estes dias tem interessado tanto a Assembleia Nacional e o País. Antes, porém, visto que, subindo pela primeira vez a esta tribuna, só agora tenho oportunidade de fazê-lo, desejo associar-me publicamente às homenagens de que V. Ex.ª tem sido alvo, das quais a primeira, a mais expressiva e a mais justa, foi a sua recondução no exercício da delicada magistratura para que já antes o elegêramos. Sem embargo da viva lembrança e saudade que os membros mais antigos desta Assembleia guardam da personalidade do seu ilustre antecessor, o Prof. José Alberto dos Reis, é opinião unânime que V. Ex.ª se tem mostrado sempre à altura da herança recebida, das responsabilidades e do exemplo que lhe foram legados.
Apoiados.
Faço sinceros votos por que em todas as emergências de uma política, no exercício desta ou de outra função, a sua inteligência, Sr. Presidente, o seu tacto, o seu patriotismo experimentado, lhe inspirem sempre a melhor maneira de servir a Nação e de dar realidade viva e actuante aos princípios em que se fundamenta esta ordem social e política, que reputamos essencial a uma sobrevivência como povo livre.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Disse a V. Ex.ª que a minha intervenção seria apenas um breve aditamento, uma nota à margem do comentário que estamos fazendo ao esforço de reconstituição económica do País levado a cabo nos últimos quinze anos, porque a renovação da marinha mercante nacional, a que desejo referir-me, não pode rigorosamente considerar-se como uma realização determinada e viabilizada pelo regime jurídico-financeiro da Lei n.º 1:914 e directamente integrada no plano de reconstituição económica que à sombra dela se delineou.
Sendo, na verdade, um dos aspectos mais salientes, mais notáveis, da reconstrução material do País, a renovação da marinha mercante teve a sua gestação autónoma e coroa uma política de soberania e de fomento que se desenvolveu com base numa ordem jurídica própria, elaborada em consideração das realidades do próprio sector económico e grandemente limitado ao ideal de realizar o necessário na medida do possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, porque dessa previdente elaboração do condicionalismo legal conducente à solução do problema e dessa política do mar prudente e firme foi agente principal o actual Ministro da Marinha, desde já me desobrigo do dever em que estou, em que todos os Portugueses estão, de o louvar e enaltecer, pois nessa obra se viu florir e frutificar a sua apaixonada e fecunda experiência de marinheiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: quando em 1946 se tornou conhecido o celebro despacho n.º 100, que concretizou o pensamento reformador e renovador do Ministro da Marinha, travou-se nesta Assembleia, provocado por um aviso prévio do Deputado Henrique Galvão, um debate em que foi devidamente diagnosticada a crise da nossa marinha mercante e que deu ensejo a criarem-se, acerca do seu futuro, expectativas contraditórias.
Hoje, que a renovação da frota está quase totalmente realizada, julgo dever trazer à Assembleia o testemunho de que não foram desiludidas as expectativas mais optimistas.
A marinha mercante nacional, constituída, na sua maior parte, à data daquele despacho por navios adquiridos em segunda, terceira ou quarta mão, tendo ultrapassado o limite técnico da idade e mais envelhecidos então por um esforço de guerra muito superior às suas forças, pouco mais era do que uma frota de sucata flutuante, cuja manutenção se tornava impossível em condições que não fossem as denunciadas pelo pessimismo do Deputado Henrique Galvão na tese capital do seu aviso prévio: de estar a produção e comércio do País, e particularmente das colónias, ao serviço da marinha mercante, e não esta ao serviço da economia nacional. Sem condições técnicas de eficiência, oneradas por despesas de conservação que, em certos casos, eram quase de reconstrução, não se podia esperar dos nossos velhos navios que cumprissem a sua tarefa, senão em termos de concorrerem com a navegação estrangeira, mas, ao menos, de representarem qualquer coisa mais que uma excrescência parasitária da nossa aparelhagem económica.
A primeira e mais urgente necessidade afigurava-se, pois, a de renovar o material, alinhando-o, em idade e capacidade de rendimento, com os da navegação estrangeira e condicionando às necessidades peculiares do nosso tráfego as características das novas unidades. Foi o que no despacho n.º 100 e em despachos posteriores se ordenou com prudência e acerto.
E foi o que se fez. Ao cabo de cinco anos este primeiro programa de renovação está quase integralmente cumprido.
A velha frota, totalizando 216 navios, com 388:176 toneladas dw. e uma lotação total para 6:200 passageiros, foi quase totalmente substituída, no que respeita à navegação de longo curso, por uma nova frota, com um número superior de navios, aptos a transportarem 7:500 passageiros e totalizando mais de 500:000 toneladas dw.
E podemos já verificar que, tendo a velha frota percorrido em 1946 2.756:000 milhas; tendo gasto para poder flutuar, em despesas de conservação e em fabricos, exigidos pela idade e miséria do material, mais ou menos 150:000 contos; tendo consumido para poder navegar qualquer coisa como 180:000 contos de combustível - a frota renovada pôde percorrer, no mesmo prazo de um ano, 3.500:000 milhas, ou seja mais 800:000 milhas, com um consumo de combustível muito inferior, pois não terá excedido 100:000 contos, apesar do encarecimento do carvão e do óleo, e sem que os navios afectos aos longos percursos tenham tido despesas apreciáveis de conservação e de reparação.
Quero dizer que, tendo aumentado em 40 por cento o seu raio de acção, a marinha mercante nacional diminuiu simultaneamente em 50 por cento os seus encargos básicos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não tenho elementos estatísticos para dizer em que medida a renovação da frota contribuiu para a progressiva nacionalização do nosso comércio marítimo; mas é incontroverso que já contribuiu para isso de forma apreciável; e, no que respeita às necessidades do tráfego entre o continente e o ultramar, pôde satis-
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fazê-las melhor e em mais larga escala, transportando mais carga e mais passageiros.
Tornou-se, em suma, mais económica e, portanto, mais rendosa a exploração do material naval; dotou-se o País com um instrumento moderno de expansão comercial e de estratégia política; reteve-se uma grande soma das divisas com que pagámos ao estrangeiro fretes e passagens, sendo especialmente apreciável neste particular os benefícios produzidos pela nacionalização do transporte de combustíveis líquidos.
E, apesar do grande preço que tivemos de pagar pelos novos navios, apesar do encarecimento progressivo dos encargos da navegação - combustível, mão-de-obra, taxas portuárias, pilotagem, estivas, reboques, agências, etc., cujo custo se pode considerar triplicado -, apesar de tudo, tem sido possível ao armamento nacional viver sem aumentos de tarifas, mantendo-se as que hoje praticamos em relação a muitos produtos inferiores às praticadas pela navegação estrangeira. A maior eficiência económica da frota renovada tem podido compensar tudo isso e permitir a amortização já iniciada do novo material.
Os prognósticos pessimistas que a alguns inspirou, ao concretizar-se no despacho n.º 100 o plano de renovação da frota, não tiveram qualquer confirmação, antes pelo contrário. E as dificuldades financeiras que então se recearam não perturbaram o ritmo e o entusiasmo da realização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Criou o Governo, pelo Decreto n.º 30:876, de 24 de Setembro de 1946, o Fundo de renovação da marinha mercante e propôs-se desde logo alimentá-lo com 1.000:000 de contos, sob a forma de empréstimo amortizável. Verifica-se, porém, que, tendo os novos navios incorporados na frota custado 1.800:000 contos, o armamento nacional só numa terça parte precisou, até agora, do auxílio do Estado.
Não se confirmaram tão-pouco os temores de que a nova tonelagem excedesse as necessidades do tráfego imperial, principalmente no tocante a passageiros, solicitados - supunha-se - pela rapidez e comodidade dos transportes aéreos. A realidade é diversa.
Há que prosseguir na obra encetada, porque necessitamos, em face do crescimento incessante da população e da produção coloniais, de mais navios de carga e de passageiros, reivindicando mesmo nas carreiras que ligam o nosso ultramar aos mercados consumidores internacionais o lugar que compete à bandeira portuguesa.
Apoiados.
Importa estabelecer e manter, ainda que com sacrifícios iniciais, comunicação marítima regular com as nossas possessões do Oriente, tendo em atenção os sagrados interesses da nossa soberania e considerando que, se é o comércio que em geral cria o transporte, também é o transporte que muitas vezes cria o comércio.
Importa melhorar ainda, na medida do necessário e do possível, as nossas comunicações com a América do Sul.
Aproveitando o ensejo para felicitar o Sr. Ministro da Marinha por ter insistido em manter a carreira de navegação com o Brasil, dotando-a com um navio que será expressão condigna de um prestígio, direi, com a autoridade de quem viveu no Brasil, de quem ama esse país como a sua segunda pátria, de quem muito se confrange com a negligência e incompreensão que normalmente pomos na gestão do rico património espiritual e material que ainda lá possuímos - direi que tudo quanto S. Ex.ª fizer para valorizar e intensificar o convívio das duas nações será creditado com justiça à sua glória e à sua benemerência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não exagero, Sr. Presidente, testemunhando que o aparecimento frequente de um navio português nos portos brasileiros proporciona ao milhão de portugueses que nesse país trabalha uma presença mais tangível da sua pátria do que a presença no Rio de Janeiro de um embaixador, por mais ilustre que seja.
Tem-se mantido a carreira do Brasil, sem ónus para o Estado, com um velho e fatigado navio, que transportou, para lá, em 1950, menos de metade dos 12:000 portugueses que demandaram os portos brasileiros e trouxe para cá exactamente apenas uma quarta parte, dos que vieram à Europa ou para a Europa.
Vai-se substituir esse velho navio por um novo, mas cumpre notar que, para garantir a assiduidade e frequência de uma carreira, um navio não basta, tanto mais que se deve aproveitar esta oportunidade de grandes surtos migratórios para ligar o Norte da Europa com e extremo sul da América, certos de que, além dos portugueses e brasileiros, muitos outros europeus e americanos quererão navegar sob a bandeira de Portugal.
Sr. Presidente: este era o breve aditamento com que eu devia completar o exame aqui feito à nossa reconstituição económica. Dou por terminada a minha intervenção.
Ouvi falar de estradas reparadas e construídas, de escolas edificadas, de portos apetrechados, de centrais hidroeléctricas, de obras de irrigação, do Exército reorganizado e rearmado, e de tudo ouvi falar, com familiaridade, como realidades palpáveis susceptíveis de avaliações e apreciações por vezes severas.
Quase me envergonho de dizer à Assembleia que na minha meninice, na minha adolescência e na minha mocidade, quando falávamos nessas coisas era para dar expressão aos delírios ou aos sonhos que povoavam as insónias do nosso patriotismo exacerbado pelo espectáculo da decadência nacional. Pelo que aqui ouvi, melhores ou piores, todas essas coisas existem já. Bendito seja Deus! E bendito seja este povo, que tudo pôde fazer, que tudo soube fazer, em todas as épocas da sua história, sempre que o escol dos dirigentes correspondeu com energia, inteligência e civismo à qualidade heróica do seu amor pela Pátria!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: tem sido discutido com amplitude, objectividade e sentido construtivo o aviso prévio sobre a Lei de Reconstituição Económica, apresentado a esta Assembleia pelo ilustre Deputado Sr. Joaquim Mendes do Amaral, com a competência e o senso político que todos lhe reconhecemos.
O relatório do Governo enviado à Assembleia sobre a execução da Lei n.º 1:914 trouxe os elementos necessários para que a discussão se efectuasse com inteiro conhecimento de causa.
O relatório traz em si mesmo o primeiro comentário crítico ao que se fez, ao que se pensou fazer e não se fez, e ao que se tez além do pensamento inicial.
Os comentários que posteriormente se produziram através da apresentação do aviso prévio e intervenções subsequentes incidiram de maneira preponderante e detalhada sobre os objectivos puramente económicos.
Apenas o distinto Deputado Sr. Comandante Lopes Alves se desviou desse propósito, para falar da marinha militar com o seu alto saber e experiência de marinheiro.
Compreende-se que assim tenha sido, pela série de problemas aliciantes que os assuntos económicos suscitam.
Julgo, porém, que não será demais dizer também alguma coisa sobre os objectivos da Lei n.º 1:914 cha-
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mados de defesa nacional e no que pode ser de interesse para o Exército.
Devo, antes, notar que as realizações a que deu lugar a Lei n.º 1:914 - no campo das comunicações, dos transportes, da produção e aproveitamento da energia hidroeléctrica, da irrigação e por intermédio dos créditos coloniais - vieram reformar a estrutura defensiva da Nação, dando-lhe maior resistência e independência económica.
A concepção presente da defesa nacional manda que, a par e passo e em íntima ligação com o estudo e preparação dos planos militares, sejam estudados e preparados os planos económicos, dada a dependência cada vez maior que o esforço militar tem das possibilidades do económico.
A extensão, duração e intensidade dos dois últimos conflitos, os fundamentos económicos que provocaram neles o colapso alemão, sem que os seus exércitos tivessem sido derrotados no campo de batalha, e as perspectivas futuras reveladas já nos preparativos de comando e disciplina para a economia das nações que alinham na defesa da civilização ocidental dão a ideia do que representa o factor económico no quadro da defesa nacional.
Se bem que em períodos de emergência como o actual os estados terão de ir sacrificando às circunstâncias os seus sistemas politico-económicos, para entrarem abertamente num regime de economia dirigida, imposta por motivos de salvação pública e com prejuízo dos fins propriamente económicos.
Sr. Presidente: o capítulo dedicado ao Exército no relatório do Governo sobre a Lei n.º 1:914 mostrou claramente as intenções, as realizações e as dificuldades encontradas na execução do que se planeou para o rearmamento e instalações.
A orientação que presidiu ao rearmamento do Exército sob o signo da Lei n.º 1:914, conjuntamente com a que foi assinalada nas leis das reformas militares de 1937, definiram uma política militar há muito julgada conveniente para dar ao Exército a estruturação e os meios exigidos pela sua função.
O País fica devendo também à Revolução Nacional a satisfação desses desejos e espera que ela seja continuada e alterada no que se tenha revelado inoperante em razão das circunstâncias e dos acontecimentos imprevisíveis ou das indicações colhidas na prática da sua aplicação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os resultados dessa política têm sido publicamente evidenciados pelas forças armadas, com um aprumo, uma disciplina e uma eficiência que conquistaram o respeito e a confiança da Nação, designadamente no desempenho de missões de soberania que lhe foram confiadas nas ilhas adjacentes e no Império Colonial, durante a última guerra e no decurso de grandes manobras militares em que foi posto à prova o seu grau de instrução, empregando novo e potente material.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A falta de uma política militar e o muito uso do militar na política, tinham feito esquecer os verdadeiros problemas do Exército.
Com o rearmamento do Exército e a melhoria das suas instalações desejou-se servir os seus objectivos principais: instruir e educar os homens que lhe são entregues para aprontar e encaminhar o vigor do seu braço e a grandeza da sua alma no sentido de servir o prestígio da soberania, a defesa do território e a conservação dos valores materiais e espirituais da Nação.
Para alcançar esses objectivos o País tem contado sempre com a dedicação dos quadros do Exército, trabalhando muitas vezes em precárias condições, por falta de meios materiais.
Tinha-se chegado a um ponto de saturação de boas vontades e de improvisações.
O esforço feito para remediar este estado de coisas foi notável.
As verbas despendidas foram impressionantes. A sua aplicação fez surgir do nada um Exército eficaz, que durante o período incerto da guerra deu tranquilidade à Nação e ao Governo mais um elemento sério a considerar no decorrer da política internacional, tão sábia e corajosamente comandada pelo Sr. Presidente do Conselho, comando que lhe devia ter feito viver as horas mais dolorosas da sua longa e gloriosa vida de estadista e porventura, também, as de mais íntima satisfação e orgulho patriótico.
Porém, ficou-se aquém do necessário. Assim o confessa abertamente o relatório, quando diz:
O rearmamento do Exército encontra-se longe dos seus objectivos essenciais.
Pode afirmar-se que se está ainda muito longe de encontrar para o problema dos aquartelamentos uma solução adequada.
Sr. Presidente: o Exército é uma instituição cara, pelo custo do material que tem de utilizar e pela quantidade e natureza das instalações destinadas a receber as dezenas de milhares de homens que anualmente passam pelas fileiras e a arrecadar o seu diverso e numeroso material.
É um pesado encargo, que terá de ser suportado pelos povos enquanto as relações entre os homens e os países não se exercerem em bases mais cristãs.
Só as forças armadas conseguem manter em respeito ambições e intenções de domínio, apresentadas em nome de doutrinas e interesses que se entrechocam, numa incompreensão de sentimentos, que chegam a pôr em dúvida as excelsas e evidentes manifestações da inteligência humana.
Mas para que as forças armadas possam desempenhar a sua missão é essencial que estejam dotadas com um mínimo de meios adequados. Mante-las noutras condições é gastar em pura perda e correr o risco de uma dolorosa experiência.
Não se pode retroceder num caminho tão longa e custosamente trilhado para o ressurgimento do Exército, a fim de que este possa ser sempre o organismo a operar onde e quando for necessário, como braço armado da Nação.
A administração teve de exercer-se sob a permanente pressão dos acontecimentos internacionais, a que não pudemos ficar estranhos, e das dificuldades resultantes deles.
Se não obedeceu inteiramente a planos previamente delineados para resolver o geral e o particular, agiu com o sentido das oportunidades, com persistência e devoção patriótica, pelo que lhe é devido o reconhecimento da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O armamento é, pelo seu elevado preço e permanente desactualização, o problema mais difícil de resolver para países como o nosso, de fracos recursos financeiros e industriais, o que já tinha sido anotado pelo Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral quando afirmou no seu aviso prévio que ao problema da armadura militar está permanentemente condenado a soluções de relativa inanidade, por maiores que sejam as verbas orçamentais que lhe sejam atribuídas».
Apesar de a evolução do armamento se ter feito mais no sentido do seu aperfeiçoamento do que propriamente
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por desactualização dos princípios fundamentais da sua construção e aproveitamento, ela é constante e premente. A melhoria dos aços e das pólvoras é que tem impulsionado de forma especial a evolução do armamento, para se atingir maior potencial de fogo, mais velocidade de tiro, maior alcance e melhor pontaria.
Espera-se que o emprego da energia atómica nos armamentos venha marcar uma inflexão na arte militar, mas o certo é que são as armas brancas e as armas clássicas, lançando projécteis a distancia pela explosão da pólvora, que estão ainda a decidir dos combates na presente guerra da Coreia.
Mas quanto caminho andado desde a catapulta, o mosquete e o canhão de balas até às anunciadas espingardas ultraleves de 7 mm, metralhadoras de 16 mm, canhões de 200 mm e projécteis radiodirigidos!
Desde que não se acompanhe o evolucionar do material, a instrução será deficiente, e é para o seu manejo e emprego que ela se dirige de maneira principal.
A América do Norte, pouco tempo depois de ter terminado a última guerra mundial, reconheceu que tinha de pôr de parte muito material com que acabara de a ganhar, em resultado dos ensinamentos da dura experiência a que tinha sido submetido e das inovações aconselhadas pela técnica.
Pois, apesar disso, os malogros iniciais na guerra da Coreia das forças da O. N. U. devem-se, em grande parte, a deficiências do material empregado, principalmente o antitanque, que se mostrou de fraco rendimento contra os tanques 134 de fabricação soviética.
Os projécteis das suas experimentadas armas anti-tanques, morteiros 105 mm, bazookas e espingardas sem recuo ressaltavam sobre as couraças dos tanques 134, sem os incomodarem na sua progressão. É verdade que depois se verificou a sua eficiência quando disparadas a pequenas distâncias. Eficiência conseguida à custa de um maior domínio nervoso da parte dos homens que as tinham de empregar nas referidas condições.
Não nos devemos deixar vencer por desânimos resultantes destes percalços sucedidos a países ricos e bem apetrechados industrialmente, nem pelo convencimento de impotência financeira resultante das somas reclamadas pelo armamento na sua periódica renovação. Tem de ser encontrada uma solução.
Os homens que fazem parte do Exército, desde aqueles que desempenham cargos de comando ou direcção até ao simples soldado, têm de ter a noção de que os meios ao seu dispor são, de facto, aqueles com que terão de bater-se, para que assim se sintam seguros e técnica e tacticamente preparados para actuar capazmente.
É conveniente dizer que para utilizar o valioso material adquirido ao abrigo da Lei n.º 1:914 o Exército considera-se preparado sobre todos os aspectos.
Mas para cumprir as obrigações que lhe podem ser impostas pelo correr da política internacional, ao lado dos exércitos, do Pacto do Atlântico e contra exércitos armados com a última palavra de material, terá de completar o seu equipamento e consequentemente a preparação.
Como devemos agir para que o Exército se mantenha sempre ao nível da sua missão?
Uma solução se apresenta praticável, não só para a actual conjuntura política, mas também para os tempos normais: ter os conhecimentos em dia pelo contacto directo com os exércitos dos países com os quais tenhamos compromissos militares ou afinidades políticas e raciais, por meio de missões militares.
Os ensinamentos colhidos seriam transmitidos aos quadros das armas e serviços, que deste modo ministrariam a instrução actualizada, na presença do material em uso, o qual seria adquirido apenas na quantidade suficiente para as necessidades da instrução.
Em caso de conflito armado não nos podemos considerar isolados no Mundo: temos de contar com a colaboração de aliados ou amigos e, por intermédio dela, com os recursos complementares para o cumprimento do nosso dever. Não se pode, contudo, dispensar uma reserva de recursos que permita ter o Exército permanentemente em condições de fazer respeitar a todo o tempo a soberania do território português e a nossa independência e norma política.
Com o pessoal devidamente instruído, o Exército estará sempre pronto a receber o material com que deve lutar e a empregá-lo convenientemente e sem hesitações.
Julga-se que desta maneira se obviariam, sem pesados encargos, os inconvenientes que resultam da desactualização do armamento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: acompanhando ainda o relatório do Governo referente ao Exército, desejo fazer mais algumas considerações e agora acerca das instalações militares:
O quartel é, e será por muito tempo ainda, um dos mais decisivos instrumentos de educação nacional. Por ele passa, anualmente, a quase totalidade dos rapazes de 20 anos. Para além da educação ou da preparação para a vida recebida na família, na igreja e na escola é fundamental a formação profissional e patriótica adquirida nas fileiras. Aquilo que os jovens soldados observam na sua passagem pelo quartel fica-lhes para sempre gravado na memória.
O problema da existência de aquartelamentos que sejam uma expressão de dignidade nacional, se constitui uma necessidade imperiosa de instalação de serviços, é, no seu aspecto prático e na sua projecção futura, uma condição basilar de educação popular.
Com estas palavras exprime o Governo, no relatório, o seu pensamento quanto às instalações militares, focando o que o quartel representa para a valorização e defesa da mais válida mocidade.
O realizado ficou muito aquém do que era de esperar de tão objectivo e claro pensamento.
As razões salienta-as o relatório, dizendo: «Quem teve de tomar sobre si a responsabilidade de decidir, entendeu dever optar em primeira urgência pela aquisição de armas».
Um grande plano foi posto em marcha para a construção de novos quartéis, dotados com as instalações que foram julgadas precisas para servir, em todos os aspectos, os fins a que os quartéis se destinam.
O balanço do que foi feito com base neste plano dá os seguintes resultados:
Um quartel concluído;
Quatro em adiantada construção;
Cinco iniciados;
Seis com terreno adquirido.
O que se fez a favor das instalações militares não ficou limitado ao que se executou segundo o referido plano.
O Ministério das Obras Públicas, a cargo de quem esteve o relacionado com o plano dos novos quartéis, e o Ministério da Guerra, pelos seus serviços de engenharia, realizaram grandes obras de adaptação e reparações em quartéis e estabelecimentos militares e outras de interesse directo para o dispositivo militar da defesa nacional.
Os trabalhos, que alcançaram o seu apogeu em 1947, foram diminuindo a partir de 1948, em consequência de
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terem sido reduzidas as dotações postas à disposição das obras militares.
Cabe agora a vez de perguntar:
É possível continuar a construção de novos quartéis no ritmo indispensável e nos moldes dos que estão em construção? Não será oportuno rever neste momento a política seguida, à luz das possibilidades financeiras, das exigências da organização do Exército e da necessidade de acudir urgentemente a alguns quartéis, onde o conforto e higiene são rudimentares e o material não está devidamente recolhido?
Julgo que às circunstâncias aconselham uma mudança de orientação.
Sem prejuízo do acabamento dos quartéis que já tiveram início, deve voltar-se a atenção, em primeira urgência, para obras de adaptação e ampliação de que muitos quartéis carecem inadiàvelmente.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - V. Ex.ª refere-se certamente àqueles quartéis cuja localização já está assente e definida. Quanto aos que têm do mudar de local não há necessidade de fazer obras e seria até inconveniente fazê-las.
O Orador: - Evidentemente.
Deveria fazer-se um argente e detalhado inquérito às instalações militares, para se organizar um plano de obras a executar nos aquartelamentos à medida que as possibilidades financeiras o permitissem, marcando-se nele a ordem de urgência e de preferência em razão da maior necessidade e da maior importância militar.
A política de dotar o Exército com as instalações que lhe permitam exercer cabalmente a sua acção no campo militar e na sua projecção na vida educacional da mocidade não pode sofrer solução de continuidade.
Mude-se de rumo, se for necessário, mas não se pare nem se marque passo.
Quanto espírito de compreensão e de sacrifício têm de ter aqueles que, vivendo o labor diário dos quartéis, verificam que não podem dar aos homens que recebem, vindos da mais humilde à mais alta origem, com a mais variada educação e instrução, desde o analfabeto ao universitário, o conforto e as condições higiénicas que merecem, nem obter os resultados que desejam e estão no fundo do seu dever e no mais íntimo das suas aspirações, por falta de ambiente próprio!
Só quem tem passado por estes lances sabe avaliar o que isso representa também para a sensibilidade dos incorporados e as reservas mentais que fazem surgir neles e que as palavras não conseguem destruir inteiramente, por mais calor e imaginação que se ponham nelas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O quartel tem hoje de ser, mais do que nunca, um meio agradável e atraente para bater as propagandas deletérias, que têm como alvo escolhido e apetecido os que servem nas forças armadas.
Apoiados.
A sua função educacional tem fundas repercussões no social, provado como está que os homens que passam pelas fileiras do Exército são no geral, na vida civil, depois mais compreensivos no cumprimento dos seus deveres e mais respeitadores na sua vida de relações.
O sacrifício que a Nação fizer para dar ao Exército melhores instalações será largamente recompensado pela devolução que o Exército lhe fará de melhores cidadãos.
Sr. Presidente: ainda a propósito de instalações militares e a terminar as minhas considerações sobre este assunto, devo referir-me à conveniência de continuar a política de melhorar a instalação e apetrechamento das fábricas militares, de maneira a permitir assistência técnica à conservação e trabalhos de reparação e modificação do material de guerra, e bem assim o fabrico de material ligeiro e intenso de munições.
Só por intermédio delas isso pode ser feito, por não se encontrar apta a indústria particular, devido à falta de órgãos de direcção e meios de execução especializados, nem se prever que economicamente isso lhe interesse.
As fábricas militares têm de ser justamente consideradas na estrutura militar, não só pelo que acabo de dizer, mas também por poder ser reconhecida a necessidade de realizar trabalhos de investigação e experimentação de material em meio secreto.
Sr. Presidente: seja-me permitido dizer ainda algumas palavras a propósito do problema da segurança nacional, que tem constituído a preocupação deste meu falar e que está na ordem do dia da actividade mundial presente.
O moral dos povos, o poder das forças armadas e o potencial económico são pedras basilares em que assenta o edifício da segurança colectiva.
A defesa da nossa civilização não pode ser apenas orientada no desejo de dar à humanidade mais e melhores meios materiais.
Urge estabelecer planos e tomar providências ao mesmo tempo no domínio do espiritual, para evitar que a fraqueza deste seja o cavalo de Tróia da nossa segurança.
Sem um moral levantado e consciente de nada servem os meios materiais, por mais poderosos que sejam.
Têm de ser utilizadas todas as vias que emanam directa ou indirectamente do Poder, para uma actuação em todas as direcções e em profundidade, com o fim de criar uma mentalidade e consciência política e patriótica firme, que resista à onda de materialismo e de ódio lançada capciosamente no seio da família, nas oficinas, nos campos, nos escritórios e nas escolas, desorientando os novos e os desprevenidos, com o intuito de dissolver os princípios informadores do nosso conceito cristão e humano da vida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não basta reforçar o equipamento material do País. Reforce-se também a estrutura moral da Nação. Defenda-se e valorize-se com igual afinco o nosso património material e moral. Acerte-se o passo entre o pensamento e a acção.
Não se deixe o desvairamento ou a gula dasarticular o dispositivo de defesa dos bons princípios e das valiosas realizações materiais já conquistadas, que nesta encruzilhada da história não dispensa nenhum dos seus factores de êxito, para completo triunfo do pensamento que presidiu e tem animado as linhas gerais do rumo da Revolução Nacional.
Não percamos de vista a valorização moral do homem, que é, sem dúvida, o mais precioso desses factores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
(Nesta altura assumiu a Presidência o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu).
O Sr. DéliO Santos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pode parecer estranho, à primeira vista, que um professor com a minha preparação intelectual, pouco dado a questões económicas, tenha pedido a palavra para tomar parte neste debate.
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Não sou, de facto, um economista, nem tenho ilusões sobre a minha competência técnica para o estudo desses problemas.
Mas a importância do debate no aspecto nacional e a sua complexidade no aspecto científico obrigam-me a dizer alguma coisa sobre o assunto, não como economista, mas como político.
Não devemos esquecer, e convém, por isso mesmo, mais uma vez relembrar, que à Assembleia Nacional interessam principalmente os aspectos políticos dos grandes problemas nacionais.
Não darei, porém, seguimento ao que tenciono dizer sem confessar publicamente a minha perplexidade e o meu acanhamento.
Ontem vinha preparado para usar da palavra. Tinha alinhavado as minhas notas e estruturado o encadeamento dos meus raciocínios. Mas a magistral exposição pronunciada nesta tribuna pelo nosso ilustre colega Dinis da Fonseca impressionou-me profundamente.
S. Exa. referiu-se ao prazer que sentia lendo o Diário das Sessões da Assembleia Nacional durante o seu impedimento, e contou-nos como rememorava com saudade os velhos companheiros de lides parlamentares e aprendia com as intervenções dos novos.
Referiu-se aos novos certamente por modéstia e complacência. Aos novos só era dado aumentar, com o seu, o entusiasmo posto por S. Ex.ª na defesa dos interesses da causa pública. Porém, dar-lhe lições, depois do que ouvimos ontem, é sem dúvida impossível.
São os novos que vão aprendendo com as lições profundas do mestre, do polemista e do orador - e pelo que me diz respeito fi-lo e faço-o com o maior gosto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ouvi ontem algumas afirmações que se antecipavam ou corrigiam, com enorme cópia de pormenores e superior estruturação técnica, o que me propunha afirmar, e isso deixou-me embaraçado.
A primeira ideia que me ocorreu foi a de suprimir, pura e simplesmente, esses passos ou introduzir as necessárias correcções na minha intervenção.
Reflecti melhor, no entanto, e decidi trazer à consideração de VV. Ex.ªs o que tinha pensado, tal como o tinha pensado antes.
u não vivi a concepção nem a publicação da Lei n.º 1:914, nem acompanhei as discussões que se lhe seguiram.
Confesso que tinha dela uma opinião diferente daquela com que fiquei ontem depois do debate. E pensei que seria interessante observar em que medida duas pessoas de tão distintas preparações científicas, formação intelectual e experiência da vida, tendo vivido climas mentais tão diferentes, concordavam ou discordavam em questões tão graves como esta que discutimos agora.
A minha exposição, tal como a concebera, tinha um valor de depoimento. Por isso a conservei na forma primitiva, incluindo mesmo alguns erros de pormenor em relação à interpretação do passado.
Sr. Presidente: politicamente, como deverá pôr-se o problema das relações entre o económico e o financeiro, a propósito das quais têm surgido tantas divergências nos últimos tempos?
Neste ponto digladiam-se, como sabeis, duas correntes: a dos partidários da prioridade do económico sobre o financeiro e a dos partidários da prioridade do financeiro sobre o económico. Qual o critério que deve adoptar-se, por melhor convir aos interesses nacionais? Eis a primeira grande questão a debater.
A resposta a ela irá determinar algumas soluções de hierarquia e resultado em muitos problemas económicos propriamente ditos.
Examinando-os em conjunto, isto é, no resultado do seu somatório, a doutrina seguida pelo Governo até ao presente não pode sofrer contestação séria. É bem claro que, de tal perspectiva, o aspecto financeiro deve prevalecer sobre o aspecto económico.
Não só por, sem os meios fornecidos por aquele, não poderem iniciar-se os empreendimentos do segundo, mas ainda pelas importantes consequências psicológicas derivadas para o campo político e para o campo económico sobre fenómenos multiformes de crédito, confiança geral e prestígio do Estado. E todos sabeis como estes factores pesam na economia, stricto sensu.
Todavia, quando abandonamos a escala do global e consideramos isoladamente certos grandes empreendimentos, não podemos deixar de reconhecer que, em relação a eles, algumas vezes se impõe o predomínio do económico sobre o financeiro. Parece inegável, por exemplo, que, se se tivesse adoptado esta orientação em relação à barragem do Cabril e se se tivessem iniciado os respectivos trabalhos no tempo previsto pelos planos elaborados, ter-se-iam evitado muitas dificuldades que começam a surgir ou se aproximam de nós a passos agigantados.
Tomando este caso como exemplo, a doutrina que me parece certa é esta: predomínio do factor financeiro sobre o económico no conjunto dos problemas nacionais; predomínio do factor económico sobre o financeiro em referência a certos empreendimentos francamente reprodutivos e remuneradores e cujo cuidadoso exame justifique a alteração da orientação geral no caso considerado.
É, portanto, errada e prejudicial uma aplicação indiscriminada, a todos os casos, de uma orientação que é justa e recomendável no seu conjunto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outra questão prévia, quanto a mim muito importante, refere-se à necessidade de não isolar o fenómeno económico de outros fenómenos sociais que lhe estão intimamente ligados, constituindo com eles uma apertada rede de interdependências.
Não podemos pensar, por exemplo, em organização económica sem pensar simultaneamente em organização científica do trabalho profissional e em organização criteriosa e eficiente da investigação científica.
Desejaria, porém, declarar nesta altura que não tomo o estudo científico dos problemas económicos e nacionais como sinónimo do chamado planeamento.
Aquilo a que alguns chamam «planificação» não me entusiasma em demasia, nem me cega. Primeiro, porque a expressão é feia e de mau português. Depois, porque essa ideia, quando se torna obcecante, como se verifica às vezes, até por moda, pode conter dentro de si o germe de um número maior de erros graves do que à primeira vista se pode pensar.
Apoiados.
A ideia de elaborar planos de maneira sistemática veio-nos da Rússia, em consequência da clamorosa propaganda que se fez em volta do célebre primeiro plano quinquenal comunista.
Mussolini, primeiro, e Hitler, depois, com os seus famosos planos de realizações grandiosas, ajudaram a espalhar a moda da doutrina, e muitos outros países, além da Itália e da Alemanha, passaram a ter a preocupação absorvente do planeamento sistemático.
Trata-se de um aspecto particular do dirigismo, olhado por muitos espíritos interessados em questões sociais e políticas como a única solução possível do todas as dificuldades económicas e sociais.
O dirigismo deu já as suas provas em muitos sectores da actividade e em muitos países. Essas provas foram
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francamente más. Mas, relativamente ao planeamento, ainda quase todos continuam a reconhecer o seu valor e vêem sem dificuldades as suas vantagens.
Por isso me interessa, neste momento, tendo embora presentes todas aquelas vantagens, chamar a atenção de VV. Ex.ª e do Governo para alguns dos seus perigos, quando aplicado com demasiada rigidez e universalidade e movido por um espírito de sistema.
Os progressos técnicos e científicos complicaram muito as actividades do homem e tornaram-nas mais produtivas e interdependentes, reforçando as unidades nacionais, por um lado, as grandes comunidades de nações em vastas áreas de análogos interesses económicos, por outro, e a solidariedade de todos os povos da terra, por fim.
As suas consequências vão em dois sentidos opostos, mas opostos apenas na aparência: um, o do reforço da unidade da vida nacional em todos os países; o outro, o do reforço da solidariedade de todas as nações entre si e, em globo, o da solidariedade da Humanidade inteira.
A economia de todos os países é hoje de tal modo interdependente que a prosperidade de uma nação é incompatível com o empobrecimento ou a ruína de qualquer outra. O mal de uns reflecte-se nos outros, quer provocando um abaixamento do seu nível de vida, quer originando ainda outras consequências francamente maléficas.
Foi esta uma das grandes e tremendas lições da penúltima e última grandes guerras. Fazemos votos para que esta amarga lição esteja sempre presente no espírito dos responsáveis pelo destino dos povos.
Há necessidade, portanto, de examinar cientificamente os problemas da técnica da produção, Distribuição e consumo dos bens. Mas isso não significa necessariamente em todos os casos e em toda a extensão das questões um rígido planeamento.
A sabedoria dos homens, por muito vasta que seja, é sempre limitada. A vida é extremamente rica de caminhos e modalidades de transformação e desenvolvimento. E os mais sábios e bem elaborados programas e planos revelam-se muitas vezes de insuficiente plasticidade ou são ultrapassados pela própria vida na sua marcha evolutiva.
Quantas inovações da técnica provocadas por inesperados progressos científicos podem tornar inúteis, e até prejudiciais, de um momento para o outro, esforços colossais conjugados em obediência a planos grandiosos e minuciosamente elaborados?
Apoiados.
O perigo de surpresas deste género é tanto maior quanto mais pormenorizado e rígido tiver sido o plano elaborado.
O desfecho trágico de duas formidáveis guerras mostrou bem como os planos organizados sistematicamente pela Alemanha se revelaram impotentes contra o imprevisível do desenvolvimento da ciência e da técnica contra o engenho improvisador e criador do homem.
A inutilidade da Linha Maginot, em França, é outro exemplo dramático do que acabo de referir.
Ora, com os grandes empreendimentos económicos, baseados na mobilização de vastos recursos técnicos, pode acontecer o mesmo.
Haveria, por isso, toda a vantagem em que um organismo competente fosse criado para vigiar todos os planos de importância vital para a Nação, de modo a podermos encontrar sempre a justa solução que permita distinguir os empreendimentos ousados e de larga projecção no futuro daqueles que, grandiosos pela aparência momentânea, estão, no entanto, destinados a tornarem-se num fracasso e num insucesso.
Chamemos-lhe «junta permanente de fomento económico» ou dêmos-lhe qualquer outra designação, mas que seja um organismo capaz de fornecer ao Governo as directrizes encontradas de valor quase permanente para a economia nacional e que esteja habilitado a propor todas as alterações consideradas convenientes nos planos já aprovados, tomando em linha de conta, não só o seu valor económico no aspecto reprodutivo, mas também aquela interdependência da técnica, que se revela, por vezes, tão tragicamente onerosa nas soluções precipitadas e isentas duma vasta visão em profundidade.
Permitam-me que lhes cite um exemplo de problema do tipo daqueles a serem examinados por essa junta: o problema do real valor das barragens hidroeléctricas.
Pergunta-se: serão essas barragens a construir num próximo futuro empreendimentos económicos recomendáveis? O problema pode pôr-se em função do actual desenvolvimento da energia interatómica e da sua possivelmente próxima aplicação à indústria.
Os progressos que se anunciam tornam legítimo perguntar se os avanços da ciência não tornarão obsoletos, num espaço de tempo relativamente curto, todos estes modernos sistemas de produção de energia. Ao formular esta dúvida não quero, de modo nenhum, criar no espírito de VV. Ex.ªs uma atitude de pessimismo relativamente ao futuro da utilidade das grandes barragens para a produção da energia.
Pelo contrário, penso que não há motivo para desanimos, não só pelo sentido da marcha geral das descobertas científicas, como ainda por este facto bem significativo: os países onde os conhecimentos sobre a energia nuclear estão mais avançados continuam ainda a construir grandes represas para obter energia eléctrica.
As minhas observações pretendem apenas mostrar a necessidade que há de estes problemas serem examinados com todo o cuidado por técnicos competentes e considerados todos os aspectos antes de se tomarem decisões definitivas.
Servem também para pôr em evidência que há um factor muito importante nos grandes, empreendimentos económicos deste tipo: o factor tempo, considerado no duplo aspecto da rapidez da construção e da oportunidade da mesma.
Pelo que diz respeito ao aproveitamento da energia hidroeléctrica, que vimos considerando, o período óptimo para esse tipo de empreendimentos parece ter sido o que decorreu entre as duas grandes guerras. Hoje em dia, se quisermos tirar ainda o máximo partido possível dessas iniciativas, temos de andar depressa.
Cada lustre que passa em inacção é desperdício colossal de tempo, de dinheiro, de energias e de oportunidades. Assim como o carvão teve a sua época áurea, a electricidade obtida com as quedas de água e as represas terá também a sua e convém aproveitá-la.
A junta de fomento económico, a que aludimos, cuja criação consideramos de toda a necessidade, deveria ter, quanto a nós e em conformidade com o que acabámos de expor, uma função muito próxima daquela que lhe atribuiu o ilustre Deputado engenheiro Magalhães Ramalho.
Sr. Presidente: seja qual for, porém, a solução particular desses problemas a que me referi, há quatro pontos de suma importância em volta dos quais giram, quanto a mim, todas as grandes questões económicas, e que deviam condicionar e orientar os programas dos Governos:
1) Dispormos de energia suficiente (sob todas as modalidades) e tão barata quanto possível, a fim de podermos multiplicar a produção do trabalho e poupar tempo. Esta última parte não se compreende sem uma organização científica do trabalho, que permita obter o máximo rendimento possível do esforço humano;
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2) Educação e instrução geral e técnica ao alcance de todos os indivíduos convenientemente dotados. Organização das escolas superiores no sentido de uma conveniente e útil especialização em referência à escola.
Assim, por exemplo, nós, que possuímos duas escolas superiores de engenharia, deveríamos organizá-las de molde a que cada uma delas se especializasse particularmente em um ou mais ramos da engenharia.
Em cada uma delas haveria os mesmos cursos gerais ou de preparação, mas diferentes orientações no sentido dos aperfeiçoamentos da técnica do engenheiro, de tal maneira que o conjunto das duas escolas significasse, não a existência de duas escolas de engenharia de valor mediano, mas sim uma única e soberba escola, com duas secções coordenadas e complementares, embora funcionando em duas cidades diferentes.
Um país como o nosso não necessita de duas boas escolas técnicas do mesmo tipo; é pobre demais para se dar a esse luxo.
Não deve, porém, reduzir as que existem, mas sim valorizá-las de modo a, pelas suas especializações complementares, se tornarem valores progressivos e positivos na cultura e na economia da Nação.
3) Justiça fácil e rápida, acessível a todos, pela simplificação dos processos e redução das despesas que eles implicam.
4) Cuidado da saúde pública e facilidades para a salvaguarda da saúde individual e cura das doenças, o que leva a pensar ser muito necessária a criação de um Ministério de Saúde Pública.
Todas as grandes questões sociais e económicas giram em volta destes quatro pontos. Quando eles tiverem sido alcançados ou resolvidos de maneira satisfatória, 33 certo que todos os outros, pelo jogo espontâneo e reacção das forças naturais postas em movimento, serão resolvidos por forma conveniente, sem que para isso se imponham como necessários planos pormenorizados e sistemáticos para tudo. Deixemos alguma liberdade à iniciativa particular, e muita coisa se resolverá melhor do que pelos métodos de dirigismo rígido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em face destes pontos, e apreciando o que se fez para nos orientarmos quanto ao que é necessário fazer, reconhecemos que o melhor critério de apreciação não é o estritamente reprodutivo.
Os edifícios públicos, como o Instituto Nacional de Estatística, as escolas e estabelecimentos destinados à defesa da saúde pública e à aplicação da justiça, são economicamente tão reprodutivos como as grandes barragens.
Não podem, por isso, ser considerados objectos sem importância ou de luxo de que devamos cuidar somente quando todos os outros estiverem resolvidos. E, mesmo que assim fosse, seria um erro psicológico grave que o importante para o economista se limitasse a garantir as condições materiais suficientes para manter a vida dos indivíduos ou das nações.
Tanto para aqueles como para estas existem necessidades psicológicas e espirituais importantíssimas e inadiáveis, que precisam de ser satisfeitas com tanta imperiosidade como comer ou dormir. Daí a importância daquilo vulgarmente designado por supérfluo e que não é de modo algum dispensável.
Costuma dizer-se: nem só de pão vive o homem. Eu gosto de citar, às vezes, uma sentença de um filósofo hindu, que afirmou: «A religião não foi feita para famintos». Mas a fórmula completa é a que inclui aquela máxima da velha sabedoria chinesa: «Se eu tiver dois pães, vendo um e compro um lírio».
Na verdade, o repouso e os divertimentos saudáveis renovam as energias físicas e espirituais para o trabalho, porque são muitas vezes educativos, criam a boa vontade e aumentam desse modo, grandemente, a produtividade do esforço humano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tendo em vista, pois, todas aquelas ligações do problema económico, depois do seu estudo científico cuidadoso, pensamos que a reconstrução económica deve girar em torno dos seguintes objectivos, para nós as chaves de todos os outros:
1) Energia abundante e barata, sob todas as modalidades, através duma conveniente política nacional de energia;
2) Vias de comunicação cómodas, fáceis e rápidas - terrestres, marítimas ou aéreas. Não me parece, por esse motivo, censurável o que se tem feito em matéria de estudos e fomento de navegação aérea, considerando, pelo menos, o problema no seu conjunto. E quando falamos em vias de comunicação incluímos nelas tudo o que implicam, como portos e aeródromos, por exemplo;
3) Repovoamento florestal, fomento agrícola e colonização interna;
4) Coordenação solidária das produções e das economias dos territórios do ultramar e da metrópole, incluindo uma conveniente distribuição da população branca, de modo a canalizar para Angola e Moçambique os excessos demográficos do Portugal europeu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Na apreciação do que se fez, ou na escolha do que se pensa realizar, não pode esquecer-se a hierarquia dos problemas derivada das considerações que acabo de apresentar, nem pode perder-se de vista, por causa de certos pormenores, embora de valor, a harmonia e proporções de todas as partes do conjunto. Uma nação é um todo orgânico, e quem critica ou aprecia a obra de uma governação tão fecunda como a que dura entre nós há mais de vinte anos não deverá esquecê-lo nunca.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: apresento a V. Ex.ª as minhas homenagens e saudações, visto que é esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Assembleia quando a ela V. Ex.ª preside.
Sr. Presidente: da exposição do Sr. Presidente do Conselho, com que abre o relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1:914, conclui-se que a sua discussão não é rigorosamente uma prestação de contas nos termos do n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição, mas tem por fim averiguar até que ponto puderam ser satisfeitas as necessidades referidas na mencionada lei, verificar o estado de execução dos planos elaborados e a forma como foram utilizadas as autorizações por ela conferidas ao Governo.
Não se trata, efectivamente, de uma prestação de contas nos precisos termos daquele preceito constitucional, porque essa prestação é tomada anualmente e já o foi oportunamente.
O que se pretende saber é se a Lei n.º 1:914 foi executada integralmente ou não; e, numa e noutra hipótese, como usou o Governo das autorizações concedidas, qual o estado em que se encontram as obras de reconstrução económica: só iniciadas, se em curso ou já concluídas, para nos dar a medida da satisfação da reconstituição
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económica da Nação, e, cumulativamente, se os problemas foram ou não bem postos e precisam ou não de correcção. É um balanço oficial da obra feita, para através dele se fixarem as directrizes do programa futuro.
Determina a Lei n.º 1:914 que seriam estabelecidos os planos e projectos fundamentais referentes à defesa nacional e à reconstituição económica da Nação (base I), conferindo-se ao Governo os poderes necessários e fornecendo-se-lhe os meios indispensáveis.
Na base III autoriza se o Governo a decretar as soluções convenientes para a realização desses planos ou projectos, sempre que lei especial os não regule.
E na base II indicava-se a proveniência dos fundos com que deviam financiar-se, a saber:
a) Receitas ordinárias do Tesouro;
b) Saldos das gerências anteriores;
c) Produto dos empréstimos a contrair nos termos do n.º 2 da base II;
d) Aumento das receitas públicas pela revisão dos regimes de exploração económica privilegiada.
Da leitura da Lei de Reconstituição Económica apura-se, portanto, que esta determinou os objectivos a prosseguir durante quinze anos, sem ordenar ou formular um plano de conjunto a executar nesse prazo (base I); autorizou o Governo a tomar as medidas necessárias para esse fim (bases III e V), e indicou os princípios financeiros e administrativos da sua execução (bases II, IV e VI).
Não se trata, pois, de um plano, mas de planos; de um projecto, mas de projectos, que teriam de iniciar-se e acabar, quando possível, no prazo referido. Se a letra da lei pode suscitar dúvidas, o espírito que a anima dissipa-as.
Prescreve-se nela o início de uma obra, e obra colossal, até aqui julgada impossível, que não terminou em 1900, mas há-de continuar a fazer-se indefinidamente, sem desfalecimentos e com enérgica teimosia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta obra terá de prosseguir no ritmo que as circunstâncias permitirem, sem românticos exageros, porque, alcançado um objectivo, realizado um plano, executado um projecto, outros objectivos, outros planos e outros projectos se hão-de seguir para equipar o País e dotá-lo com os meios indispensáveis ao seu progresso e desenvolvimento.
Quanto à defesa nacional, procurou dar-se-lhe a capacidade defensiva necessária, que é praticamente impossível de atingir, dado o envelhecimento vertiginoso do material.
E pelo que toca ao desenvolvimento económico do País, procurou-se impulsioná-lo, levando a Nação a um esforço decisivo no caminho da sua reconstrução.
E nisto se define, como disse Salazar, o carácter da lei.
É à luz deste critério que tem de apreciar-se o esforço despendido e o trabalho realizado - trabalho de quinze anos, trabalho de hoje, de amanhã e de sempre, porque a sua duração não se pode limitar, uma vez que são ilimitadas e sempre renovadas as necessidades de um povo.
Mas este trabalho e este esforço só foi possível realizar-se depois de saneadas as finanças, de assegurado um sólido equilíbrio financeiro e de arrumada a casa e posta em ordem.
Só então foi possível fazer o cálculo das nossas possibilidades financeiras, de momento e para o futuro.
Essa foi a dádiva magnífica do labor de tantos anos do Chefe do Governo e da doutrina financeira por ele fixada.
Graças lhe sejam dadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Feito o cálculo e vistas as possibilidades, a Lei n.º 1:914 surgiu como um fruto maduro em árvore bem tratada, para traçar à Administração as grandes linhas gerais da obra a realizar.
No momento de a iniciar sabia-se com absoluta segurança com quanto se podia contar para lhe dar começo.
O ponto de partida era um mínimo de 6.000:000 contos e dentro dele se pôs ombros à empresa.
Para a continuar anteviam-se as possibilidades futuras do Tesouro e das economias particulares, colaborando no mesmo propósito patriótico de dotar o País com elementos de riqueza novos e com o aproveitamento e valorização dos já existentes.
Fixou-se um mínimo de 6.000:000 contos, mas não se limitou a esta quantia a verba a despender.
Esta é a interpretação a dar-se à primeira parte da base I, onde se diz que serão estabelecidos os planos e projectos fundamentais a executar no período de quinze anos, na importância de 6.000:000 contos.
A obra é tão grande que não se poderia realizar totalmente nesse período e tão vasta que a importância indicada para ocorrer a esses planos e projectos seria necessariamente insuficiente.
Não se limitou nem quanto ao tempo nem quanto aos meios o que constituía um imperativo do desenvolvimento da Nação.
Os trabalhos iam começar e prosseguir durante quinze anos, mas não se quedariam em meio, findos eles.
Havia de continuar, porque era indispensável que assim acontecesse, com todos os recursos disponíveis (base VI), como resolvera esta Assembleia por várias vezes, ao votar no fim de cada ano as indispensáveis leis de meios, nos termos do n.º 4.º do artigo 91.º da Constituição, e como o Governo deliberou ao publicar os decretos regulamentares da Lei n.º 1:914, nos termos do n.º 3.º do artigo 109.º do referido diploma.
E nem se compreenderia que assim não fosse, porque a suspensão dos trabalhos em curso e dos projectos em estudo podia representar, e de certeza representava, senão o malogro total da obra iniciada e do esforço despendido, a inutilização duma boa parte dessa obra e a perda, pelo menos parcial, dos cabedais nela investidos.
Tão-pouco a Lei n.º 1:914, na enumeração dos vários problemas contidos nas alíneas a) a i) do n.º 2 da base I, limitou a esfera da acção do Governo quanto aos vários problemas ligados à nossa reconstituição económica.
A enumeração aludida é meramente explicativa.
Não podia mesmo ser de outra maneira, dadas as vastas proporções, variedade e complexidade dos problemas ligados à reconstituição económica da Nação.
De resto, a alínea j) do referido número admite a possibilidade de que essa reconstituição incida sobre outros problemas ou realizações que interessem directamente ao objectivo previsto neste número, ou seja a própria reconstituição.
Dentro do âmbito desta alínea cabem todos os problemas, além dos enumerados no referido n.º 2, que seja necessário solucionar, todas as realizações que importem ao desenvolvimento económico do País.
A dúvida levantada a este respeito pelo Sr. Presidente do Conselho não tem, a meu ver, razão de ser.
Concordo por isso, absolutamente, com a interpretação dada pelo Governo à base I da Lei n.º 1:914.
Interpretou-se com a largueza, com a amplitude que era necessário ela tivesse, para satisfação das necessidades essenciais da vida nacional.
E por isso mesmo não é de estranhar que a actividade governamental se não tivesse limitado exclusivamente a encarar os problemas ali enumerados, mas que, simultaneamente, as suas atenção e actividade incidissem sobre outros problemas de uma importância vital para a economia da Nação pelo menos idêntica à dos enumerados,
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como a modernização e desenvolvimento da marinha mercante, da frota de pesca, do povoamento florestal, da correcção dos cursos fluviais, da energia eléctrica e da exploração mineira.
São fontes preciosas de riqueza nacional que se tornava, e torna, urgente explorar o desenvolver por forma a satifazer as mais instantes necessidades da vida colectiva, elevando o nível de vida, ainda relativamente baixo, das nossas populações.
Tratava-se de criar, aumentar ou defender essas fontes de riqueza.
Não há, de facto, referência expressa a estes problemas, mas o conteúdo da alínea j) citada abarca-os sem dúvida nenhuma.
E tanto basta, sob o ponto de vista legal, para legitimar a actividade governamental quanto a esses problemas, porque sob o ponto de vista do seu interesse económico não é sequer possível a discussão.
Da própria redacção do n.º 2, que venho analisando, tira-se ainda uma outra conclusão: a de que a ordem ali fixada não define uma ordem de precedências para a sua efectivação.
Esta ordem estava e está dependente de várias circunstâncias de momento, entre as quais é justo salientar a urgência e a importância, para o desenvolvimento económico da Nação, de que se pudessem revestir.
Mas nem mesmo estas circunstâncias puderam ser atendidas em absoluto, porque outros factores impediram o Governo de as seriar e ordenar dessa maneira, que seria, sem dúvida, a mais racional.
Entre esses factores deve apontar-se o facto de o País não estar preparado para a realização imediata de uma obra de tamanho vulto e, por isso, não se encontrar dotado dos planos e projectos indispensáveis.
A complexidade desses planos e desses projectos, dando a uns mais fáceis e rápidas possibilidades de estudo e execução, incompatíveis com as dificuldades que outros apresentavam; as perturbações e restrições dos mercados externos, aliadas à falta de técnicos para certos trabalhos, e a própria natureza de muitos dos empreendimentos, são factores a considerar para justificar um nem sempre correcto e lógico ordenamento dos trabalhos executados ou simplesmente iniciados, e até o sentido disperso de que na sua execução, por vezes, se revestiu.
Não havia planos nem projectos; tornava-se necessário definir uns e estudar outros.
É natural, portanto, que os mais difíceis cedessem lugar aos mais fáceis; os de mais vulto, aos de menor volume.
As condições externas, independentes da vontade governamental, tiveram também um papel preponderante na ordem de execução dos empreendimentos, em virtude de dificultarem ou tornarem impossíveis, em determinado momento, certas realizações por falta de material necessário e de maquinaria adequada.
A inexistência de técnicos nacionais também influiu, como não podia deixar de ser, na ordem de precedências e no desenvolvimento dos empreendimentos.
Neste momento ela já não é tão sensível, porque as obras realizadas e em curso dotaram a Nação com pessoal tecnicamente adestrado para a execução da maior parte dos trabalhos a realizar.
E não foi este um dos menores benefícios recebidos, embora talvez um pouco caro.
Por outro lado, a própria natureza dos empreendimentos tinha naturalmente de influir no peso da balança da prioridade, porque uns havia relativamente fáceis de estudar e realizar em prazo também relativamente curto e outros para cuja realização se terá de exigir prazos sucessivamente mais largos ou até indefinidos, porque nunca se lhes encontrará o termo.
Da leitura do relatório tira-se uma impressão consoladora: a de que se fizeram os alicerces de uma obra grande, apesar do todos os contratempos e de todas as dificuldades.
Os grandes objectivos da lei - segurança nacional e reconstrução económica - não foram integralmente conseguidos, plenamente satisfeitos, e nem o podiam ser, pela própria natureza desses objectivos, espécie de obrigações de trato sucessivo que o Governo assumiu.
Mas, feito o balanço geral do tudo o que se fez nestes últimos quinze anos, surge uma verdade maravilhosa a dizer-nos que se fez qualquer coisa de grande, pela sua importância, pelo seu volume, pelo seu ritmo, pelo seu ordenamento, pela soma de boas vontades, pelo entusiasmo e pela fé com que foram feitas, a garantir-nos uma larga projecção no futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É uma obra que fica, é uma obra que marca nos anais da história portuguesa e que com orgulho podemos celebrar.
Para a sua execução previra-se o mínimo de 6.500:000 contos.
A realidade excedeu, e em muito, estes cálculos, uma vez que se pôde despender 13.000:000 de contos, ou seja mais do dobro da importância prevista.
E se a esta quantia se adicionar mais 1.160:000 contos recebidos em material do Governo Britânico, a verba despendida eleva-se a mais de 14.000:000 de contos, e isto independentemente dos 3.000.000 de contos gastos com as despesas excepcionais de guerra, cobertas pelos recursos ordinários do Tesouro, o que dá um dispêndio total de 17.000:000 de contos.
A cifra é impressionante.
Quem diria que o mendigo de há vinte e cinco anos, sem dinheiro e sem crédito, poderia um dia despender uma tal soma, sem se arruinar, ficando ainda com largas possibilidades futuras?
Milagre diriam e milagre digo eu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: é esta a impressão geral que se colhe, a meu ver, da visão em conjunto do esforço e da obra realizados.
Mas se das generalidades descermos aos pormenores, alguns reparos se terão de fazer.
A obra é grande, é bela; mas tem senões e eu vou apontar alguns.
Não me esqueço que sou homem da província.
E esta é tanto Portugal como o Terreiro do Paço e como as grandes urbes, para as quais converge a maior soma dos proveitos que a obra produziu.
A província é, por assim dizer, o campo.
As suas populações, mesmo as das cidades e vilas, são campesinas.
Interessam-lhes, sobretudo, os melhoramentos rurais e destes não apenas os que estão a cargo do departamento das Obras Públicas, mas também dos outros departamentos do Estado, designadamente dos Ministérios da Economia, das Corporações e do Interior.
Para mim a expressão «melhoramentos rurais» abrange tudo o que diga respeito à vida no campo, em todos os seus aspectos materiais ou morais; refere-se a tudo o que tenda a melhorar as suas difíceis condições de vida e sirva de compensação às durezas e riscos da exploração da terra.
Os seus interesses estariam melhor defendidos num sector próprio da administração pública.
Não compreendo, realmente, como, sendo ainda hoje, como o será por muito tempo, senão sempre, a indústria
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agrícola a mais extensa em todos os sentidos e sem dúvida a mais importante do País, não disponha de um Ministério próprio, independente, onde os seus problemas, que são muito diferentes dos das outras indústrias, muito mais variados, incomparavelmente mais complexos, atingindo a quase totalidade da população da metrópole, sejam estudados com autonomia, embora em estreita ligação com os demais problemas da economia nacional.
Apoiados.
Não sei, francamente não sei, porque se não ressuscita o extinto Ministério da Agricultura, sabendo-se ser essa a maior aspiração da lavoura nacional, já tantas vezes manifestada, ouvida, mas não atendida.
E, no entanto, o lavrador é ainda uma das mais sólidas garantias da vida nacional autónoma e livre, pelo seu apego à terra, que o torna quase impermeável à propaganda subversiva do comunismo internacionalista.
é campo onde as virtudes da Raça, banidas em parte das urbes cosmopolitas, se refugiaram, resistindo a todas as solicitações externas, guardando avaramente as tradições do passado, no curto fervoroso de Deus, da Pátria e da Família.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, esta divagação, a que não pude fugir, que estava fora do meu propósito, mas para onde fui arrastado pela «paixão da terra.
Vou continuar:
A fl. 99 do relatório do Governo fala-se de melhoramentos rurais, pelo Ministério das Obras Públicas.
São vinte e cinco linhas escassas, nelas incluindo as que encabeçam as matérias tratadas, decretos e contas.
E em sete magras linhas que se põe o problema dos melhoramentos rurais e se diz a obra feita.
Eu gosto da concisão, mas acho muito pouco para um problema desta vastidão, que interessa a quase totalidade da população do País.
E o que ali se lê é simplesmente desolador.
Não existe plano legalmente fixado, começa-se por afirmar.
Mas isto é a negação da base I da Lei n.º 1:914, onde se diz que ele seria estabelecido.
Mas, se não houve plano, o que houve então?
Houve relações de trabalhos a comparticipar, anual ou bienalmente, diz-se ali.
Mas relações não são planos.
E a que critério obedeceu a organização destas relações?
A nenhum.
Eram as possibilidades orçamentais que lhes davam maior ou menor extensão.
Assim se explica que as regiões melhor dotadas tenham sido as mais bem servidas.
Em que consistiram esses melhoramentos rurais?
Responde o relatório: «praticamente em estradas e caminhos de 1917 para cá; mas antes dessa data compreenderam também fontanários, cemitérios e outros melhoramentos em pequena escala - 10 por cento do total da despesa feita».
E quanto foi este total em quinze anos? Não chegou a 300:000 contos; cerca de 20:000 contos anuais despendidos a esmo.
E eu ainda não sei se na média destes 20:000 contos anuais se acham incluídas as comparticipações das autarquias e outros organismos ou se essa importância é unicamente a verba despendida pelo Estado na sua comparticipação.
Já tive ensejo de dizer nesta Assembleia que as populações rurais têm necessidades instantes, que carecem de ser satisfeitas com urgência.
A sua insatisfação provoca descontentamentos e o descontentamento cria um ambiente propício a todas as propagandas nocivas à ordem e paz social, que já no campo começam a fazer sentir os seus maléficos efeitos.
Só quem ali não vive os pode ignorar.
E é perigoso isso, porque é ainda ali, no forte apego à terra, de que se vive e para que se vive, no sentimento arraigado da propriedade individual, que o camponês convictamente defende, que as doutrinas comunistas encontram um dos mais sérios obstáculos à sua expansão, logo a seguir à barreira da sua fé em Deus.
Deixar destruir ou simplesmente abalar a segurança ou estabilidade desse sentimento será prestar à Nação um mau serviço; será escancarar as portas da casa portuguesa ao inimigo, que implacàvelmente a tenta destruir.
As populações rurais precisam de muita coisa que não têm e é preciso que tenham.
Apoiados.
Precisam de boas estradas e bons caminhos, que lhes permitam fáceis e rápidas comunicações com o mundo que os cerca.
Organizem-se os respectivos planos sem demora, elaborem-se os projectos necessários e executem-se metodicamente, por forma a dentro de alguns anos se poder chegar ao mais distante e recôndito lugarejo provinciano com facilidade e rapidez.
Essas grandes construções de que orgulhosamente e com justa razão nos ufanamos lembram-me, quando as confronto com a miséria que vai por essas terras de Cristo, grandes, e imponentes solares que tivessem despido do seu recheio, dentro dos quais, por isso mesmo, na frialdade da sua nudez, nos sentíssemos tristemente enregelar.
As populações rurais precisam de água; água para o consumo doméstico, água para dessedentar os seus campos nas épocas de estiagem.
A fartura de água é um dos maiores bens por que suspiram as gentes e os campos. Sem ela não há saúde nem riqueza possíveis.
E a água existe.
E, se existe, porque se não procura e se não aproveita, satisfazendo a todos num plano que a todos interesse e a todos beneficie?
Estude-se e execute-se, não parcelarmente, mas em conjunto, porque o problema agrícola nacional é uno, e nele se devem integrar, harmonizando-os, os diversos problemas regionais, num verdadeiro espírito de colaboração nacional.
Mas deixemos o terreno das obras públicas, para cavarmos um pouco na horta da economia.
Comecemos pela organização da pequena distribuição (bases XIV e XXV da Lei n.º 2:002).
As populações rurais precisam de energia eléctrica e de luz, esta energia eléctrica e esta luz que estamos arrancando, num esforço soberbo, à água, até aqui improdutiva e prejudicial por vezes, que corria para o mar e já é hoje, aproveitada, uma das nossas maiores riquezas; dessa energia eléctrica e dessa luz que nós vemos correr caudalosamente para os grandes centros, fugindo da sua origem - o campo.
Os centros rurais, grandes ou pequenos, também carecem delas para se desenvolverem.
Sem elas não podem criar-se, nem, criadas, medrar, as indústrias locais, desde as de largas perspectivas futuras às pequenas indústrias caseiras, complemento indispensável das magras economias do lavrador da aldeia.
Sem elas não pode haver conforto onde tudo é desconfortável.
Já tanta vez ouvi falar na electrificação do País, a propósito de tudo e a propósito de nada, que começo a estar cansado da melopeia e a desconfiar da sedução da sua harmonia.
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Pois electrifique-se o País - uma vez que o País não é só Lisboa, Porto e uma meia dúzia de terras de certo vulto -, pela organização da pequena distribuição.
O País é isso e o resto, que é muito mais, porque é tudo, do Algarve ao Minho, e compreende a cidade e o campo.
Ter para este só exigências, sem compensações - o mínimo de compensações a que tem legítimo direito -, não está lá muito certo.
Estas são, em matéria de melhoramentos rurais, as três grandes aspirações da gente do campo.
Além destas, outras há de somenos importância e de menor urgência.
Mas estas são fundamentais.
Sr. Presidente: diz-se mo relatório a fl. 117 que se criou a «Companhia Nacional de Electricidade, para que esta monte e explore as linhas de transporte e subestações destinadas à interligação dos sistemas do Zêzere e do Cávado entre si e com os sistemas existentes e com destino ao abastecimento de energia eléctrica aos grandes centros de consumo.
Os pequenos centros, esses ficam... a olhar para as estrelas.
Não há aqui justiça distributiva.
Para essas grandes obras contribui o Estado com cerca de 170:000 contos, isto é, contribuímos todos, os dos grandes e pequenos centros, e talvez mais os destes do que os daqueles.
Para aquela empresa contribuiu ele com cerca de 40:000 contos.
E, no entanto, são os grandes centros que absorvem tudo. Os outros não são gente.
Para estas grandes obras, além do Tesouro, contribuíram os capitais particulares, que certamente não são todos dos grandes centros...
organização da pequena produção, como preconiza a Lei n.º 2:002 nas bases citadas, não se fez, não se pensou nela.
E uma falta que dificilmente se perdoará, porque o Estado Novo promete e cumpre.
Não façam o povo duvidar desta verdade, que tem de ser para nós um axioma.
E não se diz mais nada.
Também no capítulo do povoamento florestal haveria imenso que dizer.
Limito-me ao essencial, para voltar um dia ao assunto, se for caso disso. Devo, antes de mais, frisar que não ataco nem a lei, nem os serviços, cujas benemerências reconheço. Critico apenas a sua forma de actuar.
Pela Lei n.º 1:971, de 15 de Junho de 1938, fixaram-se as bases desse povoamento, nos termos do artigo 93.º da Constituição.
As bases de uma lei são os princípios gerais que a informam e quanto a esta, em particular, são a «definição das grandes linhas de um vasto programa de povoamento florestal», como diz o relatório a fl. 109.
E são de facto essas grandes linhas, mas faltam-lhe as pequenas.
Sob o ponto de vista jurídico, suponho que esta lei é uma daquelas que não é exequível por si mesma, cumprindo ao Governo elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a sua boa execução.
Mas a execução da lei não foi regulamentada, facto reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 23 de Novembro de 1943), e por isso, afora a dúvida quanto à legalidade do que neste campo se está a fazer, tenho sérias dúvidas quanto à sua forma de execução; se é a mais correcta e se é económica, social e politicamente a mais conveniente.
Deve-se ainda ter presente que as bases da Lei n.º 1:971 revogaram algumas disposições do Código Administrativo (artigos 390.º, 393.º e 395.º), como o julgou o referido acórdão, entre outros.
E porque não foi regulamentada, os serviços florestais estão a orientar os seus trabalhos por um regulamento trinta e cinco anos mais velho do que a Lei n.º 1:971, ou seja o Decreto regulamentar de 24 de Dezembro de 1903 - decreto regulamentar de uma lei ainda mais velha dois anos, de 24 de Dezembro de 1901.
São, portanto, fundamentadas as minhas apreensões, que trago a esta Assembleia para sobre elas o Governo se pronunciar, regulamentando-a e reorganizando os serviços como é de justiça.
(Nesta altura reassumiu a presidência o Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
Por isso talvez é que a Lei n.º 1:971 não é observada, nem na sua letra nem no seu espírito. Vou demonstrá-lo.
Há um facto que representa um abuso inqualificável dos serviços florestais, contra o qual ergo daqui o mais enérgico protesto.
A base VI da Lei n.º 1:971 dispõe que os serviços só entrarão na posse dos baldios à medida que eles forem arborizados ou a contar da respectiva notificação.
Isto é não só taxativo, como de uma transparente clareza.
Em face desta base os serviços só poderão intervir no uso e fruição dos baldios, apossando-se deles, quando e à medida que eles forem sendo arborizados ou depois da respectiva notificação para começo de arborização.
Pois bem. Os serviços florestais fazem desta disposição letra morta.
Tomam imediatamente conta deles logo após a publicação do decreto de sujeição.
E, quando as autarquias ou os povos reclamam contra a evidentíssima ilegalidade, responde-se-lhes que os regulamentos é que mandam.
Não pode ser; a lei é igual para todos; para os serviços, que existem só porque têm de a executar, e para os povos, que a ela tem de obedecer. E, já que falei em decretos de submissão, eles são, quanto a alguns dos seus elementos essenciais, de uma imperfeição técnica que brada aos céus.
A segunda parte da base V estabelece que nestes decretos se fixarão as condições em que os povos interessados poderão continuar a desfrutar as suas regalias anteriores sempre que as circunstâncias o permitam.
Sistematicamente, nesses decretos assenta-se sempre em que as circunstâncias nunca o permitem, redigindo-os desta forma ultravaga, ultragenérica, que passo a transcrever de um deles:
Art. 3.º Serão concedidas aos povos limítrofes sem prejuízo dos trabalhos de arborização e segundo as prescrições a estabelecer...
Não é preciso ir mais longe: «Serão... e prescrições a estabelecer...».
Quando? Num tempo e num futuro incertos, quando essas prescrições, essas condições, deviam ser fixadas no próprio decreto simultaneamente.
A consequência é que as populações ficam sem defesa, à mercê da vontade discricionária dos administradores-silvicultores, que nem sempre têm o bom senso necessário para conciliar os interesses em jogo.
Desejo, antes de prosseguir, fazer uma declaração. Há muitos anos já que estou em desacordo com a forma por que os serviços actuam lá para o Norte e não sei se por toda a parte.
Apesar deste desacordo, não me custa reconhecer, porque é de inteira justiça reconhecê-lo, os altíssimos serviços que à economia da Nação os serviços florestais têm prestado, prestam e se espera continuem prestando.
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mesmo sem olhar ao milhão de contos dos produtos silvícolas exportados.
Por mim, espero muito deles, muitíssimo até, como adiante direi.
E, se aproveito este ensejo de fazer algumas críticas, é no propósito construtivo de que se melhore a sua actuação, cingindo-a rigorosamente ao espírito e à letra da lei basilar desses serviços, ou seja a Lei n.º 1:971.
Esta refere-se ao aproveitamento dos baldios, que os serviços reconheceram como mais próprios para a cultura florestal.
Este reconhecimento, feito por eles, quando o devia ter sido em conjunção com os povos interessados, obedeceu, como não podia deixar de ser, ao critério específico dos próprios serviços, que não é o critério de toda a gente.
É um critério de profissionais, de técnicos, que desejam realizar uma obra e uma obra grande, volumosa, que imprima carácter e se imponha pela sua perfeição e grandeza, a quem, portanto, seduz o maior volume da matéria-prima.
É o critério do quanto mais melhor.
Na interpretação do alcance da frase «mais próprios» deram-lhe a maior extensão e a maior elasticidade possíveis.
Mas este não é o critério de toda a gente, daquela que não tem a sua mensalidade sujeita àquilo que se chama deformação profissional.
Os baldios são, regra geral, extensos; muitos têm largos quilómetros de superfície, quase todos pegam uns com os outros, o que torna a área baldia maior ainda.
Não importa que nessa área existam algumas manchas, maiores ou menores, de bons, sofríveis e até óptimos terrenos de cultivo, que dão tudo.
Floresta-se tudo; decreta-se tudo como mais próprio para a cultura florestal, e acabou-se a história.
E, no entanto, esses terrenos existem.
E tanto existem que neles se têm plantado e semeado, enquanto não são florestados, batatas para consumo e para semente principalmente, milho, trigo, centeio, feijão e produtos hortícolas.
Apoiados.
E se entre estes terrenos se encontram alguns com uma área reduzida, e que por isso talvez não houvesse interesse em reservar para cultivo, deparam-se-nos outros - e bastas vezes - de larga extensão, que importaria cultivar, não só no interesse local, como no interesse geral.
Pergunto agora: devem-se florestar esses terrenos ou reservá-los para cultivo?
É cultivando-os que se tem evitado a importação de milhares de contos de batata de semente.
Estou mesmo convencido de que será possível, cultivando esses terrenos e outros igualmente adequados, reduzir, senão extinguir totalmente, essa importação, evitando a drenagem de divisas para o estrangeiro.
E cultivando esses e outros terrenos que muitos milhares de quilogramas - milhões até - de cereais deixam de ser importados, o que não pode deixar de ter interesse para a nossa balança de pagamentos.
É cultivando esses terrenos que muitos infelizes sem eira nem beira conseguem sustentar-se a si e aos seus.
É cultivando esses terrenos que milhares de lavradores, dos pequeninos lavradores do Norte do País, podem completar as deficiências das suas economias particulares, que sem elas terão de deixar de ser cultivadores, para se tornarem simples jornaleiros.
Será conveniente e será justo florestar esses terrenos?
Serão esses terrenos os mais próprios?
Quanto a mim, parece-me que os mais próprios seriam aqueles que não pudessem dar mais nada a não ser árvores.
São os montes pedregosos, e não as terras de encosta, facilmente aráveis, regulares e até esplendidamente produtivas.
Esta é, com certeza, a opinião de toda a gente, mas não é, por certo, a dos serviços florestais, que definitivamente os reconheceram - ai de nós! - como mais próprios para cultivar árvores, quando há tanta gente a morrer de fome, e eles condenam naturalmente a comer pinhões, como as aves do Céu.
E não se julgue que há exagero nestas afirmações.
Eu tenho aqui à mão um relatório da junta de uma das mais pobres freguesias do meu concelho e a mais distante da sede, entre muitos outros, menos minuciosos.
Da exposição, que é um apelo, respigo os seguintes períodos, conservando a redacção original:
Em 1940 o nosso Chefe apelou para o povo português para produzir e poupar, não deixando um palmo de terreno por cultivar.
Dessa data em diante a nossa população entregou-se à faina de cultivar terrenos baldios.
Estas «rompidas» de baldios fizeram-se com muitas dificuldades financeiras e sem elas a população desta freguesia ficará na maior miséria.
Nesta freguesia há milhares e milhares de hectares de terreno próprio para a plantação de floresta, que foi bem acolhida nesta freguesia.
Portanto, não era preciso sacrificar a população tirando-lhe as «rompidas».
Aqui há muitas famílias que vivem exclusivamente das «rompidas».
Temos muitos terrenos baldios ainda por cultivar, muito produtivos.
Isto é expressivo, Sr. Presidente!
O Sr. Carlos Moreira: - Isso passa-se onde?
O Orador: - Na freguesia de S. Vicente da Raia, no concelho de Chaves.
O Sr. Carlos Moreira: - Mas V. Ex.ª sabe que isso mesmo se passa ainda em maior grau nos concelhos mais ao norte, ou seja nos de Boticas e Montalegre.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua informação, mas eu terei ocasião, mais adiante, de me referir ao que se passa nesses concelhos.
Mas mais expressiva ainda é a lista, que se segue a esta exposição, de pessoas que viviam exclusivamente daquelas «rompidas», como lhe chamam.
Na sede da freguesia de S. Vicente da Baia a lista contém trinta nomes de chefes de família, com a indicação das pessoas a seu cargo.
Na povoação de Aveleda a lista menciona vinte chefes de família, com os respectivos membros a seu cargo. Na de Orjais indica trinta e um chefes de família nas mesmas condições.
E na de Segirei a lista contém vinte e nove.
Quer dizer: numa só freguesia são cento e dez famílias que ficam na maior miséria, a morrer de fome.
Mas isso que tem?
É preciso plantar árvores, dizem os serviços florestais.
E o que se passa em S. Vicente da Baia passa-se, em menor escala talvez, em quase todas as aldeias cujos baldios foram abrangidos pelos inumeráveis perímetros florestais.
Enquanto os habitantes das populações rurais se vêem privados desses terrenos, muitos deles são agricultados pelos guardas florestais, por alguns administradores florestais e por certos habitantes dessas populações a quem estes concedem licenças de cultivo, ao abrigo, quanto a
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estes últimos, do disposto no artigo 214.º do celebrado Decreto regulamentar de 1903, que, diga-se de passagem, não é aplicável ao caso do florestamento dos baldios, que é parcial.
Com efeito, o artigo 214.º citado é só aplicável ao florestamento total, tal como é definido no § 1.º do artigo 3.º desse regulamento e da sua secção VIII, onde se vê tratar-se de licenças a conceder nos terrenos das matas nacionais e para os casos especiais nele enumerados, como aceiros, arrifes e clareiras, já para beneficiar o solo, já para conservar limpas de mato as linhas de fogo.
A utilização pelos guardas e administradores dos perímetros, alguns dos quais procediam quanto a eles como coisas suas, é que não vejo lá muito bem em que possa, mesmo indevidamente, fundamentar-se.
E sobre este ponto não quero alongar-me mais, porque ele se reveste de certo melindre e está a pedir inquérito, e inquérito rigoroso, quer quanto à parte administrativa, quer quanto à execução dos serviços, em alguns casos francamente deplorável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas desejo frisar que muitas dessas licenças foram dadas em certos casos por forma a prejudicar, muitas vezes intencionalmente, as autarquias; a criar-lhes embaraços e dificuldades, dando ao licenciado a impressão de que a concessão de precária que era se tornaria definitiva ou, pelo menos, de larga duração, e tanto que já tem dado origem a ligeiras alterações de ordem, que podem vir a agravar-se.
Alguns muraram até esses terrenos e fizeram neles obras de valorização que demandaram muito trabalho, que decerto não fariam se tivessem a certeza de que seria possível aos serviços não renovarem, se quisessem, as licenças concedidas no fim do ano.
Devo ainda afirmar que a base IV da Lei n.º 1:971 não foi respeitada no que toca aos usos, costumes e regalias dos povos relativamente a caminhos, muitos dos quais não foram mantidos (querendo até imperar nos públicos), aproveitamento de águas, fruição de pastagens, utilização de lenhas, madeiras e outros produtos florestais, como imperativamente ela determina. Podia, se não receasse fatigar, ilustrar o asserto com inúmeros factos.
Fica para outra vez.
Mas há um outro aspecto que eu não quero deixar de focar e que reputo importantíssimo.
As juntas de freguesia foram espoliadas, talvez mesmo legalmente, dos seus baldios, sem compensação imediata, em benefício dos serviços.
Para o futuro - quando chegará esse futuro ? - terão elas direito a uma parte do rendimento anual líquido, proporcional às despesas efectuadas pelo Estado e ao valor dos terrenos antes de arborizados.
E a lei que o diz na base X.
Mas tem-se dado a esses terrenos um valor excepcionalmente baixo, ainda que susceptível de actualização. No perímetro de Chaves esse valor foi, por hectare, de 50$.
As juntas tinham de aceitá-lo, uma vez que estavam em minoria quanto a peritos. E aceitaram-no para evitar mais complicações.
Ora como as despesas feitas pelo Estado são muito elevadas e o valor atribuído aos terrenos é excessivamente baixo, a conclusão a tirar é que, mesmo nesse futuro distante, as juntas pouco ou nada receberão.
Nalguns desses baldios já havia arboreto, embora não existissem matas, que davam ou podiam vir a dar certo rendimento.
E acontece que nalguns pontos os serviços autorizaram o seu corte, quer para melhoramento das bouças existentes, o que se compreende, quer para acabar simplesmente com ele, beneficiando particulares.
A plantação dessas matas sai não só cara como até caríssima; e, além de caríssima, como pessoalmente pude verificar, tecnicamente imperfeita.
Quis-se plantar e semear muito.
E realmente semeou-se e plantou-se muito.
O resultado foi que a maior parte das sementeiras e plantações morreu, devido às secas dos últimos anos e ciadas as más condições em que foram feitos os trabalhos.
É que esses trabalhos saem caros basta ler o relatório.
O plano de arborização ao norte do Tejo abrange ao todo 513:700 hectares. No fecho de 1949 haviam sido arborizados 41:195 apenas, e no entanto gastaram-se 231:016 contos.
É certo que nesta despesa deve-se possivelmente, incluir a construção e compra das sedes de administração (6); 286 quilómetros de caminhos; 150 casas de guarda e o estabelecimento de 63 viveiros. Mas ainda assim é caro, muito caro mesmo. Sempre são 231:016 contos, e dá uma média superior a 5:500 contos por perímetro.
Seria interessante que os serviços florestais nos dissessem por quanto fica o florestamento por hectare, incluindo todas as despesas, não só as do florestamento propriamente dito, mas todos os outros encargos, vencimentos do funcionalismo incluídos, que oneram os serviços.
A Lei n.º 1:914 prescreve que se inquira dos usos, costumes e regalias dos povos, quanto ao trânsito, aproveitamento das águas, fruição de pastagens, utilização de lenhas, madeiras ou outros produtos florestais e minerais, nos terrenos a arborizar, para se conciliarem, na medida do possível, esses interesses com o interesse geral da arborização e para que sejam tomadas em consideração as necessidades nacionais de alimentação e vestuário, especialmente as dos povos dos concelhos ou freguesias a que pertencerem os baldios, etc.
Estes inquéritos, quando feitos, obedecem ao critério sumaríssimo de se cumprir uma simples formalidade e não um dever legal e social. Daí o darem a impressão quase sempre de uma farsa. E possível que esses inquéritos se tenham realizado, mas a conciliação é que nunca se procurou; o respeito por esses interesses é que raramente se manifestou, imperando em alguns casos a vontade despótica do silvicultor, superior a tudo e a todos.
Por isso a riqueza pecuária do Norte do País vem diminuindo numa progressão que deve assustar os que ainda pensam nestas coisas das economias públicas e particulares.
Por isso a carne falta cada vez mais. Não se cria gado, a não ser o estritamente necessário para os trabalhos agrícolas indispensáveis, e não se faz a engorda como acontecia antigamente, tanto mais que os lameiros particulares foram, em grande parte, vessados para a cultura da batata.
Por isso os rebanhos vão desaparecendo e o lavrador já nem sequer tem lã para as necessidades caseiras e carece de ir por ela aos mercados.
Lá no Norte, nas terras frias, eram os pastos dos baldios o complemento natural das pastagens particulares, porque nos dias de invernia rigorosa os gados mão as podiam frequentar por se encontrarem cobertas de neve ou de espessa camada de geada, dada a circunstância de se situarem nas terras baixas.
Restavam-lhes as encostas soalheiras dos baldios.
E a freima de plantar árvores chegou a tal ponto que se não hesitou em fazer plantações nos baldios de certas freguesias que não estavam compreendidas nos decretos de sujeição ao regime florestal, como aconte-
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ceu, por exemplo, com os baldios do Cambedo, na freguesia de Vilarelho da Raia, do concelho de Chaves.
Estão agora os serviços tratando de decretar a sua sujeição ao regime florestal ... mas depois de os terem já plantado.
Valha-nos isso.
Ao menos legaliza-se a situação.
Sr. Presidente: se os interesses das populações não têm sido atendidos, os das autarquias, possuidoras de facto e de direito desses terrenos, ainda o foram menos.
A essas autarquias pouco ou nada foi deixado para logradouro comum da freguesia.
A algumas só lhes deixaram as ruas, largos e caminhos das povoações; e em alguns casos até nisso interferiram.
Eu não sei o que os serviços florestais entendem por logradouro comum.
Quanto a mim, eu entendo o logradouro comum tal como o define o § único do artigo 393.º do Código Administrativo: terrenos baldios em que se faz a apascentação de gados, a produção e corte de matos, combustível ou estrumes, a cultura e outras utilizações, quando a fruição pertença, de modo efectivo, aos moradores vizinhos.
Ora sendo este, ou devendo sê-lo, o conceito de logradouro comum, a verdade é que para ele ou não foram deixados terrenos baldios alguns em muitas freguesias e noutras escassas centenas de metros quadrados lhes foram destinados no pior terreno possível, isto é, em terreno especialmente apto para a cultura florestal.
Resultado: como não há baldios, é a propriedade particular que sofre as consequências dessa falta, vendo-se invadida por gados e fraudada em matos, lenhas e géneros alimentícios.
É certo que os serviços florestais dizem que ainda deixaram muito.
Essa é a verdade das repartições, mas não é a verdade dos factos.
É fácil, muito fácil até, aos técnicos de gabinete movimentar as pedras do seu tabuleiro de teorias; mas a realidade anda, quase sempre, muito distante dessas teorias.
Apoiados.
Só o conhecimento directo das coisas in loco nos pode, com verdade, elucidar, sobretudo em problemas desta natureza.
Ora a realidade é esta:
As populações ficaram, na grande maioria dos casos, sem terem onde apascentar os seus gados, onde cortar estrumes e lenhas; em alguns casos, sem as águas que secularmente aproveitavam ou até haviam recentemente explorado e os pobres sem terreno para cultivar, que a ilegalidade das licenças precárias, de um ano, não estimulam a tratar devidamente.
E não julgo necessário continuar para se concluir:
Que os serviços florestais têm diante de si uma obra colossal a realizar, acrescentando-se à já concluída, mas florestando os terrenos que devam florestar, isto é, os mais próprios para a cultura florestal, e não todos indistintamente, sendo necessário rever o problema da melhor aptidão; precisam de ser mais económicos no dispêndio, mais perfeitos no trabalho, o que só se verificará com inspecções frequentes, por inspectores estranhos aos serviços e até à classe, alterando-se o sistema de trabalho, que deverá ser por empreitada e nunca por administração directa, e devem, defendendo os interesses gerais do florestamento, respeitar os interesses das populações e das autarquias, tão respeitáveis como aqueles, o que só se poderá conseguir através de uma colaboração e ajuda recíprocas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O florestamento pode e deve fazer-se naqueles terrenos que não possam dar outra coisa a não ser arvoredo nos mais aptos, para defesa efectiva do solo, e não para a sua imaginária defesa, e só nestes. Em mais nenhum.
Agora florestar terrenos que podem dar tudo, muitos dos quais estão neste momento a dá-lo, eu reputo essa prática absolutamente antipatriótica, quando é certo que estamos a dessangrar-nos em proveito do estrangeiro, importando; quando a população do País está a aumentar num ritmo que causa apreensões, que já encontraram eco nesta Assembleia, quando há bocas com fome e braços sem trabalho e quando há clamores, como os que já citei e a que posso aditar, entre outros, este da Junta e regedor da freguesia de Beça, concelho de Boticas, povoação com 108 fogos, dos quais só 10 colhem pão para todo o ano, que há dias me chegou e de que, na sua angustiante simplicidade, não resisto à tentação de reproduzir alguns trechos:
«Cada morador, dos mais pobres, cultivou a sua parcela de monte baldio e já todos colhiam pão e batata para comer e vender e todos se governavam bem».
Agora o que aconteceu?
Vieram os engenheiros da colonização interna, aproveitaram-se desse terreno cultivado à custa do suor dos pobres e deram todo o terreno cultivado a dez futuros colonos. E deram-nos àqueles que não precisavam.
Os noventa moradores ou têm de pedir ou têm de sair da terra ... ou ... não digo mais. Seria violento.
Não continuo. É trágico isto.
Estes problemas têm de ser revistos.
Mas aquela queixa sugere o problema da polícia rural, já tantas vezes solicitada e nunca obtida, necessidade primária da defesa do campo.
As cidades estão enxameadas de polícia, desde a de trânsito à de segurança.
As gentes das aldeias estão à mercê de Deus.
Mas a verdade é que a propriedade lá no Norte não está defendida, encontra-se à disposição da gatunagem, que de ano para ano aumenta em número e cresce em audácia.
Pode dizer-se que em certas regiões quase desapareceu o respeito pela propriedade.
Aldeias conheço eu onde uni número de famílias bastante grande quase que vive exclusivamente, ante a impossibilidade de uma defesa eficaz pelas autoridades locais, do roubo de lenhas, pelo menos.
Escuso de salientar o perigo social e político que isto representa.
Pois os guardas florestais podiam perfeitamente realizar essa utilíssima missão.
Bastava aumentar um pouco o seu número e alargar-lhe as atribuições.
É este um altíssimo serviço que espero o País deverá um dia aos serviços florestais, além de outros que adiante enunciarei.
Meus senhores: viremos a página e passemos aos serviços de colonização interna.
São eles orientados e executados pela Junta de Colonização Interna, organismo criado em 1936, com o fim exclusivo de realizar o aproveitamento dos baldios reconhecidos como tendo aptidão agrícola e dos terrenos que lhe fossem entregues pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola.
A vida e a acção deste organismo eram assim limitadas.
Subsistiria enquanto aquele aproveitamento se não fizesse e a sua actividade circunscrever-se-ia a esse aproveitamento (artigo 173.º do decreto citado).
Mas pelos Decretos n.ºs 32:439, de 24 de Novembro de 1942, e 36:053, de 19 de Dezembro de 1946, foram
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alargadas as suas funções e ficou-lhe garantida a perpetuidade.
A actividade da Junta está enquadrada na alínea i) do n.º 2.º da base I da Lei n.º 1:914, visto ali só falar em povoamento interior.
Aproveitando os trabalhos já realizados, a Junta fez o reconhecimento dos baldios do continente, num total de 400:000 hectares, trabalho que publicou em 1939.
E nesse mesmo ano iniciou os trabalhos de reorganização da colónia dos Milagres e da colonização do baldio das Peladas, a titulo experimental, visto serem duas obras pequenas.
Em 1940 elaborou o plano geral do aproveitamento dos baldios, seleccionando 30:522 hectares de terreno em 200:000, plano que não executou por dificuldades derivadas da guerra e para aguardar os resultados das obras em curso.
De 1940 a 1946 ficaram os seus serviços inactivos quanto a realizações, limitando-se os seus trabalhos a estudos e elaboração de projectos, aguardando o momento de lhes dar execução.
E nisto se entreteve seis anos.
Esgotados os estudos e projectos do problema dos baldios, a sua atenção volveu-se para a grande propriedade a sul do Tejo - Herdade de Pegões e mais 500:000 hectares de terrenos; sobre as terras da Gafanha e Aguçadoura e ainda sobro as possibilidades de colonizar os distritos de Portalegre, Évora e Beja.
Também simultaneamente a sua curiosidade incidiu sobre o problema da pulverização da propriedade no Noroeste português.
Foi em paga de todo este esforço que a sua vida, de efémera ao nascer, se tornou perpétua.
Como se vê, no que a ela interessava, não perdeu o seu tempo.
Finda a guerra esperavam-se as obras, resultado prático desses anos de estudos e projectos.
E as obras começaram pela remodelação dos seus serviços, pelo Decreto n.º 36:053, cujo quadro de técnicos passou de trinta e quatro unidades para oitenta e quatro.
Como se vê, a Janta equipou-se em pessoal técnico, seguindo o ditado: «Quem vai para o mar prepara-se em terra».
No dia imediato ao do decreto da sua reorganização, isto é, em 20 de Dezembro de 1946, sai o Decreto n.º 36:054, fixando o programa das realizações da Junta a efectivar a partir de 1947 e a terminar em 1951, que consistiria na realização de toda a obra do aproveitamento dos baldios, na colonização da herdade de Pegões e dos terrenos da mata nacional da Gafanha, acrescidos de 2:686 hectares nas suas proximidades e 7:431 hectares na campina da Idanha.
Com se vê desta exposição, que é o resumo fiel do relatório de fl. 127, até aqui não há senão papéis (decretos, estudos e projectos).
Vamos agora á obra realizada.
Reconhece a Junta, valha-nos ao menos esta sinceridade, que o balanço dos resultados da sua obra de 1947 a 1949 não é consolador.
E eu, concordando, digo que ele é simplesmente desolador.
Com efeito, quanto aos baldios, a obra dividia-se em duas partes:
a) A colonização propriamente dita, pela instalação de colonos em casais agrícolas;
b) A divisão em glebas dos terrenos que decidisse não serem colonizáveis.
E nem uma nem outra conseguiu realizar integralmente, apesar de seis anos de estudos e projectos.
Tendo começado simultaneamente muita coisa, não acabou coisa nenhuma, não lhe valendo para o efeito o seu grosso estado maior de oitenta e quatro técnicos.
Não acabou nada nos prazos marcados; não concluiu nada no prazo que, esgotados os marcados, previra como final das obras em curso, quo era 1950, pois elas continuam inacabadas. Isto sem contar com as que ainda nem sequer foram iniciadas.
Para justificar estas demoras e estes atrasos a Junta aponta diversas causas.
A primeira consiste nos recursos postos à sua disposição.
Mas estes meios financeiros umas vezes foram demais, pelo que é de concluir que ela emperrou por engorgitamento, outras a menos, pelo que a paragem seria por anemia.
Assim, em 1947 puseram-se à sua disposição 36:150 contos, só despendendo 4:000.
Aqui houve fartura.
Em 1948 dispôs de 40:797.697455, de que só gastou 16:418.024$524.
Aqui ainda há fartura.
Em 1949 queixa-se de a situação se ter invertido.
A Junta é apenas dotada com 13:000 contos, quando diz precisar de 107:220 contos, despendendo no entanto 34:500 contos (30:500 gastos e 4:000 de compromissos assumidos).
Em todo o caso mais 2:230 contos dos que os autorizados pelo § 1.º do artigo 3.º do Decreto n.º 36:054.
Aqui já teria havido fome.
Para 1950 foi dotada com 16:614.160$, quando previa gastar 33:180 contos.
A segunda causa seria a falta do empreiteiros, por os trabalhos se realizarem em zonas de difícil acesso, pelo que os concursos ou ficavam desertos ou aqueles desistiam das empreitadas.
Zonas distantes? Talvez. De difícil acesso é que a maior parte das que conheço não são, tanto mais que os serviços rasgaram estradas, tornando-as facilmente acessíveis, e era por elas, nesse caso, que deviam ter começado.
A terceira das causas impeditivas está nos rigores do clima.
Não há dúvida. Estamos em Barroso, em plena Terra Fria, e fria a valer.
Mas a verdade é que todas elas juntas não justificam o atraso.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª já visitou alguma dessas obras com certeza e, portanto, reparou na «perfeição» com que é gizada a construção: é de tal ordem quo se criam outras com localização absolutamente condenável, sem acessos e longe da própria água; quer dizer, estão a criar-se centros populacionais nas condições menos indicadas: primeiro, enfiamento aos ventos dominantes em regiões marcadamente frias; segundo, falta ou grande distância da água, elemento essencial para a vida.
O Orador: - Nos estudos e nos projectos devia contar se com essas causas; com a maior ou menor largueza das dotações; com a maior ou menor dificuldade em arranjar empreiteiros e com as dificuldades do clima.
Se se não contou é porque os estudos e os projectos não foram nem bem estudados nem bem projectados.
Lancemos agora uma vista de olhos sobre o estado das obras estudadas e projectadas:
1.º Projecto da Chã, formado por dois núcleos - o de Aldeia Nova de Barroso e o de S. Mateus -, que deveria estar concluído em 1948. Espe-
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rava-se concluí-lo no Verão de 1950; duvido de que no Verão de 1951 o esteja, dado o atraso em que se encontra;
2.º Projecto de Morgade, Cervos e Beça, que abrange quatro núcleos de povoamento - Criando, Vidoeiro, Fontão e Pinhal Novo. Devia estar concluído em 1948, mas não está, nem o estará tão cedo, visto que as obras, quanto a alguns destes núcleos, ainda nem sequer iniciadas foram. Não se prevê, portanto, para tão cedo a sua conclusão;
3.º Projecto do Alvão, apenas iniciado, parado há mais de um ano, o não se sabe quando prosseguirá;
4.º Projecto de Montalegre, Padornelos e Meixedo. Devia estar concluído em 1949, mas, como não o está, previa-se a sua conclusão para 1950. Falharam os cálculos. Não está ainda concluído nem provavelmente se concluirá em 1951;
5.º Projecto da Herdade de Pegões. Devia estar concluído em 1948, mas não se sabe quando estará concluído, pois parece não ter começado ainda;
6.º Projecto da Gafanha (1.ª fase). Iniciado. As obras pararam em 1949 e por aí ficaram;
7.º Projecto da Idanha (1.ª fase). Devia estar concluído em 1948 e ainda nem ao menos se começou!;
8.º Os outros projectos de Barroso, Soajo, Boalhosa, Serra da Ordem, Lombadas, Gafanha (2.a fase) e Idanha (2.º fase) por ora permanecem no limbo e talvez daí não venha mal ao Mundo, porque, como se vê, o quadro, só por si, não é animador.
Vejamos agora a parte do programa quanto à divisão dos baldios em glebas.
Até 1949 deveria, nos termos do programa, ter-se dividido 44:870 hectares em 25:491 glebas e dividiram-se apenas 4:600 hectares em 2:401 glebas (10 por cento do previsto).
Fez-se o estudo desta divisão nos gabinetes dos técnicos, porque só agora tomaram contacto com as realidades e sem os técnicos de qualidades invulgares que o trabalho requer.
Não sou eu quem o diz, é o relatório (fl. 133).
Esta divisão em glebas é um trabalho moroso e delicado; exige muito bom senso e muita paciência, porque são numerosas as reclamações e pretende-se fazer obra útil e estável, com base na moral e na justiça, diz-se no relatório.
Pois se assim é, entregue-se nas mãos das autarquias locais essa divisão, que se fará sem reclamações, a contento de todos, com base na moral e na justiça, porque essas entidades conhecem melhor do que ninguém o meio em que actuam e podem fazê-lo, dispensando equipes de técnicos de qualidades invulgares e sem dispêndio para o Estado.
Sr. Presidente: feita a exposição da obra da Junta de Colonização Interna, uns comentários ligeiros.
Pelo que pessoalmente conheço do problema, e quanto ao Norte do distrito de Vila Real, eu devo afirmar que o julgo mal estudado, no conjunto e no pormenor.
Devemos lembrar-nos que se está numa região fria; que as populações são pobres; que a propriedade se encontra muito dividida, para não dizer pulverizada.
E é numa região nestas condições peculiaríssimas que será de aconselhar a criação de núcleos de povoamento, nos terrenos baldios das povoações, com casais de família com área de 10 ou 15 hectares?
Não será isto criar uma espécie de grande propriedade no meio da pequenez quase geral? Na povoação de Beça, por exemplo, só dez moradores colhem o pão indispensável para o consumo das suas casas.
Raro será o proprietário dessas povoações que tenha de seu, no conjunto das suas propriedades pequeninas, uma área igual.
E é por isso natural que esses pequenos proprietários vejam essa espécie de, para eles, novos ricos, em unidade e em extensão de terras, com maus olhos e, através deles, os serviços que os geraram.
Por outro lado, esses terrenos fazem falta a essas povoações; sem eles dificilmente poderão viver.
Era nesses baldios que os gados das povoações limítrofes iam ser apascentados, nos dias frígidos dos invernos transmontanos, quando lameiros e pastos particulares sitos nas baixas se encontravam cobertos de espessa camada de geada, densa como a neve, por semanas e semanas.
Comiam ali alguma coisa ou, pelo menos, apanhavam sol.
Agora, como única solução, resta-lhes desfazerem-se do gado, e de lavradores, pequeninos embora, tornarem-se jornaleiros.
E o gado, o magnífico gado barrosão, desaparecerá das terras de Barroso.
E a carne faltará mais e o leite e a manteiga não se .encontrarão nos seus lares.
Os seus rebanhos de ovelhas desaparecerão.
Menos carne e menos lã; a lã que lhes é absolutamente indispensável para se cobrirem e abrigarem dos rigores de um clima que não deixa trabalhar os senhores da Junta.
Mas há mais.
Ali não há, por assim dizer, geiras, porque quase não havia jornaleiros.
Os lavradores entreajudavam-se.
Como muitos agora terão do passar a essa categoria, aonde irão encontrar trabalho?
Os pequenos lavradores supriam as deficiências do seu casal cultivando um ou mais bocados de terreno baldio, equilibrando assim as finanças domésticas.
Aonde irão agora buscar esse suprimento?
E quando havia alguém mais pobre que não tivesse um pouco de terra onde cair morto, lá estava o baldio, que lhe dava o pão e as batatas, a lenha e o carvão, que vendia, para prover às necessidades da família.
E agora nem pão, nem batatas, nem lume, nem dinheiro.
Mas o próprio lavrador carecia do baldio, aonde ia buscar o mato para estrumes e a lenha para se aquecer, nos frios dos invernos brancos.
E agora nem estrumes para as leiras, que, depauperadas, passarão a produzir cada vez menos, nem lenha para a lareira, que não dará o calor do seu borralho.
Planear é fácil.
Projectar, qualquer técnico o pode fazer.
Mas para realizar uma obra de sã justiça social é preciso alguma coisa mais, e essa coisa é conhecer profundamente a vida das populações, que podem lucrar ou perder com a obra projectada; é considerar as vantagens e os inconvenientes que dela podem resultar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas se social, económica e politicamente a obra foi mal estudada, a sua realização prática ainda o foi pior.
Em primeiro lugar, eu duvido que os casais dos colonos tenham condições de vida, lá no Norte, polo menos.
Na área atribuída a cada casal há bom terreno e mau terreno.
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O bom é relativamente pouco e mal poderá prover às subsistências da família.
O resto é terreno bastante fraco.
Pode produzir durante um certo número de anos, dado o pousio secular, alguma coisa, como batata nos melhores, centeio nos mais ruins.
Em Barroso são essas as únicas produções que o clima consente.
Passados anos, esses terrenos só darão mato outra vez.
Chegarão elas para amortizar, com o produto da sua venda, as enormes quantias despendidas pelo Estado com cada casal?
Eu tenho sérias dúvidas a esse respeito.
Gostaria que a Junta nos dissesse por quanto fica ao Estado cada um desses casais, que o colono terá de pagar um dia, se puder.
Apoiados.
Sabemos que o custo das obras por colono é superior a 88 contos, a que deverá acrescentar-se o custo das alfaias, sementes, adubos e até o preço do gado, isto sem considerar as despesas com os outros trabalhos julgados de interesse geral, mas de um interesse geral restrito a cada colónia.
O estudo foi mau até no próprio modelo das casas que escolheu.
Duas pequenas cortes para suínos, cobertas por um alpendre; pegado, um silo e a seguir uma nitreira; depois, corte para gado vacum, abrindo para esse alpendre. Dois compartimentos ao lado, um dos quais serve de cozinha, amplo, e ao lado deste um outro, que pode servir para tudo: quarto, sala de jantar, etc.
Depois uma varanda interior, dê madeira, e mais dois compartimentos; no meio, o armazém do feno para o gado.
Tudo isto dominado por uma chaminé altíssima, bonita, mas inteiramente desaconselhada para a região.
Na cozinha não há lareira, mas uma espécie de grande fogão de sala. Tudo isto coberto a colmo, segundo a versão original, que agora vão substituir por telha, por se reconhecer a sua inconveniência e risco.
Quer dizer: o edifício não tem o aspecto duma casa agrícola; muito menos o de uma casa agrícola que convenha à região frigidíssima a que se destina. É uma coisa bonitinha e nada mais.
E, já que em colonos estou falando, devo dizer que a sua escolha, quando se aceite o facto consumado, devia recair de preferência nos habitantes das povoações afectadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os habitantes das freguesias a que os baldios pertenciam deviam ser os preferidos, o que não acontece, como pessoalmente tive ocasião de verificar, pois em certo aldeamento, onde por acaso tive de ir, o proprietário de um dos casais - o único onde estive - não era da região, nem mesmo da província, com a agravante de não ser lavrador, mas artista, dando-se ao luxo de ter criados para lhe fazerem os trabalhos do campo.
Também não compreendo bem a razão de um limite máximo de anos - trinta, se não estou em erro - para se aspirar a um desses casais, pois, se foi a probabilidade de uma mais fácil amortização dos capitais investidos, estes lá estavam garantidos pelo valor real do casal e pelos herdeiros que o recebessem, a quem se transmitiriam os respectivos encargos.
A necessidade não escolhe idade.
Sr. Presidente: já que é preciso cultivar mais, já que o factor económico e social se não pode pôr de parte, eu entendo que o problema do aproveitamento dos baldios do distrito de Vila Real tinha uma solução mais justa em todos os sentidos dividindo esses terrenos em glebas pelos proprietários mais pobres das populações que as quisessem trabalhar e aproveitar.
E, satisfeitos estes, ir-se-ia alargando a cedência das restantes glebas pêlos menos remediados e pela sua ordem de carência.
Esses terrenos seriam indivisíveis e inalienáveis.
E o problema seria solucionado com proveito para todos.
Para o Estado, que não teria de despender capitais, e largos, e para as populações, que se não veriam a braços com as sérias dificuldades que apontei.
Evitar-se-ia a proletarização do pequeno lavrador e injustiças gritantes, como a cedência de casais a colonos que estão bem longe de serem necessitados.
Haveria aumento de riqueza muito sensível.
E a prova é que, tendo a Junta tido a louvável ideia, de, antes de proceder a alguns aldeamentos, parcelar por glebas os baldios, que entregou a diversos pobres das povoações em algumas zonas, essa medida traduziu-se num aumento de 5.000:000 de quilogramas de batatas, sem falar em centeio, que veio trazer à economia local e à economia doméstica desses pobres a bonita soma de 10:000 contos.
Com estes resultados magníficos a solução do problema estava encontrada. Não havia que hesitar.
Persistir em aldear será tudo o quiserem, mas não é lógico, não é economicamente aconselhável, e tem algo de desumano.
E em matéria de crítica fico-me por aqui, embora houvesse mais que dizer.
Mas eu disse, Sr. Presidente, que esperava muito da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e da Junta de Colonização.
É tempo de encerrar este estudo com uma nota de esperançoso optimismo.
Os melhoramentos rurais, como estradas, caminhos, águas, telefones e, em certos casos, luz, devem ficar a cargo destes serviços, bem como a guarda rural, em que já falei.
São óptimos instrumentos de trabalho.
Têm a sua máquina montada.
Podem, se o quiserem e as suas atribuições forem alargadas, realizá-los, sem encargos de maior para o Estado, dentro das dotações que lhes são atribuídas.
No estudo desses melhoramentos eles podem perfeitamente conciliar os seus interesses privativos com os das regiões onde exercem a sua actividade. Eles podem planificá-los, estudá-los e projectá-los, porque dispõem de técnicos, e executá-los, porque têm recursos para o fazer.
Se eles têm de abrir estradas e caminhos para si próprios, porque não abri-los para as povoações limítrofes?
Seria uma espécie de justa compensação pela perda dos baldios.
Foram obrigados a dá-los legalmente.
Compensem-se também legalmente dessa perda.
Se eles têm de montar linhas telefónicas para as casas dos seus guardas, para os seus serviços dispersos, porque não fazer mais um ligeiro esforço e dotar as povoações vizinhas com esse importantíssimo melhoramento?
Se eles têm de procurar águas para as suas necessidades privativas, porque não irem mais longe e não abastecerem igualmente as povoações com abundância desse elemento essencial à vida?
E, porque eles dispõem de técnicos, porque não aproveitar, onde possível, na correcção dos ribeiros e torrentes - o que é das suas atribuições - prováveis pequenas quedas, alargando a soma de utilidades em também pequenas centrais hidroeléctricas, permanentes ou temporárias, uma vez que isso é pouco dispendioso, pois já até
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os pequenos proprietários o fazem na região do Minho, por exemplo, como tive ocasião de ver?
Era mais energia e mais luz, mais riqueza e maior bem-estar.
Dentro destas atribuições pode ela desenvolver uma larguíssima e fecunda acção, a mais fecunda de quantas lhe foram cometidas.
É um axioma no Norte de que terra sem água não vale nada e apenas dará uns magros cereais, se os der.
Mas, desde que tenha água e adubação adequada, não há ruim terra.
Portanto, o nosso problema é da água.
As grandes obras de irrigação destinam-se a largos tractos de terreno, a grandes áreas, e só em determinadas regiões se podem e, sob o ponto de vista económico, convém realizar.
De resto, elas têm uni organismo encarregado de as executar e que tem dado magníficas provas da sua indiscutível competência e poder de realização.
Essas grandes obras estão fora do âmbito das minhas considerações.
Quero aqui referir-me a obras mais modestas, segundo um plano cuja originalidade me não pertence, mas que perfilho inteiramente, esboçado num interessante trabalho do Dr. Miranda Monteiro.
O grande mal da nossa lavoura, de morte a sul, é a falta de água na época em que as culturas dela necessitam.
Não se produz metade, ou mais, talvez, do que se poderia produzir, se tivéssemos água.
Tem-se geralmente a impressão de que no País a chuva é pouca.
Esta impressão é corroborada com o aspecto desolador, em certas épocas, do nosso campo, onde as plantas se estiolam e definham com a sede.
E, no entanto, chove e chove copiosamente.
A densidade pluviométrica é bastante elevada.
Essa impressão não corresponde à verdade.
Portugal é um dos países da Europa onde mais chove.
Simplesmente, a chuva cai em abundância nas épocas em que menos dela se carece, no Inverno, e não quando ela faz falta, no Estio.
Nas épocas de chuva a água corre pelas vertentes, pelos córregos, pelos ribeiros, para os vales e para os rios, sem proveito, causando prejuízos, arrastando terras, assoreando rios e portos.
Este desregramento tem de ser regulado por forma a armazenar-se o excedente de águas pluviais, por ocasião das chuvadas abundantes, a fim de o distribuir nas épocas de escassez, quando dele as plantas careçam.
Retê-la em albufeiras, além de se tornar uma solução cara, tem o inconveniente de a tornar inutilizável para certos terrenos, como sejam as terras altas.
O seu armazenamento faz-se hoje naturalmente, mas em mínima parte, pela infiltração no terreno, e colhe-se em poços e represas de minas.
O resto perde-se, escoa-se para os rios.
Mas a frequência destes poços e minas pode vir a tornar-se - e em muitos casos já se tornou - prejudicial, pelo desvio das águas de uns para os outros, e é só por si insuficiente.
O que se toma necessário é construir obras apropriadas que retenham, pelo maior período de tempo e na maior quantidade possível, as grandes precipitações que causam as fartas inundações das margens, provocando a erosão destas e dos terrenos de encosta.
Acerca da natureza dessas obras, do modo ou processo de as realizar, não me pronuncio, mas os serviços da Junta de Colonização Interna e da Direcção-Geral
dos Serviços Florestais e Aquícolas dispõem de técnicos rapazes de as planear e executar.
Em todo o caso seja-me lícito apresentar uma sugestão, que também não é minha.
Supõe-se que abrindo nas encostas uma série maior ou menor de valados, de terra comprimida, com taludes revestidos de vegetação apropriada que os torne consistentes, com os descarregadores que forem julgados necessários, o problema será fácil e economicamente resolvido.
E, se conjugarmos com a abertura destes valados a construção de uma série de presas nos barrancos, córregos e ribeiros, poderá armazenar-se por largos períodos a água necessária para as regas estivais indispensáveis.
De resto, a água assim armazenada ir-se-ia infiltrando no terreno, dando-lhe humidade, e reforçaria as fontes e nascentes, dando-lhes maior e mais constante caudal.
Estes valados, além de reservatórios de águas, constituiriam obstáculos ao correr desordenado das águas pluviais, quebrando-lhe a violência.
E, além de promoverem uma mais extensa e profunda infiltração, provocariam a formação de depósitos dos produtos da erosão, pois as terras e detritos arrastados pelas águas das chuvas ficariam ali retidos, originando nateiros, a utilizar aia fertilidade dos terrenos cultivados.
Assim, aproveitar-se-ia o máximo de terreno agricultável, podendo dispensar-se o processo da arborização nas serras e terrenos incultos, que passariam a dar um grande volume de géneros indispensáveis ao consumo nacional, dispensando-nos, senão de toda a importação desses géneros, pelo menos reduzindo-a a mais modestas proporções, esforço que temos de realizar, mau grado os pessimistas.
A água armazenada nas presas a que aludi poderia ainda, consoante as circunstâncias, produzir energia eléctrica e luz, permanente ou temporária, o que não seria para desprezar e daria cumprimento às bases XIX e XXV da Lei n.º 2:002, que parece terem ficado esquecidas.
Estas obras, fáceis de executar com a maquinaria moderna, como escavadoras, rolos compressores, etc., seriam económicas, rápidas e perfeitas.
E a despesa efectuada pela Junta ficaria de conta dos beneficiados e paga por estes em anuidades, em cobrança feita por-adicional à contribuição predial, com o juro respectivo, e constituiria encargo inerente ao prédio, que o acompanharia em caso de transmissão.
E neste capítulo nada se fez. Nada se procurou fazer.
Bem sei que há neste país uma forte corrente técnica e doutrinária que preconiza o florestamento do País como único processo de corrigir o regime das águas, de defender as várzeas, de valorizar as planícies áridas, de beneficiar o clima, de fixar e conservar o solo nas montanhas.
Não se pode brincar às florestas nem aos aldeamentos quando o interesse nacional está em jogo.
Florestar é um processo; criar aldeias será outro.
Mas há ainda outros mais.
E um deles e talvez o melhor será o que apontei, porque estamos num momento da vida da Nação em que sentimos a necessidade imperiosa de aproveitar até a mais insignificante parcela do solo pátrio e cultivá-la para obstinadamente produzir cada vez mais, através de todos os obstáculos e sacrifícios.
Esta acção da Junta que preconizo completará a sua actividade no campo dos melhoramentos agrícolas, onde ela vem realizando obra meritória.
Simplesmente desejaria que neste ponto restrito se aperfeiçoasse o sistema, planificando-o e metodizando-o.
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Assim, ma impossibilidade de atender a todos simultaneamente, eu pediria se fizesse o estudo dos melhoramentos fundiários a introduzir independentemente de solicitações e se executassem pela ordem do seu interesse quanto ao aumento da produção nacional e quanto possível por regiões, deixando para uma 2.ª fase aqueles que se revestissem de menor importância.
Sr. Presidente: vou concluir.
Demais já abusei da paciência de VV. Ex.ªs e dos meus ilustres colegas desta Assembleia.
Não apoiados.
Na crítica que fiz analisei objectivamente problemas vitais para a economia do distrito de Vila Real, mas que interessam por igual à economia nacional.
Entendo que os problemas do revestimento florestal e da colonização interna, se não foram anal postos, foram mal estudados e estão a ser pior executados.
Na execução das leis não se pode abstrair de que elas foram feitas para servir os interesses do homem e da comunidade.
E estes interesses estão acima de quaisquer outros e principalmente dos interesses dos serviços públicos, que são criados para que a Nação possa viver e produzir, e não é a Nação que se cria para que eles existam.
O que procurei -criticando- foi construir com justiça, moral, económica, social e politicamente.
O Governo tem dado provas eloquentes, indiscutíveis, de abnegação e patriotismo, no esforço ingente de levantar o País a um grau de prosperidade e grandeza que há vinte e cinco anos só com incredulidade podíamos sonhar.
O esforço foi enorme e a obra gigantesca.
Perfeita?
Certamente que não, como toda a obra humana.
Pois colaboremos com ele, carreando a nossa pedra para a grande tarefa comum, corrigindo-lhe os pequenos defeitos, para a tornar mais bela, mais grandiosa, mais perfeita e mais duradoura, porque mais amada.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A continuação deste debate far-se-á na próxima sessão, que se realiza na terça-feira 6 do corrente.
Vou agora submeter à votação os textos das últimas redacções elaborados pela Comissão de Legislação e Redacção acerca das resoluções desta Assembleia quanto aos pedidos de aquisição de propriedades na nossa província ultramarina de Moçambique feitos pelos Governos dos Estados Unidos da América, da Rodésia do Sul e de Sua Majestade Britânica para instalação de seus funcionários.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja fazer uso da palavra, considero-os aprovados.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Jacinto Ferreira.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Délio Nobre Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA