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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

ANO DE 1951 25 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 101 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 24 de ABRIL

Presidente: Exmo. Sr.Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 99 e 100 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente usou da palavra para se referir à grande lição de civismo dada pelo povo português aquando das manifestações fúnebres pela morte de Sua Excelência o Chefe do Estado.
Na mesma ordem de ideias falou o Sr. Deputado Ricardo Durão.
O Sr. Deputado Alberto Cruz usou da palavra para chamar a atenção do Govêrno para certas anomalias quanto a encargos de previdência que recaem sobre algumas indústrias do distrito de Braga.
O Sr. Deputado Sá Carneiro foi autorizado a depor, como testemunha, no 3.º juízo correccional do Porto.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 76 e 77 do Diário do Governo e seus suplementos, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 38:222 a 38:288.
O Sr. Presidente comunicou, igualmente, estar na Mesa a proposta de lei n.º 511, elaborada pelo Governo e enviada à Câmara Corporativa. Essa proposta - sobre o condicionamento das indústrias -; que já tem parecer da Câmara Corporativa, vai baixar à Comissão de Economia da Assembleia.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade da proposta de lei sobre alterações à Constituição e ao Acto Colonial.
Usaram da palavra no decorrer do debate os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Carlos Moreira, Botelho Moniz, Mendes Correia, Paulo Cancela de Abreu, João do Amaral, Pinto Barriga e Dinis da Fonseca.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 15/V, acerca do projecto de proposta de lei n.º 511 (condicionamento das indústrias).

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O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Franca Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 99 e 100 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados pede a palavra, considero-os aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Presidente Albino dos Róis - Assembleia Nacional - Lisboa. - Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª e a essa egrégia Assembleia que a Camará dos Deputados do Brasil, por unanimidade de votos, depois de falarem vários oradores, deliberou levantar a sessão em homenagem à memória do ínclito Presidente da República Portuguesa, marechal António Oscar de Fragoso Carmona, ontem falecido. Renovando a V. Ex.ª a expressão de profundo pesar desta Câmara e do meu próprio, apresento a V. Ex.ª os protestos da minha mais elevada admiração e apreço. - Nereu Ramos, Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil.

Acabo saber grande desgosto cobre nosso pais envio V. Ex.ª meu Presidente sentidas condolências acompanhando colegas Assembleia Nacional horas tanta tristeza.- Sousa da Câmara.

De condolências pelo falecimento de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, marechal Carmona, de entre outras, das seguintes entidades:
Comissão Municipal de Inhambane, Câmara Municipal de Moçâmedes, dirigentes e pessoal da Emissora Aero-Clube da Beira, Câmara do Comércio Indiana,
governador do distrito autónomo de Ponta Delgada, direcção do Aero-Clube de Portugal, direcção da Casa dos Pescadores e classe piscatória de Sines, Casa de Entre Douro e Minho, Aero-Clube de Portugal, em representação do Aero-Clube de S. Tomé, Alfredo Tomé Natário, L.da, membros da Junta de Freguesia do Ameal, concelho de Coimbra, Clube Desportivo Arrifanense, direcção do Sindicato Nacional dos (Construtores Civis de Lisboa, Junta dos Professores de Santarém, do povo

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da Barriosa, Casa da Senhora de Lurdes, Dr. Ernesto Subtil, Junta de Freguesia de Fajões, Dr. António Andrade, Adelino Pereira Marques, Joaquim Matos, Agência de Viagens Moreira, do Porto, habitantes do Bairro Presidente Carmona, de Setúbal, direcção da Federação de Caixas de Previdência - Serviços Mecanográficos, Câmara Municipal de Vila Verde, Sousa Cruz & C.a, directores e funcionários do Sindicato Nacional da Construção Civil de Évora, enfermeiros do sanatório distrital de Viseu, delegado do 'Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis no Porto, directores e funcionários da Casa do Povo de Nossa Senhora de Machede, Manuel Pinto da Silva, Sindicato Nacional dos Corticeiros do Distrito de Portalegre, regedor da freguesia de Pedrógão, delegado paroquial da União Nacional de Pedrógão, direcção do Sindicato Nacional dos Empregados Administrativos da Marinha Mercante, Aeronavegação e Pesca, antigo Deputado Belfort Cerqueira, Junta de Freguesia de Pedrógão, Junta de Freguesia de Delães, comandante e subordinados da secção da Guarda Nacional Republicana em Amarante, direcção do Grémio dos Retalhistas de Mercearia do Norte, Dr. Belchior da Costa, direcção do Futebol Clube do Porto, empresa do Teatro Éden, direcção do Grémio do Comércio de Exportação de Vinhos, Junta Autónoma do Porto de Aveiro, Câmara Municipal de Arouca, Anselmo, guarda-livros do Grémio da Lavoura de Mafra, direcção do Grémio da Lavoura da Covilhã e Belmonte, direcção do Sindicato Nacional dos Operários Metalúrgicos do Distrito do Porto, direcção e corpo docente do Conservatório Nacional, direcção do Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, Agência de Viagens Coelho Costa, do Porto, Junta de Freguesia e do povo de Alvoco da Serra, pessoal da Caixa de Previdência dos Tipógrafos, Domingos Loia Cabrita, da corporação de sargentos de infantaria n.º l, Grémio da Lavoura de Lagos, Aljezur e Vila do Bispo, direcção da Cooperativa O Problema da Habitação, jornal Noticias de Ovar, dos motoristas de praça de Viseu, Ordem Terceira de S. Francisco, de Guimarães, Manuel José Lopes Pereira, Câmara Municipal de Elvas, direcção da União de Grémios de Lojistas de Coimbra, Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Ovar, Junta de Freguesia de Loivos, direcção do Sindicato Nacional dos Motoristas de Setúbal, funcionários do Grémio de Retalhistas de Mercearia do Norte, Grémio da Lavoura de Mafra, direcção do Clube de Futebol União de Coimbra, Joaquim Rola, Dinis M. de Almeida, directores e funcionários da Casa do Povo de Évora, engenheiro Pedro Inácio Álvares Ribeiro, direcção do Grémio da Lavoura de Eivas, funcionários da circunscrição técnica dos CTT de Braga, Pedro Augusto Franco, L.da, Raul Trindade, Grémio da Lavoura de Bragança, União Nacional de Vale de Cambra, Sindicato Nacional dos Artistas Teatrais, Livraria Nelita, Editora, engenheiro José Santareno Pignatelli, Coudelaria de Alter do Chão, Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Singer Sewing Machine Company, Câmara Municipal de Vila do Porto, direcção do Colégio de Oliveira de Azeméis, António Pires Cordeira, Câmara Municipal de Ovar, Junta- de Freguesia de Vila Franca de Xira, Grémio da Lavoura de Arronches, Grémio Nacional das Farmácias, Junta de Província do Douro Litoral, Câmara Municipal de Coruche, junta de turismo do Furadouro, Cooperativa O Lar Familiar, professores da Escola Comercial e Industrial de Oliveira de Azeméis, Casa do Porto em Lisboa, Câmara Municipal de Vale de Cambra, Sindicato Nacional dos Empregados Viajantes e de Praça do Distrito do Porto, Caixa Sindical de Previdência do Pessoal da Indústria e Comércio de Produtos Químicos e Farmacêuticos, funcionários da Direcção dos Serviços Radioeléctricos dos CTT, Câmara Municipal da Nazaré, Associação Maometana e Indiana de Lourenço Marques, Comunidade Maometana e Indiana dos Súbditos do Paquistão, em Lourenço Marques, Casa do Povo no Rio de Janeiro, direcção da Associação Comercial da colónia de Moçambique, direcção do Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto, Sindicato Nacional dos Comercialistas, Junta de Freguesia de Reguengos, Agência de Bilhetes de Espectáculos, Dr. Querubim Guimarães e José da Costa.

Cartões de pêsames

De Gualter Quintas, Manuel Joaquim Canhão, António Francisco da Costa, Adelino da Cunha Neto, Adriano do Nascimento, Manuel Fernando de Sousa Robalo, Joaquim Jerónimo Ruas, Carlos Alberto Ribeiro, Adelino Rodrigues da Costa, Aarão de Figueiredo, Porfírio Carneiro, Maria do Céu Pinto Mendonça, Leonel Dias, Maria Emília Henriques dos Santos, Mário Ferreira Duarte, João Rico, Anselmo Soares da Silva, António Duarte Ideias, Manuel da Costa e Cunha, António José Martins e Associação dos Estudantes da Escola Superior de Medicina Veterinária.

Cartas de pêsames

De Gualter Quintas, Alberto Geraldes, António Teixeira de Castro Montenegro, José Larcher Cid Castelo Branco Alegria, legionários de Canas de Senhorim, direcção da Cooperativa A Padaria do Povo, direcção de Viagens Mondalco, Mondalco, L.da, e Dr. Francisco Ramos Jorge.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: no tempo que medeou entre a última sessão e a de hoje decorreram os funerais do Sr. Marechal Carmona e vieram até nós as manifestações de pesar mais comovidas, não só do continente e ilhas, mas de todos os pontos do Império, das comunidades portuguesas dispersas pelo Mundo e até do estrangeiro, pela perda que a Nação acaba de sofrer.
Há pouco foi lido à Assembleia um telegrama do Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, dirigido a esta Assembleia, em que comunica que aquela Câmara, depois de vários oradores terem usado da palavra sobre o infausto acontecimento, resolveu, por unanimidade, exprimir o seu profundo pesar e levantar a sessão em sinal de sentimento.
É certamente para a Assembleia Nacional e para o País motivo de reconforto a solidariedade da Câmara dos Deputados do Brasil no nosso profundo luto, e eu ia dizer na orfandade em que o falecimento do marechal Carmona deixou o Pais. Por isso a agradeci imediatamente em nome da Assembleia Nacional, certo de traduzir os seus mais sinceros sentimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Neste momento incerto em que o golpe rude e inesperado nos lançou, damos todos as mãos e o nosso apoio inteiro ao Chefe do Governo. Por mim, rogo a Deus que ajude e ilumine o homem que tem nesta hora melancólica sobre os seus ombros a paz e a tranquilidade pública, os destinos do regime e o País. Acima de todos os pensamentos limitados e estreitos, que Deus dê a todos os Portugueses um pensamento nobre e superior - a nobre e superior preocupação do maior bem da Pátria Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Sr. Presidente: - Temos um penhor consolador que assim será na edificante lição de civismo que exibiram os Portugueses em todas as latitudes e as comunidades lusitanas dispersas pelo Mundo - de respeito e de homenagem pelo Chefe da Nação que falecera. O Mundo terá reconhecido que os Portugueses constituem verdadeiramente um povo consciente da sua personalidade como nação e do seu destino entre os demais povos.
A Assembleia Nacional congratula-se por tão edificante lição de civismo e exprime a todos os Portugueses, e especialmente ao povo da capital, o sen reconhecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Oportunamente será prestada na Assembleia a homenagem condigna ao ilustre morto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para saudar desta tribuna o povo português pela sua imponente manifestação de civismo, de dignidade, de sentimento e de gratidão ao homem que durante vinte e cinco anos garantiu em Portugal a ordem nas ruas e a paz nos espíritos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não foram apenas as fardas agaloadas dos embaixadores, dos Ministros, dos generais, dos académicos, dos altos dignitários que deram significado ao luto da Nação. Não foram apenas as fileiras do nosso exército, com as suas baionetas reluzindo ao Sol, ao desfilar ante o corpo exangue do venerando marechal, numa continência aprumada e firme, que imprimiram marcialidade e grandeza ao derradeiro tributo das suas homenagens.
Foi sobretudo o povo, o povo humilde e forte, que deu realce e expressão àquele eloquente plebiscito de apoteose e de saudade; foram esses lenços brancos de mulheres humildes que em Belém se ergueram, de entre a turba anónima, acenando de longe a uma familia dilacerada, num gesto fraterno de solidariedade e de ternura, para comparticipar também na dor pungente da sua mulher e dos seus filhos; foi toda esta mole imensa que acompanhou Carmona ao templo das nossas glórias que nos transmitiu a certeza plena de que a Pátria inteira o chorava no seu túmulo.
E bem mereceu da Pátria e do povo, por todos os títulos, o marechal Carmona.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando Gomes da Costa arrancou em Braga logo por todo o País o seu grito de guerra reboou de coração em coração.
Nessa altura, o general Carmona, à frente da 4.ª divisão, farto de ver fracassar movimentos militares, pesando maduramente as suas responsabilidades de chefe, hesitou um momento, antes de lançar a sua espada na balança. Daí o dizer-se que ele não entrou na Revolução. Admitamos: o general Carmona não entrou, portanto, no 28 de Maio, mas fez mais do que isso; salvou o 28 de Maio da ruína e da falência moral.
Assim, também, quem salvou a França em 1789 não foi o verbo inflamado de Danton, não foi a bravura de Hoche nem o gládio reluzente de Dumouriez; foi o bom senso previdente e perspicaz, a acção metódica e voluntariosa de Lázaro Carnot. Com o general Carmona a história repete-se; se não fosse ele, todo o nosso esforço se subvertia naquele caos político, naquela confusão social e militar dos primeiros dias de incerteza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E enquanto os nossos inimigos rejubilam na previsão da catástrofe, é nessa hora de dúvida e de ansiedade que ele, à frente dum grupo de velhos generais que nunca em sua vida sonharam fazer um golpe de Estado, é nessa hora extrema que ele arrisca a sua sorte e a sua vida no mais dramático lance do 28 de Maio.
Sim, porque o general Gomes da Costa erguera-se contra um acervo de cobardias, ao passo que o general Carmona tinha diante de si um herói.
Desde então a sua intervenção nos negócios públicos foi sempre benéfica e oportuna, e a sua vontade prudente e esclarecida traduziu em todas as circunstâncias os desígnios do Exército e as aspirações da Nação.
O mais difícil estava feito.
O intrépido promotor de justiça do 18 de Abril, com o seu aprumo de paladino e a sua galhardia de cavaleiro, conseguira reunir à sua volta toda a força armada, naquela união indefectível, que tem sido e continua a ser a chave mestra desta abóbada imponente, cuja solidez o Exército garante com o seu sacrifício, como Afonso Domingues no Mosteiro da Batalha.
Ninguém, de facto, como o marechal Carmona compreendia a nossa mentalidade e as nossas aspirações.
Ninguém como ele sabia conciliar com tanta firmeza e tanta suavidade os nossos acessos, por vezes intempestivos, de grognards insatisfeitos. E ele, melhor do que ninguém, podia avaliar e perdoar o que há de apaixonado e de vibrante no nosso apelo de saneamento, na nossa fúria de moralidade e na nossa sede de justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há muita gente por aí que não pode compreender nem sabe desculpar a nossa sensibilidade, exacerbada pelas responsabilidades que nos assoberbam, como representantes da Nação e como soldados da Revolução Nacional. Ao passo que o marechal Carmona, com a sua lúcida intuição e o sen perfeito conhecimento da nossa deformação profissional, sentia na sua própria carne o palpitar dos nossos corações.
Sim, porque os homens do 28 de Maio - e nesta designação envolvo civis e militares - só pretendem que lhes sejam fornecidos elementos, quer dizer, os argumentos e os recursos necessários para poderem, em todas as circunstancias, defender com orgulho a sua causa na tribuna e na trincheira. Quem pretenda mais do que isto não é do 28 de Maio.
E foi a esses precisamente que Salazar disse num dos seus primeiros discursos:

Aos que se bateram pela nossa cruzada não se lhes pode negar o direito de querer saber, de quando em quando, como isto vai. Esses poderão apresentar-se diante de todos com a firmeza e a alegria de quem ajudou a salvar Portugal.

Para definir uma atitude de reconhecimento não se pode ser mais eloquente e mais justo.
Carmona obedeceu como nós - e ele o disse - «até ao extremo limite das suas forças», «Sou apenas um soldado», afirmou. E todos nós que envergamos, sobre corações de portugueses, o mesmo uniforme da galhardia e da honra, quantas vezes obedecemos na vida contra as nossas conveniências, contra os nossos próprios direitos.
Chega a parecer muitas vezes, perante a miséria dos factos e a impudência dos homens, sempre que os ares

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se torvam e o pânico alastra, quando a terra treme e as construções oscilam, chega a parecer que é a nós, rudes soldados, que pertence a delicada, a delicadíssima missão de dar oportunamente, a quem prevarica, lições de civismo, de cordura e de isenção.
Porquê? Porque sentimos que na actual conjuntura, nesta veemente aspiração em marcha que é, apesar de tudo, o nosso orgulho e a nossa esperança, são condições essenciais de continuidade e de eficiência a nossa força, a nossa fé e a nossa lealdade. Porque sentimos que, depois do 28 de Maio, todas as experiências políticas e sociais terão de fazer-se na calma dos laboratórios, dentro da família portuguesa, longe dos tumultos destrutivos em que o ódio atrai o ódio e a injúria provoca a injúria, afectando gravemente o que a todo o custo devemos preservar: a honra do Exército e a dignidade da Nação.
Estas nossas inquietações ninguém as compreendeu e traduziu com tanta autoridade e tanta elevação como o Sr. Marechal Carmona.
Com a sua morte foi dilacerada, fibra a fibra, a simbiose heróica Carmona-Salazar. Dá-se entretanto a transmissão de poderes, que transitam assim do homem bom para o homem justo. Temos, portanto, a garantia de que a Revolução continua. Salazar sabe muito bem que um chefe só é grande quando sente palpitar dentro do peito o coração dum povo.
Foi Salazar que disse um dia às mães de Portugal:

Ó mães felizes que vos debruçais sorrindo, no conforto dos vossos lares, sobre o berço dos vossos filhos lembrai-vos de quantas mães vão sofrendo para garantir com o seu trabalho a vossa felicidade.

Foi Salazar que disse um dia aos trabalhadores de Portugal:
Enquanto vós pensais nos vossos filhos, tenho eu de pensar nos filhos de todos vós.

Estas afirmações recendentes de bondade e de justiça ligam para sempre um homem à responsabilidade dos seus actos. É certo, pois, que a Revolução continua e Salazar revive como Carmona no coração do povo. Salazar obedece como nós ao mesmo imperativo e êsse imperativo é Portugal.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: temos de fechar nos nossos corações a dor e a saudade que a perda do nosso querido e grande Presidente nos deixou e continuar a tratar dos problemas que interessam à Nação.
Sr. Presidente: bem contra minha vontade, tenho de ocupar mais uma vez a atenção de V. Ex.ª e da Câmara com um assunto que está a afectar gravemente a economia do distrito de Braga.
Vou tratá-lo sem devaneios literários nem notas plangentes de canções melancólicas ou depressivas, tanto em moda na era presente, a cantar as misérias alheias.
Vou tratá-lo com a objectividade que a minha profissão de cirurgião impõe ao meu espírito e dita às minhas palavras.
Como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, o distrito que, pelo sufrágio dos seus eleitores, me deu o direito .de ocupar este lugar é dos mais populosos do País, e por isso também é daqueles onde as crises têm maiores reflexos, sòmente atenuados pela boa índole do seu povo, habituado a viver com a maior frugalidade e sem revoltas, pedindo a Deus o que lhe falta, e, quando não o consegue, pedindo ainda a resignação crista, esperando na outra vida a compensação dos infortúnios desta, e que ele bem traduz por esta máxima: «Seja tudo em desconto dos nossos pecados», ou, melhor ainda: «Seja tudo pelo divino amor de Deus».
Mas, Sr. Presidente, tudo tem limitações neste mundo, até a paciência, quanto mais a resistência física e moral às privações.
Eu, que, por dever de ofício, conheço bem as necessidades e os queixumes do povo, sou forçado a trazer à consideração de V. Ex.ª e da Câmara um assunto que reputo de inteira justiça resolver com a maior urgência e que só não deve estar solucionado por desconhecimento dos homens encarregados desse sector da vida pública, ou porque assuntos de muito maior monta lhes absorvem totalmente a atenção.
O distrito de Braga e, muito especialmente, a sua capital atravessam um período mau, que é somatório de muitos factores que seria fastidioso enumerar e que em tempos já aqui neste lugar, em período parecido com o actual, tive ocasião de referir.
Desde essa data até hoje alguns desses factores atenuaram-se e outros agravaram-se demasiadamente.
A população aumentou muito; naturalmente a terra não aumentou nem diminuiu, é a mesma de sempre, e a indústria é que está cada vez mais reduzida, e eu quero crer, também com o povo, que só por milagre tudo vai vivendo na santa paz do Senhor. Pois é à indústria que eu quero referir-me hoje, especialmente à dos iramos de chapelaria e de calçado, tradicionais do meu distrito, mas, principalmente, dos concelhos de Braga e Guimarães.
A indústria de chapéus, outrora tão florescente e que sustentava um dos mais populosos bairros da cidade de Braga e que tanta influência tinha na parca economia daquela região, foi desaparecendo a pouco e pouco e encontra-se nesta altura reduzida a uma fábrica, das três grandes que existiam.
As pequenas fabriquetas já desapareceriam há muito na voragem da luta febril das últimas décadas e a segunda das grandes fábricas fechou as suas portas há três semanas aproximadamente.
Indagado o motivo, fiquei indignado por até hoje se não ter encontrado solução rápida e justa para o caso em questão, como é próprio da ética do Estado Novo.
O que se passa? ...
Além doutros factores, a indústria de chapéus sofre encargos de previdência no distrito de Braga que nenhum outro distrito do País suporta.
Os industriais de chapéus são obrigados a pagar 15 por cento sobre o montante dos salários pagos, enquanto os dos outros distritos só pagam 7 por cento pobre os mesmos salários, isto porque é só no distrito de Braga que os industriais de chapéus e calçado descontam para a caixa de previdência, ao passo que nos outros distritos só descontam para o abono de família.
Há, portanto, uma diferença de 8 por cento.
Porquê esta desigualdade?
Ou melhor, porquê esta injustiça?
Como podem estas indústrias do distrito de Braga competir em preços com as congéneres do País?
Responda e actue urgentemente quem pode, pois deve continuar firme a fé nas leia do Estado e a confiança em quem tem o dever de as aplicar. E já não é sem tempo, pois a anomalia que aponto já vem de 1947 a produzir os seus malefícios.
Agora para a indústria de calcado dá-se precisamente o mesmo caso, só com diferença de datas, pois para. esta começou a 16 de Julho de 1948.
Os resultados no meu distrito também estão bem patentes.

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Uma dezena de firmas do concelho de Guimarães terminou a sua actividade no decurso destes dois anos, impossibilitadas de solver totalmente os seus compromissos, e outras vão encenando (parcialmente até à ruína total.
No concelho de Braga sucede o mesmo fenómeno. A indústria de calçado paga desde 1948 uma contribuição de 12 por cento a mais em relação aos outros distritos do País, o que encarece em 6$ cada par de calçado.
Fui informado também que os 8 por cento do abono de família em Guimarães têm sido sempre pagos, mas os operários dêste ramo não recebem há oito meses já o dito abono.
Isto não é moral, e os que trabalham na indústria de sapataria em Braga são bem conhecidos em todo o País pelo seu conceito de moralidade, e por isso não compreendem, esta chocante e perturbadora excepção.
Porque isto, Sr. Presidente, não pode nem deve continuar, porque aio Tribunal do Trabalho de Braga há Cariados processos de transgressão para julgar, referentes à falta de pagamento do unilateral referido imposto e os juizes têm de cumprir a lei, peço ao Governo as providências urgentíssimas que este caso original requer e que tenho a certeza serão dadas, depois de ràpidamente averiguados os factos.
Assim o espero e tenho fé que assim será.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente.: - Está na Mesa um telegrama do juiz de direito do 3.º juízo correccional do Porto pedindo autorização à Câmara para que o Sr. Deputado José Gualberto de Sá Carneiro possa depor, como testemunha, naquele tribunal, a 26 de Abril corrente, pelas 14 horas. Informo a Câmara de que o Sr. Deputado Sá Carneiro não vê inconveniente, para o exercício das suas funções parlamentares, em que a Câmara lhe conceda a autorização solicitada.

Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 76 e 77 e seus suplementos do Diário do Governo, de 17 e 18 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 38:222 a 38:228.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Comunico também à Câmara que está na Mesa a proposta de lei n.º 511, elaborada pelo Governo e enviada à Câmara Corporativa para esta emitir o respectivo parecer, proposta essa sobre o condicionamento das indústrias, a qual já tem o parecer da Cântara Corporativa. Vai ser publicada no Diário das Sessões e baixar à Comissão de Economia desta Câmara.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.º da proposta de lei.
Sobre este artigo foi enviada para a Mesa e publicada no Diário das Sessões uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção para substituir este artigo 10.º da proposta de lei.
Vai ser lida à Assembleia a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.
Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a proposta da Comissão de Legislação e Redacção tem dois sentidos: um é dar uma arrumação diferente às matérias que constituem objecto da proposta do Governo.
Daqui resulta que o facto de ser admitida a proposta de substituição não significa de maneira nenhuma que seja rejeitada a doutrina do texto da proposta, pelo simples facto da votação, porque a doutrina que está em algumas das disposições do texto passa para outros textos.
Pedia até a V. Ex.ª o favor de esclarecer sobre este ponto a Câmara: de que o facto de se aceitar a proposta de substituição não significa que a doutrina consignada em alguns dos parágrafos do texto da proposta do Governo seja rejeitada, porque ela aparece noutros artigos da proposta de substituição da Comissão de Legislação e Redacção.
Outra modificação relativamente à proposta do Governo é a seguinte: como se sabe, na proposta do Governo não se fixava o processo de designação de Chefe do Estado. Se não se fixava na proposta do Governo o processo de designação de Chefe do Estado, isso só podia significar que esse processo não constituía matéria constitucional e havia de ser regulado pela lei ordinária.
A Comissão, acompanhando a Câmara Corporativa, entende que a designação para o mais alto cargo da vida do Estado deve constituir matéria constitucional e por isso mesmo perfilha aquilo que já era doutrina da nossa Constituição, na qual está consignado o princípio de que o processo de designação de Chefe do Estado é o sufrágio directo do cidadão eleitor.
Esta, como digo, não era, pelo menos formalmente, a solução da proposta do Governo.
A Comissão entendeu que matéria de tão grande alcance devia ser matéria constitucional.
Apenas outro apontamento, Sr. Presidente, e aqui a Comissão coincide com a proposta do Govêrno e não aceita a solução sugerida pela Câmara Corporativa. É a matéria relativa à hipótese de, por virtude de acontecimentos graves, não poderem, nos prazos constitucionais, reunir-se os colégios eleitorais.
Nessa hipótese, prorroga-se o mandato.
Como VV. Ex.ªs sabem, a Câmara Corporativa restringe estes acontecimentos graves ao caso de guerra. Mas é claro que a fórmula do Govêrno parece mais aceitável porque em caso de revolução interna, que não é provável, felizmente, no nosso país, dada a experiência dos últimos vinte anos ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... um tal caso deve equiparar-se a caso de guerra, assim como o caso de epidemia.
Pareceu, portanto, à Comissão que havia mais casos além do caso de guerra nos quais não se justificava doutrina diferente daquela que a Câmara Corporativa sugere para o caso de guerra.
São estes os apontamentos essenciais que me parece deverem ser feitos à doutrina do artigo 72.º da Constituição e ao artigo 10.º da proposta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Moreira:- Sr. Presidente: poucas palavras justificativas de uma atitude..

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Creio não ser de ocultar neste momento a ansiedade que nos vem dominando a todos, que atinge a própria consciência nacional (e nós somos um poro com forte consciência colectiva), ansiedade que se traduz na preocupação de descobrir uma actuação ou uma fórmula que domine com segurança as fatais crises políticas que hão-de surgir forçosamente sempre que se trate de prover, por eleição, a chefatura do Estado.
É sintoma inequívoco de que o problema existe a nova urdidura de condições de relativa segurança que o Govêrno e a Câmara Corporativa estabelecem para joeirar os candidatos à Presidência da República. Sinal de que é perigoso deixá-los livremente entregues ao sistema do sufrágio, quer directo quer indirecto.
As propostas de alteração a este artigo, e derivadamente a outros que com ele têm mais íntima relação, não exprimem avanço sensível na evolução do regime.
A parte a criação de mais algumas condições tendentes a evitar o chamado golpe de Estado constitucional, em nada se vê que seja facilitada a natural e indispensável evolução do Estado até atingir na sua cúpula a independência e estabilidade institucionais necessárias.
E, porque o julgo bem a propósito, não quero deixar de recordar o que, com a autoridade do seu prestigioso nome de mestre de Direito, o Sr. Doutor Fezas Vital disse na sua notável entrevista recentemente concedida ao Debate, onde se consigna esta verdade irrecusável à face da doutrina e das realidades políticas:

Os princípios informadores do Estado Novo - unidade, independência e continuidade do Poder, corporacionismo, antipartidismo, etc. - são princípios que, em República, nunca se verão plenamente institucionalizados, mas, quando muito, substituídos no domínio dos factos por uma realidade de índole mais ou menos pessoal, transitória por natureza.

As razões que acabo de enunciar são, por si mesmas e pelos seus previsíveis efeitos, de molde a convencer-me de que, por imperativo da minha consciência política, não devo dar o meu voto aos artigos 10.º e 11.º

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às disposições subsequentes e respeitantes à mesma matéria, porque se trata já de regular assunto indispensável no caso de aprovação dos mencionados artigos 10.º e 11.º, não deixarei de, nessa hipótese, dar o meu voto no sentido que melhor entender, sem quebra dos princípios e razoes que me levam a tomar agora esta atitude.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Ao votar contra faço-o porque prefira a doutrina ou a redacção actual? Não. Apenas porque, de uma ou de outra forma, o problema continua em aberto e reclama solução definitiva.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Barriga: - Não apoiado!

O Orador: - Registo o não apoiado de V. Ex.ª, Sr. Deputado Pinto Barriga.
Pelo teor de alguns discursos aqui proferidos verificou-se que outros Srs. Deputados pensam da mesma forma.
Sr. Presidente: o doloroso acontecimento que há poucos dias enlutou a Nação veio infelizmente mostrar como eram oportunas as considerações aqui formuladas a propósito da inconsistência dos meios adoptados ou propostos quanto ao problema político português.
Nas condições perante as quais a Providência agora nos coloca, êsse problema, que se apresentava apenas como devendo ser previsto, tem hoje inequívoca oportunidade.
Em momento menos grave do que este, nas vésperas de uma reeleição presidencial, o Sr. Presidente do Conselho disse: «Felizes os povos que não têm de escolher».
Pois bem! Impõe-se, cada vez mais, a necessidade de criar as condições indispensáveis para que não tenhamos de escolher.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só por essa forma poderão evitar-se as perturbações, sempre tão perigosas, que impedem uma duradoura è segura continuidade do Poder.
Recai, pois, sobre o Estado Novo a grave responsabilidade de deixar em aberto ou de resolver em verdadeiro espírito de unidade nacional o problema político português, responsabilidade que ele não poderá enjeitar perante a História.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: é a primeira vez que intervenho neste debate e muito propositadamente me tenho conservado silencioso, para evitar notas de desacordo dentro da Assembleia Nacional. Mas, quando outrem as provoca, julgo-me no dever elementar de responder em duas palavras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é o problema político que está em aberto. O que está em aberto é a própria vida da Nação (apoiados), e a vida da Nação só pode continuar dignamente, serenamente, se houver unidade entre todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Moreira: - É o que nós queremos.

O Orador: - Não é só querermos. Não mostramos querê-lo quando trazemos à Assembleia, perante o Pais, que nos escuta nesta hora dolorosa, questões que podem dividir-nos. Tenho autoridade para dizê-lo, por ser daqueles que prestaram justiça à isenção superior dos monárquicos portugueses durante a última campanha eleitoral. Peço a VV. Ex.ªs que sigam o exemplo altíssimo dado então por esses monárquicos. Peço que esqueçamos todos - e eu sou o primeiro a esquecer, porque esqueci já muitas manifestações de VV. Ex.ªs - as questões de regime, para que nos lembremos de que acima dele há uma coisa muito mais santa e mais sagrada para nós: há o nosso Portugal, que precisa de toda a nossa vida, de todo o nosso sangue, de toda a nossa unidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: não era minha intenção usar da palavra no debate relativo ao artigo. 72.º, a não ser no respeitante a algumas questões de pormenor.
Vejo, porém, que este debate transcende das questões de pormenor. Estamos diante de uma questão de extrema gravidade e a minha consciência não me permitiria, por isso, ficar calado neste instante.
A meu ver, aqui dentro, na solução dos problemas nacionais, não há monárquicos nem republicanos: há portugueses.

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O ilustre Deputado Carlos Moreira, a cujas convicções, a cujo desassombro e a cujo talento eu rendo as minhas homenagens, evocou uma frase do Sr. Presidente do Conselho que interpretaria no sentido de considerar transitória a situação política portuguesa, mas eu poderia evocar outra de S. Exa., já aqui recordada, segundo a qual não devemos continuar amarrados a cadáveres e a fantasmas. Lembremo-nos de que se desenrola no Mundo, neste instante, uma tragédia tremenda.
O saudoso e venerado Chefe do Estado que foi o marechal Carmona iniciou o movimento de 28 de Maio dizendo no julgamento dos acusados de 18 de Abril que a Pátria estava doente.
Meus senhores: o momento é mais delicado ainda neste instante. Não é já a Pátria que está doente, porque felizmente a Pátria tem a saúde necessária para sobreviver eternamente; o que está doente é o mundo inteiro.
Eu peço, portanto, para às considerações que aqui foram expostas, no sentido de demonstrar que temos uma questão política em aberto, opor a minha convicção - convicção firme! -, de que é melhor não falarmos agora nessas coisas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Como o Sr. Deputado Mário de Figueiredo frisou, a proposta apresentada pela Comissão de Legislação e Redacção, que vou submeter em primeiro lugar à votação, visto que substitui a proposta governamental relativa ao artigo 72.º, dá apenas um novo arranjo, um novo arrumo às matérias e, portanto, não prejudica aquilo que se contém nos artigos subsequentes da proposta do Governo.
Já a proposta governamental era destinada a dar novo arranjo às matérias dos artigos 72.º, 73.º e 74.º da Constituição vigente. A proposta da Comissão de Legislação e Redacção dá novo arrumo às matérias contidas na proposta governamental neste artigo 72.º e seguintes.
Vou submeter à votação em primeiro lugar o corpo do artigo 72.º
Submetido à votação o corpo do artigo 72.º tal como se contém na proposta da Comissão de Legislação e Redacção, foi aprovado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para um requerimento):- Sr. Presidente: requeiro que fique consignado no Diário das Sessões que a proposta foi. aprovada por maioria.

O Sr. Mário de Figueiredo (para um requerimento):- Sr. Presidente: roqueiro que fique consignado no Diário das Sessões que a minoria foi de onze votantes.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.
Em virtude do requerimento do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, vou submeter a proposta novamente à votação, para se fazer a contagem precisa dos votos.
Seguidamente fez-se a votação para contagem dos votantes em minoria.

O Sr. Presidente: - Tinha razão o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Mesmo que houvesse um só voto de rejeição da proposta, devia consignar-se a verdade no Diário das Sessões!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu sabe, normalmente quando há votações com maioria não fica consignado no Diário que a votação é por maioria. Costuma só fazer-se a consignação da votação por unanimidade.
Deduz-se que a votação é por maioria quando no Diário não conste que é por unanimidade.
Mas desde que o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu requereu, ficará consignado no Diário que a votação foi por maioria e que a minoria que rejeitou a proposta foi de onze votos.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o resto do artigo, ou seja os §§ 1.º, 2.º e 3.º tais como são propostos pela Comissão de Legislação e Redacção.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.º-A proposto pelo Governo e sobre o qual está na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção, que vai ser lida.
Foi lida.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para declarar que não posso dar o meu voto a este artigo, visto ele contrariar os meus sentimentos de liberal e de republicano.
Sou contrário a todas as leis de excepção, e, se outra razão não houvesse, uma existe neste artigo que parece relegar para segundo plano da vida nacional pessoas que são tão portuguesas como nós e que acima de nós todos têm o alto passado daqueles que morreram ao serviço de Portugal na sua direcção suprema.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: independentemente de se desejar manter a todos os cidadãos essa igualdade perante a lei e a Constituição, a verdade é que não faço aos representantes de um certo pensamento político a injúria de supor que pretendem defender a eleição de determinadas pessoas para a Presidência da República.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: o problema é outro, pois ninguém pensa em eleger um descendente dos reis de Portugal para Presidente da República.
A tese do Sr. Deputado Botelho Moniz, a qual está no pensamento e na política do Estado Novo, e que eu apoio, é que a nenhum português se devem diminuir os seus direitos políticos. Portanto, desejaria por minha parte que não permanecesse semelhante exclusão na Constituição da República.

Submetido à votação, foi aprovado o texto da Comissão de Legislação e Redacção.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para um requerimento):- Requeiro que fique consignado no Diário das Sessões que a proposta foi aprovada por maioria, mencionando-se também, se V. Ex.ª assim o entender, o número de Deputados que a rejeitaram.

O Sr. Presidente: - Ficará consignado no Diário das Sessões que a proposta da Comissão de Legislação e Redacção relativa à substituição do artigo 10.º-A foi aprovada por maioria, tendo-a rejeitado dezasseis Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vou submeter à discussão o artigo 11.º da proposta de lei, que se destina a substituir a redacção do artigo 74.º da Constituição.

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A este artigo 11.º da proposta de lei foi apresentada uma proposta pela Comissão de Legislação e Redacção, que vai ser lida à Assembleia.
Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: este problema que se suscita em torno da idoneidade do candidato à Presidência da República tem de ser encarado sob um duplo aspecto jurídico-político.
Qualquer solução apenas de ordem política pode desrepresentarizar o regime.
O Conselho de Estado não oferece essa garantia de não deixar sobrepor às considerações políticas do momento as considerações jurídicas de permanência, e, por isso, eu vou votar contra essa nova disposição. Um candidato pode ser considerado não idóneo, apesar de ter, por hipótese, os votos favoráveis dos Presidentes do Conselho e da Assembleia. Isto mostra inteiramente a incongruência política dessa disposição e da que se refere, em artigo posterior, à competência do Conselho de Estado.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vou submeter à votação a proposta de substituição, apresentada pela Comissão de Legislação e Redacção, ao artigo 11.º da proposta de lei.
Segundo esta proposta, o corpo do artigo 73.º da Constituição ficaria tal como está actualmente e os seus parágrafos teriam a redacção da proposta da Comissão de Legislação e Redacção, que há pouco foi lida à Assembleia.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 12.º da proposta do Governo.
A Comissão de Legislação e Redacção propõe a eliminação dêste artigo.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai votar-se.
Submetida à cotação, foi aprovada a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A votação quer dizer que se mantém o artigo correspondente da Constituição.

O Sr. Presidente: - É eliminado o artigo 12.º da proposta de lei e, por consequência, mantém-se o artigo correspondente da Constituição, que êsse artigo 12.º pretendia substituir.
Está em discussão o artigo 13.º dá proposta de lei. Também a Comissão de Legislação e Redacção propõe a eliminação dêste artigo 13.º

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: quando na última sessão dos nossos trabalhos tive ensejo de manifestar nesta tribuna a minha discordância do imobilismo dos textos constitucionais, mal podia supor que o triste acontecimento que viria enlutar a Nação poria tão depressa dentro desta Assembleia um caso concreto de insuficiência do texto constitucional. O § 2.º do artigo 80.º, que está em discussão, prevê o investimento do Presidente do Conselho nas atribuições de Chefe do Estado durante os sessenta dias em que, obrigatòriamente, terá lugar a eleição do novo presidente.
Que pensar desta doutrina? Em meu entender, ela resolve por forma satisfatória o problema de continuidade que se reputa essencial na governação pública. Mas tem de considerar-se manifestamente insuficiente o prazo de sessenta dias para a Nação inteira, surpreendida pela perda inesperada do Chefe do Estado, poder realizar em tão curto prazo de tempo um dos actos mais graves da sua vida pública, o da escolha do novo Chefe do Estado, de que pode depender não só a segurança do presente, mas a do futuro da Nação.
Como VV. Ex.ªs sabem, nas constituições presidencialistas, como são quase todas as constituições americanas, em que o chefe do estado acumula as funções de chefe do poder executivo, o problema da continuidade encontra-se resolvido através da existência de um vice-presidente, que, automàticamente, assume as funções da presidência e do executivo, tal como normalmente elas funcionam ao abrigo dessas constituições.
A nossa Constituição não prevê vice-presidente, mas prevê este § 2.º do artigo constitucional em discussão que o Presidente do Conselho assumirá as atribuições de Chefe do Estado até à nova eleição.
Sob o aspecto de continuidade, parece-me que a solução da nossa Constituição não é menos lógica, nem, porventura, menos eficiente. O Presidente do Conselho foi escolhido pelo Chefe do Estado cessante, está naturalmente conhecedor das grandes linhas orientadoras da política; conhece as soluções em marcha dos grandes problemas e as que podem ser reclamadas pelos acontecimentos que interessam à vida pública.
A continuidade pode pois considerar-se assegurada pelo sistema do § 2.º do artigo 80.º da Constituição.
Mas o que não me parece, Sr. Presidente, é que o prazo de sessenta dias seja de qualquer forma suficiente para encarar tão grave problema como é o da escolha do novo Chefe do Estado.
Confrontemos, à face do texto constitucional, as duas hipóteses nele figuradas.
Primeira: o mandato segue normalmente o período presidencial até ao seu termo. A Constituição prevê a eleição do novo Chefe do Estado até sessenta dias antes de terminado o prazo.
É evidente que nesta hipótese a Nação, chegado o último ano do mandato, prevê a solução; tem diante de si todo o tempo que necessita para escolher o novo candidato, para preparar a propaganda que entender necessária para esse grave acto da vida política, para resolver todos os problemas que possam surgir. Realizada a eleição, ficam os sessenta dias até ao termo do mandato para a solução de qualquer pequeno incidente e sobretudo para preparar a investidura solene do novo Chefe do Estado.
Mas vejamos agora o caso de o mandato ser interrompido por falecimento, impossibilidade ou renúncia do Chefe do Estado.
Dando a Constituição sessenta dias improrrogáveis para se fazer a eleição do novo Chefe do Estado, pergunto se sessenta dias podem reputar-se suficientes para a Nação poder chorar o Presidente falecido; para escolher o novo candidato; preparar a Nação inteira para a realização da eleição; atender às circunstâncias que podem coincidir com a vacatura, quer na ordem interna, quer na ordem internacional.
Para tudo isto o prazo de sessenta dias é manifestamente insuficiente.
Sr. Presidente: tenho a impressão de que estamos realmente diante de um texto insuficiente por deficiência de prazo.

Vozes: - Muito bem!

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894 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

O Orador: - Não é em sessenta dias que pode realizar-se um acto desta gravidade, quando a Nação é surpreendida por um golpe como a morte do seu Chefe do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou convencido de que o texto constitucional foi arrastado por um falso paralelismo entre os sessenta dias que sobram depois de feita a eleição, no primeiro caso, e os sessenta dias tomados como prazo para realizar a eleição nos casos em que o mandato é interrompido inesperadamente.
Temos, por um lado, sessenta dias que sobram depois da eleição e, por outro lado, sessenta dias que em muitas hipóteses podem não chegar para proceder a uma eleição do novo Chefe do Estado dentro da serenidade e da responsabilidade que se impõem em acto de tanta gravidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Manter na Constituição o texto vigente será fazer correr, em muitas situações, graves riscos à Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderia arrastar a improvisações arriscadas e altamente comprometedoras.
Poderíamos supor situações-limites. Calculem VV. Ex.ªs a hipótese de um Chefe do Estado acabado de eleger e arrebatado algumas semanas depois por uma síncope.
Pode alguém compreender que a Nação fosse lançada imediatamente em nova eleição no prazo de sessenta dias?
Encarado serenamente o problema, há-de reconhecer-se a todas as luzes a insuficiência do prazo constitucional.
Então qual a solução para essa insuficiência?
Creio que duas poderiam ser encaradas. Uma delas o simples alargamento do prazo. Mas, por mais que nós cogitássemos, o prazo fixado abstractamente deixar-nos-ia sempre na dúvida de termos encontrado a solução conveniente.
Não é tanto da fixação de um prazo que se trata, mas sim de apreciar em cada momento histórico as circunstâncias que podem ocorrer, consoante a interrupção do mandato tiver ocorrido: por morte, renúncia ou incapacidade.
Por isso pareceu-me e aos ilustres Deputados que assinam a proposta que vou mandar para a Mesa que a solução lógica e natural será a de confiar à Assembleia Nacional essa apreciação.
A Assembleia Nacional reunirá por direito próprio no sexagésimo dia depois da vacatura e nessa reunião a Assembleia considerará a situação e de harmonia com ela tomará a sua resolução.
Tal é, Sr. Presidente, a solução concreta fixada na proposta que tenho a honra de apresentar. Entendeu-se ainda que a Assembleia, com os seus poderes representativos e fiscalizadores, é, naturalmente, o organismo próprio e polìticamente indicado para em cada caso decidir sobre a nova eleição presidencial.
Até à nova eleição o § 2.º confia ao Presidente do Conselho as funções de Chefe do Estado, acumuladas com as de Presidente do Conselho.
É esta solução que se encontra concretizada no texto desta proposta de substituição, concebida nos seguintes termos:
Propomos a substituição do texto do § 2.º do artigo 80.º em discussão pelo seguinte:

§ 2.º No sexagésimo dia após à vacatura, a Assembleia Nacional reunirá por direito próprio para resolver sobre a eleição presidencial. Enquanto se não realizar a eleição, ou quando por qualquer motivo houver impedimento transitório das funções presidenciais, ficará o Presidente dó Conselho investido nas atribuições de Chefe do Estado conjuntamente com as do seu cargo.

Aprovada esta proposta, a Comissão de Legislação e Redacção fica autorizada a fazer no artigo as consequentes modificações.

Como VV. Ex.ªs vêem, apenas o primeiro período é novo, visto que a última parte do parágrafo mantém o texto que está na Constituição actual.
Aprovada esta proposta a Comissão de Legislação e Redacção ficará em condições de fazer no artigo 80.º as consequentes modificações.
Resta-me, Sr. Presidente, agradecer aos ilustres Deputados que assinam esta proposta a honra que me concederam de ser ou a fazer nesta tribuna a sua apresentação.
Sei que entre os nomes ilustres que a firmam há outros bem mais competentes para o fazer (não apoiados). Permita-me, pois, Sr. Presidente, que, terminando, agradeça a esses Srs. Deputados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida a proposta que o 6r. Deputado Dinis da Fonseca acaba de enviar para a Mesa.
Foi lida. É a seguinte:

Propomos a substituição do texto do § 2.º do artigo 80.º em discussão pelo seguinte:

§ 2.º No sexagésimo dia após a vacatura, a Assembleia Nacional reunirá por direito próprio para deliberar sobre a eleição presidencial. Enquanto se não realizar a eleição ou quando por qualquer motivo houver impedimento transitório das funções presidenciais, ficará o Presidente do Conselho investido nas atribuições de Chefe do Estado conjuntamente com as do seu cargo.

Aprovada esta proposta, a Comissão de Legislação e Redacção fica autorizada a fazer no artigo as consequentes modificações.

João das Neves - Luís Maria Lopes da Fonseca - Afonso Eurico Ribeiro Cazaes - Manuel de Sousa Rosal Júnior - Daniel Maria Vieira Barbosa - António Raul Galiano Tavares - Joaquim Quelhas Lima - Jorge Botelho Moniz - Vasco Lopes Alves - Joaquim Dinis da Fonseca.

O Sr. Pinto Barriga-Sr. Presidente: venho trazer a minha inteira concordância à forma tão brilhante e clara como o orador que me antecedeu pôs os dois problemas, tão diferentes, da vacatura normal após a terminação do mandato e a que se tiver verificado antes de decorrido o septanato.
Mas levantam-se dúvidas sob o aspecto puramente técnico do problema, no que eu posso chamar os casos fronteiras de vacatura.
Assim, o Presidente, quase no fim do seu septanato, por exemplo setenta e cinco dias antes, pode morrer ou renunciar. Quid júris, qual a solução jurídica em face deste problema?
O problema sobe de ponto, de dificuldade, se, por exemplo, a vacatura extraordinária se verificar já mar-

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cado o dia das eleições presidenciais ordinárias. Tantas outras hipóteses têm de ser previstas numa boa redacção do parágrafo em questão.
Repito: concordo inteiramente com que na vacatura ordinária ou extraordinária o processo e os prazos eleitorais sejam diferentes; concordo mesmo que polìticamente a solução da nossa Comissão de Redacção seja a óptima para os casos da vacatura extraordinária se darem longe do fim do mandato; mas dentro do último ano do septanato há que dar à proposta uma redacção diferente. E para isso confio inteiramente, uma vez posta a dúvida, na competência intelectual e técnica da nossa Comissão de Redacção, em que estamos tão brilhantemente representados.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O artigo 80.º é que regula a hipótese de vacatura; mas V. Ex.ª tem um princípio de razão, porque, no caso que suscita, a vacatura ocorre ou quando já está eleito o futuro Chefe do Estado ou quando ainda não está eleito mas vai sê-lo durante o período de vacatura e não pode entrar em funções senão depois de passarem mais de sessenta dias sobre a data da vacatura.
Ponhamos concretamente esta última hipótese, que é a de crise: o Presidente da República desaparece setenta e cinco dias antes de terminar o mandato ...

O Orador: - Essa é que é de facto a minha dúvida de ordem técnica.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Neste caso funciona o artigo 80.º com a redacção da proposta, mas V. Ex.ª tem um princípio de razão.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª pelo sen esclarecido apoio. Mas não era só esta dúvida de ordem técnica que eu queria apresentar a esta Assembleia e, consequentemente, à nossa Comissão de Legislação e Redacção.
Não quero deixar de pedir à Comissão de Redacção, como ponto interessante, que reexamine a expressão contida no § 2.º da proposta agora apresentada: «para deliberar sobre a eleição presidencial». Quererá significar apenas deliberar sobre a data da eleição presidencial? Ou quererá ir mais longe: poder imiscuir-se a Assembleia no próprio processo eleitoral, no próprio regime eleitoral?
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer, em primeiro lugar, que o confronto da proposta apresentada com as palavras do Sr. Deputado Pinto Barriga me convence de que há um fundo de razão nas observações feitas por este Sr. Deputado.
Como se resolve a dúvida?
Fui surpreendido pela questão, e portanto desculpem-me VV. Ex.ªs se não raciocinar direito.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Primeira hipótese: desaparece o Chefe do Estado quando já estava eleito outro Chefe do Estado. Não funciona o artigo 80.º senão enquanto atribui ao Presidente do Conselho competência para desempenhar as funções de Chefe do Estado até ao termo do mandato e início do mandato do Presidente eleito. A hipótese está, pois, resolvida.
Hipótese de crise: desaparece o Chefe do Estado setenta e cinco dias antes do termo do mandato. Nessa hipótese teremos, conforme a proposta, de reunir no sexagésimo dia posterior à vacatura para deliberar sobre a eleição e, à volta de quinze, para eleger o futuro Chefe do Estado que há-de funcionar no septénio normal. Qual a solução para o espaço que decorre entre o sexagésimo dia posterior à vacatura e o início do exercício do mandato do futuro Presidente? Por motivo da vacatura, o Presidente do Conselho assume as funções de Chefe do Estado; no sexagésimo dia reúne, por direito próprio, a Assembleia Nacional para deliberar sobre a eleição, e delibera certamente na hipótese de que esta se não faça e se mantenha o Presidente do Conselho até ao início do novo período presidencial.
O que acabo de dizer já em certo modo responde a outras questões postas pelo Sr. Deputado Pinto Barriga. Vê-se que a proposta permite resolver que se não realize, no caso de vacatura, a eleição. A fórmula da proposta - deliberar sobre a eleição - é bastante elástica para, por se tratar do caso especial de vacatura, e não do caso geral de mandato normal do artigo 72.º, permitir que a Assembleia delibere, naquele caso, sobre a própria forma de designação do Chefe do Estado. Têm justificação as questões postas pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, mas resolvem-se fàcilmente, ao menos por via interpretativa. Creio ter dito o suficiente para esclarecer a Assembleia sobre o alcance que vejo na proposta.

O Sr. Pinto Barriga: - Muito obrigado a V. Ex.ª Com a sua habitual e luminosa clareza veio V. Ex.ª tornar mais compreensível o meu reparo, isto é, valorizá-lo.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo (para um requerimento): - É apenas para requerer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que consulte a Câmara sobre se autoriza a Comissão de Legislação e Redacção, como esta deseja, a retirar a proposta de eliminação que tinha apresentado e que entende dever retirar em face da apresentação da proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Dinis da Fonseca e outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, em nome da Comissão de Legislação e Redacção, requereu que se consulte a Assembleia sobre se autoriza a retirada da sua proposta de eliminação do artigo 13.º da proposta de lei.

Consultada a Assembleia, foi autorizada a retirada daquela proposta.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum dos Srs. Deputados pedir a palavra, vai passar-se à votação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta de substituição do § 2.º do artigo 80.º tal como consta da proposta que o Sr. Deputado Dinis da Fonseca mandou para a Mesa no fim das suas considerações e que já foi lida à Assembleia.
Essa proposta do Sr. Deputado Dinis da Fonseca visa a substituir o § 2.º do artigo 80.º, proposto pelo Governo no artigo 13.º da sua proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: pedia a V. Ex.ª que ficasse consignado no Diário das Sessões que a aprovação foi unânime.

O Sr. Presidente: - Ficará consignado no Diário das Sessões que esta proposta foi aprovada por unanimidade.

Pausa.

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896 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 14.º da proposta de lei.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para informar que na proposta da Comissão de Legislação e Redacção, onde se diz: «11) A substituição do texto proposto no artigo 12.º», há engano: o artigo 12.º já está votado; é ao artigo 14.º

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª razão: onde na proposta n.º 11 da Comissão de Legislação e Redacção se lê: «artigo 12.º», há um lapso: é de substituição ao artigo 14.º

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 14.º da proposta de lei.
A este artigo 14.º a Comissão de Legislação e Redacção propõe a substituição do n.º 6.º do artigo 83.º, como VV. Ex.ªs já conhecem.
Está em discussão o artigo e a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.

Pausa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: conforme a proposta de lei, os vogais do Conselho de Estado de nomeação livre, quero dizer, que o não fossem em consequência do cargo que desempenhavam, devem ser substituídos por metade no termo de cada período presidencial. Esta é a solução do Governo.
A proposta da Comissão de Legislação e Redacção é no sentido de os vogais de livre nomeação serem vitalícios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Comissão de Legislação e Redacção convenceu-se, através das razões produzidas pela Câmara Corporativa, de que esta era a solução mais adequada ao meio português, e por isso entendeu dever perfilhá-la.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Se mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se o artigo 14.º da proposta de lei conforme a proposta da Comissão de Legislação e Redacção. A proposta da Comissão mantém os n.ºs 1.º a 5.º tal como se contêm na proposta de lei, mas substitui o sen n.º 6.º por uma redacção em que se contém a palavra «vitálìciamente». É nesta palavra que está a diferença essencial com a proposta do Governo.

Submetido à votação, foi aprovado o artigo 14.º com a substituição apresentada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 15.º da proposta da lei. Sobre este artigo há na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção, já publicada no Diário das Sessões, destinada a substituir o texto da proposta do Governo, e que vai ser lida à Assembleia.
Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 84.º da Constituição segundo a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.

Submetido â votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 16.º da proposta de lei, segundo o qual a epígrafe do título 3.º da Constituição passará a ser: «Da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa».

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado o artigo 16.º da proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 17.º

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Desejava saber se o artigo 15.º da proposta de lei já está aprovado.

O Sr. Presidente: - Já está votado. A Câmara não tem dúvidas de que o artigo 15.º da proposta de lei, que se refere ao artigo 84.º da Constituição, foi votado conforme a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.
Está, portanto, em discussão o artigo 17.º da proposta de lei com a proposta de substituição da Comissão de Legislação e Redacção, já publicada no Diário das Sessões.
Vai ser lida à Assembleia essa proposta.
Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a substituição proposta pela Comissão de Legislação e Redacção ao artigo 17.º da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 18.º Sobre este artigo não tenho na Mesa qualquer proposta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 19.º Sobre este artigo também não tenho na Mesa qualquer proposta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado o artigo 19.º tal como se contém na proposta do Governo.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanha haverá sessão, à hora regimental, para continuação da discussão na especialidade das propostas de lei de alteração à Constituição e ao Acto Colonial e também para se apreciar o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Vasco Lopes Alves e Teófilo Duarte.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Almeida.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José dos Santos Bessa.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Américo Cortês Pinto.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pereira de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Cerveira Pinto.
José Pinto Meneres.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Sousa Meneses.
Miguel Rodrigues Bastos.
Teófilo Duarte. Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Rectificação

Por lapso, no Diário das Sessões n.º 99, p. 876, col. 2.ª, 1. 9.ª, no final do discurso do Sr. Deputado Carlos Moreira faltam as seguintes expressões:

«Vozes! - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado».

Proposta de lei a que se referiu o Sr. Presidente no decurso da sessão de hoje:

1. O condicionamento das indústrias vai fazer vinte anos, pois foi instituído pelo Decreto n.º 19:354, de 3 de Janeiro de 1931, publicado em 14 de Fevereiro seguinte. Surgiu em tempos de crise, confessadamente para remover as dificuldades que a «grande depressão» trouxera às indústrias do nosso País. Era, portanto, medida transitória. Mas a crise passou e, apesar disso, subsistiu o regime do condicionamento. Houve que se reconhecer que as indústrias podiam precisar de uma orientação superior, não só em épocas de quebra como nas de estabilidade ou euforia dos negócios. Deu-se, então, estatuto ao condicionamento através da Lei n.º 1:956, de 17 de Maio de 1937, ainda hoje em vigor.
Pensa o Governo que são de manter, em suas linhas gerais, os princípios definidos nessa lei, mas que há necessidade de alterar algumas das bases e de introduzir outras, tanto para reduzir o condicionamento aos seus naturais limites como para assegurar a plena realização dos seus fins.

2. Nos termos da Lei n.º 1:956, o regime de condicionamento consiste em tornar dependentes de prévia autorização do Governo a montagem, reabertura, modificação ou transferência de estabelecimentos fabris.
Consiste, portanto, numa intervenção do Estado na economia, ao abrigo do artigo 31.º da Constituição Política. Simplesmente, as intervenções do Estado têm entre nós carácter excepcional, uma vez que se reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso económico e que pertence aos organismos corporativos coordenar e orientar as actividades produtoras.
É, pois, ao interesse dos indivíduos, estimulados pela concorrência e disciplinados pelas corporações, que se confia normalmente a criação e o aperfeiçoamento das indústrias; assim como é à acção da concorrência que se entrega normalmente a realização dos equilíbrios sucessivos em cada uma e entre todas as actividades. Por conseguinte, só quando a iniciativa dos particulares for imprópria, demasiada ou deficiente deverá o Govêrno intervir na economia, refreando ou fomentando os empreendimentos privados.
À luz destes princípios, que são os das leis fundamentais do País, é que hão-de definir-se os objectivos do condicionamento ou indicar-se as indústrias cuja situação as pode tornar carecidas do seu regime. Assim:
Admite-se logo que, através do condicionamento, se procure impedir a sobreprodução ruinosa ou o desemprego tecnológico maciço. Como se admite pretender estimular-se a criação de empresas naquelas indústrias de que porventura os particulares se desinteressem, caso lhes sejam dada garantias de que só mediante autorização do Governo, ponderadamente concedida, se constituirão outras empresas. É o que pode acontecer nas indústrias que demandem vultosos capitais de estabelecimento ou que consigam abastecer o mercado com número reduzido de unidades laborando ao mínimo custo.
Admite-se ainda que, através do condicionamento, se procure elevar o nível técnico das indústrias onde a produção continue a fazer-se por métodos antiquados ou defender o nível daquelas que corram o risco de ser invadidas por estabelecimentos ineficientes. Este último caso é, sobretudo, o de indústrias recentemente criadas e ainda sem capacidade de produção para abastecerem o mercado ao mínimo custo, o que as torna propícias à formação de empresas trabalhando a custo superior.
Afora todas essas, porém, não se descortinam facilmente outras indústrias cuja situação possa requerer o regime do condicionamento.
Não a das indústrias referidas nas alíneas b) e d) da base II da Lei n.º 1:956, ou seja, a das que utilizem equipamento fabril estrangeiro de preço elevado ou empreguem predominantemente materiais ou matérias-primas importados. Manifestamente que qualquer destas indústrias, a .não ser condicionada pelas razões acima aludidas, só o poderá ser pela sua influência sobre o nosso comércio externo. Condicionar-se-ia a indústria para, indirectamente, controlar a importação de máquinas e matérias-primas. Contudo, uma de duas: ou entretanto as importações ficavam livres, e mal se compreendia que se condicionasse a importação de bens de investimento, deixando fazer-se, sem mais entraves que os direitos alfandegários, a compra de bens de consumo, ou as importações ficavam licenciadas, e então realizar-se-iam melhor, através do licenciamento, os fins tidos em vista.
Não também a das indústrias referidas nas alíneas e) e g) da base II, ou seja, a das que fabriquem mercadorias indispensáveis a outras indústrias nacionais importantes ou produzam os nossos principais artigos de exportação. Pois, se estas indústrias não necessitarem do condicionamento para impedir a sobreprodução ou o desemprego, para estimular a criação de empresas, para elevar ou preservar o nível técnico,

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nos termos atras expostos, que outra razão atendível poderá torná-las condicionáveis? Só se for a de evitar a desnacionalização das empresas; mas a isso se aludirá mais adiante.

3. O condicionamento realiza os seus fins mediante o licenciamento dos actos que com eles contendem. Interessa, portanto, saber que actos hão-de poder ficar dependentes de autorização prévia.
A base III da Lei n.º 1:956 menciona os seguintes: instalação de novos estabelecimentos, reabertura dos estabelecimentos fechados há mais de dois anos, quaisquer modificações no equipamento que produzam alteração nos registos do cadastro industrial, transferência da propriedade de nacionais para estrangeiros e transferência da propriedade de nacionais para nacionais, quando envolver mudança do local do estabelecimento.
Evidentemente que devem ser licenciáveis a instalação e a reabertura de estabelecimentos fabris. Parece arbitrário, porém, só tornar a reabertura dependente de autorização prévia em todas as indústrias quando o encerramento exceda, dois anos. É que dois anos permitem número maior ou menor de ciclos produtivos, consoante o carácter das actividades, a origem orgânica e inorgânica das matérias-primas, as exigências dos mercados. Será conveniente, portanto, adaptar o período à natureza da indústria que se condiciona e, até para evitar fraudes, definir o encerramento em função das características dessa indústria.
Evidentemente, também, que devem ser licenciáveis as modificações no equipamento fabril. Que modificações, todavia? A Lei n.º 1:956 fala das que importem forçosamente alteração nos registos do cadastro industrial. Mas a verdade é que nunca se soube ao certo quais os elementos que devem ser registados no cadastro nem este se encontra ainda satisfatoriamente organizado. Por conseguinte, parece preferível indicarem-se sempre, em relação a cada indústria condicionada, as modificações no equipamento que ficam dependentes de autorização prévia.
A base III da Lei n.º 1:956 torna licenciáveis, por último, as transferências da propriedade. Quanto à inclusão destas, porém, é que podem mover-se sérios reparos.
Vejamos, primeiramente, as transferências da propriedade de nacionais para estrangeiros. Pretende-se evitar, através do seu licenciamento, a desnacionalização das empresas. No entanto, é desde logo estranho que, não abrangendo o condicionamento todas as indústrias nem figurando explìcitamente entre as numeradas na base II da lei em vigor aquelas que precisem de ser defendidas do acesso de estrangeiros, só se possam controlar as transferências da propriedade para eles nas indústrias condicionáveis, e não em todas. Como se vê, o licenciamento destas transferências de propriedade articula-se mal com a economia da Lei n.º 1:956. Independentemente disso, porém, haverá razões para elas continuarem sujeitas a autorização prévia? Parece que não. Pois que, por um lado, as indústrias onde poderia ser perigoso o predomínio de estrangeiros caem hoje sob a alçada da Lei n.º 1:994 (lei de nacionalização de capitais); por outro, afora essas indústrias, justificam-se mal os empecilhos à entrada de capitais e à vinda de empresários neste nosso país, que está, felizmente, ao abrigo de tentativas de colonização imperialista, mas carece de dinheiro e de industriais capazes para desenvolver a sua economia.
Vejamos agora as transferências da propriedade de nacionais para nacionais: só podem ser sujeitas a licença prévia quando envolverem mudança do local do estabelecimento. Contudo, parece que a mudança do local, quer consequente ou não à transferência da propriedade, tanto para nacionais como para estrangeiros, deve poder ser sempre controlada pelo Governo. Basta pensar-se em que a localização da indústria é susceptível de influir consideràvelmente no mercado do trabalho e no dos produtos.

4. A Lei n.º 1:956 consagrou, na sua base V, o princípio da especialização do condicionamento: o condicionamento de cada indústria tem de ser feito por diploma próprio (decreto regulamentar), no qual se indiquem explìcitamente os actos carecentes de autorização prévia.
O princípio está de inteiro acordo com a natureza do condicionamento. Trata-se de um regime de excepção, que é ou pode ser imposto por diferentes motivos a indústrias em situações diversas. Daí que o condicionamento de cada actividade deve ser definido em função do fim especial a atingir e das particularidades da indústria respectiva. O que, além disso, tem a vantagem de evitar a facilidade - para não dizer a possível ligeireza - dos condicionamentos em série.
Há, pois, que manter o princípio da especialização. Mas como êsse princípio, apesar de consagrado desde 1937, raras vezes foi cumprido, há que providenciar para que o seja sempre doravante: de um lado, fixando prazo para a publicação dos decretos regulamentares respeitantes àquelas indústrias, de entre as actualmente condicionadas, que se entenda deverem continuar sob esse regime; do outro, só permitindo - como justificámos atrás - que certos actos fiquem dependentes de licença prévia quando expressamente discriminados ou especialmente definidos no diploma do condicionamento da respectiva indústria.
Supõe-se que dêste modo se conseguirá não só afeiçoar o regime às exigências de cada actividade, como ainda confiná-lo àqueles sectores onde seja realmente necessário.
Dados, porém, os objectivos do condicionamento, não se suportaria que fosse, e até que pudesse ser, autorizada a criação de unidades ineficientes. No entanto, a fim de poupar despesas inúteis aos interessados e trabalho estéril à Administração, convém que esta determine e aqueles conheçam as condições mínimas de fabrico requeridas para a montagem de novos estabelecimentos: o que se deve fazer, indicando-as no competente decreto regulamentar.

5. O condicionamento pode não abranger uma indústria toda, limitando-se a alguma ou algumas das suas modalidades. Todavia, há modalidades que, em certas circunstâncias, devem ser declaradas sempre isentas do condicionamento.
Uma é a da indústria familiar no domicílio, pela protecção que socialmente merece e a nossa Constituição lhe dispensa no artigo 32.º
A seu propósito, porém, não pode esquecer-se que vários sectores industriais são inadequados ao trabalho caseiro, ou porque exigem grandes instalações ou porque normalmente não consentem as pequenas oficinas. Ora, se se libertasse do condicionamento toda a indústria familiar no domicílio, poderia muito bem assistir-se, neste último caso, à proliferação das oficinas caseiras em épocas excepcionalmente favoráveis, com a eliminação delas ou a sua subsistência em termos precários quando depois se regressasse à normalidade. Parece conveniente dispensar as indústrias dessa tarefa de eliminação ou da sobrecarga de um peso morto, assim como poupar aos pouco abastados a perda dos seus mealheiros. Daí que as oficinas familiares do domicílio só devam ser isentas do condicionamento nas indústrias que lhes forem propícias. E como os requisitos do trabalho caseiro merecedor da isenção hão-de

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diferir de indústria para indústria - e será sempre preciso evitar as fraudes-, deve pertencer ao decreto regulamentar respectivo não só libertá-lo como definir os termos em que fica isento. Preconiza-se, desta forma, o regresso à doutrina da base IV da Lei n.º 1:956, de que o Decreto n.º 36:279, de 15 de Maio de 1947, ao preceituar uma isenção geral, manifestamente se afastou.
Outra modalidade é a da indústria complementar da exploração agrícola, pela ajuda que pode trazer à magra economia do nosso lavrador. Com efeito, o aproveitamento das matérias-primas no próprio local onde são produzidas, com a supressão de transportes e de eventuais intermediários e o emprego de mão-de-obra rural, permite ao agricultor valorizar consideràvelmente os frutos da sua lavra, colhendo ele mesmo os benefícios que doutro modo teria de pagar a quem lhe vendesse os produtos fabricados. Sendo assim, devem excluir-se do condicionamento aqueles estabelecimentos que representem uma simples extensão industrial da exploração agrícola, isto é, os que apenas se destinem a preparar ou transformar os produtos do próprio lavrador. Tanto mais que não resultará daí aumento de produção capaz de subverter o equilíbrio do mercado e que valerá a pena renunciar a certos aperfeiçoamentos técnicos - cuja falta, aliás, será geralmente compensada pela redução de outros elementos do custo- só para poupar aos nossos agricultores os embaraços e dificuldades que a obtenção das licenças lhes acarreta. Falta apenas acrescentar que, havendo todo o interesse em suprimir obstáculos à formação de cooperativas nos meios agrícolas, devem ficar libertos não só os estabelecimentos que preparem ou transformem os produtos de um como os de vários lavradores associados.

6. Não há dúvida de que o condicionamento há-de procurar ser sempre um factor de progresso económico, embora de progresso equilibrado. Pois ainda quando o Govêrno intervenha para evitar o desemprego o seu objectivo será apenas impedir uma desocupação numerosa e brusca, e não fechar a indústria aos aperfeiçoamentos técnicos. Que estes se realizem, mas sem perturbações sociais graves.
Logo se vê, porém, que o condicionamento, pelo simples facto de ser uma restrição à liberdade económica, oferece o perigo de se transformar em factor de estagnação: por um lado, a exigência da autorização prévia, com as delongas e a incerteza de a obter, é uma peia que pode desviar da indústria condicionada capitais que a ela acorreriam se fosse livre; por outro, é natural que as empresas pertencentes a essa indústria, sentindo-se mais a coberto de novos competidores, percam muito do seu interesse em melhorar a técnica, sobretudo se já auferirem lucros quantiosos.
Pode bem ser factor de estagnação, e algumas vezes o condicionamento o terá sido. Contudo, seria temerário atribuir-se-lhe sem mais o escasso progresso das nossas indústrias. Na verdade, lembremo-nos de que o ritmo do progresso económico era bem menor antes de instituído o regime do condicionamento do que o foi depois. E de que a economia portuguesa sofre de três males, nem todos sem remédio, mas indubitàvelmente responsáveis por muito do nosso atraso: a falta de riquezas naturais, que impossibilita a formação das indústrias básicas ou as condena a escasso rendimento; a falta de capitais, que impossibilita uma concorrência activa, estimulante, saneadora, em muitas das indústrias existentes; a falta de vastos mercados, que impossibilita a produção em larga escala e, portanto, as economias internas e externas da grande empresa.
De qualquer modo, porém, basta que o condicionamento possa ser factor de estagnação para que tenham de prescrever-se medidas adequadas a evitá-lo. Supõe-se que serão estas:
Primeiro, deverá impor-se ao Govêrno o deferimento dos pedidos de instalação e desenvolvimento das unidades que laborem com maior eficiência, podendo ele apenas, quando daí resulte súbito e considerável desemprego, regular a montagem dos estabelecimentos ou a sua expansão, de modo a que a dispensa de trabalho se torne gradual. Vai isto contra a ideia arreigada em muitos de que, sendo já bastante a capacidade de produção das empresas existentes, é supérflua, e até nociva, a formação de novas empresas. Como se fosse inútil, porventura, a acção da concorrência!
Além disso, deverá facultar-se ao Governo o regular as características de qualidade e o preço das mercadorias das indústrias condicionadas, para que previna ou reprima os lucros excessivos, e a modificação ou revogação das autorizações concedidas, já prevista na base XII da Lei n.º 1:956, para que possa exigir-se às empresas a actualização dos seus métodos de fabrico.

7. Quase todas as nossas indústrias se encontram dependentes do Ministério da Economia. Pràticamente, portanto, o regime do condicionamento está nas suas mãos. Ora, este Ministério tem um órgão consultivo - o Conselho Superior da Indústria - a que hoje compete dar parecer, em matéria de condicionamento industrial, apenas sobre os processos que lhe forem submetidos (Decreto-Lei n.º 36:933, de 24 de Junho de 1948).
Todavia, compreende-se mal que não seja obrigatória a audiência de um organismo superior de consulta em todos os casos que mais de perto possam interessar à economia nacional ou aos direitos fundamentais dos cidadãos: instauração e cessação dos condicionamentos, disciplina de preço das mercadorias, modificação e revogação das autorizações. Assim como se compreende mal que o Ministério da Economia, mormente nesta época de profunda transformação da vida industrial do País, não disponha permanentemente de um grupo de pessoas de reconhecida competência a quem caiba estudar, de moto .próprio e sob consulta, os grandes problemas do condicionamento, reorganização e fomento das indústrias.
Todas estas funções, tão estreitamente conexas, devem ser cometidas a um mesmo organismo; e podem-no ser ao Conselho Superior da Indústria, se a sua estrutura for convenientemente modificada.
Na verdade, o actual Conselho, constituído por várias secções, onde participam em larga medida os representantes de serviços públicos, tem desde logo uma feição que não pode permitir-lhe funcionamento eficaz, pois esses representantes continuam a ser funcionários de outros organismos, e não admira que as tarefas do Conselho, por capitais que sejam, só secundàriamente os interessem, muitas vezes.
Tudo se resolverá, decerto, se o Conselho Superior da Indústria passar a ser composto pelas três ordens seguintes de elementos: pessoas competentes nos domínios da economia teórica e aplicada, industriais perfeitamente conhecedores das exigências das suas actividades e representantes dos organismos de coordenação ou corporativos que façam valer os interesses das respectivas categorias.

8. Ficam assim explicadas as alterações e os acrescentos de maior relevo que o Governo entende deverem fazer-se à Lei n.º 1:956. Pareceu, no entanto, que era ainda conveniente reafirmar-se na nova lei logo de início o princípio da iniciativa privada, com o consequente carácter excepcional do condicionamento. Fora de dúvida que aquele princípio está bem claro nos di-

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plomas basilares do País; mas é facto que anda arredio do espírito de muitos, não só dos que esperam beneficiar injustificadamente de intervenções do Governo, como até de alguns que, não obstante a sua posição dentro -do Estado, parece ignorarem a sua doutrina.
Nestes termos, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional o seguinte:

Proposta de lei

BASE I

É reconhecido à iniciativa particular, orientada pela organização corporativa, o direito de promover a instalação de novas unidades industriais e a modificação ou transferência das existentes, sempre com observância dos preceitos legais, designadamente sobre urbanização e condições mínimas de técnica, higiene, comodidade e segurança.

BASE II

uando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem, o Governo regulará, mediante condicionamento industrial, o exercício da iniciativa privada, tornando dependentes de prévia autorização todos ou alguns dos seguintes actos:
a) A instalação de novos estabelecimentos e a reabertura dos que tiverem suspendido a laboração pelo prazo e nos termos definidos para cada indústria;
b) As modificações no equipamento industrial ou fabril expressamente discriminadas;
c) A mudança do local dos estabelecimentos, consoante for determinado para a indústria a que pertencerem.
O condicionamento competirá ao Ministério da Economia, excepto no que disser respeito às actividades por lei dependentes de outros; Ministérios.

BASE III

Salvo o disposto nas bases IV e VII, só poderão ser sujeitas a condicionamento as indústrias ou modalidades industriais:
a) Que dispuserem de insolações com capacidade de produção consideràvelmente superior ao consumo normal do País ou às possibilidades de exportação;
b) Que empregarem numeroso pessoal e cuja situação torne provável uma próxima mecanização, causa de redução brusca e importante do mesmo pessoal;
c) Que exigirem capitais de estabelecimento excepcionalmente avultados ou só comportarem um número reduzido de empresas em condições óptimas de produção;
d) Que sofrerem de grande atraso técnico ou precisarem de ser defendidas da instalação de empresas ineficientes.

BASE IV

As indústrias a cuja reorganização se venha a proceder de acordo com a Lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945, considerar-se-ão sujeitas a condicionamento durante o prazo designado para os trabalhos da comissão a que se refere a base XVII da mesma lei, ficando dependentes de autorização prévia não só a montagem de novos estabelecimentos, como toda a reabertura, modificação de equipamento e transferência dos estabelecimentos existentes.
Findo aquele prazo, só poderá manter-se o condicionamento se nos termos da base seguinte for determinada a aplicação desse regime a modalidade industrial reorganizada.

BASE V

O condicionamento de cada indústria ou modalidade industrial far-se-á sempre por decreto regulamentar, no qual serão explicitamente indicadas as exigências e limitações, de entre as previstas nas alíneas da base II, que devem ser observadas e onde se fixarão as condições mínimas de fabrico requeridas para a montagem de novos estabelecimentos.

BASE VI

Nas indústrias consentâneas com o trabalho no domicílio serão isentos do condicionamento e protegidos os estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar, autónomo, conforme for determinado no decreto a que alude a base anterior.
Também serão isentos de condicionamento, nas indústrias tributárias da agricultura, os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de vários lavradores associados.

BASE VII

A criação de indústrias indispensáveis à defesa nacional ou de importância económica e custo de instalação excepcionais poderá ser autorizada em regime de exclusivo por período determinado, não superior a dez anos, mediante alvará aprovado em Conselho de Ministros. Também assim o poderá ser a criação de indústrias que convenha instalar no País para completar o seu apetrechamento industrial ou aproveitar matérias-primas nacionais, quando a sua exploração se torne nitidamente desvantajosa fora daquele regime.

BASE VIII

O Governo procurará impedir que o condicionamento seja desvirtuado dos seus fins, transformando-se em obstáculo ao progresso técnico das indústrias ou conduzindo a um exclusivismo anormalmente lucrativo das empresas existentes. Para esse efeito autorizará a criação de novas unidades e o desenvolvimento das que laborarem com maior eficiência, podendo também regular as características de qualidade e o preço das mercadorias cujas indústrias estiverem condicionadas e modificar ou revogar as autorizações concedidas.

BASE IX

Será regulamentado o processo das autorizações, tendo em vista a sua maior simplicidade e rapidez, sem prejuízo do necessário esclarecimento da administração e dia justa defesa dos interesses privados. A instrução dos pedidos far-se-á sempre com audiência dos organismos corporativos ou de coordenação económica da respectiva indústria e o despacho de autorização mencionará os prazos, condições e garantias julgados convenientes.

BASE X

As licenças e alvarás constituem mera condição administrativa do exercício da indústria e são inseparáveis dos estabelecimentos, não podendo transmitir-se independentemente deles.
Serão prescritas em regulamento medidas adequadas a evitar que se obtenham licenças com vista a negociá-las ou se especule sobre as licenças obtidas, caducando estas de pleno direito e revertendo para o Estado as importâncias pagas sempre que tenha havido especulação.

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BASE XI

As actividades sujeitas a condicionamento, além das obrigações que incumbem às demais indústrias, deverão facultar aos funcionários em missão de estudo os elementos indispensáveis ao conhecimento das condições técnicas e económicas da exploração fabril, especificadamente dos custos de produção.

BASE XII

A falta de cumprimento do disposto na base anterior, assim como a prática de quaisquer actos sem a devida autorização e a inobservância das cláusulas, limites ou condições constantes da licença, serão punidas nos termos a determinar em regulamento, podendo ainda, quando a infracção assumir particular gravidade, ser modificada ou revogada a autorização concedida.

BASE XIII

A transmissão de nacionais para estrangeiros da propriedade de estabelecimentos de indústrias condicionadas, assim como a transmissão ou oneração das acções, quotas ou outras partes do capital das sociedades que os explorem, estarão apenas sujeitas às restrições impostas nos termos da Lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943.

BASE XIV

Quando cessarem as razões que tiverem determinado o condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial, o Governo procederá à revogação do decreto respectivo, fixando para a entrada em vigor do novo regime prazo não superior a seis meses.

BASE XV

O Conselho Superior da Indústria será remodelado com vista a atribuir-se-lhe, além de funções consultivas, o estudo, por iniciativa própria, de quaisquer problemas respeitantes ao condicionamento, reorganização e fomento das indústrias. Para tanto deverá ser constituído não só por técnicos de reconhecida competência como por industriais idóneos e representantes dos organismos de coordenação económica ou corporativos.

BASE XVI

O Conselho Superior da Indústria será obrigatoriamente ouvido pelo Ministro da Economia tanto sobre a instauração ou cessação do condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial como sobre a disciplina dos preços das mercadorias e a modificação ou revogação das autorizações concedidas.

BASE XVII

O Governo procederá, pelos vários Ministérios, dentro de cento e oitenta dias, contados da promulgação desta lei, à revisão dos condicionamentos actualmente existentes, só continuando sujeitas a condicionamento as indústrias cujo regime for mantido por decreto publicado, nos sessenta dias seguintes, em conformidade com a base V.

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CÂMARA CORPORATIVA

V LEGISLATURA

PARECER N.º 15/V

Projecto de proposta de lei n.º 511

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 511, elaborado pelo Governo, sobre condicionamento das indústrias, emite pelas suas secções de Finanças e economia geral e Política e administração geral, às quais foram agregados os Dignos Procuradores Armando António Martins de Figueiredo, Carlos Garcia Alves, José de Almeida Ribeiro, José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, Luís Quartin Graça, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel José Lucas de Sousa, Mário Monteiro Duarte e Virgílio Fonseca, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. A matéria do presente projecto de proposta de lei envolve problemas da mais alta importância na vida do País. Abrange por igual os que respeitam às próprias funções do Estado no ordenamento da vida económica e social e os que interessam directa e fortemente às actividades privadas, quer consideradas isoladamente, quer no quadro da organização corporativa, que deve existir como elemento fundamental do regime unitário e corporativo que a Constituição define.
O relatório da proposta abre com as considerações seguintes:

O condicionamento das indústrias vai fazer vinte anos, pois foi instituído pelo Decreto n.º 19:354, de 3 de Janeiro de 1931, publicado em 14 de Fevereiro seguinte. Surgiu em tempos de crise, confessadamente para remover as dificuldades que a «grande depressão» trouxera às indústrias do nosso país. Era, portanto, medida transitória. Mas a crise passou e, apesar disso, subsistiu o regime de condicionamento. Houve que se reconhecer que as indústrias podiam precisar de uma orientação superior, não só em épocas de guerra como nas de estabilidade ou euforia dos negócios. Deu-se então estatuto ao condicionamento através da Lei n.º 1:956, de 17 de Maio de 1937, ainda hoje em vigor.
Pensa o Governo que são de manter, em suas linhas gerais, os princípios definidos nessa lei, mas que há necessidade de alterar algumas das bases e de introduzir outras, tanto para reduzir o condicionamento aos seus naturais limites como para assegurar a plena realização dos seus fins.

Uma leitura, mesmo rápida, das bases agora propostas confirma efectivamente a afirmação do relatório de que se mantêm os princípios definidos na Lei n.º 1:956, de 17 de Maio de 1937. As disposições desta última foram efectivamente transcritas quase na íntegra no articulado da proposta.
Mas as alterações verificadas no texto de várias delas, algumas afirmações do relatório, o facto de não se fazer alusão a certos princípios que foram fundamento da Lei n.º 1:956 e até por se abrir novamente a discussão à

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volta dos seus preceitos dão a impressão de que o legislador encara o problema central desta proposta de lei a uma luz diferente da que até agora prevalecia.
Compreende-se, como é natural, que o Governo tenha encontrado necessidade de novas providências sobre o condicionamento industrial para acudir a situações de urgência criadas pelas circunstâncias. Por outro lado, reconhece-se na própria proposta que permanecem condicionadas actividades que o não deviam estar e que a morosidade dos processos e de todos os actos burocráticos é fonte de frequentes queixas e reclamações.
É manifesto também que o regresso que se preconiza, em certos aspectos da questão, à doutrina da Lei n.º 1:956 representa o reconhecimento da conveniência de serem revogadas disposições que por qualquer forma prejudicaram ou atrasaram o cumprimento daquela.
Mas é igualmente evidente que não foram até agora cumpridas outras disposições fundamentais da mesma lei, ainda vigentes, embora o Governo continue a pensar que elas representam a boa orientação a seguir, visto que quase por completo as transplanta ao novo diploma.
Ora não é menos certo que tanto a revogação dos decretos que expressamente contrariaram a doutrina e a mecânica daquela lei poderia ser fàcilmente efectuada por diplomas equivalentes como muitas das medidas que parece ter-se em vista, mesmo as mais urgentes, caberiam naturalmente na competência dos Ministros e dos serviços deles dependentes.
O caso afigura-se, pois, à primeira vista, menos dependente de novos preceitos legislativos que da conjugação do critério governamental com factores que resultam da maior ou menor existência de meios (desde os serviços públicos até à cooperação de particulares) para realizar com urgência e fidelidade o que é lei do País e pensamento do Governo há tanto tempo.
Lendo-se, porém, com mais atenção o relatório da proposta e considerando-se o significado de certas alterações ao texto da Lei n.º 1:956, quase sempre efectuadas pela via de omissão, cresce a dúvida já atrás esboçada.
O que importa por isso esclarecer, primeiro que tudo, é o espírito da presente proposta e saber s(c) há de facto mudança de certos critérios já definidos como fundamentais quanto ao papel do Estado e à ordenação da vida nacional.

2. O condicionamento industrial estabelecido pelo Decreto n.º 19:354, de 3 de Janeiro de 1931, representou um corajoso e fecundo acto de administração, cujo mérito nunca é demais realçar.
Presta-se aqui sentida homenagem ao alto espírito do seu autor, o Dr. Antunes Guimarães, há pouco falecido.
Não parece descabido mencionar-se que no relatório da proposta de lei n.º 1:956 se começou exactamente por reconhecer o mérito do diploma de 1931, que era ponto de partida para a nova legislação, tão certo é o facto de não haver afinal maior homenagem que a compreensão e a continuidade de um grande esforço.
Em vez de permanecer apático ou indiferente ante os mais instantes problemas da vida industrial, o Governo decidiu-se em 1931 a tomar posição e a intervir. Foi, por assim dizer, essa atitude a correspondente no campo das indústrias à nova política de iniciativa e de responsabilidade que esteve na base do renascimento nacional.
Em 1933 foi promulgada a nova Constituição, em cujo regime jurídico o País começou a viver. Seis meses volvidos, foi publicado o Estatuto do Trabalho Nacional, que condensou toda a doutrina da Constituição no domínio económico e social e a completou com preceitos normativos que dela naturalmente decorrem.
O Estado passou da liberdade de movimentos existente em 1931 para um condicionalismo de acção que lhe impõe deveres tão graves como imperiosos. Basta que recapitulemos aqui alguns preceitos do Estatuto do Trabalho Nacional sobre política económica:

Art. 2.º A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre todos os cidadãos.

Art. 4.º O Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação.
É garantida a liberdade de trabalho e de escolha de profissão em qualquer ramo de actividade, salvas as restrições legais requeridas pelo bem comum e os exclusivos que só o Estado e os corpos administrativos poderão explorar ou conceder, nos termos da lei, por motivos de reconhecida utilidade pública.

Art. 6.º O Estado deve renunciar a explorações de carácter comercial ou industrial, mesmo quando se destinem a ser utilizadas no todo ou em parte pelos serviços públicos, e quer concorram no campo - económico com as actividades particulares, quer constituam exclusivos, só podendo estabelecer ou gerir essas explorações em casos excepcionais para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua acção. Também o Estado só pode intervir directamente aia gerência das actividades privadas quando haja de financiá-las e para realização dos mesmos fins.
Art. 7.º O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social, determinando-lhe os objectivos e visando designadamente o seguinte:
1.º Estabelecer o equilíbrio da produção, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho;
2.º Defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário ou incompatíveis com os interesses superiores da vida humana;
3.º Conseguir o menor e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos. outros factores da produção, pelo aperfeiçoamento da técnica, dos serviços e do crédito;
4.º Promover a formação e o desenvolvimento da economia nacional corporativa num espírito de cooperação que permita aos seus elementos realizar os justos objectivos da sociedade e deles próprios, evitando quê estabeleçam entre si oposição prejudicial ou concorrência desregrada, ou que pretendam relegar para o Estado funções que devem ser atributo da actividade particular;
5.º Reduzir ao mínimo indispensável a esfera do seu funcionalismo privativo no campo da economia nacional.

Art. 8.º A hierarquia das funções e dos interesses sociais é condição essencial da organização da economia nacional.

É dentro dêste condicionalismo novo que se inicia pôr essa altura no País um período de adaptação de importância transcendente.
O Estado procura submeter a sua acção a essa nova filosofia jurídica, ao mesmo tempo que se esforça por criar, renovar e educar os serviços que lhe parecem

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indispensáveis para cumprimento da sua missão. Por outro lado inicia-se a organização corporativa da Nação para que ela não falte também à parte tão importante que lhe está reservada.
É dentro desse processo de adaptação à nova ordem constitucional que tem de ser entendida, como o foi na altura própria, a Lei n.º 1:956, promulgada em 17 de Maio de 1937.
Tem sido já várias vezes lamentado o facto de ter caído em desuso, ou não ter sido mesmo reatada em 1934, a interessante tradição de se antecederem as novas leis do respectivo relatório. Parece manifesta a vantagem de se concretizarem no tempo e no espaço critérios fundamentais que nem sempre resultam suficientemente claros da interpretação isolada dos articulados. Isto se observa mais uma vez a propósito do caso da actual proposta, que, reproduzindo grande parte da matéria da Lei n.º 1:956 no que ela teve de essencial, aparenta no seu relatório interpretação que não coincide de certo modo com aquela que inspirou a promulgação original dos mesmos preceitos.

3. Como se passou de facto do regime inicial do condicionamento de 1931 para a Lei n.º 1:956?
Mantendo simplesmente em vigor por mais algum tempo uma medida de carácter transitório? Encarando o condicionamento como um caso isolado e restrito? Criando, ao contrário, um estatuto tão completo mas afinal em tão evidente -desproporção com uma intervenção tão supostamente excepcional do Estado na vida ou no nascimento das indústrias?
É fácil de ver que as coisas se não passaram assim e que foi outro o horizonte então invocado na resolução do problema.
A proposta de lei de 1937 foi objecto de parecer desta Câmara e teve depois larga discussão na Assembleia Nacional. Pode afirmar-se que os preceitos propostos foram objecto de atento exame por parte dos interessados em geral e dos homens mais eminentes dêste país com assento, ao tempo, nas duas Câmaras.
Pela primeira vez os graves problemas do condicionamento vieram a exame e discussão geral da Nação e a lei saiu depois como verdadeiro produto dessa vasta colaboração de todos os que podiam e deviam intervir nela.
Vale de facto a pena -agora que o Governo propôs novo exame da matéria - reler o parecer desta Câmara emitido em 1937 e seguir com atenção as actas das sessões da Assembleia Nacional, onde o debate se prolongou por vários dias.
Todos foram unânimes em considerar a nova lei, não como uma prorrogação mais ou menos provisória do condicionamento de 1931, mas como integração dentro da nova ordem constitucional e mais especialmente dentro do Estatuto do Trabalho Nacional do que havia de permanente na ideia inicial daquele. Por isso na base I da Lei n.º 1 :956 ficou consignado que o condicionamento passava a subsistir, dentro dos limites da doutrina do Estatuto do Trabalho Nacional, especialmente nos seus artigos 7.º e S.º, mais atrás recordados.
Parece oportuno transcrever do parecer da Câmara Corporativa em 1937 o trecho seguinte:

... a preocupação que neste momento vemos desenhar-se nas várias indústrias é a de ficarem fora do condicionamento. Este resultado, pois só por ele se pode inferir o verdadeiro valor das medidas legislativas, é a confirmação plena do êxito da medida tomada em 1931.
Sòmente o decreto de 1931 foi uma medida apenas de urgência, um mero expediente de ocasião. A intervenção do Estado na vida económica era um fruto das circunstâncias do momento que ainda não obedecia a uma orientação definida.
A 23 de Setembro de 1933 o Decreto n.º 23:048 promulga o Estatuto do Trabalho Nacional, verdadeira constituição da economia portuguesa. Aí, como justamente se recorda no relatório da presente proposta de lei, o Estado reivindica o direito e assume a obrigação de regular superiormente a vida económica e social, consignando para isso os princípios de conduta a seguir no artigo 7.º Nova era a situação assim criada e novos deviam ser, pois,- os processos legais a aplicar. O condicionamento era uma consequência lógica da doutrina do estatuto. Não devia ser mais um expediente temporário, mas um regime definitivo. Com fundada razão assim o vem estabelecer a nova proposta de lei. E, ao redigi-la, o Governo não veio tentar uma nova experiência, como em 1931, mas, forte dos ensinamentos da prática, quis prosseguir no caminho encetado com êxito não duvidoso e procurar aperfeiçoá-lo.
Explica-se, por isso, a contradição aparente que se nota ao ver que se torna mais perfeito e duradouro o regime do condicionamento e que ao mesmo tempo se restringe o seu campo de aplicação. Poderia invocar-se como justificação suficiente para o facto a dificuldade administrativa, já assinalada, da imensidade da tarefa do condicionamento, abrangendo, a bem dizer, todas as indústrias nacionais. Nada mais seria preciso para abonar a restrição referida.
Mas, em boa verdade, essa restrição é contestável. Se, por um lado, se dá para o futuro a exclusão de algumas indústrias até hoje sujeitas ao condicionamento, admite-se a ampliação indefinida deste a todas as indústrias que ingressem no regime corporativo. Se tal se fizesse com o único intuito de criar mais um estímulo para que as indústrias se organizassem corporativamente, já a medida mereceria aplauso. Mas, além dessa consideração, certamente não ausente do espírito do autor da proposta, outra razão determinou fundadamente a sua resolução. O regime corporativo, com efeito, fornece elementos para o conhecimento da situação real das indústrias que abrange, que, fora dele e à falta de um inquérito industrial actualizado, não existem. Dentro daquele regime é simples o funcionamento do regime legal, tão árduo e lento no contacto directo entre os serviços públicos e as indústrias isoladas.
A Câmara Corporativa não pode, pois, deixar de aprovar o sentido geral da proposta e de louvar os intuitos a que ela obedeceu.

O parecer da Câmara Corporativa em 1937 foca nestes curtos períodos toda a substância da Lei n.º 1:956. Não apenas no campo dos princípios -ou seja pelo que importava à definição precisa da nova doutrina e à integração nela do que havia a conservar do condicionamento primitivo -, mas também o papel que ia desempenhar na sua efectivação a própria organização corporativa e ainda a consequente distribuição de funções ou a colaboração que se tinha como indispensável entre o Estado, as corporações e os indivíduos.
Numa palavra: a doutrina e a mecânica da nova ordem de coisas.

4. Esta era, naturalmente, a única visão do problema a aceitar dentro de um Estado que se proclamava unitário e corporativo. E tão vincada foi esta interpretação dos factos e dos textos legais que oito anos volvidos - diferente a época, diferente o horizonte

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mundial e diferentes as pessoas - se escreveu no relatório que precedeu a proposta de lei que havia de ser promulgada, sob o n.º 2:005, em 14 de Março de 1945, o seguinte:

O artigo 2.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 23:048) e os n.ºs 2.º e 3.º do artigo 7.º do mesmo diploma apontam como finalidade da nossa economia o máximo de produção, sob a acção coordenadora do Estado, no sentido de suprimir actividades parasitárias e de promover o aperfeiçoamento da técnica, dos serviços e do crédito.
A lei do condicionamento industrial (Lei n.º 1:956) foi, no campo técnico, a primeira manifestação desta doutrina, a que se seguiram providências especiais para alguns ramos da indústria; mas a campanha de sistematização dos órgãos da produção fabril não atingiu ainda a vastidão e a profundidade que o Estatuto do Trabalho Nacional lhe pretendeu imprimir.

E mais adiante:

Houve sempre o pensamento de conjugar condicionamento com organização. E assim, ao fixar as indústrias que haviam de ficar sujeitas ao condicionamento (Decretos n.ºs 19:354 e 19:904, de Janeiro e Março de 1931), se estabeleceu que a prescrição era de carácter transitório, até que os resultados do inquérito, decretado no primeiro daqueles diplomas, permitissem orientar convenientemente a produção industrial.
Critério análogo adoptou a Lei n.º 1:956 com a modalidade (base IV) de exigir um decreto regulamentar para cada ramo industrial que viesse a estar condicionado; mas os Decretos n.ºs 27:758 e 28:466, respectivamente de 15 de Junho de 1937 e de 14 de Fevereiro de 1938, alteraram temporariamente - por falta de elementos de estudo - a posição do problema, isentando do condicionamento algumas indústrias e tornando-o extensivo às restantes.
O condicionamento é frequentemente invocado, por uns, como elemento de defesa da economia, mas no fundo para defender os seus próprios interesses e afastar a concorrência dos que pretendem instalar-se; por outros, como instrumento que tolhe a iniciativa privada, fonte de injustiças e dificuldades. Nem uns nem outros têm razão; o condicionamento é, realmente, um elemento de defesa da economia nacional, e como tal tem de ser aplicado, não à luz dos interesses particulares, mas dos interesses superiores da colectividade.
Por outro lado, e contrariamente ao pensamento do Decreto n.º 19:354 e ao princípio fixado na Lei n.º 1:956, tem sido aplicado sem a premissa basilar do seu êxito - a organização da indústria.

Tal foi o pensamento que prevaleceu, pode dizer-se, ao longo destes catorze anos, à parte as suspensões ou hesitações (sempre a título temporário) que prejudicaram a efectivação dum programa de Governo tão claramente definido e entendido.

5. A nova proposta de lei dedica a sua base I à afirmação dos direitos da «iniciativa privada, orientada pela organização corporativa», para promover a instalação e transferência de unidades industriais.
É a única base da proposta em que se alude (embora sem expressa citação) à matéria duma disposição do Estatuto do Trabalho Nacional, o seu artigo 4.º, já atrás transcrito.
Em compensação, na base 11 escreve-se que:

Quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem, o Governo regulará, mediante condicionamento industrial, o exercício da iniciativa privada, tornando dependentes de prévia autorização todos ou alguns dos seguintes actos:
a) A instalação de novos estabelecimentos e a reabertura dos que tiverem suspendido a laboração pelo prazo e nos termos definidos para cada indústria;
b) As modificações no equipamento industrial ou fabril expressamente discriminadas;
c) A mudança do local dos estabelecimentos consoante for determinado para a indústria a que pertencerem.
O condicionamento competirá ao Ministério da Economia, excepto no que disser respeito às actividades por lei dependentes de outros Ministérios.

Não há, com efeito, em todo o articulado da proposta mais nenhuma referência aos princípios do Estatuto do Trabalho Nacional nem à instauração do sistema permanente que aquele, sem nenhuma dúvida, teve por objectivo principal.
O condicionamento subsiste apenas como regulador excepcional dos direitos soberanos da iniciativa privada, não com fins permanentes a atingir no complexo da nova orgânica económica o social da Nação, mas como intervenção de recurso, o quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem».
Temos de reconhecer que a mais de dezassete anos de publicado o Estatuto do Trabalho Nacional pode isto ser base para grandes e úteis intervenções na vida económica, mas não prima certamente nem pela concisão nem pela definição dos limites em que aquelas podem ter lugar.
Há, é certo, mais adiante algumas disposições normativas na base viu. Vê-se, porém, até pela ordem das matérias articuladas, que se referem mais à fiscalização do condicionamento do que propriamente à sua instauração.
Mas há ainda uma lacuna mais séria. Na base 11 da Lei n.º 1:956 lê-se, a final:

As actividades que se acharem ou venham a estar organizadas corporativamente ou sujeitas à disciplina dos organismos de coordenação económica de feição corporativa ou pré-corporativa ficam sujeitas ao condicionamento inerente ao seu regime especial.

Quer dizer: a organização corporativa das indústrias implicava normalmente a definição de um regime especial de enquadramento e exercício. Inerente foi o termo precisamente escolhido pela Assembleia Nacional depois da exaustiva discussão do problema.
A esse facto se referiu o parecer da Câmara Corporativa nos termos já antes transcritos, apoiando calorosamente o princípio e insistindo na sua lógica e virtude dentro dum regime corporativo.
Pois tal disposição não figura na nova proposta de lei, o que, como tudo o mais, parece confirmar que se não teve em vista como em 1937, nem fazer subsistir dentro do clima económico e social do regime o que havia e há de constante na ideia do condicionamento, nem tão-pouco conjugar a ideia do condicionamento com a da própria organização corporativa.
Esta última não tem outro papel que a de ser ouvido, antes que os processos do condicionamento que restar passem pelo Conselho Superior de Indústria e sejam finalmente despachados pelo Ministro.
Puras funções consultivas, portanto.

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6. Importa agora focar a posição da iniciativa privada (que na economia da presente proposta de lei parece ter sido o tópico doutrinário do legislador) na estruturação orgânica da Nação.
É fora de dúvida que o maior mérito e novidade que nacionais e estrangeiros, com conhecimentos do assunta, encontraram na teoria corporativa portuguesa e nas regras originais da sua ordenação se concentrou exactamente nesse respeito fundamental pelas virtudes criadoras da iniciativa privada.
A tendência para um corporativismo de associação e para uma tanto quanto possível autodirecção de economia foram sinais certos que se queria evitar a todo o custo em Portugal os abusos do intervencionismo e os riscos sempre graves de um crescente socialismo do Estado, mesmo com bandeira diferente.
O atraso do País, a nossa frequente carência de meios, a debilidade em muitos campos da nossa iniciativa privada e a necessidade inadiável de conseguir determinados progressos de ordem económica e social tornavam muito perigoso o ponto de partida da política nacional ao decidir-se a nova ordem de coisas.
Não teria bastado proclamar os méritos da iniciativa privada e enunciar com ela outros princípios salutares a conservar a todo o custo.
Era ainda mais importante assegurar que tudo isso fosse possível na hora em que começassem as responsabilidade» de uma intervenção na vida económica do País.
A iniciativa privada e as suas liberdades essenciais correriam evidente risco de ser a panela de barro a chocar-se com a panela de cobre do crescente poderio do Estado. Este haveria fatalmente de tornar-se mais autoritário, mais absorvente e mais intervencionista. Tudo levava a tal: desde a necessidade instante de resolver certos problemas internos até às consequências das próprias relações internacionais em matéria económica de contornos cada vez mais estatistas.
Muitas pessoas não compreenderam que, quanto mais não fosse, por motivos estritamente derivados deste último aspecto, íamos ser obrigados a realizar a cada passo actos de intervencionismo económico. Como não compreenderam também que as soluções corporativas eram a única forma de resistir à tendência ou mesmo à necessidade dessas operações de conjunto, muito próximas da economia socialista.
O Estado Português, ao lançar os fundamentos da nova doutrina, teve o mérito inegável de querer defender, quanto possível, os direitos do indivíduo e da iniciativa privada. Um dos maiores objectivos da organização corporativa foi exactamente fortalecer os direitos individuais com uma estruturação que os tornasse mais aptos a conviver com a crescente influência do Estado e a subsistir em plano mais elevado e simetricamente mais consistente. É nesse aspecto que há que entender, primeiro que tudo, as relações da organização corporativa com a iniciativa privada e não propriamente no papel de lhe dar orientação.
Essa defesa da iniciativa privada não podia apenas fazer-se com a enunciação dos princípios: far-se-ia sobretudo com o exercício dos seus direitos.
Daí a extrema importância da doutrina do artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, que tem de ser a regra fundamentalmente informadora da intervenção do Estado nos problemas do trabalho e da produção da riqueza.
Não parece, por isso, que possa pretender fazer-se a defesa isolada dos direitos da iniciativa privada sem II situar no quadro da doutrina económica e social da Constituição e sem atentar bem nas regras do jogo de funções e de interesses que hão-de assegurar essa mesma defesa.

7. Por outro lado, é evidente que a organização corporativa não pode ser apenas consultiva. Tem de ser sobretudo funcional. Tem de existir.
As fronteiras da acção do Estado têm de ser limitadas pela presença real da Nação organizada. Por isso se não pensou inicialmente num corporativismo de Estado, que era o que estava à moda ao tempo com maior ou menor percentagem de ideias socialistas.
Pretendeu-se criar a organização corporativa na periferia da máquina do Estado com independência, património, responsabilidade, numa palavra, vida própria.
Não se alienava nada do que fundamentalmente deveria ser atribuição ou dever do Estado. Mas previa-se que tudo o que este pudesse dispensar passasse para a órbita de funções da orgânica corporativa.
A propósito do caso concreto da integração do condicionamento na nova ordem de coisas, escreveu-se no relatório da proposta de lei de 1937:

Compete também ao Estado organizar os seus próprios serviços por forma que possam acompanhar de perto os efeitos do condicionamento, quer nos preços de materiais e dos artigos produzidos, quer no nível dos salários, e, de uma forma geral, as suas consequências de ordem económica ou social. Tal aspecto pode, sem receio, afirmar-se que não logrou ainda ser encarado com a atenção conveniente. A excessiva generalização do condicionamento afogou literalmente os serviços na papelada do expediente e fez perder de vista o que existe de essencial no estudo e no rendimento das soluções que aquele comporta.
Parece, por outro lado, demonstrado que a organização corporativa oferece todas as condições para se realizar uma política económica no domínio industrial.
A experiência já feita, por exemplo, com as conservas veio provar que é possível fazer beneficiar os fabricantes das vantagens de uma organização cujos fins importam normas restritivas semelhantes às do condicionamento, sem que a respectiva indústria deixe de ser fortemente progressiva ou se arrisque a tombar na fórmula sempre odiosa dos exclusivos de muito poucos.
É-se por isso levado a admitir que o condicionamento não oferece dificuldades desde que se trate de indústrias suficientemente organizadas.
Elas próprias, através dos seus organismos corporativos ou de coordenação económica (ou das suas corporações, quando as mesmas se constituírem), terão de estudar e informar todos os assuntos agora abrangidos pelo condicionamento, atendendo aos aspectos técnico, económico e social. E, uma vez determinada a solução a adoptar (sempre sujeita a sanção superior), serão os mesmos organismos responsáveis pelo seu bom acatamento por parte dos interessados. A fiscalização do Estado passará, portanto, a exercer-se em nível diferente do actual. Os seus serviços poderão evolucionar no sentido da qualidade e da técnica, tornando-se ao mesmo tempo menos dispersos e ganhando em eficiência o que perdem em superfície de acção; as corporações realizarão, a bem dos seus interesses e do interesse geral do País, uma boa parte do trabalho que hoje se pede ao Estado; este coordenará todos esses esforços, dar-lhes-á a conveniente orientação e velará ao mesmo tempo por que aquelas cumpram dignamente as importantes funções que lhes são confiadas.

Tal maneira de ver as coisas já estava de resto muito generalizada. Basta recordar que no relatório do De-

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creto-Lei n.º 27:207, de 16 de Novembro de 1936, que reorganizou os serviços do Ministério da Agricultura, se escreveu:

Na sua função de orientação e disciplina têm ainda os organismos corporativos e de coordenação económica de exercer acção fiscalizadora sobre as actividades e os produtos. Ela deve exercer-se de preferência sobre a sua composição ou normas
de fabrico. E à medida que os referidos organismos se forem mostrando aptos a desempenhá-los, pode o Estado aliviar-se desse encargo e responsabilidade, embora lhe pertença pela própria natureza do poder público o direito e o dever de verificar o modo como a exercem. Ao Estado fica ainda a fiscalização sobre a sanidade dos produtos mais de carácter repressivo ou policial.
Ficam apontadas as linhas gerais desta reorganização, e ao findar apenas uma ambição anima o Governo: a de que os serviços actuem com a vitalidade e a mística próprias desta época de ressurgimento. Para isso conta com a dedicação dos funcionários.

Esta era a orientação que se planeava em 1937. O Estado propunha-se rever a aplicação do condicionamento à luz dessas novas ideias e trataria de harmonizar a acção dos seus serviços com a da incipiente orgânica das actividades nacionais.
Estas últimas tinham de colaborar com ele não só na fiscalização dos regimes industriais de cada especialidade, mas na sua própria definição.
Era mais que manifesto que o Estado não dispunha de técnicos nem de experiência para realizar só por si quer um quer outro trabalho. Verificara-se efectivamente que o êxito obtido em certos sectores, a começar no feliz inquérito à já citada indústria das conservas pelo então Ministro das Finanças Dr. António de Oliveira Salazar, fora resultado do concurso destes dois elementos: o pensamento do Estado e a contribuição directa dos interessados.
É fácil verificar que onde um deles falhou, raras vezes se conseguiu algum resultado.
Se isto se mostrou capital para o próprio equacionamento dos problemas industriais, é manifesto que também o seria a contribuição futura da organização para o bom funcionamento do sistema. E estamos certamente a tactear as razões por que os preceitos da Lei n.º 1:956, embora contendo, ao que se afigura, a maior soma de verdade na visão do problema, obtiveram afinal tão escassa realização.
Deve-se atribuir aos prementes e por vezes angustiosos problemas económicos durante a última guerra a culpa principal no caso. Salvos pela neutralidade da invasão e das devastações, é evidente que o Governo foi solicitado a todo o instante por questões imediatas e absorventes. A indústria não teve mais necessidades, em regra, que na obtenção de certas matérias-primas.
A Lei n.º 1:956 ficou de reserva, à espera.
Sabia-se que continha as normas justas para agir, mas quando as circunstâncias fossem outras. Tem por isso mérito especial, e é exemplo de coerência a continuidade de ideias neste país tão fàcilmente inovador, a já mencionada proposta de lei que em 1945 veio estabelecer as bases para um vasto plano de fomento e reorganização industrial.
O seu relatório amplia no plano tecnológico a orientação que os legisladores de 1937 tinham tido em vista ao abandonar a fácil tendência para as generalizações que nunca se concretizam e em procurar resolver o problema por soluções parcelares que se mostravam ao seu alcance.
Lê-se no relatório da proposta de Lei n.º 2:005:

A interdependência dos ramos industriais, salvo em casos restritos, é bem fraca quando comparada com a forte coesão dos elementos de cada indústria; por isso se pensa analisá-los um a um para achar a solução mais conveniente.
Ao sistema de equações simultâneas substitui-se, assim, um certo número de equações independentes; o problema torna-se elementar e, como tal, susceptível de mais fácil realização prática.
O inquérito será, pois, trabalho construtivo, contendo sempre uma proposta de solução em vez de simples inventário estatístico.

A legislação reflectiu, portanto, mesmo antes de 1937, uma mesma orientação. Os próprios decretos que lhe suspenderam ou travaram os efeitos foram sempre apresentados como medidas de espera. Escasseavam os elementos de inquéritos em curso, ou não havia ainda conclusões seguras no estudo de um caso, ou escasseava simplesmente o tempo para o que se tinha em vista. E dava-se nova paragem.
Como no Evangelho, o espírito estava pronto; o que faltou foi a execução. E faltou talvez também o receio ou a aflição de uma crise a ajudar a observância de tais medidas.
Resta agora ver se as coisas foram realmente encaminhadas de forma a dispor-se na altura própria dos elementos de trabalho e da mecânica, por igual indispensáveis.

8. Importa de facto fazer algumas considerações sobre este tema, e mormente quando parece haver o propósito de desligar o condicionamento industrial do processo geral de ordenação económica e das suas relações directas com a orgânica corporativa.
Não pode ser esquecido que esta última, mesmo com todas as suas deficiências e lacunas, ofereceu ao Estado elementos de informação e cooperação multiforme que ele de outra maneira nunca poderia ter obtido. Convidaram-se ou compeliram-se muitas das actividades industriais ao esforço da organização com fins simultâneamente económicos e sociais. Celebraram-se contratos colectivos de trabalho, de onde surgiram novas regras de disciplina e encargos de toda a espécie. Os salários subiram em muitos casos a níveis que nunca se tinham julgado possíveis, e o custo da previdência e das cargas acessórias acabou por atingir percentagens absolutas, que estão muito além de tudo o que se previra. O Estado sabe sobre a vida da iniciativa e das actividades privadas aquilo que sem a organização nunca seria do seu conhecimento. Pode mesmo afirmar-se que foi a organização corporativa que deu nova orientação e permitiu à política fiscal incidir tão de perto sobre matéria colectável que antes se não considerava.
Ciaram-se todos estes encargos ë obrigações. E que temos visto?
Uma diminuição evidente do grau de independência da organização, que é, pode dizer-se, condição vital da sua existência. As fronteiras da iniciativa privada e da autodirecção económica têm-se reduzido cada vez mais. Os serviços públicos digeriram não raro mal, por falta de preparação ou de orientação, a essência das funções que lhes cabiam. Como no caso do condicionamento industrial, persistiram em conservar uma amplíssima zona de influência que dominavam apenas em superfície, mas com muito pouca profundidade.
Em muitos sectores onde o Estado insistia em mandar retraiu-se naturalmente a já de si débil personalidade das actividades .privadas; Raros tiveram a força e possibilidades de lhe resistir. E não faltaram comis-

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sões administrativas nos organismos económicos, constituídas, em regra, por elementos da burocracia. Como não tem faltado tendência para assimilar ao funcionalismo público o próprio pessoal dos organismos corporativos.
Está em risco de se enfraquecer cada vez mais a autonomia da forma de organização que ao País pareceu mais conveniente. Frequentemente surgem sinais que permitem supor que se não têm em conta certos ângulos de visão, antes considerados fundamentais. Em especial neste aspecto de se assegurar à organização existência livre e autónoma, integrada embora na harmonia de uma estreita e elevada cooperação com o Estado e a ele subordinada noa casos da sua especial competência e autoridade.
Note-se, por exemplo, o que tem acontecido com os fundos corporativos. Teve-se em vista criar com eles, em independência dos dinheiros do Estado, novos e poderosos elementos de riqueza nacional, aptos a servir o interesse geral e a desempenhar no futuro (como tiveram ocasião de o provar) fecundíssima acção.
Com a sua criação dera-se um passo decisivo na formação de novos patrimónios de natureza corporativa, que eram uma das expressões mais tangíveis da Nação organizada.
Pois não houve, ainda recentemente, objecção de maior a deixá-los encarar juntamente com os problemas dos mais diversos fundos especiais. Alguns fundos corporativos já tiveram destino diverso do que se tinha em vista com a sua criação, e não parece que a sorte dos restantes esteja muito assegurada. Melhor fora que se tivesse antes procurado rodeá-los de toda a defesa possível, ao mesmo tempo que se persistisse no esforço de encontrar uma forma perfeita de conjugação entre os serviços do Estado e os da própria organização.
Não foi por tudo isto muito para surpreender que na presente proposta de alteração ao condicionamento industrial a organização corporativa aparecesse apenas como elemento consultivo.
De qualquer forma não pode, porém, o Estado esquecer as responsabilidades contraídas perante a organização nem deixar de corresponder ao esforço por ela feito.
A organização corporativa representa um ordenamento e uma hierarquia de funções. No caso particular das indústrias foi preciso estabelecer limites entre elas, definir regras que levaram a saber-se com precisão em que consistiam as suas unidades, estudar ciclos de produção e estabelecer, numa palavra, o seu regime especial.
É o que podemos chamar o seu condicionamento, ou, antes, o condicionamento inerente previsto pela Lei n.º 1:956. E esse não pode, evidentemente, ser ignorado num diploma que regula as diversas fases do condicionamento industrial, como se não pode agora desligar dele a política social que teve em vista elevar conjuntamente o nível de vida do nosso povo, nem pretender regressar sem mais cuidado aos perigos e às injustiças do trabalho-mercadoria.

9. Não se tentará neste parecer mais um balanço dos resultados obtidos até agora pelo condicionamento industrial.
Seria ocioso fazê-lo, visto que não é pròpriamente a existência do condicionamento que está em causa, mas, de certo modo, os seus princípios informadores num e noutro diploma, ou seja os que inspiraram a Lei n.º 1:956, ainda em vigor, e os que se descortinam no relatório e bases da presente proposta de lei.
Já se insistiu suficientemente na distância que os separa e na conveniência que existe em que nos não desviemos do caminho primitivo. Ver-se-á, pela análise na especialidade, que quase todas as ideias centrais do diploma de 1937 foram mantidas integralmente na proposta: o princípio da especialização do condicionamento por diplomas ou regimes próprios; as facilidades para as indústrias complementares da exploração agrícola que se destinem a preparar e transformar os produtos do próprio lavrador; as regras de protecção para o trabalho caseiro e familiar nas indústrias em que possa ser consentido; o princípio da vigilância constante sobre as indústrias condicionadas para se avaliar em todo o momento da boa utilização do condicionamento e a forma de este último lhes ser retirado; o princípio da apreciação dos processos do condicionamento por um órgão superior de consulta antes de submetidos a despacho ministerial, e, enfim, o preceito talvez de maior alcance da Lei n.º 1 :956, que prevê a concessão de alvarás de exclusivo por tempo limitado para certas indústrias de importância especial.
É, pois, evidente que o condicionamento se manterá e que continuará a servir o interesse nacional, pois ninguém pode ter dúvidas sobre os grandes benefícios por ele prestados desde 1931.
Consideremos, porém, um pouco a situação actual.
Sem dúvida, não se pode ter em vista pôr repentinamente fora do condicionamento uma grande massa de actividades industriais a ele sujeitas há muito tempo.
Há, todavia, muitas delas que não deveriam estar totalmente condicionadas ou, por outras palavras, cujo condicionamento não deveria ir além dos critérios regulamentares que têm de estar na base de uma disciplina de funções. Para lastimar é, portanto, que êsse condicionamento inerente não esteja ainda estabelecido em numerosas actividades que dele carecem. Tais regulamentos são indispensáveis para organizar aquelas em base progressiva e para estímulo dos melhores.
Mas muitas outras indústrias se contam que devem em boa parte a sua existência ou mesmo a sua relativa estabilidade aos preceitos gerais do condicionamento. É preciso não esquecer certos compromissos morais assumidos pelo Estado e o esforço económico e social realizado em vários sectores.
Pode, porém, ser observado que nos achamos em muitos casos (perante preços de produção inexplicàvelmente elevados. É facto que estamos nalgumas coisas a produzir mais caro que os países onde o nível de vida é muito mais elevado.
Deu-se evidentemente em certos sectores - entre as indústrias mais pequenas e mais correntes, mas também nalgumas das maiores - um desequilíbrio que não deixa de causar impressão. Deparam-se-nos muitas vezes preços que não podem passar sem reparo. O fenómeno exige naturalmente exame cuidadoso em cada exemplo para que se possa conhecer (à parte os simples abusos a corrigir) qual a causa ou causas que mais directamente o provocam: se mercado excessivamente restrito ou artifício exageradamente caro para a existência no País de tal indústria, se mau ajustamento ou custo excessivo das regras reguladoras do trabalho, se deficiência de técnica em maquinaria ou em pessoal, se excesso de carga tributária ou de outros encargos sobre determinada indústria.
Afigura-se de capital importância ter-se ideias definitivas nesse particular. É possível que se tenham cometido alguns erros de orientação. É provável que existam muitos abusos a corrigir no preço por que se pagam certos artigos ou serviços. Não repugna mesmo crer que alguns desses erros e abusos só encontrem remédio pelo regresso ao regime da livre concorrência. Mas o que se fizer nesse sentido terá de ser feito com grande cuidado. Num quadro geral de organização económica ainda pouco seguro há que ter de facto muita atenção com o aliviar de válvulas reguladoras, que têm, infelizmente, funcionado tão pouco.

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Como em 1937, o Estado sente-se na obrigação de acudir com medidas de urgência a uma situação que não é completam ente satisfatória. Propõe-se manter as regras do condicionamento nos casos em que elas são imprescindíveis e atenuá-las ou anulá-las mesmo em outros. Por um lado, sabe que o condicionamento é necessário e útil. Por outro, receia, e certamente com algum fundamento, que a sua aplicação seja excessiva ou mesmo injustificada em algumas ocasiões. Sabe, além disso, que o rendimento dos serviços é deficiente e que se tem perdido muito tempo e muito caminho na direcção que se procurava.
É preciso, porém, agora acertar não só com as medidas de urgência, que as circunstâncias aconselhem, mas, sobretudo, assegurar a orientação definitiva e estável que tem de ser seguida, sob pena de se não dar satisfação aos mais altos imperativos económicos e sociais da nossa ideologia do Estado.
A experiência, do passado pode ao menos ser útil para se não recair nos mesmos erros.

10. A Lei n.º 1:956 começou a ter execução com a publicação, em 3 e 24 de Novembro de 1937, dos decretos regulamentares, integrando, respectivamente, no novo regime do condicionamento as indústrias dos lanifícios e da vidraça.
A primeira estava já organizada corporativamente e representava o tipo das grandes indústrias heterogéneas, que abrangem por igual unidades completas e as modalidades isoladas de um mesmo ciclo de produção. A segunda vivia no mais caótico estado de desorganização, com flutuações entre a cartelização e a concorrência desmedida.
Cremos que vale a pena respigar dos respectivos relatórios algumas passagens que podem servir de elemento de elucidação para o que será ainda hoje necessário fazer em tantas indústrias.
Escreveu-se no decreto regulamentar dos lanifícios:

Adoptando-se, nas suas linhas mais gerais, as soluções propostas pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, depois do demorado estudo do problema que esta última efectuou, tem-se em vista facilitar aos industriais um regime transitório de adaptação, certamente muito benévolo, que, porém, se subordina, desde já, ao que se julga mais conveniente para melhor desempenho da sua função na economia nacional.
Entendeu-se, primeiro que tudo, que o exercício da indústria, deveria, satisfazer a estes princípios essenciais:
1.º Só pode ser considerado industrial quem possuir um mínimo de apetrechamento fabril em local apropriado e a organização necessária, incluindo um quadro de pessoal;
2.º A produção de qualquer industrial deve, em regra, limitar-se aos seus meios próprios, não sendo de aceitar, senão em casos excepcionais ou justificados pela técnica da indústria, o trabalho a feitio ou complementar a instalações pertencentes a outrem.
Tem-se assim em vista conseguir uma certa estabilização das condições económicas do exercício da indústria e ao mesmo tempo o equilíbrio das suas diversas modalidades no processo geral da produção.
Fica, além disso, determinado o critério a seguir na aplicação do condicionamento aos vários ramos da indústria, não se perdendo de vista as exigências constantes do seu progresso e aperfeiçoamento.
Os mínimos fixados para o licenciamento de novas instalações em algumas das modalidades dos lanifícios tendem a realizar a fórmula económica de exploração susceptível de satisfazer à orientação agora traçada. O mesmo já não acontece em rigor (pelas razões de tolerância acima indicadas) com os mínimos exigidos aos industriais actualmente existentes; mas, embora possa ser observado que tais mínimos são bastante insuficientes para a exploração da indústria em bases sãs, nada impede o agrupamento das indústrias nessas condições, com vista à constituição de empresas, mais equilibradas. O presente regulamento não conduz em nenhum caso à consagração do sistema das grandes concentrações económicas, que não parecem, aliás, muito viáveis entre nós; procura-se, contudo, evitar a pulverização excessiva da indústria em unidades com muito fracas ou nenhumas condições de vida.

E mais adiante:

Em lugar de meros textos legais, rígidos pela sua própria natureza e fruto exclusivo da iniciativa do Estado, teremos, sempre que seja possível, regulamentos de natureza corporativa, estudados pelos organismos, competentes e destinados até na sua execução a ser em grande parte fiscalizados pelos mesmos. Realizar-se-á assim o princípio da auto-direcção da economia nacional na cooperação dos organismos corporativos das várias actividades com o Estado, ao qual fica sempre reservada a posição superior, que lhe permite disciplinar todos os interesses em ordem ao bem comum.

Transcreve-se do decreto regulamentar da indústria da vidraça:

Como é lógico, não pode deixar de ser moroso o estudo de tais diplomas regulamentares, desde que se pretenda que estes venham a representar como que o estatuto orgânico das várias actividades industriais sujeitas à disciplina do condicionamento. Sem dúvida, se estas últimas estivessem já organizadas, aos respectivos organismos corporativos competiria apresentar à sanção do Governo as bases para tal regulamentação.

E ainda mais adiante:

Mas muitas outras indústrias há em que até hoje ou não se nota qualquer tendência para a organização ou aquela que existe é a de contrariar toda e qualquer disposição governativa que tenda a introduzir alguma ordem na sua própria existência.
Entre estas últimas têm ocupado lugar de primeira fila a indústria da vidraça; alguns dos industriais, eivados ainda dos princípios da e por economia liberal e olhando ùnicamente aos seus interesses imediatos, têm rejeitado e tentado inutilizar tudo quanto pela indústria o Govêrno vem procurando fazer com vista à defesa do interesse nacional e do interesse de todos aqueles que têm a sua vida ligada à mesma indústria.

E por isso o Govêrno teve, no caso da indústria da vidraça (como em várias outras acontecerá agora), de quase tudo fazer para encontrar sem mais perda de tempo a solução que vinha sendo exigida pelo próprio interesse nacional.

11. Dentro do âmbito da proposta ora em estudo foram dirigidas à Câmara numerosas representações: umas, simples queixumes de interessados com maior ou menor fundamento; outras, trazendo ao problema observações de real interesse. Indústrias que nos mostraram

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a sua apreensão caso lhes viesse a ser negada a protecção do condicionamento; algumas que se lastimaram por nunca lhes ter sido concedida nem regulamentação nem organização, apesar de há muito tempo haverem insistido por ambas; outras que vieram apresentar ideias próprias nesse sentido ou que tiveram em vista contribuir para o exame da matéria no seu aspecto mais geral.
Todas essas representações foram lidas com atenção e notadas as sujes toes a atender. Grande parte destas últimas ficaram já incorporadas no acervo das considerações precedentes ou aparecerão mais adiante na apreciação da proposta na especialidade. Julga-se, porém, necessário fazer especial menção a um ponto que de vários lados foi apontado à boa atenção da Câmara. Ou seja: a coordenação do desenvolvimento industrial dos territórios ultramarinos com o da metrópole.
Vem-se assistindo de facto, nestes últimos anos, a um intenso e fecundo trabalho de industrialização das nossas duas mais importantes e ricas colónias de África: Angola e Moçambique.
Toda esta valorização económica se tem realizado à sombra do Decreto-Lei n.º 26:509, de 11 de Abril de 1936, e outras disposições regulamentares de data mais recente, sem qualquer ligação com o que se passa nos quadros da indústria metropolitana. Tem-se trabalhado, pode dizer-se, em compartimentos estanques, e não parece que deva ser essa a orientação a seguir indefinidamente.
Problemas desta magnitude só lucram em ser abordados e resolvidos em plano suficientemente elevado, que permita abranger todos os elementos em jogo e determinar não só a solução mais eficiente, como a mais legítima para a comunidade nacional.
É evidente que os critérios a adoptar para o caso metropolitano e para o ultramarino não podem resultar duma absoluta identidade de meios, processos e até fins u prosseguir. Há que atender ao condicionalismo económico e social que caracteriza cada um dos territórios em causa, embora sem perder de vista a sua possibilidade de conjugação.
Por outro lado, a orientação superior do fenómeno da industrialização em ritmo acelerado que se verifica nessas duas grandes parcelas do ultramar não exige sòmente capacidade resolutiva dos seus dirigentes; exige ainda uma manifesta capacidade de estudo e informação dos serviços públicos respectivos, que não se crê que possa ser sempre conseguida.
Se nos colocarmos, por outro lado, num plano superior aos legítimos interesses da metrópole e do ultramar, considerados isoladamente, não será difícil descortinar pontos imediatos de confluência do interesse geral, que convém, quanto possível, utilizar para regras de orientação a seguir na solução de novos problemas industriais ou no desenvolvimento de alguns já realizados.
Dentro da objectividade da proposta em exame, circunscrita como o é às normas do condicionamento industrial da metrópole, não cabe a esta Câmara ir mais adiante na apresentação duma sugestão que de vários lados lhe foi feita e cuja substância considerou de atender.
Aqui a deixa consignada à boa atenção do Governo.

12. O esforço que se propõe o Govêrno através da base XVII da proposta de lei não deixa de ser ambicioso quando se considera o propósito de completar em pouco mais de seis meses aquilo que se não fez em catorze anos. A Câmara tem algumas dúvidas sobre as possibilidades de realização dum tal programa de trabalho.
Tudo está de qualquer forma em que esse esforço se desenvolva na linha geral do que já está feito - depois de vencidas tantas dificuldades na preparação do espírito do País - e que se não tente agora atalhar demasiado para que se não venha ainda a perder mais caminho no final da experiência.
Não se pode deixar de considerar nem o estado de espírito um tanto desconcertado dos dirigentes da organização corporativa nem as dificuldades que serão encontradas para alargar os quadros dos serviços públicos no momento em que estão recomendadas economias drásticas em todos eles.
Terá de se pensar a sério no problema da colaboração (evitando tanto quanto possível a duplicação de funções) entre os serviços públicos e a organização corporativa, mesmo como ela está. É para o caso de importância decisiva o critério da melhor utilização dos serviços do Estado, tendo em vista aquelas funções que ele não pode nem deve alienar. O conhecimento superior dos problemas do condicionamento e da protecção pautal, a verificação em cada momento da sua razão de ser, o sentido de oportunidade das medidas de ajustamento, é o que verdadeiramente importa. Isso não pode ser conseguido quando os serviços vivem submergidos em papéis, com excessivo campo de intervenção, excessivas formalidades a cumprir e excessivas disposições a fiscalizar. Só com uma criteriosa e persistente divisão do trabalho e com a crescente utilização dos elementos orgânicos das nossas actividades industriais chegaremos a uma fórmula de maior eficiência.
Pensamos em última análise que a resolução deste magno problema não carecia positivamente de novos preceitos legislativos. Pelo que já verificámos com o exame da proposta na generalidade e pelo que passaremos a ver agora na especialidade, a matéria legal que existe era de certo suficiente para se agir sem mais necessidade do que a revogação pura e simples, por diplomas equivalentes, das disposições temporárias que atrasaram, perturbaram ou desviaram do seu verdadeiro caminho a integração do condicionamento na nova ordem económica e social.
Tudo dependeria, como depende (mesmo com lei nova), dum critério seguro e constante nestas e noutras matérias correlativas, de restabelecer a confiança na organização e de lhe restituir o que lhe é devido e, finalmente, de utilizar os serviços públicos tanto quanto possível nas funções essenciais que lhes cabem.

II

Exame na especialidade

13. Afigura-se útil comparar as bases da Lei n.º 1:956 com as novas disposições propostas.
Assim:

BASE I

(Da proposta)

É reconhecido à iniciativa particular, orientada pela organização corporativa, o direito de promover a instalação de novas unidades industriais e a modificação ou transferência das existentes, sempre com observância dos preceitos legais, designadamente sobre urbanização e condições mínimas de técnica, higiene, comodidade e segurança.

BASE I

(Da Lei n.º 1:956)

Incumbe ao Govêrno determinar as indústrias ou modalidades industriais que devem ficar sujeitas ao condicionamento das indústrias em vigor,

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tendo em vista os princípios estabelecidos no Estatuto do Trabalho Nacional, especialmente nos seus artigos 7.º e 8.º, e de harmonia com esta lei.

A simples comparação destas duas bases demonstra a diversidade dos pontos de partida. Enquanto na Lei n.º 1:956 se visava enquadrar as regras do condicionamento dentro dos princípios estabelecidos no Estatuto do Trabalho Nacional, especialmente nos seus artigos 7.º e 8.º, a proposta prefere começar pela definição dos direitos da iniciativa privada para promover a instalação ou modificação de unidades industriais.
Há nisso uma alusão, embora não expressa, ao artigo 4.º do Estatuto do Trabalho Nacional, já atrás transcrito, mas não deixa de merecer reparo que a proposta ponha simultaneamente de parte toda a ligação do condicionamento com a importantíssima doutrina dos artigos 7.º e 8.º do Estatuto.
Ora é fácil de ver que este artigo 7.º representa a transcrição pura e simples da matéria dos artigos 31.º e 34.º da Constituição, enquanto que o artigo 4.º do Estatuto (acerca da iniciativa privada) é preceito original do mesmo Estatuto. Não se compreende por isso muito bem que se tenha em vista manter o condicionamento, ainda que interpretado na sua forma mais restrita, sem o subordinar à orientação superior definida no artigo 7.º do Estatuto que é literalmente a da própria Constituição.
Aceitemos, porém, que se faça também a implícita invocação da doutrina do artigo 4.º do Estatuto em louvor dos direitos da iniciativa privada, nunca por demais defendidos. O que não parece certo é que, ao fazer-se definição de tão alta importância, se julgue necessário acrescentar «sempre com observância dos preceitos legais, designadamente sobre urbanização e condições mínimas de técnica, higiene, comodidade e segurança».
Subentende-se que a observância de tais preceitos terá de ser cumprida em todos os casos simultâneamente com outras disposições regulamentares aplicáveis, e não há, portanto, que lhe fazer menção quando se trata de definir os grandes princípios que informam o problema.
Prefere-se eliminar a referência da base I da proposta à iniciativa privada «orientada pela organização corporativa», pois não só a expressão não parece a mais exacta pelas razões já atrás expostas, como não se pode ignorar que grande parte das indústrias estão ainda por organizar. Não é, pois, regra geral já existente.
Propõe-se a redacção seguinte para a

BASE I

É reconhecido à iniciativa particular o direito de promover a instalação de novas unidades industriais e a modificação ou transferência das existentes, incumbindo, porém, ao Governo, quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem, regular o seu exercido mediante condicionamento industrial, tendo em vista os princípios estabelecidos no Estatuto do Trabalho Nacional, especialmente nos seus artigos 7.º e 8.º

14. A base II da proposta diz:

Quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem, o Governo regulará, mediante condicionamento industrial, o exercício da iniciativa privada, tornando dependentes de prévia autorização todos ou alguns dos seguintes actos:
a) A instalações de novos estabelecimentos e a reabertura dos que tiverem suspendido a laboração pelo prazo e nos termos definidos para cada indústria;
b) As modificações no equipamento industrial ou fabril expressamente discriminadas;
c) A mudança do local dos estabelecimentos, consoante for determinado para a indústria a que pertencerem.
O condicionamento competirá ao Ministério da Economia, excepto no que disser respeito às actividades por lei dependentes de outros Ministérios.

A ela corresponde a doutrina da base III da Lei n.º 1:956:

O condicionamento consiste em tornar dependentes de prévia autorização do Governo:
a) A instalação de novos estabelecimentos industriais e a reabertura dos que tiverem suspendido a laboração por prazo superior a dois anos;
b) Quaisquer modificações no equipamento industrial ou fabril que importem forçosamente alterações nos respectivos registos do cadastro industrial, existentes nos serviços públicos competentes e nos organismos corporativos ou de coordenação económica que legalmente os devam possuir;
c) A transferência de propriedade de nacionais para estrangeiros, ou para outros nacionais, se neste último caso envolver mudança do estabelecimento de um local para outro.
O condicionamento compete ao Ministério do Comércio e Indústria, salvo no que disser respeito às actividades industriais por lei dependentes de outros Ministérios.

A proposta subordina-se inteiramente neste particular ao que vier a ser estabelecido para cada indústria no respectivo decreto regulamentar.
Com relação àquelas que o já possuam, a situação permanece a mesma. Mas podem surgir situações difíceis, se tardarem os regulamentos das que os não tenham. Parece mais prudente manter-se o prazo geral de dois anos para a reabertura condicionada dos estabelecimentos industriais que tiverem suspendido a sua laboração.
Afigura-se realmente de aceitar a sugestão da proposta para se relegar para a base XV as regras relativas à transmissão de propriedade- de nacionais para estrangeiros, em virtude do regime já criado pela Lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943.
Propõe-se a seguinte redacção para a

BASE II

O condicionamento consiste em tornar dependentes de prévia autorização do Governo todos ou alguns dos seguintes actos:
a) A instalação de novos estabelecimentos e a reabertura dos que tiverem suspendido a laboração pelo prazo e nos termos definidos para cada indústria, ou, não existindo decreto regulamentar, por prazo superior a dois anos;
b) As modificações no equipamento industrial ou fabril expressamente discriminadas;
c) A mudança do local dos estabelecimentos, consoante for determinado para a indústria a que pertencerem.
O condicionamento competirá ao Ministério da Economia, excepto no que disser respeito às actividades por lei dependentes de outros Ministérios.

15. A base III dia proposta:

Salvo o disposto nas bases IV e Vi, só poderão ser sujeitas a condicionamento as indústrias ou modalidades industriais:
a) Que dispuserem de instalações com capacidade de produção consideràvelmente superior ao con-

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sumo normal do País ou às possibilidades de exportação;
b) Que empregarem numeroso pessoal e cuja situação torne provável uma próxima mecanização, causa de redução brusca e importante do mesmo pessoal;
c) Que exigirem capitais de estabelecimento excepcionalmente avultados ou só comportarem um número reduzido de empresas em condições óptimas de produção;
d) Que sofrerem de grande atraso técnico ou precisarem de ser defendidas da instalação de empresas ineficientes.

corresponde à doutrina da base II da Lei n.º 1:956:

BASE II

Salvo o disposto na base VI desta lei, só podem ser sujeitas a condicionamento as indústrias ou modalidades industriais:
a) Que disponham de instalações com capacidade de produção muito superior ao consumo normal do País ou possibilidades de exportação;
b) Que utilizem equipamento fabril de origem estrangeira de custo elevado;
c) Que empreguem numeroso pessoal e cuja situação torne provável uma próxima mecanização, causa de redução brusca e importante do mesmo pessoal;
d) Que empreguem predominantemente materiais ou matérias-primas de origem estrangeira;
e) Que fabriquem produtos indispensáveis a outras indústrias nacionais com importância económica e social;
f) Que exijam, para sua instalação, dispêndio excepcionalmente avultado, mormente tratando-se de maquinismos nas condições da alínea b);
g) Que produzam principalmente artigos destinados à exportação com grande influência no equilíbrio da balança comercial.
Sem prejuízo do disposto na alínea seguinte, não podem ser sujeitas a condicionamento as indústrias complementares da exploração agrícola que se destinem à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador.
As actividades que se acharem ou venham a estar organizadas corporativamente ou sujeitas à disciplina dos organismos de coordenação económica de feição corporativa ou pré-corporativa ficam sujeitas ao condicionamento inerente ao seu regime especial.

Os quadros são muito semelhantes num e noutro caso, à parte o silêncio da proposta a respeito das indústrias já organizadas corporativamente.
Não se crê que o quadro organizado em 1937 atendesse a todas as hipóteses a incluir no condicionamento, como não parece possível neste momento organizar um outro que preveja e englobe todas aquelas que devam ser consideradas.
As alíneas a), b), c) e d) da proposta parecem estabelecer de todas as formas limites suficientemente amplos à acção do Governo. Julga-se preferível alterar a redacção da alínea b), pois não se afigura indispensável aludir à possibilidade de mecanização como causa maior de tal apreensão.
O caso de indústrias que utilizem equipamento fabril de origem estrangeira de custo elevado, previsto na alínea b) da Lei n.º 1:956, pode, de certo modo, compreender-se incluído na alínea c) da proposta e há também que entrar em linha de conta com o actual regime de licenças de importação como elemento regulador de considerável importância.
Parece útil decompor em duas a alínea d) da proposta, pois são casos inteiramente diversos.
Propõe-se a seguinte redacção para a

BASE III

Salvo o disposto nas bases IV e VII, só poderão ser sujeitas a condicionamento as indústrias ou modalidades industriais:
a) Que dispuserem, de instalações com capacidade de produção consideràvelmente superior ao consumo normal do País ou às possibilidades de exportação;
b) Que empregarem numeroso pessoal sujeito a brusca e importante redução;
c) Que exigirem, capitais de estabelecimento excepcionalmente avultados ou só comportarem um número reduzido de empresas em condições óptimas de produção;
d) Que sofrerem de grande atraso técnico;
e) Que precisarem de ser defendidas da instalação de empresas ineficientes.
As actividades que se acharem ou venham, a estar organizadas corporativamente ou sujeitas à disciplina dos organismos de coordenação económica de feição corporativa ou pré-corporativa ficam sujeitas ao condicionamento inerente ao seu regime especial.
A alínea da base II da Lei n.º 1:956, referente às actividades industriais complementares da exploração agrícola, contém-se na base VI da proposta.

16. A base IV da proposta diz:

As indústrias a cuja reorganização se venha a proceder de acordo com a Lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945, considerar-se-ão sujeitas a condicionamento durante o prazo designado para os trabalhos da comissão a que se refere a base XVII da mesma lei, ficando dependentes de autorização prévia não só a montagem de novos estabelecimentos, como toda a reabertura, modificação de equipamento e transferência dos estabelecimentos existentes.
Findo aquele prazo, só poderá manter-se o condicionamento se, nos termos da base seguinte, for determinada a aplicação desse regime à modalidade industrial reorganizada.

Afigura-se que é de facto a doutrina a ser observada em face do disposto na Lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945, que foi, como já vimos, complementar da Lei n.º 1:956 no seu propósito de estudar na especialidade a organização de cada indústria com maior interesse para o País. Propõe-se, portanto, que figure como base IV.

17. A base V da proposta é a seguinte:

O condicionamento de cada indústria ou modalidade industrial far-se-á sempre por decreto regulamentar, no qual serão explìcitamente indicadas as exigências e limitações, de entre as previstas nas alíneas da base n, que devem ser observadas e onde se fixarão as condições mínimas de fabrico requeridas para a montagem de novos estabelecimentos;

correspondendo à doutrina da base IV da Lei n.º 1:956:
O condicionamento de determinada indústria ou modalidade industrial far-se-á por decreto regulamentar, no qual serão explìcitamente indicadas as exigências e limitações, de entre as previstas nas alíneas da base anterior, que devem ser observadas.

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Nas regras de aplicação do condicionamento ter-se-á em vista, sempre que seja caso disso, a defesa e a liberdade do trabalho caseiro e familiar, autónomo, estabelecendo-se os justos limites em que este deve ser protegido.

A parte final desta última referente ao trabalho caseiro e familiar contém-se na base VI da proposta. Propõe-se a seguinte redacção para a

BASE V

O condicionamento de cada indústria ou modalidade industrial far-se-á sempre por decreto regulamentar, no qual serão explicitamente indicadas as exigências e limitações, de entre as previstas nas alíneas da base II, que devem ser observadas.

18. A base VI da proposta é a seguinte:

Nas indústrias consentâneas com o trabalho no domicílio serão isentos do condicionamento e protegidos os estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar, autónomo, conforme for determinado no decreto a que alude a base anterior.
Também serão isentos de condicionamento, nas indústrias tributárias da agricultura, os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de vários lavradores associados.

Afigura-se perfeitamente satisfatória a forma como se pretende proteger e autorizar o trabalho caseiro e familiar. A expressão «nas indústrias consentâneas com o trabalho no domicílio» parece ainda mais precisa que a dos a justos limites» já empregada com igual orientação na Lei n.º 1:956 (base IV).
Efectivamente é necessário salvaguardar os direitos do verdadeiro trabalho caseiro e familiar, mas é de todo em todo indispensável não o confundir com a mentira social e a concorrência desleal das explorações industriais que se acobertam com o trabalho no domicílio. Mais uma vez se verifica, ainda neste particular, a importância e a urgência dos regulamentos industriais já previstos na Lei n.º 1:956, mas é preciso que, entretanto, se não descure a atenção das entidades competentes por este melindroso problema.
Quanto à parte final desta base VI da proposta, não parece que seja de louvar nem de aprovar a extensão às explorações industriais de lavradores associados da doutrina já existente na base II da Lei n.º 1:956.
O preceito desta última afigura-se inteiramente satisfatório. Compreende-se que se dêem todas as facilidades às indústrias complementares da exploração agrícola que se destinem à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador, mas não se crê de nenhuma vantagem para o interesse comum nem lógico com os princípios gerais da organização corporativa que se confundam as funções e se abra a porta a experiências que podem trazer grande perturbação em vários sectores já ordenados.
O próprio problema das cooperativas agrícolas deve, pois, ser objecto de atento exame para que se não possa dizer que com algumas delas estamos em presença de situações de privilégio ou artifícios económicos que beneficiam de facilidades e isenções não consentidas no caso geral. Foram numerosas as representações que a Câmara recebeu sobre ambos Os pontos desta base, e algumas delas largamente fundamentadas nos seus reparos.
Propõe-se a redacção seguinte para a

BASE VI

Nas industriais consentâneas com o trabalho no domicílio serão isentos do condicionamento e protegidos os estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar autónomo conforme for determinado no decreto a que alude a base anterior.
Também serão isentos de condicionamento os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador.

19. A base VII da proposta diz:

A criação de indústrias indispensáveis à defesa nacional ou de importância económica e custo de instalação excepcionais poderá ser autorizada em
regime de exclusivo por período determinado, não superior a dez anos, mediante alvará aprovado em Conselho de Ministros. Também assim o poderá ser a criação de indústrias que convenha instalar no País para completar o seu apetrechamento industrial ou aproveitar matérias-primas nacionais, quando a sua exploração se torne nìtidamente desvantajosa fora daquele regime.

É a seguinte a base VI da Lei n.º 1:956:

As autorizações relativas ao estabelecimento de novas indústrias de importância económica e custo de instalação excepcionais ou indispensáveis à defesa nacional podem ser concedidas em regime de exclusivo por período determinado, não superior a dez anos, mediante alvará aprovado pelo Conselho de Ministros. Igual regime pode ser adoptado com outras indústrias que convenha estabelecer no País para completar o seu apetrechamento industrial ou aproveitamento de matérias-primas nacionais, quando se provo ser impossível manterem-se fora desse regime.

Não se vê inconveniente na redacção da proposta para esta base VII.

20. A proposta tem a seguinte base VIII:

O Governo procurará impedir que o condicionamento seja desvirtuado dos seus fins, transformando-se em obstáculo ao progresso técnico das indústrias ou conduzindo a um exclusivismo anormalmente lucrativo das empresas existentes. Para esse efeito autorizará a criação de novas unidades e o desenvolvimento das que laborarem com maior eficiência, podendo também regular as características de qualidade e o preço das mercadorias cujas indústrias estiverem condicionadas e modificar ou revogar as autorizações concedidas.

Trata-se de regras salutares que não podem senão ser aplaudidas. Certamente elas têm estado sempre no espírito do Governo e devem ter orientado as intervenções, relativas a qualidade e preço das mercadorias, até agora verificadas com as indústrias condicionadas.

21. É base IX da proposta:

Será regulamentado o processo das autorizações, tendo em vista a sua maior simplicidade e rapidez, sem prejuízo do necessário esclarecimento da Administração e da justa defesa dos interesses privados. A instrução dos pedidos far-se-á sempre com audiência dos organismos corporativos ou de coorde-

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nação económica da respectiva indústria e o despacho de autorização mencionará os prazos, condições e garantias julgados convenientes.

Trata-se de um preceito regulamentar revelador de louvável intenção de acelerar o processo do condicionamento, mas que não deve prejudicar a restante doutrina da base VIII da Lei n.º 1:956, que é a seguinte:

Aos quadros superiores das futuras corporações das indústrias compete estudar e informar os processos relativos ao condicionamento das actividades nelas integradas e submeter à sanção dos serviços públicos competentes as suas deliberações.
Enquanto não estiverem constituídas as corporações das indústrias esta função compete aos quadros superiores dos organismos de coordenação económica das respectivas actividades industriais e, não existindo aqueles, aos conselhos gerais ou às direcções dos organismos corporativos já existentes.
Sempre que se trate de indústrias relativamente às quais não existam ainda organismos corporativos nu de coordenação económica incumbe aos serviços públicos a instrução e informação dos processos respectivos.

Assim, propõe-se a redacção seguinte para a

BASE IX

Será regulamentado o processo das autorizações, tendo em vista a sua maior simplicidade e rapidez, sem prejuízo do necessário esclarecimento da Administração e da justa defesa dos interesses privados.
A instrução doa pedidos far-se-á sempre com audiência dos organismos corporativos ou de coordenação económica da indústria e comércio respectivos e o despacho de autorização mencionará os prazos, condições e garantias julgados convenientes.
Enquanto não forem criadas corporações o estudo dos pedidos de autorização e a respectiva informação pertencerão aos serviços públicos competentes.

22. A necessidade de utilizar a organização corporativa para a autodisciplina das actividades em questão e para aliviar ao mesmo tempo os próprios serviços do Estado leva naturalmente a não pôr de parte preceitos que já constavam das bases VIII, IX e X da Lei n.º 1:956.
Assim, propõe-se a inclusão na proposta das:

BASE X

Os processos referidos na base anterior, depois de verificados e completados pelos serviços públicos a cargo dos quais se encontram a fiscalização e o licenciamento das indústrias, antes de apresentados a despacho e sempre que os pedidos se não contenham inteiramente dentro das regras fixadas, serão sujeitos à apreciação do Conselho Superior da Indústria, que funcionará por secções ou em pleno, conforme os casos.

BASE XI

A fiscalização das regras de condicionamento industrial compete ao Estado, através dos seus serviços próprios, e às corporações ou, enquanto estas não existirem, aos organismos de coordenação económica e organismos corporativos das respectivas actividades.

23. A base X da proposta tem a redacção seguinte:

As licenças e alvarás constituem mera condição administrativa do exercício da indústria e são inseparáveis dos estabelecimentos, não podendo transmitir-se independentemente deles.
Serão prescritas em regulamento medidas adequadas a evitar que se obtenham licenças com vista a negociá-las ou se especule sobre as licenças obtidas, caducando estas de pleno direito e revertendo para o Estado as importâncias pagas sempre que tenha havido especulação.

correspondendo à doutrina da base V da Lei n.º 1:956, que é a seguinte:

As autorizações concedidas a cada industrial em virtude do condicionamento do respectivo ramo de actividade mencionarão as condições e garantias julgadas convenientes. É acto punível o pedido de autorização para instalar novos estabelecimentos industriais ou ampliar os existentes, desde que o requerente se não encontre habilitado a proceder a essa instalação e tenha apenas em vista negociar a licença.

Parece que a redacção da proposta neste particular representa uma defesa ainda mais eficaz desse mesmo princípio, razão por que se concorda que passe a figurar como

BASE XII

As licenças e alvarás constituem mera condição administrativa do exercício da indústria e são inseparáveis dos estabelecimentos, não podendo transmitir-se independentemente deles.
Serão prescritas em regulamento medidas adequadas a evitar que se obtenham licenças com vista a negociá-las ou se especule sobre licenças obtidas, caducando estas de pleno direito e revertendo para o Estado as importâncias pagas sempre que tenha havido especulação.

24. É a seguinte a base XI da proposta:

As actividades sujeitas a condicionamento, além das obrigações que incumbem às demais indústrias, deverão facultar aos funcionários em missão de estudo os elementos indispensáveis ao conhecimento das condições técnicas e económicas da exploração fabril, especificadamente dos custos de produção.

correspondendo à doutrina da base VII da Lei n.º 1:956, que diz:

As actividades industriais sujeitas a condicionamento são obrigadas a fornecer periòdicamente aos serviços públicos competentes ou aos organismos com funções oficiais de que dependam, além daquelas que, para verificação da forma como se comportam dentro do regime do condicionamento lhes forem pedidas, as informações seguintes:
a) Preços de venda dos artigos ou materiais produzidos;
b) Preços das principais matérias-primas de sua utilização adquiridas durante o mesmo período, ou dos produtos, nas mesmas condições, de proveniência nacional ou estrangeira;
c) Regime de trabalho;
d) Salários pagos às diversas categorias do pessoal ao seu serviço.

Neste caso parece que só haverá vantagem em manter intacta a doutrina da Lei n.º 1:956. O Estado tem o dever de saber em cada momento se o condicionamento é merecido e quais os seus resultados. Parece efectivamente mais satisfatória sob todos os aspectos a doutrina

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daquela lei. Trata-se de informações a fornecer periòdicamente e permitindo verificar no seu conjunto a utilidade económica e social do condicionamento e a defesa dos interesses do próprio consumidor. Há, por outro lado, que ter em linha de conta o necessário respeito pelos processos técnicos de cada empresa e certas circunstâncias a atender nos domínios da iniciativa privada.
Por isso se propõe a seguinte redacção para a

BASE XIII

As actividades industriais sujeitas a condicionamento são obrigadas a fornecer periòdicamente aos serviços públicos competentes ou aos organismos com funções oficiais de que dependam, além daquelas que, para verificação da forma como se comportam dentro do regime de condicionamento, lhes forem pedidas, as informações seguintes:
a) Preços de venda dos artigos ou materiais produzidos;
b) Preços das principais matérias-primas de sua utilização adquiridas durante o mesmo período, ou (tos produtos, nas mesmas condições, de proveniência nacional ou estrangeira;
c) Regime de trabalho;
d) Salários pagos às diversas categorias do pessoal ao seu serviço.

25. Propõe-se para base XIV a base XII da proposta:

BASE XIV

A falta de cumprimento do disposto na base anterior, assim como a prática de quaisquer actos sem a devida autorização e a inobservância das cláusulas, limites ou condições constantes da licença, serão punidas nos termos a determinar em regulamento, podendo ainda, quando a infracção assumir particular gravidade, ser modificada ou revogada a autorização concedida.

26. É a seguinte a base XIII da proposta:

A transmissão de nacionais para estrangeiros da propriedade de estabelecimentos de indústrias condicionadas, assim como a transmissão ou oneração das acções, quotas ou outras partes do capital das sociedades que os explorem, estarão apenas sujeitas às restrições impostas nos termos da Lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943.

Julga-se suficiente a sua doutrina, propondo-se, portanto, que seja adoptada na redacção proposta como XV.

27. A base XIV da proposta coincide exactamente com a matéria da base XI da Lei n.º 1:956. Propõe-se que seja adoptada como

BASE XVI

Quando cessarem as razões que tiverem determinado o condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial o Governo procederá à revogação do despacho ou do decreto respectivos, fixando para a entrada em vigor do novo regime prazo não superior a seis meses.

28. São as seguintes as bases XV e XVI da proposta:

O Conselho Superior da Indústria será remodelado com vista a atribuir-se-lhe, além de funções consultivas, o estudo, por iniciativa própria, de quaisquer problemas respeitantes ao condicionamento, reorganização e fomento das indústrias. Para tanto deverá ser constituído não só por técnicos de reconhecida competência como por industriais idóneos e representantes dos organismos de coordenação económica ou corporativos.

O Conselho Superior da Indústria será obrigatoriamente ouvido pelo Ministro da Economia tanto sobre a instauração ou cessação do condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial como sobre a disciplina dos preços das mercadorias e a modificação ou revogação das autorizações concedidas.

Tal remodelação parece necessária para o funcionamento em condições satisfatórias de um órgão superior de consulta. É, porém, manifesto que a composição proposta só é de aconselhar enquanto não for mais completa a organização das actividades nacionais. A presença nele dos delegados da Administração afigura-se em todos os casos necessária.
Propõe-se a redacção seguinte para

BASE XVII

O Conselho Superior da Indústria será remodelado com vista a poder pronunciar-se não só sobre os problemas do condicionamento industrial, mas também sobre quaisquer outros que respeitem, à reorganização e fomento das indústrias acerca dos quais seja consultado pelo Governo. Além das atribuições conferidas pela base X, o Conselho será obrigatòriamente ouvido pelo Ministro da Economia nos casos de cessação de condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial e modificação ou revogação das autorizações concedidas e tem ainda competência, para submeter ao Governo o resultado dos estudos a que tenha procedido acerca da maneira como funciona o condicionamento. Deverá ser constituído, além dos naturais representantes do Estado e dos organismos de coordenação ou corporativos já existentes, por pessoas competentes nos domínios da economia teórica e aplicada e por outros técnicos que o Governo julgue dever designar.

29. Tendo em conta a urgência das medidas previstas na base XVII da proposta, e com as reservas já atrás feitas à estreiteza dos prazos propostos, admite-se que a matéria da mesma passe a figurar como

BASE XVIII

O Governo procederá pelos vários Ministérios, dentro de cento e oitenta dias, contados da promulgação desta lei, à revisão dos condicionamentos actualmente existentes, só continuando sujeitas a condicionamento as indústrias cujo regime for mantido por decreto publicado nos sessenta dias seguintes, em conformidade com a base V.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa, tendo em atenção as considerações gerais e especiais produzidas no decorrer dêste parecer, e procurando manter-se dentro do sistema do projecto de proposta do Governo, propõe para este a seguinte redacção:

BASE I

É reconhecido à iniciativa particular o direito de promover a instalação de novas unidades industriais

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e a modificação ou transferência das existentes, incumbindo, porém, ao Governo, quando o progresso ou o equilíbrio da economia o exigirem, regular o seu exercício mediante condicionamento industrial, tendo em vista os princípios estabelecidos no Estatuto do Trabalho Nacional, especialmente nos seus artigos 7.º e 8.º

BASE II

O condicionamento consiste em tornar dependentes de prévia autorização do Governo todos ou alguns dos seguintes actos:

a) A instalação de novos estabelecimentos e a reabertura dos que tiverem suspendido a laboração pelo prazo e nos termos definidos para cada indústria, ou, não existindo decreto regulamentar, por prazo superior a dois anos;
b) As modificações no equipamento industrial ou fabril expressamente discriminadas;
c) A mudança do local dos estabelecimentos, consoante for determinado para a indústria a que pertencerem.
O condicionamento competirá ao Ministério da Economia, excepto no que disser respeito às actividades por lei dependentes de outros Ministérios.

BASE III

Salvo o disposto nas bases IV e VII, só poderão ser sujeitas a condicionamento as indústrias ou modalidades industriais:
a) Que dispuserem de instalações com capacidade de produção consideravelmente superior ao consumo normal do País ou às possibilidades de exportação;
b) Que empregarem numeroso pessoal sujeito a brusca e importante redução;
c) Que exigirem capitais de estabelecimento excepcionalmente avultados ou só comportarem um número reduzido de empresas em condições óptimas de produção;
d) Que sofrerem de grande atraso técnico;
e) Que precisarem de ser defendidas da instalação de empresas ineficientes.
As actividades que se acharem ou venham a estar organizadas corporativamente ou sujeitas à disciplina dos organismos de coordenação económica de feição corporativa ou pré-corporativa ficam sujeitam ao condicionamento inerente ao seu regime especial.

BASE IV

As indústrias a cuja reorganização se venha a proceder de acordo com a Lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945, considerar-se-ão sujeitas a condicionamento durante o prazo designado para os trabalhos da comissão a que se refere a base XVII da mesma lei, ficando dependentes de autorização prévia, não só a montagem de novos estabelecimentos, como a reabertura, modificação de equipamento e transferência dos estabelecimentos existentes.
Findo aquele prazo, só poderá manter-se o condicionamento se, nos termos da base seguinte, for determinada a aplicação desse regime à modalidade industrial reorganizada.

BASE V

O condicionamento de cada indústria ou modalidade industrial far-se-á sempre por decreto regulamentar, no qual serão explicitamente indicadas as exigências e limitações, de entre as previstas nas alíneas da base II, que devem ser observadas.

BASE VI

Nas indústrias consentâneas com o trabalho no domicilio serão isentos do condicionamento e protegidos os estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar autónomo conforme for determinado no decreto a que alude a base anterior.
Também serão isentos de condicionamento os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador.

BASE VII

A criação de indústrias indispensáveis à defesa nacional ou de importância económica e custo de instalação excepcionais poderá ser autorizada em regime de exclusivo por período determinado, não superior a dez anos, mediante alvará aprovado em Conselho de Ministros. Também assim o poderá ser a criação de indústrias que convenha instalar no País para completar o seu apetrechamento industrial ou aproveitar matérias-primas nacionais, quando a sua exploração se torne nitidamente desvantajosa fora daquele regime.

BASE VIII

O Governo procurará impedir que o condicionamento seja desvirtuado dos seus fins, transformando-se em obstáculo ao progresso técnico das indústrias ou conduzindo a um exclusivismo anormalmente lucrativo das empresas existentes. Para esse efeito autorizará a criação de novas unidades e o desenvolvimento das que laborarem com, maior eficiência, podendo também regular as características de qualidade e o preço das mercadorias cujas indústrias estiverem condicionadas e modificar ou revogar as autorizações concedidas.

BASE IX

Será regulamentada o processo das autorizações, tendo em vista a sua maior simplicidade e rapidez, sem prejuízo do necessário esclarecimento da Administração e da justa defesa dos interesses privados.
A instrução dos pedidos far-se-á sempre com audiência dos organismos corporativos ou de coordenação económica da indústria e comércio respectivos e o despacho de autorização mencionará os prazos, condições e garantias julgados convenientes.
Enquanto não forem criadas corporações o estudo dos pedidos de autorização e a respectiva informação pertencerão aos serviços públicos competentes.

BASE X

Os processos referidos na base anterior, depois de verificados e completadas pelos serviços públicos a cargo dos quais se encontram o licenciamento e a fiscalização das indústrias, antes de apresentados a despacho e sempre que os pedidos se não contenham inteiramente dentro das regras fixadas, serão sujeitos à apreciação do Conselho Superior da Indústria.

BASE XI

A fiscalização das regras de condicionamento industrial compete ao Estado, através dos seus serviços próprios, e às corporações ou, enquanto estas não existirem, aos organismos de coordenação económica e organismos corporativos das respectivas actividades.

BASE XII

As licenças e alvarás constituem, mera condição administrativa do exercício da indústria e são insepa-

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ráveis dos estabelecimentos, não podendo transmitir-se independentemente deles.
Serão prescritas em regulamento medidas adequadas a evitar que se obtenham licenças com vista a negociá-las ou se especule sobre licenças obtidas, caducando estas de pleno direito e revertendo para o Estado as importâncias pagas sempre que tenha havido especulação.

BASE XIII

As actividades industriais sujeitas acondicionamento são obrigadas a fornecer periodicamente aos serviços públicos competentes ou aos organismos com funções oficiais de que dependam, além daquelas que, para verificação da forma como se comportam dentro do regime de condicionamento, lhes forem pedidas, as informações seguintes:
a) Preços de venda dos artigos ou materiais produzidos;
b) Preços das principais matérias-primas de sua utilização adquiridas durante o mesmo período, ou dos produtos, nas mesmas condições, de proveniência nacional ou estrangeira;
c) Regime de trabalho;
d) Salários pagos às diversas categorias do pessoal ao seu serviço.

BASE XIV

A falta de cumprimento do disposto na base anterior, assim como a prática de quaisquer actos sem a devida autorização e a inobservância das cláusulas, limites ou condições constantes da licença, serão punidas nos termos a determinar em regulamento, podendo ainda, quando a infracção assumir particular gravidade, ser modificada ou revogada a autorização concedida.

BASE XV

A transmissão de nacionais para estrangeiros da propriedade de estabelecimentos de indústrias condicionadas, assim como a transmissão ou oneração das acções, quotas ou outras partes do capital das sociedades que os explorem, estarão apenas sujeitas às restrições impostas nos termos da Lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943.

BASE XVI

Quando cessarem as razões que tiverem determinado o condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial o Governo procederá à revogação do despacho ou do decreto respectivos, fixando para a entrada em vigor do novo regime prazo não superior a seis meses.

BASE XVII

O Conselho Superior da Indústria será remodelado com vista a poder pronunciar-se não só sobre os problemas do condicionamento industrial, mas também sobre quaisquer outros que respeitem â reorganização e fomento das indústrias acêrca dos quais seja consultado pelo Governo. Além das atribuições conferidas pela base X, o Conselho será obrigatoriamente ouvido pelo Ministro da Economia nos casos de cessação de condicionamento de qualquer indústria ou modalidade industrial e de modificação ou revogação das autorizações concedidas e tem ainda competência para submeter ao Governo o resultado dos estudos a que tenha procedido acêrca da maneira como funciona o condicionamento. O Conselho funcionará por secções ou em pleno, conforme os casos, e deverá ser constituído, além, dos naturais representantes do Estado e dos organismos de coordenação ou corporativos já existentes, por pessoas competentes nos domínios da economia teórica e aplicada e por outros técnicos que o Governo julgue dever designar.

BASE XVIII

O Governo procederá pelos vários Ministérios, dentro de cento e oitenta dias, contados da promulgação denta lei, à revisão dos condicionamentos actualmente existentes, só continuando sujeitas a condicionamento as indústrias cujo regime for mantido por decreto publicado nos sessenta dias seguintes, em conformidade com a base V.

Palácio de S. Bento, 28 de Março de 1951.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afnnso Rodrigues Queiró (não estou de acordo com a generalidade do parecer, em que se faz uma apreciação menos justa e, no meu modo de ver as coisas, menos exacta da orientação doutrinária que inspira o projecto de proposta do Governo, e em que se contêm, além disso, afirmações sobre o alcance do condicionamento e sobre as relações deste com a organização corporativa que não posso perfilhar.
1) Insiste-se, particularmente na primeira parte do parecer, em que o Governo se desligou agora, com este projecto, mais ou menos claramente, dos princípios do Estatuto do Trabalho Nacional, designadamente dos que se encontram expressos nos artigos 7.º e 8.º No fundo, isto redundaria em voltar a conceber-se o condicionamento industrial como instituição provisória e excepcional, como simples intervenção estadual de recurso na vida económica portuguesa.
É fácil ver que esta crítica tão insistentemente formulada não está apoiada em boas razões.
O projecto não põe nada de parte a ligação do condicionamento com o artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, pois, no pensamento bem claro do Governo, subsiste nos termos em que é exigido por tal preceito, segundo o qual, para quem bem o interprete, incumbe ao Estado promover o equilíbrio e fomentar o progresso da economia nacional.
O Governo baseia-se no estatuto, inclusive no respeitante à própria função e alcance do condicionamento em relação com a iniciativa privada. O condicionamento, nos termos do projecto, ao contrário do que se sustenta no parecer, subsiste com fins permanentes, sem embargo de ser uma instituição destinada a estabelecer um simples controle preventivo excepcional da iniciativa privada, que, no corporativismo português e de acordo com o Estatuto do Trabalho Nacional, detém a primazia em relação à intervenção estadual. A lógica desenvolvida no projecto de proposta é, efectivamente, a lógica do estatuto, que afirma primeiro a iniciativa privada e só depois admite, quando o bem comum o requeira, a intervenção do Estado.
Quanto ao artigo 8.º do estatuto, creio que não tem a sua doutrina, decorrente do princípio corporativo, de ser especialmente invocada nesta matéria do condicionamento.
De toda a maneira, não haja receios: o projecto está bem ancorado na doutrina do estatuto; é perfeitamente ortodoxo.
2) Não creio também que seja mais feliz a crítica que no parecer se faz ao papel, no projecto reservado à organização corporativa, de orientara iniciativa privada. E com todo o rigor que se fala da iniciativa privada orientada pela organização corporativa. A organização corporativa não se propõe apenas, como parece depreender-se do texto do parecer, a associação e defesa

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das empresas de determinada indústria; propõe-se a defesa do interesse das empresas, visto à luz do interesse da indústria, isto é, a defesa da categoria económica. E a defesa desta leva necessariamente a organização a orientar as iniciativas privadas, dando-lhes estímulos ou refreando-as.
De qualquer maneira, não vejo que lógica possa haver em se propor a eliminação desta referência à organização corporativa, quando tanto se põe em destaque a pretendida falta de ligação no projecto entre o condicionamento industrial e a orgânica corporativa,.
3) O parecer faz grande questão, sempre dominado pela preocupação de ortodoxia, em que se mantenha a referência que a Lei n.º 1:956, no final da base II, faz ao condicionamento inerente ao regime especial a que estão sujeitas as actividades que se acharem ou venham a estar organizadas corporativamente ou sujeitas à disciplina dos organismos de coordenação económica de feição corporativa ou pré-corporativa. Se o Governo agora omitiu este preceito - sustenta-se aí -, perdeu-se nada menos que o que havia e há de constante na ideia do condicionamento: a sua ligação com a organização corporativa, reduzida assim a mero papel consultivo.
Ora a verdade é que o que se lê no final da base II da Lei n.º 1:956 não tem razão de ser. Com efeito, se tal significa que a corporativização de uma indústria implica a atribuição ao respectivo organismo corporativo da faculdade de condicionar, ninguém se lembraria de o pretender. É certo que a organização corporativa se traduz sempre num condicionamento, mas esse condicionamento não é o condicionamento industrial, já que não pertence aos organismos corporativos autorizar a instalação, modificação ou transferência dos estabelecimentos das respectivas indústrias. Essa faculdade só pode pertencer ao Governo, porque o condicionamento tem sempre em vista o interesse geral da economia.
Se, diversamente, com a parte final da base em causa se pretende significar que a corporativização implica a submissão ao condicionamento industrial, não pode deixar de se estar em desacordo com tal ideia. Corporativização, como já se disse, significa submissão das actividades a um condicionamento; mas não, de per si, ao condicionamento industrial, que respeita apenas à instalação, modificação e mudança dos estabelecimentos. Tanto assim que há indústrias corporativizadas que não estão condicionadas.
Ao contrário, pois, do que sucedeu à maioria dos meus dignos colegas, a mim não me surpreendeu nada a omissão que no projecto se faz de qualquer referência ao condicionamento chamado inerente, que não se sabe bem o que venha a ser.
De qualquer modo, que fique bem claro não poderem jamais as corporações realizar o controle dos investimentos industriais, tomando a este respeito decisões. O nosso corporativismo não é de pura associação. As corporações, ao realizarem o interesse da sua indústria, não realizam sempre o interesse geral; e o condicionamento tem sempre em vista esse interesse, só podendo, portanto, ser exercido pelo Governo.
Neste campo, e contra o que se sustenta no parecer, a organização corporativa só pode ter funções consultivas.
4) Na especialidade, a bem dizer quanto a todos os preceitos, preferi a versão governamental, que me pareceu cuidada e profundamente reflectida. Raramente reconheci razão às emendas sugeridas e votadas. Mas a minha discordância foi particularmente viva a respeito da alteração que se aprovou à base XI do projecto. Na verdade, há que ter em conta que o conhecimento dos custos de produção por parte do Governo é condição sine qua non da realização de uma eficaz e adequada política de condicionamento industrial. Ora esse conhecimento integral não é possível mantendo-se intacta, como se aprovou, a doutrina da Lei n.º 1:956.
Nesta matéria, uma de duas: ou o Estado se informa devida e completamente e pode actuar no plano da disciplina económica; ou depara com o «direito das empresas ao segredo dos negócios e da técnica» - e não pode agir senão por cálculos ou tentativas, facultando o triunfo das formações industriais monopolóides ou deficientemente apetrechadas. Não há meio termo.
5) Lacuna grave do projecto do Governo me parece ser - e neste ponto concordo com o parecer - a de não considerar os problemas do condicionamento no plano nacional, antes apenas no plano metropolitano. O princípio da solidariedade, ou, antes e mais incisivamente, da unidade económica nacional, necessita de se traduzir cada vez mais em actos, descendo da altura dos textos constitucionais para o terreno da política económica concreta.

José Joaquim, de Oliveira Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ezequiel de Campos (considero urgente a coordenação da lei do condicionamento das indústrias com a do fomento e reorganização industrial (n.º 2:005), de modo que, de facto, se alcance o mais rápida e prudentemente possível a produção bastante das indústrias básicas e das outras que nos são necessárias e podemos ter para o nosso consumo e para o comércio internacional}.

Luís Supico Pinto.
Armando António Martins de Figueiredo.
Carlos Garcia Alves.
José de Almeida Ribeiro.
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.
Luís Quartin Graça.
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel José Lucas de Sousa.
Mário Monteiro Duarte.
Virgílio Fonseca.
Pedro Teotónio Pereira, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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