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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 91
ANO DE 1951 4 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 91, EM 3 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 17 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 89 e 90 do Diário das Sessões.
O Sr. Presidente anunciou à Câmara ter falecido hoje o antigo Disputado Dr. Rebelo de Andrade, tendo sido unanimemente aprovado que se registasse no Diário das Sessões um voto de pesar pelo falecimento daquele antigo Deputado.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos pedidos por diversos Srs. Deputados a vários serviços públicos.
Para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi recebido na Mesa o Decreto-Lei n.º 38:124.
O Sr. Deputado Pinto Barriga enviou para a Mesa um requerimento.
Usou da palavra o Sr. Deputado Mendes do Amaral, o qual apresentou um projecto de lei de alteração à Constituição, que foi lido.
Consultada a Assembleia, foi votada a urgência.
Os Srs. Deputados, Paulo Cancela de Abreu e Carlos Borges usaram também da palavra para pedir esclarecimentos sobre este assunto.
O Sr. Deputado Ricardo Durão usou da palavra para chamar a atenção do Governo para a necessidade de ser protegida a criação do salmão no rio Minho.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei de revisão da Constituição e do Acto Colonial.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mendes do Amaral, Caetano Beirão e Pinto Barriga.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes n.º 17/V.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António Pereira de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
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Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho .Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco 'Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado,
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José 'Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da 'Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou1 Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. Eram 16 horas e 17 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 89 e 90 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre os referidos números do Diário das Sessões, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Cumpro o doloroso dever de comunicar à Assembleia que faleceu hoje, pelas 15 horas, o antigo Deputado à Assembleia Nacional Sr. Dr. Rebelo de Andrade.
Quer como Deputado à Assembleia Nacional, quer como Subsecretário de Estado das Corporações, cargo que desempenhou durante alguns anos, quer como cidadão, o Sr. Dr. Rebelo de Andrade merecia o respeito de todos os que o conheciam e pode afirmar-se que prestou ao seu pais os mais distintos serviços.
Creio, portanto, que a Assembleia desejará que no Diário das Sessões de hoje fique consignado um voto de
profundo pesar pelo falecimento do antigo Deputado Dr. Rebelo de Andrade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Manuel Maria Vaz ao Ministério da Economia. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva ao Ministério das Comunicações. Vão ser entregues ao Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 62, de 28 do mês passado, que insere o Decreto-Lei n.º 38:124.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte :
«Desejando, nos termos regimentais, tratar, antes da ordem do dia, numa próxima sessão, do momentoso problema do papel destinado à imprensa periódica e à indústria editorial:
Tenho a honra de requerer, nos termos constitucionais, que, pelo Ministério da Economia, pela sua Intendência-Geral dos Abastecimentos, me sejam indicados os quantitativos discriminados dos stocks de papel destinados à impressão dos periódicos e dos livros existentes nas respectivas fábricas e armazenistas e, complementarmente, o parecer justificado dessa Intendência se esses stocks correspondem a reservas normais de consumo ou podem ser considerados de especulação».
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o. Sr. Deputado Mendes do Amaral para apresentar um projecto de lei.
O Sr. Mendes do Amaral: -Sr. Presidente: desejo enviar para a Mesa um projecto de lei de alterações à Constituição sobre matéria que não consta da proposta apresentada pelo Governo.
Verifiquei há pouco que deveria ter apresentado este projecto mais cedo, de forma a dar tempo suficiente para que a Câmara Corporativa sobre ele se pronunciasse. Mas é que estava erradamente convencido de que a oportunidade para o fazer era o início da discussão da proposta do Governo.
Por isso, Sr. Presidente, permito-me pedir a V. Ex que, ao receber no Mesa o meu projecto, consulte a Assembleia sobre se reconhece a urgência de ele ser enviado à Câmara Corporativa e igualmente a urgência do parecer da mesma Câmara Corporativa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem. I
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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mendes do Amaral acaba de anunciar a apresentação de um projecto de lei de alteração à Constituição.
Nos termos do "Regimento, este projecto de lei tem de ser submetido à Câmara Corporativa, visto tocar pontos que não são objecto de qualquer alteração por parte da proposta de lei de revisão que vai entrar em discussão.
O Sr. Deputado Mendes do Amaral requer urgência para este projecto e pede para consultar a Assembleia sobre essa urgência.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Pergunto a V. Ex.ª se entende que no decurso da discussão de revisão constitucional não podem ser apresentadas propostas sobre matéria de artigos que não sejam objecto de alteração na proposta inicial.
Parece-me que a Constituição e o Regimento são omissos a esse respeito.
O Sr. Presidente: - Entendo exactamente isso, pois que, segundo o Regimento, não podem ter seguimento na Assembleia propostas que toquem assuntos sobre os quais a Câmara Corporativa não tenha emitido o seu parecer.
Como se trata de alterações à Constituição não abrangidas na proposta de lei cuja discussão se inicia hoje, elas terão de ir à Câmara Corporativa antes de entrarem em discussão nesta Assembleia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: -A minha dúvida resultava do facto de o Regimento dar a V. Ex.ª a faculdade, e não estabelecer a obrigação, de consultar a Camara Corporativa.
O Sr. Presidente: - Isso é outra questão. Vou consultar a Assembleia sobre a urgência do projecto.
O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: nós não conhecemos ainda o texto do projecto nem a respectiva opinião do nosso leader.
O Sr. Presidente: - Sabe V. Ex.ª que o Presidente da Assembleia tem sempre muito prazer em ouvir V. Ex.ª, mas sobre as consultas que VV. Ex.ªs entendam dever fazer ao ilustre leader desta Câmara o Presidente da Assembleia nada tem que ver.
Vai ler-se o projecto de lei.
Foi lido na Mesa. É o seguinte:
Projecto de lei de alterações à Constituição
Artigo 1.º O artigo 5.º passa a ter a seguinte redacção:
O Estado Português é uma República unitária e corporativa, com administração descentralizada, nos termos e condições que a lei prescrever. A sua estrutura baseia-se na igualdade dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e na sua interferência na vida administrativa e na feitura das leis.
Art. 2.º O corpo do artigo 8." passa a ter a seguinte redacção:
Constituem direitos, deveres e garantias individuais dos cidadãos portugueses:
e ser-lhe-ão aditados os seguintes números:
3.º O direito à remuneração do seu trabalho por salário mínimo fixado por lei em função da natureza, rendimento e mais condições desse trabalho;
19.º-A. O dever de prestar ao Estado cooperação e serviços em harmonia com as leis e de contribuir conforme os seus haveres para os encargos públicos;
19.º-B. O dever de solidariedade, por todas as formas, para com o seu semelhante e, designadamente, o cumprimento rigoroso das suas obrigações familiares e de funcionário público ou privado;
Art. 3.º Ao artigo 14.º será aditado um número, com a seguinte redacção:
2.º-A. Prevenir e punir o abandono da família.
Art. 4.º O artigo 27.º passa a ter a seguinte redacção:
Não é permitido acumular, salvo nas condições previstas na lei, empregos do Estado, das autarquias locais ou dos organismos de coordenação económica, ou uns com outros, nem qualquer deles com cargos de direcção, administração ou fiscalização de empresas ou sociedades que tenham com o Estado ou com as autarquias locais contratos de concessão, de privilégio especial, de subsídio ou de garantia de rendimento.
Art. 5.º É eliminado o § unico do artigo 27.º Art. 6.º O actual artigo 28.º será substituído pelo seguinte:
Todo o funcionário público é responsável, quer para com o Estado, quer para com os cidadãos, pêlos prejuízos que a um e outros causar por incúria, má fé ou abuso de poder cometidos no exercicio da sua função.
Art. 7.º-O artigo 33.º passa a ter a seguinte redacção:
O Estado só pode intervir directamente na gerência de actividades económicas particulares quando se verifique a necessidade de as financiar, para delas conseguir maior utilidade social, e apenas pelo tempo indispensável à realização desse fim.
Art. 8.º O artigo 34.º passa a ter a seguinte redacção:
O Estado promoverá a formação e o desenvolvimento da economia corporativa no sentido da sua autonomia, cuidando, porém, de que os seus elementos não tendam a estabelecer entre si concorrência desregrada e contrária aos justos objectivos da sociedade e deles próprios, mas sim a colaborar mutuamente.
Art. 9.º O artigo 36.º passa a ter a seguinte redacção:
O trabalho, quer simples, quer qualificado ou técnico, deve, sempre que possível, ser associado à empresa, pela maneira que as circunstâncias aconselharem.
Art. 10.º É eliminado o § único do artigo 40.º Art. 11.º Ao artigo 42.º será aditado um § 3.º, assim concebido:
Serão impedidas as exibições públicas, quer recreativas quer d-e natureza cultural, que contrariem os fins apontados no parágrafo anterior ou possam concorrer pana a corrupção .dos costumes.
Art. 12.º O artigo 63.º passa a ter a seguinte redacção:
O Orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a
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totalidade das receitas e despesas públicas, mesmo as dos serviços e fundos com autonomia administrativa e bem assim as dos organismos de coordenação económica, devendo ser publicados à parte desenvolvimentos especiais dos respectivos orçamentos.
Art. 13.º No corpo do artigo 65.º da actual Constituição será intercalada a palavra «mínima» a seguir à palavra «base».
Art. 14.º O artigo 66.º passa a ter a seguinte redacção:
O Orçamento deve consignar os recursos indispensáveis, não sòmente para cobrir as despesas mencionadas no artigo anterior, mas também aquelas que, extraordinariamente, hajam de fazer-se com o fomento económico e com outros fins de interesse e ordem públicos.
Art. 15.º Será eliminado o actual artigo 70.º, cuja doutrina será incorporada em nova redacção do artigo 93.º
Art. 16.º O n.º 4.º do actual artigo 91.º passa a ter a seguinte redacção:
Autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, fixando na respectiva lei de autorização a totalidade e a repartição das despesas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes.
Art. 17.º O artigo 97.º passa a ter a seguinte redacção:
A iniciativa legislativa compete indistintamente ao Governo, sob a forma de decretos-leis, ou à Assembleia Nacional, sob a forma de leis, não podendo porém esta apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam para a gerência, orçamental em curso aumento de despesa ou diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores.
Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 28 de Março de 1951. - O Deputado, Joaquim Mendes do Amaral.
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Assembleia sobre a urgência.
Consultada a Assembleia, foi votada a urgência.
O Sr. Presidente: - Se a Assembleia concorda, fixo o prazo de doze dias para a Câmara Corporativa dar o seu parecer.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Considero fixado o prazo. Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Durão.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: proponho-me demonstrar desta vez que, se o Governo tomasse imediatas, providências, o salmão poderia ser uma riqueza nacional e a sua aquisição acessível às mais modestas bolsas.
Mas antes da demonstração do meu enunciado quero referir duas palavras de homenagem à memória do Dr. Antunes Guimarães, que me sugeriu esta intervenção e prometeu acompanhar-me nela com o seu preciosíssimo apoio. E, embora a sua voz se tenha calado para sempre, não me sinto só, porque a comunhão dos nossos pensamentos nesta matéria constitui da mesma forma para mim um estímulo e um prémio.
No seu último projecto de lei, cuja discussão terminou por uma moção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, moção até hoje infelizmente inoperante, o Dr. Antunes Guimarães dedicou especial atenção à pesca fluvial.
Sobre a defesa das nossas reservas piscícolas e seus reflexos na economia nacional foi então dito mais que o suficiente para me dispensar agora de insistir nessas verdades essenciais.
Não me sinto só, repito, nem de facto me encontro só, porque, além do apoio espiritual do Dr. Antunes Guimarães, acompanha-me também a opinião idónea de vários peritos no assunto com quem troquei impressões e cujos nomes autorizados não deixarei de citar a propósito, porque a todos devo o meu reconhecimento pelos elementos que me facultaram. Até mesmo de V. Ex.ª, Sr. Presidente, confiadamente espero que se dignará patrocinar desta vez as solicitações sempre corteses que daqui faço ao Governo.
Entremos agora no ciclo heróico da vida do salmão, que é, como se sabe, um dos mais nobres representantes da fauna aquática.
Está provado, com dados certos, que o salmão nasce nos ribeiros da serra, em pleno Inverno, começa a alimentar-se por si próprio entre Março e Abril, desenvolve-se rapidamente até Outubro, suspendendo nessa altura a nutrição para hibernar oculto entre as pedras profundas até voltar de novo a alimentar-se ao romper da Primavera. É então que os jovens salmões, impelidos pelo instinto migratório, iniciam o seu êxodo para o mar, descendo o rio em cardume até ao estuário, onde permanecem alguns dias para se aclimatarem às águas salgadas, precavendo-se contra uma transição brusca, que podia ser-lhes fatal.
Começa aqui, todavia, a sua vida atribulada, porque as aves daninhas e os pescadores furtivos abusam desse momento crítico para dizimar cobardemente os desprotegidos emigrantes.
Logo que entram no mar, dir-se-ia que o seu apetite recrudesce, cevando-se furiosamente sobre os bancos de arenques, seu alimento predilecto, chegando a devorar em cada dia mais do que o seu próprio peso. Dois ou três anos depois, pelo equinócio do Outono, já robustos e nédios, vestidos de galas, com a sua escama de seda lustrosa, começam a ladear a costa à procura do rio que já desceram e agora se preparam para subir em demanda do seu ribeiro natal, onde vão desovar e morrer. E é precisamente nesta marcha ascensional para o amor e para a morte que os pescadores sem escrúpulos os esperam mais uma vez, para barrar a sua passagem com redes fixas, trocando pelos 10 quilogramas de carne rosada e saborosa de cada procriador a hipótese de milhares de crias, que viriam, porventura, abastecer a fauna ictiológica do rio Minho, hoje quase exausta de salmões.
Mas outras dificuldades se levantam, outras vicissitudes aguardam o nosso salmo solar na sua jornada de angústia, desde a foz até ao riacho saudoso que foi o seu berço, vai ser o seu tálamo e porventura o seu túmulo.
Depois das redes de barragem surgem as barragens hidráulicas, quase sempre privadas de escadas salmoneiras, com patamares de repouso, para que o peixe possa recuperar as forças perdidas no assalto à crista.
É certo que ao investir pelo estuário, na transição das águas salgadas para as salobras, se dá no temperamento do salmão um fenómeno de hipertiroidismo, provocando-lhe um estado de sobreexcitação que o lança numa carreira indómita contra todos os obstáculos, em obediência, porventura, ao imperativo do sexo, com aquele
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carácter de combatividade que a exuberância de hormonas genitais imprime a todo o ser vivo. Mas, desde que não sejam previamente construídas as escadas salmoneiras, resultará inútil o esforço do assaltante, que, apesar da sua fúria de titã, tombará exausto no sopé da barragem, à mercê dos animais daninhos, entre os quais o homem figura em primeiro lugar.
E, com efeito, é o homem que lhe estende as redes, que lhe antepõe as represas, que lhe envenena as águas; e tudo isto precisamente no momento crítico em que ele regressa aos rios, alegre e confiado, galhardamente investido na sua benemérita e sagrada missão de reprodutor.
Toda a imprensa portuguesa, de uma maneira geral, tem publicado com os devidos comentários um verdadeiro sudário de crimes deste género. £ no entanto os criminosos continuam impunemente na prática ignóbil das suas proezas, muitas vezes homicidas, porque não são apenas os peixes que morrem nas águas poluídas, são também as cabeças de gado que passam nos rebanhos encalmados e - o que é mais grave - os próprios homens que desses peixes se alimentam ou as crianças incautas que se debruçam sequiosas sobre os regatos envenenados, que nem por isso deixam de ser cristalinos.
Nada disto sucederia se o projecto de lei do Dr. Antunes Guimarães tivesse vingado, pelo menos nas suas medidas de vigilância e repressão. A solução ideal seria, sem dúvida, a que foi apresentada pelo Sr. General Carvalho Viegas -aumento dos efectivos da Guarda Nacional Republicana -, tendo sido a sua proposta calorosamente apoiada por muitos dos nossos colegas, entre os quais o Dr. Águedo de Oliveira, o engenheiro Mira Galvão e o Dr. Alberto de Araújo.
Quanto aos guarda-rios, a sua insuficiência e a sua ineficácia são factos averiguados, não por culpa deles, mas pela sua escassez e, digamos mesmo, pela sua «pai-sanice», que praticamente os inibe de exercer uma vigilância útil.
Infelizmente o decisivo argumento do acréscimo de despesa torpedeou essa solução; em todo o caso bastaria - creio eu - que o Governo de então tomasse na devida conta a moção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo para que as suas e as nossas aspirações se efectivassem. Mas as moções deixam-nos sempre a naquele engano da alma ledo e cego...».
Haja em vista o que sucede em Espanha, onde o generalíssimo Franco fez promulgar leis severíssimas contra os crimes atentatórios do seu património piscícola, que hoje representa, no país vizinho, uma verdadeira riqueza, sob o ponto de vista cultural, económico, alimentar e turístico.
O Século publicou há dois anos uma reportagem, assinada por Adelino Mendes, sobre o salmão de Oviedo, em que sobressaem estas passagens elucidativas:
O salmão, como a truta, como outros peixes fluviais, é vulgaríssimo em muitos rios asturianos.
Pesca-se normalmente, e tanto o seu defeso como a sua reprodução e o seu crescimento são rigorosamente vigiados; e ai daquele que se atreva a transgredir as leis sobre a pesca nos cursos de água, servindo-se de meios criminosos para matar as criações ou mais facilmente se apoderar dos peixes adultos, objecto principal da sua cobiça.
Em Espanha, na sua região montanhosa própria para a criação, nos seus rios e riachos, das espécies piscícolas mais raras, mais afamadas e mais saborosas, há uma vigilância tal e existe, instalada na consciência popular, uma noção tão viva do interesse público que ninguém lança dinamite ou veneno nas águas das correntes ou na profundidade dos pegos para, à custa de selvagens morticínios, dar satisfação à sua maldade, ao seu egoísmo e à sua gula.
Por isso, em Agosto, se serve a preços modestíssimos, nos restaurantes populares, salmão fresquíssimo.
Em Portugal é o que se sabe! Os rios são devastados estupidamente, sem que sobre os pescadores furtivos e criminosos se desencadeie a repressão merecida. E assim se perde uma riqueza inestimável e assim se despreza um elemento não apenas da economia caseira, mas de um turismo que ainda não atingiu a sua maioridade.
O falecido marquês de Marzales deixou um livro precioso sobre o salmão e a sua pesca em Espanha, que termina pelas seguintes conclusões, consideradas nas suas linhas gerais como base da legislação em vigor naquele país e que traduzo nestes termos:
1.ª Devem eliminar-se em todos os rios os obstáculos que dificultem ou impeçam a passagem das espécies piscícolas, em especial dos salmonídeos; e, quando isso não for possível, devem o engenho e a actividade humana empenhar-se a fundo em construir meios eficazes para que os peixes possam escalar e transpor esse obstáculo;
2.ª As águas em que vivem as espécies requerem um determinado grau de pureza, o que obriga as fábricas e empresas ribeirinhas a empregar todos os conhecimentos e processos possíveis e imagináveis para fazer desaparecer a impurificação e a contaminação;
3.ª Os peixes, e em particular o salmão, necessitam duma protecção especial nas épocas da reprodução e uma defesa contra a desmedida avidez do homem; essa protecção e essa defesa têm de consistir num defeso anual e outro semanal que proíbam a sua captura em determinados períodos, e mesmo em determinados dias, fora do defeso anual;
4.ª A ciência e a experiência aconselham com idêntico objectivo a proibição de todas as redes e artes fixas ou substâncias tóxicas e venenosas. Só em zonas de águas salgadas e salobras se devem permitir as redes lastradas, e isso com a oportuna regulamentação;
5.ª O repovoamento artificial constitui uma necessidade premente, que pode conseguir-se com a ampliação das piscifactórias existentes, o estabelecimento de algumas novas e, sobretudo, mediante a incidência do esforço numa zona ou rio determinado;
6.ª Os aproveitamentos piscícolas melhor e mais proveitosamente organizados serão os que se instaurem à base de arrendamentos;
7.ª É indispensável organizar todo o serviço piscícola sob uma direcção-geral e criar juntas piscícolas regionais e laboratórios de hidrobiologia;
8.a Tudo isto tem de harmonizar-se e garantir-se com serviços de guarda e vigilância que, pela sua idoneidade e abundância de pessoal, sejam eficientes;
9.a Finalmente será imprescindível, para conseguir o objectivo proposto, a implacável perseguição aos transgressores, com o rigorismo das sanções e o cumprimento das penas estabelecidas, sem sentimentalismos de qualquer espécie.
E o marquês de Marzales termina o seu livro, publicado em 1930, com este grito de alarme:
Os rios salmoneiros da Espanha estão ameaçados do desaparecimento completo dessa valiosíssima espécie, que já hoje tão pobremente os povoa. Está
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em nossas mãos a salvação da nossa riqueza salmonícola. Hoje ainda estamos a tempo; amanhã pode ser tarde!
Mas as suas palavras foram escutadas por quem de direito; e hoje a Espanha pode orgulhar-se de possuir no seu regulamento de pesca fluvial um dos mais perfeitos diplomas da especialidade, elaborado sobre as bases expostas e aplicado em plena eficiência.
Ora nós temos apenas um rio salmoneiro, o - Minho-, precisamente o que melhores condições oferece em toda a Península.
Com efeito, sendo ele o mais meridional dos rios salmoneiros, é natural que as suas águas mais quentes - dentro dos limites de temperatura, claro está, exigidos pelo habitat deste peixe - favoreçam a eclosão e o desenvolvimento das crias e abreviem a sua saída para o mar, donde lhe resultaria uma vantagem no peso e na qualidade dos seus exemplares.
Além disso, o seu curso e o seu caudal, incomparavelmente superiores, e o maior número dos seus afluentes dar-lhe-iam também o direito do primazia na quantidade do produto.
E, todavia, no que respeita a salmões, paira sobre ele a ameaça dama extinção lotai a curto prazo.
O número de salmões pescados no rio Minho pouco mais atingirá do que uma escassa centena e decresce de ano para ano, estando provado no entanto que a sua produção anual pode ir além de 80:000.
Há quem afirme que o motivo desta anomalia reside essencialmente nos processos de pesca empregados pelota espanhóis a montante de Melgaço; mas há outros que o contradizem, atribuindo as culpas aos pescadores dos dois países fronteiriços, pelos abusos praticados no troço internacional.
Seja como for, é sempre de considerar que um entendimento entre os dois Governos solucionasse o problema com duplo benefício. E esse entendimento não me parece difícil de estabelecer, sobretudo entre dois povos vizinhos e amigos que política e socialmente navegam nas mesmas águas; tanto assim que o Decreto de 17 de Maio de 1897 - o último promulgado -, em que se regula a pesca no rio Minho, deixa uma porta aberta a todos os acordos no seu artigo 3.º do capítulo IX, que é do teor seguinte:
As autoridades marítimas de Caminha e La Guardiã e os comandantes dos navios de guerra darão anualmente conhecimento aos seus respectivos Governos do modo como se tiver, executado este regulamento, indicando as alterações que a prática lhes tiver mostrado serem convenientes; e os dois Governos estabelecerão de comum acordo as alterações que julgarem necessárias.
Parece, portanto, que é tudo uma questão de boa vontade, de clara compreensão e respeito mútuo pelos legítimos direitos de cada um dos países.
Bem diz Correia de Oliveira, numa quadra admirável em que se foca o velho tema das relações peninsulares:
Naquela sebe de rosas
Que devem ser as fronteiras,
Ninguém bula nas raízes,
Mas abracem-se as roseiras.
Mas, reatando, não é só o rio Minho que interessa ao fomento da nossa riqueza salmonícola; o Lima e o Cávado, que têm a vantagem de ser exclusivamente portugueses, merecem iguais desvelos. Repovoá-los, sobretudo o primeiro, onde já houve salmões, seria uma medida de largo alcance económico.
A este respeito, Jorge Brum do Canto, director da revista Diana e acérrimo paladino da defesa do salmão, indicou-me, como consultor, o engenheiro Joaquim Soeiro, director da Estação Aquícola do Rio Ave; e em boa hora o fez, porque a resposta que obtive deste perito abalizado é de molde a alimentar todas as esperanças.
A sua carta, que é um documento de incontestável valor, pôs-me ao corrente das diligências por ele efectuadas sobre o repovoamento desses rios, onde lançou crias anilhadas provenientes de ovos importados da Escócia.
Alguns dos salmões adultos - declara o engenheiro Joaquim Soeiro - foram de facto capturados anos depois, mas infelizmente os resultados não foram tão compensadores como se esperava, porque tanto o Lima como o Cávado não estavam já nessa altura, como não estão hoje, pelo seu estado de poluição e pelas barragens que os seccionam, em condições de garantir o êxito de um empreendimento dessa natureza.
E mais adiante diz:
Nesta ordem de ideias, torna-se evidente que o repovoamento do rio Lima, e quem diz do Lima diz do Cávado, só seria perfeitamente viável se se tomassem providências não só para garantir a livre circulação dos peixes de acordo com as necessidades específicas da sua biologia, como para restituir às suas águas as condições de habitabilidade que há muito perderam, o que só se conseguiria impondo inexoravelmente, sem contemplações de qualquer ordem, o respeito pelas disposições legais em vigor na parte respeitante à instalação de escadas para peixes nas barragens e à depuração de todos os esgotos antes de evacuados para as águas públicas.
Se fosse possível resolver estes problemas, dum interesse capital - e obviamente só o Governo poderá fazê-lo -, não tenho dúvida em afirmar que se teria eliminado de vez o principal obstáculo que se tem oposto à valorização salmonícola dos nossos rios.
Porque, quanto ao material vivo necessário para levar a cabo qualquer obra de repovoamento, a Estação Aquícola do Rio Ave poderia encarregar-se de fornecê-lo em quantidade satisfatória, desde que lhe fosse concedida verba para a aquisição de ovos no estrangeiro ou - o que seria mais vantajoso sob o ponto de vista económico - para construir um pequeno posto de reprodução nas margens do rio Minho.
Este claro depoimento do engenheiro Joaquim Soeiro vem reforçar poderosamente as minhas considerações.
Por outro lado, o tenente de cavalaria Rui Machado da Cruz, pescador enragé, que pôs à minha disposição a sua biblioteca sobre salmonídeos, indicou-me por sua vez o nome dum acrisolado biologista, o Dr. Magalhães Ramalho, director da Estação de Biologia Marítima, que confirmou inteiramente a viabilidade do repovoamento daqueles rios e, por mais dificuldades que surjam na resolução do problema, entende que seria de toda a vantagem estudá-lo desde já convenientemente. Parece, portanto, que o aumento de despesa teria desta maneira uma larga compensação económica.
Ao terminar, Sr. Presidente, pergunto a mim próprio se teria conseguido demonstrar integralmente o teorema que enunciei. Receio mesmo que a demonstração tenha ficado em meio, porque não esgotei o assunto. Mas pergunto também a V. Ex.ª se o caso merece os seus bons ofícios.
De qualquer forma, o que eu pretendo é que as minhas intenções ressaltem, como sempre, a toda a evidência. E se não aponto soluções concretas para cada um dos problemas que tratei é porque essa tarefa compete naturalmente a técnicos especializados.
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Pela minha parte limito-me a pedir providências ao Governo, em especial aos Srs. Ministros da Economia e da Marinha, convencido, como estou, de que uma comissão de reconhecida competência, expressamente nomeada para estudar em profundidade o repovoamento e a pesca do salmão, forneceria aos ilustres titulares daquelas pastas bases sólidas para realizações fecundas.
E desde já declaro, para me sangrar em saúde, que não desejo nem devo fazer parte dessa comissão, porque não sou do métier, nem tecnicamente, nem desportivamente, conclusão esta a que VV. Ex.ªs decerto já tinham chegado.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A ordem do dia é a discussão, na generalidade, da proposta de lei de revisão da Constituição e do Acto Colonial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes do Amaral.
O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: ao ocuparem-se de problemas de revisão constitucional os membros de qualquer assembleia com poderes constituintes podem escolher, conforme o seu temperamento e as suas predilecções, ou a atitude de cínica incredulidade do ex-bispo Taíleyrand sobre a virtude dos textos constitucionais, ou a atitude piedosa de Benjamim Franklin na reunião da Convenção dos Estados da América do Norte, em 1786, para elaboração da Constituição dos futuros Estados Unidos.
Nessa convenção, no momento em que, depois de quatro longos meses de discussão, ela ameaçava dissolver-se sem ter conseguido qualquer, coisa de positivo sobre o fim para que tinha reunido, o velho inventor dos pára-raios, já octogenário, levantou-se e, dirigindo-se ao presidente Washington, disse:
Senhor: como é possível que, depois de andarmos aqui tanto tempo às apalpadelas, no meio da escuridão, sem conseguirmos atingir os objectivos para que nos encontramos reunidos, nos tenhamos esquecido de levantar os olhos para Deus, para o Pai de todas as luzes, para lhe pedirmos que ilumine os nossos espíritos?
Nós, que tantas vezes no decorrer da luta pela independência, no meio das nossas aflições, nos dirigimos ao Altíssimo para que nos auxiliasse e que tão bem sucedidos fomos nas nossas preces e solicitações, temo-nos esquecido nestes quatro meses de que só Deus pode ajudar-nos na elaboração do alicerce fundamental da nossa vida futura.
E a partir desse momento, Srs. Deputados, a harmonia reinou entre os delegados à Convenção de Annapolis e a Constituição dos Estados Unidos, então elaborada, quase se tem mantido até hoje com o mesmo texto aprovado nessa ocasião.
Por mim, Sr. Presidente, entre a atitude de Talleyrand e a atitude de Benjamim Franklin, escolhi a última, e eu - que não sou dos que mais abusam da paciência divina com preces para a satisfação de ambições que não tenho - espero que a Divina Providência se tenha dignado iluminar o meu espírito na elaboração das propostas de alteração que há pouco apresentei e das propostas de emenda que vou ter ocasião de mandar para a Mesa sobre a matéria da proposta de lei em discussão.
E só mediante esta atitude, impelido pelo que julgo ser o meu dever de intérprete da opinião publica no sector político, eu poderia ter vencido os naturais escrúpulos em abordar esta matéria, escrúpulos dimanados da noção exacta que tenho da minha carência formativa, que nenhum autodidatismo poderia suprir convenientemente.
Considero, Sr. Presidente, o estatuto constitucional de qualquer país como a raiz da árvore mais ou menos frondosa, mais ou menos frutífera, de toda a legislação que cobre a vida orgânica do país: se a raiz está sã, a árvore pode produzir bons frutos; se a raiz não é boa, a árvore pode desentranhar-se em folhagem abundante, mais ou menos clorótica, mais ou menos caduca, mas é escassa de frutos. Se o solo onde mergulha a raiz é irrigado por fluxos de verdadeira moral, a árvore vive e perdura; se o solo é constituído apenas pela rocha do egoísmo e o fluxo e a rega são apenas o da moral utilitária, a árvore nunca poderá produzir bons frutos, e muitas vezes os produz bem amargos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O solo onde se implanta a Constituição Portuguesa é do melhor que há, porque é a própria índole do bom e generoso povo português. O seu subsolo é constituído pelas virtudes ancestrais da raça, pela sua homogeneidade, pela unidade da língua e dos costumes, tudo isto caldeado e depurado ao longo de séculos de heroísmo e de dedicação patriótica; e o fluxo que tem irrigado este solo tem sido sempre o da moral cristã.
É, portanto, legítimo esperar e confiar, Sr. Presidente, que a árvore cuja raiz é a nossa Constituição possa produzir e haja de produzir bons frutos.
Porque duram e de que vivem as Constituições? perguntava em 12 de Dezembro o Sr. Presidente do Conselho.
E ele próprio respondia:
Vivem, em primeiro lugar, da adaptação do regime ao sentir e ao modo de ser dos povos e, em segundo lugar, da institucionalização dos seus preceitos, isto é, da extensão e intensidade com que os preceitos abstractos tenham entrado na vida real através do funcionamento, por assim dizer automático, dos órgãos ou serviços apropriados.
E dizia mais adiante:
Nesta orientação, afigura-se-me ser preferível que a Constituição e, portanto, as alterações constitucionais vão acompanhando a organização, que os maiores esforços se empreguem para a fazer progredir, senão para a completar.
Pois bem, Sr. Presidente, o meu apagado esforço neste passo visa precisamente a isso: a que se progrida em matéria de descentralização administrativa, como reflexo da maturidade política e social que a Nação Portuguesa atingiu durante estes vinte e cinco anos de uma era de progresso material e de não menor aperfeiçoamento moral e social; a que se complete e se integre de vez na vida nacional a fórmula positiva de organização das sociedades que é o corporativismo, como também disse o Sr. Presidente do Conselho, e, uma vez atingido o grau de perfeição que lhe conferirá o direito à sua autonomia essencial, ela possa viver com essa autonomia perfeitamente articulada, com a autoridade política concentrada nas mãos do Governo.
Visa a que a moralidade dos costumes públicos domine, irmanada com a moral cristã nos costumes privados.
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E, finalmente, que na parte orgânica da Constituição prevaleça inequivocamente o princípio da independência e da recíproca colaboração dos vários órgãos de soberania, cada qual com a sua competência nitidamente delineada, de forma a evitarem-se interferências de jurisdição ou interpretações depreciativas para a dignidade de cada um desses órgãos.
Eu não me empenharei a fundo, Sr. Presidente, na defesa dos pontos de vista que apresento nas minhas propostas de alteração. E se assim procedo é porque confio mais no valor intrínseco que lhes atribuo e que julgo terem do que propriamente nos meus dotes dialécticos para realçar esse valor e para dele convencer os meus ilustres colegas nesta Assembleia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: os princípios políticos que perfilho, o mandato que me trouxe a esta Assembleia e o que eu considero o interesse da Nação obrigam-me a subir a esta tribuna para formular algumas considerações sobre a proposta de lei referente à revisão constitucional.
Não há dúvida de que foi grande o interesse despertado no País em torno da expectativa de importantes modificações no estatuto político do Estado Novo.
É que ninguém de boa fé, quer seja partidário ou simpatizante da actual situação, quer seja indiferente ou adversário dela, aceita que o regime corresponda a uma solução definitiva do problema político português.
O próprio Sr. Presidente do Conselho escreveu, no prefácio à 4.ª edição dos seus Discursos; que ca Constituição de 1933 representa um estádio da evolução, mas não a solução definitiva».
Assim, as pessoas que por este problema se interessam - e são muitas, porque a nossa gente, chamada durante mais de um século a intervir amiudadas vezes nas mutações da vida pública, é visceralmente política - esperavam uma evolução do regime, num sentido ou noutro, mas um passo em frente ou um passo atrás.
Por exemplo: havia muito quem esperasse ver desaparecer do artigo 5.º a palavra que divide e que a sua redacção começasse simplesmente por estes termos: «Portugal é um Estado unitário e corporativo».
Havia quem aguardasse que a palavra «separação» fosse suprimida do artigo que se ocupa das relações do Estado com a Igreja. Havia ainda quem desejasse ver restabelecido o sistema de eleição do Chefe do Estado por sufrágio indirecto, isto é, pelas duas Câmaras em conjunto, como o preconizam, aliás, três Dignos Procuradores que subscrevem o parecer. Anunciavam-se mesmo largas modificações na composição e atribuições da Câmara Corporativa.
Mas nada disto sucedeu.
Até se acabou por verificar que a supressão do artigo 74.º, que prescreve a inelegibilidade dos parentes dos Reis de Portugal até ao 6.º grau para a Presidência da República, fora devida a lapso, que se tornou necessário corrigir.
E certo que, já a propósito desta revisão constitucional, o ST. Doutor Oliveira Salazar disse que as alterações propostas «pelo Governo não seriam profundas. Mas, apesar disso, deve-se reconhecer que houve decepção ao ser publicada a proposta de lei n.º 111.
Efectivamente, na proposta que está em discussão, exceptuando a matéria condensada no Acto Colonial, as alterações que aparecem são mais de forma que de fundo, como se observa no que se refere à definição do território nacional, à melhoria das classes sociais, ao direito ao trabalho, aos tribunais corporativos, etc., etc.
É de louvar - creio que nisto toda a Assembleia e o País estarão de acordo - o restaurar-se a designação de províncias ultramarinas e, consequentemente, a de Ministério do Ultramar, o que corresponde à nossa tradição e à realidade da unidade nacional; assim como a nova redacção proposta para os artigos 45.º e 46.º, quando se reconhece a religião católica como religião da Nação Portuguesa e se dá especial relevo à Igreja Romana em relação às outras confissões religiosas, se bem que tais modificações não satisfaçam plenamente a consciência católica da grande maioria dos Portugueses.
Devo desde já dizer que nesta matéria subscrevo as considerações do parecer subsidiário apresentado pela secção de Interesses espirituais e morais.
Sr. Presidente: ao anunciar-se, no consulado de Sidónio Pais, a discussão da Constituição presidencialista, António Sardinha, então Deputado, escreveu estas palavras:
Convocados para uma Câmara com poderes de revisão constitucional, nós monárquicos, nada temos que colaborar na Constituição da República. Só nos cumpre acompanhar a discussão, denunciando os vícios orgânicos de que fatalmente enfermará e pondo a toda a hora em ressalva os princípios que formam a herança gloriosa da Monarquia em Portugal.
Reconhecemos que as circunstâncias de hoje são bem diferentes das de 1918, mas a verdade é que, em tese, as disposições constitucionais abrangidas no título II, que se denomina «Do Chefe do Estado», e particularmente as dos artigos 72.º da Constituição e 10.º da proposta, não podem interessar aos monárquicos, visto que, por princípio, só aceitam a chefia do Estado hereditária e legítima, isto é, que entronca, segundo a ordem da sucessão, na dinastia admirável dos nossos Reis.
Por mim, desde já declaro - visto não ser permitida, a abstenção nem a declaração de voto senão em votação nominal - que a atitude que na altura própria tomar representará que pretendo abster-me de votar aquele artigo.
Mas ocupo-me dele para tirar as ilações que, em nome da política da verdade, entendo deverem ser presentes neste momento.
É facto que a «questão de regime não está posta»; e que os monárquicos a não querem pôr deduz-se da sua atitude de colaboração com o Governo de Salazar, da atitude com que têm contribuído para as sucessivas reconduções do Sr. Presidente Carmona e, acima de tudo, deduz-se das declarações publicamente feitas pelo lugar-tenente de Sua Majestade o Senhor D. Duarte.
Há, porém, que distinguir.
A questão de regime não está posta se tomarmos esta expressão no seu sentido restrito; mas está posta no seu sentido lato, porque - não fujamos às realidades - o problema político em Portugal continua por resolver.
A prova de que o problema está posto, e está, portanto, por solucionar, são as múltiplas tentativas que desde 1926 se têm feito para evitar que o Estado esteja à mercê, já não digo só doa golpes de estado mais ou menos constitucionais, mas à mercê daquilo que a actual situação herdou da República de 1910, daquilo que, afinal, é a essência do regime republicano.
Dentro da nova ordem política procurou-se - e muito bem - preservar o chamado Poder Executivo das oscilações caprichosas, e tantas vezes interesseiras, das votações da Assembleia Legislativa.
Encontrou-se maneira de evitar a existência constitucional de partidos políticos, que há vinte anos não
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existem nesta Câmara. Tem-se defendido a chefia do Estado das mutações periódicas a que dão lugar as eleições presidenciais, sejam de quatro
Agora pretende-se garantir uma certa unidade, digamos mesmo uma espécie de continuidade, à função presidencial, excluindo-se de poderem «propor-se ao sufrágio os candidatos que não ofereçam garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consignados na Constituição», e dando-se ao Conselho de Estado competência para aprovar ou rejeitar as candidaturas.
Mas tudo isto - salta bem à vista - são expedientes, dos quais se lança mão para remediar um mal a que não se quer pôr cobro. Ora esses expedientes têm um limite.
O Estado Novo é uma construção sólida nos seus Princípios, que procura identificar-se com o imperativo das instituições naturais e tradicionais da Nação Portuguesa. Muito já ele tem feito - além dos benefícios de ordem material- no sentido de disciplinar a consciência colectiva, de revigorar o espírito nacional e de o expurgar dos vícios emolientes de um século de liberalismo. Mas a construção está incompleta: falta-lhe a cúpula que feche o edifício, o fortaleça, o preserve de se desmoronar, e sem a qual não poderão realizar-se integralmente aqueles princípios orientadores.
O facto de a chefia do Estado estar ocupada há vinte e cinco anos consecutivos pelo Sr. Marechal Carmona, colocado à testa da Revolução pelo Exército e com qualidades excepcionais que o tornam respeitado de todos os Portugueses, é mais um motivo para se reconhecer como é frágil e incongruente o fecho institucional que, independentemente do mérito das pessoas, se deu paradoxalmente ao chamado Estado Novo. Não esqueçamos as dúvidas, as (perturbações e os perigos a que, justamente por causa dessa fragilidade, a vida do novo Estado esteve sujeita.
Não me vou espraiar em considerações de filosofia política, que seriam inoportunas; cinjo-me aos elementos que o próprio problema da revisão constitucional, tal como se apresenta, nos fornece.
A condenação da magistratura temporária e electiva da chefia do Estado encontra-se implícita na proposta de lei governamental, encontra-se na excelente argumentação do parecer da Câmara Corporativa e encontra-se* na própria evolução da vida política do Estado desde a Revolução de 1926 até agora.
Bastará atentar no § 1.º do novo artigo 72.º da proposta para se ver como ele procura remediar com novas precauções todos os inconvenientes da eleição por sufrágio, quer universal quer restrito, para a suprema magistratura do Estado.
Como lhe faltam a .permanência e a continuidade, que só o carácter vitalício e hereditário da instituição lhe pode dar, recorre-se à intervenção dum órgão à margem - o Conselho de Estado -, a quem se dão funções extraordinárias que quase reduzem o mito da escolha pelo voto individualista a uma simples designação de pessoa.
Isto não é só uma restrição, mas uma contradição ao genuíno princípio republicano. E depois será um meio precário e muito contingente. Lembremo-nos de que o Conselho de Estado de 2 de Fevereiro de 1908 muito contribuiu para se dar mais um passo a caminho da República. Quem pode garantir que amanhã não sucederá o mesmo?
O parecer da Câmara Corporativa no que se refere aos artigos 72.º e seguintes é -talvez sem querer, mas a verdade impõe-se aos homens de boa vontade - uma lição eloquente, uma afirmação irrefutável da superioridade da Realeza.
Nele se põem em foco todos os graves inconvenientes da eleição popular, directa ou indirecta, assim como da escolha pelas assembleias legislativas. Não vou reler a matéria que se contém nos n.ºs 26, 27 e 28 do notável documento. Estou persuadido de que VV. Ex.ªs, que o leram, não puderam deixar de chegar a conclusões semelhantes às minhas.
Finalmente, a observação imparcial do que se tem passado desde que o Sr. Marechal Carmona assumiu as altas funções que hoje ocupa leva-nos a reconhecer:
1.º Que S. Ex.ª foi elevado a elas por escolha do Exército, como já disse, e não por um acto de sufrágio ;
2.º Que as eleições septenárias, que o têm conservado naquele posto, têm sido mais uma formalidade de confirmação do que uma eleição propriamente dita - e ainda bem -, porquanto nunca houve escolha, visto que a sua candidatura nunca teve concorrentes;
3.º A Presidência do Sr. Marechal Carmona constitui assim um exemplo único no Mundo, creio, pois não me consta que haja ou tenha havido Presidente da República que se mantivesse durante vinte e cinco anos consecutivamente no Poder. Estamos em face, afinal, de uma magistratura vitalícia de facto e muito duvidosamente electiva.
Tudo isto significa que o «país legal» não está ainda identificado com o «país real», embora procure atingi-lo. I! porquê?
Por três razões: porque o sistema é mau e, portanto, é preciso iludi-lo; porque o País, apesar de dezasseis anos de república demagógica e de vinte e cinco anos de república contorcida e atenuada, não consegue adaptar-se a ela; porque o Estado Novo, ao pretender fazer política nacional, se vê inevitavelmente impelido a fazer política não republicana.
Só a Realeza - que enferma apenas dos vícios inerentes à condição humana - corrige todos aqueles inconvenientes. E, por ser uma instituição não artificiosa, como a que assenta no absurdo do sufrágio político igualitário, mas filha da própria evolução natural da sociedade, é, por experiência e por definição, lógica, inteligente e legítima.
Sr. Presidente: as Constituições, que se adaptam realmente à idiossincrasia dum povo, são feitas pela natureza e pela história.
Seis séculos durou a Constituição não escrita da Monarquia Portuguesa. Por serem contrárias à natureza e à história, soçobraram rapidamente as de 1822, 1838 e 1911.
Subsistiu durante setenta e seis anos a Carta Constitucional, porque procurou ainda um pouco adaptar-se aos imperativos da nossa índole e representou mais uma transigência com o mal da época do que uma exaltação dele.
E, no entanto, que perturbações não provocou a sua aplicação, digamos a sua inadaptabilidade ao portuguesismo das nossas instituições! Viu-se como acabou.
Era um modelo estrangeiro, que veio espartilhar Portugal no figurino generalizado na Europa do século XIX. Estas generalizações, muitas vezes inevitáveis, são sempre contraproducentes.
É muito outra a génese da Constituição de 1933. Reacção contra os erros que a Revolução Nacional de 28 de Maio conseguira varrer sem remissão, ela reflecte no entanto as indecisões duma situação política que nascera dum acto negativo e que mal começara a definir-se nas suas linhas gerais. Estava-se em face dum regime que ainda não tinha história.
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Mas hoje, decorrido um quarto de século de vida nova, a Nação não pode deixar de reconhecer a incongruência e o perigo que representa deixar-se em aberto o magno problema da chefatura do Estado.
Como me parece ter demonstrado, a Constituição Política actual, com ou sem as alterações que se propõem, não está de harmonia com a própria vida real do regime. Foi ultrapassada. Há que ajustá-la à linha mestra da nossa evolução histórica.
Há que legislar para o dia de amanhã.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: não vou fazer considerações em profundidade, pois não estava preparado para elas, mas a verdade é que se trouxe a discussão para o terreno político do regime. E nesta Casa procuro não vincar o meu idealismo. Porém, o discurso do Sr. Deputado Caetano Beirão provocou a minha réplica imediata de improviso.
O Sr. Carlos Moreira: - E que é esta Câmara senão uma assembleia política?
O Orador: - A assembleia é política, sim, mas o problema do regime não foi posto nesta revisão constitucional. Por isso a minha intervenção, que regimentalmente vou esgotar agora, far-se-ia em torno do problema da liberdade e da eleição presidencial.
Agora vou ocupar-me exclusivamente da resposta ao discurso do ilustre orador que me antecedeu na tribuna ..., por menos que a considere apenas como um desabafo idealista.
Confunde o Sr. Deputado Caetano Beirão a monarquia com a história de Portugal e o princípio de hereditariedade, biológica e psicológica, com o fundamento seleccionador da chefia do Estado. Os regimes põem-se um pouco em torno dos homens; não têm virtudes por si próprios. A história justifica a monarquia?
Os regimes valem pelas elites de que se rodeiam. O principio da hereditariedade joga indiscriminadamente: ora justifica a monarquia para os bons reis, ora a condena para os maus.
O conjunto das instituições é que nesse momento valorizavam social e politicamente a monarquia. Deslocar essas instituições da época em que viveram, colocá-las em face do ambiente económico e social do momento, eis toda a dificuldade da actualização do argumento histórico do Sr. Deputado Caetano Beirão. Quando condena a república fá-lo com argumentos que atingem apenas a sua fórmula parlamentar. Não ataca a república, ataca o parlamentarismo. Nem mesmo, no fundo, ataca o parlamentarismo, ataca a sua caricatura.
Para o Sr. Deputado a monarquia liberal, a monarquia inglesa, as monarquias do Norte da Europa seriam defensáveis por serem monarquias ... mas no fundo da sua consciência seriam condenáveis por serem parlamentaristas.
Como quer a sua monarquia? Que esquema quer para as suas instituições? Portugal tem vivido em república, embora pese ao meu ilustre antagonista. E não negará que se tem realizado uma extraordinária obra de renovação, sem necessidade de uma restauração.
O Sr. João Ameal:-Até agora.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª entende que estava tudo tão certo que não foi preciso pôr de lado a maior parte das razões e fundamentos políticos que vigoravam em Portugal em 1926?
O Orador: - O que estava em crise nessa ocasião era o parlamentarismo, não era a monarquia nem a república. Ora o nosso colega que me antecedeu trouxe aqui a questão da monarquia e república.
Eu não admito esse problema. Se o querem encarar; façam-no abertamente, tomem as responsabilidades políticas inteiras.
A reforma constitucional que se projecta deixa de lado a questão do regime. O regime não é uma questão mágica que tudo resolve.
As instituições da monarquia absoluta, que são para o orador as que têm originalidade histórica e que são de aproveitar - repare-se bem que faço inteira justiça de que não quer aproveitar a monarquia absoluta, mas simplesmente a orgânica da sua representação -, são as que se deveriam traduzir em expressões constitucionais.
Mas a actualização dessas expressões é a quadratura do círculo ... monárquico. -
A varinha mágica monárquica resolve todos os problemas económicos e sociais, tem já fórmulas adequadas para todos, mas renega a obra da república nestes últimos vinte e cinco anos ? Essa obra não tem sido tratada com cuidado, que faça esquecer as tais teóricas vantagens da monarquia? Essa obra não tem sido uma sequência rápida, uma lógica económica?
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Ao retardador ...
O Orador: - Será ao retardador, mas politicamente, porque económica e socialmente - digo-o porque tenho autoridade para o afirmar, pois bastas vezes tenho criticado essa obra - algo se realizou.
O Sr. Mário de Albuquerque: - V. Ex.ª está a esgrimir contra si próprio, porque o Sr. Deputado Caetano Beirão não disse o que V. Ex.ª lhe está a atribuir.
O Orador: -Eu aceito a procuração de V. Ex.ª ...
Mas, continuando, direi que não tenho qualquer responsabilidade política, marco apenas a minha posição pessoal. Eu não tenho responsabilidades do Poder, mas vim a esta tribuna para marcar o ponto de vista da minha consciência republicana.
Todavia, o Sr. Deputado Caetano Beirão disse que a questão do regime estava posta no sen sentido lato e apresentou provas tendentes a fazer essa demonstração.
Ora as vantagens de que desfrutamos actualmente - e não são pequenas - não as devemos à monarquia, mas sim ao regime actual.
Assim, entendo que o problema não se resolve pelo facto de se substituir o presidente da república por um monarca.
E não é com este argumento, de quase homem da rua, digamos assim, que a maioria monárquica que se esboça nesta Casa, pelos apartes e pela forma como são apoiados, deveria talvez encarar o assunto.
Quando a União Nacional fez a escolha de VV. Ex.ªs não procedeu com a ideia de trazer a esta Casa uma maioria monárquica, mas sim de que nela tivessem representação pessoas que tivessem valor e possuíssem importância local.
Foi, pois, uma série de circunstâncias políticas ocasionais que trouxe essas pessoas monárquicas a esta Assembleia.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Como é que V. Ex.ª está a falar de maioria ou minoria monárquica quando é certo que, quanto eu sei, não houve nenhum Deputado eleito porque era monárquico?
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O Orador: - Mas isso foi exactamente o que eu já afirmei.
O Sr. Mário de Figueiredo: - As palavras têm o seu valor e as suas repercussões.
Não pode razoavelmente uma pessoa responsável falar aqui na Câmara de minoria ou de maioria monárquica, porque não está aqui nenhum Deputado, repito, que tenha sido eleito por ser monárquico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: -Mas há monárquicos que foram eleitos Deputados.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pois há! Isso não inutiliza o que acabei de afirmar.
O Orador: - A interrupção de V. Ex.ª não só me honra como me permite traduzir o meu pensamento por palavras mais claras, mas parece-me que o discurso do orador que me antecedeu permite, pelo menos, excepcionar.
V. Ex.ª tem toda a razão; e esse é o aspecto em que eu próprio me coloco, perfilhando plenamente o seu esclarecimento, e pena tenho de que as minhas palavras não correspondessem tão perfeitamente à minha ideia, que era exactamente a exposta pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Estamos aqui, evidentemente, não para pôr problemas de ordem política de regime, mas para pôr problemas de ordem nacional ou constitucional que não se prendam com o regime.
Não foi em desagravo pessoal das afirmações feitas pelo Sr. Deputado que me antecedeu, e por quem tenho feito a demonstração da minha estima e admiração, que subi a esta tribuna; mas sim porque não podia deixar de esclarecer e vincar que o problema político do regime não estava em causa.
Considero o discurso do ilustre Deputado como um desabafo muito natural de quem tem nobremente as suas ideias e as defende, e a minha resposta é outro mero desabafo; mas espero que a questão ficará por aqui. O País precisa de viver horas tranquilas em torno da vastidão dos seus problemas económicos e não ter de entrar em estéreis lutas políticas. Por isso dou por terminada esta minha intervenção, reservando-me para usar da palavra na especialidade, embora não quisesse deixar de esclarecer este ponto com este meu pequeno aparte... muito republicano.
O Sr. Morais Alçada:-Muito nacional.
O Orador: - Exactamente. E fi-lo em forma de discurso para muito lealmente não ter de perturbar a exposição que o Sr. Deputado Caetano Beirão entendeu neste momento fazer à Câmara das suas ideias políticas.
Esgotei, por consequência, o meu direito de usar da palavra na generalidade. Não me arrependo disso como republicano, mas como constitucionalista e como parlamentar sinto um certo remorso de ocupar com este incidente por tanto tempo a Assembleia.
Na especialidade terei ocasião de expor em relação a cada um dos artigos qual o meu modo de ver.
O Sr. Mário de Albuquerque: - A todos?
O Orador: - Aqueles que entenda necessário.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Desejaria que fosse a todos, pelo prazer que tenho de o ver sempre nessa tribuna.
O Orador: - Muito obrigado; é uma opinião apenas filha da sua amizade e estima e tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã continuará, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
Artur Proença Duarte.
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António de Almeida.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Vilar.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Propostas enviadas para a Mesa, no decorrer da sessão, pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral:
Propostas de emenda:
Proponho que ao n.º 3.º do artigo 6.º da Constituição seja dada a seguinte redacção:
Zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas, garantindo-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana.
Proponho que seja transposto do título VII para o artigo 8.º do título II do texto constitucional a doutrina do actual artigo 28.º
Proponho que seja mantida a actual redacção dos artigos 45.º e 46.º do texto constitucional.
Proponho as seguintes alterações ao artigo 72.º:
Art. 72.º O Chefe do Estado é o Presidente da República, eleito por sete anos, improrrogáveis, e
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por sufrágio dos conselhos municipais de todo o território da República Portuguesa!
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§ 2.º A eleição realiza-se no domingo mais próximo do 60.º dia anterior ao termo de cada período presidencial.
§ 4.º Se, em consequência de guerra, for impossível a convocação dos colégios eleitorais na data resultante da aplicação do disposto no § 2.º, far-se-há essa convocação logo que cessem as razões de força maior, considerando-se prorrogadas as funções do Presidente até que tome posse o seu sucessor.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Abril de 1951. - O Deputado, Joaquim Mendes do Amaral.
Proposta de aditamento:
Proponho que se adopte para o artigo 93.º a redacção proposta pela Câmara Corporativa, com os seguintes aditamentos :
Na alínea b) acrescentar as palavras «de utilidade» a seguir à palavra «empresa».
Na alínea e) acrescentar: «a sua incidência, as isenções a que haja lugar e as reclamações e recursos admitidos em favor do contribuinte».
§2.º A cobrança de impostos estabelecidos por tempo indeterminado ou período certo que ultrapasse uma gerência depende do autorização da Assembleia Nacional.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Março de 1951: - O Deputado, Joaquim Mendes do Amaral.
Proposta de substituição e eliminação:
Proponho que no artigo 98.º e § único seja substituída a palavra «projectos» pelas palavras «leis e resoluções» e eliminadas no corpo do artigo as palavras «como lei».
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Abril de 1951. - O Deputado Joaquim Mendes do Amaral.
CÂMARA CORPORATIVA
Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes
Acórdão n.º 17/V
A Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, eleita na sessão preparatória de 25 de Novembro de 1949, no uso da competência atribuída pelo artigo 106.º da Constituição Política, e tendo em vista o disposto no Decreto-Lei n.º 29:111, de 12 de Novembro de 1938, e bem assim o disposto no artigo 7.º e seus parágrafos do Regimento desta Câmara, reconhece e valida os poderes como Digno Procurador ao Sr. Mário Luís de Sampaio Ribeiro, presidente da comissão administrativa do Sindicato Nacional dos Músicos, o qual foi designado pelo conselho corporativo, em reunião de 9 de Março findo, para preencher a vaga ocorrida na secção de Belas-artes, por virtude da exoneração do Dr. Alberto Pena Monteiro do cargo de presidente da comissão administrativa do mesmo Sindicato, como consta da cópia da respectiva acta enviada a esta Câmara. (Docs. 57 a 60).
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 3 de Abril de 1951.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Adolfo Alves Pereira de Andrade.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Tomás de Aquino da Silva.
Virgílio da Fonseca.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA