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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103
ANO DE 1951 27 DE ABRIL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 103 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 26 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 101, com alterações propostas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente recordou que fora decidido, por proposta do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, na sessão legislativa anterior, prestar homenagem a António Cândido e Hintze Ribeiro, grandes figuras da política e da oratória.
Sobre este assunto usaram da palavra os Srs. Deputados João Ameal, que traçou o perfil de António Cândido, e Manuel Lopes de Almeida, para se referir à figura de Hintze Ribeiro, depois de, no átrio da Assembleia, terem sido descerrados os bustos daquelas duas figuras nacionais.
O Sr. Presidente voltou a usar da palavra para, em nome da Câmara, agradecer aos dois oradores o brilho com que contribuíram para o realce desta cerimónia.
O Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão falou sobre a recente entrevista concedida pelo Sr. Oovernador-Geral de Moçambique à Agência Lusitânia, traçando o plano das realizações pedidas para aquela colónia.
O Sr. Deputado Vasco Mourão interrogou a Mesa sobre se o diploma acerca do plantio da vinha seria apreciado na presente sessão, tendo-lhe sido dados esclarecimentos pelo Sr. Presidente.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade das alterações à Constituição e Acto Colonial.
Usaram da palavra no decorrer do debate os Srs. Deputados
Mário de Figueiredo,
Sousa Pinto,
Mendes Correia,
Sócrates da Costa,
Mascarenhas Gaivão,
Vaz Monteiro e
Pinto Barriga.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 45 minutos.
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Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 101.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: no meu discurso proferido na passada sessão, vêm algumas coisas que conduzem a que ele possa ficar ininteligível.
A culpa é minha, que não faço normalmente senão uma revisão muito apressada sobre as provas dactilográficas e, portanto, por vezes acontecem coisas como estas.
Pedia, pois, para se fazer a seguinte rectificação: a p. 895, col. 2.ª, l. 1.ª onde se lê: «e, à volta de quinze, para eleger o futuro Chefe do Estado que há-de funcionar no septénio normal», deverá ler-se: «e, conforme o regime do artigo 72.º, dentro de à volta de quinze dias, será eleito o futuro Chefe do Estado, que há-de funcionar no septénio normal».
Peço também para que na mesma página e coluna, l. 9.º, onde se diz: «na hipótese de que», se elimine o «de», ficando pois: «na hipótese, que».
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação considero-o aprovado com as emendas apresentadas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: recorda-se a Câmara de que, na sessão legislativa anterior, o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, evocando o centenário do nascimento do grande orador parlamentar que foi António Cândido, lançou a ideia de uma homenagem a prestar-lhe pela Assembleia Nacional.
As manifestações que acolheram essa sugestão levaram-me a constituir, para lhe dar execução, uma comissão de Deputados. Foram designados os Srs. Deputados Mário de Figueiredo,
Paulo Cancela de Abreu,
Santos Carreto,
Lopes de Almeida e
João Ameal.
No desenvolvimento dos trabalhos da comissão surgiu a ideia, despertada pela proximidade do centenário de Hintze Ribeiro, ocorrido no ano anterior, de se homenagear também este ilustre homem público.
Com a boa vontade do Sr. Ministro das Obras Públicas, que é de justiça reconhecer e agradecer deste lugar, foram mandados fazer os bustos de António Cândido e Hintze Ribeiro e colocados nos lugares próprios no átrio da Assembleia Nacional, conforme a resolução da comissão sobre a forma de homenagear e perpetuar nesta Casa e memória daquelas, ilustres figuras da nossa tribuna política.
Desde hoje ficam oficialmente inaugurados esses bustos. Creio que bem o mereceram, não só pelo encanto e o fulgor da sua oratória, diferente em cada um deles,
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mas pela sua projecção na vida política (sobretudo o último) e mental do seu tempo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Não são as ideias de que foram portadores que nós glorificamos, ainda que não seja difícil deletreár, nos seus discursos, as ideias mestras de regeneração política e social que, depois de muitas vicissitudes graves, vieram a triunfar nos altos domínios da governação pública.
Glorificamos dois nomes ilustres que nos precederam nesta Casa e honraram com o esplendor do sen talento esta tribuna, a mais alta do Pais, e cujas atitudes para com a Pátria Portuguesa, que serviram, na sua isenção, na sua nobreza e na sua dedicação, nos seus propósitos de engrandecer e prestigiar, merecem ainda o nosso respeito e o do Pais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Mas sobre isto eu vou dar a palavra aos Srs. Deputados João Ameal e Lopes de Almeida, que, como membros da comissão, foram incumbidos de assinalar, com o relevo que a Câmara conhece, a inauguração que hoje se realiza e evocar, embora fugidiamente, como o momento impõe, aqueles dois nomes ilustres da nossa história política e da eloquência parlamentar em Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Dou a palavra em primeiro lugar ao Sr. Deputado João Ameal. Peço a V. Ex.ª que suba à tribuna e aos Srs. Deputados que se conservem nos seus lugares.
O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente: não penso de modo algum em traçar aqui o perfil de António Cândido, a quem agora se presta nesta Assembleia merecida homenagem.
O meu único intuito - já que fui escolhido para fazer parte da comissão parlamentar encarregada de dar seguimento à iniciativa do meu querido e ilustre colega Dr. Paulo Cancela de Abreu - é sublinhar, em rápido esboço, as duas ordens de razões que nos impõem, o dever de consagrar e admirar tanto o orador como o homem público. Razões de sempre, quanto ao orador. Quanto ao homem público, razões de ontem, que parecem de hoje, e nos abrem perspectivas bastante novas sobre o seu papel na vida do País há pouco mais de meio século.
Começarei, logicamente, pelas primeiras.
Entre a larga variedade de tipos de oradores que conheço há dois modelos extremos: o pensador, cujo objectivo fundamental é exprimir ideias, formular directrizes, apontar caminhos, com a inteira noção das responsabilidades e o pudor dos efeitos demasiado fáceis, empenhado, quando fala, em praticar, sobretudo, um acto de inteligência - a esse dou, confesso-o, a minha preferência absoluta; e o demagogo, isento de limitações e de escrúpulos, confiante nos recursos de um engenhoso malabarismo verbal, unicamente preocupado em despertar ou explorar as paixões baixas do auditório por meio de lisonjas, de promessas e de ameaças, indiferente à veracidade como ao bom senso, ao equilíbrio como à justiça - e esse, declaro, só me inspira a mais completa repulsa.
António Cândido pertenceu a um terceiro modelo, muito da sua época e agora dia a dia mais raro: o do orador-artista. Cada um dos seus discursos era um trabalho primoroso, cuidado em todas as minúcias: beleza e justeza da linguagem, graduação dos efeitos, harmonia das proporções. Ele mesmo se definiu nos trechos seguintes do prefácio ao volume Discursos e Conferências:
A eloquência é verdadeiramente uma arte. Não considerando as qualidades externas do orador, que são absolutamente imprescindíveis, é positivo que a eloquência corresponde a uma faculdade intelectual e a um ideal estético, cuja existência é necessária para o especialíssimo ofício da palavra humana.
Completem-se estas linhas tão claras, que equivalem quase a um auto-retrato, com os depoimentos de contemporâneos seus. «Foi» - resume um deles, o Dr. Joaquim Costa - «o grande plástico da palavra. Deu-lhe relevo e estrutura musical; deu-lhe claridade e ternura. Afeiçoou-a para que exprimisse fortemente os lances da epopeia e da história e comunicou-lhe o vago imponderável dos sonhos, para que pudesse servir às fugas subjectivas do pensamento». Outro biógrafo, o escritor João Grave, descreve nestes termos o efeito que lhe produziu vê-lo falar certa noite no Teatro de S. João, do Porto, numa sessão comemorativa do descobrimento do Brasil:
Tive a impressão de que à volta da cabeça do orador fulgurava um radiante nimbo. Todo ele resplandecia. Era conjuntamente um poeta de inspiração inexaurível e um actor eminente...
Assim o vejo também, eu que não cheguei a conhecê-lo e a ouvi-lo: orador-artista com todos os prestígios e todas as características do tipo humano que superiormente representava. Vejo-o, como um caso de grande sensibilidade e de autêntico sortilégio pessoal, a encantar e a dominar assembleias pelas harmonias da dicção e do gesto, pela fluência soberana do verbo, pelo dom de engrandecer tudo a que se referia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se ainda hoje se podem ler com gosto as páginas dos livros que deixou, esses discursos acusam, todavia, como é natural, a usura do tempo: o seu difuso idealismo, influenciado em demasia pelos mitos filosóficos e literários de Oitocentos, já está distante de nós e o seu estilo, um tanto solene, parece-nos, às rezes redundante e enfático.
Claro que lhes falta o maior dos elementos valorizadores: a presença de António Cândido, com a majestade da sua cabeça melancólica, a doce gravidade da sua máscara, a limpidez dos seus olhos sérios, onde havia a familiaridade com os amplos horizontes serranos, o timbre da sua voz dominadora. Tudo isto lhe conferia o dom de comunicar, de persuadir, de estabelecer um fluido de adesão e de entusiasmo entre os ouvintes subjugados.
Prodigioso fenómeno constituído pela dádiva completa de um homem - em fervor de espírito e vibração de nervos - ao tema que versa e ao ascendente sobre quem o escuta, chega ao ponto de impor uma unidade instantânea a centenas ou a milhares de pessoas e as curva, dóceis e absorvidas, ao império do artista que fala!
Sim, a presença de António Cândido - ainda hoje, como então, viva nesta Casa - deve ter sido, realmente, um espectáculo inesquecível!
E não apenas pelos fulgores da sua oratória, também porque nele se sentia o culto de valores mais altos.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Se considerava a eloquência uma arte, como já vimos, não se esquecia de salientar, logo adiante, a sua necessária subordinação «à suprema lei que regula todas as manifestações da estética»: a lei moral. E mais longe apontava como intenção primordial do orador «contribuir directamente para os fins elevados e úteis da nossa espécie».
Estas nobres directrizes - que lhe haviam porventura ficado, como nostálgico resíduo, da fase em que tivera o púlpito por tribuna - encheram-lhe as orações de um sabor e de um valor particularmente apreciados pelos seus contemporâneos.
Num meio agitado por lamentáveis paixões e discórdias, em que tantos faziam da palavra mero instrumento de ambição, de verrina, de mentira, de calúnia, de polémica, a dignidade do homem que a usava ao serviço de causas superiores tinha de impor-se. Ouçamos esta bela profissão de fé em que António Cândido expõe os motivos que o levaram a querer abandonar, a certa altura, a cena política e condensa a sua oposição à turva atmosfera da época, isto é, em que resume a sua maneira de (como dizia o verso camoniano) andar «só por entre a gente»:
Não sou lutador violento por índole. Detesto a intriga por orgulho. Não sou ambicioso, porque me conheço incompetente para quase todas as coisas, e sei, além disso, que a vida falta quase sempre às suas melhores promessas.
Sacrifico voluntariamente uma parte da minha liberdade à disciplina partidária, mas não lhe sacrificaria nunca a consciência e o coração; e este formidável Moloch, este deus terrível das religiões políticas, não se contenta com menos de tudo!
Com uma antipatia dolorosa, invencível, pela habilidade, quando ela não serve um alto pensamento de qualquer ordem, sinto-me atormentado se não vejo claramente a origem, o processo e o fim das coisas a que tenho de prender a minha responsabilidade individual.
É este António Cândido exilado e sobranceiro, como os melhores entre os seus pares - como Herculano, por exemplo, com quem tem afinidades evidentes -, este António Cândido consumido na devoção aos ideais e no desgosto ante as pobres lutas quotidianas em que esses ideais se degradavam e prostituíam, a imagem a guardar na nossa lembrança. «Homem de bronze», como alguém chamou ao seu irmão historiador, em bronze lhe cumpre ficar, junto de nós - expoente de génio oratório e, simultaneamente, de saudável intransigência moral!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas se quisermos, após a visão sucinta do homem um pouco sub specie aeternitatis, na sua posição intemporal diante do mundo, da vida, da sociedade que o cercava, tentar surpreendê-lo no domínio concreto da sua existência e da sua actividade, observaremos a coerência do idealista e do estadista. Basta evocar as suas relações de intimidade e aliança com outro dos vultos maiores da nossa galeria intelectual e política da segunda metade do século XIX: Oliveira Martins.
Culpado, sem dúvida, como autor desse panfleto deformador que é a sua História de Portugal, saída em 1879 - já nas dramáticas interrogações que encerravam a obra e, ainda mais, nos fortes e lúcidos capítulos do Portugal Contemporâneo, dado a público dois anos mais tarde, Oliveira Martins ultrapassava o estádio do desalento, da descrença, da negação, para compreender e honrar o dever urgente de entregar-se a uma viril tentativa de restauração nacional.
Pouco tempo depois, por 1885, esboçava o programa que presidiria ao movimento chamado da Vida Nova - programa de largas reforma sociais, económicas e ultramarinas, a executar por um Governo autoritário sob a égide da coroa, um pouco segundo a inspiração recebida do regime então existente na Alemanha e cujos protagonistas eram o imperador Guilherme I e o chanceler de Bismarck.
Aos desígnios de Oliveira Martins aderiram alguns parlamentares, aristocratas e homens de letras - que preponderaram no famoso grupo dos Vencidos da Vida.
Habituámo-nos, até certa altura, a considerar os Vencidos como simples bando elegante e frívolo, o «grupo jantante» da síntese já clássica de Eça de Queirós, unicamente desejoso de estreitar um convívio intelectual e mundano e ao mesmo tempo divertido com a estranheza e a irritação provocadas no burguesismo lisboeta.
À luz dos estudos e documentos publicados nos últimos anos é fácil descobrir, por detrás dessa fachada superficial, um pensamento e uma intenção muito mais sérios: o de ir além da crítica ou da ironia ante o marasmo circundante e promover, resolutamente, um impulso nas estradas da Vida Nova.
Ora os fundadores, por assim dizer, do grupo dos Vencidos foram o par do reino conde de Ficalho e três Deputados que, uma tarde, com o primeiro jantar no Tavares, deram início às suas reuniões: Carlos Lobo de Ávila, Oliveira Martins e António Cândido. Isto ocorreu entre os fins de 1887 e os princípios de 1888.
Vários amigos se lhes juntaram, de acordo na condenação de uma política apática e suicida, empenhados no propósito de buscar outros métodos e outros horizontes: Eça e Ramalho, os palacianos conde de Sabugosa, Luís de Soveral (ainda então não agraciado com o título de marquês) e Bernardo Pindela, que seria o conde de Arnoso.
Asseguravam estes a ligação dos Vencidos com o príncipe herdeiro D. Carlos - em quem todos punham as máximas esperanças e que, transposto o mole e brando reinado de D. Luís, olhavam como penhor de um despertar da realeza para as responsabilidades da sua histórica função nacional.
António Cândido, nos quadros da Vida Nova, que incluía a maior e melhor parte dos Vencidos, não se limitava, porém, a mero papel de comparsa. Era um dos corifeus. No seu notável discurso de 15 de Julho de 1887, proferido na Câmara, ao falar do constitucionalismo liberal, afirmara sem eufemismos:
A vida política portuguesa considero-a como degeneração psicológica de um sistema que nunca pôde aclimatar-se e desenvolver-se em Portugal.
Não vacilara mesmo em dizer que, ao estudar a ditadura, não nos livros didácticos, mas na história do País, a vira sempre e em tudo através das ficções aparentes que a disfarçavam. E concluía com mordacidade e desassombro:
Se não tivesse receio de melindrar... diria até que a ditadura aberta e franca é... a única forma útil que a política tem assumido entre nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nada me admira que o tribuno se encontrasse com outros grandes espíritos na ânsia de ver surgir a ditadura salvadora - não a de qualquer César, improvisado, mas a nacional e legítima ditadura consagrada pelas eloquentes lições da história: a ditadura do rei!
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A sua posição na crise política do final do século esclarece-se ainda melhor pelas expressivas palavras dirigidas a Oliveira Martins quando, em pleno Verão de 1890, sob o choque traumático do ultimato, a agitação atingia acuidade alarmante.
Refugiado em Candemil - o seu Vale de Lobos - recebeu António Cândido do autor do Portugal Contemporâneo uma carta em que este o informava do protesto em marcha «contra a política dos partidos e a oligarquia da inépcia».
O ponto de apoio da reacção inadiável era a guarnição de Lisboa, que tomara por chefe o general João Crisóstomo de Abreu e Sousa, talvez ladeado, no futuro Ministério a formar, por Martens Ferirão e o conde de Casal Ribeiro. «Estes três nomes» - acentuava Oliveira Martins - «são o triângulo da nova situação, em que eu, a ser convidado, entrarei, apesar dos perigos... Considero isso um dever de honra e entendo que neste momento ninguém pode escusar-se».
Extraio da resposta admirável de António Cândido, quase desconhecida da maioria das pessoas, estes períodos lapidares:
Soou a tua hora, dificílima e, por isso mesmo, digna do teu coração e do teu espírito. Não hesites, não vaciles e põe toda a tua coragem no cumprimento do teu dever, por mais duro que ele se apresente.
Isto para encorajar e estimular o doutrinador da Vida Nova. Agora o juízo de conjunto acerca da situação política e dos remédios a aplicar-lhe:
Consola-me o que me dizes. Se o movimento é como tu o vês (e é decerto), esta hora poderá resgatar os erros, os crimes e as misérias da nossa desonrada e desgraçada política.
... ignorava que a acção militar se tivesse manifestado tão intensamente. Ainda bem. O Exército, protegendo com a sua força a aspiração nacional, honra-se mais do que com a mais assinalada vitória.
... em 1868 a ignorância dos Ministros e a má vontade do rei foram as causas do insucesso; temos agora um rei que quer e só falta um ministério que queira e saiba. Venha esse ministério; aplaudi-lo-ei com toda a minha alma, defendê-lo-ei através de todos os perigos. Podes ficar certo disso. Um ministério de conciliação seria um perfeito disparate; é preciso, é indispensável, é urgente, um ministério de reacção.
Estas linhas têm a data de 21 de Setembro de 1890. Três semanas volvidas, a 13 de Outubro, constituía-se o novo Governo, presidido, de facto, pelo general João Crisóstomo de Abreu e Sousa. Afinal ainda nele não entrava Oliveira Martins; em compensação, António Cândido, Ministro do Reino, era a segunda figura do elenco governamental.
E foi como Ministro do Reino que teve de defrontar e liquidar a revolta de 31 de Janeiro.
A 4 de Março seguinte, na abertura do Parlamento, Latino Coelho, escritor de mérito e leader da oposição republicana, por estar ausente Elias Garcia, levantou a voz contra a energia do Governo na repressão da tentativa revolucionária do Porto; e carpia, com trémulos na garganta, a as vítimas da liberdade».
Replicou-lhe António Cândido com vigorosa e esmagadora lógica, e na defesa da política seguida ao serviço da Pátria e da Ordem inseriu este luminoso resumo das suas aspirações:
Quero a Vida Nova em tudo, nos governos, nos partidos, nas classes, na política e na administração; para que esteja cada um no seu lugar; para que o princípio de autoridade seja mantido sempre; para que ninguém abuse das liberdades que as leis garantem; para que todos amem a Pátria mais do que os seus partidos, mais do que as veleidades pessoais; para que desta forma a sociedade portuguesa tenha quem a sirva e defenda contra os inimigos de dentro, que lhe minam a ordem pública, e contra os de fora que possam querer cerceá-la nos seus direitos e vencê-la na sua altiva dignidade...
Pergunto agora, para terminar, Sr. Presidente: isto que li é de 1891 ou de 1951?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não vemos aqui o orador erguido a profeta? Não surge, nestes lúcidos períodos, a flagrante, impressionante, antevisão do que havia de ser a Vida Nova que vivemos nos últimos vinte e cinco anos? E não aparece gravada a perfeita justificação do futuro 28 de Maio de 1926, mais de três décadas atrás, pelo homem que escrevia:
O Exército, protegendo com a sua força a aspiração nacional, honra-se mais do que com a mais assinalada vitória?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o busto hoje descerrado nesta Casa é, já o sabíamos, o de um grande mestre da palavra; é também, sabemo-lo agora, o de um precursor, daqueles raros portugueses que, a quase meio século de distância, sonharam e anunciaram Portugal ressurgido!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Paulo Cancela de Abreu sugeria em tempo que a Assembleia Nacional recordasse, por forma condigna, duas personalidades da vida política portuguesa de há cinquenta anos cuja actuação nesta Casa se recortou vivamente pela dignidade do exercício parlamentar e pelo fulgor da sua palavra. Com excessiva confiança, lembrou o meu nome para memorar uma delas, a do conselheiro Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, e, já que esta homenagem é puramente evocativa, eu não poderei fazer mais do que dar uma nota impressiva sobre esse homem, que foi no seu tempo um dos mais inteligentes, dos mais dignos e dos mais leais servidores da monarquia constitucional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por aquela razão, tomei a palavra, pela obrigação que me cumpre de dar satisfação ao desejo da Assembleia Nacional.
Sr. Presidente: porque se trata, sobretudo, de evocar a grande figura de parlamentar que foi Hintze Ribeiro, e por isso mesmo um momento particularmente intenso e até feliz da história da vida parlamentar por obra e intervenção de um homem integro e sincero em quem se reconheciam excepcionais dotes de orador, se o meu temperamento permitisse, tentaria falar com espontaneidade e ao sabor da inspiração. Se as minhas possibilidades de expressão verbal permitissem, desejaria encontrar o tom e os modos próprios que requerem a tribuna parlamentar. Mas, ai de mim! Já agora não poderei desprender-me destas pobres notas que estão na minha frente e tenho sincera pena.
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Eu não sou orador, sou modestíssimo amador da Língua Portuguesa que procura exprimir-se com alguma correcção e sempre temeroso de a macular na sua natural e vernácula limpidez. Admiro, porém, os que falam com espontaneidade e graça, com flexibilidade e colorido, com serena plasticização das ideias na forma mais símplice e transparente. Admiro a eloquência dos outros e às vezes tenho pena que Deus não me haja fadado assim.
Esta nobre Casa ouviu durante muitas e muitas décadas erguer-se da tribuna, com acentos da mais alta inspiração e vivacidade, o verbo de eminentes parlamentares e soar com majestade e fineza a doce fala que é nosso património inauferivel. No último quartel do século passado ainda perduravam os ecos das vozes càlidamente arrebatadoras de Garrett, de José Estêvão, de Rebelo da Silva, e guardava-se como tradição parlamentar o fino gosto da oratória tribunícia, que tinha cultores apaixonados e veementes. Hintze Ribeiro foi um dos derradeiros, pela precisão das ideias, pela firmeza dos princípios e pela nobreza da palavra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Presentemente, a última hora da eloquência parlamentar, e também a do pretório, parece que vai soando no Mundo, e a causa não sei se está na decadência e no descrédito das instituições parlamentares reconhecidos por esse mundo além, se no tecnicismo exagerado e limitativo das tendências espirituais que pouco a pouco procura substituir o culto e o amor das ideias gerais.
Por isto mesmo é que tantos homens buscam num humanismo novo a ideia alta e estimulante que limite a sequidão da alma e do espírito tão generalizada no mundo moderno, que é obra em grande parte do filosofismo setecentista.
A gente do século XIX sentiu-se herdeira de um acontecimento transcendente da vida da humanidade e também propugnadora acérrima das ideias e dos factos verdadeiramente imprevistos que esse acontecimento originou no Mundo. Factos imprevistos, porque a Revolução Francesa não foi somente um grande acontecimento político que se repercutiu e repercute ainda no âmago de todas as nações, mesmo as mais distantes; não somente um grande acontecimento social que trouxe à sociedade humana novos problemas, por vezes bem difíceis de resolver, mas porque foi também na ordem psicológica um facto considerável, como que o final de um capitulo da vida da humanidade pensante e o começo de outra vida nova.
Sem querer, nem tentar sequer, fazer aqui o processo da evolução mental e espiritual dessa época, arrisco todavia uma pergunta: em que consistiu essa mudança?
Nos séculos precedentes os povos deixavam-se conduzir mais ou menos pela tradição ou sequer pelo espírito de tradição. Adoptavam sem dificuldade os usos e costumes de seus maiores, com sentimento mais ou menos nítido de que isso era o que melhor convinha à hora que viviam. É difícil concebermos hoje a feliz placidez dessas existências burguesas e aristocráticas, que volteavam num círculo de ideias bastante restrito, mas que encontravam numa existência bem organizada com que satisfazer as inspirações nativas.
Este equilíbrio feliz, e que nós talvez não sejamos já capazes de apreciar, deu lugar inopinadamente, sob o influxo do espírito filosófico, a uma inquietação bem profunda.
As gentes daquele tempo devem ter realmente sentido tremer o solo debaixo dos pés, pois todas as bases da sociedade foram fendidas, todo o futuro, tão caro ao espírito conservador, pareceu comprometido, tudo o que se amava e desejava e sonhava tinha de ser tecido com nova trama.
Desde então o grande movimento dos espíritos fez participar, pelo menos neste nosso mundo ocidental, todos os povos das mesmas noções gerais e das mesmas tendências espirituais e políticas.
Portugal, naturalmente, não ficou alheio a essa forte mutação de estrutura social e política, e desde então começou a subir o calvário, que durou mais de um século, com uma sequência ininterrupta de crises de indisciplina e de incapacidade política.
Nós, os homens de cinquenta anos, vivemos ainda os últimos, mas nem por isso os menos trágicos e dolorosos, estádios desse drama interno em que se opunham duas concepções políticas irredutíveis como provindas de diferente natureza.
E também a nós é difícil concebermos hoje o sentido de alguns acontecimentos da vida nacional de há meio século e o despeito de muitos homens cuja actuação condenamos irremissivelmente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: eu tive de fazer um esforço verdadeiro de recuperação do passado para poder situar no seu plano a figura do conselheiro Hintze Ribeiro e tentar compreender a sua época com alguma segurança. E tive de fazê-lo, porque não é fácil aos homens da minha idade aperceber sem estudo o conjunto de circunstâncias de ordem moral e política em que decorreu a vida portuguesa do último quartel do século XIX.
Todos ouvimos falar em progressistas e regeneradores e dissidentes, todos ouvimos condenar a generalidade dos homens e atitudes, e a noção última com que ficámos nos alvores da nossa vida de razão foi que ninguém se salvava naquele final de século, nem pela honra, nem pela inteligência, nem pela fidelidade à causa da monarquia.
No seio de nossas famílias ouvimos, é certo, pronunciar alguns nomes com algum respeito, mas também aí se ouvia só o nome daqueles a quem nossos parentes seguiam e escutavam como chefes de partido.
Eu nasci numa casa de gente pobre e modesta, mas onde se cultivavam - e cultivam ainda, graças a Deus! - dois sentimentos imensamente respeitáveis: o do amor a Deus, timbre da nossa nobreza espiritual, e o da fidelidade aos princípios que há mais de oitocentos anos deram à Nação Portuguesa o seu primeiro chefe indiscutível.
Por ambos me tenho batido sem nunca voltar a face e por ambos alguns dos meus se sacrificaram alguma coisa. E já agora, que vou descendo a outra encosta da vida, espero confiado e sem medo de algum dia os renegar.
Isto não é muito nem é nada, e se nisto falo é unicamente para poder arriscar um juízo com objectividade, mas não com indiferença, sobre essa nobre figura que foi o conselheiro Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro.
Desprendo-me inteiramente de evocar perante a Assembleia as circunstâncias de ordem pessoal e política que conduziram Hintze Ribeiro ao primeiro plano da vida pública portuguesa, para só aludir àquilo que me parece ser o essencial e distintivo da sua personalidade - a inteligência, a dignidade, a honradez e fidelidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Hintze Ribeiro afirmou-se desde muito novo como inteligência lucidíssima e altamente compreensiva, servida por duas qualidades sem as quais não há verdadeira cultura - probidade e modéstia. Ele foi no seu tempo um homem que soube reduzir a antinomia entre a contemplação e a acção, isto é, preparar-se com suspicácia e dúvida para encontrar em si as virtualidades empreendedoras.
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Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, abriu banca de advogado na sua terra natal e cedo encarreirou para a política, tomando assento nesta Casa entre os Deputados da legislatura de 1879.
Nesta qualidade a sua presença ficou desde logo assinalada pelas intervenções pertinentes, pela sedução do seu porte e elegância de maneiras, pelo rasgo cavalheiresco das suas atitudes, pela serena e clara exposição das matérias em debate, pela viva eloquência sem afectação.
Muitas vezes Ministro, sobraçou diversas pastas - a das Obras Públicas, Estrangeiros, Reino, Fazenda -, e essa actividade sucessiva deu-lhe na realidade um conhecimento vastíssimo dos problemas gerais da política nacional.
A aplicação e interesse que pôs sempre no estudo das questões relativas a cada uma dessas pastas, a sua intervenção directa nalguns dos assuntos mais importantes da economia nacional, a sua clara visão dos problemas gerais da educação e a sua múltipla actividade como parlamentar proporcionaram-lhe ocasião de se afirmar como autêntico homem de Estado. De sorte que, quando Presidente do Ministério, pôde efectivamente dominar com segurança os assuntos de política geral e desempenhar com largos conhecimentos o papel de seu coordenador e sistematizador.
Anselmo de Andrade, que foi um grande nome da nossa terra, escreveu acerca de Hintze Ribeiro estas belas palavras:
O orador era na verdade extraordinário, mas não podia ajuizar com exactidão dos merecimentos de Hintze Ribeiro quem só o tivesse admirado na tribuna e o não visse presidir a um Conselho de Ministros. Ai é que ele era verdadeiramente grande. Todos os assuntos lhe eram familiares. Por mais sabidos que fossem pelos titulares das pastas... eram ali novamente versados... expondo-os Hintze Ribeiro com a clareza máxima de todos os seus discursos...
Espírito duma finura muito grande, Hintze Ribeiro era um intelectual de razão clara, que se exprimia sempre com lucidez e casticidade, qualidades naturais, mas afeiçoadas também pelo espírito jurídico que é de sua natureza preciso e severamente lógico e ao mesmo tempo servidas pela sua educação humanística sóbria e não improvisada.
Os seus discursos parlamentares, os seus estudos jurídicos e as suas propostas de reforma aí estão a atestar o voo do seu pensamento e a serenidade dos seus juízos, em que se denuncia um espírito que não perde de vista as realidades da vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao lado de tudo isto possuía Hintze Ribeiro um alto sentido da dignidade política, que se manifestava sempre no brilho e inteireza com que respondia aos ataques dos seus adversários, revestindo as suas palavras de uma cortesia e de uma urbanidade de tom e maneiras que só encontravam apoio na razão esclarecida pelos costumes e as leis.
Porém, esse sentido da dignidade ressaltava, sobretudo, no inconformável repúdio com todas as tentativas de composição ou compromisso que pusessem em dúvida a sua sincera afectidade às instituições políticas, ao apegado respeito ao soberano e às tradições de gentileza da própria Nação.
Homem honrado como os que em algum tempo o foram no exercício do Poder e do Governo, permiti, senhores, que relembre apenas uma nota de forte conteúdo emocional: morreu pobre e sem nenhuma coisa supérflua na sua casa modesta.
Mas a honradez não é só isto, porque é, sobretudo, uma atitude moral com que a gente conforma a vida toda; sacrifícios e dores, solicitações e empenhos nada valem perante a consciência que quer ser imaculada e pura.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Numa época em que tantos homens, e alguns de talento superior, se deixaram contaminar na inteligência e no coração por temor e ambição e cavaram o descrédito das instituições que diziam servir e o seu próprio descrédito, Hintze Ribeiro foi alguém que sempre soube ser fiel às suas ideias e ao chefe que as incarnava com soberana galhardia.
A política não conseguiu limitar-lhe o interesse da Nação.
Sr. Presidente: permiti que ao terminar eu relembre as palavras de Garrett:
Os indivíduos morrem e depois da morto vem a justiça e começa a imortalidade das famas honradas.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Para rematar este assunto, quero apresentar as minhas felicitações ao Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, cuja iniciativa, além do acto de justiça que representou, nos permitiu ouvir aqui hoje os ilustres oradores que nos deram alguns traços salientes de António Cândido e Hintze Ribeiro.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Apresento, em nome da Câmara, aos Srs. Deputados João Ameal e Lopes de Almeida as calorosas felicitações da Assembleia pelo brilho e pelo encanto das suas palavras, pela seriedade com que trataram os seus personagens e sobretudo porque procuraram extrair da vida e da doutrina dos homenageados lições e ensinamentos para o momento político que passa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vamos passar a outros assuntos.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Sr. Presidente: em primeiro lugar desejo fazer sentir a V. Ex.ª e ao Governo o profundo pesar que a perda do saudoso Chefe do Estado causou em Moçambique. São testemunho desse pesar os inúmeros telegramas que, na minha qualidade de Deputado, tenho recebido, com o pedido de não deixar de, deste lugar, fazer eco dos sentimentos de todos os bons portugueses de Moçambique, europeus ou nativos. Faço propositadamente esta distinção, exactamente porque, entre os telegramas que recebi, alguns provinham das associações nativas africanas, no meio de cuja população o saudoso Chefe do Estado deixou bem marcada a sua passagem quando da sua triunfal viagem à colónia.
Vozes.: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ainda há poucos dias tive a honra de subir a esta tribuna para chamar a atenção de V. Ex.ª para um assunto que reputei, e
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reputo, da mais alta importância para Moçambique - a questão das novas pautas aduaneiras que foram decretadas para a África Oriental Portuguesa.
A propósito, é com muita satisfação que informo VV. Ex.ªs de que, tal como o havia previsto, o assunto tem merecido do ilustre Ministro das Colónias o maior interesse e está a caminho de uma solução que vai certamente dar satisfação aos organismos económicos que o levantaram, sem prejuízo dos interesses económicos da metrópole, que, segundo penso, devem acima de tudo inspirar as leis da política económica nacional, numa verdadeira comunidade de interesses, que servirá para robustecer cada vez mais a unidade entre os territórios metropolitanos e ultramarinos. Refiro-me a este caso apenas por vir a propósito, mas hoje quero falar de outro assunto, que é do conhecimento de VV. Ex.ªs pela leitura da imprensa, mas que, julgo, deverá ficar registado com a devida congratulação desta Assembleia, pois se trata de uma revelação do mais alto significado para o futuro de Moçambique e da Nação.
Refiro-me, Sr. Presidente, à notável entrevista que o governador-geral de Moçambique, comandante Gabriel Teixeira, concedeu há dias ao director da Agência Lusitânia, que acaba de realizar uma demorada e útil viagem pela colónia, que lhe permitiu revelar ao País o momento por que passa Moçambique.
Sr. Presidente: na hora confusa que o Mundo atravessa, e de que a imprensa nos dá diariamente uma resenha tão elucidativa quanto é possível em tais confusões..., é, na verdade, digno de registo podermos nós dar um exemplo de calma, de trabalho e de progresso, aparecendo a preparar o próprio futuro.
Não necessito, certamente, de lembrar a VV. Ex.ªs a importância que o continente africano tem para o futuro bem-estar da Europa e, dentro dela, o excepcional valor dos territórios portugueses. Portugal ultramarino é hoje um exemplo de ordem e de trabalho. Por isso as declarações feitas pelo governador-geral de Moçambique, revelando a existência de um plano que envolve o investimento de largos capitais ma consecução de obras de fomento no prazo de cinco anos, constituem certamente um exemplo evidente de que, ao contrário do que pensam muitos - agora já menos numerosos - dos desalentados portugueses e dos menos esclarecidos estrangeiros, a nossa capacidade de realizadores, as nossas virtudes históricas, estão intactas e são efectivas mesmo neste trágico lance na vida da civilização ocidental e cristã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Leram VV. Ex.ªs, estou certo, a entrevista que a Lusitânia distribuiu à imprensa nacional e estrangeira.
O que se projecta para Moçambique, Sr. Presidente, nada tem de fantasioso nem de exagerado, como não deveremos considerar de demasiadamente modesto. O plano sugerido pelo governador-geral, e que obedece, sem dúvida, à orientação estabelecida pelo Governo para o plano geral de fomento nacional, é francamente realístico, e, na minha qualidade de Deputado por Moçambique, julgo poder afirmar que é de molde a satisfazer as aspirações de toda a população, tanto europeia como nativa.
É também de notar a atenção especial que neste plano o governador-geral dispensa ao futuro bem-estar das populações indígenas, preparando-lhes melhores condições morais e económicas e, nas suas relações com os europeus, estabelecendo-lhes uma mais intensa possibilidade e em termos tais que jamais será possível em território português da África Oriental surgirem ódios de raça, que são em tantos outros territórios estrangeiros grave motivo de preocupação. Este respeito humano e cristão pelos indígenas, demonstrado mais uma vez por um tão alto e responsável funcionário português, constitui outro facto digno de registo e da atenção nacional e estrangeira.
E por todos estes motivos, Sr. Presidente, que julguei oportuno trazer à Assembleia estas observações e a congratulação pelo plano enunciado na entrevista do governador-geral de Moçambique que a Lusitânia em boa hora realizou com o comandante Gabriel Teixeira.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Vasco Mourão: - Ontem foi distribuído o Diário das Sessões que inseria o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei do condicionamento industrial. Como há um outro projecto de diploma legal em estudo na Câmara Corporativa, referente ao plantio da vinha, eu queria perguntar se esse diploma também virá à discussão da Assembleia Nacional.
O Sr. Presidente: - Não posso dar a V. Ex.ª qualquer informação segura, porque não possuo quaisquer elementos para isso. Dada, porém, a altura em que já vão os trabalhos desta Assembleia, é de presumir que o assunto não venha a esta Câmara, ao menos nesta sessão.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o esclarecimento, mas, no entanto, queria que ficasse marcado o meu desejo, que certamente não é desejo pessoal, mas da Assembleia, de que um diploma dessa importância nacional, sujeito ao estudo da Câmara Corporativa durante o funcionamento desta Assembleia Nacional, devia necessariamente vir à sua discussão e aprovação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Na última sessão tinha-se concluído a votação do artigo 27.º da proposta de lei referente à alteração da Constituição.
Ponho agora em discussão o artigo 28.º
Sobre este artigo há na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção no sentido de a designação de «Do Império Ultramarino Português» passar a ser «Do Ultramar Português».
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 28.º com a redacção proposta pela Comissão de Legislação e Redacção.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 29.º
Segundo o artigo 29.º é eliminado o artigo 133.º da Constituição.
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
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O Sr. Presidente: - Pelo facto de o artigo 29.º da proposta de revisão constitucional eliminar o artigo 133.º da Constituição, segue-se agora o titulo VII sob o qual se inserem as disposições do Acto Colonial.
Vamos, portanto, passar à discussão na especialidade da proposta de lei de revisão do Acto Colonial.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 1.º e 2.º da proposta de lei do revisão do Acto Colonial.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja lazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à discussão propriamente das disposições que constituem o Acto Colonial.
Está em discussão o artigo 1.º
O artigo 1.º do Acto Colonial deve ser suprimido em virtude da integração determinada no artigo 1.º da proposta de lei n.º 112.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação, foi eliminado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.º
Sobre este artigo não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.º da proposta do lei do alteração ao Acto Colonial.
Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de aditamento do Sr. Deputado Mendes Correia.
Foi lida. É a seguinte:
Proponho que ao artigo 3.º da proposta de lei sobre o Acto Colonial se adicione o seguinte parágrafo:
§ único. O arquipélago de Cabo Verde será oportunamente integrado no sistema da administração metropolitana.
Enquanto não for possível atingir o mesmo objectivo final em relação a outros territórios ultramarinos, poderá o Governo, para alguns deles, adoptar parcialmente o dito sistema, desde que o julgue conveniente para determinados sectores de administração.
O Deputado, António Augusto Esteves Mendes Correia.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O aditamento proposto pelo Sr. Deputado Mendes Cobreia pressupõe, creio eu, se bem o ouvi ler, uma proposta de alteração à proposta do Governo, na qual se perfilha a doutrina do § único do artigo 3.º sugerido pela Câmara Corporativa, que diz assim:
A administração do arquipélago de Cabo Verde poderá ser total ou parcialmente integrada no sistema da administração metropolitana.
Essa proposta de alteração não foi perfilhada, do forma que, de alguma maneira, ficou sem sentido a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Mendes Correia. Mas creio que ao desejo expresso na proposta do Sr. Deputado Mendes Correia é dada satisfação no artigo 29.º da proposta do Governo. Segundo esse artigo 29.º
O Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas nos termos da Constituição o dentro da orgânica a que se refere a alínea a) do n.º 1.º do artigo 27.º, agindo por intermédio dos órgãos que a mesma lei indicar.
O único sentido que se pode atribuir a esta fórmula «agindo por intermédio dos órgãos que a mesma lei indicar» é o seguinte: o Governo pode agir por intermédio do Ministério do Ultramar ou por intermédio de qualquer outro Ministério da administração metropolitana. Isto significa que os serviços de qualquer das províncias ultramarinas podem ir sucessivamente sendo integrados nos serviços da administração metropolitana.
Era a isto que conduzia a doutrina da proposta do Sr. Deputado Mendes Correia, que assim, votado o artigo 29.º, me parece ficará sem conteúdo. Mas não fica sem conteúdo a sugestão feita pela Câmara Corporativa de ser integrado, quando se julgar oportuno, na administração metropolitana o arquipélago de Cabo Verde; simplesmente, por força daquela disposição do artigo 29.º, também pode ir-se fazendo, sucessivamente, a integração na administração metropolitana dos vários serviços desse arquipélago, por maneira que em certo momento podem todos os serviços do arquipélago estar integrados na administração metropolitana.
Fica só esta situação, que me parece que, longe de ser desfavorável, é favorável à administração do arquipélago. É que, não obstante estarem integrados todos os serviços, a província não deixará de ser superiormente governada por um governador do tipo dos governadores das províncias ultramarinas, que têm uma autonomia muito maior e são cercados de um prestígio que todos reconhecem ser muito maior também do que aquele que cerca os governadores dos distritos autónomos.
Portanto, suponho que pelo artigo 29.º da proposta do Governo se dá satisfação à ansiedade que dominou a Comissão de Colónias em certo momento e que a fez tender para perfilhar a sugestão da Câmara Corporativa.
Tenho dito.
O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: na Comissão do Colónias chegou efectivamente a ser apreciada uma proposta especial dizendo respeito à oportuna integração de Cabo Verde na administração metropolitana.
Foi depois de ouvir considerações semelhantes àquelas que acaba de fazer o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, e que foram formuladas numa reunião conjunta das Comissões de Legislação e Redacção e Colónias, que esta última Comissão concordou em não apresentar qualquer proposta para ser apreciada pela Assembleia.
Desejo, contudo, que fique consignado que esta concordância foi tomada por maioria nessa Comissão.
Tenho dito.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: é exacto que a minha proposta pressupunha a adopção das sugestões do parecer da Câmara Corporativa em relação a Cabo Verde. Simplesmente, embora aplaudindo essa doutrina tal como constava do referido parecer, entendi
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dever propor à Assembleia que ficasse também desde já assente a possibilidade de se adoptar parcialmente um regime análogo ao da administração metropolitana quando se entendesse conveniente estendê-lo a outros territórios ultramarinos para determinados sectores.
Com referência às considerações do Sr. Deputado Mário do Figueiredo, nada tenho a objectar. Entendo que desde que a Assembleia aprove o artigo 29.º, como foi aqui dito, poderá o Governo dar realização ao objectivo exposto, que é, afinal, o da unificação ao máximo entre a metrópole e o ultramar.
Foi este pensamento que me ditou a proposta que fiz, mas, em face do que acabo de ouvir aos Srs. Deputados Mário de Figueiredo e Sousa Pinto, peço licença para a retirar, o que não significa, porém, que eu abdique das opiniões que expus.
Consultada, a Assembleia autorizou o Sr. Deputado Mendes Correia a retirar a referida proposta.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 3.º tal como consta da proposta de lei.
Submetido à votação foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.º
O artigo 4.º será transferido para depois do artigo 7.º, com a redacção indicada no artigo 7.º-A.
Vou mandar ler à Câmara o artigo 7.º-A.
Foi lido na Mesa.
O Sr. Presidente: - Devo informar a Câmara de que sobre este artigo 7.º-A há uma proposta de emenda da Comissão de Legislação e Redacção, que diz assim:
Que entre as palavras «direitos e garantias» do artigo 7.º-A sobre o Acto Colonial se intercale a palavra «liberdades».
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a alteração tem como único sentido harmonizar o texto deste artigo com o votado para o corpo do artigo 8.º da Constituição.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Se a Câmara votar o artigo 4.º com a redacção do artigo 7.º-A, fica desde já votado este último artigo.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 4.º com a redacção do artigo 7.º-A e com o aditamento a este proposto pela Comissão de Legislação e Redacção.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 5.º
Sobre este artigo há uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção para eliminar o segundo parágrafo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É para dizer, Sr. Presidente, que a proposta de alteração não significa de maneira nenhuma que não entendamos que, na solidariedade a que se refere este artigo, não devam inspirar-se todas as actividades de ordem espiritual, administrativa, económica e financeira.
Essa proposta não tem o sentido de procurar reduzir o conteúdo do artigo, mas antes o de procurar alargá-lo, porque a parte final do artigo parece que não acrescenta nada, visto que diz assim:
Nesta solidariedade se devem inspirar todas as suas actividades de ordem espiritual, administrativa, económica e financeira.
E de ordem social? E de ordem moral?
São estas considerações que induzem a que se proponha a eliminação do segundo período do artigo, para se deixar a fórmula mais genérica, de modo a abranger não só o que está contido nesse segundo período, mas também outras actividades não expressamente mencionadas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 4.º com a eliminação do segundo período proposta pela Comissão de Legislação e Redacção.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 6.º Quanto a este artigo não existe na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 6.º
O Sr. Presidente: - Devia passar-se agora à discussão do artigo 7.º, mas este artigo já está integrado no § 2.º do artigo 1.º da Constituição.
Chamo a atenção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo para este artigo 7.º
O Sr. Mário de Figueiredo: - Já está integrado no artigo 1.º da Constituição.
O Sr. Presidente: - Portanto, está prejudicado este artigo 7.º
Quanto ao artigo 8.º, também já foi trasladado para o artigo 2.º da Constituição. Portanto, está igualmente prejudicado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se agora à discussão do artigo 9.º
O Sr. Mário de Figueiredo: - Como a matéria desse artigo consta em outros artigos a votar posteriormente, acho talvez preferível que a discussão se faça nessa altura.
O Sr. Presidente: - A discussão far-se-á então oportunamente.
Pausa.
O. Sr. Presidente: - Vai passar-se agora à discussão do artigo 7.º-B.
Sobre este artigo existe na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Mendes Correia, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Proponho que o artigo 7.º-B da proposta de lei sobre o Acto Colonial tenha a seguinte redacção:
Atendendo ao estado de evolução das várias populações dos territórios ultramarinos, haverá, quando necessário, estatutos especiais que estabeleçam para elas, sob a influencia do direito
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público e privado português, regimes jurídicos conformes com os seus usos e costumes que não sejam incompatíveis com a moral, com os ditames de humanidade ou com o livre exercício da soberania portuguesa.
O Deputado, António Augusto Estives Mendes Correia.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dizer que a Comissão de Legislação e Redacção perfilhou a proposta de alteração do Sr. Deputado Mendes Correia. É a alínea 22) das propostas de alteração da Comissão de Legislação e Redacção, que consiste essencialmente em substituir a palavra «nativos» por «populações» e outra modificação, como aquela, de simples redacção.
O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: o artigo 7.º-B da proposta do Governo consigna o princípio de estabelecer sob a influência do direito público e privado português regimes jurídicos de contemporização com os usos e costumes dos povos nativos dos territórios ultramarinos que não sejam incompatíveis com a moral, com os ditames de humanidade ou com o livre exercício da soberania portuguesa.
Ora este princípio era fundamental do estatuto indígena imperativamente prescrito no artigo 22.º do Acto Colonial vigente.
Ele passa agora para o capítulo «Das garantias gerais», saindo do âmbito restrito do indigenato.
Isto pode conduzir a falsas interpretações da intenção da proposta, que visa evidentemente a realização do nobilíssimo ideal de unidade nacional, mas sem forçar a consciência de quem quer que seja.
Se no ultramar português há indígenas, no sentido legal do termo, também há populações que, por não se aproveitarem de instituições políticas próprias nem manterem autoridades gentílicas tradicionais, gozam de plenos direitos políticos em relação a instituições de carácter europeu.
Quanto a estas populações só haverá que contemporizar, quando necessário, no que disser respeito ao regime jurídico das suas relações de família, propriedade e sucessões, isto é, na esfera do direito privado.
No Estado da Índia, por exemplo, estão em vigor códigos de usos e costumes dos não cristãos: o de 16 de Dezembro de 1880 para o distrito de Goa, o de 19 de Abril de 1912 para Damão e o de 10 de Janeiro de 1894 para Diu.
Todavia, as populações que por eles se regem nas suas relações de família, propriedade e sucessão nenhum obstáculo têm criado ao progresso da legislação civil e penal da metrópole nem ao livre exercício da soberania portuguesa.
Estas breves considerações têm por objectivo esclarecer as razões do voto que darei à proposta do Sr. Deputado Mendes Correia e adoptada pela Comissão de Legislação e Redacção, proposta essa que, empregando uma fórmula mais ampla, realizará os objectivos do Governo sem ferir quaisquer susceptibilidade».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre este artigo, vai passar-se à votação.
Vai votar-se o artigo 7.º-B com a redacção proposta pelo Sr. Deputado Mendes Correia, redacção que é aprovada pela Comissão de Legislação e Redacção.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 7.º-B com a redacção proposta.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 7.º-C e 7.º-D, sobre os quais não há quaisquer propostas de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Ex.ªs deseja fazer uso da palavra sobre estes artigos, vai passar-se à votação dos mesmos.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 7.º-C e 7.º-D.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão, em conjunto, os artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: as breves palavras que vou proferir sobre o artigo 15.º da proposta de lei em discussão não visam mais do que apresentar à Assembleia um problema de consciência não só relativamente à matéria desse artigo como à de todos os seguintes incluídos no capítulo III, sob o título «Das garantias especiais para os indígenas».
Da matéria apresentada na proposta é a desse artigo e, em geral, de todo o capítulo a que mais profundamente me preocupou, quer no ponto de vista objectivo da natureza e valor dos problemas postos e das soluções sugeridas quer no subjectivo duma atitude moral e espiritual ou, como disse, encarando o assunto à luz da própria consciência.
Não sei nem quero saber se as palavras que vou dizer agradam ou desagradam. Presumo mesmo que desagradarão a muitos, que, considerando-se naturalmente civilizados, entendem que, ressalvando-se de certo modo as obrigações de assistência a populações atrasadas do ultramar, a categoria jurídica e política destas deve ser inspirada essencialmente por conveniências práticas de carácter predominantemente político-económico.
Não procuro, porém, nem o aplauso dos que vêem naquelas populações acima de tudo agregados inferiores de meras unidades de trabalho nem a simpatia desses mesmos que lá longe na vida tradicional da sua tribo ou ainda destituídos de cidadania, embora já no convívio e no serviço dos civilizados, ignoram totalmente que neste instante, no Parlamento duma das mais antigas e gloriosas nações da Europa, se estão discutindo a sua condição e os seus destinos.
Apenas pretendo apresentar nesta Casa à consideração dos que me escutam as conclusões sinceras e desassombradas dum longo e penoso conflito interior, cuja solução procurei, simplificando ao máximo possível, e dentro do mais enérgico esforço de serenidade, clareza e imparcialidade, o amontoado enorme de factos e razões a ponderar nesta matéria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não duvido de que não faltará quem me chame teórico ou romântico. Espero as objecções daqueles que se vangloriarão de ter com as chamadas realidades coloniais um contacto muito mais longo e profundo do que o meu. Mas a uns e outros responderei, desde já, que data de há trinta e seis anos o meu primeiro trabalho sobre uma população colonial e que, embora vivendo na metrópole, nunca mais deixei de me
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interessar directamente pela investigação científica sobre essas populações, tendo manifestado opiniões que me dão o direito de esperar que na discussão em curso me considerem insuspeito de simpatia por certas ideologias de exportação preconizadas, tantas vezes tendenciosamente, por alguns meios estrangeiros, como também dum romantismo já sádico, à Rousseau ou à Chateaubriand, num total desligamento de realidades imperiosas e insofismáveis.
O artigo 15.º, como outros que se lhe seguem, consigna doutrina que essencialmente só difere da do Acto Colonial nestas palavras, coerentes aliás com a tradicional tendência assimiladora da política colonial de Portugal: «como regime de transição».
Isto é, as medidas ou providências especiais de protecção ou defesa dos indígenas constituiriam um regime transitório para o da cidadania estabelecida pela Constituição e pelo Código Civil.
Ninguém tem aplaudido mais sinceramente do que eu o regime instituído pelo Acto Colonial, verificado quanto ele é concorde com a realidade étnica nalgumas regiões do nosso ultramar.
Já em 1916, numa memória sobre alguns povos da nossa África, achava inviável para estes o Código Civil ou o Código Administrativo da metrópole.
Publicado o Acto Colonial em 1935, regozijei-me mais do que uma vez publicamente pela doutrina simultaneamente realista e humanitária nele consignada e ainda recentemente, há dois anos, numa conferência na Universidade Colonial de Antuérpia, tive o prazer de, expondo «As linhas gerais da política indígena portuguesa» num colóquio internacional (em que participavam também, além dos belgas e dos portugueses, ingleses, franceses e holandeses), proclamar quanto Portugal se honrava duma política tradicional, inspirada simultaneamente em princípios de fraternidade e no conhecimento das realidades.
Mas o Governo verificou, entretanto (julgo que toda a gente verificou), que no momento de uma revisão constitucional havia oportunidade para esclarecer a posição de Portugal perante esse colonialismo tão atacado hoje no Mundo por antigas colónias, que, no geral, são afinal estados fundados por antigos colonos ou descendentes destes e que não raro têm populações autóctones num regime de «indigenato», ou por países que, como a União Soviética, têm povos altamente civilizados sob um regime de opressão, que não se parece nem de longe com o tão condenado regime colonial.
Tomando esta atitude, não abdicamos nem da nossa magnífica tradição nem dos nossos princípios: apenas esclarecemos aqueles que de boa fé julgam de opressão ou de exploração a nossa política e a nossa acção no ultramar e damos satisfação plena às próprias populações ultramarinas, que, tão dignas da nossa fraterna compreensão, poderiam, iludidas na sua boa fé por uma propaganda tendenciosa, supor-se indevidamente a mesquinhadas pela nossa legislação.
Assim, como o próprio artigo 15.º consignaria, chamou-se de transição ao regime de indigenato, e em várias disposições, inclusive na própria integração do antigo Acto Colonial na Constituição, afirmou-se mais claramente do que antes o que era já pensamento tradicional da nossa política: a verdadeira união da metrópole e do ultramar num todo em que qualquer discriminação de raça ou categoria virá a desaparecer, em matéria de direitos e deveres, por uma acção que será suave, tolerante, gradual, respeitadora para todos os grupos étnicos de nacionalidade portuguesa.
Apoiados.
Substituíram-se palavras, esclareceram-se ideias, mas não se alteraram princípios fundamentais, não se inventaram ficções para se lançar poeira aos olhos, seja de quem for.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Precisamente em nome dessa continuidade tão honrosa para os portugueses e dessa sinceridade absoluta que é timbre heráldico de Portugal perante o Mundo é que vou expor o esquema em que fundo objecções graves à manutenção dos termos da proposta do artigo 15.º e do próprio capítulo III ou de grande parte dele na Constituição revista.
O problema que, a meu ver, deve ser posto é se, nas circunstâncias actuais do Mundo e da vida nacional, o nosso estatuto constitucional deve ou não conter, para grande parte da população do ultramar, uma condição genérica diferente da da cidadania, que é regra única para a metrópole e para algumas províncias ultramarinas. Isto é: estabelecida pelo artigo 7.º-B a possibilidade legal de um regime especial para certas populações menos evoluídas, deve a Constituição englobar todas as modalidades desse regime na expressão genérica de indigenato e chamar indígenas a todos os indivíduos abrangidos por tal regime? Na minha modesta opinião entendo que mão, e vou dizer porquê.
Dispensar-me-ei de expor os modos como os outros países europeus que possuem territórios ultramarinos resolveram ou têm procurado resolver ia questão. Não prescindirei, porém, da ponderação do ambiente internacional, seja legítimo, seja tendencioso, em torno do assunto, mas não abdicarei nem dos nossos princípios tradicionais na matéria nem da verificação objectiva de realidades da vida ultramarina, cujo olvido neste momento seria grave imprudência, mesmo deplorável leviandade.
O regime de indigenato fundamenta-se no atraso da vida tribal, de muitos meios costumeiros, em relação à vida dos civilizados; na inadaptação transitória ou permanente dos chamados indígenas às normas da administração local e geral, de trabalho e de economia daqueles.
À plena cidadania ele substitui uma condição que, garantindo a protecção e defesa das suas pessoas e bens e o respeito pelas suas tradições que não sejam contrárias da humanidade, da moral e da nossa soberania, torna os ditos indígenas colaboradores úteis, sem o perigo de criar neles, como escrevia um missionário inglês, perigosas «caricaturas de europeus», que têm como tipos os famosos ambaquistas de Angola, os muzungos de Moçambique, os forros de S. Tomé (parasitas das roças, que levam uma vida de artifício e mentira, aspirando, como conta Ernesto de Vasconcelos, a pessoas importantes «cídadon glande, flomoso e bem fecho»), enfim, esses exemplares, felizmente raros, que são maus elementos, desligados da sua tribo, mas por incorporar na vida civilizada, da qual apenas adoptam «os aspectos menos favoráveis.
Mas há mais, em favor do regime de indigenato: é que frequentemente as limitações postas pelas leis ou pela nossa sensibilidade à autoridade europeia são interpretadas pelas populações nativas como fraqueza daquela autoridade.
Enfim, não posso deixar de assinalar que o predomínio numérico dessas populações sobre a massa metropolitana seria susceptível de pôr em risco a continuidade rectilínea, ascensional, da missão tradicional, cristã, universalista, de Portugal no Mundo, missão ditada e assegurada, sobretudo, pelo património de sangue, história e cultura dos portugueses metropolitanos.
Como o saudoso marechal Carmona exclamou na sua memorável visita ao nosso ultramar, a metrópole é «onde Portugal começou».
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Compreendo que nações sem o nosso passado, sem as nossas responsabilidades históricas, se não preocupem com a sua constituição populacional, com as suas virtualidades étnicas. A Portugal é que essa questão não pode ser indiferente. Veremos como nos surge remediável dentro da generalização da cidadania.
A estes argumentos em favor do regime de indigenato opõem-se outros, que me parecem dignos de ponderação.
Já aludimos ao anticolonialismo internacional. Banindo a palavra colónia da terminologia constitucional, damos satisfação menos a esse ambiente do que à realidade tradicional dos nossos princípios de união e integração do ultramar e da metrópole, à política de assimilação fraterna e cristã que orientou sempre a nossa política ultramarina.
Desaparece do nosso texto constitucional a palavra colónia, objecto duma hostilidade quase geral, porventura discutível, mas nem por isso inexistente e inevitável. Porque há-de um nome importado recentemente e que na semântica internacional atingiu um significado depreciativo manter-se a todo o custo, com os inconvenientes de permitir um juízo injusto sobre a nossa política ultramarina? O mesmo raciocínio é de aplicar aos termos «indígena» e «indigenato».
Nenhuma necessidade há de uniformizar sob uma mesma designação jurídica, antipática a muitos, susceptível de explorações malévolas, mesmo junto dos próprios interessados, os grupos populacionais ultramarinos a que se apliquem as disposições do artigo 7.º-B da proposta do Governo. Aliás, o racional é que cada estatuto especial se aplique a grupos circunscritos, bem determinados, segundo as necessidades de cada caso, e não com uma uniformização arbitrária de disposições para o conjunto dos mais heterogéneos grupos.
Por outro lado, distinguir na Constituição dois blocos ou castas de portugueses, a saber: cidadãos e indígenas, é contrário aos preceitos de fraternidade cristã, às mossas tradições espirituais e, presentemente, à própria tarefa, em que o Governo e esta Assembleia se empenham, de unificação ao máximo, dentro do possível e do humano, entre a metrópole e o ultramar.
Pode haver dúvidas quanto à extensão de uma garantia ou outra, especialmente quanto a determinados direitos políticos, mas a definição de cidadania dada pela Constituição e pelo Código Civil parece-me tão susceptível de aplicação a um português da metrópole como a qualquer natural das províncias ultramarinas que se encontre nas condições do artigo 18.º do Código Civil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O artigo anterior do mesmo Código diz que só os cidadãos portugueses podem gozar plenamente de todos os direitos que a lei civil reconhece e assegura. Poder gozar de um direito não é expressão de absoluta latitude que signifique a supressão de todas as condições e limitações legais para o respectivo exercício.
Se ninguém nega, que eu saiba, a um indivíduo na condição de indígena a possibilidade de, devidamente civilizado e assimilado, passar à categoria de cidadão, se o chamado regime de indigenato tem, salvo porventura alguns casos especiais de resistência à evolução, o carácter transitório, porque não havemos de admitir que um dito indígena seja cidadão português, quando, na verdade, uma criança recém-nascida, um fraco de espírito, um analfabeto, um inválido, um interdito, o são também, desde que tenham nascido em território metropolitano de pais portugueses ou estejam nas outras condições do Código Civil? Lá estão as leis para dar maior ou menor amplitude à definição e efectivação dos direitos respectivos.
Para salvaguardar os direitos e garantias dos chamados indígenas e, por outro lado, para impedir os inconvenientes morais, políticos e económicos da perigosa ficção romântica que seria a total equiparação desde já entre portugueses civilizados e não civilizados, ou a participação destes últimos em actividades e instituições tão afastadas da sua cultura tradicional que nem sequer as compreenderiam, bastam o artigo 7.º-B, os estatutos especiais nele previstos e mais legislação por eles autorizada.
Não me recuso, porém (acho mesmo que tem certa vantagem uma concretização clara de certos factos), à adopção dos outros artigos do capítulo III, sobretudo os referentes ao trabalho e às responsabilidades do Estado na protecção das populações. Apenas julgaria conveniente acrescentar o direito a representação nos conselhos governativos nos termos e com a amplitude que a lei estabelecer. Mas do artigo 15.º e de todo o capítulo deveriam desaparecer todas as menções das palavras indígena e indigenato, que, segundo julgo, apareceram na nossa legislação, como a palavra colónia, sob a inspiração de figurino estrangeiro. Deixemos a outros povos as designações jurídicas de native, african, etc.
Para nós, na Constituição só há e haverá portugueses, irmãos nossos, almas, seres humanos como nós, colaboradores duma missão cristã, humana e universalista que a História, as nossas convicções e as nossas mais altas aspirações nos impuseram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estou recordando aqueles simpáticos negros que na minha visita às minas do Transval, ao perguntar-lhes a sua origem, não respondiam cabisbaixos, como os seus companheiros doutras proveniências, dando o nome da sua tribo, mas declarando alegremente, orgulhosamente: sou português.
Estou recordando a solidariedade que tantas vezes uniu portugueses da metrópole e dos sertões mais remotos do ultramar em empreendimentos e façanhas de heroísmo e de epopeia. Recordo comovidamente a colaboração do braço negro no progresso material e moral do ultramar, do país inteiro.
Senhores: não é apenas de sentimentalismo, aliás respeitável, não é em obediência a ideologias mais ou menos discutíveis que afirmo solenemente a alegria com que veria concedida pela Assembleia a cidadania para os nossos irmãos de além-mar, sem distinção de raças, de cor ou de costumes: é como preito de justiça, é em nome das realidades mais imperativas da hora presente, é como expressão do reconhecimento e da solidariedade duma pátria una e indivisível.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer algumas considerações sobre os artigos 19.º, 20.º e 21.º Para que não haja errada interpretação das intenções com que venho à tribuna, devo declarar desde já que vou dar o meu voto de aprovação aos três citados artigos. Mas como, pela primeira vez, vou aprovar uma coisa com que não concordo, peço a V. Ex.ª que me conceda uns minutos para dizer o que penso sobre este delicado problema, de importância máxima para o progresso dos nossos territórios de além-mar.
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Em primeiro lugar julgo que, em matéria de angariamento de mão-de-obra, não seriam aconselháveis disposições rígidas de carácter geral. De colónia para colónia (usemos enquanto é tempo esta designação), como de região para região dentro de cada colónia, é muito variado o estado de evolução das populações nativas. A doutrina conveniente para uns não é própria para outros. E é para as populações mais atrasadas que eu penso não ser acertado o que se estabelece nos artigos a que me refiro.
Concordo, evidentemente, com o n.º 1.º do artigo 19.º Proíbem-se todos os regimes pelos quais o Estado se obrigue a fornecer trabalhadores indígenas a quaisquer empresas particulares. Está certo. Mas isto não implica que não seja do próprio interesse do Estado criar condições que facilitem a obtenção de mão-de-obra às actividades particulares, que são as melhores fontes de riqueza e progresso das colónias onde se exercem.
Já não concordo com o n.º 2.º nem com os artigos 20.º e 21.º, nos quais se estabelece que são proibidos os regimes em que os indígenas sejam obrigados a prestar trabalho, a não ser em obras públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam, em execução de decisões judiciárias de carácter penal ou para cumprimento de execuções fiscais, e se prescreve que o trabalho dos indígenas assenta na liberdade individual, intervindo a autoridade pública somente para fiscalização.
Ora nós temos a obrigação primacial de civilizar os povos atrasados que residam nos territórios ultramarinos sob a nossa soberania. E, ia meu ver, deixamos de cumprir integralmente essa obrigação se nos limitarmos a fiscalizar o trabalho dos indígenas que a ele voluntariamente se apresentem.
Pode afirmar-se que nalgumas regiões uma grande parte continuará entregue à embriaguez e à luxúria.
Para não falar senão do que caiu no campo da minha observação directa, vejamos o que acontece em Moçambique, onde residi alguns anos, em contacto com as populações de Manica e Sofala.
Há, sem dúvida, nessa colónia numerosos indígenas que voluntariamente se apresentam ao trabalho. Além dos que vão para o Rand, muitos trabalhadores dos nossos portos, muitos moleques, cultivadores de chá, etc., são voluntários.
Esses vão trabalhar, ou à busca dum salário alto, ou porque os serviços escolhidos lhes agradam, ou ainda porque, tendo já vivido junto dos brancos, criaram necessidades e tomaram o gosto a certas comodidades de que participaram e sentem desejo de voltar a usufruir. Mas da maioria dos que vivem a vida primitiva do mato só uma pequena fracção se decidirá, cada ano, a deixar-se convencer pela habilidade dos recrutadores, que, ao serviço de particulares, os procurem para contrato de trabalho.
Muita água há-de passar ainda debaixo das pontes antes que a maior parte deles se afaste voluntariamente da vida que, acima de todas, lhes agrada, que é deixar às mulheres o encargo dos trabalhos agrícolas para prover à alimentação, enquanto eles, os homens, pasmam o tempo entregues à devassidão e à beberragem das mais variadas bebidas fermentadas, preparadas por eles em improvisados alambiques e com as quais se embriagam e se envenenam, caminhando para um progressivo embrutecimento.
Há quem pense que, punindo-os no ano seguinte com trabalho obrigatório em tarefas de utilidade pública, cumprimos o nosso dever de nação civilizadora.
Além da incoerência que há em punir onde não há falta, penso que o nosso dever não fica cumprido se mão conduzirmos obrigatoriamente a uma vida de trabalho remunerado, fiscalizado e protegido esses indígenas atrasados, que teimam em se manter numa permanente ociosidade.
Os brancos também obrigam os seus filhos, por todos os meios, a trabalhar na escola ou na oficina, quando os conselhos não bastaram para o conseguir. O que se pretende, num caso e no outro, é criar homens independentes, dignos e úteis à colectividade. Há quem não concorde em considerar os pretos crianças grandes. Eu também não concordo, quanto aos indígenas já evoluídos, em sucessivos graus de aperfeiçoamento. Mas para os mais atrasados a equiparação é inteiramente justa.
Ora só as autoridades administrativas podem exercer com equidade e justiça essa acção, que aponto como necessária, junto dos indígenas.
Vejamos como julgo que o problema devia ser posto.
Os administradores de circunscrição, secretários e chefes de posto são os funcionários que estão em contacto directo com as populações das áreas que administram. Na posse dos recenseamentos, anualmente actualizados, conhecem todos os habitantes da circunscrição, sabem onde estão os homens válidos, as suas idades, estado de saúde, composição do agregado familiar e ainda as datas e locais em que já prestaram trabalho.
Se o administrador compreende e executa bem a sua função, torna-se o chefe respeitado e temido por todos os indígenas da sua área e, ao mesmo tempo, o protector a quem eles recorrem confiadamente, na doença, na fome ou para a resolução dos seus problemas domésticos, casamentos, questões entre casais ou com parentes e vizinhos, etc.
Auxiliado pelo secretário e chefes de posto e ainda pelos cipais e pelas autoridades indígenas, ele está permanentemente a par do movimento populacional da sua circunscrição, da qual ninguém sai e na qual ninguém vem de novo residir sem que ele tenha disso conhecimento e registo. Dispondo destes elementos, ninguém como ele pode intervir na distribuição de mão-de-obra. Numa organização perfeita todas as actividades oficiais ou particulares a quem faltasse mão-de-obra deveriam requisitá-la às autoridades administrativas.
A atitude do administrador perante o indígena válido, sem trabalho há mais de seis meses, deveria, no meu modo de ver, ser expressa, mais ou menos, nos seguintes termos: «Tu tens de te resolver a trabalhar, porque o trabalho é que há-de fazer de a um homem útil, capaz de se julgar irmão do branco.
Se queres ser um homem independente, trabalha por conta própria. Queres ser agricultor? Podes contar comigo para te ajudar. Dar-te-ei boas sementes, que restituirás na colheita. Eu ou alguém de competência especial te ensinará a melhor maneira de cultivar e colher. Fixarei os locais dos mercados de modo a que possas lá ir facilmente levar os produtos das tuas culturas. E fiscalizarei esses mercados para ter a certeza de que ninguém te engana no peso ou na contagem, nem no dinheiro que tenha de te pagar. Mas não suponhas que me iludes. Hás-de cultivar uma área com a extensão suficiente para que não possa ser amanhada só pela tua mulher e seja indispensável que tu próprio trabalhes; e que chegue para produzir não só mantimentos para a e para a tua família, mas ainda para obteres os géneros que hás-de vender, com cujo produto podes melhorar a tua vida e ainda, a pouco e pouco, comprar algumas alfaias agrícolas ou gado, que melhorem, nos anos seguintes, as condições do teu trabalho.
Se seguires por este caminho ninguém mais te falará em trabalhar por conta de patrões. Não queres? Nem aprendeste nenhum ofício? Então tens de trabalhar por conta de outrem. Nesse caso, aqui tens. Além das requisições dos serviços do Governo, estão aqui pedidos de mão-de-obra dos patrões A, B e C. Escolhe qualquer
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deles ou qualquer outro que conheças e te agrade mais, e vai lá apresentar-te voluntariamente. Ele cá virá ou mandará, para registar o contrato que fizer contigo. E fica certo de que também neste caso te não abandonarei.
Eu - ou alguém por mim - visitarei o local que escolheres para trabalhar e terei o cuidado de verificar se te pagam o salário que está fixado pelo Governo, se te alimentam bem, se te alojam convenientemente, se te tratam na doença e se te dão as roupas de vestir e de agasalho que têm obrigação de te dar. Descansa que tens aqui quem te defenda, se caíres em casa de algum patrão que não cumpra os seus deveres para contigo.
Não escolhes voluntariamente nenhum patrão? Então vais para onde eu te mandar, porque eu tenho deveres a cumprir para contigo, como agente de uma Administração que tem como primeiro objectivo melhorar as tuas condições de vida e elevar-te a um nível de civilização cada vez mais alto; e deixo de cumprir esse dever se consentir que fiques todo o ano entregue à bebedeira e à luxúria. E repara que, atendendo aos teus hábitos inveterados e à dureza do clima em que vives, ninguém te pede que trabalhes mais de seis meses em cada ano, enquanto os brancos trabalham o ano inteiro».
Eu sei, Sr. Presidente, que não estou muito acompanhado neste modo de encarar o problema da mão-de-obra, embora ele se integre na tradição da nossa acção colonizadora, criadora de massas populacionais indígenas que, em educação cívica, correcção de conduta e respeito pela bandeira nacional, podem opor-se, com reconhecida vantagem, às que outras nações têm criado e sejam sempre perigosos saltos bruscos numa continuidade provadamente eficaz.
Confia-se demais no rápido progresso do voluntariado. Confia-se na actuação dos recrutadores, que só as grandes empresas podem suportar e que não dispõem dos meios ao alcance das autoridades administrativas, donde resulta que, só encostados a estas, clara ou ocultamente, conseguem, quando conseguem, a mão-de-obra que procuram.
Eu sei também, Sr. Presidente, que o sistema que defendo leva, na opinião geral, aos abusos de que tanto se tem falado. Não contesto a existência desses abusos, embora faça justiça a administradores exemplares que conheci. Mas noto, contrariamente, que esses abusos se vêm acentuando à medida que o cumprimento da doutrina dos artigos em discussão tem sido mais firmemente recomendado. E não é difícil entrever porquê.
Imagine-se, para exemplo, o gerente de uma empresa açucareira que vê aproximar a época do corte da cana e sabe que a colheita se perderá se não obtiver rapidamente uns centos de indígenas para substituir os que, por terem findado os seus contratos, acabam de partir.
Compreende-se que, se esse homem for, com as mãos na cabeça, solicitar à autoridade administrativa, aflitivamente, a mão-de-obra que o seu recrutador não conseguira arranjar, encontre uma das duas atitudes seguintes: ou depara com um funcionário incorruptível, que cumprirá a lei, recusando-se a intervir no recrutamento, e aí fica uma actividade que é fonte de riqueza da colónia em risco de perdas porventura irreparáveis, ou encontra um funcionário de princípios menos rígidos e ouvirá dele palavras como estas: «Vou procurar valer-lhe, mas o senhor sabe que eu corro o perigo de perder o meu lugar». Não é difícil prever o rumo que poderá tomar o resto da conversa. Suponho não me enganar considerando esta a principal origem das imoralidades que se apontam.
Pelo contrário, se a autoridade administrativa souber que, como agente de uma administração civilizadora dos povos indígenas, o seu dever é não deixar nenhum indígena válido estar em cada ano mais de seis meses entregue à ociosidade e aos vícios e que pode, portanto, ser castigado se o não conseguir, o seu interesse é fornecer a mão-de-obra. E procurará fazê-lo com imparcialidade se souber que o exame feito pela Direcção dos Negócios Indígenas do mapa anual da distribuição de mão-de-obra na sua circunscrição revelará se houve nessa distribuição parcialidades ou quaisquer outras irregularidades merecedoras de sanções.
Quero crer que desta maneira se radicariam progressivamente nos indígenas mais atrasados hábitos de trabalho que de ano para ano aumentariam o voluntariado, até que, ao fim de um período mais ou menos prolongado, se chegaria a uma época em que a doutrina expressa nos artigos em discussão estaria certa, porque então, mas só então, já não seria preciso compelir ninguém ao trabalho.
Muito podem as missões religiosas contribuir para o encurtamento desse período, incutindo no espírito dos seus educandos a noção do dever moral do trabalho voluntário. E, por outro lado, muito podem contribuir para atrair os indígenas ao trabalho os governos coloniais, exigindo das autoridades administrativas uma vigilante fiscalização, não só dos indígenas como também dos patrões, e uma defesa igualmente intransigente dos direitos de uns e de outros.
Sr. Presidente: tenho de pedir a V. Ex.ª e à Câmara que me perdoem o tempo que tomei com uma exposição que não envolve qualquer proposta de alteração. Termino por reafirmar o que disse no princípio. Vou dar o meu voto favorável aos artigos em discussão. Mas faço-o em obediência a uma das ideias falsas que orientam o Mundo actual, contra a qual se considera inoportuno reagir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão os artigos 15.º a 21.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 15.º a 21.º
O Sr. Presidente: - A matéria dos artigos 22.º a 24.º já foi votada com a redacção dos artigos 7.º-B. 7.º-C e 7.º-D.
Vai passar-se agora à apreciação do capítulo 4.º «Do regime político e administrativo».
A proposta de lei, quanto ao artigo 25.º, substitui a matéria deste artigo pelo artigo 26.º-A.
Vou pois submeter à discussão o artigo 26.º e seu § único.
Sobre este artigo não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai proceder-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 26.º e o seu § único.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 26.º-A, que substitui o artigo 25.º Sobre este artigo não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
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O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado o artigo 26.º-A.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão os artigos 27.º, 28.º e 28.º-A.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que, muito embora tenha ouvido as explicações que me foram dadas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, eu não concordo com as restrições que se fazem pelo n.º 1.º do artigo 27.º Não compreendo a razão por que os Deputados pelo ultramar não possuem a mesma competência que tom os outros Deputados para poderem apresentar projectos de lei. A Comissão de Colónias tinha proposto que fosse eliminada esta parte do artigo 27.º, mas não vejo que fosse apresentada essa proposta e, por isso, quero manifestar a V. Ex.ª que nesta parte estou em desacordo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejo esclarecer a Assembleia relativamente a dois pontos. Em primeiro lugar, as explicações a que o Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão se referiu foram, efectivamente, por mim prestadas em sessão conjunta das Comissões de Colónias e de Legislação e Redacção. Em segundo lugar, quero manifestar que não posso, nem de longe, compreender como é que a disposição há-de interpretar-se no sentido de representar para os Deputados eleitos pelas colónias uma espécie de capitis deminutio em relação aos Deputados eleitos pela metrópole.
É evidente que não representam, porque sobre a matéria têm a mesma competência os Deputados eleitos pelas colónias e os Deputados eleitos pela metrópole.
O Sr. Botelho Moniz: - Têm todos uma competência nula.
O Orador: - Têm a competência mais importante, que é a de, sobre a matéria, não se poder decidir nada sem eles, embora eles não possam ter a iniciativa para pôr os problemas a decidir. Não se trata, pois, de competência nula, mas, pelo contrário, da forma mais nobre da competência.
De resto, o que digo não tem senão um sentido de simpatia. Repito, não há capitis deminutio nos Deputados eleitos pelo ultramar relativamente aos Deputados eleitos pela metrópole, porque uns e outros possuem precisamente a mesma competência.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs quer usar da palavra, vai passar-se à votação.
O Sr. Presidente: - Vão votar-se os artigos 27.º, 28.º e 28.º-A.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Quanto ao artigo 27.º mantenho a minha opinião.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 27.º. 28.º e 28.º-A.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 29.º Sobre este artigo existe na Mesa uma proposta de aditamento de um parágrafo, da autoria do Sr. Deputado
Mendes Correia, que vou mandar ler.
Foi lida. É a seguinte:
Proponho que ao artigo 29.º da proposta de lei sobre o Acto Colonial seja adicionado o seguinte:
§ único. O Governo apresentará à Assembleia Nacional no início de cada sessão legislativa um relatório da administração do ultramar correspondente ao ano anterior.
O Deputado, António Augusto Esteves Mendes Correia.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: devo dizer que quando fiz a proposta ignorava que existia já uma disposição legal que obriga o Governo à apresentação de um relatório de administração do ultramar de dois em dois anos, e mais tarde nas reuniões das Comissões de Colónias e Legislação e Redacção assentou-se na apresentação das contas ultramarinas ao Tribunal de Contas e à Assembleia Nacional. A discussão dessas contas permite uma apreciação da administração.
Portanto julgo desnecessária a minha proposta e peço a V. Ex.ª para consultar a Assembleia sobre se permite que retire aquela.
Consultada a Assembleia, foi o Sr. Deputado Mendes Correia autorizado a retirar a sua proposta.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 29.º tal como consta da proposta do Governo.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 29.º-A, sobre o qual não há qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre este artigo, vai votar-se tal como consta da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Seguia-se agora o artigo 30.º, mas a sua matéria, tendo ficado intercalada no artigo 28.º-A, não necessita, portanto, de ser votada.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão os artigos 31.º, 32.º e 33.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de VV. Ex.ªs pede a palavra, vão votar-se os artigos 31.º, 32.º e 33.º tal como constam da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Passamos ao capitulo V «Da ordem económica».
Ponho à discussão os artigos que constam deste capitulo, isto é, artigos 34.º, 35.º, 36.º, 36.º-A, 36.º-B, 36.º-C e 36.º-D.
Estão em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vão votar-se os artigos que constituem o capítulo V e, aprovados eles, fica implicitamente aprovado o artigo 9.º da proposta de lei, que há pouco não se discutiu.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
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O Sr. Presidente:
- Vamos passar agora ao capitulo VI «Do regime financeiro».
Está em discussão o artigo 37.º
Pausa.
O Sr. Presidente:- Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 37.º tal como consta da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 38.º Sobre este artigo há na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção, assim redigida:
Que depois das palavras «despesas e dividas» do artigo 38.º sobre o Acto Colonial, se acrescentem as palavras «e dos seus actos e contratos».
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 38.º com a emenda lida há pouco.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 39.º Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de emenda da Comissão de Legislação e Redacção, que é do seguinte teor:
Que antes da palavra «bens» do artigo 39.º sobre o Acto Colonial se intercalem as palavras «os direitos e bens».
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: há equívoco na proposta que V. Ex.ª acaba de ler, a qual é no sentido de se intercalarem apenas as palavras «direitos e». A palavra «bens» já está consignada no texto.
O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª razão. É que no Diário vem: «direitos e bens».
Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 39.º com a proposta de emenda referida.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 40.º, 41.º e 42.º, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se os artigos 40.º, 41.º e 42.º
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente:- Está em discussão o artigo 43.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção, do seguinte teor:
Que ao artigo 43.º da proposta sobre o Acto Colonial se acrescentem as palavras seguintes: «para serem tomadas pela Assembleia Nacional nos termos do n.º 3.º do artigo 91.º», ficando autorizada a Comissão de Redacção a fazer na citada disposição o ajustamento necessário.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: o Governo propôs uma alteração ao artigo 43.º do Acto Colonial no sentido de as contas anuais das províncias ultramarinas serem verificadas e relatadas pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar antes de serem submetidas ao julgamento do Tribunal de Contas.
Ora esta disposição do artigo 43.º não indica a natureza das contas, que tanto se pode admitir que sejam as contas do Tesouro, as coutas de gerência ou as contas de exercício.
Porém, sempre se considerou que o artigo 43.º do Acto Colonial se referia às contas do Tesouro, que, sendo elaboradas pelas direcções de Fazenda das respectivas províncias ultramarinas e pelos bancos emissores, eram enviadas ao Tribunal de Contas e passavam pelo Ministério do Ultramar como simples ponto de passagem, nos termos do artigo 13.º do Decreto n.º 29:161, de 21 de Novembro de 1938.
É certo que o referido artigo 43.º do Acto Colonial não especificava se as cantas eram as do Tesouro, de gerência ou de exercício, mas sempre se considerou que o artigo se referia às contas do Tesouro.
E a alteração proposta pelo Governo apenas veio exigir que estas contas fossem verificadas e relatadas pelo Ministério do Ultramar.
Aceitei como boa esta alteração proposta pelo Governo, depois de me ter certificado que o artigo se referia às contas do Tesouro.
É como fosse necessário que as contas de exercício - aquelas que traduzem a maneira como foi executado o orçamento de cada província ultramarina - fossem aqui nesta Casa apreciadas como as Contas Gerais do Estado, relativas à metrópole, assim o propus quando usei da palavra em 6 do corrente e quando tive a honra de assistir à discussão do assunto junto da Comissão de Colónias.
Não faz sentido que, dispondo o ultramar de uma soma de receitas que totalizam a importância global de 2.747:000 contos, que é superior a mais de metade das receitas metropolitanas, computadas em 5.318:000 contos, não fosse na Assembleia Nacional apreciada a - maneira como o ultramar despendeu essa importante quantia.
E assim propus que ao n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição fossem acrescentadas as seguintes palavras:
... e igualmente tomar as contas de exercício das províncias ultramarinas, depois de verificadas e relatadas pelo Ministério do Ultramar.
Vejo, porém, que a Comissão de Legislação e Redacção, aceitando a minha proposta, a foi introduzir no artigo 43.º
Agradeço à Comissão de Legislação e Redacção ter admitido que as contas de exercício passem a ser aqui apreciadas; mas a alteração não ficou no seu lugar próprio.
Resulta até que a proposta do Governo relativa às contas do Tesouro ficou inutilizada. As contas de exercício passam, como eu desejava, se a proposta da Comissão de Legislação e de Redacção for aprovada, a ser apreciadas, mas acontece que as contas do Tesouro não passam a ser verificadas e relatadas pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério das Colónias e continuarão a ser remetidas ao Tribunal de Contas, nos termos do artigo 13.º do referido Decreto n.º 29:161, de 21 de Novembro de 1938.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: as sugestões tão interessantes levantadas pelo orador que me antecedeu são destinadas a dar um cunho mais uniforme a toda a legislação que se refere a orçamentalogia colonial.
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952 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103
Simplesmente, parece-me que se alguma dúvida pode haver, ela pode ser um pouco esclarecida, confrontando o n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição com os artigos 42.º e 43.º, ora discutidos.
Diz o referido n.º 3.º do artigo 91.º:
Leu.
Se as contas são submetidas ao Tribunal de Contas, implicitamente têm de vir à apreciação desta Câmara.
De maneira que, em face do n.º 3.º do artigo 91.º e do disposto nos artigos 42.º e 43.º já citados, a proposta do Sr. Deputado Vaz Monteiro tornava talvez mais clara esta doutrina é permitia realmente dar solução ao assunto sem um esforço de interpretação e conjugação de artigos.
Mesmo assim ela ressalta necessária e logicamente dos artigos que acabei de citar, sobretudo depois da alteração proposta pela Comissão de Legislação e Redacção.
Tenho dito.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: o artigo 43.º do Acto Colonial diz apenas: «Contas do ultramar», e não diz qual é a natureza das contas, que tanto podem ser da tesouraria, da gerência, como do exercício.
Mas durante todos estes anos sob a vigência do Acto Colonial sempre se compreendeu, quer nas colónias, quer no Ministério do Ultramar, que essas contas se referiam às contas da tesouraria ou às contas feitas pelas direcções de Fazenda e pelos bancos emissores e pelas caixas da tesouraria.
Essas contas vinham para o Ministério das Colónias e não eram relatadas pela Direcção-Geral de Fazenda do Ministério.
Eram assim enviadas directamente ao Tribunal de Contas, apesar de o actual Acto Colonial o não dizer, porque o decreto a que há pouco me referi só indicava que assim se procedesse ao Decreto n.º 29:161 (artigo 13.º).
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejo apenas esclarecer um ponto.
As contas que uma vez aprovada a alteração sugerida pela Comissão de Legislação e Redacção, hão-de ser submetidas à apreciação desta Assembleia, quais são?
Não tenho dúvidas nenhumas de que uma vez feito o ajustamento no artigo 91.º, n.º 3.º, da Constituição, a que se refere a proposta de alteração, são as contas da mesma natureza daquelas que na metrópole estão sujeitas à aprovação da Assembleia Nacional.
Estou de acordo com o ilustre Sr. Deputado Pinto Barriga, pois não me parece que possa haver dúvidas de que, uma vez feito esse ajustamento e votada a proposta de alteração, as contas que têm de ser submetidas à apreciação da Assembleia - as contas do ultramar, evidentemente -, são as contas do mesmo tipo daquelas que na metrópole tom de ser submetidas à apreciação desta Câmara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 43.º com a emenda sugerida pela Comissão de Legislação e Redacção.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Submeto à discussão, em conjunto, os artigos 44.º, 45.º, 46.º e 47.º, sobre os quais não há qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado se deseja pronunciar, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente:- Vou encerrar a sessão. Amanhã voltaremos à proposta governamental de revisão da Constituição, para se concluir a discussão.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a mesma da sessão de hoje e ainda a discussão do projecto de lei n.º 140, de alteração ao artigo 109.º da Constituição, da autoria do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, e do projecto do lei n.º 130, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira e outros Srs. Deputados, para se incluir um artigo novo na Constituição relativo à protecção e defesa da Língua Portuguesa.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Sousa Meneses.
Miguel Rodrigues Bastos.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA