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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 110
ANO DE 1951 11 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 110 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 10 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Luís da Silva Dias
Nota. - Foram publicados três suplementos ao Diário das Sessões n.º 100, inserindo: o 1.º, o relato da sessão plenária n.º 4 da Câmara. Corporativa; o 2.º, o acórdão n.º 19/V da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, e o 3.º, o parecer da Câmara. Corporativa n.º 23/7, sobre a proposta de lei n.º 513/150 (autorização das receitas e despesas para 1952).
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário dias Sessões n.º 109. e
A Assembleia, por proposta do Sr. Presidente, manifestou o seu pesar pela morte do antigo Deputado Sr. Clemente Fernandes e de um filho do Sr. Deputado Silva. Dias.
O Sr. Presidente deu conta da visita de cumprimentos a S. Ex.ª o Presidente da República.
O Sr. DeputadoGaliano Tavares requereu elementos sobre a cobrança, de direitos de autor nos anos de 1950 e 1951.
O Sr. Deputado Vaz Monteiro manifestou o seu apoio ao Governo por ter considerado de utilidade pública II Instituto Marquês de Vale Flor.
O Sr. Deputado Sousa, Rosal Júnior chamou a atenção do Sr. Ministro da Economia para uma decisão do Grémio do Comércio de Exportação de Frutas de Lisboa.
O Sr. Deputado Pinto Barriga ocupou-se da situação dos funcionários públicos que foram amnistiados.
Ordem do dia - Começou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1953.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Melo Machado.
O Sr. Presidente encenou a sessão às 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares P inibo dois Reis, Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes (Correia.António Bartolomeu Gromicho.
António Cacheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreiro.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Diais de Araújo Correia.
José Garcia Numes Mexia.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Voz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nomes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das
Comunicações em satisfação dos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Bustorff da Silva e Cerveira Pinto nas sessões de 6 e 10 de Abril passado.
Vão ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 109.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Devo comunicar que durante o interregno parlamentar faleceu um filho do ilustre Deputado Silva Dias e certamente a Câmara quererá apresentar agora a S. Ex.ª os seus sentimentos.
Muitos Deputados dirigiram-se ao Sr. Deputado Silva Dias, a quem cumprimentaram.
O Sr. Presidente: - Comunico também que faleceu o antigo membro da Assembleia Nacional Sr. Dr. Clemente Fernandes. Julgo interpretar os sentimentos da Câmara registando na acta de hoje o nosso pesar.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Silva Dias: - Sr. Presidente: agradeço muito reconhecido a V. Ex.ª as palavras que acaba de pronunciar a propósito da morte de meu filho. E aproveito também a oportunidade, se V. Ex.ª mo permite, para uma vez mais agradecer aos Exmos. Srs. Deputados, meus ilustres colegas, a forma gentil como me acompanharam na minha dor.
O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia de que a deputação por mim designada na sessão de 26 de Novembro para apresentar as saudações, e os sentimentos de dedicação da Câmara ao Sr. Presidente da República foi por S. Ex.ª recebida no próprio dia 26. O Chefe do Estado agradeceu vivamente o gesto da Câmara e encarregou-me de transmitir a VV. Ex.ªs o seu reconhecimento e alta consideração pelos trabalhos da Assembleia a bem da Nação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta da Lei de Meios. Este parecer foi já publicado no Diário distribuído aos Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Galiano Tavares.
O Sr. Galiano Tavares:- Sr. Presidente: relativamente ao Decreto n.º 13:725 e disposições subsequentes que estabelecem e regulamentam os direitos de autor - lei da propriedade literária - têm sido publicados frequentes reclamações e queixumes, quer quanto ao modo por que se aplicam as taxas, quer quanto às tabelas em si mesmas.
A própria Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais afirma a impossibilidade de fixar tabelas uniformes, reconhecendo, por exemplo, que não se pode estabelecer o mesmo nível de direitos «para bailes em grandes salões ou tertúlias em bairros excêntricos», o que, sendo aceitável, não deixa de impressionar pelo coeficiente pessoal, de ocasião, que assim parece caracterizar o tributo.
Não obstante a deliberação tomada pelo Sr. Secretário Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, determinando a constituição de uma comissão de estudo, roqueiro, ao abrigo do Regimento desta Câmara, até porque muitos autores e compositores não se eximem a formular comentários e críticas, que me seja fornecida nota da cobrança efectuada durante os anos de 1950 e 1951 até à presente data, com indicação dos autores e compositores nacionais e estrangeiros abrangidos e beneficiados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: no último interregno dos trabalhos da Assembleia Nacional foi publicado pelos Ministérios do Interior, das Finanças, do Ultramar e da Educação Nacional o Decreto n.º 38:351, de 1 de Agosto de 1951, pelo qual se reconheceu como instituto de utilidade pública nacional o Instituto Marquês de Vale Flor, que é uma fundação que a Sr.ª D. Maria do Carmo Dias Constantino Ferreira Pinto, marquesa de Vale Flor, pretende constituir, com sede em Lisboa, e com os «objectivos meritórios e benfazejos, quer no aspecto da investigação científica e divulgação dos respectivos estudos e trabalhos, quer no do benefício das condições de vida dos colonos e dos indígenas nas províncias ultramarinas», como se esclarece no preâmbulo daquele decreto.
E ainda pelo mesmo Decreto n.º 38:351 foram homologados os respectivos estatutos, que se encontram publicados no Diário do Governo n.º 176, 3.ª série, de 1 de Agosto de 1951.
Trata-se, Sr. Presidente, de uma instituição de alta cultura, que tem por finalidade realizar estudos, conferências e quaisquer trabalhos sobre colonização em todas as nossas províncias ultramarinas e especialmente na província de S. Tomé e Príncipe.
Para o funcionamento do Instituto a sua fundadora doar-lhe-á a importância de 10:000 contos e ceder-lhe-á gratuitamente o Palácio Vale Flor, na Rua de Jau, em Lisboa.
A doação daquela avultada importância e a cedência de tão majestoso palácio sómente serão efectivadas ou por falecimento da fundadora ou, em sua vida, se ela assim resolver.
A Sr.ª Marquesa de Vale Flor decidiu-se a preparar esta obra meritória e de cooperação com o Estado para perpetuar a memória de seu marido, o primeiro marquês de Vale Flor, e de seu filho José Luís.
Ora,- Sr. Presidente, a criação do Instituto Marquês de Vale Flor representa uma iniciativa de tão largo alcance, relativamente à nossa acção de povo colonizador, que se torna digna do reconhecimento público. E por esta razão é que o Governo do Kstado Novo, sempre atento ao bem comum, entendeu, justamente, conceder-lhe a isenção dos impostos sobre as sucessões e doações e de sisa.
Apoiando, pois, a atitude do Governo, desejo prestar, com os devidos agradecimentos, a minha homenagem à ilustre senhora fundadora do Instituto, pelo seu abnegado altruísmo e pela sua patriótica iniciativa, que são merecedores de agradecimento público, e desejo também, aproveitando esta oportunidade, prestar rendida homenagem à memória do seu falecido marido, lutador inteligente e incansável pelo nosso ultramar e que foi o fundador da Sociedade Agrícola Vale Flor, L.da, sociedade que, pela sua actividade verdadeiramente modelar, tanto tem contribuído para o progressivo desenvolvimento em que hoje se encontra, a província de S. Tomé e Príncipe.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Rosal Júnior: - Sr. Presidente: a vida agitada e muito discutida da organização corporativa tem sido fértil em manifestações desconcertantes.
Hoje, venho trazer ao conhecimento desta Assembleia mais uma, que julgo ser digna de reparo pela audácia que demonstra e nos toca pela porta.
Desta vez é um grémio que, julgando-se no direito de tomar iniciativas de ordem legislativa, que a Constituição confere, exclusivamente, à Assembleia Nacional e ao Governo, inclui numa disposição regulamentar a revogação expressa de um decreto. E não houve pejo de enviar ao Ministério da Economia para aprovação o regulamento que a continha, sabendo-se que a iniciativa tomada deveria ferir as susceptibilidades do Governo.
O caso é fácil de contar. Vou tentar fazê-lo com poucas palavras.
A direcção do Grémio do Comércio de Exportação, de Frutas de Lisboa confessa no relatório da gerência de 1949 a precária situação administrativa do organismo que dirige, escrevendo o seguinte:
Pelo exame dos mapas que se seguem vê-se que as receitas do Grémio excederam as despesas, desde o primeiro ano da sua criação (1984) até 1939 inclusive, e que desde então lhe foram sempre inferiores, com excepção do ano de 1947, em que um aumento de quotas tornou possível um passageiro saldo positivo.
O único remédio que naquele momento foi encontrado pelos especialistas a quem estava entregue a vida do organismo doente foi formulado em receita que também consta do aludido relatório e que diz:
Existe, pois, um déficit mínimo mensal médio de 4.403$70, para o qual só uma solução é de encarar - o aumento de receitas.
Porque esta solução esbarrou com o travão posto nas mãos do Ministro das Finanças pelas Leis de Meios de 1950 e 1951 a fim de impedir a criação e o agravamento abusivo de taxas e receitas por parte dos organismos corporativos e de coordenação económica ou por qualquer outro motivo conhecido, vem a direcção do Grémio do Comércio de Exportação de Frutas de Lisboa agora agitar outra ideia salvadora.
Na província do Algarve existe um organismo corporativo - Grémio dos Exportadores de Frutos e Produtos Hortícolas do Algarve- que tem vida desafogada e modesta. No ano findo a sua conta de resultados fechou com um saldo positivo de 312.790$10. Esse organismo tem a missão de dirigir um importante sector da nossa economia, com características especiais, que têm de ser respeitadas, para que se não perca o cunho e o ambiente regional indispensáveis à sua defesa e progressivo labor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O valor da exportação dos frutos saídos do Algarve em 1950, representado por 115:734.867$10, atesta, só por si, a importância desta actividade regional na vida económica do País.
A exportação foi feita, na quase totalidade (96,5 por cento), por firmas que têm as suas organizações industriais e comerciais naquela província.
A direcção do Grémio do Comércio de Exportação de Frutas de Lisboa, conhecedora de tudo isto, julgou ter encontrado a solução para resolver as dificuldades e satisfazer ambições de mando.
Levada por estes sentimentos - publicamente não se revelam outros - e como se estivesse instalada no Terreiro- do Paço, perde o sentido das realidades e a noção das conveniências, e, sem consideração por normas legais, disciplina corporativa, vontade dos agremiados e sensibilidade material e moral de uma província, resolve pura e simplesmente anexar o Grémio dos Exportadores de Frutos e Produtos Hortícolas do Algarve, transformando-o em sua delegação.
Esta resolução vem claramente expressa no artigo 59.º do regulamento, que fez aprovar em segunda convocação da sua assembleia geral, à qual compare-
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ceram apenas cerca de vinte dos seus duzentos e quarenta e dois agremiados com direito a voto, tal a importância que a massa dos sócios dá ao Grémio ou às fantasias da sua direcção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-:Vou passar a ler o artigo a que fiz referência, que ilustra de maneira iniludível o que tenho dito:
O Grémio dos Exportadores de Frutos e Produtos Hortícolas do Algarve, criado pelo Decreto n.º 23:791, de 23 de Abril de 1934, fica integrado, como sua delegação, no Grémio do Comércio de Exportação de Frutos e Produtos Hortícolas (nome com que se crismou), considerando-se inscritos neste organismo os seus agremiados da secção de exportação.
§ único. A liquidação do Grémio dos Exportadores de Frutos e Produtos Hortícolas do Algarve far-se-á nos termos da lei vigente e sob proposta da Junta Nacional das Frutas.
Deste lugar tenho a honra de solicitar ao Sr. Ministro da Economia, em nome da província do Algarve, que aqui represento, e dos interesses que estão ligados de qualquer maneira a este assunto, desde a produção à exportação dos frutos algarvios, um oportuno despacho que não deixe por mais tempo em suspenso uma manobra perturbadora da vida económica da província e ofensiva na sua intenção colonizante.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Presidente do Conselho a forma rápida como procurou solucionar o assunto da reintegração de funcionários abrangidos pela última amnistia. Simplesmente a burocracia ainda não deu execução ao respectivo decreto, quer no que se refere à reintegração, quer, sobretudo, no que respeita a reformados, os quais até hoje ainda não receberam cinco réis.
A esperança que eles acalentavam não se desvaneceu, é certo, mas as demoras criaram-lhes grandes embaraços, visto que muitos deles estavam perto da miséria e eram socorridos pelos seus amigos. Tiveram grande alegria quando viram os seus nomes incluídos nas respectivas listas, mas até agora, como disse, nada receberam.
Esta é a situação lamentável, apesar de o Sr. Presidente do Conselho ter procurado resolver o assunto, e afigura-se-me que os óbices burocráticos poderiam ser afastados, estabelecendo-se, embora provisoriamente, uma pensão em relação ao tempo de serviço prestado pelos amnistiados. Assim se evitariam mais uns meses de martírio suportados por aqueles que tanto precisam.
Foi para trazer este clamor que pedi a palavra, em primeiro lugar, e também para apresentar o agradecimento dos que se aproveitaram da amnistia, quer os que foram reintegrados, quer os reformados.
E, já que estou no uso da palavra, desejo tratar de outro assunto que é matéria de um aviso prévio por mini apresentado: a coordenação dos transportes.
Contudo, até hoje já são passados seis meses sobre a sua realização e não recebi ainda um único dado, um único elemento.
Eu posso realizar esse aviso com os elementos que tenho, mas parecem-me insuficientes em relação aos do Poder. Há uma desigualdade flagrante entre a posição do Poder, que se encontra documentado, e a minha posição, em que apenas disponho dos elementos que posso colher aqui e acolá com o meu estudo.
Peço, por isso, a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para instar junto do Sr. Ministro das Comunicações no sentido de me serem fornecidos esses elementos de que careço para a realização do meu aviso prévio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tomo nota do requerimento de V. Ex.ª e vou instar junto do Sr. Ministro das Comunicações pela satisfação do pedido de V. Ex.ª
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1052.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: a proposta da Lei de Meios para 1952 tem, fundamentalmente, a mesma estrutura da Lei de Meios para 1951, discutida e aprovada por esta Assembleia. Sobre ela incidiu um notável parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator o ilustre Prof. Sr: Doutor Fernando Emídio da Silva, a quem, deste lugar, presto respeitosa homenagem.
Pode dizer-se que a proposta em discussão engloba duas espécies de disposições: umas que fixam as regras dentro das quais o Estado fica autorizado a arrecadar as receitas e a pagar as despesas legalmente inscritas no orçamento para o ano económico futuro; outras que constituem linhas gerais de administração.
Se as primeiras são da essência da Lei de Meios, as segundas são nesta certamente incluídas para definir os objectivos que o Estado visa realizar.
Fundamentalmente não se modificam disposições fiscais e a cobrança dos impostos far-se-á de harmonia com as leis aplicáveis.
Há a assinalar apenas duas excepções: o Governo deverá proceder até 30 de Abril de 1952 à revisão do regime legal de acumulações e incompatibilidades e, enquanto este não entrai* em vigor, fica autorizado a alterar o adicionamento ao imposto complementar, a que se refere a alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 37:771, de 28 de Fevereiro de 1950, sobre as acumulações de mais de um cargo público ou particular ou de exercício de profissão liberal acumulado com qualquer dos mesmos cargos, desde que os rendimentos excedam 240 contos anuais.
Por outro lado, fica também o Governo autorizado a elevar os limites actuais de isenção do imposto profissional dos empregados por couta de outrem.
Afora estas duas disposições, a Lei de Meios adopta os princípios anteriormente em vigor quanto à cobrança dos impostos gerais do Estado.
E assim os preceitos relativos à fixação das taxas da contribuição predial rústica e urbana, ao pagamento de sisa e às isenções do imposto sucessório transitam, sem alteração, da legislação anterior para a nova Lei de Meios.
São de pura disciplina financeira as disposições que estabelecem qual o destino que o Governo deve dar às disponibilidades que possam resultar da maior compressão na fixação das despesas ordinárias e de mais valia verificada na cobrança das receitas ordinárias e ainda as que, definindo o princípio fundamental do equilíbrio das contas públicas, conferem, para esse fim, poderes especiais ao Ministro das Finanças, o qual fica autorizado a condicionar de harmonia com os interesses do Estado ou da economia nacional a realização de despesas públicas ou de entidades e organismos subsidiados
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ou comparticipados pelo Estado, a limitar as excepções ao regime de duodécimos e a restringir a concessão de fundos permanentes e os quantitativos das requisições feitas pelos serviços autónomos ou com autonomia administrativa por conta de verbas orçamentais.
Do Ministro das Finanças fica também dependente a criação ou agravamento de quaisquer taxas ou receitas de idêntica natureza lançadas pelos serviços do Estado e organismos corporativos ou de coordenação económica.
A proposta de lei em discussão estabelece a ordem a que se deve preferência na execução dos planos de fomento e prevê dois novos e importantes encargos orçamentais - um que resulta da concessão dum novo suplemento aos funcionários do Estado, outro que deriva de compromissos internacionais firmados.
Todas estas disposições,, ou porque modificam, preceitos fiscais, ou porque concedem faculdades para receber ou gastar, ou ainda porque estabelecem uma certa ordem de limitações ou condicionamentos, devemos considerá-las como fazendo parte da estrutura substancial da lei de autorização de receitas e despesas.
Mas, a par destas, outras se contam que, como já disse, traduzem fins a realizar e cuja inclusão na Lei de Meios denota, do Sr. Ministro das Finanças o louvável propósito de tornar conhecidos do País, além dos critérios que hão-de presidir à cobrança das receitas e à sua aplicação, objectivos fundamentais de justiça tributária, de austeridade e de boa administração que o Estado pretende atingir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As disposições da proposta da Lei de Meios que prescrevem que a
Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal prosseguirão os seus estudos para dar realização aos fins enunciados na Lei n.º 2:045, de 23 de Dezembro de 1950, definem o propósito do Governo de dar ao nosso sistema tributário uma maior simplicidade e clareza, realizando uma melhor justiça.
No mesmo objectivo se deve enquadrar a disposição que prevê, no próximo ano económico, a uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais destinadas a organismos corporativos e de coordenação económica.
Certas disposições da proposta da Lei de Meios, a exemplo da lei votada o ano passado, consignam regras de austeridade financeira e de boa administração que, pela sua importância, o Sr. Ministro das Finanças quis ficassem expressas neste diploma.
São de austeridade financeira as que estabelecem o princípio da rigorosa economia para os serviços públicos na utilização das verbas orçamentais que lhes são destinadas, a limitação ao indispensável das compras a efectuar no estrangeiro, a diminuição das publicações oficiais e do seu custo, as que prevêem a revisão das disposições legais e da prática em vigor sobre a existência e utilização dos automóveis dos serviços do Estado e dos organismos corporativos e de coordenação económica e ainda as que determinam o não preenchimento, de uma forma geral, das vagas ocorridas no pessoal .civil dos Ministérios:
Exprimem regras de boa. e sã administração os preceitos da proposta da Lei de Meios que mandam se prossigam os estudos e inquéritos relativos ao regime legal e situação financeira dos fundos especiais e os que determinam que todos os serviços públicos e estabelecimentos fabris do Estado que mantenham explorações agrícolas, pecuárias ou industriais deverão possuir, independentemente da contabilidade orçamental, uma organização contabilística, adequada à importância das mesmas explorações, que permita uma perfeita avaliação dos resultados anualmente obtidos e respectivos custos de produção.
A Lei de Meios para 1952 reflecte também a preocupação do Governo de dar uma melhor organização aos serviços públicos. Neste objectivo se enquadram as disposições que prevêem a realização dos estudos necessários à determinação da eficiência daqueles serviços, à reforma dos seus quadros e à adopção de métodos que permitam obter melhor rendimento com o menor dispêndio.
Nesta ordem de objectivos estão também o artigo 14.º e a primeira parte do artigo 16.º da proposta de lei em discussão: aquele refere-se à introdução da mecanização no processamento dos vencimentos e outros abonos certos ao pessoal pago por força de dotações inscritas no Orçamento Geral do Estado e noutros serviços das contribuições e impostos; esta à actualização e simplificação dos serviços de tesouraria, em ordem à mais conveniente disciplina das respectivas operações e sua contabilização e à correspondência das disponibilidades e responsabilidades efectivas do Tesouro.
E, já que enumerei aquilo que, no meu entender, considero os fins fundamentais das disposições que constituem o conteúdo da Lei de Meios para 1952, há que citar também dois preceitos que visam objectivos importantíssimos: o do artigo 15.º, que determina que a partir de 1952 a Conta Geral será precedida de um balanço pelo qual se possa ter conhecimento das mais valias patrimoniais do Estado resultantes da execução do respectivo orçamento, e o da parte final do artigo 16.º, que prevê a revisão do regime jurídico e administrativo dos bens do Estado, em vista a assegurar a sua defesa e melhorar a sua produtividade económico-social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O conteúdo da disposição do artigo 15.º da proposta da Lei de Meios não é novo entre nós. Vem da legislação da monarquia, e o Decreto-Lei n.º 27:223, de 21 de Novembro de 1930, expressamente consignava a regra de que a Conta Geral do Estado deveria conter, a partir desse ano, o balanço entre os valores activos e passivos do Estado.
Pretende-se assim reafirmar um princípio que está na nossa legislação financeira, trazendo-o para o plano das obrigações fundamentais que a Lei de Meios exprime e traduz.
A elaboração de um balanço pressupõe,, em rigor, a existência de um inventário prévio, ou seja o cadastro do património do Estado.
Se é de elementar necessidade a existência de um inventário em todos os empreendimentos particulares, essa necessidade impõe-se, por maior força de razões, relativamente aos bens do Estado, dada a multiplicidade dos valores que constituem o seu património.
O Sr. Presidente do Conselho quando Ministro das Finanças várias vezes acentuou no relatório que precede a Conta do Estado que não se pode fazer ideia exacta do que significa o aumento da dívida pública senão pelo cotejo com o desenvolvimento do Património.
A administração financeira iniciada há vinte e três anos teve neste capítulo de partir do nada para conseguir os elementos que, embora deficientes e incompletos, representam, todavia, uma tentativa séria para organizar o cadastro público.
Em 1938 pôde efectivamente a Direcção-Geral da Fazenda Pública, através da Repartição do Património, elaborar o primeiro cadastro dos bens do Estado.
Examinando-o, podemos apreciar da diversidade dos bens que o Estado possui, do valor da tarefa empreen-
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dida, do muito que falta fazer para possuirmos um cadastro exacto e completo.
O património do Estado é dividido nesse primeiro cadastro em duas grandes categorias:
Numa primeira estão, entre muitos outros, as estradas, as linhas férreas, os aquedutos, as obras marítimas e fluviais, os museus, as bibliotecas e arquivos, os palácios e monumentos nacionais, todo esse conjunto de valores que constituem os bons do domínio público.
Numa segunda categoria estão os bens do domínio privado, ou sejam, entre outros, alguns bens em regime de concessão, os títulos e papéis de crédito, os imóveis e móveis que o Estado possui para o desempenho da sua missão administrativa (bens do domínio administrativo) ou como simples particular (bens do domínio fiscal).
Os primeiros totalizavam, em 1938, 7.850:000 contos; os segundos, 3.594:000 contos.
Posteriormente tem-se continuado a recolha de elementos para o aperfeiçoamento e actualização do valor do cadastro dos bens do Estado.
Os últimos elementos apurados respeitam a 1948 e dão ao património do Estado um valor de 20.000:000 de contos, sendo 11.385:000 relativos aos bens do domínio público e 8.671:000 referentes aos do domínio privado.
Dadas as omissões verificadas, a diminuição do poder de compra da moeda e o baixo critério das avaliações feitas, não será exagerado atribuir aos bens do Estado um valor de cerca de 40.000:000 de contos. Anote-se que a divida do Estado a cargo da Junta do Crédito Público anda à roda apenas de 10.000:000 de contos.
Seria deveras útil que se« pudesse organizar um cadastro completo, definindo o seu âmbito, classificando os bens, adoptando critérios rigorosos de avaliação, porventura diferentes para as diversas espécies de bens a avaliar, de forma a, num período curto de anos, ter-se atingido esse objectivo.
Sabemos que esse é o propósito do Ministério das Finanças, e aqui o queremos sublinhar com louvor, porque, se a sua realização tem incontestáveis vantagens administrativas e económicas, no ponto de vista político tem também o mérito de, por um trabalho de confronto, mostrar ao País a valorização de que o património do Estado foi objecto nos últimos vinte e cinco anos dê administração pública.
Enquanto esse objectivo não for atingido, manda a proposta da Lei de Meios que a Conta Geral do Estado seja precedida de um balanço pelo qual se possa ter
conhecimento das mais valias patrimoniais do Estado resultantes da execução do respectivo orçamento.
Todos os anos poderá assim a Nação saber o que os Poderes Públicos gastam na criação ou aquisição de bens novos, na melhoria, valorização e conservação de bens já existentes e verificar a medida em que gradualmente se desenvolve e aumenta o valor do património nacional.
Se convém esclarecer a Nação sobre os resultados da administração financeira do País, a Assembleia Nacional tem de congratular-se antecipadamente se este objectivo for integralmente atingido.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A Lei de Meios para 1952 move-se na órbita do actual sistema tributário - com as suas vantagens e as suas deficiências, os seus méritos e os seus anacronismos.
Ao dar posse às comissões encarregadas de estudar e aperfeiçoar o sistema geral de contribuições e impostos; o Sr. Ministro das Finanças definiu, com grande clareza, os princípios que informam o actual regime tributário e os objectivos que se pretendem realizar com o trabalho das comissões que empossou.
Sendo essa síntese admirável, pode ficar-se com uma ideia do que vale no conjunto o actual sistema e as reformas de que carece para que se atinja uma maior equidade e se realize uma melhor justiça tributária.
O regime actual caracteriza-se por uma produtividade que é a própria expressão da vida económica, tanto nos seus períodos de progressividade como nas suas épocas de depressão. Isto quer dizer que acompanha- a matéria colectável, o seu nível e as suas variações, e tal preocupação não deixa de revelar um primeiro e fundamental propósito de justiça.
Quando, em 1929, Salazar, equilibradas as Contas Gerais do Estado, lançava as bases das grandes reformas financeiras, caracterizou assim os defeitos fundamentais do nosso sistema tributário:
a) Anarquia das matérias colectáveis, deficiente e irregularmente determinadas;
b) Existência de taxas excessivamente altas, único meio que o Estado encontrou de se compensar da deficiência, dos rendimentos manifestados;
c) Irregular distribuição da carga fiscal, estando precisamente a ser tributados com exagero os contribuintes que melhor cumpriam os seus deveres para com o fisco;
d) Multiplicidade de impostos sobre o mesmo facto tributário, com casos nítidos de dupla tributação;
e) Exigência de numerosos contactos do contribuinte com o fisco;
f) Uma técnica de liquidação e. lançamento dos impostos trabalhosa, complicada, inferior e, portanto, cara.
Colocado simultaneamente perante a impossibilidade de aumentar a carga fiscal e de dispensar uma parte apreciável do montante global dos impostos, e no receio de substituir um sistema de rendimento conhecido por um sistema de resultados incertos, o Ministro das Finanças, tendo em conta as realidades do momento e do meio, procurou reformar o regime então vigente por forma a corrigir os seus defeitos mais salientes.
E, assim, estabeleceram-se princípios para a correcção das matérias colectáveis, diminuíram-se e uniformizaram-se as taxas dos impostos, deu-se a estes uma maior certeza, adoptaram-se critérios de maior justiça na distribuição dos encargos fiscais, diminuíram-se e simplificaram-se os deveres do contribuinte para com o fisco e estabeleceu-se uma nova técnica de liquidação nas repartições de finanças.
Fez-se do rendimento normal ou do lucro presumível a base da incidência do imposto, visto não ter expressão prática muitas vezes o chamado rendimento real. Permitia-se, até certo ponto, a evasão do imposto na parte em que o real excedia a normalidade do rendimento.
Mas a reforma não via nisso inconveniente. Antes considerava essa circunstância como factor de estímulo e de progresso económico.
A reforma de 1929 abriu novos horizontes ao direito fiscal português, e muito se fez, desde então, no sentido de "ordenar o material colectável, de se estabelecerem critérios objectivos e gerais nas relações entre o contribuinte e o Estado, de se acabar com a confusão dos adicionais e com a diversidade de impostos tendo a mesma base de incidência.
Mas, tendo de mover-se no condicionalismo do equilíbrio das contas do Estado e de respeitar uma estrutura tradicional, a reforma não pôde resolver inteiramente todos os males de que enfermava o nosso regime tributário. Nem essa era a sua pretensão.
Apesar de reduzidos a categorias fundamentais os nossos grandes impostos directos, permanecia em vigor,
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como não podia deixar de ser, a legislação que regulava cada um deles e que teve de ser posteriormente completada com nova legislação e com um número infinito de regulamentos, portarias, circulares e acórdãos; muitos justificados pelas necessidades da interpretação e da hermenêutica, outros impostos pelo novo condicionalismo económico, outros tendentes a obviar à tendência natural para a evasão do imposto. Dir-se-á que a complexidade da vida encontrou a sua melhor expressão na complexidade do direito.
O Sr. Ministro das Finanças, no discurso a que aludi, cita dois exemplos bem expressivos: a contribuição predial, desde o seu código fundamental de 1913, é regulada por quarenta e duas leis, cento e noventa e um decretos e oito portarias; o imposto sobre as sucessões e doações foi objecto nos últimos cinquenta anos de duzentos e oitenta e cinco diplomas.
Acrescente-se a isto o que se chama o direito instrutivo e ter-se-á uma ideia, da complexidade do nosso direito fiscal.
Mas não é só o direito fiscal que é complexo. A vida actual é também complexa e é diferente, no seu sentido e nas suas instituições.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Exigiu-se da Nação um grande esforço no sentido de, tanto quanto possível, reduzir ao mínimo a sua dependência dos mercados externos. Fez-se um progresso evidente nos domínios da técnica. O País, aproveitando novas energias, deu um passo decisivo no caminho da industrialização, na metrópole e no ultramar. Mas esta alteração profunda na feição da nossa economia traduziu-se numa larga política de investimentos, na formação de grandes companhias e na substituição da empresa individual por sociedades anónimas e por quotas. O facto não pode ser indiferente aos fenómenos da tributação, à incidência, à destrinça e à cobrança dos impostos.
Por outro lado, o País caminhou no sentido de se organizar corporativamente. Lançaram-se também as bases da previdência social.
Tudo isso foi fonte de benefícios, mas evidente origem de encargos.
Ao lado das contribuições gerais do Estado surgiram os encargos corporativos e as contribuições para as caixas de previdência. Este novo condicionalismo põe problemas de capacidade e de justiça tributária. Torna-se necessário saber e averiguar a medida em que as actividades colectadas podem suportar estas múltiplas tributações e evitar todas as injustiças que derivam da aplicação do sistema. O Sr. Ministro das Finanças aflorou uma delas ao por em paralelo os contribuintes cuja tributação assenta, em grande parte, sobre as suas declarações com os que, através dos organismos corporativos, mostram claramente todo o volume dos seus negócios e revelam, portanto, todas as suas possibilidades de colecta.
São prementes e cada vez maiores as necessidades do Tesouro. Indiscutíveis certos encargos corporativos; a previdência social corresponde hoje a um dos fins primordiais do Estado. Todavia há que rever todas estas imposições para que não se estanquem as fontes do rendimento que são sangue e vida da Nação. Sem uma margem regular de lucros não há investimento, e sem investimento não há progresso económico nem constituição de reservas, sempre aconselháveis, sobretudo nas épocas incertas em que vive presentemente o Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Talvez por isso pôde o Sr. Ministro das Finanças discretamente dizer que tem dúvidas sobre os resultados da exagerada progressividade.
Como vão trabalhar as comissões encarregadas de estudar e aperfeiçoar o direito e a técnica fiscal? Certamente nas linhas da justiça, da equidade, do ordenamento e da simplicidade que devem constituir as bases dum razoável e criterioso sistema tributário. É cedo ainda para vaticinar os princípios novos que adoptará, aquilo que irá buscar à doutrina e à especulação pura, a posição de escola que tomará.
O Sr. Ministro das Finanças proferiu a este respeito palavras tranquilizadoras, dizendo:
Temos de ser razoáveis, segundo o pensamento remodelador do Decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929. Se nada pudéssemos fazer, teríamos de voltar ao princípio - pegar no texto puro, sem hermenêuticas, sem instruções, e começar de novo.
A vinte e dois anos de distância não se pode prestar maior homenagem a uma reforma que, feita em Portugal e para portugueses, encontra talvez aí a grande razão da sua actualidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Na Lei de Meios para 1951 estabelecia-se o princípio de que a carga tributária será proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional e distribuída de harmonia com a sua composição.
E preceituava-se também que o Governo faria prosseguir os trabalhos do Instituto Nacional de Estatística, para a determinação do capital e rendimento nacionais, devendo a primeira estimativa deste ficar concluída, embora com carácter provisório, até 31 de Outubro de 1951.
Na actual Lei de Meios não se consigna a regra formulada no artigo 4.º da Lei n.º 2:045, talvez porque, sendo o rendimento a base da colecta dos grandes impostos directos, o conjunto do sistema tributário tem, evidentemente, por base o rendimento da Nação.
Nos elementos enviados a esta Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças figura já a primeira estimativa do rendimento nacional, referida na Lei de Meios anterior.
A estimativa engloba oito rubricas:
1) Agricultura e silvicultura;
II) Pesca;
III) Indústrias extractivas e transformadoras;
IV) Serviços:
a) Governamentais;
b) Outros.
V) Rendimentos provenientes do estrangeiro;
VI) Rendimento nacional ao custo dos factores;
VII) Impostos indirectos;
VIII) Rendimento nacional a preços de mercado.
O rendimento nacional compreende a remuneração dos diversos factores da produção, ou sejam salários e ordenados (trabalho), juros e lucros (capital), rendas (retribuição da terra) e rendimento do empresário individual, dada a dificuldade de distinguir neste aquilo que é retribuição do trabalho e aquilo que corresponde à remuneração do capital investido.
É fácil ajuizar do conteúdo das três primeiras rubricas da estimativa provisória do rendimento nacional, enviada a esta Assembleia: agricultura e silvicultura, pesca e indústrias extractivas e transformadoras.
A quarta rubrica refere-se « serviços. Estão incluídos nesta rubrica, além dos serviços do Estado, todas as actividades não incluídas nas três rubricas anteriores. Impossível é, por isso, enumerá-las. Abrange as profissões liberais, os transportes, as comunicações, o comer-
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cio por grosso e a retalho, os bancos e companhias de seguros, ou seja uma infinidade de sectores de produção.
Os rendimentos provenientes do estrangeiro abrangem os rendimentos de capitais (juros e dividendos) investidos lá fora, as remessas dos emigrantes e os donativos. Não há coincidência entre os invisíveis da balança de pagamentos e esta rubrica. Nela não figuram, por exemplo, os fretes pagos à marinha mercante portuguesa.
O rendimento nacional, quando dividido pelos diversos factores da produção, é aquele que na estimativa enviada a esta Assembleia chama rendimento nacional ao custo dos factores, e corresponde evidentemente à soma das rubricas anteriores.
Nos preços dos produtos no mercado há, muitas vezes, uma parte que corresponde ao custo de produção acrescido do lucro e outra que resulta de impostos indirectos. Quando se deduz dos preços aquilo que corresponde ao pagamento de impostos indirectos, temos o que se denomina rendimento nacional a preços de mercado. É a rubrica 8.ª da estimativa.
A determinação do rendimento nacional é, em todos os países, objectivo dominante da Administração, pelo esclarecimento que presta ao estudo e solução de muitos problemas.
Não podemos deixar de enaltecer o esforço e a boa vontade revelados pelos serviços de estatística para dar efectivação a esse anseio do Governo, várias vezes também expresso nesta Assembleia.
Mas a obra é grande de mais para que se possa fazer rapidamente com a perfeição necessária.
Exige estatísticas aperfeiçoadas. Demanda a cooperação devotada dos diversos sectores da produção.
É relativamente fácil determinar o rendimento dos serviços públicos através dos elementos de contabilidade oficial. A tarefa está também muito facilitada relativamente à agricultura, dada a existência de estatísticas já muito perfeitas e desenvolvidas. Multiplicando a produção agrícola pelos preços do mercado e depois deduzindo o que a agricultura paga a outros sectores da produção (máquinas, fertilizantes, etc.), teremos achado o rendimento líquido dessa importante fonte de riqueza do País.
As dificuldades aumentam quando se passa para os outros sectores da produção, dado que possuímos poucas estatísticas industriais e não existem entre nós as chamadas estatísticas de distribuição (comércio, hotéis, camionagem, etc.).
Para a determinação do rendimento nacional dividiu-se a actividade da população em quatro grupos:
A) Agricultura e pesca;
b) Funcionalismo;
c) Indústrias extractivas e transformadoras;
d) Outros serviços.
Para se fazer uma ideia do esforço já realizado e das dificuldades ainda a vencer basta dizer que o número de pessoas englobadas nas actividades denominadas «outros serviços» anda à volta de 600:000.
Deu-se um primeiro passo dividindo o referido grupo em secções, deixando assim de se atribuir uma capitação única a todos os componentes desse conjunto. Relativamente a certas actividades como bancos, companhias de seguros, transportes em caminhos de ferro foi possível obter elementos recorrendo aos relatórios das respectivas administrações. Noutras, como na camionagem, utilizou-se o inquérito. E terá de continuar-se esta tarefa, de seccionamento daquele importantíssimo grupo da população portuguesa, por forma a obterem-se conjuntos homogéneos que permitam obter rendimentos, por cabeça, com significado real.
Muito se tem feito na determinação do rendimento nacional. Mas o seu melhor e completo apuramento está
dependente de dois factores: primeiro, a elaboração dos grandes censos económicos o da produção agrícola, o da produção industrial, o da distribuição de bens e de serviços. Depois, a compreensão de todos os portugueses para os utilíssimos resultados desse objectivo, como elemento de orientação nas finanças e na economia. E dizemos elemento de orientação porque, estou certo, todos temos sérias dúvidas se o País poderia suportar uma tributação que assentasse, rigorosamente, no seu rendimento real.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-Sr. Presidente: se em matéria de receitas a proposta da Lei de Meios mantém, fundamentalmente, os encargos fiscais existentes e anuncia uma revisão do sistema tributário, confiada ao estudo de duas comissões, na parte relativa a despesas, e como já disse, prevê dois novos e importantes encargos: um que resulta de um novo suplemento sobre as remunerações base do funcionalismo público; outro destinado a despesas militares.
Nenhum reparo se pode fazer a estes dois gastos.
O funcionalismo público desempenha a sua missão por forma só merecer elogio e louvor. Nas grandes cidades ou nos pequenos aglomerados rurais, servindo os mais altos fins do Estado ou limitando-se a manter o funcionamento da máquina administrativa, discorrendo na cátedra universitária ou ensinando as primeiras letras às crianças do povo simples e humilde, vigilante nos quartéis ou guardando os caminhos do mar e as fronteiras longínquas do nosso império, o funcionalismo civil e militar, pela sua dedicação, honestidade e espírito do servir, só bem merece da Nação.
Não devemos, por isso, deixar passar sem louvor expresso a disposição consignada no artigo 19.º da proposta da Lei de Meios, a qual, se visa a melhorar os vencimentos do nosso funcionalismo, tem um significado mais transcendente: o de provar que o Estado não está nem alheio nem indiferente à situação, aos anseios e às dificuldades dos que o servem.
A outra grande verba visa a ocorrer a despesas militares. Corresponde a um montante de 1.500:000 contos a despender num período de três anos.
Compreende-se a sua importância e avalia-se do seu reflexo nas finanças do País. São somas avultadas que a Nação vai pagar com o seu trabalho e o seu esforço quotidiano e que podiam ser utilizadas na melhoria das suas condições gerais de vida ou na criação de novos factores de riqueza. Mas, se o secundário tem de sacrificar-se ao principal, manda a razão defender, antes de tudo, os fundamentos da nossa liberdade, a essência da nossa ordem jurídica e social, as conquistas e verdades da nossa civilização.
Não será perdido o esforço feito, porque visa a preservar a paz e garantir a independência da Pátria. E prouvera a Deus que este império magnífico, que atravessou uma das maiores crises da História e do Mundo sem deixar cair no caminho nenhuma das suas parcelas, possa em breve voltar a consagrar todas as suas possibilidades e recursos, em bens, em trabalho e em vontades, à causa do seu progresso e do seu engrandecimento aspiração constante do passado; anseio e guia, luz e esperança do presente!
Srs. Deputados: a vossa Comissão de Finanças encarrega-me de exprimir, na discussão na generalidade, a sua concordância com a proposta da Lei de Meios para o próximo ano. Muito gostosamente, Sr. Presidente, me desempenho desse honroso encargo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Melo Machado: - o Sr. Ministro das Finanças, antigo Deputado, experiente dos inconvenientes que para nós e para esta Assembleia representava o aparecimento tardio desta proposta de lei, continua caprichando em apresentá-la em termos de lhe podermos prestar a nossa melhor atenção.
Infelizmente, este ano essas boas intenções foram prejudicadas para não dizer anuladas pelo tardio aparecimento do parecer da Câmara Corporativa, trabalho erudito, extenso, minucioso, e só me admiro de que tenha podido ser realizado no espaço de um mês. Mas aqui é caso para dizer que talvez menos fosse igual a mais.
E por esta simples razão: é que, tendo esse parecer, tão erudito e minucioso, aparecido na Comissão apenas a dois dias úteis do final do prazo em que a mesma Comissão devia dar por concluídos os seus trabalhos, não pôde ser apreciado como merecia.
Não vai nestas minhas palavras nenhum desapreço pelo trabalho, realmente valioso, que realizou o relator deste parecer, mas apenas o pesar de não ter podido efectivamente aproveitá-lo tanto quanto merecia, e ao mesmo tempo ter até certo ponto, por essa razão, prejudicado o estudo da Lei de Meios, que o Sr. Ministro das Finanças tanto se empenhou em mandar-nos em devido tempo.
Também S. Ex.ª, que aqui ouviu durante tantos anos as reclamações, em favor do contribuinte, da simplificação do sistema tributário e da clareza e codificação da legislação fiscal, se mostra empenhado em dar satisfação a todas essas tão justas reclamações.
E esta atitude motivo para todos nós de grande satisfação, mas permita-se-me ser dos que com ela mais se regozijam, por ter sido sempre, desde o início, quem com mais constância, mais pertinácia e, porventura, com mais impertinência aqui sempre pugnou exactamente por tudo aquilo a que S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças está procurando dar satisfação.
As considerações feitas por S. Exª. num discurso recente, ao dar posse às comissões que hão-de estudar e aperfeiçoar o direito e a técnica fiscal, também me merecem especial referência. Por elas ficamos sabendo que S. Exª. não é partidário da opinião de sangrar o contribuinte até anular nele o desejo de economizar e de amealhar, de constituir reservas para as legar aos seus descendentes.
Isso, de resto, seria tão contrário à nossa maneira de ser como o é, certamente, aos melhores sentimentos que conduzem ao desejo de garantir além da morte o bem estar da família, apurando na alma, no coração e na inteligência dos homens esse sentimento maravilhoso que é o amor da família perfeitamente oposto ao egoísmo feroz dos que pretendem apenas gozar a vida, aplicando e gastando até ao último ceitil na sua fugaz passagem pelo Mundo.
Suponho mesmo que, se há agora no Mundo menos patriotismo, é porque existe menos amor da família e muito mais egoísmo, sendo, todavia, legítimo reconhecer que são os Estados insaciáveis de contribuições que criam nas populações esse estado de alma.
Graças a Deus que S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças entende, e bem, que não é esse o caminho a seguir.
Também S. Ex.ª, ao discursar na posse do novo director-geral das Contribuições e Impostos, se proclamou defensor do contribuinte, afirmando que a secular tendência das despesas públicas carece de ser refreada ou travada ao menos, e que neste caso o fisco, Administração e contribuinte coincidem na mesma zona de interesses.
Concordo absolutamente com as afirmações de S. Ex.ª e acho que tem inteiramente razão. E, porque assim é, atrevo-me a chamar a atenção de S. Ex.ª para um
facto que ocorre no seu próprio Ministério: a Portaria n.º 10.055, de 25 de Março de 1942, publicou os modelos do mobiliário das repartições de finanças, e aos que dirigem esse sector não interessa que essas repartições estejam ou não regularmente instaladas pelas câmaras municipais, em muitos casos muito melhor instaladas do que aquelas que o Estado mantém em Lisboa; o que interessa é que efectivamente o mobiliário corresponda aos modelos oficiais, e, então atormentam as câmaras para que elas ponham esse mobiliário nas condições da portaria, a qual não é peca em exigência.
E eu digo a VV. Ex.ª como é que a portaria entende que esse mobiliário deve ser constituído.
Essa portaria diz a que os balcões e o mobiliário será o construídos de mogno, castanho, carvalho, macacaúba, ou de madeira semelhante».
Eu devo dizer a VV. Ex.ªs que neste tempo em que tudo é tão caro, em instalações de certa amplitude, essas exigências custam rios de dinheiro.
E há, senhores, tantos poços pura abrir, outros tantos que a higiene manda tapar, tantas estradas e caminhos intransitáveis!
Estes dispêndios, tantas vezes escusados e injustificados, colidem directamente com o contribuinte, a quem se deixa de dar aquilo que muito legitimamente lhe pertence.
Esta proposta de lei orienta-se, como não podia deixar de ser, pela obrigação de manter o equilíbrio das finanças do Estado.
Da leitura desta nova proposta não me ficou a noção de que houvesse qualquer agravamento para a situação do contribuinte, salvo no que respeita às acumulações que rendam mais de 240 contos. Mas esse assunto ficará para ser discutido na especialidade.
Quando li a proposta, antes de ter recebido estas notas preciosas que o Sr. Ministro das Finanças teve u amabilidade e o cuidado de mandar, não só para a Comissão de Finanças, mas também a cada um dos Srs. Deputados, gentileza e atenção que temos de agradecer, ao ver que havia por um lado agravamento do imposto complementar no que se refere às acumulações cujo rendimento seja. superior a 240 coutos e por outro desagravamento pelo alargamento das isenções do imposto profissional, supus que se tratava de compensação; ao receber, porém, estes dados tive ocasião de verificar que cada vez que se alargam os limites das isenções o Estado recebe mais dinheiro e assim em 1942 alargam-se os limites fixados para as isenções, e o Estado recebe 23:000 contos, em vez de 19:000 contos; em 1944 novo alargamento, e recebe 34:000 contos, em lugar de 30:000 contos; em 1946 novo alargamento, e recebe 42:000 contos, em lugar de 38:000 contos-, de maneira que a ideia que eu tinha formada de que se tratava de uma compensação desapareceu completamente do meu espírito e assim o objectivo do artigo 6.º que trata das acumulações, é outro.
Devo dizer a VV. Ex.ªs que quase todas as propostas da Lei de Meios que têm vindo a esta Assembleia têm parecido igualmente inocentes e inofensivas no aspecto de agravamento para o contribuinte.
Todavia, o rendimento das contribuições tem triplicado desde 1931 a 1939. Descontado que seja o natural desenvolvimento económico do País e a desvalorização da moeda, fica lugar bastante para as circulares confidenciais, as quais escapam à nossa análise e ao nosso conhecimento.
Agora que se fala, e bem, em conhecer o rendimento nacional, para obviar por via dele a que se colecte o contribuinte além das suas possibilidades, depois de há dois anos se ter reconhecido que a contribuição industrial já não poderia provavelmente dar mais rendimento, conhecida a situação do comércio e a crise que
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se atravessa, impressiona que haja ainda secretários de finanças, certamente em razão da velocidade adquirida, que continuem a querer tirar dessa contribuição mais rendimento.
Suponho que o exagero fiscal não rende, não interessa sequer ao próprio Estado, pois esse excesso, em país de limitados recursos como o nosso, de economia tão estreita, tão precária, e em momento de crise económica, não rende, não pode render, salvo com risco para a própria economia e, consequentemente, para os rendimentos do Estado.
O artigo 8.º, onde se fala da unificação de taxas de organismos corporativos, não deixa de trazer ao meu espírito certas preocupações.
Entre os vários organismos de coordenação económica avultam os que estão directamente ligados à lavoura. Posso, de maneira geral, afirmar que deram as suas provas e que são úteis na sua acção.
Não quero fazer excepções nas minhas referências e, se especializo alguns, faço-o simplesmente por ter da sua acção conhecimento mais detalhado, mais perfeito, mais completo.
Haverá quem suponha que a vinicultura poderá viver hoje sem a acção coordenadora, sem a vigilância protectora e sem a orientação inteligente da Junta Nacional do Vinho, orientação que se traduz, além do mais, além do muito mais, por essa obra admirável das adegas cooperativas, única base sólida, segura, sob que é possível construir a solução do problema vinícola do País, com mais de 80 por cento de pequenos produtores notavelmente deficientes de conhecimentos técnicos, de instalações precárias ou praticamente inexistentes e de economia, mais do que débil, inconsistente?
Se há, Sr. Presidente, quem pense assim, eu posso afirmar, com a autoridade que me dá uma vida já longa «m permanente contacto com os problemas vinícolas, que qualquer entorpecimento da acção da Junta Nacional do Vinho representará para a vinicultura portuguesa uma verdadeira catástrofe.
O que é preciso, ião contrário, é dar-lhe todos os meios necessários para dominar o problema, pois não se compreende, por exemplo, que esteja fora do seu âmbito a própria cultura da vinha e a produção do álcool, cuja orientação ou soluções têm sempre reflexo, bom ou mau, na situação vinícola, problema este que foi sempre, é e será basilar na nossa economia.
A Junta Nacional do Vinho manteve durante anos um serviço de assistência técnica durante o período das vindimas, que, além de ser bem aceite pelos viticultores, estava produzindo os seus benéficos resultados.
Há dois anos, porém, entendeu-se que essa assistência não pertencia à Junta, mas sim à Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas. Para tanto, com certo arruído, se convocaram os agrónomos dela dependentes e se enviaram a realizar a campanha.
Esta actuou com os elementos que lhe dispensaram, as mais com a boa vontade dos que a tinham a seu cargo do que com as facilidades e meios de que dispunha. Foi, porém, fogo de palha, pois nunca mais tal assistência se realizou.
Para tanto não valia a pena ter tirado essa função, à Junta Nacional do Vinho, onde se encontrava muito bom e era cabalmente desempenhada.
Mas poderá, Sr. Presidente, a cultura cerealífera dispensar igualmente a actuação ida federação Nacional dos Produtores de Trigo, que acabou de uma vez para sempre com o tripúdio da moagem sobre o lavrador, com o sofisma do peso específico, e que, se não pôde tornar rendosa, em anos tão maus como os que temos tido ultimamente, uma cultura que está entre nós fora do seu habitat mais propício, pode, todavia, pagar toda a produção no momento da colheita, dotá-la de melhores sementes, ampará-la financeiramente, realizar estudos que habilitam a tomar posição decidida >na sua viabilidade económica?
Poderá a orizicultura dispensar também a acção da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, de cuja inteligente e meritória actuação mais de uma vez tenho tido ocasião de pôr em relevo nesta Assembleia?
Suponho, Sr. Presidente, que não se poderá responder afirmativamente a estas interrogações e que estes organismos como porventura outros do mesmo género, que só não cito reafirmo porque os não conheço com o mesmo pormenor, com o mesmo contacto de todos os dias, são hoje absolutamente indispensáveis à lavoura, que se sentiria desamparada e bruscamente voltaria ao caos se se visse privada da sua acção.
O Sr. Ministro das Finanças, justamente nestes dados que nos mandou, publica o sumário dos orçamentos dos vários organismos corporativos e de coordenação económica, e é certamente impressionante esse número. Mas direi a VV. Ex.ª que, ao apresentar-se este mapa, devia incluir-se uma coluna que desse o total das despesas administrativas separadas das de fomento. Nestas últimas estão englobados os empréstimos e financiamentos de que a lavoura se socorre e a aquisição de géneros, quer para regularização do mercado, quer para a sua completa absorção, como sucede, por exemplo, com os trigos.
O sistema de escrituração adoptado pelos organismos foi imposto pelo Conselho Técnico Corporativo - que Deus haja e tenha bem fechado na sua mão.
Parece indispensável separar nitidamente as contas propriamente de administração das dos empréstimos, que esses organismos utilizam não para si, para a sua administração, mas para acudirem à lavoura e actuarem em seu benefício.
Assim a Junta Nacional do Vinho, cujas despesas de administração no orçamento publicado não vão além de 16:149 contos, figura no total com um movimento de 134:347 contos, sendo de notar que um quarto da verba destinada à administração 4:302 contos - era de despesas sociais, incluindo estas 1:672 coutos para o Fundo comum das Casas do Povo.
Igualmente a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, cujas contas de administração nos últimos cinco anos nunca excederam 44:500 contos, apresenta nas contas de 1950 um movimento de 1.370:000 contos. Não há que estranhar este número quando nele se incluem empréstimos de 500:000 ou 600:000 contos destinados a compra de cereais, nos quais, diga-se de passagem, a Caixa Geral de Depósitos figura com 146:785, sendo o restante obtido na banca particular.
Esta única verba movimentada duas vezes uma quando recebida dos bancos, e dada em pagamento aos produtores; outra quando recebida da moagem, e entregue novamente ao banco - lá um movimento superior a 1 milhão de contos.
Com muitos outros organismos sucederá o mesmo, não devendo portanto o número apresentado pelos orçamentos dos organismos corporativos ser considerado em absoluto sem estas explicações necessárias, para que no espírito público não fique uma impressão falsa duma administração perdulária e atentatória da economia nacional, quando, na verdade, esse dinheiro se gasta em proveito e benefício da economia nacional -no caso sujeito da lavoura nacional, bem digna, aliás, dos auxílios que lhe prestam, já que, apesar de tudo, não deixa de levar uma amargurada vida económica.
Ë indispensável que se reconheçam os benefícios efectivos da organização corporativa e que se façam todas as diligências para levar ao conhecimento do contribuinte esses benefícios.
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Não admira, portanto, que o .conhecimento destes números, sem as necessárias explicações, dê lugar a apreciações injustas do público mal prevenido ou des-conhecedor destes assuntos.
O que admira é que o caso que há dois anos aqui trouxe à consideração de VV. Ex.ª e do Governo relativo à multa aplicada u Junta Nacional do Vinho, por errada declaração de lucros, esteja, ainda para ser resolvido pelos tribunais.
Parece-me que factos desta natureza não prestigiam a organização corporativa nem facilitam a sua administração e a sua acção.
Suponho, Sr. Presidente, que quem criou a organização corporativa foi o Estado e que é ele quem administra os organismos de coordenação económica através de pessoas que o próprio Governo escolhe e nomeia.
As funções que este organismo exerce são, pois, julgadas necessárias, úteis e indispensáveis por quem governa, pois só assim se compreende que por seu intermédio se ponham em cada ano à disposição da viticultura importâncias que têm excedido por vezes 200:000 contos.
Se a Junta ganha ou perde, a sua situação reflecte-se no próprio Estado. E pode de alguma maneira um processo desta natureza prestigiar a organização corporativa que o próprio Estado criou e que é fundamento e base da nossa organização política? Confesso que não percebo, mas é com certeza deficiência minha.
Seja como for, estamos num sistema corporativo que importa aperfeiçoar cada vez mais, mas nunca desacreditar, começando precisamente por aqueles organismos que têm mais sólida reputação e cuja acção é compreendida, apreciada e desejada por aqueles que lhe estão sujeitos.
Todos os artigos desta proposta de lei que reflectem o desejo, por parte do Estado, de realizar todas as economias possíveis, a começar pela eficiência dos serviços, merecem o meu aplauso.
Regozijo-me com o facto de S. Exª. o Sr. Ministro das Finanças ter reconhecido ser possível encarar a concessão de um novo subsídio aos funcionários públicos, sem esquecer os aposentados, reformados, da reserva e pensionistas, e regozijo-me duplamente porque tal disposição não só constitui um acto de justiça necessária como demonstra que a situação do Tesouro se encontra mais desafogada.
Todavia, verifico que o artigo 19.º, que ao assunto se refere, não abrange os funcionários administrativos, certamente porque o Sr. Ministro não quis imiscuir-se na vida complicada da administração municipal, mas seria injustiça não considerar esses funcionários, que, trabalhando devotadamente, têm tido sempre uma situação económica pouco brilhante.
Eis, Sr. Presidente, por que envio para a Mesa unia proposta de aditamento no sentido de conceder às câmaras municipais a faculdade de atribuírem aos seus funcionários o mesmo subsídio que for concedido aos funcionários do Estado. Essa proposta está assim redigida:
Proposta de aditamento
ARTIGO 19.º
Proponho que ao artigo 19.º seja adicionado o seguinte $ único:
Ficam as câmaras municipais e demais corpos administrativos autorizados a dar aos seus funcionários um subsídio igual ao que o Estado vier a conceder por virtude da disposição deste artigo.
Lisboa, 10 de Dezembro de 1951. - O Deputado, Francisco Cardoso de Melo Machado.
Também desejo fazer referência às disposições do Sr. Ministro, reveladas através do artigo 13.º, no sentido de obrigar todos os serviços públicos que mantenham explorações agrícolas pecuárias ou industriais a terem uma escrita adequada que permita a avaliação dos resultados anualmente obtidos.
No que respeita às explorações agrícolas e pecuárias, acho isso óptimo, pois assim haverá a vantagem de pôr o Estado em contacto com as realidades e poder-se avaliar exactamente as razões dos muitos protestos, queixas e reclamações da lavoura. E, quanto aos industriais, terá, pelo menos, a vantagem de impedir que aconteça o que se deu no ano passado, em que, tendo eu pedido ao Ministério da Justiça informações sobre o custo do forno de telha da Colónia Penal de Alcoon-tre, recebi a seguinte resposta:
Quanto ao custo dos fornos de telha e tijolo, não podem fornecer-se indicações concretas dessa averiguação muito demorada.
Acho lamentável, Sr. Presidente, que estes casos possam acontecer e estou certo de que a providencia que S. Exª o Sr. Ministro das Finanças apresentou nesta proposta de lei que estamos a discutir obviará àqueles inconvenientes.
Ao considerar tudo o que de grave nos revela o artigo 2õ.º, não posso deixar de considerar a necessidade, cada vez mais premente, de adoptarmos medidas que conduzam à melhoria da produção de bens de consumo.
Se sobre o Mundo paira uma ameaça de guerra, a que não poderemos, pela força das circunstâncias, ficar estranhos, ter com que alimentar a população importa tanto como dispor de meios de defesa. Se se adoptam disposições para que estes não faltem, encaremos com igual preocupação os meios necessários para estimular a nossa produção agrícola.
O ano passado tive ocasião de apresentar aqui a sugestão, em face das importações de açúcar estrangeiro, de que uma pequena parte dessa importação se produzisse no solo metropolitano, resolvendo com essa simples medida vários problemas, tais como o abastecimento de açúcar, o melhor, aproveitamento das obras de regadio, mais trigo, mais carne, afastando-se um problema que é já uma ameaça electiva: o excesso da produção de arroz.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Manuel Vaz: - E o da batata !
O Orador:-Não sei se esta sugestão mereceu qualquer atenção ao Governo. Seja como for, é meu convencimento que carecemos de lançar mão desta e de outras culturas industriais, tais como o tabaco e o algodão, para. podermos equilibrar a nossa economia agrícola, sobretudo em relação ao Alentejo, e tendo em consideração as obras de hidráulica agrícola.
E, para que VV. Ex.ªs não suponham que faço fantasia com estas minhas considerações, mostro à Câmara um pouco de algodão colhido no Egipto pelo nosso antigo e querido colega Sr. Engenheiro João Mexia e outro criado e colhido na região de Vendas Novas durante o Verão que acabou de passar, aliás bem pouco quente, como sabem.
Não se trata efectivamente de uma fantasia, mas de uma coisa realizável.
O facto de se tratar de géneros que são produzidos nas nossas províncias ultramarinas, e cuja produção pode ainda aumentar muito, não deve invalidar a ideia. Também o continente produz milho e nem por isso deixa de o importar das nossas províncias ultramarinas e ainda
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porque é possível limitar essas produções em termos de, sendo eficientes para a nossa economia agrícola continental, não serem gravosas para a produção e economia ultramarina.
Termino, Sr. Presidente, louvando mais uma vez a proposta em discussão por tudo o que me parece conter nas suas intenções e esta nos propósitos do Sr. Ministro das Finanças, mas direi que, sob o signo do artigo 25.º e de tudo o que ele, enquadrado na situação mundial, nos revela, precisamos, afincada, tenaz, inteligentemente, de aumentar a nossa produção, estimulando-a sinceramente, apetrechando-nos para guardar o que porventura nos sobeje, pois tudo o que tivermos nosso, se vier nova guerra, será barato mesmo que seja caro e o que neste sentido não fizermos a tempo redundará em prejuízo insanável da nossa economia, mesmo que seja possível, através dos mares infestados de submarinos, trazer de longe, de muito longe, grande cópia de toneladas de abastecimentos preciosos, que hão-de minguar por toda a parte.
Temos uma experiência dolorosa; que ela nos sirva ao menos para não repetirmos os mesmos erros.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará na sessão dê amanhã. Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
António de Almeida.
António Pinto de Meireles Barriga.
Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António de Sousa, tia Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Coados Mantero BeLard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Medo e Castro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cenqueira Gomes.
Manuel França Vigon.
Manual Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuqueirque.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA