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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

ANO DE 1951 7 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 94, EM 6 DE ABRIL

Presidente:. Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente comunicou, que recebera, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 38:216.
O Sr. Deputado Bustorff da Silva comentou os discursos proferidos numa reunião, em 13 de Fevereiro passado, na qual usara da palavra o administrador-geral dos Correios Telégrafos e Telefones e mandou para a Mesa um requerimento.
O Sr. Deputado Armando Cândido perguntou ao Sr. Presidente ao tencionava marcar ainda na actual sessão legislativa o seu aviso prévio sobre a colonização e a emigração.
0 Sr. Deputado Mascarenhas Galvão ocupou-se da reforma pautal posta em vigor em Moçambique em 1 de Março de 1961.

Ordem do dia. - Continuou o debate, na generalidade, acerca das propostas de lei de alteração à Constituição Política e ao acto colonial.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Abel de Lacerda, João Ameal e Vaz Monteiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se á chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Início Ferreira.

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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Telas de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro Salvador Nuno Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires. Vasco Lopes Alves.

0 Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

0 Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.0 da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 66, do 5 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 38:216.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Bustorff da Silva.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: na sessão de 28 de Fevereiro próximo passado requeri que a S. Ex.ª o Ministro das Comunicações fosse solicitada a rápida remessa dos discursos proferidos numa reunião levada a efeito na Sala Algarve, da Sociedade de Geografia, em 13 daquele mês, na qual usara da palavra o funcionário que dirige os CTT.

O Sr. Salvador Teixeira:- V. Ex.ª dá-me licença?
Peço a V. Ex.ª se digne esclarecer se essa sessão foi pública ou privativa dos CTT.

O Orador: - Estavam pessoas estranhas aos CTT a assistir a essa reunião.

O Sr. Salvador Teixeira: - Muito obrigado a V. Ex.ª

O Orador: - Só há pouco tive a informação de que esteve finalmente satisfeita a rápida remessa do discurso aludido!
Ao tomar conhecimento do respectivo texto, não posso calar os comentários que sou forçado a, acto seguido, fazer:
No papel que vou ler a parte que interessa tem o título de "charla", palavra com ressaibos meio espanhóis, meio italianos, que Cândido de Figueiredo diz, no seu dicionário, significar "conversa à toa" o "charlador é aquele que "charla".
Português de nascimento, inalterável o permanentemente português nos 56 anos que levo vividos, fujo quanto posso destas mistelas de linguagem hispano-italianas prefiro atar-mo ao significado nacional do termo.
V. Ex.ªs vão, portanto, permitir que lhas leia rapidamente as cento e tantas linhas da conversa à toa do funcionário de que se trata. E leio-as na integra, para que não percam o sabor ...
Leu.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, VV. Ex.ªs recordam-se, e o texto do Diário das Sessões n.º 62, de 14 de Dezembro último, avivará a memória de quem estiver
esquecido, de que na intervenção que então me fez subir á tribuna obedeci ao escrupuloso cuidado de citar números, abonar-me com a transcrição do passos o contas destacados das publicaç5es oficiais, estabelecer os factos antes de tirar ilações e abster-me de adjectivações ou palavras redundantes, tal a gravidade e a evidência dos factos apontados.
Como o autor da conversa à toa reconhece logo no início das suas referencias, as críticas "de um Sr. Deputado" tiveram um aspecto de objectividade que (acrescenta) pode enganar os incautos". Pode?
Vejamos, já que assim se quer, quem deve envergonhar-se dessas possibilidades: se a intervenção, se a conversa à toa.
A única forma de impedir possíveis enganos seria opor números a números, factos a factos, descobrir erros e rectificá-los.
Teria sido nestes termos que foi contestada ou destruída a minha crítica objectiva?
Como se procedeu para que os incautos não pudessem ser enganados?
Demonstrando o charlador a inexactidão dos números, contas ou passagens reproduzidos na intervenção?
Acusando e emendando erros de facto; substituindo as cifras inexactamente citadas por cifras verdadeiras?
Nada disto!
Na lamentável conversa à toa de que acabamos de tomar conhecimento não se descortina uma razão de convencer, a demonstração de um erro, uma resposta objectiva a reparos feitos com reconhecida objectividade.
Palavras, palavras e só palavras, nas quais o conversador à toa assume posturas de censor autoritário, defendendo-se com a aprovação ou as autorizações do Governo precisamente aos actos que sugeriu ou praticou, de que foi autor moral e material confesso, e que justificaram as minhas apreciações e as severas medidas reclamadas e aprovadas pela unanimidade da Assembleia Nacional!
Sr. Presidente: numa assembleia constituída por duas centenas de funcionários tocados pelo complexo das suas posições hierárquicas admito que seja possível que o gritar das expressões usadas na conversa à toa tenha cansado impressão ... momentânea.
Mas para quem compare com seriedade a intervenção o os arremedos da conversa à toa que intentou atacá-la o sentimento é de profunda piedade.
que eu principiara por fazer a referência expressa A elaboração de certos orçamentos "com verbas de receitas .. . consciente mas artificiosamente fixadas, a fim de se estabelecer um plafond, por debaixo do qual era possível levar a cabo tudo, mas absolutamente tudo que mais autonomíssimas ganas de certos dirigentes de servi-

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gos autónomos, ou com autonomia administrativa, pudesse caber. E, logo adiante, li o mapa n.º 1, no qual se verifica de ano a ano, desde 1937 a 1948 (excepção feita apenas de 1941), que as receitas. dos CTT tinham sido calculadas por excesso. E que excesso! Desde 6:659 contos em 1937 a 101:308 contos em 1947 e 83:295 em 1948.
Esta prática - não o disse então expressamente, mas proclamo-o agora, sem receio de refutação - cabia em cheio nas severas cenouras destacadas de passagens de discursos de S. Ex.ª o Presidente do Conselho reproduzidas no mea discurso (Diário das 8e880e8 n.º 62, p. 165). A primeira, extraída do discurso de agradecimento às câmaras municipais em 21 de Outubro de 1929:

Se temos um orçamento equilibrado, mas as receitas foram avaliadas em mais e as despesas foram artificiosamente reduzidas abaixo do que hão-de ser, temos a mentira das previsões.

A segunda, reproduzida do relatório do orçamento de 1928-1929:

O orçamento que se apresenta não resultou de artificiosas combinações: é o que sinceramente se espera que seja.

E então, admitindo,- embora com generosa benevolência, que, ao orçamentar as receitas dos CTT para 1937 em mais 6:659 contos do que as a final liquidadas, o conversador da conversa à toa o fizera na sincera persuasão de que as suas previsões viriam a ser confirmadas pelos factos, já não podíamos deixar de ser implacavelmente impelidos a condenar à face da moralíssima lição do Sr. Presidente do Conselho e a classificar de mentira das previsões a pertinácia e a teimosia na exagerada e artificial orçamentação das receitas posta em prática nos onze anos seguintes!
Não será mentir nas previsões, depois da lição e da experiência do exercício anterior, calcular em mais 15:003 contos do que as despesas a final liquidadas as orçamentadas para 1938?
Não será mentir nas previsões repetir o erro em 1939, orçamentando em mais 12:073 contos as receitas a final liquidadas?
Não será mentir nas previsões persistir neste erro em 1942, por exemplo, com uma diferença já de 36:169 contos para menos entre as receitas 1iquidadas e as orçamentadas ?
E como em 1943 a diferença foi de 48:857 contos para menos, em 1944 de 26:779 contos para menos, em 19-1,15) de 39:955 contos para menos, em 1946 de 54:130 contos sempre para menos, entre as receitas liquidadas e as orçamentadas - que adjectivação merece, que extensão se há-de atribuir à mentira das previsões que se sublima no orçamento de 1947, em que a diferença das despesas orçamentadas em relação às liquidadas ascende a um deficit de 104:3108 contos, ou em 1948, em que o deficit atinge 83:2% contos ?
Estilo errados estes números?
Enganou-se com eles "um Sr. Deputado" ou pretendeu enganar quem quer que seja?
Desafiamos quem argumente a sério ou converso á toa a que o demonstro, se é capaz!
Mas não!
Impedido de contestar os números apontados no mapa n.º1 - todos extraídos de elementos oficiais -, o improvisador da conversa à toa perde tempo e não consegue iludir os que o ouviram ou leram, supondo fácil destruir a força probatória dos algarismos com afirmações de um autoritarismo ridículo ou impertinências que não podem atingir o alvo!
Repito: repto-o a que aponte a menor inexactidão nas verbas que mencionei para basear as criticas ao imperdoável erro de todos os anos se orçamentarem cons. cientemente em excesso as despesas dos CTT, para, a final, se apurarem enormes deficit8 na respectiva liquidação. Repto-o!
E perco-me de riso ao verificar que, como única resposta a arguição tão grave, na conversa à toa deparo cora estas expressões intimativas das avaliações das receitas não são exageradas; são o que devem ser"; e toca a procurar abrigo na aprovação de ano para ano alcançada do Governo ...
" 0 que devem ser " ? A que título ? Porque quem conversou à toa entendo, em seu alto e inatacável critério, que se tem de admitir que sejam? Perdoe-se-lhe a resposta ...
Porque é errada a afirmação do Sr. Presidente do Conselho no sentido de que há mentira nas previsões quando se calculam receitas em mais OU despesas artificiosamente a menos?
Porque os orçamentos devem ser elaborados com a previsão de receitas consabidamente em excesso, criando-se o tal plafond por debaixo do qual todos os artifícios são possíveis o orçamentando-se com a certeza antecipada de que se caminha para um deficit nas contas de exploração e correspondentes a encargos para o tesouro?
Notem VV. Ex.ªs bem: e correspondentes encargos para o Tesouro ...
É isto, são estas enormidades que em ar dogmático e conversa á toa se ensina a dezenas ou centenas de funcionários dos CTT, através das palavras de um improvisador categorizado?
Valha-nos Deus!
E, positivamente, a falsa violência dos arrebatamentos verbais da charla - perdão: da conversa à toa em parte de noite de 13 de Fevereiro- quase não merece que percamos mais tempo com ela ou com o charlador que a improvisou.
Sr. Presidente: é certo que, com uma insistência que deixa adivinhar o anseio de transferir para terceiros responsabilidades próprias, o conversador da conversa a re me estou atendo invoca a aprovação do Governo: o Governo aprovou; o Governo pos o visto; o Governo aceitou!
Profunda o continuada demonstração de ignorância acerca das atribuições desta Assembleia e daqueles que têm a honra de a constituir!
Aprovados, aceites ou ratificados quaisquer erros pelo Governo, à Assembleia Nacional e a cada um dos seus Deputados cabe o direito - e mais que o direito: o dever - de os acusar, demonstrar e fazer remediar.
Todavia, o que ja não teia perdão é que o conversador da conversa à toa tenha afirmado que são de sua iniciativa as avaliações das receitas para os orçamentos e, cumulativamente, intente proteger-se com o visto aposto em. orçamentos que afinal não foram vistos ou com a aceitação pelos Ministros de cálculos de que, bem feitas as contas, ele, charlador de 13 do Fevereiro, foi o verdadeiro e único autor.
Isto não se comenta nem se adjectiva; destaca-se singelamente da conversa à toa, a fim de se por a nu a autoridade para acusar daquele que a improvisou.
E mais:
Como resultado prático das previsões do receitas e dos vistos o das aprovações obtidas do Governo, nada melhor do que transcrever do Guia Oficial dos CTT de Junho de 1948, p. XI, os seguintes passos de declarações do seu correio-mor:

Fora dos planos comprou casas, máquinas, acessórios, material, e no fim de cada ano tinha sempre umas folgas que lhe permitam capitalizações razoáveis, levando assim uma vida de desafogo e progresso.

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ou, mais adiante:

Houve anos em que conseguimos capitalizar 40:000 contos e, se a memória me não falha, houve mesmo um ano em que nos foi possível chegar aos 60:000.

As "utilidades" do plafond a que fizemos referência são estas que espontaneamente foram confessadas; mas o que elas traduzem é fazer das regras de uma boa organização orçamental nem merece que se diga: impõe-se por si.
Sr. Presidente: mais duas ou três notas ainda, antes de concluir.
A p. 7 do texto da conversa à toa, imaginando-se que ela serviria para se transformar em juiz o que fora arguido, acusa-se o Sr. Deputado de ter revelado a sua profunda ignorância, tanto menos desculpável quando é um homem de leio, porque apontou a necessidade de os orçamentos dos UTT serem visados pelo Sr. Ministro das Finanças, e esta obrigação existe e se cumpro desde 1937, data em que foi publicada uma lei precisamente nesse mesmo sentido.
E as "considerações do Sr. Deputado revelam tanto de ignorância como de miopia". E to Sr. Deputado pretendeu enganar-nos ou se enganou".
Escuso de confessar que não me atingem as pretensões de remoque pessoal dos que se saciam em conversas à toa ao redor de intervenções que pratico nesta sala, no uso dos pleníssimos direitos que me assegura a alínea a) do artigo 89.º da Constituição.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Todavia, já que assim o quis, assim o tenha:
Sr. Presidente: modificar intencionalmente o que se 16 de uma intervenção publicada no Diário das Sessões, isto, sim, tem um classificativo que se não confunde nem com a falha de conhecimentos, nem com defeitos de visão, nem com intenções reprováveis.
Ora basta passar os olhos pelo texto da minha intervenção para se verificar que não reclamei o visto do Sr. Ministro das Finanças- simples formalidade sugerida na fase 2.ª da Lei n.º 1:959. Ao contrário %,a esse visto, simples forma de revelar que ao Ministro das Finanças foi dado conhecimento do orçamento dos CTT, "depois de aprovada a respectiva avaliação a distribuição pelo Ministro das Obras Públicas" (são estas as palavras da lei),'condenei-o precisamente porque sabia, que existia o como funcionava :
E pedi mais, muito mais, que a Assembleia Nacional por unanimidade aprovou, solidarizando-se com uma ignorância que inflama a conversa à toa de 13 de Fevereiro.
Na col. La da p. 163 do Diário das Sessões n.º 62 reclamei uma revisão - e não um simples visto! -, com efeitos prévios, acrescentando que ta verificação, digamos póstuma, da correcção ou deficiência de quaisquer contas reputo-a insuficiente".
E, para que não houvesse dúvidas, concluí enviando para a Mesa uma moção na qual esta Assembleia formulava o voto de que

... o Governo adoptará as medidas necessárias para assegurar a revisão prévia do Ministro das Finanças aos orçamentos dos organismos autónomos ou dotados de simples autonomia administrativa e aos fundos da administração autónoma, por forma a integrar os respectivos orçamentos nas mesmas regras que presidem & elaboração do Orçamento Geral do Estado e harmonizar as respectivas previsões com as possibilidades económicas do exercício a que se refiram.
VV. Ex.ªs - recordo mais uma vez, com justificada satisfação - honraram-me, aprovando por unanimidade esta moção!
Quem improvisou a conversa á toa teve de ler, necessariamente, o Diário das Sessões.
Lendo-o, não foi, consequentemente, por miopia, ignorância ou para se enganar que alterou tilo completamente o que dele consta.
Fê-lo com mira num alvo que deu o que se está vendo ...
Visto do Sr. Ministro das Finanças depois de elaborado o orçamento? Depois de "aprovada a respectiva avaliação o distribuição pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações"? Para quê se, além do mais, na conversa á toa se confessa que "com alguns Ministros nem sequer o orçamento se vês, bastando as memórias anualmente elaboradas?
Não!
De futuro - porque o Governo com certeza dará satisfação ao voto da Assembleia Nacional- o visto póstumo ... acabou. Economiza-se tinta.
Os orçamentos dos organismos autónomos hão-de ser previamente sujeitos a uma assegurada revisão do Ministério das Finanças o terão, não só de integrar-se nas mesmas regras que residem à elaboração do Orçamento Geral do Estado, como também de harmonizar as respectivas previsões com as possibilidades económicas dos exercícios a que se refiram.
Numa síntese: vida nova!
E porque no Orçamento Geral do Estado não se fantasiam sistematicamente as receitas com excessos de dezenas o centenas de milhares de contos, também nos futuros orçamentos dos CTT a experiência dos exercícios passados irá refrear os ímpetos de orçamentar por excesso as receitas a prever.
A par do exposto, na minha intervenção de pp. 164 e 165 do Diário, pelo menos por três vezes, citei e reproduzi bases da lei de 1937, que é a n.º 1:959. Na p. 165, col. 2.1, disse textualmente: "A Lei n.º 1:959 foi promulgada em 1937".
Logo, não é a ignorância de um homem de leis - que reiteradamente invocou o texto legal que se diz ignorado- que não merece desculpa, mas sim os que conversam à toa, inventando omissões inexistentes ou ndo ao invés o que tiveram de ler antes de ... charlar doesta feita tenho de servir-me do híbrido ... léxico).
Por último, Sr. Presidente, conversou-se sobre a demonstração por nós feita, sempre com base em números extraídos de documentos oficiais, que levavam à conclusão inatacável - porque não, foram destruídas as suas bases - de que o Estado, mercê do arranjo das contas dos CTT, vem recebendo muito menos do que o que lhe prometeu a base x da sempre referida Lei n.º 1:959, de 3 de Agosto de 1937.
E como se orientou a conversa?
Evidenciando erros de cálculo ou inexactidões de números?
Não, senhores! Quanto a cálculos ou quanto a números ... moita!
O que importa é dar a impressão de que se pode contra-atacar o adversário.
E vai daí surge o reparo de que seria mais prudente para o Sr. Deputado "não falar do que não sabe". E "não falar do que não sabe" por - pasmai, senhores! - estas duas razões fundamentalíssima:

Porque o Tesouro, voluntária e às vezes espontaneamente, tem abdicado dessas comparticipações a favor dos fundos especiais;
Porque os fundos especiais dos CTT ... constituem património do Estado.

Limito-me a transcrever as aberrativas doutrinas. Não as comento, não perco tempo a reduzi-las ao seu escan-

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daloso desacerto. Aponto-as à execração dos que conhecem o mérito e a necessidade de orçamentos, contabilidades e contas sérias. Basta para repúdio desta apologia das «contas de saco» numa conversa que, para corresponder aos méritos, muito justamente se classificou por termo sinónimo de conversa à toa.
Sr. Presidente: aos destemperos de linguagem - aliás usuais quando minguam as razões de defesa séria peço licença para não retorquir.
Não me atingem nem à Assembleia de que me honro de pertencer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E no que respeita à ameaça da Lei n.º 1:926, cá fico aguardando...
Além do mais, os princípios constitucionais e disciplinares aplicáveis são claros e terminantes. Mas não se encontram nessa lei.
Pela alínea a) do artigo 89.º da Constituição os Deputados são invioláveis pelas opiniões e votos que emitirem no exercício das suas funções, com as restrições constantes dos §§ 1.º e 2.º, descabidos na hipótese. E o artigo 23.º do Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis pune os que praticarem actos ofensivos da Constituição Política.
Não se invoca, todavia, a lei para reclamar sanções.
Para quê, se a pena máxima já não pode ser evitada! - a pena máxima que consiste em poder-se apontar a dedo o improvisador do discurso, cuja apreciação agora concluo, e dizer simplesmente que foi ele o autor daquela conversa à toa na noite de 13 de Fevereiro, na Sala Algarve, perante os seus subordinados dos CTT.
Nada mais, a não ser o requerimento que passo a ler:

Requerimento

«Estando a considerar a oportunidade de fazer discutir em aviso prévio a cada vez mais imperativa necessidade de integrar na regra da universalidade do orçamento, consignada no artigo 63.º da Constituição em vigor, os orçamentos ou contas dos, organismos autónomos ou dotados de simples autonomia administrativa, necessito que, com a possível urgência, me sejam fornecidos os elementos seguintes:

1) Relatório ou relatórios apresentados pela Administração dos CTT acerca dos serviços sociais deste organismo, com cópia integral dos mesmos e do despacho ou despachos proferidos por SS. Exa. os Ministros competentes e ou S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho;
2) Lista, devidamente especificada, das edições feitas pelos serviços culturais dos CTT, com a indicação dos respectivos títulos ou outra forma de identificação e datas, números de exemplares e custo de cada uma das edições;
3) Lendo-se no Gaia Oficial dos CTT de Junho de 1948, p. 11, que o administrador-geral declarou que:

Fora dos planos comprou casas, máquinas, acessórios e material e no fim de cada ano tinha sempre umas folgas, que lhe permitiam capitalizações razoáveis, levando assim uma vida de desafogo e progresso.

careço da indicação especificada:

a) De quais as casas, máquinas, acessórios e material adquirido fora dos planos, respectivas datas de adquisição e montantes despendidos;
b) De quais as capitalizações referidas no passo transcrito, exercícios a que respeitaram e respectivos montantes.

4) Lendo-se no mesmo Guia a afirmação de que:

Houve anos em que conseguimos capitalizar 40:000 contos e, se a memória me não falha, houve mesmo um ano em que nos foi possível chegar aos 60:000.

careço do esclarecimento de quais os anos em que houve capitalizações e montante exacto de cada uma destas capitalizações».

Sr. Presidente: não quero terminar sem agradecer a V. Ex.ª a generosidade de me permitir que prolongasse excessivamente estas considerações e agradecer aos ilustres Deputados a atenção com que me escutaram.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Salvador Teixeira: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pede a palavra sobre que assunto?

O Sr. Salvador Teixeira: - Desejava fazer um depoimento relativo ao assunto que acaba de ser versado pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva.

O Sr. Presidente: - Não tinha a palavra reservada para V. Ex.ª nesta sessão, mas na primeira sessão da próxima semana darei a palavra a V. Ex.ª

Pausa.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: como é do conhecimento de V. Ex.ª, anunciei, na sessão de 29 de Março de 1950, um aviso prévio sobre o processo demográfico português relacionado com a colonização o emigração, como fórmulas de escoamento.
Pedi a palavra apenas para perguntar a V. Ex.ª se tencionava marcar este meu aviso prévio para ordem do dia antes de terminada a presente sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Dados os trabalhos de que a Assembleia ainda tem de ocupar-se e o limitado tempo de que dispõe, é quase certo que o aviso prévio de V. Ex.ª não poderá ser efectivado neste final de sessão.

O Sr. Armando Cândido: - Muito obrigado a V. Ex.ª

O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Sr. Presidente: desde há um mês para cá a preocupação dominante dos colonos residentes em Moçambique é o aumento do custo de vida resultante da reforma pautai que começou a vigorar naquela colónia em 1 do mês que agora findou.
Noutros tempos mais atrás o agravamento dos 30:000 contos, segundo os optimistas, ou mesmo dos 60:000, segundo os pessimistas, que resultará das novas taxas e sobretaxas pautais passaria inteiramente despercebido do público, porque então os colonos ainda gozavam do invejável desafogo económico em que viveram durante muito tempo.
Mas agora, mercê de causas várias, que neste momento não interessa especificar, uma grande parte da população vive já a vida amargurada daqueles que passam privações.
Por mim penso que esta situação de dificuldades individuais é meramente acidental e transitória e que a sábia

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e patriótica política do Governo de Salazar, servida pelo admirável talento e larga experiência colonial de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, comandante Sarmento Rodrigues, a quem presto o tributo da minha adn1iraIio, com o valioso auxilio de S. Ex.ª o Governador-Geral da colónia, comandante Gabriel Teixeira, cujo dinamismo, servido pela sua brilhante inteligência, fé nos destinos de Moçambique, dedicação e amor ao povo que ali vive e trabalha, nunca será demais enaltecer e homenagear, saberão encontrar o por em vigor as medidas necessárias para melhor se aproveitarem as incomensuráveis riquezas daquela terra bendita, orientando, encorajando e protegendo o trabalho daqueles admiráveis colonos, que, animados de um alto sentido patriótico, estilo criando lá tão longo da Mãe Pátria um dos mais magnificentes o imorredouros padrões da glória eterna de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, embora pense assim, nem por isso as dificuldades deixam de existir no presente momento, o não há dúvida de que a reforma pautal agora posta em vigor veio agrava-las sensivelmente.
Por isso, em Moçambique não se fala noutra coisa, na rua o em casa, nos cafés, nos escritórios e nas repartições, nas cidades e nos campos, ou no mato, como por lá se diz.
Todos discutem, todos fazem contas, todos citam exemplos demonstrativos de que a reforma não realiza as nobres e patrióticas intenções de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, reveladas no preambulo do Decreto n.º 38:146, que pós a reforma em vigor.
E certamente alguma verdade existe nas muitas queixas que se ouvem.
Assim, por exemplo, as novas pautas têm um mecanismo diferente do das antigas, novos preceitos foram nelas estabelecidos, e tudo isto precisava de ser visto, ser estudado, pelos que têm de as aplicar e pelos que tem de lhes sofrer as imposições.
Mas não. Não se deu tempo para ver, o muito menos para estudar. A reforma foi publicada Boletim Oficial de 2 de Fevereiro, para entrar em vigor, como entrou, em toda a colónia em 1 de Março. E, assim, os mais afortunados tiveram uns escassos quatro ou cinco dias para ler, porque para estudar ninguém teve tempo. E a certos peritos da colónia o Boletim só chegou, com certeza, bem depois de a reforma ter entrado em vigor.
Creio que ninguém achará isto certo, a começar por S. Ex.ª o Ministro das Colónias.
Uma reforma precisa sempre de ser estudada, para ser bem compreendida e cumprida, e deve ter em conta as reacções do meio, para ser convenientemente acatada. Convém, por isso, cotejá-la, durante algum tempo, com o regime que vai caducar, para que a ela se adapte o pessoal que deve executá-la e para que ela melhor se adapte ao fim para que foi criada.
Como não se fez isto, cada cabeça dá sua sentença, as interpretações elo as mais variadas, os protestos surgem a cada passo e ninguém se entende.
Por outro modo se passariam as coisas se houvesse um período razoável para adaptação do meio à reforma e da reforma ao meio em que deve ser aplicada.
Consideramos agora que unia das mais importantes modificações foi a do desdobramento dos direitos alfandegários em taxas e sobretaxas.
É por meio da elevação das sobretaxas que se realiza a protecção das actividades produtoras, assim como é através da sua gradual redução ou suspensão total que se efectuam os desagravamentos exigidos pelas condições de ordem económica ou social, como se diz no preambulo do Decreto n.º 38:146.
Não levantou nenhuma objecção esta nova técnica de tributação, mas todos são concordes em reconhecer que dessa técnica não se tirará o proveito que ela pode dar o para que foi estabelecida se não se puser nas mãos do governador-geral da colónia o manuseamento das sobretaxas.
Parece que há dúvidas sobre se a lei permito aquilo que todos reconhecem como coisa indispensável para tirar da reforma o proveito que ela pode dar. Mas, se a lei actual não permitir isso, que é bom o todos querem, é evidente que pode fazer-se uma lei nova para dar remédio a esse grande mal.
O que é preciso, acima de tudo, é dar plena eficiência à reforma. Senão, não valia a pena fazê-la.
Têm as novas pautas, como não podia deixar de ser, o louvável intuito de proteger s% produtos fabricados na metrópole, para o que se baixaram os direitos que esse produtos devem pagar ao entrarem em Moçambique, elevando-se os direitos dos similares estrangeiros.
Convencemo-nos, porém, de que. o assunto não foi convenientemente estudado, pois, se ao preço de casto de alguns produtos metropolitanos juntarmos o frete, seguro, direitos e restantes despesas, esses produtos chegam a Moçambique mais caros do que idênticos produtos estrangeiros, apesar de terem sido agravados os direitos que estes devem pagar. Conclusão prática: agravou-se o custo da vida, pelo agravamento do preço da mercadoria estrangeira, sem benefício para o produto nacional, que continua a não entrar em Moçambique na quantidade desejada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De resto, por via de regra, o produto metropolitano só vai para Moçambique sob a protecção do regime de contingentes. Mas, sendo assim, não é preciso elevar os direitos dos produtos estrangeiros, sujeitos ao regime de contingentes, porque isso só redunda no agravamento do custo de vida da população moçambicana.
E vem a propósito dizer que bastantes produtos metropolitanos não são consumidos em Moçambique, não só pelo seu elevado preço C. I. F., como também pela sua má qualidade e até deficiente apresentação.
Conviria muito que os industriais metropolitanos se deslocassem a Moçambique para verificarem que encontram ali uma população europeia o até indígena familiarizada com o que tem de bom.
É inútil, por isso, tentarem mandar para lá o que não presta. Isso só serve para desacreditar a indústria metropolitana, quando ela está a fazer um admirável esforço de ressurgimento, que bem merece uma melhor propaganda.
0 clima de Moçambique, embora tenha melhorado consideravelmente, é ainda depauperante, como todo o clima africano, pelo que a saúde do europeu e até do indígena requer especial assistência. A reforma pautal, esquecendo isto, agravou consideravelmente o preço dos medicamentos, alguns dos quais fazem parte da alimentação diária de muita gente.
Agravado foi também o preço do leite importado, indispensável a quem vive onde o da terra não chega. As farinhas próprias para alimentação das crianças de tenra idade também sofreram aumento de direitos.
Aumento sofreram ainda os tractores, as charruas e outras alfaias agrícolas, motores industriais e seus pertences, bombas para irrigação, tintas preparadas, necessárias à conservação de máquinas e das edificações rurais e urbanas, peças sobresselentes para automóveis, incluindo as dos veículos comerciais, sacos vazios necessários ao acondicionamento dos produtos do solo, etc.

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Todos estes aumentos (e alguns são elevadíssimos) contrariam, quando não inutilizam, a protecção à agricultura e à indústria, bem como a outras actividades produtoras, exactamente quando mais precisamos de produzir para equilibrar a nossa balança comercial.
E chegamos assim à conclusão de que as novas pautas encarecem a vida e obstam em boa medida aos fins consignados no preâmbulo do Decreto n.º 38:146, que as aprovou e pôs em vigor.
Nesse preâmbulo se diz que as pautas foram apreciadas e discutidas no Conselho do Governo de Moçambique, parecendo haver a intenção de que se conclua que esse Conselho concordou com a sua publicação tal como agora se fez. Mas isso não aconteceu.
Eu próprio intervim na discussão desse assunto e tenho bem presente que o Conselho concordou com a reforma pautai, mas sob a condição expressa de não resultar dela apreciável diminuição ou agravamento de direitos alfandegários. E, como essa condição não se verifica, penso que não é legítimo invocar a intervenção do Conselho do Governo nesse assunto sem referência ao parecer emitido, ao qual também deu a sua inteira concordância S. Ex.ª o Governador-Geral da Colónia, comandante Gabriel Teixeira.
Depois desse parecer, para o qual tão insistentemente se pedia a atenção do Sr. Inspector Superior das Alfândegas Coloniais, que em Moçambique esteve colhendo elementos para a reforma pautai, a publicação desta, tal como apareceu, com elevados aumentos de direitos sobre muitas das mercadorias essenciais ao consumo e ao desenvolvimento da colónia, constituiu verdadeira decepção e tem sido objecto das absorventes preocupações a que logo de principio me referi.
Por uma actuação rápida e tanto quanto possível eficiente, que a população muito apreciou, S. Ex.ª o Governador-Geral tomou já algumas medidas, dentro das suas possibilidades legais, para esclarecer bastantes dúvidas e aliviar as preocupações dos que vão sofrer os efeitos das novas pautas.
Mas teve de reconhecer-se que a boa vontade de S. Ex.ª e os seus poderes legais são insuficientes para tornar a reforma aduaneira inteiramente aceitável.
Não é que a colónia discorde dos seus princípios fundamentais, a que, aliás, o Conselho do Governo e S. Ex.ª o Governador-Geral deram a sua adesão, mas as economias privadas não estão neste momento em condições de sofrerem o agravamento dos direitos aduaneiros que dela resulta, nem a agricultura e indústria da colónia em posição de se lhe retirar uma protecção que antes precisa de ser reforçada, como é evidente intenção de S. Ex.ª o Ministro das Colónias.
Por outro lado, é manifestamente indispensável um certo período de tempo para se estudar essa reforma à face da prática diária, a fim de que os funcionários se preparem para bem a executarem e os contribuintes para bem a compreenderem. Por isso, de todos os lados me pediram, insistentemente e com ansiedade, para vir aqui solicitar de S. Ex.ª o Ministro das Colónias uma revisão imediata da reforma pautal, a fim de ser estudada e apreciada, para assim se fazer dela o precioso instrumento de progresso económico que poderá vir a ser.
Daqui dirijo, pois, ao Sr. Ministro das Colónias esse pedido de milhares de portugueses que em Moçambique trabalham pela grandeza da Pátria. E S. Ex.ª, que é um eminente estadista, não deixará por certo de reconhecer a justiça do pedido, que certamente vai atender, correspondendo assim magnificamente à alta consideração e apreço em que é tido numa colónia que muito o estima por tantos outros serviços que já lhe prestou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: as palavras que acabo de ler foram escritas quando, vai para meia dúzia de dias, me encontrava ainda em Moçambique.
Já depois da minha chegada a esta cidade tive oportunidade de trocar com S. Ex.ª o Ministro das Colónias impressões sobre o problema. É-me, pois, grato registar a nítida compreensão de 8. Exa. para o caso que lhe expus, bem como a boa vontade que me prometeu pôr na sua resolução.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a revisão da Constituição e do Acto Colonial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abel de Lacerda.

O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: por imperativo de consciência eis-me a tomar parte neste debate que a proposta do Governo acerca da revisão constitucional vem suscitando à Assembleia.
Tratando-se do diploma fundamental da vida política portuguesa, a sua importância é transcendente para todos aqueles que se preocupam com o futuro da governação; não se estranhe, pois, que eu, mais como português do que como Deputado, exprima acerca dele as minhas dúvidas... direi mesmo, o meu desapontamento.
Perfilho a doutrina emitida pela Camará Corporativa quanto à desvantagem de se alterar tão frequentemente o texto da Constituição.
De facto, só a passagem dos anos sobre ela imprime aquele musgo que a torna venerável, intangível - condição essencial à sua duração. Nas coisas sagradas não se toca, nem acerca delas se discute: praza a Deus que ainda me seja dado ver a nossa Constituição nessas condições! Se não deve mexer-se a miúdo, muito menos é licito fazê-lo quando, ao fim e ao cabo, excluindo o Acto Colonial e a nova atribuição do Conselho de Estado, tudo continua sensivelmente como antes.
A fama não corresponde então ao proveito, e duvido se terá valido a pena todo o tempo que há um ano se gastou, o que agora está decorrendo, e ansiosamente pergunto a mim mesmo quais serão as próximas alterações. Sim, porque os dois problemas fundamentais, aqueles que a todos mais preocupam, continuam ainda deficientemente resolvidos!
Quero referir-me ao processo de eleição do Chefe do Estado e à sua sucessão em caso de morte.
A eleição do Presidente da República parece assentar no sufrágio directo da Nação, uma vez obtido o agreement do Conselho de Estado para o candidato à presidência. Isto é, continuamos recorrendo a uma mentira, mentira que aliás já fez a sua época, como processo a usar no mais transcendente acto político, qual seja o da escolha do supremo magistrado da Nação! Partir do princípio de que tanto o professor universitário como o modesto e quase iletrado camponês estão igualmente habilitados a pronunciarem-se no assunto pode ser muito liberal, utòpicamente sugestivo, mas redondamente falso. Falso e perigoso, pois não me consta que sobre a mentira se possa erguer qualquer edifício sólido!

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Inclusive, é ainda negar a própria doutrina corporativa ...
Por outro lado, conceber que o Presidente da República sela eleito por sufrágio directo é o mesmo que acreditar numa vontade nacional acerca de determinada pessoa
E pergunta-se então para que serve a "censura" que o Conselho de Estado se pop0e fazer aos candidatos á presidência?
Das duas uma: ou a Nação sabe quem quer, o nesse caso não há perigo em serem aceitos todos os candidatos, ou a, Nação não sabe, e então é evidente que não deve ter voto directo em problema de tão magna transcendência.
Isto na teoria. Na prática, suponhamos que a candidatura de determinado indivíduo de incontestável prestígio é rejeitada pelo Conselho de Estado por não oferecer suficientes garantias. Logo tal candidato se constituirá mártir da tirania e, como chefe, se transformará num símbolo, aglutinando à sua volta todos os que se dizem oprimidos, todos os descontentes. Não faltarão depois as inevitáveis especulações políticas internas e externas. Dir-se-á que as eleições não foram livres, pois o voto como expressão da vontade nacional fora previamente condicionado à vontade do Conselho de Estado: isto é, a Nação só é livre de escolher quem o Conselho de Estado entender, ou, por outras palavras, quem escolho em última análise é o Conselho de Estado e a Nação só é livre de se pronunciar em ordem à preferência.
Por um lado ficamos na posse de uma arma que nos defenderá dos tais "golpes de estado constitucionais ", mas em contrapartida o outro gume a espada poderá voltar-se contra nós, enfraquecendo o significado da eleição como expressão da vontade nacional.
Exemplifico: suponhamos que nas eleições de 1949 o Conselho de Estado não aceitava a candidatura do general Norton de Matos.
Se tal houvesse acontecido, na impossibilidade de se medirem forças, a triunfal e significativa vitória do nosso querido e venerando marechal Carmona podia estar agora denegrida por se dizer que ela não correspondia à vontade nacional, vontade que, se pudesse exprimir-se livremente, recairia no seu adversário.
É evidente que o parecer do Conselho de Estado dos candidatos à presidência da República, actuando como verdadeira censura, pode defender o regime, mas pode
também enfraquecê-lo. Não se mo afigura por isso uma solução cabal.
E se a eleição para a chefatura do Estado dependesse antes da vontade expressa pelas duas Câmaras, que por sua vez representam ou tendem a representar a Nação? Seria um bem? Seria um mal? Não discuto, que o problema não está posto.
Tinha-se, pelo menos, a virtude de poupar a Nação a umas eleições às quais não está habilitada a responder conscienciosamente, e isso por si só já seria um bem inestimável!
Eis o que se me apraz dizer quanto ao processo de eleição do Presidente da República.
Vejamos agora, Sr. Presidente, o outro ponto: a sua sucessão em caso de morte.
Continuamos aqui como estávamos: o Presidente do Conselho assumo as funções de Chefe do Estado, para, no prazo máximo de sessenta dias, proceder a novas eleições. Lá diz o ditado que uma desgraça nunca vem só; neste caso também a uma desgraça outra se sucede: ainda todo o País está fortemente emocionado, ainda decorrem as exéquias em S. Domingos o já temos na rua a propaganda eleitoral.
Pobre Nação!
Vem-me á ideia o caso dos Estados Unidos; onde o vice-presidente, assegurando uma continuidade imediata, dá aquela tranquilidade de le roi est, vive le roi. Truman sucedeu a Roosevelt naturalmente, e só mais tarde, em momento oportuno e com a consciência da nação já refeita, se discutia o problema.
É uma solução que não interessa analisar se melhor se pior, porque não está em causa, mas que tem inegáveis vantagens.
Estas as minhas dúvidas. Aqui as deixo registadas, mais por descargo de consciência do que para merecerem a atenção de VV. Ex.ªs; delas o só delas provém a minha satisfação.
Tenho dito.

Vozes: - Mito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente; quando da última revisão constitucional, em 1945, tive ensejo de subir a esta tribuna para apresentar algumas reflexões que
julguei virem a propósito. Acabara pouco antes a guerra na a Europa, com a vitória total das chamadas grandes potências democráticas.
Embora estivesse entre os vencedores outra grande potência o menos democrática possível - a Rússia soviética - houve no nosso País, fora e dentro desta Assembleia, tendências visíveis o precipitadas para sugerir alterações na linha doutrinária afirmada pelo Estado Português depois de 1926 e na estrutura orgânica estabelecida de acordo com ela.
Os de fora tinham intuitos francamente subversivos e a esperança de regressar ao velho sistema de que o Exército em boa hora nos libertara em 28 de Maio; os de dentro imaginavam tornar assim viável, num mando outra vez regido pela constelação dos mitos da democracia, o regime português acusado com veemência por determinadas vozes, no imenso desconcerto internacional da época, de "ditatorial" e "fascista" ... Como quer que fosse, acima das más intenções dos primeiros e da ingénua leviandade dos segundos, o fenómeno traduzia um condenável espírito. de subserviência perante o estrangeiro.
Certos dos nossos rumos e dos nossos passos, nada .nos cumpria aceitar de figurinos alheios - muito mais quando se baseavam em conceitos fictícios e nefastos, cuja dolorosa experiência sofrêramos durante mais de com anos!
As palavras que então proferi quiseram expressar a minha reacção contra essa corrente. Lembrei que a Constituição de 1933, longe de ser uma construção utópica derivada de postulados abstractos, era antes o produto de um exame sério às realidades autênticas da vida portuguesa o do homem português através doa ensinamentos da história (interpretada não como passado morto, mas como presente vivo e incessante preparação, do futuro) e através daquelas adaptações que as exigências dos tempos aconselhavam ou mesmo impunham. Três directrizes substanciais se podiam extrair do seu conjunto: reforço do Poder, no sentido de maior independência e de maior estabilidade (visto o primeiro direito aos povos - Salazar o dissera, na esteira dos melhores mestres - é serem bem governados); primazia do bem comum sobro os bens fragmentários e particulares; substituição da velha quimera da liberdade indefinida e ilimitada pela concessão de liberdades positivas e concretas.
Firmada nestes três pilares, a Constituição de 1933 tendeu a reajustar o Estado à Nação, e dentro dos seus preceitos conhecemos já quase duas décadas de reconstrução e engrandecimento.
Como súmula a conclusão dos raciocínios que expus, encerrei em 1945 o meu ponto de vista nesta fórmula simples: o que interessa não são as pequenas emendas

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propostas; o que interessa é aquilo que, por estar de acordo com as tradições e o carácter dos portugueses, não precisou, nem precisa, de ser emendado.
Sr. Presidente: cio-nos agora perante nova revisão constitucional. A posição afigura-se-me ser, até corto ponto, a mesma. No entanto, correram cinco anos e outros aspectos, internos o externos, suscitam, logicamente, outras reflexões.
No douto parecer da Câmara Corporativa encontro, a par de justificados elogios à nossa Constituição, a defesa da integridade do seu texto e o alvitro de que, para melhor cimentar essa defesa, se tornem menos frequentes e mais difíceis as revisões constitucionais. Por mim, inclinado a preferir o estável ao instável, não veria inconveniente em se adoptar tal critério. Com uma condição primacial: que nela se contenha a solução definitiva do problema político português.
Até agora mantém-se no provisório. Enquanto se mantiver só julgo haver vantagem em facilitar outras revisões, e até, além da revisão normal de dez em dez anos, em tornar possíveis as que parecerem convenientes, não já subordinadas a períodos quinquenais, mas apenas dependentes da votação de dois terços dos Deputados à Assembleia Nacional. Assim se poderia, quando s circunstâncias o indicassem, tender para que o provisório se ultrapasse e o definitivo se alcance.
No seu discurso de 12 de Dezembro de 1950, ao aludir precisamente a esta proposta de revisão, manifestou-se o Sr. Presidente do Conselho em termos que suponho da maior conveniência sublinhar.
Depois de dizer-nos que as Constituições vivem, em ,primeiro lugar, da adaptação do sentir e modo de ser dos povos" e, em segundo lugar, da constitucionalização dos seus preceitos, isto é, da extensão e intensidade com que os preceitos abstractos tenham entrado na vida real", conclui, um pouco adiante, ser útil que a Constituição e, portanto, as alterações constitucionais vão acompanhando a organização ao que os maiores esforços se empreguem para a fazer progredir, senão para a completar".
Para a fazer progredir e para a completar repito e saliento. A. ninguém é, pois, vedado, antes pelo contrário, desejar que o texto constitucional progrida e se complete.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E no primeiro plano desse movimento para melhor e para mais perfeito está, sem dúvida, a maneira de atribuir à chefia do Estado, na sua origem,
a plena independência e a plena estabilidade, de forma e convertê-la em fulcro inabalável da vida moral e política da Nação, como, aliás, o foi no passado.
Creio bem que este problema pode tratar-se com toda a naturalidade e toda a calma, sem entrar em polémicas descabidas nem acordar reacções insólitas. Constitui, sem dúvida, um problema fundamental para os destinos do País; problema eminentemente nacional, que só deve encarar-se com espírito nacional.
E antes de fazer sobre o assunto algumas considerações recordo ainda os trechos seguintes de outro discurso do Sr. Doutor Oliveira Salazar, feito ao microfone da Emissora Nacional em 27 de Abril de 1943, sob o titulo de: "Os princípios da Revolução no momento interno e no momento internacional" :

Nas antigas monarquias a extensão e força do poder real, ligadas à hereditariedade da função, podiam fazer da dinastia o fiel depositário do pensamento político. A obra da conquista, formação o povoamento do reino, a empresa das Descobertas e o esforço da restauração metropolitana e ultramarina são exemplos frisantes do que podem representar dinastias na fidelidade a ura pensamento e na prossecução de uma política.
No Estado moderno a excessiva preocupa4o da defesa dos direitos e liberdades individuais contra os possíveis abusos do rei e seus ministros pôs por toda a parte em crise a chefatura do Estado: foram atingidos o Poder, a permanência, duração das funções de direcção superior e, com elas, as possibilidades que em si continham. Os expedientes que se encontram o utilizam quando uma empresa vital se cruza e periga com o mandato que termina são fracos remédios para profundos males.

Conjugue-se o expressivo conteúdo destas linhas com o que se lê agora no parecer da Câmara Corporativa:

Há um quarto de século que a Europa tacteia em busca de uma solução eficaz para a crise política do Estado herdado do século XIX.

Ora em que consiste a crise política do Estado herdado do século XIX, isto é, do Estado liberal-democrático ? Consiste, acima de tudo, segundo o resumo lapidar do Sr. ]Presidente do Conselho, na "excessiva preocupação da defesa dos direitos o liberdades individuais", que "pôs por toda a parte em crise a chefatura do Estado". Por isso "foram atingidos o Poder, a permanência, a duração das funções de direcção superior e com elas as possibilidades que em ai continham". E só "fracos remédios para profundos males" se têm encontrado, ao querer manter uma autoridade firme e consistente sem ou fora da instituição que, melhor que nenhuma, a assegura o a perpetua.
A crise política do Estado liberal-democrático, na busca de cuja solução anda empenhada a Europa, e que de longe vinha, como todos sabemos, atingia de facto o seu paroxismo nos anos de 1020 a 1925. Entre nós, como onde quer que existissem regimes concebidos sob os signos da mitologia individualista, essa crise caracterizava-se pela instabilidade crónica do Poder, pela desenfreada luta, das facções, pelo agravamento da questão social, pelo caos administrativo e financeiro, pelo predomínio da aventura e da incompetência. 0 Estado liberal-democrático entrava em falência - quase sempre em falácia fraudulenta. A sucessão estava aberta, e a urgência da reacção tornava-se clamorosa.
Foi, pois, necessário recorrer - entre nós como em toda a porte - a sistemas edificados à sombra dos valores opostos àquela mitologia: principio de autoridade, contra a debilidade dos Governos efémeros e irresponsáveis; principio de unidade, contra o partidarismo infrene o tumultuário; severidade e disciplina na administração pública; harmonia o colaboração social.
As fórmulas, dominantes por algum tempo, do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão, que chegaram a revelar notável eficiência e se viram imitadas e seguidas em vários outros países europeus, prejudicaram-se pelo seu pendor funesto para a estadolatria e para temerárias empresas militares. A derrota nos campos. de batalha acabou por derrubá-las. No entanto, o sobressalto vital que encarnavam tentou descobrir outras fórmulas.
Finda a guerra, abatidos os ditadores de Roma e de Berlim, desmoronados os regimes que ambos haviam instituído, não deixou de continuar a ser indispensável o inadiável suprimir os males endémicos do estado liberal-democrático, impotente e abúlico, e reagir contra o crescente desenvolvimento da ameaça marxista.
A insistência com que os vencedores anglo-saxónicos propagandeavam um ressurgimento da democracia - Fénix levantada das próprias cinzas - não chegou para restituir-lhe viabilidade e vida.

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A palavra «democracia» - entendida por cada um à sua maneira e que tanto servia para a tão formalista monarquia britânica ou para o autoritário presidencialismo americano, como para os Estados-servos do Leste, baptizados pelos déspotas do Kremlin de «democracias, populares» -, a palavra-ídolo foi ostentada como atributo puramente genérico, susceptível de adaptar-se a quaisquer espécies políticas.

O Sr. Carlos Borges: - A democracia é um caleidoscópio.

O Orador: - Mas a essência da democracia genuína - a soberania do número - essa foi, em todos os lugares, escamoteada e falsificada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Daí os governos de concentração de partidos, ou, pior, os governos de partidos minoritários - negações flagrantes da ortodoxia democrática. Adoptaram-se a cada passo estratagemas híbridos, equívocos, em que se evitava repudiar os preconceitos da escola e, todavia, se procurava viver e governar fora deles ou apesar deles...
Tanto mais que do lado de lá da famosa muralha soviética nem as aparências mesmo se sacrificavam a esses preconceitos e, sobre uma engrenagem tirânica de caserna, meia dúzia de homens, graças a uma política de absoluto segredo e de desumana violência, conduziam e conduzem arbitràriamente um povo imenso e passivo, desde sempre modelado para a imolação e para a servidão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diante de um tal adversário, que, desprovido de limitações éticas, utiliza todos os trunfos de uma autocracia discricionária, vamos nós, os ocidentais, ficar presos aos simulacros e às imposturas da desacreditada ficção liberal-democrática?
Esse adversário visa, aliás, com o domínio do Mundo, a destruição radical da civilização em que nos enquadramos-nos seus fundamentos metafísicos, morais, sociais e económicos.
No excelente parecer subsidiário da secção de Interesses espirituais e morais da Câmara Corporativa encontro uma legenda perfeita: «a uma negação total há que opor a afirmação total».
Refere-se a frase ao caso religioso. Vale igualmente, quanto a mim, para o caso político. Também aí temos de opor a afirmação total à total negação que Moscovo representa.
E porá nós, portugueses, afirmação total implica restauração total - restauração das instituições políticas que fizeram a Nação, a estruturaram, a apetrecharam para os vastos empreendimentos nas várias partes do Mundo, a guiaram em sete séculos de livre existência e de prestígio histórico!

O Sr. Carlos Borges: - Com a Carta...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Até com a Carta!

O Orador: - É que a força da instituição era tal que resistiu mesmo à Carta e continuou a sua obra.
Mas, reatando:
Sr. Presidente: há vinte e cinco anos que se iniciou a Revolução Nacional. Tem sido tal a sua obra neste quarto de século - exactamente o mesmo quarto de século durante o qual (segundo a frase citada do parecer da Câmara Corporativa) a Europa tacteou, e tacteia, à busca de uma solução para a crise política do Estado - que pareceria havermos nós descoberto a solução para essa crise. De facto, a tentativa portuguesa (como se lê ainda no parecer) é a mais antiga e a mais prestigiosa. Daí a admiração e o louvor que provocou e provoca; a real influência que exerceu e exerce, a posição a que nos alçou nos centros da opinião mundial.
E porquê?
Primeiro, porque houve a coragem e o bom senso do proclamar e seguir a doutrina tradicionalista e realista do fortalecimento do Poder, da sobreposição do interesse nacional aos interesses de grupos ou clientelas, da conciliação dos factores da produção ao serviço de uma finalidade superior e harmonizadora -enfim, de recorrer àqueles valores espirituais, morais e políticos que cimentaram e estimularam a vida colectiva ao longo dos séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Segundo, porque surgiram duas personalidades excepcionais: o Sr. Marechal Carmona, com as suas reconhecidas virtudes, a sua firmeza e a sua prudência, o seu aprumo e a sua bondade, soube ser na chefia do Estado o símbolo vivo da presença e da responsabilidade do Exército, à frente da Revolução em marcha...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... O Sr. Dr. Oliveira Salazar, doutrinador, reformador e homem de Estado, definiu os princípios, apontou os caminhos, executou na acção fecunda o que o seu pensamento concebera e formulara e ergueu-se ao nível das figuras maiores da nossa história política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A restituição do País a certo número das suas directrizes essenciais e o concurso destes dois homens que se impuseram ao respeito de todos, dentro e fora das fronteiras, abriram-nos as estradas da convalescença e valeram-nos um período magnífico de trabalho na ordem, de confiança na paz, de progresso na unidade.

O Sr. Sousa Rosal: - É preciso, por isso, muita prudência, para não haver uma recaída, porque as recaídas são sempre, muito graves na convalescença.

O Orador: - O meu intuito é, precisamente, evitar uma recaída.
Nem assim escapamos, no entanto, à sensação de tudo estar ainda suspenso de um equilíbrio transitório e incerto.
As forças adversas, que ambicionam arrastar-nos de novo aos abismos de onde saímos, nem renunciaram nem desarmaram. Além de alguns abortados ensaios revolucionários, bastará evocar as duas elucidativas erupções de 1945 e de 1949. Em ambos os momentos os inimigos da Revolução Nacional agitaram a bandeira da democracia e da segunda vez, há dois anos, a mais perigosa arma que lhes ficara nas mãos: a eleição do Chefe do Estado.
Não nos esqueçamos de que das duas vezes - tanto na fase do alarido pré-eleitoral de 1945 como, muito expressamente, na fase da candidatura Norton de Matos - foi enunciado o propósito de destruir e abolir tudo quanto se fizera desde 1926. Se conseguisse o triunfo a oposição, aí estava o tal «lance de dados» em que, nas palavras do parecer, tudo se perderia.

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O Sr. Carlos Borges: - E aí está o aviso para todos nós. O avisozinho está feito.

O Sr. Simões Crespo: - É a lógica!

O Sr. Carlos Borges: - Para V. Ex.ª

O Sr. Jacinto Ferreira: - É a lógica historicamente demonstrada.

O Sr. Carlos Borges: - Mas eu desejo respeitar o statu que...

O Orador: - Esse é transitório, quer nós queiramos, quer não.
Reato, porém: de um instante para o outro, nada ficaria de vinte anos de esforços e sacrifícios de toda a Nação; como Sísifo, só teríamos elevado o bloco ao cimo da montanha para o vermos despenhado de mais alto e para mais fundo. Porque era inegável a preponderância dos agentes do comunismo internacional nas fileiras dessa oposição, aparentemente anacrónica e heterogénea.
O êxito do chamado M. U. D., em 1945, ou do candidato Norton de Matos, em 1949, seriam ràpidamente seguidos de um inexorável desenvolvimento, cujo termo lógico viria a ser estabelecer-se, aqui, no extremo ocidental da Europa, pelo menos temporàriamente, outra sucursal de Moscovo!
Tudo isto mostra como o regime de que actualmente beneficiamos - apesar da solidez da doutrina em que assenta, dos evidentes serviços prestados ao País e à própria causa da firmeza moral da Europa, do incontestável prestigio dos seus dirigentes - continua ameaçado pelas actividades corrosivas ou subversivas que hoje minam as sociedades de uma ponta a outra do Mundo e contra as quais nunca serão demasiadas todas as precauções e barreiras.
«O que me espanta - sintetizava Carlos Maurras, grande pensador político, hoje a ferros da democracia - não é a desordem; é a ordem». A fragilidade e a contingência das edificações humanas justificam, a cada viragem da História, este aforismo clarividente...
Cada pais tem, portanto, na hora presente a necessidade - e o dever - de fortificar-se dia a dia com maior intensidade e maior decisão. E para isso tem a necessidade - e o dever - de superar os preconceitos secundários de qualquer natureza.
Não se compreende que a paixão ou o sentimentalismo político nos levem a repelir ou a adiar indefinidamente uma das condições primaciais da integridade e da consistência do bloco português.
Não adormeçamos na ilusão cândida de que o estádio superior que atingimos, o ressurgimento que constitui motivo do nosso legítimo orgulho, a proeminência que merecemos entre as nações mais saudáveis do Mundo continuem a durar só porque duraram estes vinte e cinco anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há que progredir no sentido de institucionalizar a unidade reconquistada. E institucionalizá-la é situar no alto da pirâmide o chefe hereditário, permanentemente renovado pelos do seu sangue, na cadeia ininterrupta da dinastia!
A persistência na eleição para â chefia do Estado - mesmo atenuada, ilaqueada, condicionada de acordo com os processos sugeridos nesta proposta ou quaisquer outros - deixa sempre uma brecha aberta na muralha, um ensejo para o tal «lance de dados» em que tudo pode perder-se, uma vulnerabilidade na função-chave da vida nacional. Essa vulnerabilidade é um dos melhores trunfos no jogo, não digo apenas dos saudosistas da democracia, mas dos activos, infatigáveis agentes da subversão marxista!

O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª pode dizer-me onde está essa porta aberta?

O Orador: - Eu não disse porta, disse brecha. V. Ex.ª viu o que se passou em 1949...

O Sr. Manuel Vaz: - Mas, se alteram em parte as disposições vigentes, não vejo onde fique essa brecha.

O Sr. Carlos Borges: - O Sr. Dr. João Ameal não fala de brecha nesse sentido. S. Ex.ª quer é uma coroa, e uma coroa não serve para tapar uma brecha. São coisas diferentes.
Risos.

O Sr. Carlos Moreira: - O Sr. Deputado Carlos Borges prefere o barrete...

O Orador: - O Sr. Deputado. Manuel Vaz não vê a brecha a que aludi. Devo dizer a S. Ex.ª que enquanto houver eleição há divisão, e até pode havê-la mesmo no Conselho de Estado, porque tanto faz serem dez pessoas a escolher como dez mil; a divisão subsistirá, e é a isso que eu chamo brecha.

O Sr. Manuel Vaz: - Só com essa possibilidade de o Conselho de Estado poder dividir-se não vejo a brecha.

O Orador: - Não vê porque não quer ver...
Continuando. Na hora em que os Estados europeus, pela restauração da chefia hereditária, colmatassem essa brecha, suprimissem essa vulnerabilidade, outra segurança viria a adquirir a defesa do Ocidente. Renasceria, na sua fisionomia histórica, aquela grande Europa que modelou e orientou sempre a civilização universal e que detém ainda no seu património os valores substanciais em que essa civilização se funda. Aquela grande Europa que dominou todas as crises e triunfou de todas as invasões - porque se fortalecia no culto de Deus, no serviço da Pátria e na fidelidade ao rei!
Creio poder falar assim, e espero que se compreenda que o não faço como homem de partido ou de sector, que nunca fui, porque ninguém, desde a primeira hora, e dentro dos limitados recursos que possuo, deu mais sincera, constante e leal colaboração à Revolução Nacional. E nunca me dispensei de exprimir pùblicamente adesão e aplauso ao pensamento e à obra do Sr. Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se outras razões de mais ampla perspectiva não me levassem a expor sem reticências a tese que expus, inspirar-ma-iam o respeito e o apego a esse pensamento e a essa obra e o meu receio de que possam amanhã ser renegados e destruídos se ao Estado Novo (construção política provisória, à qual devemos um ciclo de prodigiosos esforços, vitórias e reconquistas) não suceder a histórica e definitiva solução do problema português apta a defrontar as interrogações de um futuro incerto e largo, muito para além do breve espaço da vida dos homens e das gerações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é oportuno pôr a questão de regime - dizem alguns. E eu respondo: se faço parte de

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uma assembleia constituinte, se na proposta de alteração do texto constitucional sé inclui um artigo (o 72.º) em que se confirma ser o Chefe do Estado um presidente eleito, não sou eu que vou ter com a questão de regime, é ela que vem ter comigo. É sobre ela que me podem um juízo. Sinto, por imperativo de consciência e de inteligência o dever de emitir esse juízo com nitidez sem esconder nenhuma dos razões em que se baseia, sem mo deter perante nenhuma das conclusões a que leva.
Pôr a questão com inteira boa fé o com inteira clareza apenas em função das exigências superiores do interesse nacional e até da defesa do Ocidente, não pode deixar de ser oportuno.
Resolvê-la, sim, é que poderá depender de critérios de oportunidade - que mo abstenho, nesta altura, de avaliar e de prever.

Vozes : - Muito bem!

O Orador:- Mas não é possível dizem ainda outros com timorata o misteriosa reserva ... 0 eu respondo: o que interessa é saber se é necessário. Se o for, parece me ser o momento de reproduzir a definição lapidar de um dos maiores sociólogos deste século: e a verdadeira política é tornar o necessário possível".
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: deseja o Governo integrar o Acto Colonial, esse notável diploma, na Constituição Política da República para lhe dar o devido lugar que por direito lhe pertence na hierarquia das leis portuguesas.
Realmente o artigo 133.º da Constituição da natureza constitucional ao Acto Colonial, mas não o integra no próprio texto da Constituição.
Logo que o Acto Colonial seja integrado na Constituição Política est ficará então completa, porque lho será incorporado aquilo que lho falta para ser verdadeiramente o estatuto orgânico da Nação Portuguesa.
A manter-se o que está presentemente, em que há duas publicações, sendo uma da Constituição Política e outra do Acto Colonial, resultaria desta duplicidade de textos constitucionais que se poderia argumentar malevolamente, pondo em dúvida a firmeza do carácter unitário do Estado Português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -0 Governo, e por esta razão louvores lhe são devidos, ao redigir as suas propostas de alterações à Constituição e ao Acto Colonial, revelou a sua grande preocupação de, mais uma vez, dando plena satisfação à consciência nacional,, afirmar a doutrina portuguesa de que a metrópole e as províncias ultramarinas constituem um só Estado e uma só Nação.
E se o Acto Colonial, que nós devemos a Salazar quando sobraçou a pasta do Ministério das Colónias, alcançou grandes o extraordinários benefícios à Nação;
se este monumental diploma, que diz respeito no nosso ultramar, é uma parte muito importante da Constituição Política, pois o Estado Português tem a sua maior projecção nas províncias ultramarinas: não pode haver a menor dúvida acerca da concordância unânime de todos os portugueses, de aquém e além-mar, de que o Acto Colonial deverá fazer parte integrante da Constituição
Política, constituindo-se assim um só texto constitucional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Continuando na mesma orientação de não dar causa a possíveis suposições tendenciosas para denegrir ou desmentir o nosso princípio da unidade nacional, julgo ser necessário eliminar do texto constitucional a palavra "império".
Não precisamos de tal palavra para consolidar a nossa unidade entre todos os territórios da Nação; e antes entendo ser de bom conselho eliminá-la da lei fundamental do País, antes que venha a ser utilizada como pregão contra a própria unidade.
É do conhecimento geral que presentemente o termo, "império" passou a ter uma significação pouco edificante nos meios internacionais. Traduz uma ideia tão pejorativa que serve correntemente para ofender ou acusar o país que se julgue proceder com abuso, prepotência e extorsão sobre outros países que o acusado domino pela força. E tanto assim é que a França já abjurou essa palavra o a substituiu pela expressão "Outre-mer" para designar o conjunto dos seus territórios ultramarinos.
E hoje é fácil ler-se e ouvir-se que "os imperialistas soviéticos dominam o oprimem os países satélites como se fossem suas colónias". E, por sua vez, os Russos acusam outros povos de serem imperialistas. Já Lenine dizia que "o imperialismo mundial não pode viver lado a lado com a revolução soviética vitoriosa".
Se internacionalmente há acusações de parte a parte com o epíteto de imperialistas e se a simples palavra "império" se pode prestar a deduções aleivosas para se formar mau juízo do nosso nacionalismo imperial, para que iremos nós empregá-la no texto da Constituição Política?
Depois da guerra mundial o significado pejorativo da palavra "império" recrudesceu com a maior intensidade.
Actualmente considera-se povo imperialista aquele que pretende conquistar e absorver outros povos, extinguir raças julgadas inferiores e explorar em proveito próprio os países dominados pela força.
Poder-se-á alegar em defesa da nossa designação "Império Colonial" que nós não somos imperialistas, porque não temos a ambição de conquistar outros povos, de aumentar os nossos territórios à custa de subtracções violentas, nem 6 da nossa política colonial oprimir, explorar ou extinguir as raças que povoam os nossos territórios ultramarinos, e, portanto, a acusação não nos atinge. Mas se nós vamos manter a designação Império Colonial ou mudá-la para Império Ultramarino, vamos dar motivo a que possivelmente nos dirijam tais acusações.
Se, com má intenção, andarem em busca de pretextos, ainda que nada tenham de plausíveis, para nos acusar e dar satisfação à cobiça ou política alheia, fácil será forjar, com mero jogo de palavras, uma aleivosa acusação com fundamento na palavra "império".
Porque não havemos de suprimir. oficialmente este termo quando a supressão da palavra em nada vem alterar o nosso sistema político colonial?
Suprimindo-a, manter-se-á intacto o sem a menor alteração o princípio da unidade nacional que domina toda, a nossa actividade ultramarina. Esta ideia de que a palavra "império" nos pode ser prejudicial já não é de hoje.
0 antigo Ministro das Colónias Dr. José Ferreira Bessa, na tese que apresentou no II Congresso da União Nacional, em 1944, afirmou:

A manter-se no campo legal esta construção jurídica do Império, surgida em 1926, aliás sem uma determinação histórica o que actualmente pode oferecer o perigo de fazer-nos confundir com os imperialismos em voga que conduziram o Mando ao presente conflito, apesar de serem evidentes os intuitos pacíficos e civilizadores da nossa acção ultramarina, pensamos que seria juridicamente mais per-

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feito englobar nessa construção jurídica toda a Nação Portuguesa, visto que, sendo esta constituída por todos os cidadãos portugueses, quer residam aquém quer além-mar, tem de ser unitária a organização política que os abranja, como resulta dos artigos 3.º e 5.º da Constituição.

Assim evidenciou aquele antigo Ministro das Colónias o perigo que ofereceu a palavra «império» pela confusão da nossa doutrina ultramarina com os imperialismos.
Mas já anteriormente a palavra «império» precisava de ser interpretada dentro do nosso sistema.
E, assim, em 1936, o Ministro das Colónias Dr. Francisco José Vieira Machado, no seu discurso pronunciado na sessão inaugural da Conferência Económica do Império Colonial Português, esclareceu:

A expressão imperialismo sugere propósitos de conquista e expansão territorial e muitas vezes o desprezo na ordem internacional do direito alheio em proveito do engrandecimento próprio.
Há, pois, razão para afirmar que o Estado Novo, respeitador escrupuloso do direito das gentes, isento de intuitos de conquista e de expansão territorial, ao realizar esta política ultramarina, é um Estado imperial, mas não é um estado imperialista.
E cremos ficar desta forma demarcado o nacionalismo inspirador do nosso império.
Solidariedade, unidade, nacionalismo, eis, portanto, a trindade de princípios em que assenta a ideia imperial.

Este esclarecimento há quinze anos foi julgado conveniente e necessário, mas hoje, que os ânimos internacionais andam exaltados contra os imperialismos, para que nos havemos de expor com o emprego oficial do vocábulo «império»?
Para que nos havemos de manter estranhos e indiferentes às modernas correntes internacionais, que nos advertem do perigo a que poderemos ficar sujeitos?
Temos algum interesse em ficar, possivelmente, submetidos a uma luta internacional de palavras em que outros tenham interesses ocultos, para se chegar à conclusão artificiosa e malabarista de nos considerarem imperialistas, isto é, dominadores, exploradores e racistas?
Creio que neste caso a prudência nos indica o caminho que temos a seguir para evitar o perigo e as contrariedades que se prevêem. Devemos eliminar a designação «império» no texto constitucional.

O Sr. Melo Machado: - Eu acho que V. Ex.ª tem toda a razão, mas tenho pena de ter de transigir coma hipocrisia internacional.

O Orador: - Mas tal designação nem tem tradição no Estado Português.
Se durante o regime da Monarquia os reis nunca quiseram assumir o título de imperador, nunca trocaram a realeza pelo império, na vigência da República menos razões haverá para adoptarmos essa designação.
A expressão «ultramar português» é aquela que me parece ser a mais adequada e que é correntemente empregada tanto na linguagem oficial como na dos escritores de literatura colonial.
Nestas condições, opto pela expressão «Ultramar português» para epígrafe do título VII da parte II da Constituição Política.
Sr. Presidente: o problema suscitado pela palavra «colónia» tornou-se de uma intensidade e acuidade flagrantes após a última guerra que assolou o Mundo.
Na verdade, se até aí a designação «colónia» já tinha detractores, em todo o caso ia singrando com relativa facilidade, tendo sido inclusivamente adoptada em textos que emitiam princípios fundamentais reguladores de normas coloniais internacionais. É o que se verifica, por exemplo, no artigo 22.º da Pacto da Sociedade das Nações.
Hoje, porém, essa designação, tão honrosa e dignificante quanto ao conteúdo que encerra, foi tão vergastada e aviltada em certos sectores internacionais que tomou um sentido pejorativo.
Os bolcheviques, na ânsia destruidora de incendiar o Mundo, mestres na arte diabólica de desunir os homens para mais facilmente os dominar, entreviram uma, oportunidade de tentarem subverter a África e a Ásia e fizeram com a palavra «colónia» verdadeiros jogos malabares. Haja em vista o que está a suceder na Indo-China, na Indonésia, na Coreia e as tentativas subterrâneas que tem havido e se desvendam na imprensa da Nigéria, Costa do Ouro, Serra Leoa, Dahomé, Costa do Marfim e Senegal. Essa onda vermelha e alarmante do comunismo russo levanta, como porte-estandarte da sua doutrina, o ódio contra o capital; e considerado este como vírus nefasto da felicidade humana, preconiza ser necessário destruir o capitalismo para se alcançar o paraíso soviético.
E para atingir esse objectivo os comunistas incitam a luta de classes, excitando os proletários contra os capitalistas, atiçam os povos nativos contra os colonizadores, semeiam e espalham o ódio entre os homens.
Na sua propaganda destruidora da nossa civilização, os comunistas nada poupam, nem mesmo as populações dos territórios coloniais. Para levarem por diante o seu maligno intento resolveram também investir contra os regimes coloniais. E para destruir estes regimes e apagar os benefícios prestados pelos povos colonizadores nos territórios por eles desbravados e nas almas trazidas à civilização, acusam o regime colonial, por maquiavélicos artifícios, de ser uma faceta do capitalismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Consideram as colónias como territórios avassalados e submetidos pelo capital para os dominar, para os explorar. Colónia e expoliação racial e capitalista são expressões com o mesmo significado na campanha comunista contra os povos colonizadores.

O Sr. Melo Machado: - Infelizmente não são só os comunistas.

O Orador: - E, como na realidade se verifica, as chamas perigosas do Oriente bolchevista ateiam-se em vários sentidos, tornando-se necessário impedir, por todas as formas, que atinjam as nações ocidentais. E tanto assim é que a França, país com tradições coloniais, prevendo o perigo, abjurou a palavra e votou-a ao ostracismo.
Como devemos nós encarar o problema? Devemos seguir o caminho traçado pela França e renunciar a essa designação, que hoje tem o mágico poder de irritar meio mundo?
Se encararmos o termo sob o ponto de vista histórico, não vemos como seja possível encontrar-lhe algo de aviltante ou humilhante para os seus habitantes.
É com a implantação da República que aparece oficialmente pela primeira vez a designação de colónia, devido à mutação do nome de Ministério da Marinha e Ultramar por Ministério das Colónias.
Produziu-se então uma reacção contra o vocábulo «colónia», com que, correntemente, passaram a designar-se as províncias ultramarinas.
Os grandes nomes da ocupação e pacificação ultramarinas, como António Enes, Paiva Couceiro, Azevedo Cou-

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tinho e outros reagiram contra o nome de colónias, que de novo se voltou a dar aos territórios ultramarinos.
Mas a reacção dos portugueses contra a designação "colónia" nunca mais terminou.
Para não me alongar demasiadamente, apenas citarei um exemplo:
Ao realizar-se o II Congresso da União Nacional, em 1944, o Dr. Leite Duarte apresentou uma tese subordinada ao tema "A posição dos domínios ultramarinos no Estado Português", na qual propôs que os territórios do ultramar passassem a denominar-se a províncias Ultramarinas". Referindo-se ao parecer do Conselho Superior das Colónias que defendeu a designação de "colónias"", o Dr. Leite Duarte argumentou da seguinte maneira, em defesa do seu ponto de vista:

Agora, feita a revisão da mencionada disposição do Acto Colonial, pondera-se que a substituição dos termos "províncias ultramarinas" pela palavra "colónias" como designação dos domínios de além-mar, bem como o agrupamento destes em um "Império Colonial Português", não aparecem conformes para com a tradicional política colonial da Nação, nem com os princípios basilares da construção jurídica do Estado Português e do próprio Acto Colonial, nem com as doutrinas professadas pelo Chefe e seguidas pela União Nacional, nem, por último, com o geral sentimento e vontade claramente manifestados pelos portugueses nascidos ou residentes nos domínios do ultramar."

De onde se vê que, pelas razões expostas, não agrada nem convém empregar no texto constitucional a designação "colónia" e antes se prefere a designação que foi proposta Pelo Governo.
É certo que na sua essência o vocábulo "colónia" nada tem de pejorativo; e muito menos ainda quanto à palavra "colonos", que, longo de envolver torpeza, é um titulo muito honroso.
Apoiados-
Ainda não há muito tempo que ao Prof. Armindo Monteiro, vogal do Conselho do Império e antigo Ministro das Colónias, ouvi proferir as seguintes palavras:

Sempre se considerou um título de honra o ler-se colono. São os colonos que, acima de tudo, têm feito o Império.

Na verdade assim é. Temos entre nós um exemplo frisante, o Deputado, nosso ilustre colega, Sr. José Cardoso de Matos, que conta mais de quarenta ano de vida no mato da terra angolana, a trabalhar, a nacionalizar, a prolongar a Nação no continente africano, a engrandecer o nome de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E com que orgulho de patriota e nacionalista lhe ouvimos tantas vezes dizer que foi durante todo esse tempo um pioneiro, um sertanejo, uni colono de Angola. E que admiração e respeito todos nós temos por ele, pela sua vida de trabalho o sacrifício, pelo seu título honorifico bem merecido de colono, de construtor do ultramar, obreiro da colonização.
Mas, Sr. Presidente, o nome de colono continuará a subsistir, com honra e glória para quem o tiver conquistado, em torras nossas dó ultramar, na luta pelo engrandecimento da Nação, apesar da supressão da palavra "colónia". 0 nome genérico de províncias ultramarinas em nada vem afectar a dignidade do título honorifico de colono àqueles que ao entregaram ou entreguem ao serviço nacional da colonização em territórios do ultramar.
O principal argumento que, na minha modesta opinião, milita contra o vocábulo "colónia" consiste em traduzir internacionalmente, um significado que envolve a ideia de subordinação total, sujeição e espoliação. Ao passo que a designação de "províncias ultramarinas" constitui uma nomenclatura que nos agrada mais, porque revela o sentido de unidade que todos nós queremos que exista entro a metrópole e o ultramar.
As designações de "província metropolitana" e "província ultramarina" têm algo de comum, que traz a vantagem de evidenciar o grande princípio da unidade nacional.
Poder-se-á argumentar que, havendo regimes jurídicos diferente para as províncias da metrópole e do ultramar, será inconveniente adoptar-se uma terminologia semelhante; mas a verdade é que esse presumível inconveniente é, de longo, superado pela vantagem adoptada.
Sr. Presidente: pelo artigo 26.º do Acto Colonial é garantida às províncias ultramarinas a autonomia financeira compatível com a Constituição o com o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios. E pela alteração apresentada pelo Governo ao artigo 40.º "cada uma das províncias ultramarinas tem o seu orçamento privativo, elaborado segundo um plano uniforme, de harmonia bom os princípios consignados nos artigos 63.º e 66.ºe votado pelos seus próprios órgãos nos termos que a lei declarar".
No regime da autonomia financeira tem-se caminhado progressivamente no sentido de se conceder maior autonomia às províncias ultramarinas, h medida que o seu estado progressivo de adiantamento o vai permitindo, sem contado o Ministério do Ultramar dispensar a sua fiscalização e superintendência.
Quem vive nos territórios ultramarinos está em condições de melhor saber aquilo que mais falta lhe faz: se esta estrada é mais necessária do que outra, se esta obra é mais conveniente do que aquela.
E tanto assim é que, ao lado do sistema de aprovação ministerial dos projectos dos orçamentos das províncias ultramarinas e que ainda está em vigor, foi criado um outro sistema, em 1ffi, sendo Ministro das Colónias o ilustre professor de Direito Colonial Dr. Marcelo Caetano, que consiste em se dispensar o Ministro da revisão orçamental e antes conceder autorização, a todas ou só a algumas províncias, para elaborarem e aprovarem por si os seus orçamentos.
Deste segundo sistema da autorização somente têm beneficiado, até à presente data, as províncias de Angola, Moçambique e Índia. Em todo o caso define-se bem a nossa tendência em alargar a autonomia financeira das províncias ultramarinas, sem dispensar o controlo e a fiscalização do Ministro do Ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Do sistema de aprovação passou-se, então, para o sistema de autorização. Avançou-se um passo no caminho da autonomia financeira. Agora pretende-se avançar um pouco mais, adoptando um novo sistema de votação do orçamento pelos próprios órgãos das províncias, segundo a proposta governamental.
Por ter surgido o sistema de autorização é evidente que se revelou a necessidade de substituir o sistema de aprovação, que anteriormente era o único seguido. Agora que se propõe o novo sistema de votação pelos próprios órgãos é porque - será lógico concluir - aqueles dois sistemas em vigor ainda não satisfazem aos anseies das populações ou não acompanham o incremento e ritmo acelerado que tomou a vida actual nos nossos territórios ultramarinos.
Entendo, pois, que o artigo 40.º proposto pelo Governo 6 de aprovar pela Assembleia Nacional.

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E se alguma hesitação houvesse, com receio de surgirem situações deficitárias ou desordem financeira, como sucedeu anteriormente ao regime do Estado Novo, essa hesitação ficaria dissipada porque o Governo previu no novo artigo 41.º as regras de fiscalização ou superintendência a que ficam sujeitos os governos das províncias Ultramarinas paira salvaguarda da ordem financeira".
A acção benéfica e fiscalizadora do Ministério do Ultramar não desaparece nem fica diminuída.
A sua fiscalização ou superintendência mantém-se como necessária o indispensável.
A harmonia do sistema é a mesma e igualmente continuam a vigorar as restrições à autonomia, pois fica integralmente mantido o artigo 47.º do Acto Colonial.
Se alguma província ultramarina mostrar tendência para cair na grave e calamitosa situação financeira em que veio a cair a colónia de S. Tomé e Príncipe há mais de dezoito anos, o Ministro do Ultramar pode, da mesma maneira como então se procedeu o ao abrigo do referido artigo 47.º, retirar-lho a autonomia administrativa e financeira.
0 ilustre Prof. Doutor Armindo Monteiro, então Ministro das Colónias, reconhecendo a situação grave da Fazenda da colónia de S. Tomé e Príncipe, retirou-lhe a autonomia por determinação do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 22:793, de 30 de Junho de 1933.
E tão benéficos resultados se obtiveram com as medidas tomadas por aquele ilustre Ministro e colonialista que aos defficits se sucederam os superavits; outros fizeram-se as contas de gerência e de exercício dos anos anteriores, em que se viveu sem conhecer o seu resultado, e passaram a concluir-se no contas posteriores dentro dos prazos legais; desapareceu a situação grave de ter de se recorrer às receitas por operações de tesouraria para pagamento de despesas próprias.
E toda esta perigosa o aflitiva situação financeira desapareceu inteiramente graças à intervenção benéfica do Ministro das Colónias, Prof. Armindo Monteiro, que soube actuar, com oportunidade e com a energia que o caso aconselhava, dentro dos princípios consignados no Acto Colonial.
Não há, pois, motivo para quaisquer receios de conceder ha províncias ultramarinas o direito de votarem os seus orçamentos privativos pelos seus próprios órgãos, nos termos que a lei declarar.
As contas do Tesouro de cada província ultramarina, elaboradas pelos bancos emissores, que funcionam como caixa do Tesouro, e pelas respectivas direcções de fazenda, passam pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério das Colónias simplesmente como ponto de passagem para serem remetidas ao Tribunal de Contas, nos termos do artigo 13.º do Decreto n.º 29:161, de 21 de Novembro de 1938.
Com a alteração proposta pelo Governo ao artigo 43.º do Acto Colonial, as contas do Tesouro "serão enviadas ao Ministério do Ultramar, para, depois de verificadas e relatadas, serem submetidas a julgamento do Tribunal de Contas, nos termos e prazos fixados na lei".
Esta alteração a introduzir no referido artigo 43.º destina-se, pois, a entregar à Direcção-Geral de Fazenda do Ministério o novo serviço de verificar e relatar as contas do Tesouro de cada província ultramarina antes do seu julgamento.
A proposta do Governo é de tão evidente conveniência para o bom julgamento das contas que dispensa quaisquer considerações.
Porém, o meu fito é chamar a atenção da Assembleia Nacional para as vantagens que advirão do exame a fazer nesta Assembleia às contas de exercício das províncias ultramarinas.
Se o Pais tem colhido enormes vantagens na apreciação que anualmente é feita pela Assembleia Nacional às contas da metrópole, justo será aspirar a que è se as vantagens se estendam ao ultramar pela apreciação que a Assembleia venha a fazer às contas de exercício daquelas províncias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A administração do ultramar pode e deve ser igualmente apreciada por este órgão da soberania nacional.
Esta salutar iniciativa partiu do ilustre Deputado engenheiro Araújo Correia, no relatar o parecer da Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional sobro as Contas Gerais do Estado do ano de 1947.
Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu asse a ler a parte do referido parecer que diz respeito ao Ministério das Colónias:

As despesas deste Ministério repartem-se pelo orçamento da metrópole e das diversas províncias ultramarinas. Os últimos concorrem com subsídios de maior ou menor importância para organismos existentes na metrópole, como a Escola de Medicina Tropical e outros.
Dada a conveniência acentuada nos últimos tempos pela necessidade de desenvolver na medida do possível a economia dos territórios de além-mar, seria vantajoso que no futuro as contas das diversas províncias ultramarinas também se incluíssem na Conta Geral do Estado a apresentar anualmente à Assembleia, Nacional para a sua apreciação.
Na verdade, tanto o orçamento como as contas são submetidas ao Governo da metrópole, e por um dos seus membros aprovados.
0 exame pela Assembleia Nacional teria, além do carácter de fiscalização que compete ao corpo legislativo, a vantagem de familiarizar a opinião pública da metrópole com a vida financeira e económica do ultramar.
Aliás é a metrópole que em casos de emergência auxilia financeiramente os domínios ultramarinos. Só haveria para estes vantagens em tornar mais conhecidas na metrópole as suas necessidades, o seu grau de desenvolvimento e o seu progresso.
0 debate sobre as Contas Gerais do Estado seria um meio eficaz de estreitar ainda mais os laços que unem a Mãe-Pátria às suas províncias de além-mar.

Estas considerações convincentes o feitas por quem possui tanta autoridade no assunto, foram o bastante para que a Comissão de Colónias se decidisse por unanimidade propor que as contos" do ultramar fossem também submetidas à apreciação da Assembleia Nacional.
Atendendo às condições especiais das províncias ultramarinas, onde o exercício se prolonga por mais um período complementar de seis meses, não poderão, por este motivo, as contas de exercício daquelas províncias ser apreciadas conjuntamente com as contas da metrópole, que se encerram mais cedo. E, atendendo também a que deve competir à Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar verificar o relatar as contas antes de serem apreciadas pela Assembleia Nacional, resolveu a Comissão de Colónias acrescentar ao n.º 3.º da artigo 91.º da Constituição Política o seguinte período:
.. . e igualmente tomar as contas de exercício das províncias ultramarinas depois de verificadas e relatada pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar;

Realmente, Sr. Presidente, não faz sentido que uma avultada quantia, superior a 2.700:000 contos, que anualmente é distribuída no ultramar pelas diversas despesas

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não seja submetida h apreciação da Assembleia Nacional, para, através dela, o País ficar sabendo o destino e aplicação que lhe foram dados durante o exercício do respectivo ano económico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As receitas das províncias ultramarinas no actual ano económico totalizam a importância global de 2.747:000 contos, assim distribuídos:

Cabo Verde ... ... ... 34:964.301$73
Guiné ... ... ... ...85:079.650$00
S. Tomé e Príncipe... ...55:324.469$16
Angola ... ... ... . .817:599.138$23
Moçambique ... ... . .1.494:694.145$26
Índia ... ... ... .. 105:885.615$86
Macau ... ... ... . . 97:242:735$48
Timor... ... ... . . 56:285:309$63

Para se estabelecer uma comparação entro os montantes das receitas do ultramar e da metrópole direi que neste ano, as da metrópole totalizam uma importância de
5.318:000 contos, mondo 4.700:000 de receitas normais e 618:000 de receitas extraordinárias.
Como acabamos de ver, o ultramar dispõe de uma soma de receitas que é mais de metade da metropolitana. É realmente uma importância muito avultada e que, por si só, revela o estado adiantado de desenvolvimento em quo actualmente se encontra o ultramar português e de que o Pais precisa ter conhecimento.
Entendo, pois, ser de grande vantagem que a Assembleia Nacional discuta e aprecie anualmente as contas de exercício das províncias ultramarinas.

O Sr. Melo Machado: - Com vantagem até dos próprios Deputados, que vão inteirando-se assim do valor, do interesse e da grandeza da nossa administração ultramarina.

O Sr. Mendes Correia: - Ao menos um relatório anual do administração.

O Orador:- Sr. Presidente: uma outra inovação apresentada pelo Governo e que deve merecer inteiramente o apoio de todos os portugueses é a que diz respeito ao artigo 34.º o seu § único da proposta do Governo. Nesta proposta se diz que "a organização económica do ultramar deve integrar-se na organização económica geral da Nação Portuguesa e comparticipar através dela na economia mundial. E para se atingir estes fins "facilitar-se-á pelos meios convenientes, incluindo a gradual redução ou suspensão dos direitos aduaneiros, a livre circulação dos produtos dentro de todo o território nacional. 0 mesmo princípio se aplicará, quanto possível, à circulação das pessoas e dos capitais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: desta tribuna presto a minha mais calorosa homenagem ao Governo por ter curiosamente apresentado à discussão da Assembleia Nacional uma proposta de tão largo alcance no sentido verdadeiramente nacionalista de intensificar cada vez mais o fortalecimento da unidade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- A inovação proposta pelo Governo é princípio preconizado pela Assembleia Nacional em todos os pareceres das Contas Gerais do Estado.
No parecer a que já me referi sobre as contas de 1947, o relator, engenheiro Araújo Correia, ao tratar do capítulo "A necessidade de uma política económica para a metrópole e ultramar", diz:

O que se pretende é, fundamentalmente, o aproveitamento dos recursos nacionais, tanto na metrópole como no ultramar, que sejam susceptíveis de ser aproveitados em bases económicas.
Não há coordenação das economias metropolitana e ultramarina.
Não há até coordenação dos próprios ramos da economia nacional.
E estes pareceres em anos sucessivos, têm demonstrado ser absolutamente essencial essa coordenação nos seus diversos aspectos do investimento, do comércio externo da vida financeira e económica nas suas variadas cambiantes.

O princípio que se pretende estabelecer no texto constitucional é, Sr. Presidente, a mais profunda alteração apresentada pelo Governo, e ao mesmo tempo é a medida mais transcendente que se poderia introduzir no Acto Colonial, para mais decididamente se caminhar no sentido da unidade económica da Nação.
Esta proposta em nada vem alterar o sistema contido no Acto Colonial e antes vem- dar expressão real aos princípios de unidade e solidariedade que nele se contêm. É até um sintoma de vitalidade do Estado Novo quanto ao seu nacionalismo e espírito de renovação.
Será uma norma arrojada pela antecipação com que se apresenta, mas nem por isso deve atemorizar ninguém nem causar quaisquer apreensões acerca da progressiva actividade do nosso ultramar.

É mais uma demonstração de que a Revolução Nacional ainda continua, vigorosamente, com todo o seu poder renovador, a satisfazer o bem da Nação, que é o lema do Estado Novo e a sua única preocupação.
Não poderemos descansar enquanto não se atingir a plenitude da unidade nacional, enquanto não se obtiverem todas as vantagens do princípio da solidariedade entro a metrópole e o ultramar a tal ponto que, praticamente, se possa considerar livre a circulação dos produtos, das pessoas e dos capitais dentro de todo o território nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só assim daremos plena satisfação à consciência nacional, pois só então se dará integral cumprimento à trindade de princípios em que assenta a ideia imperial - unidade, solidariedade e nacionalismo -, a que se referiu o antigo Ministro das Colónias Dr. Francisco Machado no mencionado discurso, proferido na Conferência Económica do Império Colonial Português.
É evidente que terão de ser vencidos obstáculos sérios antes de se atingir tão importante finalidade nacional. E Dão será possível operar tão grande transformação num curto espaço de tempo.
Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu tome mais una minutos à Assembleia Nacional para expor o meu entender acerca desta proposta governamental.
A livre circulação dos produtos sómente se poderá obter por meio da gra4ual. redução dos direitos aduaneiros, até se atingir a sua supressão; mas isto exige, evidentemente, uma pauta única para todos os territórios nacionais, o que ainda está longe de se poder atingir, além de se impor a revisão do sistema tributário em cada província ultramarina.
A livre circulação dos capitais exige uma tão grande prosperidade económica do ultramar que os capitais ali possam afluir abundantemente para irrigar a circulação e promover o desenvolvimento industrial e agrícola daquelas províncias.

Este estado de desenvolvimento ainda se não alcançou, embora seja grande e progressivo o nos possamos orgulhar da obra que temos realizado em todas as províncias do ultramar.

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7 DE ABRIL DE 1961 777

Outros problemas estio ligados à livro circulação dos capitais entre a metrópole e o ultramar, como, por exemplo, o condicionamento industrial, cuja, isenção não se vê que seja fácil obter.
Porém, devo dizer que os capitais podem circular com liberdade tanto no regime da unificação da moeda como no actual regime das moedas locais. Em todo o caso; se vier a ser' estabelecido o sistema da moeda única para a metrópole e ultramar, ficará facilitada a circulação. Mas se esta condição é favorável à livre circulação dos capitais, não a podemos considerar indispensável. É apenas conveniente.
A livre circulação das pessoas não. pode deixar de estar, presentemente, sujeita às restrições da selecção, porque só os melhores elementos devem fazer parte de meios que pretendemos sejam constituídos por bons portugueses e possam progredir segundo os princípios da nossa civilização cristã.
E, para evitar os maus elementos, o Governo propôs o novo artigo 7.º-A, pelo qual tanto a estrangeiros como a nacionais pode ser recusada a entrada nos territórios ultramarinos ou deles serem expulsos, conformo estiver regulado, se da sua presença resultarem graves inconvenientes de ordem interna internacional.
Isto, porém, é uma medida necessária, como defesa da ordem, que é preciso manter, e nada pode invalidar a livre circulação das pessoas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Para, se manter a integridade do princípio proposto pelo Governo, a liberdade de circulação deverá abranger as pessoas, os capitais e os produtos. De outra maneira o princípio ficaria incompletamente enunciado. Mas, por outro 1a6, nós sabemos que as províncias ultramarinas têm economias diferentes da metropolitana, e até entre elas, e meios sociais também distintos, de tal modo que as poderemos considerar compartimentações nacionais sob os aspectos financeiro, administrativo e aduaneiro. E só muito longinquamente nós conseguiremos realizar a plenitude desta, aspiração nacional.
Ora é por estas razões que poderão surgir dúvidas quanto á integração do principio no texto constitucional.
Mas se esta é uma aspiração de todos os portugueses de aquém e além-mar e se nos dá uma posição jurídica que nos defende de possíveis acusações iníquas, porque não havemos de aceitar tão importante proposta?
Além disso, a política de desagravamento aduaneiro, compensado por outras fontes de matéria tributável, é orientação que há anos tem vindo a ser seguida pelo Ministério das Colónias.
Não se julgue, pois, que esta proposta de alteração ao Acto Colonial aio seja perfeitamente exequível no que diz respeito ao desagravamento fiscal, isto é, na parte destinada a reduzir ou eliminar direitos aduaneiros que incidam sobre mercadorias de origem nacional ou nacionalizadas.
Não se deve entender que seja uma tentativa com probabilidades de falhar por se atender apenas às sérias dificuldades que apresenta a sua execução.
Esta proposta do Governo tem até todas as possibilidades de boa execução, desde que seja gradual e cautelosamente aplicada a legislação ordinária que se lhe seguir.
Para evidenciar a verdade desta afirmação bastará indicar a orientação que tem havido no Ministério das Colónias em matéria de desagravamento de direitos e imposições aduaneiras nos períodos em que a pasta daquele Ministério foi sobraçada pelo Dr. Francisco Machado e pelo Prof. Dr. Marcelo Caetano.
Apoiados.
Em 1941 foram reformadas as alfândegas do ultramar com a publicação do Estatuto Orgânico das Alfândegas Ultramarinas.
Tendo-se reconhecido, porém, ser necessário atender à política comercial estabelecida com os territórios vizinhos de Angola o Moçambique, os dois referidos Ministros, nas viagens que fizeram àquelas províncias ultramarinas, publicaram portarias desagravando os direitos nas zonas fronteiriças. Refiro-me às portarias ministeriais n.º 11, publicada em Lourenço Marques em 8 de Setembro de 1942), e n.º 39, publicada em Luanda em 25 de Outubro de 1945.
Esta política de desagravamento ou redução de direitos aduaneiros foi continuada no Ministério das Colónias com a reforma pautal de Angola, publicada em 18 de Dezembro de 1948.
E tais foram já os resultados obtidos em consequência da execução desta reforma pautal que Angola, nos anos de 1949 e 1950, deixou de cobrar cerca de 59:000 contos nos seus rendimentos alfandegários.
E nem por isso a situação de Angola deixa de atravessar uma fase de intenso progresso, como se pode verificar na notável exposição feita recentemente pelo governador-geral, capitão Silva Carvalho, aos representantes da imprensa, numa dos salas do Ministério das Colónias.
Ao referir-se à política de mecanização já iniciada e à obrigação que o Estado tem de amparar, proteger e estimular toda a actividade que se oriente nesse sentido, afirmou que em Angola assim se tem feito, pois, entre outras medidas, se entrou no caminho de reduzir os direitos de importação a taxas praticamente estatísticas. É, certo que esta supressão de direitos tem o fim especial de estimular a mecanização agrícola, e industrial de Angola, assim como a redução de direitos provenientes das portarias ministeriais referidas tem o fim de satisfazer a política fronteiriça; mas, ao mesmo tempo, evidencia-se ser também possível reduzir direitos aduaneiros ou suprimi-los, tanto na metrópole como nas províncias ultramarinas, com a finalidade de se alcançar a livre circulação dos produtos nacionais ou nacionalizados entre todos os territórios da Nação Portuguesa.
Como será necessário obter matéria tributável destinada à compensação respectiva, também se verifica das palavras do governador-geral de Angola aos representantes da imprensa que tem sido viável naquela província ultramarina reduzir gradualmente a importância dos direitos aduaneiros e substitui-la por outros rendimentos, visto que a reforma tributária tem acompanhado a reforma pautal.
Não deverá, pois, haver quaisquer motivos de receio quanto aos resultados que advirão se a proposta governamental for aprovada pela Assembleia Nacional.
Quanto à província de Moçambique, não é possível por enquanto conhecer qualquer resultado da sua, reforma pautal, visto que ela foi aprovada pelo Decreto n.º 38:146, de 30 de Dezembro de 1950, e só entrou em execução a partir de 1 de Março do corrente ano.
No entanto pode, desde já dizer-se que a nova pauta foi baseada na gradual redução ou suspensão total de direitos exigida pelas condições de ordem económica ou social.
Este desagravamento destina-se a influir no nível de vida, tanto da população civilizada como das populações nativas, o em especial das regiões da fronteira terrestre; e, além de outros fins, destina-se também a uma decidida protecção às actividades produtoras, tanto da província como da metrópole.

Como é intuitivo, uma reforma assim orientada poderá vir a envolver algum prejuízo ou sacrifício

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para o tesouro da colónia, quando circunstâncias de ordem económica ou social exijam a realização de quaisquer desagravamentos dos impostos aduaneiros através da movimentação das sobretaxas pautais.
Tudo dependerá, com efeito, da escolha da oportunidade para realizar a sua redução ou suspensão. Deve, no entanto, observar-se que quaisquer desagravamentos que hajam de realizar-se poderão ser escalonados por um período de anos mais ou menos longo, e portanto sem grande perigo para o orçamento das receitas da colónia. Simplesmente a política a seguir em matéria de desagravamento pautal terá de condicionar-se, portanto, à situação financeira da colónia.

Transcrevi esta última parte do preâmbulo justificativo .do referido Decreto n.º 38: 146 para melhor esclarecer a Assembleia Nacional de que tudo se encontra acautelado, e até se preceitua que as reduções se realizem num período mais ou menos longo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como acabamos de ver, o actual titular da pasta das Colónias continua a seguir a mesma orientação dos seus antecessores. E Salazar, que orienta a política do Governo e está sempre atento ao bem comum da Nação, tem razões Muras e ponderosas para submeter à discussão da Assembleia Nacional tão importante o oportuna proposta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Finalizando as minhas considerações, quero exprimir a minha admiração pelos notáveis pareceres elaborados pela Câmara Corporativa sobre a proposta do Governo para alteração ao texto constitucional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:.- Vou encerrar a sessão.
A próxima será na terça-feira, dia 10, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 80 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobo.
António Jacinto Pereira.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram á sessão:

André Francisco Navarro.
António de Almeida.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.

O Redactor - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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