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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 118

ANO DE 1952 11 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 116 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 10 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mo Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou a aberta a sessão às 10 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. -Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 117.

Leu-se o expediente.

O .Sr. Presidente, comunicou que recebera o relatório e contas da Junta ao Credito Público relativo ao ano de 1950 e, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da- Constituição, o Decreio-Lei n.º 38:397.

O Sr. Deputado Galiano Tavares ocupou-se da duração dos trajectos, por caminho de ferro e em autocarros, no distrito de Portalegre e das exigências no posto fronteiriço de Galegos.

O Sr. Deputado Abrantes Taxares falou sobre o surto epidémico harido no hospital da C. U. F. em Junho de 1951 e requereu acerca, do caso, vários elementos.

O Sr. Deputado António Maria da Silva felicitou o Sr. Ministro do Ultramar por ter trazido à. metrópole jornalistas ultramarinos.

O Sr. Deputado Manuel Lourinho requereu vários elementos sobre caixa de previdência e sindicais Casas do Poro e dou Pescadores.

Ordem do dia. - Continuou o debate, na generalidade, acerca da proposta de lei relativa ao condicionamento industrial. Falaram ou fim. Deputados Sousa Meneses e Ricardo Vaz Monteiro.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputado:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de .Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.

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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Gosta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima. Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto. João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca. Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem. Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro. Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses. Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 117.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De uma comissão de industriais de tanoaria acerca da proposta de lei em discussão, relativa ao condicionamento das indústrias.
Do presidente da Câmara Municipal do Barreiro a apoiar as considerações do Sr. Deputado Miguel Bastos acerca da elevação daquela vila a cidade.

Ofício

Da direcção do Grémio da Lavoura de Sintra a solicitar os bons ofícios da Assembleia Nacional no sentido de as indústrias agrícolas serem isentas do condicionamento pela aprovação da base VI da proposta de lei em discussão.

Exposições

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - 1. A Assembleia Nacional vai dentro em pouco começar a discutir a proposta de lei sobre condicionamento industrial, a qual, segundo noticiaram os jornais, baixou já para estudo da Comissão de Economia e Finanças, devidamente acompanhada de um completo parecer da Câmara Corporativa.
Tratando-se de diploma da maior projecção sobre a vida económica e social do País, os sectores interessados aguardam, com compreensível interesse, os termos em que virá a ficar definitivamente concebido. Não pode esquecer-se a íntima conexão que existe entre a instituição do condicionamento e o surto notável que registaram nas duas últimas décadas as iniciativas ligadas às actividades industriais.
Depois de esta proposta de lei haver sido enviada u Câmara Corporativa para elaboração do competente parecer, S. Ex.ª o Ministro da Economia entendeu por bem não aguardar a sua discussão, bem como a revisão das indústrias a condicionar que a mesma prevê, e fez publicar o Decreto m.º 38:143, de 30 de Dezembro de 1950, que isentou do condicionamento uma série de indústrias, inclusive a que todas as signatárias exercem: a indústria de fabrico de vinagre.
Passou, por consequência, II ser inteiramente livre a instalação de novas fabricas de vinagre, pois a Administração renunciou ao controle que anteriormente exercia sobre esta actividade fabril.
2. As consequências desta libertação para as signatárias são as mais graves e encontram-se expostas e justificadas na representação que dirigiram, a S. Ex.ª o Ministro da Economia, solicitando a suspensão do mencionado diploma legislativo e o estudo pormenorizado da sua indústria antes de se tomar sobre ela qualquer decisão, porventura de consequências irreparáveis.
Como indústria organizada em bases técnicas capazes, o fabrico de vinagre conta entre nós menos de vinte anos. O vinagre .produzido em vinagreiras por processos usados desde tempos imemoriais não pode, ma verdade, considerar-se um produto industrial. A sua qualidade era tão baixa que quando foi necessário iniciar a laboração da maior unidade em funcionamento todas as amostras enviadas para a Alemanha foram recusadas por impróprias para consumo. Para pôr a fábrica a trabalhar houve necessidade de importar do estrangeiro vinagres com características técnicas que permitissem uma laboração conveniente e não comprometessem irremediavelmente a qualidade da futura produção, como sucederia com os vinagres existentes no nosso mercado.
O País passou então a consumir vinagre em condições satisfatórias. Mas, como tem-sucedido com várias outras

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actividades, as fábricas sucederam-se, a capacidade de laboração aumentou e o mercado revelou-se incapaz de absorver a produção. A concorrência gerada por tal situação manifestou-se em termos tão violentos que se traduziu em toda a espécie de desregramentos, nomeadamente no envilecimento dos .preços e na baixa da qualidade do .produto.
Tal situação levou o Governo a instituir um condicionamento especial para esta indústria através do Decreto n.º 34:634, de 28 de Maio de 1945. Havia então instaladas cerca de vinte unidades. No entanto, o condicionamento foi aplicado dentro de um critério tão largo que de 1946 a 1948, apesar de serem recusados vários .pedidos, foram autorizadas mais cinquenta e sete novas unidades.
A indústria, no seu conjunto, dispunha em fins de 1950 de uma capacidade de laboração anual que andava à roda dos 17 milhões de litros. O mercado interno . o único que conta, pois a exportação é muito reduzida - poderá, quando muito, absorver 6 milhões de litros, ou seja a produção de duas ou três das maiores unidades!
Nessa mesma altura a indústria (entre grandes e pequenas unidades) era exercida já por mais de oitenta fábricas, das quais cerca de cinquenta a trabalhar pelo sistema luxemburguês.
3. Extinto o condicionamento da indústria, foi autorizada durante estes onze meses, ao abrigo do Decreto n.º 36:443, a montagem de mais vinte e seis novas unidades. Isto é: a concorrência ruinosa -e as signatárias dizem ruinosa porque não conduz à selecção dos melhores, mas apenas à degradação de processos comerciais e da qualidade ,do produto - continua a desenvolver-se cada vez anais, cavando a ruína de uma actividade que poderia ser próspera e vantajosa para a economia da Nação.
Pareceu às signatárias que, no momento em que a Assembleia Nacional vai ocupar-se da revisão das bases do condicionamento, seria do maior interesse para este alto corpo legislativo tomar contacto com elementos positivos que o habilitassem a conhecer concretamente os graves e variados problemas que serão apreciados e assim melhor poder votar a nova lei.
Por esse motivo, as signatárias pedem licença para submeter à alta consideração de V. Ex.ª cópia das duas exposições que dirigiram a S. Ex.ª o Ministro da Economia, rogando a V. Ex.ª a subida fineza de dar conhecimento destes documentos aos ilustres Deputados.
Aproveitam o ensejo para, com todo o respeito, testemunhar a V. Ex.ª os protestos da sua maior consideração.
Sr. Ministro da Economia - Excelência. - As sociedades signatárias, todas exercendo em várias regiões do Pai» a indústria de fabrico de vinagres, que exploram directamente, tomaram conhecimento do recente Decreto-Lei n.º 38:143, de 30 de Dezembro próximo passado, que isentou do condicionamento aquela actividade.
E porque, pelas razões que adiante serão expostas, lhes parece que, à face dos princípios e das necessidades de uma boa política económica, a indústria em referência deveria continuar condicionada e que com a isenção estabelecida serão injustamente prejudicadas as empresas organizadas, sem qualquer benefício para o consumidor, as signatárias pedem licença para solicitar a esclarecida atenção de V. Ex.ª para as considerações seguintes:
1. Pode dizer-se que data de tempos imemoriais o consumo de vinagre entre nós. Todavia, como actividade tecnicamente organizada, a indústria de vinagres é recente em Portugal e exerce-se há pouco mais de quinze anos.
Existia, é certo, como é de todos conhecida, uma antiga fabricação de vinagres, em maiores ou menores
proporções, quase sempre caseira, pelo sistema chamado Orleans, feita, na quase totalidade dos casos, sem .quaisquer cuidados higiénicos e aproveitando restos de vinhos ou lotes impróprios para consumo.
Os progressos dos estudos bacteriológicos, permitindo o domínio das várias operações que constituem o ciclo produtivo do vinagre, haviam dado lugar ao aparecimento de uma indústria nova, que em vários países da Europa entrara a trabalhar em condições inteiramente diferentes daquelas que antes existiam.
Aproveitou-se então a. experiência e a técnica já adquiridas no estrangeiro e algumas organizações começaram a instalar excelentes aparelhos de fermentação pelo sistema. Schutzenbach. habilitando-se assim a fornecer o mercado de produtos qualificativamente recomendáveis. Mas, .seja dito de passagem, uma das signatárias teve de importar da França o vinagre necessário para iniciar a fabricação, pois todas as amostras de vinagres portugueses, mesmo dos mais qualificados, enviadas para a Alemanha para análise, foram sistemática/mente recusadas como impróprias para consumo. Trabalhava-se assim nessa altura.
A indústria iniciou-se sob bons auspícios, tomando depressa certo incremento. E, tal como sucede com tantas actividades, as fábricas entraram a multiplicar-se. A capacidade de laboração avolumou-se em ritmo acelerado. O marcado encontrava-se a breve trecho saturado, revelando-se o consumo interno e a exportação incapazes de absorver a produção.
Como muito bem diz o Prof. Rui Ulrich no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 172 (depois Lei n.º 1:956), «se um industrial cria uma indústria nova que lhe dá bons lucros, justamente conquistados pelo seu esforço inventivo e pela sua coragem de inovar, com todos os riscos inerentes, logo surgem um, dois, dez concorrentes, que vêm desgraçar um negócio que para poucos teria sido valioso. E lamentável feição do temperamento nacional, que impõe ao Estado o dever de a corrigir pela limitação legal, enquanto se não faz uma reeducação salutar do espírito português».
Tudo isto gerou em poucos anos um conjunto de problemas: concorrência desregrada e prejudicial, envilecimento dos preços, adulteração da qualidade dos produtos. A indústria de vinagres entrou então a lutar com dificuldades muito graves, já por várias vezes expostas por algumas das signatárias. ,
Por esse motivo, várias empresas solicitaram o condicionamento desta actividade, o qual veio a ser concedido pelo Decreto n.º 34:634, de 28 de Maio de 1945. Mas., entretanto, tinham-se montado tantas fábricas» - nessa altura cerca de vinte- que não havia já mercado para lhes garantir uma laboração regular.
Acresce que de 1946 a 1948 foram, autorizadas mais cinquenta e sete novas unidades, legalizando-se muitas montadas clandestinamente. A capacidade de produção da indústria foi assim elevada para nível muito superior.
2. Para se colher uma ideia mais próxima do problema basta pôr em confronto o consumo com a produção nacional do vinagre.
O consumo total do País, segundo a demonstração feita nas considerações justificativas juntas como anexo, não excede 8 milhões de litros. Mas, em parte, o mercado é abastecido por unidades de sistema orleanês e por vinagreiras.
As fábricas que trabalham pelo sistema luxemburguês -podem as signatárias afirmá-lo pela sua honra, pois representam a totalidade- não conseguem colocar no mercado mais de G milhões de litros de vinagre.
Pois, para este consumo, a indústria, que em 1942 era exercida por quatro ou cinco unidades e em 1945 por cerca de vinte, dispõe hoje de mais de oitenta

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fábricas (das quais cerca de cinquenta pelo sistema luxemburguês!), com uma capacidade de laboração que calculam de, aproximadamente, 17 milhões de litros!
Isto é: as várias unidades industriais contam com a* perspectiva de laborar anualmente um terço da sua capacidade.

Para abastecer o País seria suficiente a produção de duas ou três das maiores unidades!

Estes números, todos susceptíveis de fácil verificação, são tão eloquentes que falam por si. Conhecidos eles, já se compreende bem o motivo por que se estabeleceu no mercado entre as fábricas tal concorrência que em breve conduziu ao aviltamento dos preços e logo depois - deve dizer-se- ao aviltamento da qualidade dos produtos.

3. Publicado o Decreto n.º 34:634, foi organizado pela antiga I. O. I. C. A. um cuidadoso inquérito à indústria de vinagres. Dele resultou uma informação pormenorizada "obre cada unidade industrial, bem como o conhecimento exacto das respectivas possibilidades de produção.

Com base nas conclusões desse inquérito recusaram-se através da antiga I. G. I. C. A. várias autorizações para a montagem de novas unidades industriais. Mais tarde, quando o condicionamento desta indústria passou a ser aplicado através da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, foram negadas mais autorizações.

Havia, pois, uma orientação definida, alicerçada num diploma especial e num inquérito directo feito por um grupo de técnicos especializados.

Todavia o Decreto-Lei -n .º 38:143 ,não foi procedido de novo inquérito que porventura viesse permitir a colheita de outros elementos contrários àqueles que levaram às conclusões a que chegaram a antiga I. G. T. C. A. e a Direcção-Geral dos Serviços Industriais e à recusa de vários pedidos.

Neste diploma legislativo o problema da indústria de vinagres não é encarado isoladamente. Afirma-se apenas indiscriminadamente quanto ao conjunto das várias indústrias ligadas à agricultura que foram isentas do condicionamento:
a) Que o condicionamento ultrapassa os limites legais "com prejuízo da liberdade de iniciativa, que convém estimular e defendera, importando, por consequência, "reintegrar no regime comum as indústrias que mais flagrantemente dele se encontram afastadas, com preterição das normas fundamentais da legislação vigente e do princípio da livre empresa, base da nossa economia";

b) Que, tratando-se de actividades dispersas pelo País, abrangendo muitos milhares de unidades de- técnica rudimentar e não vultoso custo de estabelecimento, afigura-se inquestionável existir toda a vantagem económica e social na sua libertação";

c) Que, no fundo, as actividades citadas constituem indústrias agrícola(r) ou directamente relacionadas com a agricultura, não sendo legítimo em muitos casos sujeitá-las a restrições, em face da terminante disposição da base II da Lei n.º 1:906";

d) Que o condicionamento de tais modalidades implica "lamentável desperdício de tempo e de actividade e obrigando importantes: serviços d-) Estado a desviarem-se de outras tarefas de mais alto interêssse nacional, que devem constituir a sua finalidade dominante".

Em face das razões assim apresentadas em bloco, convencem-se as signatárias de que o problema da indústria de vinagres não foi destacado, como lhes parece necessário, das demais indústrias que laboram matérias-primas provenientes da agricultura.

Por esse motivo pedem licença para, concretizando o problema desta indústria e limitando a ela as suas considerações, analisar cada fundamento da isenção indicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38:143.

4. Vejamos a primeira razão, resumida em a).

A base II da Lei n.º 1:906, de 17 de Maio de 1937, considera, na sua alínea a), susceptíveis de sujeição ao condicionamento as indústrias "que disponham de instalações com capacidade de produção muito superior ao consumo normal do País ou possibilidades de exportação". A correspondente alínea da base III da proposta de lei reproduz a anteriormente citada, apenas substituindo a expressão "muito superior" por "consideravelmente superior".

A relação que ficou apontada entre a capacidade de produção da indústria de vinagres e as possibilidades de colocação deste produto no mercado interno e na exportação não deixa dúvidas quanto ao justo enquadramento desta actividade .no número daquelas que carecem de ser condicionadas.

A propósito da alínea referida na base II da Lei n.º 1:956, dizia o Prof. Rui Ulrich no já citado parecer da Câmara Corporativa: "Se a capacidade de produção é muito superior ao consumo nacional e à possível exportação, trata-se de uma indústria em manifesta situação de desequilíbrio, cuja maior expansão não deve ser permitida e que impõe um condicionamento imediato".

E não se suponha que esta situação, gerando uma concorrência intensa entre as várias empresas produtoras de vinagres, beneficia o consumo.
Puro engano.

De 1940 até agora o vinho subiu para cerca do triplo. O vinagre, todavia, mantém o mesmo preço por grau. Mantém para as fábricas, deve dizer-se - ou seja, quando é por aquelas vendido ,ao revendedor. Na realidade, o público consumidor paga hoje o vinagre a mais do dobro do que custava há dez anos. Com a situação existente só tem Turrado o intermediário, que conseguiu aumentar a sua percentagem de lucro para margem que excede a 100 por cento sobre o valor do produto recebido.

Este é, por consequência, um caso evidente da "concorrência nuimosa em que se fala no relatório da recente proposta de lei, por ela se opera através da diminuição da qualidade ido produto, sem conduzir à eliminação das unidades pior apetrechadas e com evidente desvantagem para o consumidor.

Estabelece o artigo 34.º da Constituição Política que e Estado promoverá a formação e desenvolvimento da economia nacional corporativa, visando a que os seus elementos não tendam, a estabelecer entre si concorrência desregrada e contrária aos justos objectivos da sociedade e deles próprios, num a colaborar mutuamente com membros da mesma colectividades.

Pior sua vez, o n.º 4-.º do artigo 7.º do Instituto do Trabalho Nacional considera como direito e obrigação do Estado evitar que se estabeleça entre as empresas oposição prejudicial ou concorrência desregrada.

O Condicionamento da indústria de vinagres correspondeu, por conseguinte, a uma exacta aplicação dos princípios estabelecido e, salvo o devido respeito, no ultrapassa os limites legais.

Além disso, a liberdade de iniciativa nunca foi constrangida. Por isso mesmo, porque o condicionamento foi executado com tanta latitude que se montaram em meia dúzia de amos cerca de sessenta novas unidades, é que a indústria foi conduzida à situação em que se encontra.

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5. Analisemos agora o segundo grupo das razões que reproduzimos em b).

A indústria de vinagres está sem dúvida dispersa pelo País. Todavia isso não constitui motivo de isenção do condicionamento, Tão-pouco abrange muitos milhares de unidades: exercem-na cerca de oitenta e, como vimos, para fornecer o nosso pequeno mercado bastariam as duas ou três unidades melhor apetrachadas.

A técnica, desta indústria não é rudimentar. É certo que, precisamente pelo motivo de não se haverem, feito exigências aconselháveis, estão regularizadas unidades insuficientemente apetrechadas. Mas não pode esquecer-se de que temos também fábricas montadas com maquinaria moderna e eficiente, capaz de produzir um produto tecnicamente qualificado.

Finalmente, atente-se em que o custo do estabelecimento de unia fábrica de vinagre carece de ser ponderado, pois para se pôr em movimento uma unidade capaz são necessários, pelo menos, dois milhares de contos.

6. E quanto não terceiro grupo de razões-?

Com a devida vénia, deve dizer-se que a indústria de vinagres, nos termos em que se encontrava condicionada, não ofendia, a base II da Lei n.º 1:956
Esta apenas determina que não podem ser sujeitas a condicionamento as indústria(r) complementares da exploração agrícola que se destinem à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador".
Na realidade, não consta às. signatárias que alguma vez este princípio houvesse sido infringido.
A existência do condicionamento não trouxe nunca qualquer prejuízo à lavoura. Basta reparar que o fabrico de vinagres pelo sistema orleanes, não excedendo 15:000 litros anuais, se encontra, isento. Todavia, com esta produção abastece-se uma cidade!

7. Finalmente, vejamos a última, razão:

Não crêem, as signatárias que o condicionamento da
Sua indústria tenha representado desperdício de tempo
que justifique a medida oiro, adoptada.

Depois, salvo o devido respeito, não haveria neste caso desperdício, pois o condicionamento, correspondendo a lima necessidade, permitiria evitar uma situação prejudicial para a economia portuguesa.

Acresce que a Direcção-Geral dos Serviços. Industriais não seria com o condicionamento desviada de, outras tarefas de mais alto interêssse nacional. À sua -3.º Repartição compete precisamente "estudar e informar todos os pedidos- de condicionamento industrial" (artigo 9.º, n.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 36:933, de ,24 de Junho de 1948. Quando muito, haverão. a resolver um problema de funcionamento, de pessoal. Este não se afigura, todavia, às signa tardas da execução impossível ou sequer difícil.

8. Nenhuma das razões invocadas no preambula do Decreto-Lei n.º 88 l43 se aplica, portanto, à indústria de vinagres.

Como se disse já, para condicionar a indústria de vinagres e orientar depois a aplicação do regime, instituído, realizou-se um inquérito. As conclusões que o mesmo inquérito proporcionou levaram a recusa de diversos pedidos.
Estão as signatárias convencidas de que a insencão do condicionamento não foi precedida de trabalho idêntico ao que antecedeu o Decreto n.º 34:63i4. E porque assim é; porque o condicionamento corresponde a uma correcta execução da Lei n.º 1: 956 e até da recente proposta de lei agora em estudo pela Câmara Corporativa; porque o consumidor não sofreria. qualquer prejuízo com o condicionamento, antes seria beneficiado em qualidade se até em preço; porque se regista aio mercado, entre as empresas, uma concorrência muinosa, prejudicial aos interesses do País, e que agora mais se exacerbará as signatárias, muito respeitosamente, ousam esperar de V. Ex. ª a revisão do problema e a suspensão do Decreto-Lei n.º 38 143 e o ingresso ao regime de condicionamento, a fim de que o Governo possa, regular a instalação de novas unidades produtoras de vinagre de harmonia, com a .política económica que entender mais conveniente.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 1951.

O Sr. Presidente : - Estão na Mesa o relatório e contas da Junta do Crédito Público relativos à gerência de 1950, os quais vão baixar à Comissão de Contas Públicas, com o prazo de quinze dias, para emitir o respectivo parecer.
Foi recebido na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, em cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º l, de 4 de Janeiro corrente, que contém o Decreto-Lei n.º 38:597.

Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Santos Bessa.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Galiano Tavares.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: em aditamento ao que ontem expôs nesta Câmara o Sr. Deputado Pimenta Prezado, desejo anotar: no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1949, na epígrafe a Caminhos de ferro", escreve o seu ilustre relator: "uma das grandes necessidades dos caminhos de ferro é a de melhor e mais moderno equipamento. Não residem neste aspecto, porém, as dificuldades. Toda a questão dos caminhos de ferro em matéria de exploração necessita de ser revista e parece que enquanto isso não for feito o coeficiente de exploração não alcançará a cifra indispensável para neutralizar os efeitos de um sério desequilíbrio".

E depois: "o País terá de enfrentar em breve uma situação que se agrava financeiramente dia a dia e, ainda que cresça o tráfego por virtude de uma maior intensidade nos negócios - que parece aproximar-se - , o coeficiente de exploração só poderá manter-se em nível que reduza os deficits ao mínimo compatível com a situação financeira do País se forem introduzidas alterações no actual sistema de transportes.
Não sei, com rigor, o que se entende por "alterações ao actual sistema de transportes", mas uma, coisa é certa : a escassez quilométrica da nossa radie ferroviária, e daí o escoamento crescente do tráfego de passageiros para a camionagem. Cito um exemplo:
Para se fazer a viagem de Portalegre a Castelo Branco - uns escassos 96 quilómetros - a duração do trajecto é de 10 horas e 42 minutos ou 7 horas e 3 minutos, consoante o horário diurno ou nocturno, e de Portalegre à Guarda é de 13 horas e 17 minutos ou 11 horas e 44 minutos.

A viagem de regresso exige: de Castelo Branco a Portalegre, 10 horas e 30 minutos os 7 horas e 31 minutos ; e da Guarda a Portalegre, 1o horas e 56 minutos ou 12 horas e 40 minutos.

A rede ferroviária de um país é o sistema arterial, base da sua vida .económica, e que não admite hoje perdas de tempo nem incomodidade desta natureza.
Consideremos agora, Sr. Presidente, a duração do trajecto em autocarro, aproveitando a ligação com o caminho de ferro: Portalegre Castelo Branco, 2- horas e 50 minutos; Portalegre à Guarda, 6 horas e 49 minutos; Castelo Branco-Portalegre, 2 horas e 50 minutos, e Guarda-Portalegre, 6 horas e 40 minutos.

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Confronto da duração dos trajectos:

[ver tabela na imagem]

Ora, Sr. Presidente, as actuais ligações entre Portalegre e Castelo Branco (Beira Baixa) estão ainda presentemente confinadas a ligações ferroviárias, as quais, obrigando ao trajecto por Abrantes-Gare, determinam enormes perdas de tempo e até despesas facilmente evitáveis.
Em nome dos interesses dos povos do meu distrito solicito a atenção do Sr. Ministro das Comunicações, a (piem rendo as mais efusivas homenagens pela sua permanente afabilidade, no sentido de autorizar a carreira que se propõe, a servir as seguintes localidades: Portalegre, Castelo de Vide-Estação, Alpalhão, Nisa, Vila Velha de Ródão, Sarnadas, Cebolais e Castelo Branco.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desejo finalmente referir-me às comunicações, por estrada, entre Portugal e Espanha.
Em território português, o mais curto caminho a percorrer de Lisboa para Madrid é pelo posto de Galegos, no meu distrito. Aqui se fez erguer, há anos, e não obstante haver outro, um edifício destinado à Guarda Fiscal, construção que custou cerca de 200.000$, com instalação adjacente para a Polícia Internacional.
Dotado este posto com o essencial -a que não falta a dispendiosa báscula, quase inutilizada pelo desuso-, é apenas habitado .pela Guarda Fiscal. Nesta fronteira se repetem inutilmente os postos de fiscalização. Sustado no primeiro posto, decorridos 300 metros, surge a polícia para cumprir a sua missão, mas, percorridos o quilómetros, o viajante novamente se detém para nova intervenção da Guarda Fiscal.
Não conheço outra fronteira portuguesa onde se repitam assim os incómodos.
Para quê esta sobreposição de postos? Estou certo de que o ST. Ministro das Finanças, depois de se informar, simplificará, sem lhe prejudicar a eficiência, este sistema, tido por todos por inexplicável.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abrantes Tavares: - Tenho a honra de enviar para a Mesa o requerimento seguinte, cuja justificação passo a ler:

Como é do conhecimento público, em Junho de 1951 apareceu no hospital da C. U. F. uma doença, a princípio não identificada, que atingiu indistintamente doentes ali internados e acompanhantes, pessoal clínico, de enfermagem e administrativo. Pelo número de baixas que provocou duzentas por doença e, pelo menos, três por morte- o facto suscitou grande alarme público e teve repercussão na imprensa diária.

A direcção do hospital, afirma-se, logo que a doença surgiu, comunicou o facto às autoridades sanitárias competentes e contratou o Dr. José Cutileiro, então director do Centro de Saúde de Lisboa, para investigar a causa ou causas da doença. Esta surgira em meados de Junho e o Dr. Cutileiro, tendo aceitado a incumbência, iniciou imediatamente os seus trabalhos, e a 27 daquele mês, e após o resultado de análises laboratoriais, via confirmada a hipótese por ele admitida de que se tratava de um surto epidémico provocado pela Salmonella typhimurium, transmitida por ovos consumidos naquele Hospital. Em 4 de Julho o Dr. Cutileiro dava os seus trabalhos por terminados, comunicando às autoridades sanitárias as * conclusões a que havia chegado e o local onde os ovos contaminados tinham sido adquiridos.
As autoridades sanitárias, mantidas sempre ao corrente dos trabalhos do Dr. Cutileiro, como este afirma, já em 23 de Junho teriam iniciado a sua intervenção no caso e parece terem passado a ditar medidas profilácticas em 4 de Julho.
Em 10 de Julho o Dr. Cutileiro fez uma comunicação das investigações por ele levadas a efeito na Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, pormenorizando o seu trabalho de pesquisa e identificação do agente infeccioso -a Salmonella typhimurium e do alimento transmissor - os ovos. A Direcção-Geral de Saúde, que até aí se mantivera silenciosa sobre o surto epidémico referido, mudou então de atitude e fez publicar nos jornais da tarde do dia 11 a nota seguinte:
Publicaram os jornais da manhã de hoje notícias relativas a uma comunicação realizada na Sociedade de Ciências Médicas sobre o caso de toxi-infecção alimentar colectiva ocorrido no hospital da C. U. F. no mês findo.
Acerca do assunto cabe à Direcção-Geral de Saúde esclarecer:
") Que o Dr. José Cutileiro não é director dos serviços de profilaxia de Lisboa;
b) Que o aludido médico não foi incumbido de praticar quaisquer diligências no caso de que se trata, às quais e a partir do momento em que houve conhecimento da ocorrência procederam os serviços .sanitários centrais;
c) Que ainda não é tempo de se pronunciar definitivamente sobre o assunto, visto não estarem ultimadas as actividades pertinentes que vêm a ser efectuadas em colaboração com a Polícia Judiciária, bem como os diversos processos disciplinares e outros superiormente ordenados. Como é óbvio, foram já tomadas pelos serviços centrais de saúde as medidas necessárias para acautelar o "público contra a repetição de acidentes de natureza e origens da apontada, com a prontidão e na medida em que o tornou possível a forma como inicialmente o assunto foi tratado.
O Director-Geral de Saúde.
E, tendo publicado esta nota, assaz enfibológica, a Direcção-Geral de Saúde sentiu-se desobrigada de voltar ao assunto, como, a meu juízo, devera fazer para tranquilizar o público, justamente alarmado por facto de tão graves consequências como as que referi. De concreto ficou-se sabendo apenas que foram instaurados processos disciplinares e outros superiormente ordenados, mas sem se saber porquê, quando, afinal, a saúde nacional exigia se dissesse claramente de que doença se tratava, qual a sua origem e as medidas toma-

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das para a combater e prevenir. Sobre isso, que era o mais importante, a Direcção-Geral de Saúde apenas disse não ser ainda, tempo de se pronunciar definitivamente. Poderia inferir-se daqui ter-se pronunciado ao menos provisoriamente, mas nem isso.
Com esta cautelosa atitude a Direcção-Geral de Saúde vinha criar um estado de dúvida sobre as conclusões tornadas públicas pelo médico já referido; mas por isso mesmo era sua obrigação vir depois, quando já fosse tempo, confirmá-las ou desmenti-las e, de qualquer modo, trazer ao público a certeza de que aquele organismo tinha agido com prontidão e eficácia. Até agora, porém -e parece que já é tempo-, a Direcção-Geral de Saúde nada mais disse. O público, deste modo, continua sem saber se a tal toxi-infecção alimentar colectiva foi provocada pela Salmonella typhimurium ou por outro agente qualquer, ou ainda por um insecticida, como então se disse também, e quais as medidas tomadas para combater a doença e prevenir a sua repetição.
Volvidos mais de seis meses sobre a nota da Direcção-Geral de Saúde é de supor que tenham terminado já as "actividades pertinentes" ao caso, até porque o hospital há muito foi autorizado a reabrir, e ser tempo de aquele organismo tornar públicas as conclusões a que chegou. Como o não fez, e porque o caso suscitou profundo alarme público, alarme que ainda se mantém, requeiro que o Ministério do Interior, pelos serviços para tanto competentes, me preste com urgência as seguintes informações:

l.ª Qual a data em que a direçção do hospital da Companhia União Fabril comunicou às autoridades sanitárias competentes o aparecimento da salmonelose ou toxi-infecção alimentar colectiva ocorrido naquele hospital na noite de 14 para 15 de Junho de 1901 e qual o meio de que para tal comunicação se serviu;

2.ª Em que data iniciaram "s autoridades sanitárias as diligências e pesquisas para identificação da doença e seu agente transmissor;

3.ª Em que data e quais as medidas profilácticas ordenadas por tuas autoridades para debelar a doença e evitar o seu alastamento e cópia das determinações escritas que as contenham;

4.ª Qual a data em que, por parte daquelas autoridades, ficaram ultimadas as actividades pertinentes ao caso e quais as conclusões finais a que chegaram!;

5.ª Quais ais medidas ou precauções tomadas para defender a população de novo e igual Surto epidémico;

6.ª Qual a data em que foi auctorizada a reabertura do hospital a a razão de tal automização;

7.ª :Se a direcção do hospital da Companhia União Fabril não participou oportunamente o aparecimento da doença, prejudicando, por esse modo, a sua rápida identificação e a adopção de medidas para a debelar e prevenir, quais as sanções que lhe foram aplicadas.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: deste lugar já tive ocasião de declarar que tomaria como lema do meu mandato trazer (Macau para Portugal e levar Portugal para Macau.

Fiel a esta divisa, a minha débil voz foi várias vezes levantada nesta Câmara para falar de Macau e dos seus filhos, assim como na minha terra falei de Portugal e assinalei o valor da lusa gente.

Se o meu maior empenho e o meu vivo interêssse é prestar o meu contributo para tornar Macau mais conhecido da metrópole e esta da terra que represento nesta Assembleia, como poderei deixar de exultar com a louvável iniciativa do nosso insigne Ministro do Ultramar em ter convidado para visitar o País uma deputação de jornalistas de todas as parcelas de Portugal de além-mar ?
E incontestável que é de um alcance incomensurável a feliz lembrança do nosso titular da pastado Ultramar, que aqui conhecemos tão bem como um dos mais talentosos Deputados da Nação Portuguesa.
S. Ex.ª viu bem que ninguém, como os jornalistas, que são os guias da opinião pública, poderia contribuir melhor para uma aproximação mais. estreita entre portugueses de aquém e de além-mar, tornando cada vez mais forte a unidade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Hoje, mais do que nunca, urge que a união entre todos os portugueses, quer da metrópole, quer das suas parcelas do ultramar, se consolide cada vez mais e que cada um de nós se esforce por servir lealmente a Pátria em torno dos grandes portugueses que dirigem os destinos da Nação, formando como que uma massa compacta na continuação da obra do ressurgimento total da vida nacional.
Que Deus nos defenda das desavenças entre portugueses numa altura em que estamos dando ao Mundo conturbado um exemplo de paz, de harmonia e de concórdia entre todos os portugueses.
Bem haja, pois, o nosso digníssimo Ministro do Ultramar, que, em boa hora, convidou os citados jornalistas para uma visita à metrópole.
Aqueles inteligentes e simpáticos mensageiros das parcelas de Portugal ultramarino, que aqui estiveram, viram a grandeza e a formosura da Mãe-Pátria, renovada, rejuvenescida e engrandecida.
Aqui viram eles., com os seus próprios olhos, as formidáveis realizações do Estado Novo!

Aqui viram, em pessoa, o nosso venerando Presidente da República e da própria boca do supremo magistrado da Nação ouviram palavras de carinho e de incitamento.
Aqui viram a figura prestigiosa e eminentíssima do nosso bem querido Presidente do Conselho, ouviram os seus notáveis discursos e se sensibilizaram com a carinhoso, mensagem de despedida do primeiro estadista do País.
Aqui conheceram e ouviram vários, brilhantes, e veementes discursos do ínclito Ministro do Ultramar.
Aqui apreciaram a nossa famosa obra missionária, através da visita à Exposição de Arte Saara Missionária.
Aqui se irmanaram com os seus hábeis colegas da metrópole e, finalmente, aqui vieram constatar a transformação de Portugal durante o período da vigência do Estado Novo.
Aqueles., como disse, inteligentes e simpáticos mensageiros das parcelas de Portugal de além-mar trouxeram o ultramar para a metrópole e levaram a estremecida Mãe-Pátria .no coração de cada um deles, para a plantarem no coração de tantos e tantos portugueses que nasceram, vivem e trabalham em terras portuguesas afastadas do continente europeu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - O que aqueles jornalistas que cá estiveram viram e o que eles sentiram pelas manifestações vibrantes e .carinhosas prestadas pelos seus irmãos metropolitanos do norte ao sul do País constituem elos de ligação fraternal entre os filhos do ultramar e os da metrópole, que são, finalmente, filho" da mesma Mãe-Pátria, esparsos pelas diversas parcelas- do território nacional.
Foi pelas razões expostas que pedi a palavra para simplesmente juntar o meu louvor aos encómios já aqui expressos por bem ilustres colegas meus ao digníssimo titular da pasta do Ultramar por igual motivo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte requerimento:

Roqueiro que, pelo Ministério das Corporações, m(c) sejam fornecidas urgentemente asseguintes informações:

1) Número e designação das caixas de previdência e caixas sindicais actualmente em funcionamento ;

2) Quais as federadas e as não federadas;

3) Esquema dos serviços médico-sociais de cada unia, com discriminação pormenorizada;

4) Número de beneficiários inscritos em cada uma das caixa" de previdência;

5) Total das quotas pagas anualmente pelos beneficiários inscritos em cada caixa;

6) Total dos beneficiários em regime de invalidez
em cada caixa;

7) Número de beneficiários em regime de incapacidade total e permanente em cada uma das caixas; .

8) Número de dias de baixa por doença, por ano civil, no total dos beneficiários de cada caixa;

9) Despesa com o pessoal médico por cada uma das caixas, incluindo os serviços> auxiliares do diagnóstico e os das especialidades, discriminando os ordenados atribuídos a cada médico do quadro privativo de cada caixa;

10) Idem com o pessoal de enfermagem;

11) Idem com os serviços administrativo";

12) Quantitativo do capital de cada uma das caixas investido em títulos do Estado e certificados da dívida pública da taxa de 4 por cento, sua discriminação (incluindo a Federação das Caixas);

13) Quantitativo do capital de cada caixa ou da Federação das Caixas investido na construção de casas de renda económica, em comparticipação com o Estado;

14) Número e designação dos sindicatos profissionais actualmente em funcionamento, incluindo as Ordens;

15) Esquema pormenorizado dos seus serviços médico-sociais;

16) (Número e designação das Casa do Povo actualmente em funcionamento;

17) Esquema em pormenor dos serviços médico-socias de cada uma delas;

18) Número de sócios efectivos de cada uma das Casas do Povo;

19) Quantitativo das quotas cobradas anualmente em cada uma delas;

20) Subsídio recebido anualmente por calda uma das Casas do Povo da Junta Central;

21) Pensões de invalidez atribuídas por cada Casa do Povo e seu quantitativo a ser beneficiário;

22) Grémios, da lavoura que tenham serviços sociais em colaboração com Casas do Povo; saia pormenorisação esquemática;

23) Elementos limitados aos das alineas anteriores dizendo respeito às Casas dos Pescadores, na parte aplicável;

24) Quantitativo anual dos subsídios pagos como abono de família por cada caixa1 de previdência que temida tenha o seu cargo esse subsidio;

25) Quantitativo anual das quotas recebidas para abono de família por caída uma das caixas de previdência referidas no número anterior.

A Federação da Caixa de Previdência fornecerá todos os elementos aqui pedidos que digam respeito às suas filiadas, bem como aqueles que, sendo privativos do seu esquema médico-social, sirvam de norma de funcionamento para as referidas filiadas.

A mesma Federação fornecerá ainda, por si, os elementos pedidos nos n.ºs 3), 5), 9), 10), 11), 12) e 13).

Os dados pedidos devem ser referidos ao último ano civil que seja possível obter completamente, nunca anterior 1949.

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o condicionamento das indústrias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Meneses.
O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: falar de problemas económicos, encontrar explicação para as suas causas, procurar solução para as perturbações sociais que originam tornou-se assunto tão trivial que poucos se julgam desentendidos.
Como dizia um ilustre professor de Economia Política ao abrir o seu curso: é assunto tão predilecto como falar de doenças; todos sabem o remédio eficaz e infalível.
Descanse a Ex.ma Assembleia que não venho trazer nenhuma solução e até me confesso desconhecedor da doença, da sua evolução e do tratamento a aplicar.
Eu venho apenas. Sr. Presidente, fazer umas ligeiras considerações sobre o assunto e sobre o que conheço da sua reflexa no distrito que aqui represento, e julgo-as cabidas pelo particularismo especial da sua situação e pela sua própria evolução, liberta de influências ou englobamentos em desenvolvimentos de vizinhança.
É que de facto para as ilhas há circunstâncias, provenientes da sua separação pelo mar, do seu afastamento do continente, que não devem esquecer na elaboração das leis, e isso foi o principal motivo de consideração que deu até origem a um regime administrativo especial, que vigora há meio século.
Certas providências úteis para o continente podem não o ser para as ilhas, e nisso há que pensar e ponderar.
Como para doenças aparentemente iguais não dá sempre resultado o mesmo remédio, também para a solução dos problemas económicos a repetição das mesmas providências pode não dar resultados positivos.
O facto é tão evidente que os problemas económicos surgem com a mesma angústia e a mesma dificuldade de solução quando há excesso como quando há carência de produção. Dai a multiplicidade de soluções com que se pretende resolvê-los e que vão das ocasionais até às violentas.
Até que ponto os vários processos aconselhados, a econometria, a doutrina sociológica ou o dirigismo poli-

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cial possam resolver o caso não está ainda esclarecido e muito menos provado.
A experiência tem demonstrado que qualquer destes caminhos só ocasionalmente tem dado resultado e com carácter meramente transitório.
Sr.- Presidente: saber até que ponto foram úteis ou contraproducentes as soluções derivadas da lei do condicionamento é assunto que não vale a pena repisar, mas, segundo o parecer da Câmara Corporativa, "é de capital importância ter-se ideias definitivas nesse particular". Mas o que é certo também e que não encontramos essas clarezas- para qualquer lado que nos voltemos.

O relator do parecer admira-se de alguns preços elevadíssimos, acredita em erros cometidos, mesmo em prováveis abusos e não lhe repugna, "crer que alguns desses erros e abusos só encontrem remédio pelo regresso ao regime da livre concorrencial); mas acredita no entanto que a lei continua a servir o interesso nacional "porque ninguém pode ter dúvidas sobre os grandes benefícios por ela prestados.

Assim, dogmàticamente o parecer assenta unia afirmação de doutrina para o que fora apenas uma medida de carácter transitório, mas é pesar, e por isso peca essencialmente, que tal afirmação se não apoie e fundamente em dados estatísticos de comparação, que seriam .essenciais para provar e sustentar a generalidade dos benefícios que afirma.

Temos de aceitar sempre as intenções honestas da lei e só há que lamentar a sua ineficácia quando os resultados ficam aquém do objectivo que se pretendia, mas torna-se necessário para o estudo do caso. conclusões a tirar e prevenção de novas, ineficazes ou mesmo prejudiciais providências legislativas sobre o assunto, elucidar com alguns números e quadros demonstrativos a afirmação dos benefícios ou saber qual a parte de responsabilidade que à lei pode caber no aumento do custo da vida. E ainda esses dados .talvez fossem elucidativos para sabor quanto a lei possa ter contribuído para este desvario dos grandes lucros que se espalhou entre nós, para este delírio dos grandes negócios, do ganhar muito, que se criou e que persiste até mesmo para os novos que começam a vida ou iniciam qualquer actividade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Pelo que se conhece e pelo que se diz dos grandes lucros de certas empresas não há que fugir deste dilema: se esses grandes lucros só dependem "lê um grande volume de produção e o lucro é muito pequeno em cada unidade produzida, não há razão para o condicionamento proibitivo que existe e há até campo aberto para o desenvolvimento de novas actividades; mas, se eles provêm de um grande lucro em cada unidade produzida, há que convir que a proibição da concorrência é a grande razão do encarecimento do produto.

Saber quanto a Lei n.º 1:056 pode ser disso responsável ainda seria ensinamento útil, mas o que dela ficará sempre será. a grande desilusão do seu benefício para os que arcaram com o acréscimo constante do custo da vida.

Eu não sei de facto compreender como o parecer da Câmara Corporativa, firmando a convicção benéfica do condicionamento, o possa harmonizar com o artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, como o preconiza.

Como estabelecer o equilíbrio, segundo o seu n.º 1.º, entre o capital e o trabalho, se a população cresce e a lei restringe a sua possibilidade de trabalho? Se o capital aumenta e se não consentem novas aplicações para criar trabalho?

A grande razão da lei foi a preocupação de defender os capitais investidos nas empresas existentes, mas esquece que a maior parte. senão ã totalidade desse capital, já foi recuperado pelos grandes lucros que se apontam e que só pela aplicação dos novos capitais será possível estabelecer o equilíbrio a que visa aquele artigo do Estatuto do Trabalho Nacional.

Essa necessidade e esse desejo de emprego de capital é tão manifesto que bastou o pequeno alargamento das malhas do condicionamento pelo Decreto n.º 38:143, de 30 de Dezembro de 1950, para que surgissem em massa pedidos de autorizarão para as pequenas indústrias que se libertavam. E foram tantos os pedidos que até foi suspenso o seu deferimento para muitos deles.

Sr. Presidente: eu penso que a Lei 1:956 já trazia na sua estrutura o engano dos seus intuitos. Ela não foi mais que uma lei de proibição para novos empremdimentos de natureza económica, apresentada como medida transitória e por razões ponderáveis, mas será de reprovar pretender mante-la, quando essas razões já se não impõem.

O Decreto n.º 38:143, de ;30 de Dezembro de 1950. é de facto a primeira correcção desse exagero de proibição, libertando do condicionamento as mais pequenas de certas modalidades industriais, mas o que essa libertação não traz é qualquer indicativo às condições técnicas da instalação.

É certo que se trata de matéria regulamentar e de apreciação pelas respectivas repartições, mas causa-me realmente arrepios a alínea -ò) da base II da proposta de lei em discussão, porque, se ficam sujeitas a condicionamento, ou seja a. autorização, as modificações no equipamento industrial ou fabril, fica implicitamente coarctado aos nossos engenheiros, aos nossos técnicos e homens de ciência o fazer inventos de ordem industrial, porque as empresas não os poderão aproveitar. E sabe-se quanto a história das máquinas está. cheia do episódios extravagantes sobre a apreciação de novas fórmulas técnicas por quem os não soube inventar!

Parecia-me que, em vez de se condicionar apenas por restrição, importaria sobretudo orientar, coordenar - e nesta palavra se incluem melhor as condições de instalação, as características técnicas, os objectivos da laboração e a amplitude dos seus desígnios do produção.

Possivelmente será isto o que quer significar, a alínea d) da base m, mas não está muito explícito.
O Sr. Melo Machado: - O que não se pode é modificar o equipamento industrial, porque isso significaria aumentar a produção da fábrica.

O Orador:-Mas que importa esse aumento de produção?

O Sr. Melo Machado: - Importa, porque se há condicionamento o aumento da produção tem de ser feito dentro de certos limites.
A base II define o que é o condicionamento, que é apenas para os casos indicados na base m.

O orador:-Não vamos no entanto condenar tudo, nem também esperar maravilhas da lei. tanto mais que na resolução de assuntos económicos não há tempo para experiências de prova.
O mérito da lei deve-se reduzir apenas aos benefícios passados que dela se colheram, poupando o País aos sofrimentos da carência, quando toda a Europa apertava o cinto das restrições., mas isso não exclui que é preciso ter sempre presente o que deriva do significado das próprias palavras - o que é necessário à guerra não podo satisfazer à paz. sob pena de se cair nas tremendas complicações em que o Mundo se encontra.
Já ninguém discuto ou admite que se possa negar o trabalho seja a quem for e muito menos impedir que alguém sozinho ou em grupo possa montar um organismo

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de trabalho. Não se pode cercear a actividade, seja de quem for, mas tem de se aceitar que esse trabalho seja coordenado, para que as necessidades a suprir, e que dão causa à produção, atinjam a finalidade e o objectivo de quem tem a responsabilidade de governar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não se pode negar a ninguém esta coisa essencial à vida - o direito de cozer pão. Mas há que exigir que o faça nas devidas condições higiénicas e para isso pode a concorrência contribuir enormemente.
Tanto é necessidade para o povo de uma aldeia a padeira que coze pão como é para a população de uma cidade a grande padaria que a abastece.
É tão precisa a moagem dos grandes centros como na aldeia a pequena azenha, mas é legitimo aceitar que se proíba a instalação de um moinho de água se houver planos de irrigação ou de energia hidroeléctrica que doem preferência à utilização dos pequenos cursos de água.
Pode-se lá proibir alguém de fazer vinagre em sua casa se tiver vinho e lhe azedar uma pipa na sua adega!

O Sr. Melo Machado: - Mas isso é permitido: o que não se permite, para esse fim, ao lavrador é a utilização do processo industrial.

O Orador:-O condicionamento só serviu para complicar estas coisas bem simples da pequena economia.
Os argumentos invocados do prejuízo da concorrência, do estiolamento de actividades dispersas, da perda de capitais em investimentos ruinosos só teriam valor, e ainda assim muito discutível, se houvesse sintomas de estiolamento nacional, decrescimento da população, ruína manifesta das fontes de produção, depauperamento geral de todas as actividades do País, e isso não se verifica.
A desdizer todos estes argumentos está o relatório do Sr. Ministre das Finanças, ao apresentar o orçamento do ano corrente, está ainda a série de pedidos de concessão a que deu origem o Decreto n.º 38:143, a que já nos referimos, o. foram tantos que para muitos teve de ser suspensa a deliberação.
É u expressão viva do aumento da riqueza geral que assim se exterioriza, e a confirmação básica das economias arrecadadas, do volume dos depósitos que cresce, daqueles 958:000 contos indicados no mesmo relatório como disponibilidades à vista.
Como proceder então? Não consentir no seu movimento, no seu investimento em empreendimentos novos? Deixá-los depreciar com a imobilização?
É tão falaciosa a pretensão de regular dificuldades do economia alimentar com providências legislativas que basta olhar para o mesmo Decreto n.º 38:143 e reparar no número de decretos que o seu artigo 2.º revoga. São nada mais nada menos que catorze decretos publicados em vinte o sois anos e quase todos eles referentes a moagem, padarias, farinhas, fabrico de pão e até sobre esta coisa elementar, essencialmente caseira e popular - cozer pão de milho! São vinte e seis anos de soluções diversas perante esta realidade evidente - perto do 2 milhões de portugueses a mais.
Negar a instalação de novas fontes de produção para uma nação cuja população de dez em dez anos aumenta em 1 milhão de habitantes é o mesmo que negar a portentosa fonte de evolução que o facto revela, é negar a compacta evidência e a pujante revelação dessas novas energias nacionais.
A protecção que a lei do condicionamento favoreceu deve responder em grande parte pela ânsia dos grandes lucros, do ganhar muito, que a falta de concorrência espalhou por toda a parte. E que é possível pôr travão
a certas exorbitâncias demonstrou-o essa admirável providência do Sr. Ministro da Economia no correctivo à venda das especialidades farmacêuticas.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:- Sr. Presidente: ou sou daqueles que acreditam no engrandecimento nacional. Negá-lo seria negar os nossos próprios meios de apreciação. Mas que é preciso pensar nas gerações futuras, nas necessidades humanas dos que vêm chegando, basta colher o imperativo das declarações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, há pouco mais de um ano, ao correspondente da United Press:

Precisamos de garantir aos portugueses, aqui e no ultramar, mais vastos campos de trabalho, aumentar cá e lá, rapidamente, a produção do alimentos e matérias-primas, começar algumas indústrias fundamentais.
Isto significa que é preciso garantir mais largos meios porque há mais portugueses, e não será, por certo, proibindo a montagem de novas actividades que poderemos lá chegar.
Sr. Presidente: a razão principal que me levou a subir a esta tribuna e a entrar no debate de apreciação a esta lei é motivada pelas circunstâncias especiais do distrito que aqui represento o que não podem ficar sem apreço no objectivo duma lei extensiva a todo o País.
É que há a considerar que para as ilhas adjacentes existe o Estatuto dos Distritos Autónomos e neste se contêm disposições e atribuições que têm íntima interferência com tudo que respeita a questões económicas.
São encargos privativos das juntas gerais os principais serviços que se relacionam com o desenvolvimento económico - os serviços agrícolas, os pecuários, a viação e o licenciamento o fiscalização dos serviços industriais.
Pela natureza das ilhas, é justamente das actividades derivadas da agricultura e da criação de gados que sai o comando do toda a actividade económica e, como as condições locais, a situação geográfica, a distância a que ficam já provocaram a necessidade de instituir o regime do descentralização administrativa em que vivem há mais de meio .século, não será impertinência lembrar que 0111 tudo que importe as novas remodelações legislativas se leve ter em conta essa situação especial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Pelo artigo 20.º do estatuto é dada mesmo às juntas gorais atribuições de coordenação económica, estudo de soluções convenientes aos seus problemas, harmonização dos interesses e actividades da produção, etc., e estas por certo não se poderão firmar contando só com a passividade do texto.
Interessa sobretudo ao meu distrito - essencialmente agrícola e onde está definitivamente instituído o regime da pequena propriedade _ a disposição da lei que permite o exercício industrial em trabalho caseiro e familiar.
Num distrito que apresenta o maior índice nacional de cabeças de gado bovino por quilómetro quadrado e por 1:000 habitantes, ou seja, respectivamente, 60 e 039, é fácil compreender até que ponto a capacidade pessoal dos lavradores os poderia arrastar a uma pulverização tal de postos industriais de fabrico de queijo o manteiga que seria uma verdadeira dispersão, perdendo os produtos toda a característica que se torna indispensável para afirmar um tipo comercial de exportação.
Pela estatística de 1949 verifica-se que no continente, neste ano, se consumiram 3:700 toneladas de manteiga,

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das quais mais dum terço -1:364- veio dos Açores, contribuindo o meu distrito com 544 toneladas, ou seja ainda quase a terça parte deste fornecimento, sem contar com o consumo local, que subiu a 124 toneladas, correspondendo assim a uma capitação anual de cerca de 2 quilogramas por pessoa.
Neste mesmo ano o continente produziu 1:211) toneladas - menos que a terça parte precisa para o consumo -, e isto só prova a riqueza em gado açoriano, que aumenta de ano para ano, nasce, cresce, dá todo aquele leite, produz trabalho e teima em viver até à hora do matadouro, positivamente a lazer pouco da ciência, que, vai em treze anos, cá ao longe, lhe encontrou a terrível e dizimante doença da peripneumonia.
Para uma área muitíssimo menor que a mais pequena província do continente, aqueles números dizem tudo quanto respeita a riqueza pecuária e seu valor industrial.
Por eles se verifica - e para eles chamo a atenção do Sr. Ministro da Economia, a ser aprovada esta lei-- quanto importa não condicionar actividades industriais nas ilhas sem que as juntas gerais sejam ouvidas, nas suas atribuições de coordenação económica.
A actividade industrial caseira, no que diz respeito a lacticínios, precisa de ser cautelosamente apreciada, porque, se há vantagem em favorecer em S. Jorge o fabrico caseiro do queijo, característico daquela ilha, que a fábrica não realiza, há, por outro lado, toda a conveniência que a manteiga, essencialmente destinada à exportação, seja fabricada com todo o rigor da técnica e conserve tipo definido. E nesse sentido se caminha presentemente, em boa orientação local, formando a federação das cooperativas agrícolas existentes, para unificar o seu tipo de produção, a par do que realizam as outras empresas industriais.
E que lá como cá se vai verificando o aumento da população e da riqueza, e não se podo pensar que a par desse crescimento e de todas as outras evidências de progresso e melhoria social se possa manter o sistema industrial tal como está. Mas enquanto essas ideias extravagantes se desenvolveram e perduram, fechando a porta a novos empreendimentos, permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu conte um episódio passado há poucos meses, que vem demonstrar a que ponto a lei do condicionamento viciou o próprio bom senso.
No meu distrito, cercado de mar por todos os lados, existe uma moagem, esforço puramente local, com capitais próprios da ilha, uma boa fábrica, moderna, com cerca de trinta anos de existência e imprescindível, como em qualquer parte.
A evolução da vida, o aumento da população, novas necessidades que se criaram, manifesto desenvolvimento local levaram a verificar que a sua capacidade de laboração não era suficiente, e foi pedida autorização para a poder ampliar.
Pois a ideia do condicionamento, ou, melhor, da proibição, esta fantasia que tomou vulto de que o Mundo só comporta os que estão, levou duas poderosas organizações moageiras do continente a protestar e a invocar direitos de «só para nós», porque elas, as reclamantes, tinham capacidade bastante para fornecer todo o País.
Eu não sei se as entidades reclamantes fazem ideia do que são as ilhas, o que é a distância de novecentos e tal milhas a que elas ficam do continente e do que representaria em novos encargos de transporte ao cais, cargas, descargas, fretes, despachos, seguros e tudo o mais que é inerente ao transporte marítimo e o quanto isso viria a custar à economia daquela pobre gente, sujeita a tal tirania de agravamentos de preço, se o privilégio invocado tivesse guarida.
Eu penso até - e tenho para isso elementos de dedução - que a ideia do condicionamento, ou seja a proibição de novas actividades, favoreceu a estagnação de coisas que já não deviam existir e tem mesmo entretido o atraso de muitas outras que ainda cobram alento de persistência no travão posto à concorrência de novas iniciativas.
É o caso, por exemplo, que se passa com a companhia de navegarão que serve as ilhas e que. não obstante ser dirigida por pessoa com apreciáveis qualidades empreendedoras, mantém a sua empresa nas mesmas linhas gerais de navegação concluídas pelos que a fundaram, há perto de oitenta, anos.
Hoje, como então, são as mesmas duas viagens mensais, com passageiros aos três, quatro e às vezes até cinco nos camarotes de 1.ª classe. Viaja-se num sistema de empacotamento, em que é usual os casais serem separados, sem o menor respeito pela união da família, velhos vão misturados com novos, sem apreço de categorias sociais, e ainda por cima, para os que vão a mais, sem resguardo que esconda à vista de companheiros desconhecidos o intimo dos seus costumes ou do seu ridículo particular.
Há quarenta anos, quando eu vinha para os estudos, já isto era assim: meu pai comprava-me uma passagem de 2.a classe e eu tinha de ir dormir à 3.ª classe, porque já não havia lugares. Há quarenta anos!
Hoje marca-se passagem com bastante antecedência e ainda se fica sujeito a ficar, para trás durante seis meses do ano, porque nos outros seis meses os navios navegam com alguns lugares vazios
Ê claro que a lei em discussão não interfere nestes casos, mas a palavra «condicionamento a faz-me lembrar que na última convenção relativa a alojamentos de pessoal de bordo só é permitido irem dois no mesmo camarote do pessoal de mestrança para baixo.
Com aquele conforto e as dificuldades de ordem policial a que já me referi nesta Assembleia, creia V. Ex.ª, Sr. Presidente, que é bem penoso ao cidadão das ilhas voltar a sua casa e bem diferentes os seus direitos, em face do cidadão continental, que, depois de comprar o seu bilhete de. transporto, pode ir de norte a sul sem obrigação de dizer para onde vai, na garantia de direitos que a Constituição lhe confere.
Sr. Presidente: desculpará V. Ex.ª esta pequena diversão, mas no apreço da lei em discussão a concretização de alguns dados pode servir para lhe tirar o perigoso das abstracções. Para populações que crescem com o ritmo das insulares o problema dos transportes não se pode excluir das soluções económicas.
Até que ponto se possa esperar melhor beneficio do condicionamento, por as malhas da proibição serem mais ou menos largas, creio não haver dados que o certifiquem. Eu só compreendo o condicionamento impondo obrigações, e sobre este ponto ou sua possibilidade a lei não é expressa.
O que parece evidente é que, se a população cresce, se o País se desenvolve, se aparecem maiores necessidades e surgem possibilidades de novas iniciativas industriais, é porque o Mundo não parou e há movimento de vida, que se não pode nem deve estrangular.
Restringir a faculdade de trabalho e de iniciativa para manter este impossível é que me não parece certo e é até perigoso e desprestigiante para o regime, pelas suspeições que tem levantado de favorecimentos e de negações.
O condicionamento, quanto a mim. na verdadeira acepção da palavra, deve ser sómente para indicar as condições técnicas da instalação e as características da produção, e para isso só basta a base I da lei. E, se surgirem razões de restrição quanto à capacidade industrial e às necessidades de produção, mais do que a lei, a própria defesa dos empreendedores e dos seus capitais só absterá de entrar em projectos ruinosos.

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Subsistir a condição de as actividades industriais poderem existir ou não é negar a possibilidade e o direito constitucional de cada um ter a liberdade de escolher o seu trabalho.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: da leitura da proposta de lei sobre o condicionamento industrial fica-se com a forte impressão de que a proposta do Governo está justamente impregnada do abundante propósito de moralização, pelo que deve merecer todo o nosso apoio.
No entanto, algumas objeccões terei de fazer à proposta.
Permito-me também fazer algumas considerações discordantes do parecer da Camara Corporativa, o que em nada afecta o alto apreço em que são tidos na Assembleia Nacional todos os pareceres elaborados por aquela Câmara. Aliás este parecer está elaborado com base no nosso sistema corporativo e deixa transparecer convictamente toda a grandiosa virtuosidade do sistema.
Nestas minhas considerações vou primeiramente referir-me às mais salientes alterações apresentadas na proposta de lei; seguidamente considero o condicionamento industrial no ultramar relacionado entre as províncias ultramarinas e entre estas e a metrópole; e por último apresentarei três propostas, sendo duas de acrescentamento às bases IX e XV da proposta, para que o condicionamento industrial fique legalmente considerado no plano nacional.
Começarei então pelas alterações mais evidentes da proposta de lei.
Uma dessas alterações é apresentada pelo Governo na base XI, pela manutenção da qual se manifestou o Prof. Dr. Afonso Rodrigues Queiró ao fazer a sua declaração de voto no douto parecer da Câmara Corporativa.
Eu não tenho dúvida alguma de que aquela alteração proposta pelo Governo terá de ser mantida para que se possa dar ao Estado o direito de intervir e fiscalizar quando tiver de controlar os preços de venda dos produtos.
Para o Governo ficar habilitado a controlar os preços de venda ao público ou tabelar os preços, quando for caso disso, é evidente que o Governo terá de saber qual é o custo verdadeiro da produção. Se o Governo deixar que os preços oscilem à mercê da livre concorrência, então não se tornará necessário saber qual será o custo da produção.
Pelo que ontem ouvi na Assembleia Nacional, verifiquei que tanto a nossa Comissão de Economia, pela voz autorizada do seu ilustre presidente, Sr. Deputado Melo Machado, como os insignes e ilustres Deputados Srs. Botelho Moniz e Bustorff da Silva, optaram pela base XIII do parecer da Câmara Corporativa, com o fim de respeitar às actividades industriais o segredo dos seus negócios e da sua técnica.
Ora, Sr. Presidente, admitir o direito de as actividades industriais guardarem segredo dos seus negócios e da sua técnica sómente seria possível se tais empresas industriais vivessem no regime de livre concorrência. Mas, desde que uma empresa se aproveita da protecção que lhe é concedida pelo condicionamento, o Governo deve conhecer exactamente o custo da produção, para depois controlar o preço de venda dos produtos e assim poder defender o interesse dos consumidores.
Poderá ser possível ao Governo controlar o preço de géneros ou produtos sem conhecer o valor exacto do custo da sua produção?
E como poderá o Governo a perceber-se daquele valor exacto se não exercer o direito de fiscalização?
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não confia no fisco? Ele tem um particular cuidado com esse assunto e as repartições de finanças também lhe dispensam grande atenção.
O Orador:-Mais adiante explicarei o que penso a esse respeito.
Uma coisa é ter o Governo de se contentar com os elementos fornecidos periodicamente pelas empresas condicionadas, outra coisa é serem as empresas obrigadas a facultar aos funcionários os elementos por estes julgados indispensáveis ao conhecimento exacto do custo da produção.
Como se poderia compreender que houvesse empresas industriais protegidas pelo Estado, abrigadas pela protecção do condicionamento industrial, que as livra da concorrência desregrada, e não fossem fiscalizadas pelo Estado?
Seria um contra-senso.
Argumenta-se com o respeito devido aos segredos do negócio e da técnica.
Mas o segredo do negócio não será devassado nem precisa de o ser, pois não há necessidade do seu conhecimento paru se avaliar do preço exacto da produção.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª recorda-se da maneira como se desenvolveu e criou a marinha japonesa?
Os japoneses, com um ar muito simples, foram a Inglaterra e a outros países que possuíam grandes marinhas, fizeram unia visita muito afável, andaram por estaleiros, e depois apareceu aquilo que todos nós sabemos.
Aplique-se al cuento, como dizem os espanhóis ...
O Orador:-Se as nossas empresas quiserem guardar o seu segredo, porque não o registam? Porque não requerem a sua patente?
Mas eu acautelo às empresas o segredo da sua técnica, e adiante direi como.
E as informações periodicamente fornecidas pelas empresas segundo as quatro alíneas da base XIII do parecer da Câmara Corporativa não são suficientes para o Estado ficar senhor do preço da produção.
Seria preciso desdobrar cada alínea em muitas outras, e mesmo assim ainda poderia haver falta de elementos.
A solução proposta pelo Governo é preferível e merece todo o meu apoio.
Exposta a minha opinião quanto ao segredo do negócio e às informações periódicas acerca dos preços e dos salários, vou agora referir-me ao segredo da técnica.
O segredo da técnica ou do fabrico não me parece que seja argumento de peso em Portugal.
Oxalá que antes fosse, porque seria bom sinal!
Entre nós não creio que haja segredos técnicos a guardar.
Mas vou admiti-los, e nesse sentido apresentarei uma proposta para ser ressalvado o segredo do fabrico.
Vou continuar a referir-me às alterações mais relevantes da proposta do Governo.
Que direi eu acerca da base X da proposta governamental relativamente ao espírito moralizador e repressivo das negociatas e especulações que se têm feito com as licenças e alvarás?
É por demais conhecido de todos o que se tem feito com as licenças e alvarás para se dispensarem quaisquer considerações e apenas se aplaudir a proposta do Governo na sua base X, a que a Câmara Corporativa deu a sua completa concordância.

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E não será também louvável a intenção de o Governo pretender regulamentar o processo burocrático das autorizações no sentido da sua maior simplicidade e rapidez ?
Quem se tenha visto embaraçado, sofrendo prejuízos de vária ordem, a perder tempo na organização complicada e morosa de um processo de autorização para introduzir uma simples e pequena modificação no seu equipamento industrial ou fabril saberá bem apreciar o valor que se encerra na base IX da proposta.
Quanto à segunda parte desta base IX, apresentarei uma proposta no sentido de ser também ouvido o Ministério do Ultramar.
E a remodelação do Conselho Superior da Indústria, proposta na base XV do Governo e a constituir por técnicos de reconhecida competência, industriais idóneos e representantes dos organismos de coordenação económica ou corporativos, igualmente aconselhada no parecer da Câmara Corporativa, mas com a presença de delegados da Administração, é inteiramente de aceitar e de julgar necessária a presença destes naquele Conselho.
A esta base XV da proposta, ou base XVII do parecer, apresentarei uma proposta para que no Conselho Superior da Indústria haja representação do Ministério do Ultramar.
Mereceu ao Governo especial tratamento tanto os estabelecimentos de trabalho caseiro e familiar e as indústrias consentâneas com o trabalho doméstico, como as indústrias tributárias da agricultura e os estabelecimentos complementares da exploração agrícola destinados à preparação e transformação dos produtos do próprio lavrador ou de vários lavradores associados, conforme propõe na base vi.
Na verdade, a indústria familiar deve merecer toda a protecção do Estado, visto que vem trazer melhoria de situação às famílias que trabalham no seu domicilio.
A protecção dispensada à indústria complementar da exploração agrícola é digna também dos maiores encómios. E a classe agrícola deve estar reconhecida ao Sr. Ministro da Economia por ter a iniciativa de querer satisfazer uma das suas velhas aspirações.
Virão beneficiar, particularmente, os pequenos lavradores, facilitando que se possam associar de maneira a poderem preparar ou transformar os seus produtos.
Oxalá que venha a ser aprovada pela Assembleia Nacional a supressão de obstáculos à formação de cooperativas agrícolas e que tal medida venha a dar na prática o resultado que se espera.
A indústria da preparação ou transformação dos produtos agrícolas é presentemente realizada por indústrias próprias ou pelos grandes lavradores que disponham de capacidade financeira bastante para manter os seus estabelecimentos industriais complementares da sua exploração agrícola.
Das facilidades propostas pelo Governo já os pequenos agricultores poderão beneficiar da associação ou das cooperativas.
Mas é preciso notar que a fiscalização não se poderá dispensar, quer na isenção do condicionalismo das indústrias familiares, quer das indústrias próprias do agricultor ou de agricultores associados.
É perfeitamente aceitável que se pretenda proteger o trabalho caseiro e familiar e se dêem todas as facilidades às indústrias complementares da exploração agrícola. Porém, no primeiro caso, é preciso que as indústrias sejam consentâneas com o trabalho no domicilio, e, no segundo caso, que as indústrias preparadoras ou transformadoras se destinem unicamente aos produtos agrícolas do próprio lavrador ou de vários lavradores associados; isto é: que a isenção do condicionalismo seja sómente concedida nas condições da proposta do Governo.
Como se poderá obter tal garantia?
Eu creio que sómente será possível por meio da fiscalização que venha a exercer-se. E, sendo assim, na elaboração dos regulamentos industriais previstos na Lei n.º 1:956 dever-se-á atender à fiscalização e às normas cominando sanções.
Tudo se pode ludibriar se não houver fiscalização.
Há presentemente reclamações de industriais que trabalham com debulhadoras e enfardadeiras, porque os agricultores que adquiriram para si aquelas máquinas passaram a fazer o serviço de debulha de cereais e de enfardamento a outros agricultores da sua região, provocando assim uma concorrência ilegal e desregrada com os respectivos industriais.
Outro tanto sucede com os lagares de azeite.
É fácil prever que se possa desvirtuar a louvável intenção que preside à isenção do condicionamento, e portanto é indispensável a fiscalização, que deve ser extensiva às cooperativas.
Não me fatigo em apregoar os benefícios das cooperativas, porque delas muitas vantagens resultam para os seus associados.
. As cooperativas de consumo, que alguns preferem chamar cooperativas de distribuição, em geral dedicam-se apenas aos artigos de alimentação e vestuário. Mas são instituições tão úteis e têm dado tão bom resultado na prática que no regime corporativo elas pertencem às Casas do Povo e aos grémios das respectivas indústrias.
Nestas cooperativas sómente os associados podem e devem constituir a massa consumidora. E, além da vantagem que resulta do abaixamento de preço dos géneros e de os lucros serem repartidos pelos sócios na proporção das suas compras, as cooperativas evitam ou, pelo menos, atenuam as crises e o desemprego e, por vezes, uma parte dos lucros é com vantagem destinada a obras de beneficência e previdência.
Já tive ocasião de falar na Assembleia Nacional da obra meritória que tem realizado a Casa do Povo de Santa Eulália, freguesia do concelho de Eivas, em grande parte devido à existência da sua cooperativa de consumo.
E citei apenas esta Casa do Povo, porque é a que eu melhor conheço. Mas, tratando-se na presente proposta de lei de cooperativas agrícolas, direi que elas devem funcionar, no nosso regime corporativo, anexadas ao grémios da lavoura onde estão inscritos os agricultores. E, além de adquirirem materiais e artefactos necessários à exploração agrícola ou pecuária, devem também procurar adquirir em melhores condições, para os seus associados, as sementes, os adubos e as máquinas, podendo também tratar da venda dos produtos e seleccionar os géneros, evitando assim as despesas que acarretam os serviços prestados pelos intermediários.
Enfim, as cooperativas agrícolas são de produção e venda e são também de consumo, mas sómente naquilo que for inerente à produção.
Com possibilidade de poder mais económicamente preparar ou transformar os produtos agrícolas dos seus associados, as cooperativas agrícolas têm assim a grande vantagem de evitar que se pulverizem as pequenas indústrias complementares da agricultura, que tornam certamente os produtos mais caros e fazem investir um somatório de capitais que poderia antes ser utilizado com maior proveito para os agricultores.
O seu êxito, porém, reside no maior número de associados em cada cooperativa e também na fiscalização que se exercer para não serem desvirtuados os seus fins.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª supõe que as cooperativas não têm fiscalização? Julgo importante a explicação que V. Ex.ª dê sobre esse ponto.

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O Orador:-Eu tenho conhecimento de que as cooperativas servem só os seus associados por não poderem estender a sua acção aos outros.
O Sr. Melo Machado: - Mas quais as cooperativas a que V. Ex.ª se refere? Às de consumo ?
O Orador:-Neste momento estou tratando apenas das cooperativas agrícolas.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está a referir-se àquelas cooperativas que se formam junto dos grémios da lavoura o servem para adquirir os adubos e também para outros fins que pertenceriam, isto é, que seriam função dos grémios, cooperativas essas constituídas para se procurar fugir à monstruosidade das contribuições que têm caído sobre os grémios da lavoura, impedindo-os de realizar cabalmente a sua missão.
O Orador:-Estou focando neste ponto apenas na sequência de ideias.
O Sr. Melo Machado: - Quer dizer: V. Ex.ª está mostrando a utilidade do sistema cooperativo. Mas eu estou ansioso porque V. Ex.ª comece a referir-se às outras cooperativas, às industriais.
O Orador:-Demorar-me-ia muito tempo se continuasse na ordem de ideias que venho seguindo. Como, porém, desejo referir-me especialmente ao ultramar, vou neste momento passar a tratar dessa parcela de Portugal.
Resta, Sr. Presidente, ,referir-me ao ultramar.
No parecer da Câmara Corporativa faz-se justa e bem merecida referência à coordenação do desenvolvimento industrial dos territórios ultramarinos com a metrópole. Põe-se justamente em relevo o intenso e fecundo trabalho da industrialização das nossas duas mais importantes e ricas províncias ultramarinas -Angola e Moçambique-, que foi realizado nestes últimos
Porém, toda esta valorização económica se tem realizado - diz-se ainda no douto parecer- em compartimentos estanques, sem qualquer ligação com o que se passa nos quadros da indústria metropolitana.
Eu não estou de acordo com esta consideração do parecer, e mais adiante direi porquê.
O parecer preconiza que os problemas desta magnitude só lucram em ser abordados e realizados em plano suficientemente elevado, num plano superior aos legítimos interesses da metrópole e do ultramar, e não poderão ser considerados isoladamente.
E com esta parte do parecer ninguém poderá estar em discordância.
Na verdade, o parecer da Câmara Corporativa revelou uma lacuna existente na proposta do Governo, pois nesta trata-se apenas do condicionamento industrial da metrópole.
Mas ainda bem que o parecer notou a lacuna. Para a evitar apresentarei umas propostas no final destas minhas, considerações, a que já anteriormente aludi.
E a propósito devo dizer que ainda recentemente um nosso ilustre colega nos apontou a necessidade de intensificar u aproximação entre a metrópole e o ultramar, quando se referiu à recente visita dos jornalistas das nossas províncias ultramarinas, tendo oportunidade para dizer que a Constituição Política, nos seus artigos 135.º e 158.º, afirma o princípio da solidariedade política e económica de todos os territórios portugueses.
Mas, em todo o caso, embora a referida lacuna viesse a ser notada pela Assembleia Nacional, nem por isso quero deixar de prestar a minha homenagem à, Câmara
Corporativa pelo muito cuidado e saber sempre revelados em todos os seus pareceres.
Assentando, pois, que o condicionamento das indústrias deve ser tratado no plano nacional em virtude da Constituição Política e do Estatuto do Trabalho Nacional, nós teremos de reconhecer, pelo que adiante direi, que esse princípio existe não só nos textos referidos mas também na mentalidade dos portugueses.
E, quanto ao ultramar, posso informar a Assembleia Nacional que está sempre disposto u colaborar com a metrópole, pois a opinião pública em cada província ultramarina acha-se perfeitamente integrada no pensamento da unidade nacional, e portanto há predisposição para realizar todos os esforços necessários no sentido de prestar à metrópole todo o auxílio mútuo e fraternal que lhe seja indicado, para em conjunto se defender a economia nacional.
No entanto o ultramar tem as suas observações a fazer.
E quais serão essas observações que a respeito dos assuntos incluídos na proposta do Governo poderão fazer as províncias ultramarinas?
Porque Já no dia ,38 de Novembro do ano findo no jornal O Comércio, da província de Angola, uma notícia com o título a Os jornalistas ultramarinos na metrópole» e com o subtítulo o Os jornalistas Manuel Vaz, Araújo Rodrigues e Amparo Baptista põem o problema do algodão do ultramar», posso informar a Assembleia Nacional acerca da opinião pública das duas grandes províncias de Angola e Moçambique o que resumidamente passo a expor:
Os jornalistas ultramarinos foram amavelmente recebidos como aliás sucedeu por toda a ,parte numa fábrica de fiação e tecidos do Norte do País.
Depois de terem elogiado a obra social ali realizada e de se referirem à acção daquela indústria no campo económico, fizeram algumas considerações, que devem traduzir a opinião pública das suas províncias., e fizeram também algumas perguntas, para manterem informados os seus leitores.
Disseram que nas províncias de Angola e Moçambique, apesar de se vender tão barato q algodão, os produtos com ele fabricados eram adquiridos no ultramar a preços elevados, e tão elevados que os produtos de algodão do estrangeiro chegavam mais baratos àquelas províncias.
E para evidenciarem a preocupação do ultramar em ser útil à metrópole informaram que os cultivadores do algodão em Moçambique contribuíram, em média anual durante os últimos seis anos, com 362$21 para a economia da província, ao passo que, se trabalhassem no sisal, o rendimento por cultivador seria de 4.713$69.
Esta é a voz da opinião pública ultramarina, que aqueles jornalistas reproduziram.
Respondeu-lhes um delegado da empresa informando que o algodão é pago no ultramar a l$90 e que o mesmo chega à fábrica no preço de 19$, demonstrando com números o motivo do aumento. Declarou que a produção ultramarina do algodão não é suficiente para abastecer os mercados e sugeriu que toda a produção superior à actual poderia ser paga ao preço do mercado internacional, pois estava certo de que tal sugestão seria bem aceite pela indústria total do País: E por último referiu-se às fábricas de fiação e tecido que se estão a montar em Angola e Moçambique, respectivamente em Luanda e Vila Pery.
Ora, Sr. Presidente, sobre este assunto posso acrescentar algumas considerações e prestar alguns esclarecimentos.
O preço do algodão estrangeiro é cerca de quatro vezes mais caro do que o algodão nacional, e, portanto,

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é evidente que as províncias ultramarinas só teriam vantagem em vender o algodão para o estrangeiro.
Honra seja feita ao ultramar pelo seu sacrifício em proveito da economia nacional.
Se hoje a produção não é suficiente para abastecer . o nosso mercado, a razão está no facto de haver outros produtos, como o sisal, que dão ao cultivador ultramarino maior rendimento; e, por outro lado, tem aumentado consideràvelmente na metrópole o consumo do algodão com as numerosas fábricas que se têm instalado para o fabrico de fio das redes de pesca, de lonas e de malhas.
E o produtor indígena, em vez de intensificar a produção, dela se desinteressa cada vez anais, devido ao baixo preço por que lhe compram o algodão em caroço.
É curioso notar que no Congo Belga o algodão é comprado ao preço da cotação mundial e os tecidos com ele fabricados são vendidos por preços inferiores aos da nossa indústria.
Devemos, pois, concluir ser absolutamente indispensável modificar esta situação, que não deverá ser mantida por mais tempo, visto que é inteiramente contrária ao interesse da economia nacional.
E a modificação a operar deverá ser no sentido de se obter uma subida apreciável no preço do algodão em caroço, como incentivo de aumento da produção, e uma descida no preço do tecido com ele fabricado, como medida de aumento do consumo.
E não se admita a hipótese da impossibilidade de assim se resolver este importante problema económico. Desde que sejam refreados os lucros, encontrar-se-á a solução razoável.
Eu direi da grandeza dos lucros, da actuação do Governo e do complicado sistema que rege a movimentação do algodão nacional, sistema criado para combater os efeitos da guerra e que ainda hoje se mantém.
Não se julgue que este problema do comércio e da indústria algodoeiros, que diz respeito à metrópole e ao ultramar, é de somenos importância dentro do capítulo da economia nacional. Para nos apercebermos da grandeza ido seu valor basta recorrer ao volume de 1946 da Estatística do Comércio Externo de Angola, que nos dá as seguintes informações!, a penas relativas àquela província ultramarina:
Nos seis anos ide 194l a 1946 Angola vendeu 29: 396 toneladas de algodão em ama pela módica quantia de 283:999 contos, e calcula o valor do tecido produzido com aquele algodão em rama em cerca de 1.400:000 contos.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - O que convinha é que V. Ex.ª salientasse qual é o preço da cotação internacional e o preço por que se paga ao cultivador ultramarino.
A comparação entre o algodão e o sisal não se pode fazer, porque são culturas totalmente diferentes.
O Orador: - Não seria preciso mais para se ajuizar da grandeza do valor que representa o algodão dentro da economia nacional e paru se reconhecer a necessidade e urgência que há na intervenção do Estado para se modificar a situação que ainda hoje se mantém
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Mas a quais lucros V. Ex.ª se refere? Aos (proventos para a economia nacional ou aos lucros que auferem os industriais de algodão metropolitano?
à
O Orador: - A margem de lucros pode avaliar-se pelas indicações fornecidas pela Estatística do Comércio
Externo de Angola a que me referi e pelos elementos seguintes, geralmente admitidos:
São precisos 3kK,l23 de algodão em caroço para se obter 1 quilograma d B fibra ou algodão em rama, e 1 quilograma de fibra produz 900 gramas de tecido.
Vamos agora aos preços:
l. quilograma de algodão-caroço custa presentemente, no máximo, ,2$80.
l quilograma de algodão em rama C. I. F. cais de Leixões, 16$30.
d quilograma de algodão em rama na fábrica, 19$.
l quilograma de algodão tecido, 55f.
Para me não alongar mais direi, muito resumidamente, como funciona o sistema de movimentação do algodão, que foi montado em consequência das circunstâncias ocasionais a que já aludi.
O Sr. Melo Machado: - Isso, às vezos, pode não ser razão, porque V. Ex.ª sube que se fazem dumpinys e câmbios especiais para vender mercadorias por preços abaixo do próprio custo.
O Orador:-No Gongo Belga compra-se o algodão ao preço do mercado internacional, e apesar disso os tecidos fabricados por esse algodão entram em Angola por preços mais baratos do que os tecidos nacionais.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - O que V. Ex.ª quer dizer é que o algodão que vem das províncias ultramarinas para a metrópole é vendido a um preço muito baixo, o que não .significa que o Sr. Deputado Moio Machado não tenha razão quando diz que podem existir dumpings.
O Sr. Botelho Moniz: - Creio que a explicação se encontra no facto de o algodão ultramarino não ser bastante para as necessidades do consumo e haver que importar algodão estrangeiro muito mais caro, o que onera, portanto, o preço dos tecidos.
Eu desejaria que V. Ex.ª tirasse deste facto a conclusão lógica de que se deveria pagar às províncias ultramarinas o mesmo que se paga ao estrangeiro.
O Orador:- Essa é a. conclusão lógica que eu pretendo tirar.
O Sr. Botelho Moniz:-A indústria metropolitana não tem culpa disso, porque está condicionada a este respeito. É um erro em que se labora nos territórios ultramarinos julgar-se que a indústria metropolitana tem qualquer beneficio com o facto de pagar os produtos baratos. O beneficio afinal é apenas do Fundo de Abastecimento.
O Orador:-O concessionário algodoeiro compra o algodão em caroço ao produtor indígena pelo preço oficialmente estabelecido; depois descaroça-o e enfarda-o para ficar em condições de ser exportado.
Os exportadores inscritos na Junta de Exportação de Algodão, do Ministério do Ultramar, tem o privilégio de exportar o algodão ultramarino.
O Sr. Botelho Moniz: - Eu desejaria saber qual a base da proposta da Câmara Corporativa ou do Governo era que todo esse problema está previsto, porque creio que essas propostas são de condicionamento industrial.
O Orador:-A proposta do Governo tinha uma lacuna, a que já fiz referência, por não se considerar o condicionamento industrial no plano nacional, mas somente

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no plano metropolitano. E como quero apresentar duas propostas relativas ao ultramar, para que o condicionamento industrial seja considerado no plano nacional, tenho necessariamente de fazer a sua justificação.
O Sr. Botelho Moniz: - Mas julgo que o problema que V. Ex.ª está a expor nada tem com o condicionamento industrial.
O Orador:-Pode V. Ex.ª julgar que não, mas creia que está enganado. E vou dizer porquê. É que o condicionamento industrial tem como consequência lógica o controle do preço pelo Estado ou o seu tabelamento.
Vozes: - Isso não é assim.
O Sr. Manuel Lourinho: - tem com o preço.
O condicionamento nada
O Sr. Botelho Moniz: - Eu sempre supus que o condicionamento industria] era uma limitação do número de unidades industriais ou da liberdade de transferência ou de transformação dessas unidades industriais. E julgo que assim é. O resto - a fixação de preços, mais ou menos arbitrários, e que, infelizmente, tão arbitrariamente se fixam aqui como no ultramar, é outra coisa.
O Orador:-Sr. Deputado Botelho Moniz: tenho pena de dizer-lhe, mas está completamente enganado. O condicionamento é uma protecção que se dá às empresas industriais para não sofrerem a concorrência desregrada.
E como contrapartida da protecção condicionada o Estado deve ter o direito de controlar os preços ou de os tabelar, quando disto houver necessidade, para defender os legítimos interesses do público consumidor.
O Sr. Botelha Moniz: - Isso é outra coisa.
O Orador:-Os preços são uma consequência lógica do condicionamento.
O Sr. Botelho Moniz: - Perdão, uma coisa é o condicionamento industrial com base na quantidade a produzir e outra a fixação de preços, Repare V. Ex.ª que há indústrias condicionadas a trabalhar em regime de liberdade de preços e outras fora do condicionamento com preços fixados oficialmente, o que prova que as duas coisas andam separadas.
Eu nada sei de indústria, mas daí até V. Ex.ª passar-me um atestado de tão grande ignorância na matéria ...
O Orador:-Deus me livre fazer uma coisa dessas! Simplesmente tenho razões para continuar a pensar como penso.
O condicionalismo das indústrias tem como consequência lógica a fiscalização do Estado para saber como as actividades industriais correspondem à protecção do mesmo.
Reconhecendo o Estado que as indústrias estabelecem o preço justo, nada terá a tabelar. Se as indústrias teimarem em elevar o preço justo, então terá de recorrer ao tabelamento.
Na metrópole só os importadores inscritos na Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama, do Ministério da Economia, têm o privilégio de importar o algodão destinado às fábricas de fiação e tecelagem.
A Comissão Reguladora faz o rateio do algodão pelas fábricas e estas depois adquirem-no por intermédio dos importadores. Mas estes, por sua vez, também estão limitados à quota de importação que aquela Comissão lhes atribuiu.
No ultramar podem ser inscritos como exportadores tanto os concessionários como os produtores de algodão.
Na metrópole o privilégio da importação estava limitado. E daqui resultava o clamor geral contra estes importadores inscritos, que se limitavam a entregar o algodão às fábricas sem arcarem com as inerentes obrigações e responsabilidades que a sua função económica lhes impunha. Não precisavam de dispor de capitais nem ter armazéns destinados à recolha do algodão, para depois o fornecerem às fábricas, a pouco e pouco, à medida das suas necessidades e das suas possibilidades.
Por despacho de 24 de Fevereiro de 1950, o Ministro da Economia, sob proposta da Comissão) Reguladora do Comércio de Algodão em Rama, ao abrigo do disposto no n.º 1.º do artigo 9.º do Decreto n.º 27:702, de l5 de Maio de 1950, determinou novo regime para a inscrição de importadores do algodão em rama.
Este despacho foi publicado no Diário do Governo n.º 48, 1.ª série, de 8 de Março de 1950.
Daqui resultou que um concessionário pode estar inscrito coimo exportador e inscrever-se também como importador. Foi o que sucedeu. E os industriais podem igualmente inscrever-se como importadores.
E YV. Ex.ªs, Srs. Deputados, podem estar a fazer logicamente este raciocínio: sendo eliminados os intermediários importadores do algodão em traina e passando os industrias de fiação e tecido a importar directamente o algodão, já o tecido chegaria ao ultramar o preços inferiores aos actuais, e portanto cessariam os motivos da pergunta feita por um jornalista de Lourenço Marques.
Mas, Sr. Presidente e Sins. Deputados, ainda que só os industriais fossem os importadores, não se poderia concluir a príori que o produto fabricado chegaria às províncias ultramarinas por preço inferior ao que actualmente existe ou igual ao do estrangeiro.
E de crer que o abaixamento do preço sómente será alcançado pela intervenção do Estado.
Haja em vista o que sucedeu com II exportação do fio de algodão nacional. Este teve grande procura no estrangeiro devido ao seu baixo preço, pois o nosso fio era fabricado com algodão barato do nosso ultramar. E a exportação de fio de algodão português teve de ser impedida pela intervenção do Governo, que está sempre alento na defesa da economia nacional.
E, se não fora a intervenção do Estado, mais algodão em rama teria sido desviado para fins diferentes daqueles que a Comissão Reguladora destinara.
Portanto, sómente podemos acreditar que baixe o preço do tecido de algodão quando o Estado assim o decidir. E estou certo de que isso sucederá logo que o Estudo esteja na posse de elementos seguros que lhe permitam tomar essa resolução.
Mas não basta que baixe o preço do tecido; é indispensável que suba o preço do algodão em caroço.
E tanto assim o tem entendido o Governo que, depois de entendimentos entre os Ministros da Economia e do Ultramar e de informações prestadas pela Comissão Reguladora e pela Junta de Exportação, o Ministro fio Ultramar resolvera, por despacho de 18 de Maio de 1951, aumentar em 50 por cento o preço do algodão em caroço.
O de primeira qualidade passou de If90 para 2$80; o de segunda foi aumentado de $60.
Isto que acabo de expor servirá para concretizar a minha opinião e justificar «s propostas que prometi apresentar no final destas considerações, entendendo que o condicionamento das indústrias nacionais, pelo menos enquanto não estiver devidamente aperfeiçoada e concluída a organização corporativa da Nação, deverá pertencer aos Ministros da Economia e do Ultramar e subordinar-se ao mútuo e permanente entendi-

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11 DE JANEIRO DE 1952 141

mento que deverá existir entre estes dois membros do Governo.
Mas, Sr. Presidente, eu prometi justificar a minha discordância com as considerações feitas no douto parecer da Câmara Corporativa relativamente a ter-se realizado a valorização económica ultramarina em compartimentos estanques, sem qualquer ligação com a que se passa nos quadros da indústria metropolitana.
Para tanto basta recorrer ao Decreto n.º 26:509, de 11 de Abril de 1936, citado no próprio parecer.
Agora vou responder ao Sr. Deputado Botelho Moniz.
Para eu estar em desacordo com o parecer da Câmara, Corporativa basta recorrer ao Decreto n.º 26:509, de 11 de Abril de 1936, que foi citado no próprio parecer da Câmara Corporativa.
Vou ler o artigo 4.º desse diploma e V. Ex.ª verá a razão da discordância a que me refiro:
Leu.
Sempre que haja na província o produto que se fabrica, a indústria deve ser aí estabelecida.
O Sr. Botelho Mòniz: - Deve, não. Pode, está autorizado, o que não quer dizer que económicamente não seja um erro.
O Orador: - Deixe-me V. Ex.ª concluir o meu pensamento.
Quando o produto não seja da província, a respectiva fábrica deve ser instalada na metrópole, mas há casos excepcionais, relativamente aos quais sou de opinião que a indústria que já está montada em condições de uma produção mais perfeita deve ser mantida; isto é, proibida a instalação de nova fábrica no ultramar e mantida a que já existe na metrópole.
É o caso da instalação da fábrica de óleos em Moçambique. Os óleos obtidos por esta fábrica moçambicana têm de ser refinados nas fábricas existentes na metrópole.
Para evitar este erro, antes de ser autorizada uma, fábrica no ultramar, dever-se-á primeiramente atender às fábricas existentes na metrópole, tanto à quantidade como à qualidade da produção.
O artigo 4.º do referido decreto proíbe terminantemente a instalação de fábricas no ultramar sempre que na metrópole existam estabelecimentos industriais fabricando o mesmo produto e não tenham ainda atingido a capacidade máxima de produção.
Portanto, as províncias ultramarinas, em matéria de condicionamento industrial, não constituem compartimentos estanques.
Poderíamos até argumentar em sentido contrário ao do parecer, visto que, em face do artigo 4.º do Decreto n.º 26:509, e por não haver contrapartida na legislação metropolitana, a metrópole é que poderia ser considerada compartimento estanque em relação ao condicionamento das indústrias nacionais.
Mas não é assim que se tem (procurado condicionar as nossas indústrias, e sempre tem havido a preocupação governamental de exercer o condicionalismo dentro do campo nacional.
Penaliza-me discordar nesta pequena passagem do tão bem elaborado e douto parecer da Câmara Corporativa. Mas, por outro lado, também se me deparou o ensejo de me referir ao Decreto n.º 26:509, pelo qual se iniciou o condicionamento industrial no ultramar e que, devido à experiência colhida durante a sua execução, julgo que deve estar necessitado de algumas correcções.
O Sr. Mascarenhas Gaivão: - Enquanto os industriais de Moçambique têm de comprar as oleaginosas ao preço do mercado internacional, deduzindo apenas
o frete para a metrópole, os produtos cultivados na mesma província com destino à metrópole têm de ser vendidos por preço especialmente fixado pelo Governo, inferior em muito ao da cotação internacional. Como V. Ex.ª vê, a industria da metrópole está em melhores condições do que a de Moçambique.
O Sr. Botelho Moniz: - Isso não é bem assim.
O Orador: - Por este decreto foi atribuída ao Ministro do Ultramar a competência para autorizar nas províncias ultramarinas a instalação de estabelecimentos industriais cuja matéria-prima não seja produzida na respectiva província e foi atribuída aos governadores a competência para autorizarem a instalação de estabelecimentos fabris quando estes pretendam laborar matérias-primas que u província produza.
E ficou, como já atrás deixei dito, proibida a instalação de fábricas que pudessem prejudicar as já existentes na metrópole.
A técnica, a capacidade de produção e a localização dos estabelecimentos industriais são consideradas antes de ser concedida a respectiva autorização.
Mas foi-se anais além, como era mister, no sentido de «tender também aos consumidores, a quem o Estado tem por obrigação acautelar os seus interesses.
E assim para se instalar ou reabrir um. estabelecimento fabril não ultramar é condição indispensável que a diferença de preço, idos produtos fabricados paira os existentes, traga vantagens ao público.
E naquele decreto não se cuidou só das vantagens dos consumidores e do interesse das indústrias metropolitanas; deram-se grandes facilidades aos industriada e às empresas que se proponham instalar estabelecimentos industriais no ultramar paira laboração de matérias-primas que a respectiva província produza, ou montar ou substituir em estabelecimentos já existentes novo maquinismos para aumento .de produção, concedendo isenção de contribuições, de direitos de importação e de impostos.
O Decreto n.º 26:509, de 11 de Abril de 19.36, que estabeleceu o condicionamento ultramar, é verdadeiramente notável e em muito contribuiu para o intenso (c)fecundo trabalho da industrialização das nossas duas mais importantes e ricas províncias ultramarinas nestes últimos anos, como muito bem se diz no parecer do, Câmara Corporativa.
E, apesar de todo esse intenso e fecundo trabalho da industrialização ultramarina, alguns erros se cometeram, que me dispenso aqui de enumerar. O meu único desejo é contribuir de algum modo para que se possa melhorar a economia, do ultramar; e, portanto, terei ainda de dizer que o referido Decreto n.º 26:509, de 1936, que tantos benefícios trouxe, necessita de ser melhorado segundo os ensinamentos colhidos durante os seus dezasseis anos de existência.
E assim o decreto refere-se à alienação, de estabelecimentos industriais a favor de estrangeiros, mas não condiciona a autorização para os estrangeiros os instalarem originariamente.
Já anteriormente, pelo Decreto n.º 19:354, de 14 de Fevereiro de 1931, se tornou dependente de autorização governativa a passagem de estabelecimentos industriais para a, posse de estrangeiros.
E mais tarde o Decreto n.º 21:951, de 7 de Dezembro de 1932, permitiu aos estrangeiros no ultramar a continuação do exercício da sua actividade quando haja reciprocidade nos países a que esses estrangeiros pertencerem.
Mais recentemente a Lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943, impõe certas restrições aos estrangeiros.

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142 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 118

Porém, no raso da instalação de novos estabelecimentos industriais, em face do Decreto n.º 26:509, os estrangeiros e os portugueses no ultramar encontram-se no mesmo pé de igualdade.

As autorizações para a instalação dos estabelecimentos industriais devem atender, nos termos daquele decreto, à matéria-prima existente; mas tem-se atendido também à matéria-prima que possivelmente se possa produzir.
E daqui resultarão complicações futuras, porque a exiguidade da mão-de-obra indígena não poderá permitir que esta seja desviada para a produção de nova matéria-prima.

Outras correcções há, sugeridas pelas lições da experiência, que deveriam ser introduzidas no referido Decreto n.º 26:509, mas, para não fatigar VV. Ex.ªs limitar-me-ei às indicadas.

Porém, há uma alteração a que me devo referir. Espero que a isenção do condicionalismo às indústrias complementares da agricultura metropolitana seja aprovada pela Assembleia Nacional e desejaria que ela fosse igualmente extensiva aos territórios ultramarinos.

Não será inteiramente justo e até favorável ao desenvolvimento da agricultura ultramarina isentá-la do condicionamento industrial para cada colono ou colonos associados poderem (preparar por si os seus produtos?

O extraordinário desenvolvimento agrícola da província de S. Tomé. e Príncipe, tantas vezes exaltado por nacionais e estrangeiro» que visitam aquela nossa província ultramarina, deve-se, em grande parte, às facilidades, que sempre lhe foram concedidas, de em cada roça ser permitido instala a aparelhagem necessária à preparação dos seus produtos agrícolas.

Embora tenhamos praticado esta isenção no ultramar, conveniente seria introduzi-la no respectivo Derreto n.º 26:509, para .evitar critérios ou interpretações diferentes.

Estou chegado ao final das minhas considerações.

Resta-me apenas apresentar as (propostas a que ainda.

Porque ao Estado incumbe orientar, dirigir e fiscalizar toda a actividade económica nacional segundo princípios estabelecidos na Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional; e porque na actual fase evolutiva do corporativismo português o condicionamento das indústrias metropolitanas e ultramarinas deve pertencer, respectivamente, ao (Ministério da Economia e ao (Ministro do Ultramar; mós termos do Regimento da Assembleia Nacional, tenho a honra de propor e enviar para a (Mesa as seguintes alterações à (proposta de lei sobre o condicionamento industrial :

Acrescentar na base IX:

Deverá ser ouvido o Ministério do Ultramar quando parte importante da capacidade de produção prevista se destinar a satisfazer possíveis necessidades de consumo das províncias ultramarinas ou quando seja originária destas a matéria-prima que se pretenda utilizar.

Acrescentar na base XI:

... e em tudo que sirva para avaliação do preço justo e não colida com o seguro do fabrico.

Acrescentar na Base XV
No Conselho Superior da Indústria, haverá representação do Ministério do Ultramar.

Tenho -dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
António Joaquim Simões Crespo.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

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