O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 973

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

ANO DE 1951 30 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 105 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 26 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 57 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 103, com uma emenda apresentada pelo Sr. Deputado Vás Monteiro.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos pedidos por diversos Srs. Deputados a vários serviços públicos.
Usaram da palavra- os Srs. Deputados Santos Bessa, que tratou da, assistência às crianças doentes em Portugal; Paulo Cancela de Abreu, para chamar a atenção do Governo paira a situação dos militares e civis demitidos compulsiva ou voluntariamente por motivos políticos; Bartolomeu Gromicho, que se ocupou da situação de várias categorias de funcionários públicos em caso de aposentação; Manuel Vaz, para se referir à morte do venerando Chefe do Estado; Marques Teixeira, que enviou para a Mesa um requerimento, dirigido ao Ministério da Economia, sobre plantio da vinha; Sá Carneiro, que enviou para a Mesa um projecto de lei sobre a pulverização da propriedade rústica e tratou do caso da anexação de várias freguesias ao concelho de Mesão Frio; Avelino de Campos, para se referir à intervenção do Sr. Deputado Sá Carneiro acerca da referida anexação e defender o pedido do concelho de Baião, e Pina Barriga, para enviar um requerimento à Mesa, dirigido ao Ministério da Educação Nacional.
O Sr. Presidente anunciou ter recebido na Mesa um projecto de lei da autoria do Sr. Deputado Pinto Barriga sobre honorários de directores de empresas concessionária».

Ordem do dia. - Continuou a discussão do projecto de lei de alteração à Constituição do Sr. Deputado Carlos Moreira e outros Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo, Ribeiro Cazães, Mário de Figueiredo, Carlos Moreira e Cortês Pinto.
Posto o referido projecto de lei à votação, foi rejeitado.
Passou-se seguidamente à discussão do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu sobre a ratificação dos decretos-leis.
Usou da palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 47 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados.

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.

Página 974

974 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 57 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 103.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 103: a p. 952, col. 1.ª, 1. 26.ª e 27.ª, onde se lê: « pelas caixas de tesourarias, devo ler-se: a como caixas do Tesouro».

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado o citado Diário com a emenda apresentada.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Representações

Diversas, com muitas assinaturas, de todos os pontos do País, solicitando uma ampla amnistia aos indivíduos presos por questões políticas e sociais.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos enviados pelos Ministérios da Economia e do Exército em satisfação de requerimentos do Sr. Deputado Amaral Neto; os elementos enviados pela Direcção-Geral das Alfândegas em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Elísio Pimenta; os elementos enviados pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento dos Srs. Deputados Manuel Domingues Basto e Elísio Pimenta, e os elementos enviados pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Cerveira Pinto.
Os elementos citados vão ser entregues aos respectivos requerentes.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Santos Bessa.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: solicitei que me fosse concedida a palavra para chamar a atenção do Governo para o problema deveras delicado da assistência à criança doente no nosso país.
Pareceu-me oportuno fazê-lo agora, depois de a direcção da Sociedade Portuguesa de Pediatria e a direcção da secção de Lisboa da mesma Sociedade terem exposto ao Governo no sentido de ser encarado, com urgência, o problema da hospitalização das crianças doentes nas três principais cidades do continente - Lisboa, Porto e Coimbra. Participei, por força da minha situação na direcção da Sociedade, das diligências efectuadas junto dos membros do Governo a quem mais directamente estão afectos estes problemas. Mas não quero deixar de encarar novamente o assunto como Deputado, cumprindo o dever que me assiste de chamar para ele a atenção dos governantes, já que o reputo essencial, dentro do panorama da nossa política assistencial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Em 1946, na discussão da proposta do Governo sobre a reforma hospitalar, que depois se transformou na Lei n.º 2:011, de 2 de Abril de 1946, defendi e justifiquei perante a Comissão de Assistência e perante a própria Assembleia a criação de três hospitais especializados para assistência às crianças doentes, a instalar nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. A Assembleia aprovou-a porque reconheceu a necessidade de Portugal se integrar na moderna corrente de ideias - cientificas,

Página 975

30 DE ABRIL DE 1951 975

humanas e sociais - que regem a hospitalização das crianças. Reconheceu que aquele novo estatuto, que passaria a reger a nossa política de construções hospitalares, não estaria à altura das nossas responsabilidades se não incluísse o propósito de fazer erigir na terra portuguesa este novo tipo de hospitais.
Novo tipo de hospitais, disse eu! Novo para nós, infelizmente! Mas tão velho já para muitos países da Europa e da América!
Efectivamente, pondo de lado muitas iniciativas que não merecem essa designação, vamos encontrar a criação do primeiro hospital de crianças em Paris, logo no início do século XIX (1802), L'Hospice de l'Enfant Jésus, convertido pouco depois no Hôpital des Enfants Malades, cujas trezentas camas eram exclusivamente destinadas a crianças entre 2 e 15 anos e que foi durante muito tempo o único centro de formação de pediatras, onde se especializaram e fizeram investigações cientificas os que levaram a pediatria francesa a ocupar o primeiro lugar no Mundo, lugar que manteve durante mais de meio século.
A este se seguiu, quase trinta anos depois (1830), na Charité, de Berlim, a criação de um serviço modesto, de trinta camas, para clínica privativa de crianças, tendo anexa uma policlínica. Ali trabalhou Barez e ali fundou, com Romberg, o primeiro jornal de pediatria do Mundo.
Em 1834, em S. Petersburgo; em 1837, em Viena de Áustria; em 1802, na Inglaterra; em 1868, em Buenos Aires; em 1876, em Madrid; em 1891, em Barcelona, etc., foram surgindo os hospitais infantis.
Na mesma corrente de pensamento se integrou Portugal, fazendo construir o Hospital O. Estefania, primitivamente destinado a hospital de crianças.
Infelizmente a ideia acalentada pela rainha foi atraiçoada, e em vez dum hospital de crianças tivemos um hospital de adultos, com serviços que recebiam as mais variadas doenças e onde se encaixaram - graças a Deus! - dois serviços de pediatria! Ali nasceu a especialidade de pediatria em Portugal, mercê das excepcionais qualidades dum grande e saudoso mestre - o Prof. Jaime Salazar de Sousa -, e dali saíram os primeiros que exerceram e difundiram os conhecimentos de puericultura e de pediatria neste país.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além destes dois serviços, criaram-se em Portugal o Hospital Maria Pia, no Porto; o S. Roque, na Misericórdia de Lisboa; uma enfermaria no Hospital Santo António, no Porto; outra nos Hospitais da Universidade de Coimbra; o serviço de pediatria do Hospital Santa Marta; a enfermaria do Hospital S. Marcos, em Braga, e umas poucas pequenas enfermarias nos hospitais das Misericórdias da província!
A Sociedade de Pediatria, cônscia dos seus deveres, entendendo que não deve circunscrever a sua actividade aos problemas da clínica e da investigação científica, vem aberta e francamente para o campo da medicina social, expondo ao Governo este delicado problema e oferecendo a sua colaboração - indiscutivelmente preciosa - para o estudo da sua mais conveniente solução.
Aos que não conhecem ò que tem sido a actividade da nossa Comissão de Construções Hospitalares, criada depois da aprovação da Lei n.º 2:011, a que me referi, poderá parecer estranho que, volvidos cinco anos sobre a aprovação da lei que criou os hospitais de crianças nas três principais cidades do continente, a Sociedade de Pediatria se veja obrigada a representar ao Governo para que seja considerada a construção desses hospitais.
Enganam-se os que possam pensar que naquele sector se não tenha trabalhado com entusiasmo.
É que, provavelmente, o Governo, que ao tempo levava já adiantadas as construções dos grandes Hospitais Escolares de Lisboa e do Porto e que tinha entre mãos os estudos de transformação dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde estão incluídos serviços de pediatria destinados ao ensino da especialidade nas três Faculdades de Medicina, entendeu dar a preferência à construção, transformação e equipamento dos hospitais regionais e sub-regionais e relegar para uma segunda fase os hospitais especializados de doenças infecto-contagiosas e de doenças das crianças.
Efectivamente o trabalho realizado pela Comissão de Construções Hospitalares merece ser destacado, para que o País o conheça e preste aos seus membros a justiça devida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já são mais de cento e trinta os projectos de obras elaborados, quase todos para pequenos hospitais sub-regionais, e cujas obras de comparticipação andam à roda de 60:000 contos. No que respeita a equipamentos de hospitais, andam por cento e cinquenta os que já beneficiaram, em maior ou menor escala, da sua intervenção, cujo valor ultrapassa os 10:000 contos. E em 28 de Maio próximo serão inaugurados vinte hospitais - alguns novos e outros inteiramente remodelados.
Por tudo o que já se fez são devidos a SS. Exas. os Ministros do Interior e das Obras Públicas palavras de louvor e de agradecimento. Quero aproveitar esta oportunidade para apresentar as minhas saudações àqueles dois ilustres homens públicos pela obra que tom realizado em prol da saúde pública, esperando que não esmoreçam no seu entusiasmo, nem consintam soluções de continuidade no plano traçado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas julgo que estamos chegados à altura de encararmos devidamente o estudo e a execução dos hospitais especializados de doenças das crianças previstos na lei.
O panorama da nossa assistência infantil, a despeito de tudo o que se tem feito, é desolador e carece de algumas soluções urgentes. Urgentes, mas bem estruturadas, com bem elaborado plano, com ordenação cuidadosa, com prévia garantia de bom rendimento social dos capitais nelas investidos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E dentro das mais urgentes estão os hospitais para doenças das crianças. Atrevo-me a dizer que é por aí que se deve começar se queremos encarar a sério o problema das altas e vergonhosas taxas da morbilidade e da mortalidade infantis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou em muito boa companhia ao defender este critério.
O segredo da vitória dos outros países neste combate em que nós continuamos na posição de derrotados reside essencialmente na obra admirável dos seus hospitais de crianças, preparando médicos, habilitando enfermeiras e puericultoras, instruindo visitadoras e assistentes sociais, educando as mães e recuperando prontamente os pequeninos doentes.

Vozes: - Muito bem!

Página 976

976 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

O Orador: - Neste campo, como se pode ver pela data da fundação de alguns hospitais infantis que há pouco citei) estamos atrasados de alguns países mais de um século!
Esta acção dos hospitais infantis teve na Inglaterra, como nos demais países, uma acção decisiva, acção que ainda recentemente foi relembrada em Portugal, numa brilhante conferência do Prof. Woncrief. Ali também a assistência às crianças doentes precedeu a criação dos serviços de assistência preventiva, como em outros países da Europa.
E enquanto nesses países que assim procederam as suas taxas de morbilidade e mortalidade infantis baixaram continuamente e são hoje representadas por cifras aceitáveis, no nosso país continuamos agarrados a taxas de mortalidade infantil que são a nossa vergonha, pois mantém-se a taxa de cem mortos no primeiro ano de idade por cada mil nado-vivos, o que quase se pode dizer que é inaceitável em países com a sua estrutura sanitária bem montada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todos esses países da Europa a que há pouco me referi têm as suas taxas muito abaixo de cem por mil, mas nós desde há muito que nos mantemos acima dessa média, naturalmente por termos erros no nosso sistema de protecção à infância.
E aproveito esta oportunidade, em que me estou referindo aos hospitais para crianças, para chamar a atenção do Governo para a organização hospitalar, procurando-se o mais rapidamente possível a solução dos respectivos problemas.
Na verdade, torna-se necessário rever a política da assistência à maternidade e à criança. Além dos Hospitais Escolares de Lisboa, Porto e Coimbra, onde existirão os serviços de pediatria, destinados ao ensino, precisamos de outros hospitais destinados particularmente à assistência à criança quando doente, pois, enquanto os hospitais escolares têm como função aproveitar ao máximo os doentes para recolher os ensinamentos que se torna necessário transmitir aos alunos, os hospitais de função assistencial predominante têm como objectivo primordial recuperar o mais rapidamente, e também o mais completamente possível, as crianças ali internadas.
Torna-se preciso não esquecermos que o rendimento social destes dois tipos de hospitais é inteiramente diferente. Os hospitais infantis devem simultaneamente ser destinados a assistir às crianças, para as recuperar, e ser também centros de investigação científica e de preparação do pessoal.
Aproveito este ensejo para solicitar dos Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas que na revisão dessa política hospitalar se tenha em vista o estudo e a instalação dos três hospitais infantis especializados de Lisboa, Porto e Coimbra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: na legislatura anterior e na actual alguns Deputados e eu, secundados ultimamente pelo Sr. Dr. Pinto Barriga, ocupámo-nos repetidamente da situação dos oficiais e sargentos e dos civis demitidos compulsiva ou voluntariamente por motivos políticos ou colocados em situações de reserva e de reforma muito inferiores às que lhes competiam e percebendo, consequentemente, pensões insignificantes.
Não vou repetir o que então, foi dito, e mais recentemente o Deputado Sr. Dr. Carlos Moreira, com o brilho e a vibração de sempre, e eu dissemos no propósito de pôr em evidência quanto esta lamentável situação representa de desumana e injusta, e singularmente contrasta com os deveres imperiosos de gratidão e reparação moral e material que o Estado Novo contraiu para com eles, seus grandes, seus maiores precursores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contraste agravado com a circunstância de ter sido bem diversa a atitude assumida em relação aos que se revoltaram no 7 de Fevereiro de 1927 contra o Estado Novo, reintegrados no efectivo poucos anos depois e vindo alguns a exercer cargos de confiança nesta situação política.
Para que aquele estado de coisas cessasse e beneficiassem todos os que a isto tinham direito, foi muito ampliada a Lei n.º 2:039, decalcada no projecto apresentado pelo Sr. Deputado Botelho Moniz com a sua costumada galhardia, e, como sabem, desdobrada depois nas Leis n.º 2:040 e nesta, sendo outorgados ao Governo amplos poderes para fazer as reintegrações dos militares e civis demitidos e atribuir aos que se encontram na situação de reserva e de reforma as pensões que lhes são devidas, contando-se o tempo em que estiveram afastados do serviço activo por motivos políticos, como tudo resulta do sen texto, do seu espírito e do debate na Assembleia.
Apoiados.
E como então se salientou, sem dúvida esta deliberação de modo algum veio prejudicar a situação dos militares do efectivo, porquanto todos aqueles, devido à sua idade, ficam na situação de reserva ou de reforma.
Por outro lado, não foi excluída a possibilidade de o Governo resolver casos concretos especiais, porventura revelados, sem que a justiça e a reparação geral sejam afectadas, pelo menos, sob o aspecto moral e material.
De outro modo estabelecer-se-iam excepções contra uns que só tinham a perder por causa de outros que nada tinham a lucrar. Isto é, manter-se-ia para os primeiros grande parte do castigo que sofrem há mais de trinta anos, que, estou certo, os segundos são os primeiros a não desejar ver mantido.
Apoiados.
Mas está decorrido quase um ano após a promulgação da Lei n.º 2:039 sem que fosse possível dar-lhe execução.
Perdão! Foi executada desde logo a favor daqueles a quem, em principio, não se destinava: os comunistas! Na verdade, os tribunais tiveram de aplicá-la imediatamente nos processos em que estes não estavam incriminados pelos casos excepcionados nas disposições do artigo 1.º e seus parágrafos.
Porém, não é justo censurar o Governo pela demora havida.
Sabemos que o Governo diligencia recuperar o tempo perdido e estudou e deu andamento rápido a centenas de processos relativos aos militares e civis abrangidos nesta lei.
E estes esforços trazem-nos a segurança de que não passará a data em que a Revolução Nacional completa um quarto de século sem que o Governo tenha dado ampla execução à Lei n.º 2:039, votada nesta Assembleia por uma unanimidade expressiva e nobilitante.
Infelizmente, o luto da Nação não permite que os actos que se destinam a comemorar aquela data gloriosa revistam o carácter solene e festivo que se planeava; mas, por maioria de razão, a execução imediata e ampla desta lei será o mais dignificante e magnânimo dos actos que assinalam o 25.º aniversário da Revolução Nacional e o mais grato ao sentimento dos Portugueses, como, se Deus o houvera permitido, o seria ao coração generoso do falecido Marechal, que, ao subscrever a Lei n.º 2:039,

Página 977

30 DE ABRIL DE 1951 977

deve ter experimentado um dos momentos mais felizes da sua longa vida, consagrada ao bem e à união de todos os Portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E tenho como certo que ao nobre Presidente do Conselho, investido agora nas funções de Chefe do Estado, muito grato é também subscrever, aos vinte e cinco anos da Revolução Nacional, um acto de reparação e de justiça para aqueles que também há vinte e cinco anos o aguardam digna e resignadamente, perdoando a ingratidão dos homens e - quantos e quantos deles! - mantendo-se ainda nas primeiras linhas de defesa do Estado Novo. Portugueses, sempre portugueses!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muitos morderam o pó nos combates pela Grei, alguns ficaram inválidos e outros experimentaram longamente as agruras do exílio.
Estas minhas palavras guardei-as intencionalmente para o encerramento da sessão legislativa, porque aguardava a todo o instante uma boa nova; mas, felizmente, já não carecem de ser de apelo, nem sequer de incitamento: são a afirmação antecipada de uma certeza; e por ela rendemos homenagem ao Governo, e a Deus as nossas graças!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: quando em 7 de Março do corrente ano tive a honra e fazer uma intervenção antes da ordem do dia sobre a situação angustiosa e injusta do pessoal dos museus no caso de aposentação, em que se não conta o tempo de serviço anterior a 1935, não obstante terem cumprido, por seu lado, todas as formalidades legais para adquirir esse direito, julguei ocupar-me de um caso único no mundo das injustiças humanas.
E até estava convencido de que a questão interessava a um número muito limitado de funcionários, porquanto, tratando-«e de um serviço restrito e mal fornecido em número de funcionários, sabia existirem apenas menos de uma dúzia de sobreviventes dos nomeados anteriormente a 1935.
Não obstante o número de vítimas ser escasso, o ateio de injustiça que os atinge é tão desumano e gritante que não hesitei em o apresentar a esta Assembleia, porque o direito e a justiça não se medem em casos destes pela quantidade, mas, sim, pela qualidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com enorme espanto meu vim a saber por informações absolutamente fidedignas que o fenómeno aberrativo da limitação do direito à aposentação por todo o tempo que o funcionário prestou ao Estado em serviços de cargos de nomeação definitiva e de serventia vitalícia e com todas as exigências do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26:503, de 6 de Abril de 1936, atinge numerosos funcionários de vários departamentos oficiais.
Assim, além do pessoal dos museus, há a apontar:

a) O pessoal dos Institutos de Medicina Legal de Coimbra e Porto.
Este caso é tão chocante quanto é certo que ao pessoal do Instituto de Medicina Legal de Lisboa foi consignado o direito à aposentação desde a entrada em serviço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dá a impressão de se tratar de país diferente, quando os serviços são da mesma natureza.

arece que, por lapso, no Decreto n.º 5:023, que criou aqueles dois institutos do Norte, não figura expressamente a cláusula do direito à aposentação.
Foram mais felizes os funcionários do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, criado pelo Decreto n.º 4:808, porque essa indicação não foi esquecida.
b) Pessoal menor da Escola do Magistério Primário do Porto.
A estia categoria de funcionários não tem sido ultimamente contado o serviço anterior a 1935 (Decreto-Lei n.º 26:115), com a alegação de que não requereram a contagem do tempo prestado antes.
Ora, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 26:503, só era obrigatório requerer, no prazo de cento e oitenta dias, a contagem de serviço prestado ao Estado pelo qual não tenham contribuído para a sua aposentação.
Como se compreende, porém, a recusa de contagem de serviço se todos estes funcionários estavam já inscritos na Caixa Geral de Aposentações e tinham liquidado as suas quotas desde o início das funções respectivas?.
De resto, alguns funcionários tinham já sido aposentados nos termos normais, quando surgiu ultimamente esta interpretação (restritiva.
c) Vigilantes das antigas escolas infantis do Porto, actualmente 'em serviço na Obra das Mães pela. Educação Nacional (comissão distrital do Porto).
Tinham eido estas escolas infantis criadas pela Câmara Municipal do Porto e passaram para o Estado quando da centralização do ensino primário, sendo mantidos ao pessoal todos os direitos e deveres que lhe eram atribuídos até então, inclusive o de pagar, como sempre pagou, a quota respectiva para a Caixa de Aposentações.
Com o Instituto de Odivelas, onde existiu caso idêntico, foi remediado pelo Ministério da Guerra com o Decreto n.º 35:186, de 24 de Novembro de 1945, que concedeu ao pessoal a contagem «de todo o tempo de serviço oficial.
Como se compreendem estas anomalias, em que se fundamentam estas injustiças, que, como disse em 7 de Março e agora reforço, bradam clamorosamente aos céus?
E claro que os serviços responsáveis se têm de limitar à execução fria das leis, sem curar dos dramas e até tragédias que sei se têm produzido com o desespero dos atingidos tão duramente.
E parece não haver dúvidas de que há falhas nas leis especiais de alguns departamentos do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso estou convencido de que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 26:503 basta para assinalar o direito à aposentação de todos os funcionários de qualquer categoria ou departamento do Estado, por isso que o referido artigo começa por afirmar categòricamente:

Têm direito à aposentação todos os funcionários e empregados civis do Estado que ocupem, mediante nomeação definitiva, cargos de serventia vitalícia ou de comissão, e todos os contratados e assalariados que façam parte dos quadros civis dos estabelecimentos e serviços do Estado constantes da lei ou aprovados pelo Ministério competente, com o acordo do Ministro das Finanças, qualquer que seja a sua organização e natureza, desde que uns e outros sejam abonados por força de verbas

Página 978

978 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

inscritas, ainda que globalmente, no Orçamento Geral do Estado ou nos dos serviços e organismos autónomos.
Que mais é necessário, desde que se verifiquem estas condições claras e taxativas?

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Para quê a exigência de que cada lei reguladora dos serviços de cada Ministério refira o direito à aposentação, quando este direito está estabelecido na lei geral da aposentação?
Para quê restringir o princípio que o Estado tão generosamente e tão latamente definiu naquele artigo 1.º?
Se, apesar de tudo, tanto for necessário, que se publiquem, pelos Ministério(r) da Educação Nacional, da Justiça ou das Finanças, as disposições legais que de uma vez para sempre resolvam as apontadas e iníquas situações de aposentados.
Para os Srs. Ministros em referência eu apelo, em nome dos visados, na certeza de que a solução conveniente e justa surgirá dos seus esclarecidos cérebros e dos seus humanos corações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Vaz:- Sr. Presidente: a circunstância de ter sido eleito por uma região onde nasceram, viveram e morreram os antepassados dó Sr. Marechal Carmona e nela residir impõe-me o dever de testemunhar, juntamente com a minha, a profunda mágoa que o brusco desaparecimento do venerando e saudoso Chefe do Estado deixou na alma das gentes de Trás-os-Montes e da cidade onde passou a sua infância e o tempo melhor da sua mocidade.
Preferia, confesso, ficar-me antes num recolhido silêncio, relembrando a memória do Chefe que a morte levou e do Amigo, muito respeitado, que desapareceu, mas sinto que não devo fazê-lo hoje, tanto mais que suponho não poder assistir à próxima sessão.
E por esta razão, na consciência da humildade do meu preito, é que me atrevo a quebrar o silêncio com algumas palavras singelas, de comovida saudade.
Foi grande a perda que a Nação sofreu, e da sua grandeza ela teve a consciência plena. E que ele, compreendendo a alma da Pátria, identificou-se com ela nos seus anseios e tudo fez para realizar-lhos. Serviu-a nobremente, com fidalga distinção, com abnegado sacrifício, na dádiva total de toda a sua vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a servi-la morreu.
Mas se o Chefe que tombou, exausto, no seu posto compreendera a Nação, esta por sua vez compreendeu-o também.
E dedicou-se-lhe, cheia de respeito, respeito que se fez veneração, respeito que se tornou amor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nem podia deixar de ser assim. Todas as altas virtudes da Baça congregavam-se no seu Chefe; e fizeram-no o homem, simples, modesto, duma distinção natural e duma bondade irradiante, que a todos cativava; o soldado gentil que devotara a sua vida ao serviço da Pátria e com religioso escrúpulo cumprira o juramento feito, na inalterável fidelidade aos ditames da honra, sobretudo na angústia das horas amarguradas em que a Pátria se encontrava doente.
Na corajosa afirmação desta verdade, a Nação encontrou-o; e ele encontrou-se com a Nação. Desde esse momento foi o eleito. E o soldado que detestava a política fez-se, por amor dela, político.
E que grande político foi! Conquistou, nas relações externas, um prestígio raras vezes atingido; na vida interna, um respeito que era veneração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E tudo isto conseguido com sóbria dignidade, sem espaventosas exibições, com nobre simplicidade, a nobreza singela das grandes almas.
O objectivo dessa política foi a unidade da família portuguesa, sem a qual seria impossível construir o Portugal de agora, então sonho seu e sonho nosso.
Bendito seja Deus, que o sonho fez-se realidade!
Esta foi a lição da sua vida: viver perpetuamente o sonho da grandeza da Pátria, na união de todos os seus filhos, e realizá-lo na perseverante confiança da sua verdade indiscutível.
Se o soldado cumpriu o seu dever, servindo a Nação, o político não falhou, continuando a servi-la abnegadamente.
A sua vida é um exemplo para todos nós, para o País inteiro, e resume-se nesta simples frase: servir e servir bem.
A sua morte é uma voz de comando - a sua última voz de comando - e traduz-se anima palavra única: a União».
Que a Nação a escute e, escutando-a, obedeça.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Teixeira: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Roqueiro que pelo departamento competente do Ministério da Economia me sejam fornecidos os seguintes elementos:

a) Número de pedidos formulados com vista ao plantio da vinha a partir do ano de 1943;
b) Nota especificada da sua procedência;
c) Indicação da quantidade de bacelos cuja plantação foi solicitada;
d) Percentagem de deferimento dos pedidos referidos, destacando-se a proporção em que ele se verificou relativamente a cada um dos concelhos do País.
Sr. Presidente: junto a minha voz e o meu apelo à voz criteriosa e ao apelo veemente de alguns Srs. Deputados que se manifestaram já no sentido de que venha a esta Assembleia, para que a apreciemos, discutamos e votemos, a proposta de lei sobre o plantio da vinha, já que o seu conteúdo interessa substancialmente à vida económica do País inteiro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Repito, Sr. Presidente, que o mais alto interesse da economia da Nação justifica, fundamenta e legitima esta pretensão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Página 979

30 DE ABRIL DE 1951 979

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro, sobre a pulverização da propriedade rústica. Vai ser publicado no Diário das Sessões e seguir para a Câmara Corporativa e para a nossa Comissão dê Legislação e Redacção.

O Sr. Sá Carneiro:- Sr. Presidente: o pequeno projecto de lei que apresentei procura resolver com equidade um problema muito nortenho - o da dispersão dos prédios do mesmo proprietário.
Por experiência própria sei quantos trabalhos e quanta despesa tem de fazer aquele que, no natural desejo de pôr termo a encraves, se vê obrigado a gastar muito dinheiro e despender esforços sem conta para conseguir - quando consegue!- comprar ou trocar pequenos bocados de terra que lhe são indispensáveis ou, pelo menos, convenientes.
Como pequeno lavrador minhoto, onde as dezenas de hectares correspondem mais ou menos aos milhares das regiões do Sul, tenho logrado resolver os meus problemas territoriais.
Todavia, regiões há em que a teimosia e a emulação obstam às naturais trocas e vendas; e muitas suposições me foram apresentadas por proprietários que se vêem impedidos de obter acordos que lhes permitam solucionar os seus casos.
Com. esse objectivo procurei estabelecer disposições que tornem obrigatórias as trocas e, em casos restritos, as vendas.
Aproveitei o ensejo para promover a regulamentação do Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, confiando-se à Junta de Colonização Interna a tarefa do emparcelamento nas regiões onde o mesmo seja possível. Sei que essa Junta, à qual muitos benefícios deve a lavoura portuguesa, tem estudado alguns emparcelamentos, sobretudo em Trás-os-Montes. E inútil se torna salientar os benefícios que para a economia nacional advirão de uma criteriosa divisão das propriedades, com exploração racional de águas e um traçado perfeito dos caminhos.
Aproveito esta ocasião para aludir ao problema candente das veleidades expansionistas de Mesão Frio.
Na sessão de 12 do corrente prometi voltar ao assunto, pois os únicos elementos de que dispunha eram o próprio discurso do Sr. Deputado Carlos Moreira e o telegrama do Sr. Presidente da Câmara de Baião, onde se aludia a falsidades (por manifesto lapso no Diário das Sessões lê-se facilidades) de exposições que a Câmara de Mesão Frio dirigiu a S. Ex.ª o Ministro do Interior.
Depois disso têm-se recebido na Mesa diversos telegramas em prol e contra Baião. E até o regedor da freguesia de Teixeira informa que assinou o telegrama de apoio à anexação das freguesias em causa ao concelho de Mesão Frio, coagido pelo presidente da Câmara deste concelho e declarando que discorda dessa anexação.
Os Deputados do distrito do Porto têm recebido inúmeros telegramas em defesa dos direitos ameaçados de Baião.

O Sr. Carlos Moreira:- V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu desejava apenas perguntar a V. Ex.ª, para minha elucidação e da Câmara, qual foi a urdidura para que o regedor de Mesão Frio viesse agora pedir coisa diferente da que havia pedido.

O Orador:- Eu sei apenas o que vem no Diário das Sessões.
E muitos telegramas me foram dirigidos, alguns impressionantes, como o de um operário que declara ter nascido e querer morrer baionense. Afirmei eu que Mesão Frio só agora, volvidos cento e catorze anos sobre a perda de cinco freguesias, quebrara o seu silêncio, pois não tinha notícias de qualquer protesto de Mesão Frio.
Posteriormente soube que, a afirmar isso, estava em muito boa companhia, pois o Sr. Presidente, da Câmara de Mesão Frio, na exposição dirigida ao Ministério do Interior, afirma que desde 1837 «sem reacção daqueles a quem de então para cá tem competido a legítima defesa dos interesses concelhios, assim se tem mantido a arbitrária decisão».
No entanto, em apoio insuspeito à minha conjectura, por amor à verdade, sou forçado a rectificar, visto que Mesão Frio, no decurso dos últimos cento e tantos anos, fez, pelo menos, três infrutíferas tentativas para obter aquelas cinco freguesias, uma quando presidente da Câmara Municipal de Baião o saudoso conselheiro Alexandre Cabral, pai do actual e ilustre presidente desse Município; outra em 1920, no tempo em que presidia à Câmara o meu querido amigo Álvaro Monteiro de Queirós, que nesta Assembleia conta muitas simpatias, e, finalmente, em 1936, sendo presidente o Dr. José Augusto Pinto da Silva, que hoje preside à comissão concelhia da União Nacional.
Após três derrotas, volta Mesão Frio a insistir na sua pretensão.
Não se cuide, porém, que o pensamento expansionista do Sr. Presidente de Mesão Frio se limita a Baião; S. Ex.ª é insaciável.
Fez já uma tentativa, também gorada, para arrebatar a importante freguesia de Sedielos à Régua, onde esse presidente é conservador do Registo Civil. Isso motivou justificados protestos da Régua, chegando a haver uma reunião pública, cujos resultados fizeram com que aquele ilustre homem público chegasse a temer ntaques ao seu físico. E o argumento invocado relativamente a Sedielos era o de já ter pertencido a Mesão Frio, quando isso aconteceu há mais de meio século e apenas durante um ano, que não deixou saudades aos sedielenses.

O Sr. Avelino de Campos: - Mas não está em causa a questão da Régua.

O Orador:- Está em causa o pensamento de Mesão Frio.

Quanto às freguesias de Teixeira, Teixeiró, Tresouras, Loivos da Ribeira e Frende invoca-se a circunstância de durante séculos, desde a fundação da nacionalidade e até 1837, terem estado também no concelho de Mesão Frio.
Ora a Câmara de Baião nega que isso seja exacto, afirmando que jamais essas freguesias deixaram de estar incorporadas no seu concelho. E invoca o testemunho do reverendo António Carvalho, que na sua Corografia Portuguesa, publicada no princípio do século XVIII, menciona essas freguesias como integradas .no concelho de Baião.
É que elas ficam em região completamente diversa do concelho de Mesão Frio: pelas suas culturas, clima, costumes, etnografia e pela própria índole dos seus habitantes são parte integrante do concelho de Baião, ao qual, exceptuada Tresouras, estão ligadas por estradas fracionais ou municipais.
Se Mesão Frio é, como diz o presidente da sua Câmara, concelho territorialmente pequeno, com exígua população e sem condições de vida própria, ou se extingue ou pelo seu trabalho deve criar condições de (existência. A custo, dos concelhos vizinhos é que não deve engrandecer-se!
Não duvidamos do que o Sr. Presidente da Câmara de Mesão Frio modestamente a firma: que esse concelho tem hoje quem o represente e saiba defender».

Página 980

980 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

Pelo visto, em tantos séculos de existência, pela primeira vez Mesão Frio encontrou o seu heróico mantenedor e alargador, o seu «infante», como já foi apodado.

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-me licença?
É sòmente para focar este ponto: o que realmente faltava era um espírito
heróico, como o desse presidente da Câmara, para se bater pelo seu concelho.

O Orador: - Praza a Deus que a teoria do espaço vital - que, pelo visto, Mesão Frio professa - não conduza tal concelho à aventura inglória em que outros conquistadores (fizeram embrenhar os seus povos.
Baião apenas deseja a paz e só defende a integridade do seu concelho, opondo-se vivamente a que cinco freguesias que o compõem mudem de concelho, de distrito, de província, de comarca e até de diocese.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Avelino de Campos: - Sr. Presidente: finalmente, embora a propósito de assunto diferente, com o qual, aliás, concordo inteiramente, e depois de documentado o melhor possível, acaba o Sr. Deputado e ilustre advogado portuense Sá Carneiro de trazer a esta Assembleia as razões de Baião, concelho do distrito do Porto, em defesa de um ponto de vista que se opõe ao de cinco freguesias desse concelho que pretendem ser integradas no concelho de Mesão Frio.
Os fundamentos dessa pretensão já aqui foram expostos muito brilhantemente pelo Sr. Deputado Carlos Moreira, não lhes opondo o Sr. Deputado Sá Carneiro nas suas charlas - passe o termo mais uma vez - da sessão de 12 deste mês e da de hoje argumentos nem razões que convençam.
Vistas bem as coisas, não são os interesses de Baião e Mesão Frio que estão em causa, mas sim os interesses dos povos de cinco freguesias.
Esta Assembleia sabe já, sabe-o também o Sr. Ministro do Interior, quais as razões das cinco referidas freguesias, razões aliás tão fortes e tão decisivas que implicaria uma verdadeira injustiça não dar às suas pretensões completa satisfação.
E não se estranhe, como o estranhou ma sessão do dia 12 o Sr. Deputado Sá Carneiro, que durante cento e catorze anos os povos dessas cinco freguesias se tenham mantido «conformados e quedos», pois, em boa verdade, esses povos não se mantiveram conformados nem, muito menos, quedos.
Assim, já em 1879 a freguesia de Teixeira representou ao Governo de então a sua anexação a Mesão Frio e igual representação dirigiu em 1926; em 1920 a freguesia de Teixeiró mobilizou todas as suas forças vivas e preparou um referendo, que não chegou a realizar-se, a fim de os seus eleitores se pronunciarem sobre a anexação a Mesão Frio.

O Sr. Sá Carneiro: - Quem afirmou que não havia reclamações foi o presidente da Câmara de Mesão Frio.

O Orador: - Isso vem completar o que V. Ex.ª disse.
As restantes freguesias pronunciaram-se todas no sentido da anexação de Mesão Frio, designadamente em 1926, por meio de uma representação dirigida ao então presidente da Câmara Municipal desse concelho Sr. Dr. Bonifácio da Costa, hoje O Juiz de Direito na comarca de Mafra, que corrobora em carta dirigida ao nosso colega e ilustre Deputado Carlos Moreira o imperioso desejo desses povos de pertencerem a Mesão Frio.
Em 1931, 1935 e 1939 as referidas freguesias voltaram à carga, sem contudo conseguirem atingir o seu objectivo.
Pode, pois, dizer-se que essas freguesias ficaram «conformadas e quedas», dormindo profundamente, durante cento e catorze anos? Parece que não, e provo-o com documentos que possuo.
E, a propósito, tenho à mão um velho recorte de jornal, O Baionense de 3 de Abril de 1920, que em artigo de fundo ataca as pretensões das cinco freguesias e que é típico como processo jornalístico naqueles tempos de desordem nas ruas e nas consciências: não produz um argumento, não dá uma razão, limita-se a desancar, em prosa, aliás, pouco escorreita, os homens de Mesão Frio, de Teixeira, de Teixeiró e das restantes freguesias que já então tão justamente pretendiam defender os seus direitos.
Sr. Presidente: chegou ao meu conhecimento que o presidente da Junta de Teixeira e o regedor de Teixeiró enviaram telegramas a protestar contra a anexação a Mesão Frio. O valor desses protestos parece-me inteiramente nulo, não só porque só por si estão longe de representar a vontade dos povos dessas freguesias, mas até pelo carácter suspeito que esses protestos revestem, tanto mais que a percentagem da população da primeira destas freguesias que pretende a sua anexação a Mesão Frio, e expressa pelas assinaturas da respectiva petição, é de 81 por cento e a da segunda de 70 por cento, devendo esclarecer-se que, dada a dispersão dessa população em muitos lugarejos e casais, não foi possível obter uma percentagem de 100 por cento, como aconteceu com a freguesia de Loivos da Ribeira.

O Sr. Cerveira Pinto: - V. Ex.ª dá-me licença? Mas se Mesão Frio não tem condições de vida, não acha melhor dividi-lo por Baião e pela Régua?

O Orador: - Quem não tem condições de vida, na situação em que estão, são as cinco freguesias.
Fala-se em coacção, insinuam-se outras torpezas de igual calibre, e o certo é que se fica sem saber quem exerceu essa coacção: o presidente da Câmara de Mesão Frio? Certamente que não, pois a sua jurisdição não abrange ainda as cinco freguesias em vista; a sua autoridade sobre os seus órgãos administrativos e sobre a sua população é, portanto, nula.
A não ser que essa coacção seja física; mas não me consta que as autoridades dessas freguesias ou qualquer dos peticionários da anexação se tenha queixado de espancamentos ou outras sevícias ... Fica-nos, portanto, a certeza de que, se houve coacção, não foi positivamente de Mesão Frio.
Para terminar, não quero deixar de ler um telegrama da Junta de Freguesia de Gestaçô, não incluída na petição dirigida ao Sr. Ministro do Interior, e que, por isso mesmo, tem um significado muito especial.
É do teor seguinte:

Gestaçô saúda Deputado Carlos Moreira, lamenta não tivesse incluído passagem Mesão Ferio, porquanto tem povos a dez minutos daqui e a 20 quilómetros de Baião, repudia afirmações Deputado Sá Carneiro por inexactas. Alexandre Costa.

E ainda uma passagem de uma exposição devidamente autenticada dirigida ao Sr. Deputado Carlos Moreira pela Junta de Freguesia de Frende e assinada por todos os seus membros, que serve para ilustrar as afirmações aqui já produzidas por este nosso ilustre colega:

Vamos falar sobre meios de transporte: por via terrestre, a pé, de Frende a Baião (ida e volta) são oito horas, atravessando serras e sujeitos a to-

Página 981

30 DE ABRIL DE 1951 981

das as intempéries. Meio de transporte utilizando o comboio: saída de nossas casas às 6 horas, para entrarmos no comboio que parte da estação de Porto de Bei às 6 horas e 40 minutos; chegada à estação de Mosteiro às 7 horas e 10 minutos. Nesta estação esperamos uma hora pela camioneta que faz carreira de Cinfães ao Porto às 8 horas; seguimos neste meio de transporte até Eiriz, e desta localidade até Baião somos obrigados a percorrer a pé a distância de 7 quilómetros. Na volta não há meio de transporte, a não ser que se alugue um automóvel - 50$ de Baião a Mosteiro -, e, não havendo dinheiro temos de vir a pé 14 quilómetros.
Estes os dizeres da gente de Frende.
Por tudo isto não parece que seja Mesão Frio que está levantando uma questão por mero capricho ou simples vanglória de alargamento territorial. Parece, sim, que Baião se está opondo, sem razoes e sem rumo, às legítimas aspirações dos povos, e isto a poucas semanas de vista de uma discussão nesta Casa em volta do diploma que reforma as conservatórias e notariado, em que os interesses dos povos e até as suas comodidades foram defendidos por quase todos os Deputados que nela intervieram.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte

Requerimento

Nos termos constitucionais e regimentais, roqueiro
Se, pelo Ministério da Educação Nacional e respectiva Direcção-Geral do Ensino Superior, me seja fornecida nota estatística discriminada dos professores e assistentes a quem, nos termos do artigo 31.º do Decreto n.º 26:175, n.º 2.º do § 3.º do artigo 25.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado e circular n.º 9 dessa Direcção-Geral, foi concedida autorização para exercer funções estranhas a esse Ministério e daqueles a quem a respectiva autorização foi negada.
Roqueiro também, especificamente, que me sejam discriminadas as autorizações e sua denegação pelos seguintes grupos de funções: públicas, profissões liberais e actividades privadas.

O Sr. Presidente:- Está na Mesa um projecto de lei do Sr. Deputado Pinto Barriga destinado a limitar as remunerações dos membros dos corpos gerentes das empresas em que o Estado tenha comparticipação ou de que possua acções.
Vai ser publicado no Diário das Sessões e seguir para a Câmara Corporativa e para a Comissão de Legislação e Redacção.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto de lei de alteração à Constituição do Sr. Deputado Carlos Moreira e outros Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.

O Sr. Alberto de Araújo:- Sr. Presidente: o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, em aparte ao magnifico e formoso discurso do Sr. Deputado Cortês Pinto ontem proferido nesta Assembleia, disse que, trabalhando na D. C. T.
numa terra bem próxima do continente, em que muito se falava uma língua que parecia estar na moda, viu-se na necessidade de dizer para se modificar esse mau procedimento, melhor, essa antipatriótica atitude.
E afirmou então: «Não desejo andar com um dicionário na mão para me fazer compreender na minha própria terra».
Não disse o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes a que terra se referia, mas todos os que o ouviram depreenderam que aludia à nossa ilha da Madeira.
Embora tenha pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes o apreço que lhe devemos pela sua coragem e valentia, não posso deixar passar sem reparo e sem protesto as palavras por S. Ex.ª ontem proferidas nesta Câmara.
A Madeira é uma terra bem portuguesa e entre portugueses nenhuma outra língua ali se fala que não seja a língua da nossa pátria.
Há, evidentemente, uma parte da população, e que é aquela que vive mais em contacto com a indústria de turismo, que fala ou compreende diversas línguas estrangeiras. Mas esse facto nada tem de depreciativo nem de censurável, antes constitui um indício de educação e de cultura.
Desta Câmara fazem parte algumas personalidades que a Madeira tem tido toda a honra de acolher com a hospitalidade que é sua norma e com a gentileza que é seu timbre. Não creio que nenhuma delas tenha tido alguma vez necessidade de socorrer-se de qualquer dicionário para se fazer compreender nem para exprimir o seu reconhecimento pela forma como a Madeira sabe receber os que a visitam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A ilha que no passado foi berço operoso de heróis e missionários, de marinheiros e soldados da categoria de João Fernandes Vieira, que nos tempos mais recentes continua dando contribuição valiosa à colonização do nosso império e ao seu progresso material e espiritual, em grande parte conduzido em África por madeirenses ilustres, uma terra onde nasceram homens da estatura de Aires de Orneias não pede, não precisa, nem aceita lições de patriotismo.
Recordo neste momento e neste lagar duas grandes manifestações contemporâneas da alma madeirense, bem expressivas da sua fé e do sen nacionalismo. Uma, a apoteose à imagem de Nossa Senhora de Fátima-a mais bela, a mais impressionante de todas que lhe têm sido porventura dispensadas sob este céu magnífico de Portugal.
Não houve madeirense que não se congratulasse, coração que não se enchesse de júbilo, lar, por mais humilde, onde à noite não desabrochasse uma luz para saudar essa mensageira sublime da Paz e do Amor. Outra, a recepção ao Chefe do Estado quando, a caminho de África, visitou, em 1938, aquela nossa linda ilha atlântica. Não podem facilmente esquecer-se essas horas culminantes de exaltação e de orgulho patriótico, a figura gentilíssima do marechal Carmona, as aclamações que lhe foram dispensadas, o entusiasmo constante que o cercou, as flores que o cobriram, essas mesmas flores que há poucos dias ainda as autoridades, as senhoras, o povo da Madeira espontânea e sentidamente enviaram para que, com a sua comovida saudade, acompanhassem esse ilustre militar e grande português - símbolo perfeito das mais altas virtudes de uma pátria renascida.- na sua última jornada deste Palácio soberano para os Jerónimos gloriosos o eternos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Página 982

982 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: se alguém tivesse dúvidas de que na Madeira a língua portuguesa se cultivava, e bem, bastaria ouvir o Sr. Deputado que acaba de falar para as destruir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Quem conhece o Sr. Deputado Alberto de Araújo, na fluência com que expõe, na eloquência brilhantíssima com que encanta quem o ouve, fica logo sabendo que na Madeira se presta culto à nossa língua.
Mas o problema não é esse, não é isso que está em causa. O que pretendi dizer, recordando a montagem da D. C. T. na Madeira, é que tive ocasião de verificar
que aí não era devidamente acautelada uma das coisas que representa parcela sagrada da vida portuguesa - a nossa língua.
O que verifiquei naquela terra?
Entrei num hotel e a ementa estava escrita em inglês; entrei em estabelecimentos em que só inglês se falava; vi dísticos em várias partes só em língua inglesa; enfim, tudo contrário a disposições legais, pois é de lei que onde haja indicação em qualquer língua estranha não falte também na língua portuguesa.
Tratei de pedir às autoridades o cumprimento da lei, e limitei-me a dizer que, na verdade, embora sendo a Madeira uma região de turismo, não era de forma alguma aconselhável tal procedimento, tão contrário ao sentido da D. C. T.
Foi nessas condições que quis fazer sentir quanto me chocou o que vi, e disse então que não queria andar com um dicionário na mão para me fazer compreender na minha terra.
Sr. Presidente: não quis senão colaborar com quem tão alto pretendeu pôr a língua portuguesa como coisa sagrada, que é preciso acautelar e defender - não quis senão ilustrar a lição dada pelo Sr. Deputado Cortês Pinto, apontando factos da minha vida de soldado, pois na conjugação de tudo o que é sagrado não pode deixar de figurar a Língua como trave mestra da vida da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: depois do notável parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto em discussão, e depois dos discursos não menos notáveis dos Srs. Deputados Carlos Moreira e Cortês Pinto sobre o mesmo projecto, poderá parecer estranho que eu use da palavra. Mas uso da palavra para dizer que a questão, como foi versada por aqueles Srs. Deputados, não oferece nenhuma dificuldade à adesão de toda a gente.
Todos nós aderimos, na verdade, a que é indispensável, tem sentido, impõe se ao Estado organizar e fazer a protecção e defesa da Língua, mas creio que isso não é a questão que o projecto suscita. A questão que o projecto suscita é outra: é se deve constar doma disposição constitucional a afirmação pura e simples da defesa e protecção da Língua. Todos estamos de acordo em que deve fazer-se essa defesa e essa protecção. Mas o facto de todos estarmos de acordo conduz a que deve inscrever-se na Constituição uma disposição que não consagra mais nada do que isto: defesa e protecção da Língua?
É, suponho, o problema que interessa.
Eu entendo que, realmente, não deve figurar na Constituição, pelo menos nos termos em que foi enunciada no projecto, a defesa e protecção da Língua, porque esta fórmula não tem, para me servir de uma expressão já ontem usada pelo Sr. Presidente, conteúdo legislativo.
Esclareço o meu pensamento:
Compreendo que nas constituições, sobretudo de um estado cujas instituições estão em evolução, se consignem disposições que, embora não tenham conteúdo nitidamente definido, marcam uma corta orientação política. Mas a disposição do projecto que estamos a discutir não marca nenhuma orientação política para o Estado, não aponta para nenhum processo utilizável dirigido a, por meio dele, se fazer a defesa e protecção da Língua.
Exprime um puro anseio: é preciso fazer a defesa e protecção da Língua - e todos estamos de acordo com ele; não há dúvida nenhuma de que isso corresponde a alguma coisa que se impõe a nós todos e que se impõe ao Estado. Mas em que sentido? Como? Que orientação política é que se marca neste projecto? Nenhuma.
Portanto, se entendo que nas constituições do tipo da nossa Constituição são admissíveis disposições que enunciem princípios gerais desde que apontem para uma certa orientação, entendo também que esta não aponta para orientação nenhuma; não tem conteúdo legislativo nem sentido constitucional que aponte para esse conteúdo.
Este um aspecto.

O Sr. Délio Santos: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu queria ver se compreendia duma maneira completa o raciocínio que V. Ex.ª está a esboçar perante nós, mas sinto uma certa perplexidade, que resulta do seguinte: é que, quando na Constituição se faz uma afirmação relativamente, por exemplo, ao território, dizendo que o território da Nação Portuguesa é intangível, inalienável, também me parece que se trata de uma afirmação vaga.

O Orador: - Trata-se de uma afirmação que diz o seguinte: por lei ordinária não pode ser alienada qualquer parcela do território português, no que respeita aos direitos de soberania.

O Sr. Délio Santos: - Porque se considera que o território é um bem nacional de tal natureza que não deve ser alienado.
Ora, fazendo um raciocínio paralelo, entendo que a Língua é um bem mais precioso que o próprio território.
Apoiados.
E por isso temos obrigação de consignar na Constituição o princípio de que o Estado deve defender um outro bem que ainda é superior a esse.

O Orador: - O exemplo de V. Ex.ª não foi bem escolhido, porque a aspiração de todos os que pretendem a defesa da Língua é a sua difusão ao máximo, é aliená-la, no sentido de encontrar formas de condomínio.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Não se trata de condomínios, mas de irradiação da Língua.

O Orador: - E porque não condomínios?

O Sr. Mário de Albuquerque: - Só no sentido filológico é que podemos aplicar à utilização da nossa língua por estrangeiros o termo condomínio: no sentido político ele só é aplicável à unidade espiritual Portugal-Brasil.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª pedia, em relação ao aparte do Sr. Deputado Délio Santos, uma informação mais concreta.
Se me permite, eu forneço-a a V. Ex.ª o artigo 40.º da Constituição diz assim:
«É direito e obrigação do Estado a defesa da moral, da salubridade, da alimentação e da higiene pública».

O Orador: - Isso tem um sentido nítido: aponta para uma orientação política.

Página 983

30 DE ABRIL DE 1951 983

Quando se diz a moral, quer dizer-se os princípios da moral, e sabe-se a moral para que se aponta e que é perfeitamente definida.

O Sr. Carlos Moreira: - Hás que também não está na Constituição.

O Sr. Cortês Pinto: - Tal e qual como na Língua.

O Orador: - Continuando. Outra consideração sugeriu-ma o notável parecer da Câmara Corporativa, e é a seguinte: a matéria da defesa da Língua é considerada no projecto em termos paralelos daqueles em que é considerada no Acordo Luso-Brasileiro.

O Sr. Carlos Moreira: - Acordo Ortográfico...

O Orador: - A nota foi feita em surdina, mas consegui ouvi-la. E peço desculpa para observar que não estou fora do terreno e disse bem quando afirmei que o Acordo não é, como resulta do parecer da Câmara Corporativa, exclusivamente, ortográfico. Digo mais: é que o Acordo resulta alguma coisa que tem conteúdo idêntico àquele que posso ver no projecto em discussão.

O Sr. Carlos Moreira: - Quer dizer que V. Ex.ª, portanto, sempre reconhece algum conteúdo ao projecto, ao contrário do que afirmava há pouco.

O Orador: - Evidentemente que tem algum conteúdo; isto de se afirmar a protecção e defesa da Língua tem conteúdo, mas o que não aponta é para uma direcção, não tem conteúdo legislativo. Foi o que afirmei há pouco; não estou agora em contradição com o que então disse.
Todos estamos de acordo com que se faça a defesa e protecção da Língua; isso está no espírito de todos os portugueses. Mas para que orientação política se aponta com a afirmação da defesa e protecção da Língua ? Não vejo.

O Sr. Cortês Pinto: - Eu não vou repetir o que ontem disse sobre a função política da Língua, mas...

O Orador: - V. Ex.ª ontem apontou, como aponta o parecer da Câmara Corporativa, para vários processos de fazer a defesa da Língua. Mas isso é outra questão.
Por isso eu disse no início das minhas considerações - e disse-o sinceramente - que os discursos de VV. Ex.ªs foram excelentes. Simplesmente, puseram o problema num terreno em que não é de pô-lo agora. O problema agora é de saber se a pura afirmação da defesa e protecção da Língua deve ser matéria constitucional.
Uma coisa é VV. Ex.ªs demonstrarem que, sim senhor, é necessário, vamos fazer a defesa da Língua, os processos são estes; outra coisa é dizer que aquela afirmação deve ser matéria constitucional.

O Sr. Cortês Pinto: - Também há um artigo na Constituição que diz que ao Estado cumpre ter escolas, e não se estabelece pormenorizadamente nenhum plano ou sistema para essas escolas.

O Orador: - Mas a Constituição não diz só isso. V. Ex.ª está equivocado ou não a leu, pois o que lá se diz é que o Estado manterá escolas públicas ao lado das escolas particulares, etc.

O Sr. Cortês Pinto: - Então não estou equivocado. Diz mais alguma coisa, mas também diz o que eu disse. Para o caso essa correcção não importa, o que quero é fazer notar que o Estado se limita a reconhecer um dever, sem descer a pormenores, e que também, por este princípio expresso no projecto, o Estado se obriga a tomar providências para defesa da Língua, sem descer a mais pormenores, que serão expressos nos diplomas a legislar.

O Sr. Délio Santos: - Abre-se uma porta para a legislação que não existe.

O Sr. Cortês Pinto:- Na Constituição também não vêm estabelecidos os programas das escolas; isso é matéria dos regulamentos, e não do enunciado da lei.

O Orador: - A segunda ordem de considerações que eu queria fazer é esta: desde que no Acordo Luso-Brasileiro se diz:
Leu.
Julgo que temos, assim, no Acordo um princípio concebido em termos paralelos àqueles em que está concebido o princípio que se pretende consignar como disposição constitucional.

O Sr. Botelho Moniz: - Parece-me que nesse preceito relativo às escolas há uma defesa bilingue..

O Orador: - Nós estamos obrigados por acordo internacional e ...

O Sr. Mário de Albuquerque:- Eu não creio que V. Ex.ª interprete bom a questão, mas digo-o timidamente, por ...

O Orador: - É um equívoco de VV. Ex.ªs suporem que eu estou a interpretar alguma coisa.

Vozes: - V. Ex.ª está a interpretar.

O Orador: - Eu só estou a ler o parecer da Câmara Corporativa, aceitando que ele informa convenientemente a Assembleia.

Vozes: - Isso não informa.

O Orador: - Perdão, vai mais longe quando diz:
Leu.
O Sr. Cortês Pinto:- Portanto... os portugueses não têm direito a esse uso! É a conclusão a tirar!

O Orador:- Essa conclusão é precipitada.

O Sr. Cortês Pinto: - Não sou eu que a tiro, mas V. Ex.ª»

O Sr. Mário de Albuquerque:- Julgo que o parecer da Câmara Corporativa não exprime bem o sentido da Convenção Luso-Brasileira.
O direito de os dois povos defenderem a sua língua é muito anterior à Convenção, pelo que ...

O Orador: - Pois é; mas pela Convenção, muito anterior ao projecto, a defesa da Língua pertencia em colaboração às duas nações.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Ninguém nega aos brasileiros o mesmo direito de proteger à Língua que nós temos. Só nos devemos congratular que os nossos irmãos de além-mar o afirmem com a mesma dedicação com que nós o afirmamos.
Nenhuma incompatibilidade encontro entre o artigo em discussão e a Convenção Ortográfica. Naquele formula-se a obrigação moral e política de o Estado defender a Língua como defende o território; nesta as duas nações «pró-

Página 984

984 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

metem-se estreita colaboração - como ela diz textualmente - em tudo quanto diga respeito à conservação, defesa e expansão da língua portuguesa, comum aos dois países».
Quer dizer: no artigo pretende estabelecer-se um principio, um dever do Estado; na Convenção consigna-se uma maneira de realizar, uma forma de acção, uma coordenação de esforços para o mesmo fim. Só no restrito aspecto ortográfico ela não permite taxativamente legislar, sem presença do Brasil...

O Orador:- Eu não tenho de pedir licença a V. Ex.ª para o interromper, por ser eu quem está no uso da palavra...

O Sr. Mário de Albuquerque:- Desde que conheço V. Ex.ª, desde que fui aluno de V. Ex.ª, V. Ex.ª teve sempre a liberdade de me interromper, embora talvez algumas vezes com mágoa minha, por me não deixar dizer, decerto, tantas tolices como a minha inexperiência moça se julgava com direito.

O Orador:- V. Ex.ª foi meu aluno?
Não me lembro disso. Se calhar não ia às aulas ...
Risos.
É uma honra muito grande para mim, mas não o sabia.
O que eu ia dizer é que esse passo do Acordo que acaba de ler serve-me para o efeito ainda melhor do que a passagem da Câmara Corporativa que há pouco li. Aí se diz expressamente que a defesa da Língua se fará por mútua colaboração.
Sorve-me ainda melhor esse texto do que a passagem que eu tinha lido do parecer da Câmara Corporativa para desenvolver o meu pensamento.

O Sr. Carlos Moreira: - Donde se vê que não é tão perfeito como à primeira vista parece.

O Orador: - Quanto a isso, devo dizer: acho-o um parecer notável, até eloquente quando se refere à Língua ...

O Sr. Carlos Moreira:- Eloquente sim, notável não...

O Orador:- ... apontando para os elementos essenciais a que é preciso recorrer para se tomar posição sobre o problema posto.

O Sr. Presidente: - Peço a VV. Ex.ªs que não continuem a interromper o orador. Dispomos de um tempo muito limitado.

O Orador:- A defesa deve fazer-se por mútua colaboração, segundo o texto do Acordo que acabo de ouvir ler a V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Albuquerque.
Se isto é assim, não deve, mediante um texto de direito interno - o texto máximo de direito interno, porque é constitucional -, estabelecer-se um princípio que exclui a ideia de colaboração, porque a execução do direito interno há-de, por definição, fazer-se unilateralmente, ao contrário da do direito internacional, que tem sempre atrás de si um princípio de colaboração.
A interpretação do direito interno e a sua execução faz-se com completa independência, enquanto que a interpretação do direito internacional só pode fazer-se em colaboração e por acordo. Isto quer dizer que duas disposições - uma de direito interno, outra de direito internacional - com a mesma expressão formal podem ter conteúdos diferentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, sendo assim, se nós consagrássemos o princípio como texto do direito interno, isto significava que podíamos enchê-lo de um conteúdo diferente daquele a que poderíamos chegar através de um texto formalmente idêntico, contido numa convenção internacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim nós não podemos assumir sobre a matéria uma posição independente, mas uma posição de colaboração, devemos executar o Acordo em conjunto e não admitir soluções que conduzam à execução por via unilateral dos princípios que consagra.
Não tenho que dizer mais nada.
A integração no texto da Constituição do principio do projecto, além de não ser aceitável, pelas razões ditas, ainda pode ser política.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a nossa constituição política usa, na primeira parte, que trata das garantias fundamentais, o seguinte critério, à face da doutrina política constitucional: um certo número de disposições de conteúdo concreto e diversas disposições que poderemos chamar directrizes de ordem constitucional.
Se compararmos as de conteúdo concreto, quer dizer, aquelas em que se afirma um princípio e se entra na indicação das normas do execução desse princípio, com as de puras directrizes constitucionais, isto é, aquelas em que apenas se define um critério de orientação, teremos talvez uma ajuda valiosa para chegarmos a uma conclusão neste problema.
Nós não somos ricos, infelizmente, de tratadistas constitucionais, e, tirado o Tratado de Direito Político do Dr. Marnoco e Sousa, jurista de larga expansão, que escreveu sobre as mais variadas matérias, pouco mais temos digno de vulto. Consultando-o, teremos a compreensão do que é o tal conteúdo constitucional a que aqui se referiu por mais de uma vez o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Eu refiro, com a autorização de VV. Ex.ª, meia dúzia de palavras, nas quais se pode, talvez, condensar (para não estar a citar as teorias extremas, desde as de Aristóteles e outros até à escola naturalista, que dominou o direito político nos últimos séculos) que a Constituição é um complexo de directrizes e de leis que formam a estrutura e regulam a acção e a vida dum organismo.
Eu pergunto já: a Língua é dispensável na vida do organismo nacional? A Língua não é um dos mais importantes elementos na unidade e projecção do espirito português ?
Mas mais. Quando se trata de valorizar o conteúdo constitucional, compara-se, no tratado a que me referi, a p. 349, a Constituição do Estado com a constituição dos organismos vivos, e diz-se:

A Constituição Política encontra-se para o Estado nas mesmas condições que a constituição biológica para os corpos vivos. Assim, como a constituição biológica determina os caracteres, o modo de ser dos corpos vivos, também a Constituição Política exprime os caracteres e o modo de ser dos estados.

E eu pergunto, Sr. Presidente, se, para exprimir correctamente o carácter é o modo de ser do Estado e da Nação Portuguesa, podemos abdicar da defesa da Língua?

Página 985

30 DE ABRIL DE 1951 985

O Sr. Dr. Mário de Figueiredo afirmou, com o brilho que todos nós lhe conhecemos e admiramos, que a defesa da Língua nos termos em que foi enunciada no nosso projecto não basta.
Parece-me, pois, que S. Ex.ª quis dizer que essa defesa talvez merecesse ser considerada se fosse enunciada noutros termos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Nos termos em que está não tem conteúdo. Se fosse noutros termos poderia ter conteúdo legislativo; depois, lá iríamos ao segundo degrau.

O Orador: - Se dentro do primeiro degrau se podia aceitar a ideia por forma diferente da contida no projecto, eu tenho pena de que, tendo nós nesta Câmara uma comissão especialmente destinada a estudar os problemas que vêm à discussão e à aprovação, ela não tivesse apresentado uma solução possível e diferente daquela que se contém no projecto.
Julgo que seria um dever de colaboração.
Se não se tratava de um caso para pôr absolutamente de parte, poderia ter-se feito um estudo acerca dele.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Quer V. Ex.ª dizer que a redacção seria outra?

O Orador: - Eu já tenho assistido à apresentação de propostas, sempre fundamentadas, de alteração, de aditamento, etc., das propostas e dos projectos primitivos, e até mesmo de sugestões de transformação e de acrescentamento, isto porque se entendia que, se a ideia era boa, deveria ficar.
Porque se não fez o mesmo neste caso?
Não anulemos a ideia por causa da fórmula.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Retomo, Sr. Presidente, as minhas considerações.
Dentro do que aqui afirmei, permito-me pedir a atenção de V. Ex.ª e da Câmara para a citação que vou fazer de meia dúzia de disposições da nossa constituição.
Comecemos pelo artigo 41.º, que diz:

O Estado promove e favorece as instituições de solidariedade, previdência, cooperação e mutualidade.
Eu pergunto a VV. Ex.ªs se este artigo indica concretamente os meios.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Os meios não interessam, pois ai aponta-se nitidamente uma política.

O Orador: - Mas, repito, não se indicam os meios. E quanto a apontar-se uma política, não vejo em que possa diferir da que se aponta no projecto em discussão; além o Estado favorece determinadas instituições; no projecto o Estado protege e defende a Língua.
Onde está a diferença Sr. Deputado Mário de Figueiredo ?
Porém, eu continuo.
O artigo 53.º da Constituição diz:

O Estado assegura a existência e o prestígio das instituições militares de terra e mar exigidas pelas supremas necessidades de defesa da integridade nacional e da manutenção da ordem e da paz pública.
§ único. A organização militar é una para todo o território.
Permito-me perguntar: ao pedirmos a protecção e defesa da Língua solicitamos menos ou mais do que aquilo que se contém neste artigo?
Mas há mais:
Diz o artigo 56.º da Constituição:

O Estado promove, protege e auxilia instituições civis que tenham por fim adestrar e disciplinar a mocidade em ordem a prepará-la para o cumprimento dos seus deveres militares e patrióticos.

Nós queremos defender a Língua em ordem a quê?
Em ordem a assegurar a cultura lusíada e a projecção do nome português no Mundo. Não é isto um fim claro em vista?
Parece que não haveria dúvidas de que a Língua é um instrumento indispensável para a educação nacional, de que trata o titulo IX, onde se encontra incluído o artigo 43.º e seu § 2.º, que diz:

§ 2.º As artes e as ciências serão fomentadas e protegidas no seu desenvolvimento, ensino e propaganda, desde que sejam respeitadas a Constituição, a hierarquia e a acção coordenadora do Estado.
Se nós, em vez de termos tido a iniciativa de trazer um artigo novo, nos limitássemos, pura e simplesmente, a uma alteração deste parágrafo, diríamos então: não se altera nada; apenas só põe mais a palavra «Língua», que fica em boa companhia com «as artes e ciências». E então ficaria: «A Língua, as artes e as ciências serão fomentadas e protegidas no seu desenvolvimento, etc.
Passemos ao segundo plano: o direito internacional, com as convenções dos estados para determinadas matérias, não se verifica só quanto à Língua.
Temos convenções sobre matéria colonial, sobre indigenato e sobre acção missionária, as quais bastantes amargos nos têm trazido por vezes; somos um país missionário.
É evidente que na execução dos princípios temos de a condicionar de modo a não ferir os princípios de ordem internacional.
Mas isso é na execução dos princípios, não é na sua enunciação.
Mas, então, porque temos uma convenção com o Brasil, porque queremos honrar o papel da nação irmã num plano igual ao nosso, porque queremos defender a nossa língua, património comum, e prevendo a convenção colaboração, não na enunciação dos princípios, mas na execução das medidas tendentes à defesa e protecção da Língua, ficamos impedidos de agir na fixação desses princípios ou directrizes de forma a que a nossa colaboração não seja prejudicada?
Incluir o principio, longe de significar desrespeito a uma convenção com o Brasil, representa valioso contributo que prestamos às duas pátrias irmãs - Portugal e Brasil - na defesa deste belo património comum que é a Língua Portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: acabámos todos de ouvir discutir o problema, sob o ponto da ciência do direito, e com o brilhantismo que era de esperar por parte dos ilustres juristas que analisaram o problema sob este aspecto.
Não quero diminuir-me, depois do que ouvi, fazendo comentários de ordem jurídica, dada a minha ilegitimidade profissional para o fazer. Sou um homem comum, e a minha inteligência não se encontra modelada por

Página 986

986 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

aquelas normas especializadas que dão à visão dos problemas uma interpretação puramente de ordem técnica.
Tenho de me contentar com a faculdade que Deus dispensou a todos os homens, concedendo-lhes à inteligência e à alma a intuição natural do bem e do mal, do justo e do injusto, da verdade e do erro, e até do legítimo e do ilegítimo. É desta maneira que eu aprecio o problema, sem esquecer que essas noções intuitivas do espirito são a fonte donde dimana toda a jurisprudência humana.
Confesso que o meu espírito se sentiria verdadeiramente magoado se considerasse indubitável que havia qualquer limitação à defesa' de um património divino que o próprio Deus entregou à defesa e protecção dos homens.
Sr. Presidente: eu julgava que zelar por um elemento fundamental da estrutura da própria alma humana era, mais do que um direito natural dos indivíduos, um dever e uma obrigação impostos a nós todos à face de Deus e dos homens.
E desde que vejo que há opiniões diferentes, emitidas por individualidades distintas dentro do campo da jurisprudência, desde que vejo que há divergências na maneira de interpretar, eu terei, naturalmente, de conformar-me com essa intuição natural a que me referi e que é a fonte do próprio direito, não só porque a minha alma mo impõe, mas ainda porque o meu espírito me diz que a verdade está com aqueles que não abrem um conflito entre a lei de Deus e a jurisprudência dos homens.
Por isso, e depois de tudo, não hesitarei e julgo-me no dever de votar a proposta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.

Vai votar-se o artigo novo a inserir no título IX da Constituição.
Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Carlos Moreira: - Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Verificou-se pela contraprova que o projecto de lei foi rejeitado.

O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: suponho que estavam vinte e oito Srs. Deputados levantados e vinte e dois sentados. Nestas condições a minha conclusão é contrária à da Mesa.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não pode discutir as informações da Mesa sobre o resultado da votação. V. Ex.ª o que pode é requerer outra forma de contagem.

O Sr. Pereira de Melo: - Requeiro a votação nominal.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Para evitar a votação nominal é talvez melhor requerer a contagem.

O Sr. Presidente: - A contagem foi feita pela Mesa com todo o cuidado e foi em face dela que foi declarado o projecto rejeitado.
O Sr. Deputado Assis Pereira de Melo mantém o seu requerimento de votação nominal?

O Sr. Pereira de Melo: - Sim, senhor.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a votação nominal.

Feita a chamada e tomados os votos por "aprovo" e "rejeito", verificou-se que o projecto tinha sido rejeitado, o que foi anunciado pelo Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se agora à discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu de alteração ao artigo 109.º da Constituição, sobre a ratificação dos decretos-leis.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: em poucas palavras se justifica o projecto de lei que tive a honra de enviar para a Mesa, animado tão-somente pelo desejo sincero de colaboração que me inspira.
Submeto-o ao veredicto da Assembleia, disposto, é claro, a acatá-lo sem reservas ou ressentimentos.
Pelo artigo 109.º da Constituição, compete ao Governo fazer decretos-leis e elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis.
Esta a regra geral; e a atribuição tanto pode ser exercida durante o período de encerramento da Assembleia Nacional, como durante o seu funcionamento efectivo.
Simplesmente, neste último caso, os decretos-leis publicados sem precedência de-autorização legislativa são obrigatoriamente sujeitos a ratificação da Assembleia Nacional; e esta ratificação considera-se concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, cinco Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos sejam submetidos à nossa apreciação.
É esta a doutrina da primeira parte do § 3.º daquele artigo 109.º
Verificada a segunda hipótese, ou a Assembleia, pura e simplesmente, ratifica os decretos-leis ou recusa-lhes a ratificação, e neste caso, como é óbvio, o decreto deixa de vigorar.
Pode, porém, a ratificação ser concedida com emendas, caso que é o mais frequente; e então o decreto, sem prejuízo da sua vigência, fica transformado em proposta de lei e é enviado à Câmara Corporativa, salvo se esta já tiver sido consultada pelo Governo. É a doutrina da segunda parte daquele § 3.º
Como VV. Ex.ªs vêem, há, portanto, duas coisas distintas : decretos que não podem vir à Assembleia, e esta só mediante uma lei pode revogá-los ou alterá-los, e decretos que a Assembleia pode avocar e anular ou alterar como entender.
Esta dualidade de situações não existia no texto primitivo da Constituição plebiscitada de 1933, pois, por ela, eram passíveis de ratificação da Assembleia Nacional todos os decretos-leis publicados quer durante quer fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia, exceptuando o caso de prévia autorização legislativa.
A distinção, como nota a Câmara Corporativa, surgiu na Lei n.º 1:885, e, com as ligeiras alterações das Leis n.ºs 1:963 e 2:009, chegou até agora. Por sinal que o assunto foi objecto de larga, brilhante e calorosa controvérsia nesta Assembleia nas sessões de Fevereiro de 1935, onde muito se dividiram as opiniões de professores e doutorados distintos, como os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Carneiro Pacheco - este professor daquele, mas inculcando-se seu discípulo -, Cunha Gonçalves e Manuel Fratel; advogados de nome, como os Deputados Albino dos Reis, Lopes da Fonseca e Dinis da Fonseca; magistrados, como o Deputado Vasco Borges; e como se, apesar do valor dos artífices, houvesse o receio de que a nova construção jurídica ficasse abalada na sua estrutura, intervieram dois engenheiros, um militar e outro civil - o primeiro o então e hoje Deputado Sr. Cortês Lobão e o segundo o então Deputado Augusto Cancela de Abreu.

Página 987

30 DE ABRIL DE 1951 987

Mas fosse como fosse, estivesse a razão onde estivesse, este aspecto do problema não está agora em causa e apenas indirectamente interessa ao meu projecto de lei.
A que visa este projecto ?
A remediar os inconvenientes que podem resultar de, em presença da terceira parte do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, continuarem do mesmo modo em plena execução os decretos a que foi recusada a ratificação pura e simples, ou seja os decretos ratificados com emendas.
Diz o projecto:

É aditado ao artigo 109.º da Constituição o seguinte:

§ 7.º Quando conceder a ratificação com emendas, a Assembleia Nacional pode suspender a execução dos decretos-leis na parte onde criem, no continente e ilhas adjacentes, novos serviços que envolvam aumentos de pessoal ou alteração das respectivas categorias em relação aos quadros anteriormente existentes.
Esta suspensão carece de ser aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.

Não tem o mérito de ser original a doutrina que aqui se contém.
Já quando em 1935 se tratou da primeira revisão constitucional, na sessão de 8 de Fevereiro, o distinto Deputado Dr. Pinto de Mesquita fez uma proposta semelhante, embora muito mais radical: uma proposta análoga àquela que a Câmara Corporativa nos sugere agora, ampliando assim a todos os casos a doutrina que defendi. Simplesmente não encontrei no debate qualquer outra alusão a ela, a não ser que, na sessão de 22 de Fevereiro, foi havida por prejudicada pela votação do parágrafo que actualmente vigora.
E percorri o debate para encontrar qualquer opinião que tivesse perfilhado ou combatido a do autor da proposta, e não para verificar se a defenderam Deputados que porventura agora discordassem. Longe de mim tal propósito, até porque sapientis est mutare consilium.
O objectivo do projecto é obviar em parte, e o da Câmara Corporativa é obviar no todo, ao grave e por vezes irremovível inconveniente de a Assembleia Nacional se encontrar em presença de factos consumados, e não poder por isso actuar livremente sem ir perturbar a Administração em serviços já criados e atingir direitos já adquiridos. Direitos adquiridos que, por o serem ao abrigo da lei, podem importar para o Estado obrigação irrecusável de reparação ou indemnização aos funcionários que já haviam tomado posse nos serviços que a Assembleia Nacional venha a suprimir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem se compreende, Sr. Presidente, que não possa ter nestes casos a faculdade de suspender os decretos o próprio poder legiferante por sua própria natureza, quando o pode fazer o Poder Executivo, quando o podem fazer os tribunais, nomeadamente o Supremo Tribunal Administrativo, a que V. Ex.ª dignamente preside, e as auditorias, em referência a despachos ministeriais ou deliberações das autarquias, e os tribunais comuns, em referência a deliberações sociais, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diz a Câmara Corporativa:

A manutenção irrestrita da executoriedade de um decreto-lei ratificado com emendas, se, por um lado, pode conduzir a graves prejuízos para os serviços
ou para os funcionários, pelas modificações que o texto definitivo venha a introduzir, por outro lado, dá lugar, na prática, a um verdadeiro cerceamento da acção do órgão de revisão, que encontra como obstáculo a uma definição de princípios a realidade dum facto consumado.

Dir-me-ão que pode suceder - e efectivamente sucede - haver casos em que o interesse da Administração exige a execução urgente dos decretos-leis ou a criação imediata e manutenção dos serviços e do pessoal. É certo; mas nem a Constituição restringe hoje os decretos-leis aos casos urgentes nem estes se verificam na administração pública normal. E é para a vida normal da Nação que devemos legislar.
De resto, aquela argumentação cai pela base, pois o projecto ora em discussão, como a sugestão da Câmara Corporativa, previnem estes casos, tornando, como expressamente tornam, facultativa a suspensão, e esta fica dependente do voto de dois terços dos Deputados em efectividade de exercício, segundo o projecto, ou dos presentes na sessão, segundo o parecer. Isto é: a Assembleia ponderará devidamente os casos e as circunstâncias e por uns e outras orientará o seu voto.
Julgo nada mais ser necessário acrescentar. Mas, se o fosse, reportar-me-ia, por brevidade, ao douto parecer da Câmara Corporativa, autorizado pelo seu conteúdo e pela envergadura dos nomes que o subscrevem por unanimidade.
Perguntar-me-ão agora se mantenho o meu projecto ou perfilho o da Câmara Corporativa, mais amplo e radical.
Se mo permitem, reservo-me para me pronunciar definitivamente depois de ouvir as autorizadas opiniões que apoiem ou porventura se oponham a uma ou a outra solução ou a ambas.
Deparam-se dois caminhos abertos ao livre critério de todos e de cada um. O único desejo do modesto proponente é que saia daqui uma solução que seja a melhor.
E termino declarando que não subi a esta tribuna para defender o meu projecto; vim apenas para o justificar, o que é diferente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O Sr. Carlos Moreira: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª refere-se ao requerimento que formulou há pouco?

O Sr. Carlos Moreira: - Exactamente.

O Sr. Presidente: - De harmonia com o requerimento de V. Ex.ª, ficará consignado no Diário de hoje que a rejeição do projecto sobre a defesa da Língua se verificou por dois votos de maioria.
A próxima sessão será na segunda-feira, à hora regimental, tendo por ordem do dia a conclusão da discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, a discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público e a apreciação do texto de última redacção aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção sobre a proposta de lei da revisão constitucional e do Acto Colonial, que já hoje foi distribuído aos Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Página 988

988 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Esteves Mendes Correia.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneses.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Projectos de lei a que se referiu o Sr. Presidente no decorrer da sessão de hoje:

Projecto de lei

A pulverização da propriedade rústica constitui desde tempos remotos um dos maiores estorvos à boa cultura.
No intuito de extinguir servidões, desde há cerca de quarenta anos que a nossa legislação estabelece o direito de preferência no caso de encravamento, e o exercício do mesmo direito algumas conjugações de prédios tem operado.
Todavia, na maioria doa casos, mesmo os prédios encravados ou os servientes deles não são vendidos, pois, em regra, o proprietário só forçado por absoluta necessidade aliena os seus prédios, e, na prática, os direito de preferência é dificultado, quando não impedido, por variada gama de expedientes.
O emparcelamento foi estabelecido pelo Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, jamais regulamentado. E o emparcelamento em grande escala tem-se
operado em países estrangeiros, especialmente na Suíça, onde a pulverização da propriedade era problema que atingira acuidade excepcional.
Essa forma de emparcelamento é, em regra, acompanhada de grandes obras e de subsídios, que muito facilitam a conjunção.
O objectivo principal deste projecto é muito mais modesto. O seu autor pretende, sobretudo, resolver casos isolados, em que se impõe a obrigatoriedade da troca ou da venda.
Procurou-se assegurar o mais possível o respeito da propriedade privada, tendo, contudo, em vista os actuais conceitos desse direito, que tem de sofrer os limites impostos pelas necessidades sociais e pelo interesse da economia nacional.
E esta é favorecida por um mais racional aproveitamento das terras, sendo da maior vantagem a formação de núcleos unidos.
E sabido que os donos de terrenos encravados ou ligados a propriedades extensas têm tendência paira reclamar preços excessivos, quando não se recusam pura e simplesmente a vender ou a trocar o que lhes pertence.
Eis as principais razões determinantes do projecto, propositadamente apresentado no termo deste período legislativo para que a apreciação dele possa ser feita com toda a calma, aperfeiçoando-se tanto quanto possível o sistema esboçado.

Artigo 1.º O proprietário confinante com terreno cuja superfície seja de menos de um terço do terreno de qualquer dos confinantes pode ser obrigado por aquele que tenha terreno com maior superfície a trocá-lo por terreno da mesma natureza.
§ 1.º Se o terreno oferecido pelo requerente for contíguo a prédio do requerido, este não pode opor-se à permuta desde que o valor do prédio oferecido seja igual ou superior ao do requerido.
§ 2.º Quando o terreno oferecido não estiver ligado ao do requerido, a este é facultado opor-se à troca, alegando que é mais conveniente para ele a propriedade o terreno ligado ao do requerente ou que esse prédio tem valor estimativo especial que justifique a conservação do mesmo na sua propriedade.
§ 3.º Se o terreno oferecido for de valor superior ao do requerido, este tem a faculdade de adquirir todo o prédio do requerente e, caso não o queira todo, escolherá a zona que mais lhe convier.
§ 4.º Sendo o terreno oferecido de valor inferior ao do requerido, este pode, quer aquele terreno seja quer não seja contíguo ao seu, opor-se à troca, alegando ser tal a desproporção de valores que não há verdadeira permuta, predominando a compra e venda.
§ 5.º Ao requerido é lícito opor-se à permuta por terreno não confinante com o seu, oferecendo-se para fazê-la por terreno contíguo a prédio do requerente.
§ 6.º Quando no terreno do requerido houver instalações agrícolas, a permuta não se executará sem que o requerente construa as instalações que substituam essas, tendo-se em conta as novas instalações no cômputo do valor dos dois prédios.
Art. 2.º O requerido pode, em qualquer dos casos do artigo anterior, exigir o pagamento do preço do seu prédio, em vez de se sujeitar à troca proposta.
Art. 3.º Na hipótese de o prédio do requerido ser encravado ou quando a área do prédio do requerente seja dez vezes superior ao daquele, o maior confinante pode obrigar o requerido à venda do prédio, salvo se o reque-

_______________

1 Engenheiros agrónomos Mário Pereira e Armando Oscar Cândido Ferreira (Relatório de uma missão de estudo a Itália, Suíça e Espanha, publicação da Junta de Colonização Interna, pp. 111 e seguintes).

Página 989

30 DE ABRIL DE 1951 989

rido demonstrar que ele tem para ele valor estimativo que desaconselhe a venda coerciva ou que a perda do mesmo prédio desequilibra o seu casal agrícola.
Art. 4.º Quem pretender usar da faculdade dos artigos anteriores apresentará o pedido ao respectivo juiz de direito, instruído com certidões da matriz e do registo predial relativas aos prédios que forem objecto do pedido.
§ 1.º O juiz designará dia para uma conferência das partes, sendo também citadas as pessoas a favor de quem estiver registado algum direito real.
§ 2.º Nessa conferência o juiz procurará conciliar os interessados, servindo o auto, em caso de acordo, de título de permuta ou de compra e venda para, paga a sisa que seja devida, se operarem os registos prediais e transferirem os encargos, ónus e condições de um prédio para outro.
§ 3.º Na falta de acordo, os interessados serão citados, no próprio auto se estiverem presentes, para, no prazo de dez dias, contestarem o pedido, sob pena de se proceder imediatamente à nomeação de peritos que procedam à avaliação do prédio ou prédios e do custo das obras no caso do artigo.1.º, § 6.º, devendo, nesta hipótese, os peritos apresentar o projecto de instalações, indicando a localização que aconselham.
§ 4.º São aplicáveis a este processo, na parte aproveitável, os artigos 1051.º, 1052.º e 1053.º do Código de Processo Civil.
§ 5.º O juiz, na sentença que homologar os actos dos peritos ou resolver a oposição, regulará, em caso de permuta, a transferência dos ónus, encargos e condições de um prédio para outro.
Art. 5.º O Governo, no prazo de seis meses, regulamentará o Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, introduzindo nesse diploma as modificações que julgar convenientes, de forma a, por intermédio da Junta de Colonização Interna, se executar o emparcelamento nas regiões onde o mesmo for possível.

Sala das Sessões, 27 de Abril de 1951. - O Deputado, José Gualberto de Sá Carneiro.

Considerando que a opinião pública vê, com legítimo desagrado, receberem, por um só lugar, como directores ou administradores de companhias concessionárias, mais do que, na sua totalidade, percebe o Presidente da República Portuguesa;
Considerando que, infelizmente, se tornou impossível, nas actuais condições orçamentais, sem manifesto perigo para o equilíbrio financeiro, aumentar os vencimentos do funcionalismo público, de maneira a acompanhar a alta da vida, e que, nestes termos, não faz sentido que possa o Estado permitir que nas suas empresas concessionárias sejam atribuídos honorários que não se enquadrem na modéstia habitual das nossas remunerações;
Considerando como perfeitamente actuais as afirmações do magistral relatório do Decreto-Lei n.º 26:115 de que, "se é doloroso que alguns sejam constrangidos a perder o supérfluo, mais doloroso é, porém, que muitos não tenham o necessário" e de que "o princípio da hierarquia social e de limitações de honorários se deve aplicar aos corpos gerentes das empresas em cujos lucros o Estado participa ou de que possui acções por efeito da lei especial da sua constituição";
Considerando que o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26:115, por ter fixado um limite demasiadamente baixo de retribuição, muito aquém da usada para os corpos gerentes de empresas privadas, viu, por despachos interpretativos, alterada a sua fisionomia e restrito o seu alcance legal, e, por consequência, não teve, na prática, a aplicação generalizada que era de esperar;
Considerando que, em boa técnica fiscal, os lucros excessivos devem ser reabsorvidos por uma taxa especial, de modo a assegurar uma equilibrada e equitativa redistribuiçao nacional de rendimentos:
Tenho a honra de apresentar à Assembleia Nacional o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.º Nas empresas em cujo lucro o Estado tenha comparticipação ou em que possua acções por efeito da lei especial da sua constituição, sempre que algum componente dos seus corpos gerentes, comissário ou delegado do Governo tenha auferido, relativamente a cada uma destas empresas, retribuição superior à totalidade dos honorários que perceba o Presidente da República ficará, quanto ao não excedente, sujeito aos impostos actualmente existentes ou que vierem a ser criados, mas, quanto ao excedente, adstrito única e exclusivamente a um imposto especial de salvação pública, lançado com a taxa de 75 por cento.
§ 1.º Consideram-se retribuições para o efeito deste artigo: os vencimentos, as senhas de presença, as percentagens nos lucros sociais e quaisquer outras quantias que lhes possam ser atribuídas a títulos de administração, gerência, fiscalização ou consulta.
§ 2.º Não serão incluídas nestas contagens as ajudas de custo ou despesas de representação que tenham sido devidamente autorizadas, com referência a cada caso e com a designação das pessoas a que se aplicam, por despacho fundamentado do Ministro competente, publicado na 2.a série do Diário do Governo.
§ 3.º Quaisquer manobras fraudulentas tendentes a sofismar o cumprimento desta lei tornarão passíveis os seus autores ou cúmplices das penas fixadas nos artigos 216.º e 218.º do Código Penal.
Art. 2.º Esta lei entra imediatamente em vigor e aplica-se já às retribuições referentes ao ano de 1951, ficando assim revogada a legislação em contrário.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1951. - O Deputado, Pinto Barriga.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 990

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×