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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 131
ANO DE 1952 4 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 131, EM 3 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
Nota. - Foram publicados cinco suplementos ao Diário das Sessões n.° 130, que inserem: o 1.°, os avisos que convocam a Mesa da Câmara Corporativa para funcionar como conselho administrativo durante a interrupção dos trabalhos da Assembleia Nacional e várias secções e alguns Dignos Procuradores agregados da mesma Câmara para prosseguirem no estudo do anteprojecto de lei da propriedade intelectual, da proposta de lei sobre a atribuição da responsabilidade civil e financeira em caso de alcance ou desvio criminoso de dinheiros ou valores do Estado, dos corpos administrativos, das pessoas colectivas de utilidade pública ou dos organismos de coordenação económica e das propostas de lei sobre a organização geral da Aeronáutica Militar e sobre recrutamento e serviços militares nas forças aéreas; o 2.°, o que faz cessar os efeitos da convocação relativamente aos Dignos Procuradores a que se refere o aviso publicado no 1.° suplemento, com excepção de alguns Dignos Procuradores; o 3.°, que convoca as secções de Política e administração-geral e Defesa nacional, bem como os Dignos Procuradores agregados João Francisco Fialho e José Tristão de Bettencourt, e que declara sem efeito o aviso publicado no 2.° suplemento, e o 4.° e 5.°, os textos aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção acerca dos decretos da Assembleia Nacional, respectivamente, sobre condicionamento das indústrias e abandono de família.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 130.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente propôs, e foram aprovados, votos de pesar pelo falecimento da esposa do Sr. Deputado Santos Bessa, do Rei Jorge VI e dos Rev.mos Bispos do Porto e da Guarda.
Também o Sr. Presidente se congratulou com o êxito da reunião do Conselho do Pacto do Atlântico Norte em Lisboa e felicitou o Chefe do Estado, o Sr. Presidente do Conselho e os Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência, da Defesa, da Economia e das Finanças pelo seu esforço para que se obtivesse tal êxito.
O Sr. Presidente comunicou ainda que recebera da Câmara Corporativa os pareceres relativos às propostas de lei de organização geral da Aeronáutica Militar, de recrutamento e serviço militar nas forças aéreas e de emparcelamento da propriedade rústica.
O Sr. Deputado Abel de Lacerda congratulou-se com a nomeação do Sr. Engenheiro António de Magalhães Ramalho para Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria.
Os Srs. Deputados Borges do Canto e Sousa Meneses ocuparam-se do temporal que ultimamente assolou os Açores.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Armando Cândido efectivou o seu aviso prévio sobre os excedentes populacionais e seu escoamento para as províncias ultramarinas e estrangeiro, ficando com a palavra reservada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Pareceres n.ºs 26/V, 27/V e 28/V, acerca, respectivamente, do projecto de lei n.° 154 (emparcelamento da propriedade rústica), da proposta de lei n.° 186 (organização geral da Aeronáutica Militar) e da proposta de lei n.° 187 (recrutamento e serviço militar nas forças aéreas).
Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes n.° 22/V.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 17 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
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Albino Soares Finito dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 130.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra sobre o mesmo, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Associação do Comércio e Indústria de Porto Amélia, comerciantes e industriais da cidade de Moçambique e do Chinde, a apoiar as considerações do Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão sobre o condicionamento industrial.
Da Câmara Municipal do Fundão, do Grémio da Lavoura do Fundão, da Auto-Transportes do Fundão, do Grémio do Concelho do Fundão, da Câmara Municipal de Belmonte e da Junta de Freguesia de Unhais da Serra, de apoio ao discurso proferido pelo Sr. Deputado Morais Alçada acerca da construção da estrada das Pedras Lavradas.
Da comissão distrital do Porto da União Nacional, a secundar as palavras do Sr. Deputado Sá Carneiro acerca do auxílio a prestar à Santa Casa da Misericórdia do Porto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: durante o interregno parlamentar deram-se alguns acontecimentos a que desejo fazer referência.
Faleceu a esposa do Sr. Deputado Santos Bessa. Julgo interpretar o sentimento da Câmara propondo um voto de pesar pelo facto, e que ao mesmo Sr. Deputado se exprima o nosso sentimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Também durante a suspensão dos nossos trabalhos ocorreu a morte do Rei de Inglaterra Jorge VI.
O rei ocupa na vida pública da Inglaterra e na consideração e no afecto dos ingleses uma posição de tal relevo que a sua morte produz sempre em toda a comunidade britânica um grande abalo e um profundo sentimento de pesar e de solidariedade. Não podemos esquecer o papel que a Inglaterra tem no Mundo e designadamente no mundo ocidental, nem a secular amizade que a ela nos prende e faz com que encontrem eco no Pais os acontecimentos relevantes da vida inglesa. Por esse motivo enviei, em nome da Assembleia, ao speaker da Câmara dos Comuns um telegrama de pêsames, que S. Ex.ª logo agradeceu; e creio que a Câmara quererá, nesta sua primeira sessão, corroborar os sentimentos que em nome dela exprimi.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O telegrama do Presidente da Câmara dos Comuns é o seguinte:
«Ex.mo Presidente da Assembleia Nacional:
O telegrama de V. Ex.ª, de condolências pela morte de Sua Majestade o Rei Jorge VI, foi muito apreciado.
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Peço o favor de apresentar aos membros da Assembleia Nacional de Portugal os agradecimentos de todos os membros da Câmara dos Comuns.
Com as melhores simpatias. - William S. Morrisson (speaker)».
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também no interregno parlamentar ocorreu, no Porto, e falecimento do bispo daquela diocese, D. Agostinho de Jesus e Sousa, figura eminente de prelado português, pela austeridade da sua vida, pela vastidão do seu saber e pela sua acção apostólica. O Porto tem pelos seus valores morais e espirituais, cujo mais alto expoente são, sem dúvida, os seus bispos, um culto que é não só a expressão do seu sentimento religioso, mas da solidariedade da sua grei e da sua educação cívica, culto que se exibe na impressionante unanimidade das manifestações colectivas de pesar com que acompanha o desaparecimento dos homens que no seu meio encarnam esses valores.
Creio que a Câmara quererá neste momento associar-se ao pesar da Igreja portuguesa, e especialmente do da cidade e diocese do Porto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Ainda na Guarda, e logo no início da interrupção parlamentar, sucumbiu à sua provecta idade o seu velho prelado D. José Alves Matoso, figura veneranda de príncipe da Igreja portuguesa, que, no decurso de uma existência longeva, exemplificou as mais preclaras virtudes do sacerdócio católico. Também ao luto da diocese da Guarda a Assembleia Nacional desejará associar o seu próprio pesar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Finalmente, um outro acontecimento, de natureza inteiramente diferente e da mais alta transcendência, ocorreu em Portugal e se iniciou nesta mesma sala de sessões da Assembleia durante a interrupção dos trabalhos da Câmara. Quero referir-me à última reunião do Conselho do Pacto do Atlântico Norte. Pondo de parte o facto, aliás honrosíssimo, de Lisboa ter sido durante alguns dias a capital do mundo ocidental, em que estamos integrados, e as eloquentes demonstrações de consideração e respeito por Portugal e pelos seus mais altos dirigentes e pelo esforço desenvolvido para ocuparmos o nosso lugar no concerto das nações, com dignidade e sem causar dificuldades e preocupações aos grandes responsáveis da defesa do Ocidente, há que assinalar o extraordinário alcance das decisões aqui tomadas e às quais fica vinculado o nome do País e da sua capital. Efectivamente a aprovação do projecto do exército europeu e do estatuto da comunidade europeia, do sistema de relações entre esta e a organização do Atlântico Norte e a participação da Alemanha ocidental no exército europeu são decisões que permitem encarar com optimismo o futuro da liberdade dos povos e da civilização cristã que informa o mundo ocidental e é a mais alta florescência espiritual do Homem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Merecem S. Ex.ª o Chefe do Estado, como dirigente supremo da política externa da Nação, o Presidente do Conselho e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, como seus artífices e executores, e ainda os Ministros da Presidência e da Defesa, da Economia e das Finanças, como colaboradores indispensáveis dessa política, as melhores felicitações desta
Assembleia pela maneira como têm sabido interpretar os sentimentos e os grandes interesses do mundo português.
E daqui, em nome da Assembleia, julgo poder exprimir-lhes a nossa inteira solidariedade.
A Assembleia manifestou unânime aplauso às palavras do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Durante o interregno da Assembleia Nacional receberam-se:
Em 19 de Fevereiro de 1952 - Os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Lopes Moreira na sessão de 15 de Janeiro findo.
Em 23 de Fevereiro de 1952 - Os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António Sobral de Magalhães Ramalho na sessão de 11 de Abril de 1951.
Em 23 de Fevereiro de 1952 - Os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António Jacinto Ferreira na sessão de 19 de Dezembro de 1951.
Em 23 de Fevereiro de 1952 - Os elementos fornecidos pelo Ministério da Justiçarem satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António Pinto de Meireles Barriga na sessão de 30 de Janeiro findo.
Em 29 de Fevereiro de 1952 - Os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Miguel Rodrigues Bastos na sessão de 23 de Janeiro findo.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os pareceres da Câmara Corporativa relativos às propostas de lei sobre a organização geral da Aeronáutica Militar e recrutamento e serviço militar nas forças aéreas e ao projecto de lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica enviado àquela Câmara por esta Assembleia. Os primeiros vão ser submetidos imediatamente à apreciação das Comissões de Política e Administração Geral e Local e de Defesa Nacional desta Câmara, sendo designados oportunamente para ordem do dia, e o segundo, com o respectivo projecto de lei, seguirá para as Comissões de Legislação e Redacção e de Economia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Abel de Lacerda.
O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: durante a interrupção dos trabalhos parlamentares foi nomeado Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria o nosso ilustre colega engenheiro António de Magalhães Ramalho.
Como Deputado pelo distrito de Viseu, não posso calar a satisfação que ali, como, aliás, em toda a parte, causou tão acertada escolha.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O distrito orgulha-se de continuar dando ao Governo o escol dos seus filhos, e o engenheiro Magalhães Ramalho, pelas suas altas qualidades morais e profundos conhecimentos de economia, confirma tão gloriosa tradição.
Se o Ministro pode ser exclusivamente um político, o Subsecretário de Estado tem de ser um técnico, sem perigo de se lamentarem depois experiências que nada prestigiam o Poder ...
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Bem avisado andou o Governo em seguir agora tão salutar princípio, que, aliás, se nos afigura da mais elementar prudência.
Como dizia o Sr. Ministro da Economia, o engenheiro Magalhães Ramalho foi para Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria «em sequência lógica dos seus trabalhos parlamentares»; eles são, sem dúvida, penhor seguro do seu saber, da sua competência, da seriedade e serenidade com que estuda todos os problemas.
Sr. Presidente: esta Casa ficou empobrecida com a ausência de um dos seus Deputados mais ilustres, mas aceita de bom grado o sacrifício, sabendo-o em proveito da Nação, a quem todos devemos obediência.
Ao novo Subsecretário de Estado dirijo, por Lamego e por Viseu, em meu nome pessoal e no dos meus colegas, respeitosos cumprimentos e rendidas homenagens.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Borges do Canto: - Sr. Presidente: durante o interregno da presente sessão legislativa, que «acaba de findar, assistimos ao desenrolar de acontecimentos que bem podemos classificar de extraordinários e admiráveis uns, de bem tristes e confrangedores os outros.
Quanto aos primeiros, quero referir-me ao que se passou nesta capital por motivo da reunião do Conselho do Pacto do Atlântico Norte, e que bem se pode juntar ao já sem número de factos a que vimos assistindo com íntimo contentamento e profunda admiração, os quais têm mostrado, sem sombra de possível contestação, desde há muito, que coisas novas se estão passando em Portugal. Não sei só ainda há cegos que não queiram ver, mas estou intimamente convencido de que os factos patenteados pela exemplar organização da reunião a que me referi foram bem testemunhados por muitos dos delegados das catorze nações que até nós vieram e que, em certa parte, se mostraram surpreendidos com o que presenciaram e puderam auscultar do nosso valor e das nossas possibilidades, do arranjo da nossa casa, da nossa cortesia e hospitalidade, e até - seja-me permitida a referência - da sumptuosidade das recepções que se lhes ofereceram, mostrando incontestáveis tradições de elegância, de bom gosto e - porque não dizer? - de fidalguia destas terras de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Até o Sol - embora não seja novo, porque é sempre o mesmo que ilumina este extremo ocidental da Europa - pareceu reservar para aqueles dias as suas melhores magnificências, em época tão pouco propícia para a manifestação dos seus esplendores.
Bem se pode dizer que estamos de parabéns todos nós Portugueses e que grande contentamento nos devem causar as impressões que essa reunião de Lisboa produziu nos países ligados ao aludido Pacto e de que a imprensa continua a fazer-se eco, parecendo-me bem azada ocasião esta de mais uma vez agradecer ao grande obreiro da nossa renovação, das nossas possibilidades de desempenharmos e cumprirmos a função de nação atlântica, porque não bastava a posição geográfica e estratégica de Portugal, com as suas preciosas posições no Atlântico, se não estivéssemos em condições - nós, Nação - de enfileirarmos, com independência e autoridade, entre as catorze do Pacto, fazendo ouvir com admiração e acatamento a nossa voz; se não pudéssemos, nesta viragem da História, fazer valer e mostrar
como indispensável, dentro da nossa própria e perfeita dignidade, o bloco peninsular.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Parece-me que nos podemos gloriar de termos provocado esta frase interessante de um dos mais proeminentes delegados: «a reunião de Lisboa passará à História». Sim, temos direito a essa glória, porque a consagração não se deverá só às resoluções tomadas, mas ao ambiente que as permitiu. Esse é nosso, e glória nossa são também as possibilidades que o criaram.
Mas, Sr. Presidente, temos, em oposição a este quadro de legítimo contentamento e orgulho para nós, outro de lástima e tristeza, também simultâneo com o interregno e de íntima afinidade com aquele.
Afinidade porquê? Porque são as tais preciosas posições de que Portugal desfruta e o tornam indispensável na defesa do Atlântico que se vêem forçadas a expor aqui, após tantos motivos de alegria para a Nação, as queixas da sua angústia.
Sr. Presidente: as ilhas dos Açores acabam de ser açoitadas por um violento temporal, que, segundo as notícias para os jornais da capital, lhes causou estragos por enquanto imprecisamente calculados, mas que devem ser de grande monta.
Pobres ilhas, que, uma vez por efeito de fenómenos meteóricos, outra vez por causa dos sismos, vão sofrendo seus estragos mais ou menos consideráveis, tendo sempre os seus habitantes de lamentar perdas em suas fazendas e muitas vezes os mais desastrosos efeitos morais peculiares dessas convulsões!
Pobres ilhas e pobres habitantes, que tantas vezos são caluniados pela brandura do seu clima e dos seus costumes, mas que lá vão mourejando e sofrendo, criando, desde há cinco séculos, essa boa parcela de que a Pátria se ufana em sua história, esse magnífico ponto de apoio que tanto a valoriza no presente!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O Governo certamente não se furtará a socorrer esses bons portugueses das ilhas, e sabe-se já que o Sr. Ministro das Obras Públicas, pressurosamente, determinou a ida aos Açores de uma comissão de engenheiros para verificar e avalias concretamente os prejuízos sofridos. Confiamos, pois, nestas providências.
Falei dos Açores, Sr. Presidente, e a todas as ilhas presto o meu preito dorido pêlos seus sofrimentos, mas cabe-me especialmente falar da ilha Terceira. Eu sabia já que a Terceira, com curtas intermitências de bom tempo, foi, durante todo o mês de Fevereiro, batida pelo mau tempo, a ponto de ter visto por duas vezes ameaçadas e grandemente prejudicadas as suas comunicações marítimas. Logo no começo do mês o vapor Carvalho Araújo, ao regressar de oeste, já novamente a caminho de Lisboa, não pôde fazer serviço no porto de Angra e esteve dois dias pairando junto da ilha, até que, ao terceiro dia,, foi a um pequeno porto do Norte, o dos Biscoitos, onde há apenas poucos e reduzidos barcos de pesca, deixou e tomou passageiros e mala do correio, largando de seguida para S. Miguel com a carga que tinha a bordo para a Terceira e sem aquela que desta ilha devia trazer para as outras de leste e para Lisboa. Grande prejuízo, portanto, para a economia da ilha e também, sem dúvida, para a Empresa Insulana de Navegação.
Mas pior foi o que sucedeu com o vapor Lima a seguir. Tendo partido daqui a 8, chegou à Terceira a 14, em viagem normal, com a infelicidade, porém, de lá ir encontrar o maldito vento Sueste, que impossibilita o tráfego marítimo em toda a costa Sul. Desembarcou os passageiros em Angra, com dificuldade, e pouco depois
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levantou para a baía do Fanal, do outro lado do Monte Brasil, pequena península ligada à costa precisamente no ponto onde se assentou a cidade, e que oferece algum abrigo, embora precário, mas sem que o respectivo cais, o da Silveira, tenha o necessário apetrechamento para o serviço de descarga dos vapores. Mesmo assim, dali teve de levantar, para se pôr ao largo e procurar melhor abrigo no Norte da ilha. Assim esteve pairando em volta da Terceira durante sete dias, porque só ao oitavo dia pôde fundear na baía de Angra e fazer a descarga e todo o outro serviço para Oeste, para onde partiu na madrugada de 22. Esteve portanto o Lima demorado na ilha Terceira por espaço de oito dias para um serviço que normalmente lhe leva dezoito horas, caso inédito nos anais das ligações do arquipélago pela navegação a vapor!
Não discutirei os prejuízos para a empresa do Lima, que são indiscutíveis, mas lembrarei o incómodo sofrido pelos passageiros que se destinavam aos portos para lá de Angra, até ao limite da rota do barco, que é a ilha do Faial, naquele baloiço de tantos dias, à vista de uma ilha com que se não pode comunicar, e até, disse-se, com a água racionada. Entre esses passageiros achava-se o digno governador da Horta, Sr. Engenheiro Mascarenhas Gaivão, que por certo dará vivo testemunho dos encantos dessa viagem.
No entanto, Sr. Presidente, o que me compete expor aqui à Assembleia, por imperativo dos meus conterrâneos, dos meus eleitores, é a situação da ilha Terceira e dos seus habitantes perante as bravezas do mar, especialmente quando o vento sopra dos quadrantes do Sul, que os isolam do resto do Mundo, tornando impossíveis as comunicações por via marítima. São bem frisantes os factos ocorridos no mês de Fevereiro findo e que eu acabei de relatar, para que essa situação fique bem definida perante V. Ex.ªs e perante o Governo, que é, em última instância, a quem se dirigem as minhas considerações e o apelo que delas deve resultar.
É sem dúvida espectáculo digno de admiração esse do mar embravecido. Há quem aqui vá, por desfastio, ali à Boca do Inferno ver o trepar das vagas e o seu rebentar naquele boqueirão profundo; mas isso não tem comparação com o que os bons angrenses, encarrapitados nos pontos altos da costa, divisam, olhando para o Sul, nesses dias tempestuosos. Os vagalhões enormes entram em fúria pela baia dentro e, apertados no fundo do saco que a reintrância forma, trepam uns pelos outros a alturas enormes, vindo rebentar, em fúria sempre crescente, contra a muralha de defesa da terra, que a água galga, abatendo-se com violência inaudita sobre os cais e sobre a estrada marginal, depois de ter produzido as mais belas e alterosas gerbes que é possível imaginar.
Mas quando os Angrenses, desses mesmos pontos e durante essas raivas do mar, avistam ao largo, pairando, o vapor que lhes deve trazer parentes ou amigos, correio há tanto esperado, muitos dos géneros e artigos necessários à sua vida, e deve depois levar o que a ilha produz e estabelece o equilíbrio da sua economia, e que, por causa da violência das águas revoltas, não pode aproximar-se e entrar na baía, pensam então, e com eles todos os Terceirenses, que se ali fora existisse um paredão e um quebra-mar que sustivesse aquelas vagas alterosas e as fizesse rebentar longe, deixando a baía tranquila para abrigo das embarcações que demandam o porto e serviço acautelado dos seus passageiros « das suas cargas, sem demoras prejudiciais, lembram-se então da grande promessa, de há mais de cem anos, que cristalizou na sua mais ardente aspiração, para se tornar ao presente na mais real das necessidades - o porto de abrigo -jamais alcançado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E depois de ouvirem dizer a uma das mais marcadas figuras do Governo Nacional ser a Terceira «chave do Atlântico», «princesa que todos os senhores da terra desejariam desposar»; ao sentirem o papel importante que a sua ilha desempenha no contributo de Portugal para o Pacto de que vimos tão celebradas as decisões do seu Conselho na recente reunião desta cidade, os Terceirenses, repito, espantam-se de não verem satisfeita essa sua necessidade imperiosa e urgente, e triste e desalentadamente perdem a esperança que lhes fez nascer aquele célebre Decreto de Outubro de 1944, que, determinando a 2.ª fase da obra dos portos, nela incluiu o porto de Angra.
Entretanto, agora, à vista do vapor Lima pairando nas suas águas oito dias, sem possibilidade de receberem muita coisa que já escasseava no seu comércio, sentindo o incalculável prejuízo que resulta de tão grande demora nas suas relações comerciais com o exterior, compreendendo, enfim, que é já grande injustiça conservá-los, nesta época, despojados dos meios que lhes assegurem as suas comunicações marítimas, o que já há muito não sucede a nenhuma das outras capitais do distrito, reagem, volta-lhes o ânimo e a esperança, porque não perderam a fé no lema desta nova política e sabem que promessa feita neste regime é promessa cumprida.
Surge um primeiro movimento da população, que o jornal católico A União procura interpretar num telegrama que o seu director dirige, no dia 20, aos Deputados do distrito, nos seguintes termos:
«Jornal A União interpretando sentir geral população roga VV. Ex.ªs mais uma vez exponham Governo penosa situação nossa ilha falta porto abrigo. Há sete dias paquete Lima paira ao largo esperando oportunidade serviço carga e passageiros. Igual sorte padecem cargueiros americanos. - Cardoso do Couto».
Depois veio o seguinte telegrama do Ex.mo Governador substituto do distrito, que mostra bem o estado de espírito da população, traduzido pelo movimento das chamadas «forças vivas», das associações e corpos administrativos:
«Vapor Lima esteve assim como outros vapores estrangeiros volta ilha Terceira só conseguindo desembarcar mercadorias e mala fim oito dias virtude estado mar e mais uma vez imprensa local traduzindo vibrante sentir público fez reparos e reclamações veementes construção porto abrigo especialmente agora diário União cujo director telegrafou também V. mesmo sentido. Angra Heroísmo única capital ilhas adjacentes que não tem porto abrigo apesar antiquíssima reivindicação que corresponde hoje mais que nunca necessidade urgente. Últimos governadores distrito corpos administrativos deputados três últimas legislaturas têm instado construção porto abrigo mas apesar estudos planos feitos engenheiros até experiências feitas estrangeiro com profunda mágoa Terceirenses vêem sem realização essa importante obra. Hoje Governo Civil reunidos representantes Junta Geral Câmara Municipal Junta Autónoma Portos União Nacional Grémios Comércio e Lavoura Sindicatos Casas Povo Confederação Operária Associação Recreio Operária Sociedades Recreio Federação Cooperativas Lacticínios firma Lacticínios Ilha Terceira Limitada em nome deles solicito interferência V. outra vez junto Governo para ser satisfeita nossa secular justíssima aspiração».
Sr. Presidente: há quase dois anos tratei nesta Assembleia este assunto do porto de Angra e antes já o havia apresentado ao Sr. Ministro competente. Achei o caminho barrado, não por má vontade, que eu sei não existir, mas por compreensíveis restrições. Protestei, quase, não voltar a falar em semelhante reclamação da minha terra; no entanto, perante este imperativo dos meus conterrâ-
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neos e eleitores, eu não podia deixar de trazer aqui, novamente, este seu justíssimo e oportuno apelo.
À volta da construção do porto de abrigo na ilha Terceira há, certamente, um problema financeiro grave e um problema técnico muito sério; mas não me parece que, quer um, quer outro, não seja removível pela vontade forte do Governo e pela competência provada dos nossos engenheiros em tanta obra de vulto levada a cabo no continente.
Por isso, por aquele imperativo e por esta convicção, eu aqui deixo, perante V. Ex.ª, esta representação da ilha Terceira, especialmente dirigida a S. Ex.ª o Chefe do Governo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: relataram todos os jornais, lançou para o ar a notícia a Emissora Nacional, que violentos temporais haviam assolado as ilhas dos Açores.
Com o conhecimento do facto vieram também as informações sobre os prejuízos causados, que não são poucos.
Já também se conhece a decisão do Governo mandando às ilhas uma comissão de técnicos encarregados de avaliar os prejuízos e indicar as providências a tomar.
Mais uma vez se verifica que o Governo, vigilante, acode pronto à solução do que importa ao benefício público.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se lastimarão as respectivas populações das inclemências do temporal, a elas já afeitas e a elas resignadas pelo fatalismo da sua posição, mas clamarão sempre as providências adequadas e a tempo, dentro dos preceitos da técnica de construção, para que os efeitos destruidores desses temporais sejam reduzidos ao mínimo.
É que o crescimento constante das populações insulares e o desenvolvimento contínuo que o seu trabalho produz na valorização das ilhas é imposição que está patente e é convicção formada nessas populações, para solicitar providências, que, sem estarem esquecidas, creio-o bem, vão contudo sendo proteladas no que seria precisão fazer com certa urgência para obstar às grandes destruições que estes temporais originam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Noticiaram os mesmos meios de informação que andou um dos vapores da carreira, cheio de passageiros e carga, uma semana à roda de uma das ilhas - a Terceira - sem conseguir entrar em porto onde pudesse estar em segurança.
Actualmente é de 60:000 habitantes a população dessa ilha, sede de distrito, e será escusado lembrar quanto ela pesa presentemente na política nacional para realçar a importância do seu valor, se não fosse já merecedora de atenção a valorização devida ao esforço, ao trabalho, às realizações dos seus habitantes.
Se não se pode pedir a protecção do Governo para as inclemências das forças da natureza, pode-se contudo esperar que a sua acção se manifeste a minorar ou arredar os malefícios delas derivadas. E um desses benefícios seria voltar à consideração, como imperiosa necessidade, da construção dos dispositivos precisos para que o serviço no seu porto se possa fazer em condições de melhor segurança, quando a baía seja ainda praticável.
Para o lembrar, dentro da contingência das necessidades técnicas ou financeiras que o caso exija, é que eu também pedi a palavra a Y. Ex.ª, por ser assunto de indicada necessidade e, vá lá, de imperativa medida de civilização para uma população que se tem sempre afirmado ser dela bem merecedora.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - As intervenções dos Srs. Deputados Alpoim Borges do Canto e Sousa Meneses, puseram perante nós o espectáculo das assolações ocasionadas nos distritos de Angra do Heroísmo e Ponta Delgada pelas tempestades que nos últimos dias varreram aqueles pedaços de Portugal. O Governo tomou já, com a maior solicitude e brevidade, as medidas tendentes a remediar os estragos causados e a minorar o sofrimento das populações atingidas.
A Assembleia aplaude calorosamente o Governo pela sua acção e exprime àquelas populações a sua inteira solidariedade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Sousa Meneses: - Agradeço muito a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as palavras que acaba de proferir com relação à catástrofe ocorrida nos Açores.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Vaz Monteiro: - Eu tinha pedido a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se o assunto para o qual V. Ex.ª pediu a palavra tem urgência e oportunidade hoje, concedo-lha.
O Sr. Vaz Monteiro: - Não tem urgência, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, a V. Ex.ª e aos outros Srs. Deputados que pediram para falar antes da ordem do dia de hoje, concederei a palavra na sessão de amanhã.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Armando Cândido acerca do excesso demográfico português relacionado com a colonização e a emigração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: a perturbação confessada por Cícero, ao começar a sua oração em defesa daquele rei de Galácia que respondeu na presença de César, não foi maior nem mais inibitória do que o receio que neste momento me reduz a vontade.
Ainda Cícero tinha recursos que superavam os seus temores. Eu estou simplesmente habituado a ser verdadeiro, como o espelho do mar que me retratou o berço, a ser humilde, como a folha que se desprende da árvore para se misturar com o sangue da terra, e a pensar, a pensar com firmeza, mas a dizer, com o sobressalto, nunca vencido, de não dar às palavras todo o calor das ideias e de as próprias ideias não
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possuírem a força de transcendência ou o segredo de perpetuidade que as comunica, recomenda ou impõe.
Valha-me o propósito que tive de dar tempo a que outros se preparassem mais e melhor para virem aqui discutir e construir o que eu não puder discutir nem construir. Considero este fim - o de abrir campo a outros obreiros - o serviço mais proveitoso da minha iniciativa.
Medi a grandeza e o valor das questões que mo proponho tratar no meu aviso prévio. Depois de o apresentar, dizia-me o Doutor Afonso Queiró, professor da Universidade de Coimbra, que muito considero e admiro:
Escolheu um tema que me apaixona. Que mais não faça, deu lugar a que se ocupem dele, e isso já é muito.
Em todo o caso, não estou tranquilo. Eu é que me sinto pequeno para tratar aqui, de um fôlego, tão grande problema. E ao reconhecer, como o reconheceu o comandante Sarmento Rodrigues, na sessão de 27 de Abril de há dois anos, que temos nesta Assembleia elementos capazes de o fazer, dou graças por ver no Ministério do Ultramar um dos maiores e dos mais categorizados desses elementos, pois aí já ergueu realidades que nos trazem presos e agradecidos.
Nunca subi a esta tribuna com tanto peso nos ombros e com tanta ansiedade na alma.
Já alguém observou que não é a noção do momento difícil que nos aflige, mas sim a perda da fé que nos cria situações aflitivas.
Tenho fé.
E se alguma aurora de sonho envolver, por vezes, o corpo da realidade, não levem a mal.
Guardo este conselho que recebi algures: «Pôr a maior dose possível de sonho na realidade e a maior porção de realidade no sonho».
Sempre que posso uso esta grande fórmula de construção.
Sr. Presidente: reparando nos factores que entram na evolução do problema demográfico, penso que nem o factor político, nem o militar, nem o económico, no sentido restrito, nem o humano ou o fisiológico foram entre nós causas predominantes do aumento da população.
Politicamente, não praticamos o critério da população estacionária. A ideia de medida que levou os filósofos da velha Grécia a condicionarem à lei do equilíbrio populacional a existência de ordem na cidade nunca nos preocupou. O certo é que não regulamos a soma dos nascimentos pelas leis de Platão e de Aristóteles e que não despertamos a matinada dos berços ao sabor da afirmação de Bossuet de que a multiplicação do povo é a glória e a dignidade do rei.
Temos leis protectoras da família, dos carecidos e desamparados; reagimos contra os hábitos anticoncepcionais; dispomos de um clima moral propício à natalidade, mas é pelo factor religioso que nos portamos assim no quadro político.
No campo militar não criamos gente de propósito para a guerra. Nunca nos entregámos à política do excesso de homens como arma ofensiva e nunca admitimos que a nossa falta de soldados pudesse despertar os apetites estranhos.
Nacionalistas de tipo compreensivo, mesmo quando alargámos as fronteiras foi por cima das terras profanadas e das águas sem dono. E tão desprevenidos foram sempre os juízos que fizemos sobre a perda de gente que o infante D. Pedro, em 1437, ao pronunciar-se contra a expedição de Tânger, observou ao rei que os Portugueses, ainda que pudessem ir além e tomassem, no mesmo passo, Alcácer e Arzila, não saberiam depois que lhes fazer, «porque povoar dellas um regno tam despovorado e tam minguado de gente, como é este nosso, he impossível».
Na segunda metade do século XVI, Garcia de Resende escrevia a trova que tem sido muito citada:
Vemos no Reyno meter
Tantos captivos crescer,
E irense hos naturaes,
Que, se assi for, serão mais
Elles que nós, a meu ver.
Sob o ponto de vista económico repudiamos o aviso de que a população cresce mais depressa do que as subsistências, e nunca fomos comandados pela doutrina da maior população para a maior produção.
Por outro lado, não nos deixamos conduzir, exclusivamente, pelo instinto da felicidade pessoal. A grande parte desconhece que a palavra «proletário» significa «que tem muitos filhos» e aceita, como consequência indiscutível, a de se sentar à mesa com o encargo de muitas bocas.
Não somos também, por estrutura, desprovidos de natureza espiritual. O nosso processo de perpetuação da vida é mais o de almas que se renovam do que o de gerações que se sucedem.
Não digo que na medida da sua acção, por vezes contraditória, estes factores não apareçam no desenvolvimento do problema demográfico português, mas, se quisermos referir factores de maior relevo e preponderância, temos de dar valor à palavra do Génesis e ao destino histórico que nos mandou escrever o nome com a glória do nosso sangue.
À velha lei de Deus se foi povoando a estreita faixa peninsular, e, quando não havia mais terra pegada com a nossa, embebemos a vocação, lavrámos estranhos rastos no mar, abarcámos rumos incríveis, vencemos distâncias temerosas, ajudámos a completar o Mundo, na mais ingente batalha de desígnios que jamais foi dado a um povo cumprir.
Foi como se tivesse baixado sobre nós, vindo do céu, um apelo que nos obrigasse, através de tudo, a prolongar o espírito de fé e de esforço criador que nos trouxe desde as ribas do Douro até às praias do Algarve.
Nunca crescemos para outra coisa que não fosse para servir este fundo de agitação perpétua, este propósito de missão. Daí o supormos que não servimos a Deus nem à Pátria se nos reduzirmos ou estancarmos as fontes da nossa raça. Além do factor religioso, o factor histórico. E raros são os povos que vêem, como nós, borbulhar nas nascentes renovadoras da sua vida poder tão permanente e tão fecundo. A verdade é que possuímos a crença de que ninguém fecha ou embarga caminhos aos nossos passos. Nesse sentimento labutamos o por ele prosseguimos na marcha natural de nos propagarmos, como gente que tem direito a uma presença cada vez mais larga no Mundo. E um tema de epopeia que não finda. Reduzido à soberania efectiva cantou-o o poeta, ao descrever as armas reais:
E direi primeiramente
Das altas quinas reais
Mandadas por Deus, as quais
Já conhece tanta gente
Por senhoras naturais
............................
Mas teremos um excesso demográfico?
A resposta não é possível sem que se relacione o fenómeno económico com o movimento da população. Existe um mínimo de necessidades abaixo do qual a vida se torna penosa e até mesmo impossível. São as chamadas «necessidades elementares», com base no volume de subsistências reputado imprescindível. E já não importa
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averiguar se a vida humana sobe com a certeza de se espraiar em campo de antemão assegurado, ou se cresce para conquistar e utilizar o espaço de que precisa, criando e fomentando nele condições de progressivo valor. Isto é, não importa agora discutir se a multiplicação das subsistências precede ou não, ou deve ou não preceder, a multiplicação dos homens: o que importa é tomar o problema no ponto em que ele se mostra e saber se somos de mais para o que temos, se dispomos de mais vidas do que de meios de viver. Depois disto é que o problema, se existir, terá de ser resolvido por esta ou aquela forma, e nessa altura convirá então discutir os processos que melhor conduzam à sobrevivência.
São já conhecidos os resultados provisórios do censo de 1950.
Partindo do ano de 1900 com cerca de 5.423:000 habitantes no continente e ilhas adjacentes, chegámos a 1940 com esta cifra elevada a 7.722:000. Nas décadas compreendidas dentro deste período de quarenta anos afirmou-se o aumento da população em ritmo crescente, havendo só a notar uma queda. De facto, tomando sucessivamente, como base de confronto, o apurado na década anterior, se aumentámos 461:000 de 1900 a 1910, só atingimos a ordem dos 149:000 de 1910 a 1920. O abaixamento traduz os efeitos da guerra de 1914r-1918, da pneumónica e de uma corrente «migratória operada então em vasta escala. Mas logo de 1920 para 1930 contámos 793:000 almas, de 1930 para 1940 896:000 e de 1940 para 3950, segundo o censo provisório, 768:455. Isto é, a confirmar-se o total de 8.490:455, relativo à população presente no dia 15 de Dezembro último, teremos a registar uma nova queda, embora não tão importante como a de 1910 a 1920.
Que número atingiremos em 1960?
A fl.17 do seu recente livro Estudos de Economia Aplicada, que consultámos para a obtenção de alguns dos números citados, o engenheiro Araújo Correia, Deputado a esta Assembleia, reproduz do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1947 um quadro que termina com a atribuição de 9.822:000 habitantes ao conjunto de Portugal continental e ilhas adjacentes no ano de 1960, praticamente 10 milhões.
A conclusão semelhante chega o engenheiro Daniel Barbosa, também nosso colega nesta Assembleia, no livro Alguns Aspectos da Economia Portuguesa. Tomando, como representativa de uma progressão geométrica, a curva média dos censos, verifica que a razão de tal progressão se torna cada vez maior «quanto mais próximos da actualidade se encontram os anos limites superiores da série de valores considerados», e, embora observe que semelhante razão, aceite para representação do fenómeno num período anterior, pode não ser já suficiente para o período seguinte, previa, para 1950, servindo-se «da variação linear correspondente à secante da curva efectivamente representativa da evolução populacional no intervalo de 1930-1940, secante essa que contém os dois pontos que a limitam», uma população de cerca de 8.600:000 para a metrópole, abrangendo, na designação metrópole, o continente e ilhas adjacentes.
Para o mesmo conjunto o engenheiro Araújo Correia calculava que a nossa população em 1950 atingisse 8.682:000. A diferença consiste unicamente em 82:000. Não representava erro de valor que pudesse alterar as considerações a desenvolver.
O engenheiro Daniel Barbosa não nos dá, no seu estudo, o quantitativo calculado da nossa população no ano de 1960, mas, continuando a aceitar «a razão da progressão geométrica» definida no intervalo de 1930-1940, afirma que poderemos atingir os 10 milhões antes de 1970.
Como se vê, os dois cálculos tocam-se e, quanto a mim, não obstante a queda verificada no último decénio, devem aproximar-se da realidade. Pode ser, e é, como se vê, falível o princípio de manutenção do ritmo do crescimento em que se baseiam os dois engenheiros, mas nada indica que tenhamos no futuro decréscimos acentuados de natalidade, aumento das taxas de mortalidade, intensificação extraordinária da corrente emigratória ou regressões provocadas por fenómenos anormais e imparáveis. Pelo menos, ao termos de considerar e de prevenir o futuro, mais lógico e mais certo é trabalharmos com os elementos que temos à vista do que com os factores desconhecidos, que ninguém sabe quando surgem e em que medida virão a exercer, porventura, a sua influência. É preferível partir de pontos justificados do que de bases contingentes. Por isso não me inclino para as conclusões dos engenheiros Gaspar de Barros e Del-Negro Fernandes, que, no seu valioso e interessantíssimo estudo Como Alimentar um Portugal Maior sem Recorrer à Importação, admitindo o aparecimento de factores que actuem de modo regressivo na nossa evolução demográfica ou a estabilizem, se deram à tarefa de encontrar estes valores mínimos:
1950 ................ 7.786:000
1960 ............:... 8.432:000
1970 ................ 9:131:000
1980 ................ 9.889:000
Chegam a esta conclusão - a primeira grande conclusão que tiram do seu estudo - procurando «a razão constante de uma progressão cujo primeiro termo seja a população em 1864 e o último a mesma em 1940».
Antes querem que lhes chamem pessimistas do que exagerados, mas admitem perfeitamente que os seus cálculos possam vir a ser largamente excedidos: «bastará que o ritmo do crescimento continue como nos últimos anos».
Também, e por força das razões já aduzidas, não sigo a Linha de Rumo na parte em que o seu autor supõe um aumento médio anual de cerca de 10 por 1:000, depois de considerar anormais tanto os saldos fisiológicos de 1920 a 1940, como a redução brusca da saída de gente de 1930 em diante.
É uma posição admissível, aliás apresentada e defendida por um distintíssimo professor que sente e domina perfeitamente os problemas sujeitos à sua atenção, mas, e salvo o devido respeito, volto ao estudo do engenheiro Araújo Correia, pois, se, à primeira vista, no assunto em causa, uma opinião intermédia parece ser a melhor, prefiro os números conseguidos sobre a mais natural e (presumível sequência dos factos. Isto é, prefiro o deve ser ao pode ser.
Assim, a julgar pelos factores normais visíveis, a curva da nossa variação populacional deverá chegar em 1960 aos 10 milhões de habitantes.
Será melhor não querer penetrar o futuro para além daquele ano. Quanto mais distantes forem os horizontes mais difícil se torna lidar com eles e mais susceptíveis de erro serão os nossos cálculos. Mais a mais estes nove anos que se seguem dão, por si, espaço suficiente para uma visão capaz das dificuldades que teremos de enfrentar e dos meios para as resolver.
É a altura de referir as densidades populacionais relacionadas com o fim que pretendo, ou seja o de demonstrar se vivemos ou não em regime de saturação demográfica.
Falo de saturação demográfica, e não de óptimo demográfico.
Adolphe Landry, presidente da União Internacional para o Estudo Científico da População, conta, no seu Traité de Démographie, que foi depois da World Po-
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pulation Conference, realizada em Genebra em 1927, que a ideia do «óptimo da população» ganhou foros de assunto candente, provocando, nos diversos países, vários estudos sobre os seus múltiplos e complexos aspectos.
O problema preencheu o programa da Conferência e inúmeras opiniões se manifestaram sobre ele, sem que se chegasse a uma conclusão satisfatória. O vento das palavras soprou o desenvolvimento moral, intelectual e físico dos homens, chegou a bolear o alvitre de que a população mais se aproxima do seu nível óptimo quanto mais longa se mostra a duração da vida, índice de bem-estar, e afadigou-se mesmo a empurrar para diante o requisito do máximo bem estar médio individual, mas a rajada desfez-se, as palavras amainaram e outros as procuraram levantar da calma em que caíram.
Assistimos então ao tropel das soluções encontradas através de trabalhosos manejos do raciocínio: precisa-se o critério do bem-estar individual ligado à curva da produção dos bens económicos, ascendente até ao ponto em que segue o aumento da população e descendente depois, como ascendente e descendente é a curva derivada do rendimento individual médio, que sobe mais devagar e desce também mais lentamente, depois de cortar aquela primeira curva; critica-se semelhante economia política, que se interessa toda pelas riquezas e nada pelos homens; vai buscar-se a doutrina de Mirabeau, no Ami des hommes, sobre a utilidade da população comparada à verdade do Sol; traça-se a curva do bem-estar sobre a medida em que a população aumenta, determinando-se a curva por gráficos difíceis, composta sob os auspícios de uma análise de psicologia económica elementar dirigida à utilidade positiva e à negativa, que nos traz os sofrimentos e os inales de toda a espécie ou nos desembaraça deles, conforme o saldo de uma utilidade sobre a outra; para lá do hedonismo económico pensa-se que, se os homens fossem mais prudentes ou mais avisados, renunciavam aos consumos nocivos e saberiam escolher as suas verdadeiras necessidades, estimando as mais sãs e as menos dispendiosas e preservando-se melhor da miséria física é da miséria moral, pela reposição integral do sentimento da vida nas nascentes da felicidade humana; atina-se em que não basta procurar o óptimo populacional pela satisfação, tanto quanto possível, do interesse dos indivíduos e do interesse da humanidade e junta-se ao esforço a preocupação de salvaguardar o interesse das nações pelo robustecimento do seu poder militar.
O problema atinge a sua magnitude. A Conferência Permanente dos Altos Estudos Internacionais, reunida em Londres em 1935, consagra-se à discussão da segurança colectiva e escolhe, para tema de estudos, o Peaceful Change, que envolve a solução pacífica das questões económicas, sociais e territoriais entre os diversos países. A população, a migração ou transmigração e a colonização não são esquecidas.
Marcam-se dois anos para o debate, que tem lugar na X sessão da Conferência, de 28 de Junho a 3 de Julho de 1937. Entretanto, durante o período de preparação e com o fim de completar, sob certos aspectos, os trabalhos das instituições que participam na Conferência, surgem três monografias, publicadas pelo Instituto Internacional de Cooperação Intelectual. Uma delas intitula-se L'0ptimum Synthetique du Peuplement, e é seu autor Imre Ferenczi.
Aí se dá nota das muitas ideias contraditórias que desenvolvem e agitam a noção do «óptimo» através dos tempos. Resumindo, Ferenczi refere, nessa sua monografia, a frase de Saint-Just de que a felicidade é uma ideia nova ma Europa; lembra o optimismo de Godwin, colocando-o na esteira dos bons agoiros de Condoroet; reproduz o pessimismo de Malthus; confessa que no domínio da doutrina demográfica as opiniões são sempre muito divididas; chama, em socorro, diversas ciências não económicas para estabelecer os standards qualitativos da população óptima e chega à conclusão de que não excluem os quantitativos; examina o valor dos níveis das densidades aritmética, fisiológica, agrária e geral, para estimar o efectivo económico desejável e as sobre e subpopulaçoes empíricas; expõe as bases de duas grandes teorias, vindas já do crivo da World Population Conference, a teoria do «óptimo económico» e «do óptimo do bem-estar»; depois da análise das diversas concepções, definições e políticas demográficas que se sucedem ao longo da História, faz a síntese das diversas noções do «óptimo» e, atravessando uma nova compreensão do «óptimo económico» e uma original composição do «óptimo social realista», acaba por apresentar a ideia do «óptimo sintético, integral ou proporcionado».
Têm interesse as linhas fundamentais de cada uma das fases por que passa a teoria de Ferenczi, que pretende corresponder às exigências reais do nosso tempo: o «óptimo social económico» seria determinado, dentro do uma economia mundial relativamente livre e pacífica, pelos recursos dos territórios, valor físico, intelectual e moral da sua população, grau de desenvolvimento da técnica e das ciências e ainda pela organização política e social, tudo na base permanente de certa compreensão entre as nações, tão viva, tão real e tão recíproca que não excluísse a ajuda internacional de capitais, de matérias-primas e de facilidades aduaneiras; o «óptimo social realista» significaria o abandono puro e simples de todas as considerações teóricas, em vista a obter-se, depois de um longo inquérito social cientificamente realizado, com métodos fixados internacionalmente, o termo efectivo da população que sobre um território determinado asseguraria o melhor género de vida possível, dentro da maior segurança possível, a favor das massas populares, ficando o «óptimo mundial realista» a figurar entre os óptimos realistas das diversas nações como uma simples ficção lógica ou uma aspiração ética; o «óptimo sintético ou proporcionado», atendendo a que o estado actual do progresso humano não permite ainda medir efectivamente o óptimo realista da população de um (país, de uma região ou do Globo inteiro, traduzir-se-ia no acomodamento nacional e internacional da população segundo princípios económicos, sociais, de defesa nacional, de critérios demográficos, de métodos eugenistas uniformes e tendentes às nações poderem vigiar e evitar as curvas desfavoráveis, sob os pontos de vista quantitativo, da segurança, demográfico e biológico, para o que se movimentariam todos os organismos interessados possíveis, sob a pressão de uma unidade ideológica política, tanto económica como social, e se promoveriam todos os inquéritos, acordos e tratados necessários concernentes ao equilíbrio dos níveis de vida comparados entre as nações, todas concordes na permuta compreensiva e na distribuição pré-ordenada do excedente das suas riquezas.
Não querendo em nada diminuir a intenção construtiva com que Ferenczi arquitectou e recomendou a sua concepção programática de «óptimo populacional», reparo no largo sentido da sua boa fé e considero, forçosamente, no fracasso dos idealismos confiantes, que generosamente se têm iluminado a fim de indicar ao Mundo os doces caminhos da paz e os suaves processos de harmonia para a solução de todos os conflitos nascentes e satisfação de todos os interesses opostos.
Não paro na observação e análise das medidas preconizadas para levar a efeito a chamada «higiene racial», pela destrinça das qualidades hereditárias na escolha
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dos tipos destinados à multiplicação dos aptos, pois isso conduziria a outro aviso prévio, de fim e carácter, quando muito, preventivos, ou ao desdobramento deste, de que me estou ocupando.
Fixo-me no desejo veemente, que realmente existe, de ver definido e resolvido um dos mais angustiosos, se não o mais angustioso problema do nosso tempo, que é o do melhor arrumo da população do Mundo no Mundo, e tenho pena, funda e inquietante pena de ter de reconhecer que a aspiração do óptimo em matéria de população não passa de uma intensa ansiedade que soltou as asas no infinito e que corta o espaço na esperança de que o vácuo tenha fim, sem querer convencer-se de que as distâncias se afirmam cada vez mais vitoriosas.
Tal qual como Pierre Fromont o chega a divisar na sua Démographie Économique ao dizer que o problema é caracterizado par uma indeterminação total de fim.
Nesta indeterminação cada qual deverá viver, segundo me parece, trabalhando no seu caso, com a consciência dos seus recursos e fiando-se mais neles do que nas precárias e contingentes ajudas internacionais, que raras vezes se concretizam no terreno das realidades frutuosas e francamente destituídas do perigo dos juros morais, que são os mais caros de satisfazer e de retribuir.
Não sendo fácil estabelecer-se um critério seguro que nos dê firmemente o nível óptimo de população, temos de regressar ao valor das densidades, e quando digo regressar é porque esse valor entra no desenvolvimento do processo para a obtenção daquele nível.
Vejamos então a nossa densidade aritmética.
A de 1950, segundo o censo provisório, teria sido de 92,6 por quilómetro quadrado, e a de 1960 andará à roda de 107 se não falharem os cálculos do engenheiro Araújo Correia.
Revelará a densidade aritmética de 92,6, alcançada em 1950, que temos já população a mais no todo - continente e ilhas adjacentes?
Para melhor estudo da resposta, vou decompor e acertar o enunciado da pergunta pelos números definitivos apurados no censo de 1940.
Com referência àquele ano a densidade no continente era de 81,1.
Por províncias, deparamos com variações, desde 336,3 no Douro Litoral, 258,1 na Estremadura e 153,2 no Minho, até 44,6 na Beira Baixa, 29,7 no Alto Alentejo e 25,8 no Baixo Alentejo.
Na Madeira, 313,8 e nos Açores 124,5.
Se procurarmos a densidade por distritos, encontramos números oitos, como 411,2 no distrito do Porto, 390 no de Lisboa, 176,9 no de Braga, e números baixos, como 30,4 no distrito de Portalegre, 32,6 no de Bragança, 28,1 no de Évora e 26,8 no de Beja.
Nos Açores, enquanto o distrito da Horta se apresenta com uma densidade de 68,9, o de Ponta Delgada sobe a 184,9. E se quisermos, como convém, ver o problema quanto às ilhas adjacentes, tomando as ilhas uma por uma, observamos densidades desde a ordem dos 333,6 na Madeira, 198,2 cm S. Miguel e 137,1 no Faial, até 51,6 nas Flores, 48,7 no Pico e 39,4 no pequenino Corvo.
Qual a conclusão a tirar?
Valendo-me dos saldos fisiológicos anuais verificados desde 1931 até 1940 e de mais alguns elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, designadamente os contidos no Boletim que traz os resultados provisórios quanto a 1950, seria a altura de procurar actualizar as diferentes densidades referidas, espalhando pelo último decénio e juntando no fim as parcelas encontradas. Os índices aumentariam, mas a densidade aritmética só por si não pode denunciar, com o necessário rigor, o ponto de saturação demográfica, por lhe faltar o exacto valor de correspondência com uma expressão de grandeza susceptível de dar ou de definir um limite de possibilidades. Não atende a qualidade do território. Também não se preocupa com a qualidade da população.
Como se há-de explicar, pela densidade aritmética, a possibilidade de vida no delta de Tonquim, com 7 milhões de habitantes acumulados em 15:000 quilómetros, quadrados, sendo 6 milhões de rurais, contados aos 433 por cada quilómetro quadrado, na extensão cultivada de 12:000 quilómetros quadrados?
Como se há-de explicar a vida ali, quando ela se mantém, como descreve Adolpho Landry, numa área de 260 quilómetros quadrados, com a densidade de 1:500 habitantes, chegando em determinada aldeia a atingir a espantosa densidade de 3:900, de tal forma - diz Landry - que uma família deve ali viver em menos de 12 ares, ou seja, sobre um quadrado de 34 metros de lado, o que custa a acreditar?
A Bélgica tem uma densidade média conhecida de 275. Apesar disso o seu nível de vida é alto. E a Nova Zelândia, quase despovoada, com um nível de vida também alto?
Não há, positivamente, uma correlação entre a densidade aritmética e o bem-estar da população.
Reparando no quadro das densidades que citei, a conclusão que se tira é a de que a população portuguesa se encontra mal arrumada naquele desequilíbrio de povoamento que o Prof. Ezequiel de Campos tão claramente focou no seu livro O Enquadramento Geo-Económico da População Portuguesa através dos Séculos.
Seguindo Ferenczi, o engenheiro Daniel Barbosa estuda e aplica ao nosso caso o critério das densidades fisiológica e agrária.
Determinando-se pela Estatística Agrícola de 1947, tendo em conta que a densidade fisiológica refere o número de habitantes por unidade de superfície do solo produtivo e partindo do princípio de que a noção de «área produtiva» se completa com o solo destinado à cultura mais o solo inculto que também produz, apura no continente, em 1940, uma densidade de 98 habitantes, valor que reputa baixo, comparado com o de outros países, como, por exemplo, o Japão, a Holanda, a Grã-Bretanha, a Suíça e a Bélgica, que em 1925 apresentaram ordens de grandeza de, respectivamente, 993, 802, 772 e 640.
Com respeito à densidade agrária, traduzindo esta o número de pessoas que se destinam à agricultura por unidade de terra cultivada, aceitando que a superfície cultivada é a que a referida Estatística Agrícola indica para as superfícies agrícola e florestal e que a população agrícola é constituída pela que se dedica à agricultura, pecuária e silvicultura, fixa, ainda em relação a 1940, aquela densidade em 23 habitantes, dos quais 39 desprezam a actividade silvícula.
Densidade apreciável e, porventura, à primeira vista susceptível de conduzir a alguma conclusão sobre o nosso problema demográfico - é o que transparece do comentário do autor -, se a pusermos em confronto com os números de Reithinger, que mostram uma média variável de 40 a 60, pelo ano de 1930, na Europa nórdica e oriental, e mesmo em parte da Europa central, e com os índices de Dekerko, que também cita. Mas logo, notando que este índice não constitui «elemento seguro para avaliar da nossa situação populacional», pois o seu significado varia «segundo as condições agro-climáticas do país, os seus tipos de cultura, a fertilidade do seu solo» e até, conforme «os mercados que se oferecem para os produtos não consumidos», não lhe reconhece, e com razão - como não reconhece ao índice «densidade fisiológica» -, valor comparativo suficiente para o efeito que interessava, efeito que só se obteria partindo de «coeficientes de proporcionalidade, para o estabelecimento dos quais se impunha avaliar em
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cada país do rendimento efectivo do seu solo por cada unidade activa».
Ferenczi, para a densidade fisiológica, traça o seguinte comentário:
Mesmo sob o ponto de vista do abastecimento de víveres, não basta calcular e comparar a densidade fisiológica; é preciso ter igualmente em conta o clima, a qualidade do solo e a intensidade do trabalho.
Quanto à densidade agrária observa que:
. . . não basta, só por si, para caracterizar as condições elementares e outras da população agrícola nos países um pouco mais avançados sob o ponto de vista industrial.
E abre o caminho:
Para avaliar a densidade económica geral de um país é preciso então considerar primeiro, mais do que a densidade agrícola, os diversos recursos naturais independentes desta densidade, como as riquezas e as fontes de energia do interior do solo, do mar e das águas interiores.
Apesar de toda esta depreciação do valor das densidades, para a qual concorreu e concorre, sem dúvida, com influência crescente, o poder da técnica, por vezes lançado de cachão, em zonas de reduzida ou quase nula produtividade - e nós temos ainda tanta riqueza para explorar!-, esse valor presta para se concluir, como observei e outros, antes de mim, observaram, que a nossa gente está mal distribuída pelo nosso território.
Já Anselmo de Andrade, no seu Portugal Económico, reeditado em 1918, dizia «que o pior era a irregular distribuição geográfica da nossa população, congestão nuns pontos, anemia noutros».
Mas há outros valores, outros processos de definir a nossa situação populacional:
Aldous Huxley, citado pelo Prof. André Navarro, na sua conferência «Novas Rotas-Velhos Rumos», tendo estudado o problema do espaço de que o Mundo dispõe para sustentar a sua população, computada em 2:250 milhões, acabou por verificar que a situação é deficitária, pois, sendo de 2 biliões de hectares a superfície cultivada e pouco mais de l hectare a superfície necessária, segundo julga, para produzir o indispensável à alimentação de um homem, «muitos milhões de seres humanos» -no comentário daquele professor ao escrito de Aldous, publicado na revista Science News Setter - estariam já hoje vivendo em apertada dietas.
Aplicando estas conclusões ao caso português, aquele ilustre professor e Deputado, ao ligar, na sua conferência, a nossa mazela agrária, e consequentes desequilíbrio económico e mau estar social, ao facto «de os 8 milhões e pouco mais de hectares, que tanto mede a totalidade do território metropolitano, serem a terra que, incluindo areais pliocénicos e modernos, solos pedregosos de charneca e outros igualmente estéreis, terá de gerar sustento para 8 milhões de bocas ou pouco menos», conclui:
Como vemos, este sombrio panorama agro-social, correspondendo a uma proporção de menos de l hectare do terra agricultável, mas pobre, por indivíduo, bem pode explicar o motivo por que muitos continuam a clamar ...
Completo o quadro:
Em 1918 faltavam ainda 13,4 por cento da nossa superfície cultivável por aproveitar e o rendimento médio por hectare obtido sobre cinco géneros-tipo de cultura - trigo, milho, centeio, arroz e batata - no quinquénio de 1940-1945 (se os respectivos anos agrícolas tivessem sido normais), foi de 14,5 quintais por habitante (números de Gaspar de Barros e Del-Negro Fernandes), o que traduz um índice de produção tão baixo que coloca Portugal na escala europeia entre os países que ocupam os últimos lugares.
O Doutor Maia de Loureiro, professor que foi da Faculdade de Medicina de Lisboa, no seu valiosíssimo estudo publicado no vol. I, n.° 6, da revista Amatus Lusitanus, de 6 de Março de 1942, depois de estabelecer a composição da dieta média provável do povo português no triénio 1938-1940, valorizando-a em 2:510 calorias diárias, apura o deficit de 16,7 com referência ao padrão de 3:000 calorias atribuídas ao adulto varão que executa trabalho moderado.
Depois deste professor, os engenheiros Gaspar de Barros e Del-Negro Fernandes, no trabalho, que já citei, feito em 1948, avaliando também as disponibilidades do País pelos boletins de estatística da produção, importação e exportação, embora o sistema usado não permita precisar as «diferenças de alimentação que actualmente existem entre as classes anais protegidas e as mais desprotegidas» e admitam algumas quebras ou fugas, que não dão origem a erros excessivamente elevados, através de sérias investigações e de laboriosos cálculos sobre o período que decorreu de 1935 a 1939 estimaram para o continente o valor da ração alimentar, por habitante, em 2:567 calorias diárias.
As opiniões mais numerosas, e tão autorizadas como as opostas, fixam o número de calorias necessário por unidade de consumo em 3:200. Subtraindo, as 2:567 calorias efectivas representam, apenas, 80 por cento do desejável - 20 por cento de déficit.
Há quem sustente que estes cálculos de calorias têm pouco ou nenhuma valor demonstrativo. Sem lhes atribuir o rigor ou a segurança que muitos, por sua vez, lhes atribuem, talvez exageradamente, utilizo-os, no entanto, como factores de determinação a ligar a outros factores, ou seja como mais um elemento a apreciar.
Mesmo se não me referisse ao processo hoje mais ou menos consagrado das calorias, teria uma falha na ordem das minhas considerações.
Sendo o poder de compra «um factor decisivo para a análise do bem-estar de um povo num dado momento», haveria que fazer o estudo das possibilidades dos que vivem do seu trabalho e que constituem no nosso país grande número.
Este ponto, que tem sido tratado por alguns dos nossos economistas, como os professores e engenheiros Daniel Barbosa e Ferreira Dias é de desenvolvimento largo, obrigando à exposição de muitos números.
Bastará acentuar que se chega à conclusão - trabalhando com os índices, de variação do custo de vida mais aceitáveis - de que os salários industriais e rurais mais correntes não têm, de facto, estado à altura de permitir a quem trabalha o mínimo necessário, isto sem esquecer a situação difícil do funcionalismo civil e militar, dos empregados no comércio e de tantos outros da classe média.
Mas que mais é preciso?
Que quer dizer o número dos sem emprego que nos bate à porta, que se acotovela, que luta, hoje com desespero, amanhã com esperança, pedindo, insistindo, voltando sempre, umas vezes para alcançar um sim vitorioso, outras vezes, as mais das vezes, para receber o não da derrota final?
Que quer dizer a ansiedade dos que gritam que nesta zona há míngua de serviço, que daquela outra os homens se mudam em busca de dar que fazer aos seus braços, que nesta província há uma crise cíclica que traz privações ao povo, que naquela outra o trabalho é penosamente rateado pelas legiões que o reclamam?
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Que quer dizer essa palavra de comando de que «a Revolução continua enquanto houver um lar sem pão»?
Eu sei, todos sabem - só os cegos é que não - que os trabalhadores portugueses estão presentes na preocupação constante do Governo, que a felicidade do seu destino nunca deixou de informar as linhas mestras da nossa doutrina, o sobressalto mais inquietante da nossa consciência política.
Ninguém poderá negar os esforços realmente feitos para impulsionar e dignificar o trabalho nacional, criando-lhe novas áreas, melhorando-lhe as condições, procurando garantir-lhe a continuidade, reconhecendo-lhe os legítimos direitos, acarinhando-lhe e defendendo-lhe as justas aspirações.
Construímos milhares de casas para os trabalhadores, vigiamos e cuidamos dos seus desastres no trabalho, avançámos muito no caminho do seguro contra os seus riscos e na afirmação da previdência contra a sua invalidez, consideramos a sua representação e a sua voz.
Valorizámos o direito do trabalho, concedemos até ao trabalhador um especial favor júris, que é o princípio do tratamento mais favorável sempre que a lei não autorize a concluir ou a deduzir em contrário.
Fizemos e continuamos a fazer tudo isso.
Não obstante, é preciso aumentar o nível da produção para elevar o nível da vida e é preciso investir todo o capital trabalho para não deixar de fora parcelas ociosas e estéreis.
As conclusões dos nossos economistas não são fantasiosas. Os seus toques de alarme retinem há muito:
Se não for dado impulso sério, rápido e efectivo à produção interna nos próximos anos, o País terá de recorrer à emigração maciça de uma população a crescer, ou ao decréscimo apreciável do nível de consumo. (Engenheiro Araújo Correia -1950).
O que está, porém, atingiu já o estado de sobressaturação demográfica, sendo necessário procurar evoluir num sentido mais favorável à vida desses povos. (Prof. André Navarro, com referência aos quatro distritos do Norte Litoral, «que dificilmente sustentam um alfobre com médias superiores a 120 habitantes por quilómetro quadrado» - fins de 1949).
Em definitivo - e é o que interessa salientar - a população portuguesa aumenta, de facto, como acabamos de ver, em progressão geométrica, à razão, de 10 a 13 por mil - o que corresponde presentemente ao acréscimo de 80:000 a 100:000 pessoas por ano, a quem é preciso dar comer e trabalho. (Prof. Ferreira Dias - 1945).
Sente-se, apesar de todo o desenvolvimento da indústria, do comércio, das obras públicas e das despesas orçamentais do Estado e das autarquias, uma forte pressão populacional de falta de trabalho, de modo de vida permanente, estável, de arrumação da gente, que está sempre a aumentar. Há claramente no Norte do País a saturação demográfica. (Prof. Ezequiel de Campos - 1943).
Não, Sr. Presidente e Srs. Deputados, isto já não é só com os economistas, é com todos nós. Cada qual tem de viver e sentir o problema. Porque há que fazer certamente alguma coisa de grande; porque há que fazer urgentemente alguma coisa de necessário; porque aquilo que é muito grande e é tão urgente e tão necessário como é grande só pode ser feito e conseguido pela vontade e pelo esforço de todos, na mais vasta e integral fusão de génios e de recursos.
Nada de sorrisos superiores; nada de optimismos vãos; nada de dúvidas malfazejas.
Quando o temporal nos põe à prova, a melhor forma de o aguentar é a de nos metermos a ele. A ele, de cara, com todas as reservas físicas e morais, a ver se as ilusões não nos enganam e as forças não nos faltam.
Referi-me, de uma maneira geral, ao poder de compra das remunerações correntes. Mas devo, a propósito dos rurais, desses que talham a vida no mesmo chão que os consome, esta nota de consciência:
Sinto que se tem dedicado mais atenção aos operários. Nos grandes centros industriais chegam a gozar de regalias invejáveis. Pode e é lícito desejar-se mais para o seu nível de vida. Mas temos de o considerar muito alto, se o compararmos com o nível de vida dos rurais. E tem havido - deve dizer-se - uma política de deferência para com o operariado, provocada, talvez, pela agudeza com que ele costuma colocar os seus problemas e, sem dúvida, para prevenir o som de guerra com que é uso no Mundo apresentar a lista das suas reivindicações.
Sem deixar de zelar por uns, temos de valer, na justa medida, aos outros. Valer, mas valer a fundo a essa gente dos campos, que é tão resignada e tão sofredora, que na sua resignação e no seu sofrimento não se importa de esconder muito do que precisamos, para bem dela, de saber e de ter sempre presente no nosso coração e na nossa consciência.
A ideia de Barjona de Freitas, em 1909, de proceder a um inquérito à vida rural portuguesa não só deveria ter ido por diante, como deveria ter ficado de pé, para ir sendo renovada e posta em execução periodicamente, de modo a manter sempre actualizados os elementos de consulta sobre esse sector da vida nacional.
No Boletim do Comissariado do Desemprego de Janeiro a Março de 1938 pode ler-se um estudo consciencioso, e muito bem elaborado.
Apesar da sua data relativamente distante, os quadros descritos e os comentários alinhados servem ainda como retraio de certos panoramas que não mudaram e como observação justa dos motivos que subsistem.
Aí se traduz a preocupação que hoje ainda mais nos aflige: a de milhares de braços: que as actividades produtoras não podem absorver sem uma profunda transformação da sua estrutura.
Falando há pouco tempo com alguém do Minho que conhece bem a vida rural da sua província, ouvi da sua boca o suficiente para concluir que não se alteraram, apesar de os salários serem agora mais elevados, os fundos que o estudo publicado em 1938 no Boletim do Comissariado do Desemprego deixa, francamente, transparecer.
Lá por Cabeceiras de Basto, Mondim e Celorico, Terras de Bouro e mais vive-se com dificuldade e até os donos da propriedade pulverizada não vivem bem, porque têm de mobilizar todos os recursos para acudirem aos encargos da terra, de granjeio mais custoso, por causa da sua dispersão.
Também em Trás-os-Montes os anos não correram de modo a modificar os aspectos então existentes. Pelo contrário. Ainda não há muito recolhi e fixei estas palavras:
Estou com muita atenção no seu aviso prévio, porque vejo nas ribas do Douro, em Miranda, os homens esmagarem as fragas para semearem desesperadamente o mais que podem.
Sr. Presidente: desejaria bem que as razões de tão grande mal tivessem sido totalmente dominadas. Mas as doenças sociais são as mais perigosas de todas. Lê-
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vam tempo a aparecer e quando aparecem é com o galope das labaredas. Mesmo assim, com o fogo no ar, não se reconhece, por vezes, ao incêndio a importância que ele tem. Pior é ainda ocultar-lhe a origem. Por mim, antes quero que me digam onde estão as nossas causas de perdição e de morte. Antes quero, para combater a tempo e sobreviver no tempo.
Vou agora ocupar-me das condições de vida nas ilhas adjacentes.
Porto Santo:
Começo pela mais pobre. São 42km 2,46; 2:709 habitantes, densidade de 63,6 (censo de 1940), e 2:934 habitantes, densidade de 69,1 (censo provisório de 1950).
O chão nas encostas é seco e árido. Mesmo nas terras baixas o «massapez» é assim. Só em duas ou três chapadas de melhor centro, onde a mão e a vontade do homem porfiaram cavando poços e armazenando água, é que o milho cria bem.
As árvores contam-se pelos dedos.
Também no Porto Santo se atentou contra a natureza, derrubando, queimando.
Em Outubro último foi aprovado o plano de fomento agrícola e florestal da ilha, computado em 12:000 contos. Ainda bem!
Agora chove por milagre. Até a vegetação brava pena para romper.
De Junho em diante as nascentes dão as últimas. É quando a luta pela água recrudesce de crueldade e fadiga. Na Vila Baleira o povo ataca o fontanário mais firme. Ataca pela noite dentro. Cada lugar na fila tem uma sentinela.
Deus nos livre se não fosse o mar, o peixe que o mar dá e o dinheiro da gente de fora que no Verão goza a praia dourada.
A terra poucas vezes dá para as sementes.
Mas o homem persiste, luta sempre.
Às vezes, o berço nu em que se abre os olhos vale mais do que a boa cama em casa alheia.
Não sei quantos casais pobres do Porto Santo foram transferidos para a Madeira, para Aldeia da Rainha, no tempo de D. Maria I.
O lugar era fresco, saudável e mais fértil do que a ilha queimada.
O vinho atravessa, por vezes, as crises resultantes dos frequentes estados de guerra no Mundo, mas, apesar disso, nunca deixou de funcionar como existência activa na balança do comércio madeirense. Não utilizo números respeitantes a 1951, por não estarem ainda apurados, mas refiro as exportações dos três anos anteriores: 11:908 contos em 1948, 33:434 contos em 1949 e 28:345 contos em 1950.
O volume de obras de vime que sai do porto do Funchal para os Estados Unidos da América é cada vez mais importante: 2:398 contos em 1948, 2:645 contos em 1949 e 3:586 contos em 1950.
A fonte do turismo nunca se fechou totalmente, a despeito, também, dos períodos de seca, que sempre lhe afectam as nascentes quando deixam de chover no Mundo as suaves bênçãos da paz. No último conflito por lá andaram e viveram as refugiadas gibraltinas, que de alguma forma e em boa medida animaram a economia da Madeira.
Mas aquela gente levara a remoer na consciência o pecado de não viver na sua terra, e um dia desceu a Machico, meteu-se nos barcos que encontrou e fez rumo ao Porto Santo.
O apego à terra-mãe é português dos quatro costados.
Os do Porto Santo bem merecem pelo exemplo que dão.
Ilha da Madeira:
A base da alimentação dos 121:419 rurais, designadamente dos milhares de assalariados agrícolas que travam na ilha épica batalha com a terra, amanhando-a e segurando-a até aos cimos mais duros e mais ingratos, é o milho, que usam em papa, e a «semilha» (batata).
Embora a densidade aritmética não diga tudo, quando, ela se manifesta e traduz por números tão exuberantes como na Madeira - 333,6 (359,5 pelo censo provisório) - sentimos logo que os 740km2 ,62 da ilha, com as suas extensões incultiváveis e os seus ermos improdutivos, não podem chegar para tanta gente. Daí a migração dos madeirenses para o continente e para as outras ilhas e surgirem em Curaçau, Aruba, Hawai, na África do Sul, nas Bermudas, na América do Norte, nas Guianas, no Brasil, na Venezuela, nas sete partidas, e aparecerem ainda em todas as nossas províncias ultramarinas, em tenaz busca de ocupação.
Seria, mais do que negar a verdade, desconsiderar a verdade dizer-se que na Madeira não existe uma evidente sobrepressão demográfica que toma, dia a dia, sérias proporções.
O distrito do Funchal - em que a Madeira é tudo e o Porto Santo quase nada - foi de todos os distritos do País o que maior aumento de população acusou no decénio de 1930-1940. As cifras podem comparar-se: 211:601 habitantes em 1930; 250:124 em 1940; 266:245 em 1950 (censo provisório).
Calcorreei e vi também, com demora, toda a Madeira. Importa quase todo o milho de que precisa. O trigo também. Mas possui culturas firmes e rendosas.
O açúcar e o álcool de cana têm destino certo.
Nos anos de 1945 a 1949, inclusive, exportou produtos hortícolas (bananas, batatas, tomates, cebolas e feijão) no valor global de 187:037.240$. A discriminação por quilogramas e valores é a seguinte:
[Ver tabela na imagem]
A indústria de bordados, só por si, movimentando somas consideráveis, é um esteio formidável. Nos fins de 1936, em missão oficial de que fui encarregado, estive com os números nas mãos, com os números e com os bordados, falei com os industriais e avaliei a mão-de-obra empregada nas fábricas.
Estive na Madeira. Estive nessa altura durante alguns dias, e estive mais tarde, por virtude da minha peregrinação profissional, durante quase dois anos.
Conheço a Madeira, posso falar da Madeira. A sua indústria de bordados é uma indústria que se sente, que se vê, mobilizando energias, distribuindo trabalho, empregando capitais, realizando lucros, valorizando e estimulando iniciativas, sustentando e remediando muitos lares.
Com referência ao primeiro semestre de 1936 era assim: 375 operários e 1:628 mulheres nas fábricas onde o produto é preparado para a exportação; 5:000 costureiras no trabalho de conserto ou armação de peças
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bordadas ou para bordar; 50:000 bordadeiras; 350.000$ pagos, mensalmente, às mulheres e aos homens empregados nas fábricas; 5:528.434$83 às bordadeiras; cerca de 1:001.3Q2$27 de bordados vendidos, na terra, aos estrangeiros e nacionais que a demandaram, e os seguintes valores de exportação:
Movimento de exportação no 1.° semestre de 1936:
[Ver tabela na imagem]
Tiro estes dados do relatório que então elaborei. Tinha interesse seguir a evolução do bordado madeirense através do seu domínio económico e social referido desde aquela data. Noto só que em 1946 a exportação atingiu a deslumbrante cifra de 236:000 contos é que nos anos de 1948, 1949 e 1950 as somas foram, respectivamente, de 117:740, 100:032 e 92:447 contos.
É importante observar que as importâncias pagas à mão-de-obra andam seguramente à roda de metade (há quem diga dois terços) dos valores exportados.
Nos lacticínios é verdadeiramente notável a actividade desenvolvida. Os números traduzem:
Produção e comércio de manteiga na ilha da Madeira
[Ver tabela na imagem]
Calcula-se em cerca de 46 por cento da população presente o número de pessoas ligadas à exploração leiteira madeirense. A percentagem é bastante expressiva.
Comentando-a, observa o engenheiro agrónomo Vasco Leónidas:
Se atendermos, porém, a que a maior parte dos donos e criadores de gado são pequenos ou minúsculos empresários rurais, fácil será concluir-se ainda o real interesse que tal exploração apresenta na vida afadigada e difícil da humilde população rural e os reflexos que tem na sua prosperidade económica.
Descrevendo, com emoção e flagrância, o esforço épico do camponês madeirense, «incansável e ignorado obreiro do progresso e beleza da sua terra», e a labuta ingente a que ele associa toda a família, aquele engenheiro agrónomo, no seu trabalho «Alguns problemas actuais dos lacticínios madeirenses», oferece estes valores, que podem completar e esclarecer os constantes do quadro sobre a «Produção e comércio da manteiga na ilha da Madeira» (o queijo produzido, dada a sua pequena quantidade, é todo consumido na ilha), a que aludi e que me foi fornecido pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários:
Em 1948 laboraram-se 16.486:587 litros de leite, obtendo-se 832:012 quilogramas de manteiga e 10:858 de queijo.
Em 1949 trabalharam-se 17.966:062 litros de leite, que produziram 916:782 quilogramas de manteiga e 12:262 de queijo.
O valor do leite (pago à produção foi de 14:896.552$48 em 1948 e 21:427.509$58 em 1949.
Em 1948 o valor da manteiga produzida foi de 25.936:542$ e o do queijo orçou pelos 250.000$.
Em 1949 o valor da manteiga atingiu 34:274.980$ e o do queijo cerca de 290.000$.
Embora digam respeito aos anos de 1948 e 1949, estes valores servem para se alcançar a projecção do interesse que envolvem.
Sem querer discutir o regime de «colónia» que sujeita grande parte da área cultivada, aprecio, no entanto, o sentimento que desperta no «colono», com o direito, que lhe reconhece, às benfeitorias. E uma nota de interesse que importa referir no processo de fixação dos trabalhadores madeirenses.
Por outro lado, o Governo não se cansa de demonstrar que tem em muita conta os interesses e os problemas da Madeira: Devota-lhes grande atenção.
Pelos serviços da Junta da Emigração foi-me fornecida, entre outras informações, a de que me sirvo neste momento:
Quanto à ilha da Madeira, para remover dali, na medida do possível, o excesso de população válida, em luta com angustiosa falta de trabalho, publicou-se o Decreto-Lei n.° 36:819, de 6 de Abril de 1948, autorizando a emigração de trabalhadores portugueses naturais e residentes no arquipélago da Madeira, bem como suas famílias, «desde que provem ter trabalho assegurado por contrato e convenientemente remunerado nos países a que se destinam».
Abriu-se, assim, excepção às disposições do Decreto-Lei n.° 36:119, que suspendeu a emigração, para se acudir à situação dos trabalhadores daquele arquipélago, e isso permitiu continuar as negociações já anteriormente encetadas com a Curacaosche Petroleum Industrie Maatschappy para a colocação nos serviços desta empresa petrolífera de 1:000 trabalhadores madeirenses, que, com os anteriormente saídos, deve assegurar o trabalho a cerca de 2:000.
A informação esclarece ainda que foram elaboradas, homologadas pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e visadas pelo Ministério do Interior, as cláusulas dos respectivos contratos de trabalho.
Na mesma altura, para os emigrantes madeirenses que se destinassem ao Brasil e à Argentina, foi ainda, com a concessão das maiores facilidades, aberta pronta excepção às restrições impostas pelo Decreto-Lei n.° 36:119. A única exigência era a do conhecimento exacto das condições em que pretendiam emigrar.
Presentemente encontram-se em pleno curso as obras do plano dos aproveitamentos hidráulicos da Madeira, orçado, com o reforço do Decreto-Lei n.° 37:868 ao previsto no Decreto-Lei n.° 33:168, de 21 de Outubro de 1943, em 120:000 contos, divididos por duas fases, a primeira computada em 90:000 contos e a segunda em 30:000 contos.
É verdade que à Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal cabe o encargo de 30:000 contos na execução do grandioso plano mas o Estado comparticipa com verba igual.
Para «fazer face ao excesso de 30:000 contos em relação ao financiamento de 60:000 contos» facultado pelo Decreto-Lei n.° 33:158, pelo artigo 2.° do Decreto-Lei
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n.º 37:868 «foi concedido à Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, através do Fundo de Fomento Nacional, um empréstimo de 30:000 contos amortizável em vinte e cinco anuidades, à taxa de juro de 3,5 por cento».
Repare-se que é através do Fundo de Fomento Nacional que se aplicam os «fundos atribuídos a Portugal pelo programa do auxílio americano à Europa», para usar a linguagem do Decreto-Lei n.° 37:724.
Com toda a razão, o engenheiro Augusto Cancela de Abreu, ao tempo Ministro do Interior - sem lisonja, dos mais ilustres que têm passado por aquela pasta -, disse em 3 de Junho de 1949, na posse do governador do distrito autónomo do Funchal, brigadeiro Cunha Meneses, que tais obras se destinavam a melhorar a situação económica da Madeira e a empregar mais braços.
Sem querer entrar na descrição de todos os trabalhos públicos em curso, entendo que devo referir ainda o plano de repovoamento florestal, dotado com 62:963.616$.
Talvez que se atenue e suavise assim o quadro que o Prof. Marques Guedes, depois da sua visita à Madeira, pintou há dois anos no Primeiro de Janeiro.
E se já em outro artigo acentuei que o aproveitamento e valorização do solo madeirense é o resultado de um esforço intenso, por vezes dramático, do habitante, na rebusca da água e no amanho das leiras estreitas à enxada, devo hoje acrescentar que, no estado actual da economia da ilha, a terra já não sustenta suficientemente o seu homem.
Arquipélago dos Açores:
Tem de se reconhecer que o factor «insularidade» carrega a aparência das dificuldades de vida dos saldos populacionais acumulados de ano para ano nos pequenos espaços definidos pelo mar. As fronteiras da terra estão, sempre à vista do povo. Se o mar estiver vedado, ao primeiro rebate de que a terra já não dá para todos a ideia que surge é a de fome imediata.
Desprezo este factor, de ordem meramente psicológica, e determino-me pelas realidades. Afirmo então, sem hesitações, que não se vive bem nos Açores. Bem no sentido e na compreensão do desafogo necessário ou na usufruição do chamado «mínimo fisiológico». Mesmo naquelas ilhas em que a densidade populacional é mais fraca o fenómeno nota-se. Nas outras varia de intensidade. Em grande parte, e no que toca ao conjunto, pela má sorte das actividades industriais e agrícolas e pela falta quase absoluta de emigração.
E espantosa e edificante a história agrícolo-industrial do arquipélago.
A primeira grande batalha dos homens do século XV, portugueses de têmpera, que se fixaram nos Açores é a batalha do pão. Transportados do Reino a lugares remotos e inseguros, as puras virtudes ancestrais tudo vencem.
As ilhas produzem trigo para o consumo interno e para a exportação.
Maré de vitória.
Nos meados do século XVI apareceram as «alforras».
A cultura do trigo abateu.
Planta-se com mais força a cana do açúcar. Talvez seja o remédio. Boa e rendosa experiência, na verdade. O pior é o açúcar brasileiro.
É a cana de açúcar sumiu-se no abismo da concorrência.
O milho, introduzido em 1600, toma os campos desertos, ergue, como símbolo de renascimento, o seu pendão verde e promissor.
Mas o milho, embora chegue mais tarde, no quinquénio de 1850-1855, a atingir a média de exportação de 9:370 moios, progride devagar como fonte de rendimento. Também a princípio não o querem na alimentação.
Tornava-se necessário atirar as energias para outra iniciativa.
Activa-se a cultura do pastel e da urzela. O comércio de exportação das duas plantas tintureiras desenvolve-se tanto que a lei intervém para salvar as áreas onde nascia o pão.
Século e meio de abastança. Mais uma maré. Os impostos, o anil do Brasil e das índias e as anilinas químicas deram cabo da indústria. Em 1671 estava morta.
Trabalha-se então com as velhas culturas, come-se o que a terra dá, exporta-se algum trigo, algum vinho, fia-se a lã, prepara-se o linho, o povo veste-se e vive, mas luta assim mais de um século.
É quando o Brasil se desenha nos horizontes, luzindo, como o Sol, quando espalha ouro nas alvoradas.
O açoriano emigra, mas acredita na fecundidade da sua terra. Ela pode dar mais.
Recorre-se à laranja. Intensifica-se a cultura. E enorme a exportação: 23:500 caixas em 1833; 232:400 em 1869. No Faial, na Terceira, em S. Jorge, em S. (Miguel, pelo tempo da floração, o ar anda perfumado. Sobe a beleza no espaço e cai a riqueza na terra.
Acendeu-se uma boa estrela no céu dos Açores nesse findar do século XVII. O seu brilho, o brilho da estrela, aguentou por muito tempo. Vieram depois as pragas, a gumose, as cochonilhas, a laranja de Valência e de Múrcia, escureceu o céu, e as lágrimas que esgotaram a vida das laranjeiras esgotaram também a alma da gente açoriana.
E de desalento e de tristeza o último quartel do século XIX.
Desta vez é a América do Norte que se acende do outro lado do mar, a despedir um caminho de luz por sobre as ondas chocalheiras. Os que vão na frente chamam os outros. As ondas trazem a vibração forte de uma vida diferente, cheia de possibilidades, que se leva do lado de lá.
Apesar disso, o açoriano continua a acreditar na sua terra e não dorme, mesmo quando tinha razoes para se sentar e sonhar sobre a roda da fortuna.
O tabaco e o ananás, já ensaiados no período áureo, ocupam os braços, abrem clareiras de esperança no assombreado panorama económico do arquipélago. O ananás conquista mercados, alcança cotações boas. Segue-se a cultura do chá, o fabrico do álcool de batata doce, o açúcar de beterraba, a fibra de espadana, a chicória. Plantam-se árvores aos milhões, importam-se espécies novas, novas plantas, dá-se atenção à criação do gado bovino, aos lacticínios.
A América absorve muito sangue, anãs o que fica luta sempre, acredita sempre, aprendendo em cada derrota a combater por um triunfo.
Os anos passam. A primeira guerra feriu o ananás. Esta última quase o liquidou. A espadana em tempo de paz entra em crise. A chicória encontra dificuldades. A beterraba é consumida na indústria local. O tabaco também. Exporta-se muito pouca batata doce, da que cresce do fabrico do álcool. Algumas plantações de chá já foram arrancadas. Há quem teime ainda. Teimam, perdendo. O chá de África leva vantagens na competição.
Como há-de ser?, pergunta a ansiedade de milhares de corações.
O Brasil foi aurora que fulgiu e acabou num poente de ouro entornado.
Raras e mortiças são as luzes na estrada que levava os emigrantes até à América do Norte.
Como há-de ser?
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Há que regressar aos tempos duros da luta com o chão selvagem.
De novo os açorianos se voltam para a terra. Desbravam mais. Arroteiam encarniçadamente. O clarão das enxadas já se vê na linha dos picos. Mas a gente é muita, não sai, o mar fecha-a, comprime-a. Sente-se, vê-se que a terra não chega. Mesmo que a melhorem, que a aproveitem toda, que lhe excitem a fecundidade com todos os adubos possíveis e todos os ganhos da ciência, de momento não se dá ao povo ansioso e triste um remédio pronto para o seu caso.
Um viveiro de muitas bocas, e o pão não se multiplica como se multiplicam as bocas.
A desproporção avança por todos os Açores, mas, por enquanto, só é aflitiva na ilha de S. Miguel.
Ilha de S. Miguel:
Não começo pelas densidades. A situação é tão evidente, as suas cores são tão vivas e tão impressionantes, que não há mais do que olhar e sentir.
Poderia apresentar alguns quadros muito eloquentes na sua própria força descritiva, mas não quero que digam que exploro o drama social, quando a minha intenção não é a de especular com a verdade, mas a de buscar soluções para ela.
Em todo o caso, e só para dar uma ideia do quanto se sofre por falta de trabalho, vejam isto:
Ao findar do último ano, com a aproximação do Inverno, alguém que mantivera por largo tempo trabalhadores na arroteia de certo mato distante parou com o serviço. Os homens observaram que ficavam à míngua.
Então propuseram:
O senhor tem lá um caseiro. Nós vamos para cima. Quando chover não se trabalha. No fim da semana paga-nos só o que for.
E assim foi. Semanas houve em que os pobres trabalhadores, depois de calcorrearem, nos seis dias consecutivos, a via dolorosa e ingrata da casa à serra e da serra à casa, doridos e desalentados, só receberam salário correspondente a dois dias de trabalho.
Sr. Presidente: se eu dissesse a verdade dourada não dizia a verdade. Encanta-me a poesia das coisas. Mas, quando me faço ao mar, conto com a água, não conto com as espumas.
São angustiosas, na realidade, as condições de vida da maioria dos trabalhadores micaelenses nos seis concelhos da ilha, com alguma diferença, para melhor, no do Nordeste.
Estive na presidência da Junta Geral do Distrito Autónomo do Ponta Delgada. Era impressionante a insistência com que párocos, (regedores e até professores de instrução primária me procuravam, a pedirem serviço para os trabalhadores que viam sem ocupação.
Não dramatizo, emprego as palavras, as linhas, as cores necessárias. De contrário mentia à Assembleia, mentia ao Governo, mentia aos que sofrem, mentia à minha consciência, mentia a tudo e a todos, e até mentia à mentira, porque não era capaz de esconder com ela a verdade toda.
Todavia, confio mais aos elementos colhidos, aos números, o encargo de fazerem a luz, que não desejo aquecida, mas suficiente para mostrar os planos necessários ao entendimento do problema que me propus tratar.
Transporto para aqui dois quadros escrupulosamente conseguidos pelo engenheiro Pedro Cymbron, também Deputado pelo círculo de Ponta Delgada. O primeiro traduz, nas suas linhas gerais, o estado de aproveitamento dos solos na ilha de S. Miguel. O segundo, discriminando as culturas e as suas áreas respectivas,
indica o volume de trabalho, em jornas, que cada uma das superfícies cultivadas comporta:
QUADRO I
[Ver quadro na imagem]
QUADRO II
[Ver tabela na imagem]
O quadro II é acompanhado das seguintes observações, feitas pelo seu autor:
1) Por constituir uma cultura de carácter muito especial, que não pode ser considerada em relação à área ocupada, mas antes quanto ao número de unidades a produzir, a cultura do ananás não foi incluída no quadro II.
A capacidade máxima de produção das estufas micaelenses, nas condições que a regulamentação impõe, é de 2.440:000 frutos, mas actualmente não atinge 1.000:000. Assim, se 1:000 frutos exigem 215 dias de trabalho (homens, mulheres e crianças), serão 200:000 as jornas fornecidas pelos ananases, o que eleva para 3.208:546 o número de dias de trabalho atrás calculado.
2) Em virtude de a fertilidade do solo o permitir, usa-se em S. Miguel fazer culturas associadas e sobrepostas, sem deixar durante o ano qualquer descanso à terra; por isso o quadro II apresenta um total de 36:842 hectares ocupado com várias culturas, dos quais 4:000 são tomados por culturas não especificadas, quando no quadro I se considera toda a superfície cultivada agrícola apenas somando 32:856 hectares.
3) Não foram considerados os incultos como origem de trabalho, por aquilo que proporcionam ser praticamente nulo.
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Invadidos por mato mais ou menos desenvolvido, conforme os locais, mas sempre bastante fechado, os baldios e incultos particulares só são usufruídos, aqueles, por raros fabricantes de carvão de urze, de muito limitado uso, e, uns e outros, por alguns rurais ocupados no apascentamento de cabras e ovelhas, que considero à parte entre os que se ocupam na pecuária.
Alguns importantes trabalhos se estão a realizar na transformação daqueles tractos de terreno, actualmente improdutivos, em matas e pastagens valiosas. Em muitos casos isto constitui o auxílio dos particulares aos camponeses em crise, que assim encontram, na época de melhor tempo e dias mais longos, alguma ocupação.
Não me foi possível averiguar, mesmo aproximadamente, o número de rurais que ganha algum pão naqueles serviços, mas certamente não atingirá um milhar durante três ou quatro meses.
4) A pecuária fornece, sem dúvida, muito trabalho, mas julgo não dever considerado no que há-de ser distribuído pêlos rurais em crise, porquanto aqueles que no tratamento do gado se ocupam têm trabalho garantido todo o ano e não devem ser considerados entre os atingidos pelas dificuldades que (presentemente afligem os camponeses micaelenses.
5) Nestas notas ao quadro II devo referir-me ainda a outros camponeses que têm ocupação permanente (estufeiros, caseiros, etc.) e cujo número,
julgo, será de 2:000 aproximadamente, (porque estes rurais produzem trabalho que deve ser deduzido das jornas já calculadas.
Tendo em vista que alguns daqueles homens exercem funções de direcção, considero que só produzem 200 jornas anuais em média. Há, pois, a deduzir do número indicado no quadro II 400:000 dias de trabalho.
Partindo de que a população no distrito de Ponta Delgada, como se vê pelas publicações do Instituto Nacional de Estatística, é representada «pêlos seguintes números:
1920 ............. 118:246
1930 ............. 134:217
1940 ............. 156:045
o engenheiro Pedro Cymbron chama a atenção para os aumentos de quase 16:000, ou seja 13,5 por cento, mo decénio de 1920-1930 e de 22:000, 16,3 por cento, no decénio seguinte, e nota que, se o aumento populacional se mantiver no mesmo ritmo, a população em 1950 conteria 20 por cento de almas a mais do que as presentes em 1940, isto é, o excesso seria de 31:000 pessoas.
Seria, mas não foi; os resultados provisórios do último censo dão 176:707 presentes, acusando, portanto, um excesso de 20:662 com referência a 1940.
O estudo do engenheiro Pedro Cymbron é anterior. No entanto, a consciente elaboração dos seus cálculos transparece e afirma-se a cada passo:
Ouvi a opinião de funcionários do Instituto Nacional de Estatística, que, embora conhecendo o ritmo fortemente crescente da população daquele distrito, julgam exagerados os 20 por cento, mas aceitam de boa vontade o aumento de 27:000 almas, que, de resto, é a média de excesso fisiológico registado nos boletins estatísticos de 1946, 1947 e 1948 publicados por aquele Instituto.
Assim a população do distrito de Ponta Delgada em 1950 será provavelmente de 183:000 presentes e o aumento andará por 17,5 por cento do número registado em 1940.
O exagero de 6:338 não tira o valor ao que segue.
Com a sua preocupação de achar o quantitativo provável da população activa agrícola micaelense em 1950, o engenheiro Pedro Cymbron desenvolve o seu raciocínio por esta forma:
O censo de 1940 (volume XXII, p. 354, quadro n.° 27) indica 31:590 a população agrícola activa (soma dos n.ºs 32 e 47 daquele quadro). Considero o aumento de 17,5 por cento sobre aquele número: 31:590 + 0,175 x 31:590 = 37:118.
Segundo toda a probabilidade haverá, pois, cerca de 37:000 rurais no distrito de Ponta Delgada. E evidente que alguns patrões proprietários, incluídos na população agrícola activa, não trabalham no campo, mas o seu número será suficientemente reduzido para o desprezarmos em estimativa sujeita a erros maiores.
Deduz a seguir 2:123 rurais da ilha de Santa Maria, com a nota de que a soma, 37:000, deve pecar por diferença para monos, visto que a percentagem dos rurais activos no distrito de Ponta Delgada, tirada dos números fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, indica uma percentagem de 20,2, com se vê do quadro seguinte, enquanto que para as regiões que constituem as províncias do Alto e Baixo Alentejo, Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro as percentagens são mais elevadas. Ora a verdade é que o distrito de Ponta Delgada, onde há poucas indústrias, não é menos rural. Assim, e a haver erro estatístico, como parece provável, o número de jornas será inferior àquele que foi encontrado.
QUADRO III
População
[Ver Tabela na Imagem]
Julgando, então, que a população agrícola activa micaelense deveria estar em 1950 acima de 35:000, mus tomando estes números para base, o engenheiro Pedro Cymbrom desconta-lhe 4:600 rurais com trabalho diário garantido {caseiros, estufeiros, feitores, etc., e camponeses que vivem ligados à pecuária) e termina:
Chego finalmente à conclusão de que para cerca de 30:400 rurais a terra micaelense só dá 2.800:000 jornas, aproximadamente, no decorrer dos doze meses, o que corresponde a noventa e dois dias de trabalho para cada camponês!
O espectáculo é este: 15 por cento dos rurais têm salário diário garantido; os 85 por cento restantes sofrem uma crise que se traduz em sòmente três meses e meio de trabalho por ano.
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Estes cálculos são honestos e os seus resultados suo os que mais se ajustam à realidade vivida todos os dias na ilha de S. Miguel. E eu tenho verdadeiro gosto em citar aqui as (passagens essenciais do trabalho do engenheiro Pedro Cymbron, não só como testemunho de muita consideração que nutro pelo seu dedicado esforço, mas como afirmação da unidade de pensamento e de sentimento que nos tem irmanado na defesa dos interesses da nossa terra pelo seu rigoroso e justo enquadramento no plano dos superiores interesses nacionais.
Cálculos honestos, disse e repito, mas pode vir a pergunta: como é isso possível?
Tem-se dito que a forma e disposição da ilha de S. Miguel, com larga costa exposta ao sul e ao norte, de cujos quadrantes sopram os ventos dominantes, permite que sejam muito frequentes as possibilidades de pesca da rocha (pesca da pedra), onde o próprio camponês vai buscar o peixe e o marisco que de algum modo supre a sua insuficiência económica.
Assim é. Mas ainda, e muito, o imenso fundo de respeito, o imenso poder de resignação, a imensa virtude de sofrer, e essa humanidade dos mais remediados despertada pelo conhecimento pessoal dos vizinhos, cuja benéfica influência aios meios rurais Anselmo de Andrade distingue no Portugal Económico.
Concordo inteiramente com este justo, oportuno e doloroso comentário do engenheiro Pedro Cymbron:
Em vista do exposto, creio não poder duvidar-se serem as dificuldades que afligem o rural micaelense muito maiores e a sua situação muito mais grave do que a de qualquer outro camponês do País. As condições de vida do alentejano têm causado alarme, e, no entanto, posso, do discurso do Deputado Nunes Mexia, concluir que 85 por cento dos rurais daquela região têm ocupação permanente durante todo o ano, sendo sòmente 15 por cento a sofrer finita de trabalho, e estes, na pior das hipóteses, estão garantidos durante três meses.
Como se sentiria contente o rural de S. Miguel com tal crise!
Já ouvi que uma das fortes razões da «crise micaelense» reside no facto de a maior parte da população viver da exploração da terra, pouco dividida e concentrada em «370 famílias, que, em regra, a não trabalham, dando-a simplesmente de renda», o que, pelo excesso de braços, principalmente tem conduzido e conduz «ao progressivo aumento das rendas».
Reconheço que existe nesta observação certo princípio de verdade, mas a questão está mais bem posta nos termos em que a descreve e precisa o estudo feito no Plano de Repovoamento Florestal do Distrito de Ponta Delgada (1948):
Acresce ainda que o sistema de exploração agrícola é bastante precário, sendo pelo arrendamento, a curto prazo, com todos os seus defeitos, que tradicionalmente agricultam os solos micaelenses.
Sendo notável a massa de gente que, vivendo da actividade rural, neste mesmo sector procura angariar os meios para o seu sustento, é fácil admitir-se que a área agricultada é hoje deficiente para as necessidades da população, resultando daí ser enorme a procura que as terras têm, apesar de se encontrarem imensamente valorizadas.
A propriedade rústica está, por aquele facto, muito dividida, como se é
induzido a concluir do extracto das matrizes prediais rústicas que se segue:
[Ver Tabela na Imagem]
Cabe dizer que, se é certo que a propriedade, no geral, se encontra muito dividida, há contudo propriedades cujas superfícies se podem considerar desproporcionadas para o meio, no que respeita aos terrenos incultos, que, na sua grande maioria se encontram concentradas na posse de um limitado número de proprietários.
Deve-se ao fraco rendimento em pastagens o facto de este tipo de propriedade não haver sido ainda atingido pelo fraccionamento verificado nos terrenos entregues à cultura agrícola.
Nesta recolha de elementos para a disposição e exposição do quadro económico da vida micaelense não podem faltar aqueles que traduzem o estado da balança comercial. Reporto-me ao período normal anterior à guerra e escolho o ano de 1938:
Movimento alfandegário de Ponta Delgada
Valores da Importação nacional e estrangeira
Ano de 1938
[Ver Tabela na Imagem]
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Movimento alfandegário de Ponta Delgada
Valores da exportação nacional e estrangeira
Ano de 1938
[Ver Tabela na Imagem]
Movimento alfandegário de Ponta Delgada
Valor da exportação para consumo (bordo)
Ano de 1938
[Ver Tabela na Imagem]
O desequilíbrio acentua-se durante a guerra. Em 1942 o valor das importações foi de 78:980.704$20 e o das exportações de 29:527.478$15, não contando com o valor da exportação para bordo, cujo montante não deverá, a avaliar pelo de 1938, modificar sensivelmente o resultado do confronto entre as cifras principais.
Restam os números dos anos de 1948, 1949 e 1950.
Os quadros organizados à semelhança dos que se referem ao ano de 1938 dão os seguintes valores globais:
Movimento alfandegário de Ponta Delgada
Valores da importação
[Ver Tabela na Imagem]
Movimento alfandegário de Ponta Delgada
Valores da exportação
(Incluindo a exportação para bordo)
[Ver Tabela na Imagem]
Os saldos negativos são, respectivamente, de 71:323.967$, 44:890.709$ e 27:694.097$. Representam um desesperado esforço de aproveitamento e desenvolvimento dos recursos naturais, uma progressão da interesse para o equilíbrio da balança comercial. Apesar disso, a demonstração feita por todos os números citados é tão forte e tão impressionante que já não na usará admiração alguma o facto de se terem inscrito, em poucos dias, mais de 12:000 indivíduos quando, em fins do ano de 1948, o governador do distrito de Ponta Delgada mandou abrir nas câmaras municipais da ilha de S. Miguel registos para os que desejassem emigrar e de terem ultimamente partido para a ilha Terceira, com o fito de se empregarem em determinadas obras que por lá estão agora em curso, cerca de 4:000 homens, muitos do quais já regressaram sem terem conseguido trabalho.
Os factos, quando são assim, tiram-nos, às vexes, a vontade de acreditarmos neles. Mas a extraordinária sobressaturação populacional de S. Miguel não é negada por ninguém.
Foco parte de uma passagem do primeiro relatório - relatório-síntese - feito pelo Dr. Mário Matias, que em Janeiro de 1949 foi à Madeira e a S. Miguel estudar e conhecer «as dificuldades dos trabalhadores daquelas ilhas»:
... a situação de milhares de trabalhadores de S. Miguel é, sem exagero, confrangedora ... e, por isso, carece de medidas de emergência ...
Destaco os termos em que a Junta da Emigração, ao apreciar, em 7 de Março de 1949, o problema demográfico português, colocou o problema de S. Miguel:
Os Micaelenses, reduzida notavelmente, desde 1922, a possibilidade de continuarem a emigrar
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para a América do Norte, muito limitado, e mesmo desaconselhado, o caminho da Bermuda, não encontram, desde há muito, para onde dirigir aqueles que a sua terra mal contém em condições económicas aceitáveis.
Leio ainda duas notas apanhadas numa informação da mesma Junta datada de 8 de Fevereiro de 1950:
No que diz respeito ao arquipélago doa Açores, o problema oferece acentuada gravidade na ilha de S. Miguel.
... a ilha está superpovoada e as condições de trabalho são, de um modo geral, más sob vários aspectos.
E recordo uma das certezas que o Ministro do Interior engenheiro Augusto Cancela de Abreu trouxe da sua visita a S. Miguel:
Fiquei, porém, e infelizmente, com duas sombras no espírito: a da crise económica que afecta presentemente certos sectores e a da falta de ocupação para grande número de trabalhadores do campo e pescadores em alguns concelhos.
Há, portanto, um sério problema social a estudar e a resolver.
Quem diz a verdade não precisa de companhia. Mas eu estou bem acompanhado.
Pergunta-se:
E que tem feito o Governo a favor de S. Miguel?
Que têm feito os organismos oficiais, os corpos administrativos, a Junta Geral designadamente?
Não, eu não sou dos que escondem o bem:
Na execução do plano rodoviário da ilha têm-se despendido boas somas - 31:012.959$64 desde 1943 até 1930, inclusive; a construção da avenida marginal, escalonada pêlos anos de 1949 e 1950, respectivamente com 2:577.595$60 e 4:994.693$72, tinha ainda 6:400 contos orçamentados para o ano. de 1951; a empreitada do bairro piscatório do Babo de Peixe 2:200 coutos, envolvendo as terraplanagens e a urbanização; está a concluir-se o bairro para pobres da Misericórdia de Ponta Delgada - mais 600 contos; findou a 1.ª fase da construção das escolas (Plano dos Centenários) - cerca de 1:200 contos; está em construção o hospital-balneário das Furnas - 1:200 coutos; a Casa de Trabalho do Nordeste levará algumas centenas de contos na sua conclusão; 1:650 contos em obras no edifício da filial da Caixa Geral de Depósitos; 4:599.815$90 já gastos no novo edifício dos correios e telégrafos; o plano de repovoamento florestal, já em execução, importando em 51:360.233$, repartidos em 1:483.788$ para trabalhos preparatórios, 5:470.494$ de média anual, com referência ao primeiro período, e4:502.793$, também de média anual, relativa ao seguindo período, até 1961.
As câmaras municipais, com a ajuda de comparticipações do Estado, ordenam e abrem trabalhos no ritmo que os seus minguados réditos lhes permitem e a Junta Geral, com o empréstimo de 14:000 contos, contraído na Caixa Geral, e com os parcos recursos de que dispõe, tem contribuído quanto pode para a ocupação de muitos braços.
Reconhecendo que o caudal de obras alimentado pelo Estado melhorou o nível de certas classes trabalhadoras da ilha de S. Miguel, temos de reconhecer também que aos rurais só tocou, do caudal, uma reduzida e muito insuficiente parte:
Se os trabalhos em andamento - diz o engenheiro Pedro Cymbron - fossem totalmente rurais, trariam ao camponês micaelense cerca de 3 milhões de jornas, o que viria minorar sensivelmente a gravidade da situação que atravessam, mas infelizmente a natureza das obras em curso não modifica o aspecto geral do problema.
Minoraria a situação, sem dúvida, mas nunca a resolveria, porque na raiz do problema está a necessidade de arrumar o excedente populacional, e essa necessidade por satisfazer causaria em qualquer país, por melhor governado ou dirigido que fosse, um mal-estar semelhante ao que se está sentindo em S. Miguel. No enunciado deste aviso prévio computei em 2:600 o saldo anual dos indivíduos que não saem da ilha e nela se tem acumulado na mais exaustiva e dramática luta com a terra. Dizem-me que onde contei 2:600 deveria ter coutado 3:000. Mesmo errado para menos - apesar de ter sido calculado sobre as antigas médias de emigração o outros elementos estatísticos -, o número confirma e explica o quadro em que figura.
Pergunta-se ainda:
Mas que terá feito o Governo para combater no País a epidemia do desemprego?
Atormentado pelo flagelo do desemprego, o Governo, com o Decreto n.° 21:699, de 19 de Setembro de 1932, criou o Comissariado do Desemprego.
O balanço de quinze anos de actividade, contados até 31 de Dezembro de 1947, acusa: 233:500 contos despendidos em subsídios de trabalho (remunerações atribuídas aos desempregados que o Comissariado coloca nos serviços da sua sede e delegações ou em regime de comparticipações com entidades estranhas); 6:000 contos gastos nos centros de trabalho, de reeducação e de aperfeiçoamento; 25:000 contos com a fiscalização de obras comparticipadas; 36:000 contos com a orientação técnica das obras e estradas de urbanização; 6:000 contos com a criação e revigoramento de indústrias; 557:441 contos em comparticipações para obras; 114:000 contos na assistência a desempregados.
Em números redondos, cerca de 990:000 contos, quase 1 milhão de contos, despendidos desde 1932 a 1947. Mais de 1 milhão, se juntarmos à soma a parcela de 12:500 contos gastos com a administração.
O simples enunciado desta cifra desperta a ideia da actividade que ela poderia ter comportado no combate ao desemprego. Basta assinalar as 11:806 obras comparticipadas, traduzidas em mais de 36.500:000 dias-homens de trabalho (56.729:000).
Resolveu-se o problema?
Acabaram os desempregados?
Encontrou-se o sistema óptimo de resolução das crises de desemprego?
Sem querer de modo nenhum diminuir os propósitos que criaram e impulsionaram o Comissariado do Desemprego no seu extraordinário valor como instrumento de equilíbrio e de justiça sociais, entendo que a sua acção, no fundo, é aleatória. Comparticipar em obras com o fim de dar emprego a quem não o tem, sem a preocupação de que os respectivos investimentos tenham ou não carácter reprodutivo, embora se destinam, realmente, ao progresso e à renovação do País, é atacar o mal à superfície.
No entanto, dir-se-á, e bem, que, se não fossem as verbas do Fundo de Desemprego, teriam ficado insatisfeitas muitas pequenas aspirações justas, traduzidas em muitos pequenos melhoramentos inadiáveis, que constituem por vezes o supremo anseio ou a suprema reclamação de muito povoado humilde e distante.
O problema mostra vários aspectos a considerar e tem a sua dificuldade.
A propósito, duvido de que os serviços estatísticos do Comissariado consigam apurar com o devido rigor o
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quantitativo dos desempregados, sempre que tenham a conveniência de o fazer. Designadamente, os trabalhadores rurais são rebeldes a inscreverem-se nas listas do desemprego. Muitos não acreditam no benefício que da inscrição lhes pode vir e alguns até desconhecem que existe no País um serviço encarregado de lhes dar trabalho.
Por outro lado, há quem preconize uma mais pronta mobilidade de visão e um mais justo sentido das oportunidades na distribuição e aplicação das verbas, para o que se deveria ter sempre presente o quadro do desemprego no seu conjunto, de modo a acudir com a possível largueza às classes trabalhadoras - a rural, por exemplo - mais castigadas, designadamente nas regiões e nas épocas em que as crises mais se sentissem.
O comentário nasceu do facto de se ter subsidiado por vezes a construção civil, quando a mão-de-obra especializada tinha as formidáveis construções em curso no País.
E é tempo de recordar a Exposição de Obras Públicas, por onde passaram quinze anos - 1932-1947 - de labor intenso e de realizações que varreram, sem dúvida, as tristes expectativas em que nos mergulharam anos sucessivos de derrota e de aviltamento.
Restaurou-se o poder de concepção, voltaram a correr as fontes da energia, dignificaram-se os processos de querer e os métodos de realizar, repôs-se no verdadeiro sentido o significado de construir, precisou-se o conceito de obra pública e o aspecto das coisas passou a ter em Portugal outra elevação, outro cunho, outra força comunicativa, que a pouco e pouco, quase sem nos apercebermos, nos foi enchendo de razões de orgulho, de satisfação e de crença.
Dois quadros do números tirados do Livro de Ouro da Exposição:
I
Importância das comparticipações autorizadas
(excluindo as anuladas)
(Valores em contos)
[Ver Tabela na Imagem]
II
Indicação sumária das importâncias gastas pelo Ministério das Obras Públicas e
Comunicações nos períodos de 1932 a 1946
(Valores em contos)
[Ver Tabela na Imagem]
832:162 contos de comparticipações em quinze anos, implicando um considerável volume de obras no total de 1.800:000 contos e m ais 16.481:500 contos real e efectivamente gastos pelo Ministério das Obras Públicas em muitos milhares de obras públicas no espaço de catorze anos.
Procurando, tanto quanto possível, conseguir números mais próximos, solicitei ao Comissariado do Desemprego o mapa que segue. As importâncias dele constantes são as que foram efectivamente pagas pelo Comissariado, e não as concedidas, não figurando também aquelas com que contribuíram as entidades comparticipadas:
[Ver Tabela na Imagem]
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[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui despesas com o centro do S. João da Madeira.
(b) Inclui despesas respeitantes aos anos anteriores.
Quanto às importâncias gastas, não orçamentadas, pelo Ministério das Obras Públicas, abatidas as despesas dos serviços que a partir de 1947 se desintegraram do antigo Ministério das Obras Públicas e Comunicações, apanham-se no relatório da actividade no triénio de 1947 a 1949 e no relatório referente a 1950, também já publicado, os seguintes números:
[Ver Tabela na Imagem]
Quantos braços ocupados, quantos lares satisfeitos, quantos salários repartidos, quanto pão distribuído por esse Portugal fora!
Não foi só a profunda renovarão material do País: atingiu-se, em muito, a renovação social e económica.
Não tem comparação possível o que se fez agoira com o que se não fez dantes.
Subsídios enormes, comparticipações avultadas, obras aos milhares.
No entanto, a crise fundamental subsiste: continuamos a mio poder alimentar e fixar satisfatoriamente os nossos excedentes populacionais.
Que se tem feito pròpriamente neste sentido?
Que tem feito a Junta de Colonização Interna, criada, em 1937, a quem compete, por exemplo, o aproveitamento dos baldios, a instalação de casais agrícolas - a tarefa de ajudar a Nação a crescer dentro de si mesma?
Foram atingidos os objectivos em vista?
O rol das verbas empenhadas, por categorias de investimentos, é o que segue:
Colonização directa
Despesas efectuadas até 1946 com as colónias concluídas:
Número de casais
Martim Rei (Sabugal) ....... 39
Milagres (Leiria) .......... 13
52 3:890.782018
Despesas efectuadas de 1947 a 1951 com a execução dos projectos relativos às aldeias de:
Número de casais
S. Mateus ................ (a) 10
Vidoeiro ................. (a) 9
Aldeia Nova (Barroso) .... (b) 45
Aldeia Nova (Montalegre) . (c) 22
Creande .................. (b) 29
Fontão ................... (c) 7
Pinhal Novo .............. (c) 10
Gafanha .................. (b) 10
Pegões Velhos ............ (c) 87
Faias .................... (b) 59
Alvão .................... (c) 25
313 44:487.114$49
(a) Já em funcionamento.
(b) A entrar em funcionamento no próximo mês de Março.
(c) A entrar em funcionamento no próximo ano.
Melhoramentos agrícolas
Distribuição da assistência financeira nos anos de 1947 a 1950 e 1951 (1.° semestre)
[Ver Tabela na Imagem]
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[Ver Tabela na Imagem]
Estes mapas mostram-nos dois movimentos: o de colonização directa, pela instalação, já em funcionamento, de 71 casais e de mais 294 a entrar em funcionamento no próximo mês de Março e durante o ano próximo, e o de assistência financeira, envolvendo um total de 116:485.989$.
O primeiro, compreendendo as desposas feitas até 1946 e de 1947 a 1951, inclusive, no montante de 44:487.114$49, revela fraca actuação no sentido da quantidade; pelo segundo, que diz respeito aos anos de 1947 até ao 1.° semestre de 1951, inclusive, dá gosto verificar como se ajudou a intensificação das culturas e o alargamento da área agrícola.
Impressiona-nos, de facto, que só tenham instalado tão poucos casais até 1946 e de 1946 até agora. Poderá dizer-se - e a afirmação, até certo ponto, é verdadeira - que os serviços, em determinadas circunstâncias, não puderam apresentar, com a rapidez exigida, os projectos a tempo de lhes serem concedidas as devidas dotações. Mas a verdade, a grande verdade, é que as próprias dotações nunca dispuseram e continuam a não dispor da suficiente largueza. Em todo o caso, o pouco que a Junta de Colonização Interna tem feito neste particular merece atenção e elogio pela técnica, pela visão segura, pela qualidade e pela preciosa colheita de ensinamentos, que poderão até servir para orientar, obra igual no ultramar. Chegou-se, por exemplo, à conclusão de que a assistência moral e social não é menos imprescindível do que a assistência técnica. Basta citar a colónia de Martim Rei (Sabugal), que se transformou radicalmente para melhor depois que lhe deram uma escola e uma capela.
Já ouvi classificar esta ideia de colonização interna de romântica.
Mas não será fruto de inegável romantismo tudo isto que possuímos e desfrutamos neste Portugal trabalhado pela espada e pelo arado?
Não eram românticos os sonhadores que foram expulsando o infiel do chão que logo convertiam, como se o inimigo não atacasse depois e não estivesse em armas, sempre pronto a tentar a reconquista?
Não foi mais dura do que agora a tarefa do desbravamento e do povoamento?
Recordo-me da emoção com que discutimos e aprovámos nesta Assembleia em 1946, para serem executadas e cumpridas, através da Junta de Colonização Interna, as Leis n.ºs 2:014 e 2:017. Tínhamos na alma a vibração de longe, essa que recebemos por herança, no génio, nos sentidos, vibrarão de amor à terra, de fé nos seus destinos, de certeza na generosidade da sua resposta à inquietação da nossa chamada.
Mas a colonização interna não passa afinal de uma simples parcela dos empreendimentos previstos pela Lei n.° 1:914, de 25 de Maio de 1935, cuja execução foi largamente apreciada nesta Assembleia durante a discussão do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado engenheiro Mendes do Amaral. E é à execução dessa lei, chamada «de Reconstituição Económica», que temos de ir buscar as verbas especialmente gastas com o fomento da agricultura, da silvicultura e da indústria, se quisermos ter uma ideia do esforço levado a cabo para melhorar a economia do País dentro das nossas possibilidades .financeiras.
O Sr. Deputado Engenheiro Magalhães U ama lho, agora Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, que interveio na discussão da Lei n.° 1:914, elaborou um quadro interessante de importâncias e percentagens em que se indica a percentagem de 10,3 do total de 14 milhões de contos gastos com a execução daquela lei, ou seja pouco mais de 1.400:000 contos investidos nos trabalhos e estudos ligados ao fomento agrícola; silvícola e industrial, figurando na importância as verbas da colonização interna.
Subiram a esta tribuna vários oradores e a Lei n.° 1:914 foi vista à luz de muitos critérios. Guardei este ponto: foi uma lei ditada por um pensamento honesto de servir a economia do País dentro dos nossos recursos financeiros.
Seguimos a nossa fornia tradicional de fazer fomento e não podíamos esquecer que o estado de ruína monumental do País constituíra um dos grandes argumentos do 28 de Maio.
Dedicamo-nos às estradas e aos portos, à hidráulica e ao povoamento florestal, e também construímos e reparámos muitos edifícios.
Realizámos muitas despesas quase reprodutivas, algumas reprodutivas e muitas que o não foram. Mas todas verdadeiramente feitas no sentido de tirar este país do nada que era em matéria de obras públicas. Nem eu sei mesmo, se não fossem essas realizações, que muitos discutem, como haveriam esses de acreditar agora no mais que nos propomos efectuar e como haveriam ainda de acreditar na capacidade de materialização de tudo o mais quanto pedem que se faça.
Também não se evitariam as censuras se tivéssemos hoje, por exemplo, energia eléctrica bastante e os monumentos em ruínas para ela iluminar.
Gosto tanto de explicar, como não gosto nada de denegrir. Revendo o passado, tenho pena de que se não tivesse dado mais ao reprodutivo do que ao sumptuário. Mas coloquemos os factos dentro das s una épocas e dos seus ambientes e procuremos tirar deles, não argumentos de desespero, mas razões de experiência.
Será ainda de justiça termos sempre presentes a estreiteza das nossas disponibilidades orçamentais e as exigências extraordinárias dos climas de guerra que temos suportado.
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No entanto, lia que fazer um novo e imenso esforço, desta vez dirigido, como já está sendo, ostensivamente à criação de novas e activas bases de fomento. É que, e não obstante tudo quanto se fez, o nosso grande problema, o maior, o mais candente, o problema-chave de todos os outros, continua por resolver e é aquele que Ezequiel de Campos sintetiza na obrigação primordial de dar «destino feliz a tanta gente do saldo fisiológico em cada ano».
Eu bem sei que se as diferentes classes trabalhadoras portuguesas se tomassem, de um momento para o outro, da noção do conforto, do asseio, da higiene e do bom gosto, mesmo com o que auferem, o aspecto geral das condições de vida melhoraria visivelmente. Teríamos mais aconchego na habitação, mais alinho no vestuário, mais verdade na exteriorização, mais casa e miemos taberna, mais lar e menos rua. Mas não podemos, infelizmente, atribuir só à falta desse espírito de compreensão dos temas superiores da vida as depressões morais e as quedam físicas que registamos a cada passo nas massas trabalhadoras.
Sempre que se chegue a uma superabundância de capital humano, o aviltamento do trabalho, o depauperamento da raça, os vícios do carácter são fenómenos de consequente fatalidade.
A mão-de-obra, onde não estiver regulamentada, passa a oferecer-se por qualquer preço, a alimentação é reduzida a proporções ínfimas e incompatíveis com a resistência humana, as virtudes sociais afrouxam e desaparecem.
A indignidade de certos meios de vida, o avanço da tuberculose, muitos frequentadores das cadeias saem desse estado de sobressaturação que se debate e enredam cada vez mais sobre si mesmo.
Perguntem a quem só vive do seu trabalho e não tem trabalho pura viver se possui alegria neste mundo, se não se sente, por vezes, tentado a ser desonesto, se não é capaz de se sujeitar a servir os exploradores da miséria alheia, se não pensa, no seu desespero, em entregar-se ao primeiro agitador de esquina.
Não há nada pior do que viver em permanente estado do necessidade.
Cito um caso:
Há já alguns anos, na ilha de S. Miguel, tive de julgar, no tribunal da Ribeira Grande, um homem de 60 anos incriminado por furto de 1 alqueire de milho.
O certificado do registo criminal apresentava-se absolutamente limpo.
Todas as testemunhas, quer de acusação quer de defesa, garantiam que o autor do furto, até ali, tinha sido um homem sério e honrado.
Mandei levantar o réu e interroguei-o directamente. As lágrimas corriam-lhe abundantemente pelas faces:
- Não arranjei trabalho, pedi esmola. Tenho uma filha viúva, que vive comigo, e mais seis crianças. Furtei para lhes matar a fome. Já não havia que comer em casa.
O homem chorava e tremia de vergonha por se ver no tribunal. Absolvio-o, e no fundo da minha consciência ficou a minar uma grande dor. É das raízes dessa dor que vem a ansiedade com que faço este meu aviso prévio.
Isto deu-se em S. Miguel, mas é o exemplo-tipo do estado de necessidade verificado em muita parte do mundo.
Há-de haver maneira de dominarmos a situação.
Foi Anselmo de Andrade, no seu Portugal Económico, quem escreveu isto:
O pânico é às vezes um poderoso meio de fomento.
É que não podemos esperar a repetição do milagre da multiplicação dos pães à mesa do Orçamento e por mão de pecadores, na pitoresca e acertada expressão daquele mesmo economista.
Por tudo e por nada apelamos para o Estado e dele esperamos- tudo. Mas não deve ser; o Tesouro Público não dispõe de meios capazes para a resolução integral dos grandes problemas de interesse colectivo. É preciso que os particulares se convençam de que devem ao País constante e activa manifestação do seu esforço, como elementos de uma sociedade que se desenvolve e cresce ao bafo do conceito cristão e eminentemente humano da solidariedade social.
Não podemos acreditar na possibilidade do paraíso na Terra, nem no nivelamento das classes pelo nivelamento dos meios de fortuna, de inteligência ou de aptidão física, mas acreditamos no triunfo da vontade sobre os desencontros da vida nos caminhos da sua ascensão.
Podemos, se quisermos, fazer muito para mitigar a dor, a miséria, a infelicidade dos que buscam, sem nenhuma sorte, os meios asseguradores da simples existência e do natural bem-estar compatível com a mais singela concepção de vida. Se cada qual, dos que estão em condições de fazer alguma coisa, olhar em roda e fizer repousar na sua consciência os quadros que os seus olhos virem, daí tirará forças para se lançar nas cruzadas sociais do nosso tempo, que vão mais longe do que exige o espírito de caridade, pois, transportando em si mesmas o sentimento de valer ao próximo, transcendem esse plano e destinam-se a servir e a integrarem-se na mais vasta e profunda tarefa do ressurgimento nacional.
E quando não for a compreensão da obra presente que leve a iniciativa particular a tomar parte decidida na obra total de mobilização de recursos da frente interna, então que o pânico, à maneira de Anselmo de Andrade, seja o despertante da acção.
Penso que os grandes proprietários rurais têm uma extraordinária missão a cumprir. Há que regressar à terra, há que repovoar de anseios e de carinhos as grandes superfícies entregues a vinhateiros e rendeiros, que não sentem amor pelo que não é seu e que não têm reservas materiais e educacionais para espalhar e difundir à sua volta amparos de ordem moral e social.
Penso que se deverá apelar para a devoção e para a seriedade dos técnicos, chamando-os a desempenhar um papel preponderante na assistência à lavoura.
Penso que os excitantes da produtividade do solo, regulados e ordenados no seu emprego pela prática agrícola e pela ciência agronómica, deverão ajudar, intensamente os prodígios da enxada.
Penso que as economias particulares mais abundantes poderão concorrer para uma criteriosa e suficiente atribuição do crédito destinado a proporcionar meios adequados ao exercício rural.
Penso ainda que o incitamento e a protecção às pequenas indústrias locais, com vista a ressuscitar e a alimentar o artesanato, será um processo seguro de contribuir para o equilíbrio doméstico e para a fixação dos lares, que esfriam e desanimam nos dias mortos para a agricultura.
Penso também que um tenaz e efectivo movimento cultural consciente e proficuamente desenvolvido sobre as massas rurais, procurando familiarizá-las com os hábitos e com as concepções de um estado de vida mais consentâneo com a dignidade humana, daria o fundo anímico de todo o quadro de ressurreição de valores que se deseja.
É preciso repor na sua posição de marcada nobreza o labor agrícola, renovar o orgulho de ser lavrador, o garbo de manejar a charrua, a altivez de usar a enxada, a glória de arrancar à terra o pão de cada dia.
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Precisamos de enaltecer a comoção rural e de premiar, o seu contágio.
Em todos estes domínios a vontade e o capital dos particulares não devem negar o seu concurso, antes virão a tirar, além do lucro real, o lucro da tranquilidade social, que lhes deve parecer, ao menos, o melhor nos tempos que vão correndo.
O Estado entrará na justa medida das suas possibilidades, calculada serenamente, som atropelos da técnica do fomento à técnica do pagamento.
Ë importante considerar as forças do Tesouro até às linhas dos seus limites, para dentro deles, sem euforias prejudiciais, compor os grandes e os pequenos quadros de acção.
Tem-se dito que a agricultura constitui o mais poderoso esteio da nossa economia, aquele que ocupa mais de metade dos trabalhadores portugueses e mais enche o volume das nossas exportações.
É de crer que ao Estado, no capítulo de assistência técnica e financeira à lavoura, caiba o maior quinhão de actividade. É então para desejar que essa assistência se afirme e traduza cada vez mais em realidades produtivas. Informar, ensinar, auxiliar o agricultor, pondo-lhe à disposição técnicos capazes, meios de observação, resultados de experiências, créditos suficientes, é, sem dúvida, uma grande e necessária tarefa licitamente posta, à consideração e à determinação dos Poderes Públicos.
Através da lei dos melhoramentos agrícolas muito se tem feito, como ficou demonstrado com a exposição dos números que citei, e não é justo esconder ou esquecer os passos seguramente ciados com a montagem de estações agrárias, de postos agrícolas, de campos de experiências e de casais-tipos, mas há, na verdade, que criar o espírito de evangelização agronómica num corpo de técnicos apóstolos, que se misturem com os lavradores e agricultores e com eles sofram e resolvam as dúvidas o as incertezas da terra, aplicando métodos já ensaiados, indicando medidas de emergência, evitando a tempo os erros, corrigindo a horas as imperfeições, ou recolhendo dados e observações para enfrentar as nossas dificuldades e as nossas contrariedades. O nosso agricultor é pertinaz, não tem repugnância pelas inovações seguras, e possui, em alto grau, a crença no valor da terra, o que é extremamente importante. Urge aproveitar, polarizar e estimular estas qualidades essenciais e pô-las ao serviço da batalha pela nossa emancipação dos produtores externos, que nos custam, por vezes, muito caro em divisas difíceis de mobilizar.
Pelos dois mapas seguintes, que me foram directamente fornecidos pelos serviços do Instituto Nacional de Estatística, poderá ver-se em que medida dependemos dos territórios ultramarinos e do estrangeiro.
Subsistências
(Toneladas)
[Ver Tabela na Imagem]
Estes elementos foram calculados somando a 2.ª, 3.ª e 4.ª secções da classe IV e subtraindo-lhe os artigos seguintes: 603, 608, 614, 615, 616, 617, 619, 619-A, 620, 621, 622, 623, 624, 625, 626, 630, 631, 637, 639, 640, 611, 642, 643, 644, 645 e 646, 579 e 581 (biscoitos e bolachas, caramelos, chocolate, conservas alimentícias de peixe, idem não especificadas, extractos de malte, farinha de peixe, forragens, frutas frescas, gelatinas, glucoses, gorduras alimentícias não especificadas, leite em pó, maltose, lactose, etc., melaço, óleo de coco, presunto, queijo, chicórias não preparadas, idem preparadas, substâncias não especificadas, sumo de frutas, uvas, vinagre, xaropes), 579 (cercais, excepto trigo e milho) e 581 (farináccos, lentilhas e cevadinha).
A mercadoria preponderante em peso e valor foi o trigo, cujas importações nos diferentes anos foram as seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
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O atraso em que nos encontramos, no que se refere à produção de alimentos indispensáveis, levou o engenheiro Araújo Correia a lembrar, nesta mesma tribuna, que em 1948 importámos 3.400:000 contos de produtos da terra e subsidiários, num total de perto de l milhão de toneladas.
Um país como o nosso - escreveu-se era 1946 aio parecer da Camará Corporativa sobre lei dos melhoramentos agrícolas (Lei n.° 2:017) - que consagra ao trigo 530:000 hectares para obter 470:000 toneladas, ao milho 41)0:000 hectares para obter 475:000 toneladas, ao centeio 150:000 hectares para obter 160.000:000 de litros, ao feijão 170:000 hectares para obter 50.000:000 de quilogramas e à batata 30:000 hectares para retirar da terra 580.000:000 de quilogramas, precisa urgentemente de reforçar a sua potência produtiva por unidade de
superfície.
É, no entanto, consolador, e, sobretudo, tranquilizador verificar que a necessidade de fomentar a nossa produção pelo aproveitamento racional e absoluto dos nossos recursos internos ganha cada vez mais acuidade e compreensão. Só pela Administrarão de Cooperação Económica obtivemos a libertação de centos de milhares de estudos do Fundo de contrapartida, depositado no Banco de Portugal, para o financiamento de várias propostas de fomento eléctrico e agrícola, entre as quais se conta a de melhoramentos agrícolas, contemplada com 40:000.000?
Seria muito de desejar que a Colonização Interna pudesse imprimir maior incremento às obras de fixação de gente em terrenos até aqui desaproveitados o inexplorados.
Até agora, como se vê do mapa que utilizei, fixaram-se, ao todo, 71 casais, preparando-se para breve a fixação de 143 e para o ano que vem de mais 151.
É pouco para uma obra de tão úteis repercussões, sociais e de tão prontos resultados no descongestionamento e destino dos saldos populacionais.
Muito há a fazer, e quanto mais depressa melhor, no País, designadamente a favor das regiões onde a sobre-pressão demográfica seja mais acentuada.
Referindo os Açores, permito-me, sobre o relatório que fiz das Condições de vida ali existentes, pedir com toda a veemência que se estudem e apliquem no arquipélago os processos de colonização interna já experimentados no continente.
Vejo em S. Miguel, no Labaçal, na Achada das Furnas e no Monte Escuro, campos possivelmente próprios para os necessários empreendimentos.
Os baldios da ilha Terceira e o planalto da ilha do Pico oferecem também, e porventura, os requisitos exigidos pela técnica de fixação de casais agrícolas, que podem deixar de ser forçosamente implantados junto das áreas a explorar.
Não compreendo que investimentos de tal natureza não sejam feitos depois de um estuda geral das necessidades e possibilidades do País, a fim de se dar a primazia às regiões mais carecidas, segundo um plano de conjunto em que as obras a efectuar pudessem ser previamente numeradas e graduadas.
Se assim se tivesse procedido, talvez que em S. Miguel não houvesse hoje tanta falta a registar no seio das famílias rurais.
Suponho ter uma noção razoável do que em matéria de fomento se pode esperar do Tesouro.
Ao discutir-se nesta Assembleia a proposta da Lei de Meios para 1951 não pedi obras grandiosas nem sugeri programas incomportáveis.
Referindo-me já, nessa altura, à execução da Lei n.° 1:914, assentei na medida das nossas possibilidades o desejo de que se elaborasse um plano, tanto quanto possível completo, das realizações mais convenientes ao desenvolvimento das actividades produtoras. Fui até buscar o que se fez no vale de Tennessee, nos Estados Unidos da América do Norte, não como exemplo de grandeza de investimento, mas como lição de ordem no investimento.
Pareceu-me que nada se poderia agora executar que não resultasse de cálculos e estudos sobre o todo, de forma a englobar os empreendimentos futuros e a prevenir razões de surpresa que viessem mais tarde a justificar obras porventura prejudiciais às que se vão pondo hoje em marcha com tanta esperança e com tanto sacrifício.
Pareceu-me que cumpria começar por alguma parte, mas começar por onde se afigurasse mais urgente, depois de consideradas todas as urgências no encadeamento total e lógico dos trabalhos a efectuar, sem excluir a obediência às disponibilidades do Tesouro.
É natural que os técnicos da economia, vivamente impressionadas com o atraso que teremos de vencer para atingirmos um rendimento de produção que baste às exigências de uma população cada vez maior, gizem e defendam programas com mais largos objectivos.
Também é natural que os técnicos da «finança, alarmados com «a audácia das despesas» e com a «euforia nas realizações materiais imediatas», procurem salvar as regras do equilíbrio orçamental que têm praticado sábia e tenazmente.
Tudo está no meio termo encontrado através de um estudo cabal das nossas necessidades e possibilidades. Poderão divergir os critérios na apreciação e ordenamento das primeiras, mas, uma vez definidas as linhas mestras do programa, é mais fácil reduzir este às proporções autorizadas pelas segundas.
É evidente que predominará então a hegemonia da contabilidade orçamental, mas somente para assegurar a cobertura dos gastos.
Não compreendo a repugnância pela elaboração de um plano de fomento baseado sobre uma boa carta dos solos em que pudessem figurar, na sua conta, peso e medida, as despesas com as soluções projectadas segundo uma visão do conjunto, visão segura depois de ponderada, visão justa depois de discutida.
Não compreendo fomento desarticulado, fomento às prestações isoladas e desconexas. Entendo, sim, fomento em bloco, em medida de projecção escalonada por ordem de prioridades. Nem excesso de contabilismo, nem romantismo, nem demagogia económica.
Em matéria de fomento não é legítimo ter ambições desmedidas, mas é legítimo e necessário ter ambições serias.
Nem a finança se deverá alarmar com o que lhe pedem para pagar, nem a economia se deverá entusiasmar com o que não pode ser pago.
Creio mesmo que só a apresentação de um plano bem concebido poderá descansar os administradores do Tesouro e encorajá-los no financiamento de obras capazes de levantar o nível da nossa existência.
Recordo a prevenção de Anselmo de Andrade:
É sempre grave, na vida económica de um povo, o facto de não bastar o território nacional a fornecer a indispensável alimentação dos seus habitantes.
O conselho de Ezequiel de Campos:
Formular precisamente o que é necessário para a ventura nacional; determinar ti solução prática de cada problema; enquadrá-las todas num plano de acção governativa, a que se marca o tempo de cada escalão das tarefas, e obrigar à sua realização metódica, sem atrasos.
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Estas palavras de Dias Ferreira:
Ao focar o meu objectivo não me tenta a visão de milhões acumulados, mas o ideal mais alto de melhorar a vida de alguns portugueses - poucos malhares que sejam; porque esta é a forma mais nobre de fazer assistência, procurando diminuir a necessidade de a fazer de facto.
A concepção de fomento manifestada por Daniel Barbosa em 1949:
Aumentar os salários, os vencimentos, para o nível necessário era uma solução simplista que não resolvia a questão; maiores encargos para o comércio e para a indústria, maiores necessidades de tributação pelo Estado, tudo se traduziria num novo aumento do custo dia nossa vida, tudo rodando, então, no círculo vicioso de provocar novos agravamentos por se ter querido atender, deste moda, àqueles que já existiam.
A solução tem de ser diferente: uma, solução de fundo, capaz de modificar a nossa própria estrutura económica, criando novas possibilidades de riqueza, por um lado, e maior retribuição a quem trabalha, sem agravamento do custo - antes pelo contrário - daquilo que se produz ou se comercia.
Revejo o programa apresentado pelo engenheiro Araújo Correia para «arrancar o País de insuficiências económicas sérias»; a abdicação do sentimento de auto-superioridade que levou aquele ilustre técnico a desejar que as suas ideias fossem submetidas ao critério de especialistas capazes de determinarem até que ponto são aceitáveis e praticáveis, designadamente
... se o País tem condições que lhe permitam inverter cerca de 1 milhão de contos todos os anos, extraordinariamente, num programa de aumento de riqueza, de modo a poder, no fim de certo tempo, fazer subir o seu rendimento nacional de, pelo menos, 4 milhões de contos;
se isto conduz, na verdade, à preposição segura de um programa económico que pode exigir, para o seu financiamento, menos de 5 por cento do rendimento nacional, computado em 20.000:000 de contos, tudo
... em bases que se enquadrem no progresso científico e técnico dos últimos tempos, com proveito económico máximo, de modo a reduzir o capital necessário e os custos, sem ferir a estabilidade financeira ...
depois de calculado, estudado e apreciado em ambiente superior a certos e antagonismos entre serviços» e «sobreposição de competências» que por vezes têm prejudicado a melhor solução dos nossos problemas económicos.
Tenho presente o discurso proferido nesta Câmara pelo Sr. Deputado Dinis da Fonseca quando se discutiu a execução da Lei n.° 1:914. Foi um discurso vibrante e aliciante. Admirei o seu ardor combativo, a força dos conceitos, a inteligência dos argumentos.
Sinto, compreendo estas palavras de Salazar, ditas na sala da biblioteca da Assembleia Nacional em 12 de Dezembro de 1950:
Ora a impossibilidade de prever em pormenor a evolução dos acontecimentos, a instabilidade e rarefacção dos mercados, o desconhecimento dos encargos que nós próprios teremos de suportar para reforço da nossa defesa ou da defesa comum tiram ao actual momento todos os requisitos de abertura da nova época com que contávamos e dão-lhe, pelo contrário, a fluidez, a imprecisão nevoenta, a insegurança dos tempos provisórios e dos períodos de espera.
Mas Salazar, embora nos prevenisse dessa vez, e mais uma vez, de que teríamos de ser muito severos nos gastos e moderados nas ambições, não rejeitou a ideia de um plano de fomento:
Eis por que mais do que uma lei ambiciosa se me afigura corresponder às circunstâncias actuais um plano modesto de fomento a executar em meia dúzia de anos e ordenado para satisfação de algumas das maiores e mais prementes necessidades do povo português.
E reparo, afinal, que não existem divergências de fundo: as incertezas e as dificuldades do momento, incertezas e dificuldades hoje maiores, é que estão, infelizmente, medindo e julgando a vontade de fomentar a riqueza nacional.
inscrevemos no Orçamento deste ano 500:000 contos para satisfação de compromissos internacionais de ordem militar e será bom se não formos, pela força das circunstâncias, obrigados a aumentar o milhão de contos previstos para 1933 e 1954. Considerando que o orçamento americano para o corrente ano dispõe de 60 por cento das receitas para as forças armadas - 52:359 milhões de dólares -, guardadas mesmo as devidas proporções, temos de convir que a nossa contribuição para a defesa comum é modesta, embora seja a suficiente para nos atrasar a marcha encetada.
Sr. Presidente: devo dizer que conheço a história daquele faraó que há 3:300 anos reuniu a sua comissão de estudos para lhe salvar o palácio, ameaçado pelas cheias do Nilo. A dificuldade não era grande, mas os primeiros técnicos chamaram tantos outros, e os planos parcelares com vista a um plano geral de defesa e aproveitamento das águas foram tão demorados e numerosos, que o rio acabou por levar o palácio, o faraó e os projectos todos.
Não me servem a moral nem o conceito da fábula para condenar a necessidade de um plano de fomento. Quando muito, a fábula serve para ensinar os técnicos a entenderem-se e a despacharem-se mais depressa e melhor.
Conheço também o que se deu no tempo da Regeneração.
O muito ouro da América e da Austrália tinha determinado a abundância da moeda.
Produzir intensamente tornou-se a ideia dominante.
Portugal, pelo génio de Fontes - o Ministro novo e audaz, na expressão de Anselmo de Andrade -, decidiu-se pela economia política dos melhoramentos materiais que reinava na Europa.
Dez anos depois - lê-se no Portugal Económico - a dívida fundada estava em 185:000 contos, que 6:000 de dívida flutuante elevavam a 191:000.
As emissões foram-se sucedendo cada vez mais repetidas e mais volumosas e em 30 de Setembro de 1910 devíamos realmente 2:250 milhões de francos.
O Estado alimentava-se de empréstimos. Desde 1873 a 1889 contraímos vinte empréstimos. Vinte empréstimos em dezassete anos!
Em 1891 chegou a fazer-se dívida «sob pena de morte».
O nome de Portugal passou a figurar no «rol das nações falidas» e a ser apontado «no livro de desonra» do Council of Foreign Boudhoolders.
Em 1902, à falta de melhor garantia para a dívida externa, tivemos de hipotecar os rendimentos alfandegários.
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Conheço, conhecemos todos, porque o País já sofreu essa dolorosa experiência, o que é o romantismo económico, o que é a demagogia económica.
Ninguém aqui deseja voltar à desolação dos déficit permanentes, aos horrores da bancarrota, ao caos de que saímos por força de lima sábia e severa política de administração.
Mas, se devemos invocar o passado para não nos entregarmos a entusiasmos excessivos, também não o devemos recordar para reduzirmos a prática de fomento, que desejamos corresponda ao que as necessidades vitais exijam e os recursos financeiros permitam.
As vezes torna-se necessário dever, para que seja possível progredir.
Tudo está em assegurar a competente capitalização em utilidades públicas que rendam o bastante.
Sem dúvida, uma dívida reprodutiva - observa Anselmo de Andrade -, sendo um encargo presente, pode ser também uma receita futura.
Não vejo, realmente, que o facto de se olhar ao interesse do conjunto, na substância de um plano capaz de abarcar as soluções integrais do nosso caso económico, possa atentar contra a noção de severidade nos gastos e de equilíbrio nas contas.
Também não vejo que a político, prudente dos que não desejam planos de grandes ambições não possa, comportar a transigência com um plano económico de salvação nacional pelo aproveitamento completo dos recursos existentes.
Estabelecer um plano a longo prazo que não passe do plano necessário nem é fechar as portas às realizações a curto prazo nem abrir os diques das notas falsas.
Não creio que estejamos, uns e outros, a falar de pólos opostos. As nossas razões hão-de entender-se para a escolha da tarefa coordenada que melhor conduza o País à satisfação das suas exigências económicas.
Podemos, na verdade, reafirmar o que se diz na moção aprovada por esta Assembleia no encerramento do debate sobre a execução ida Lei n.° 1:914, reconhecendo que se realizou «obra de alto valor»; que se «entrou decididamente na transformação económica da Nação»; que «se criou, pela formação de dirigentes e familiaridade com os processos já experimentados da técnica e da organização do trabalho, o condicionalismo necessário a um mais rápido desenvolvimento económico» - que nem por isso ficamos impedidos de dizer e de acentuar que nem sempre o espírito de colaboração se manifestou entre os que primeiro se preocuparam com a defesa do seu sector.
Foi esta uma das consequências da falta de um conveniente plano de realizações, organizado, por exemplo, como sugeriu Araújo Correia, «por um órgão coordenador encarregado do estudo e planificação do programa económico nacional, constituído por especialistas imparciais, técnicos no assunto, que apresentariam os estudos ao Governo, o qual, se com eles concordasse, os enviaria, por intermédio da Assembleia Nacional, à Câmara Corporativa.
A outra má consequência foi a de se não ter aumentado a riqueza de modo a proporcionar-se ocupação condigna aos excedentes populacionais, facultando-lhes meios de vida permanentes e lucrativos.
Apesar de todos os benefícios conseguidos, que foram muitos, o certo é a que a ideia de fixar e de arrumar gente não informou, como devia, os propósitos animadores da Lei n,° 1:914. Isto mesmo levou Ezequiel de Campos, ao apreciar as realizações do 1.° quinquénio, a afirmar que elas tinham facultado «muito pequena arrumação definitiva de gente fora do Orçamento». É que a defesa de uni plano de conjunto para o fomento da riqueza nacional, com vista a resolver os problemas emergentes dos constantes aumentos populacionais, não se apoia só no critério da visão integral e coordenada das soluções em si, com a consequente seriação das obras pela ordem de urgências; assenta também no princípio de que a própria seriação deverá ser regulada pelo exame das condições de vida em cada região, com o fim cie se dar preferência às menos favorecidas.
Aproveito o tema para maior desenvolvimento.
Deve-se, sem dúvida nenhuma, ao Governo de Salazar, a partir de certa altura, uma maior atenção devotada aos problemas açorianos. Passámos a estar mais presentes no quadro de acção dos Poderes Públicos. A consciência dos dirigentes, despertada pelas nossas justas ansiedades, entendeu por bem ir deferindo muitas das nossas mais instantes pretensões.
Mas não se diga que estas provas de atenção e de carinho se produziram ao mesmo tempo que pelo continente fora se dava início à obra imensa de restauração e mobilização de valores materiais e morais.
Já desta tribuna tive ocasião de dizer que só a partir de 1945 é que começou verdadeiramente a despontar para nós o ressurgimento.
A demora originou prejuízos irremediáveis.
Temos um exemplo no povoamento florestal.
Levámos anos a pedir que se pusesse cobro à devastação das nossas reservas lenhosas, que dia a dia nos conduzia para uma situação cada vez mais alarmante, agravada pelas especiais condições do território «varrido por ventos impetuosos, de relevo bastante acentuado e de solo facilmente erosionável», como se diz no relatório do Plano de Repovoamento elaborado pêlos Serviços Florestais e Aquícolas em 1948.
Corta-se a esmo, sem se atender à idade nem ao estado de desenvolvimento dos povoamentos, e a contínua e desmedida devastação não é compensada pela criação de novo arvoredo.
Esta linguagem precisa e elucidativa, este toque a rebate, ainda é do relatório de 1948.
Mas a situação apresenta-se ruinosa e precária desde há muito.
Em 1911 fez-se um inquérito florestal. Os resultados, com relação à ilha de S. Miguel, foram estes:
Percentagem da área arborizada, 6,2; taxa de arborização, 0ha,04 por habitante.
Em 1933 segundo inquérito. Resultados:
Percentagem de arborização, 6; taxa, 0ha,035 por habitante.
Em 1943 novo inquérito:
Percentagem da área arborizada, 6; taxa de arborização, 0ha,032 por habitante.
Na ilha de Santa Maria a percentagem da área arborizada, que em 1928 era de 1,24, baixou em 1943 para 1, a que correspondem, respectivamente, as taxas de arborização de 0ha,018 e 0ha,012.
Tudo isto é simplesmente desolador quando se considera que a capitação normal é a de 0ha,35 por habitante e quando se pensa que foi preciso chegarmos a 13 de Julho de 1948 para que, com o Decreto-Lei n.° 36:960, que criou a Circunscrição Florestal de Ponta Delgada, se travasse, pelo menos e como medida, de emergência, o bárbaro e inconsciente desbarato da já minguadíssima existência florestal das ilhas de S. Miguel e de Santa Maria e que foi ainda preciso esperarmos pelo dia 22 de Fevereiro de 1951 para que, com o Decreto-Lei n.° 38:178, se dar início à exe-
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dição dos planos complementares do plano de povoamento florestal relativos ao distrito de Ponta Delgada.
Quando levamos anos a lutar por um bem necessário e justo e ele finalmente nos chega, apesar da mágoa que nos moeu durante o tempo em que o bem demorou a ser-nos concedido, o sentimento que flui e cresce dentro de nós, acima de todos os sentimentos, é o da gratidão. Todavia nada impede ou aconselha a que se não tirem do processo seguido na satisfação desse bem as boas lições que se devem tirar.
A Lei n.° 1:971, de 15 de Junho de 1938, que aprovou o plano de povoamento florestal, saiu do plano de reconstituição económica, estabelecido pela Lei n.° 1:914, de 24 de Maio de 1935, e a base n da Lei n.° 1:971 previa o alargamento do plano de povoamento florestal às ilhas adjacentes.
Da demora na solução do problema florestal do distrito de Ponta Delgada não resultou só o prejuízo das sucessivas perdas de riqueza lenhosa e de atraso ca compensação dessas perdas; resultou ainda o tremendo prejuízo da erosão, que empobreceu o solo das duas ilhas de S. Miguel e de Santa Maria.
Temos hoje áreas fortemente devastarias e outras que foram vítimas de assoreamentos desastrosos.
Não, nunca pedimos para as nossas ilhas senão aquilo que é indiscutivelmente necessário e necessariamente justo. O que é preciso é que a teoria da unidade continente e ilhas adjacentes não seja só nana teoria de valor, seja, também e sempre uma realidade viva, efectiva e fecunda.
Até o engenheiro Araújo Correia, nos seus valiosos estudos de planificação económica, não considerou a Madeira nem os Açores, que deveriam, incontestavelmente, fazer parte do seu programa.
Sem esquecer a Madeira, mas querendo agora referir-me só às ilhas dos Açores, direi que essas ilhas constituem uma realidade geográfica, histórica, política, económica e social que convém ter sempre viva na consciência, no carinho e no entusiasmo da Administração Pública.
Este aviso prévio efectua-se quase dois anos depois de ter sido anunciado. É natural que uma ou outra das razões que me determinaram a apresentá-lo tivessem, com o tempo, desaparecido ou sido atenuadas.
No último Verão encontraram-se na minha terra quatro missões técnicas: uma do Subsecretariado de Estado da Agricultura, para estudar as possibilidades económicas do arquipélago; outra dos Ministérios das Obras Públicas e ida Economia, por causa da electrificação completa da ilha de S. Miguel; ainda outra para a execução do plano de repovoamento florestal, e, finalmente, uma quarta missão, a geológica, do Ministério da Economia.
Isto dá nota do cuidado do Governo, mas não contraria as minhas palavras, antes as reforça pela preocupação, tornada agora mais activa, de se acudir a muito e ao mesmo tempo, visando sectores, como o da geologia, que nunca tinham, merecido até aqui, e pelo que respeita aos Açores, qualquer atenção dos Poderes Públicos.
Geogràficamente, os Açores não têm uma posição privilegiada, têm uma situação providencial.
O Atlântico, hoje, não é um mar por onde se passa: é um mar onde se permanece lutando pela segurança de dois continentes; duas vontades abertas ao mesmo sentido de sobrevivência e os Açores no ponto onde as vontades se encontram, e comungam.
Historicamente, não somos um padrão brilhante da era dos Descobrimentos: somos um padrão activo das virtudes da Raça, aumentando o esforço português.
Politicamente, não constituímos uma força de apoio: possuímos uma consciência de acção integrada na consciência nacional.
Econòmicamente, (não preenchemos um quadro de possibilidades: oferecemos um caudal de energias intensamente dispostas a servir o bem-estar comum.
Socialmente, não elevamos a soma de um conjunto de vidas: crescemos na manifestação de um agregado de valores decididamente resolvido a ajudar, cada vez mais, o engrandecimento da Nação.
Quando o Chefe do Estado, o inesquecível marechal Carmona, desembarcou nos Açores, na ilha de S. Miguel, em 26 de Julho de 1941, no meio da profunda emoção patriótica dos primeiros açorianos, que o aclamavam vibrantemente, proferiu estas palavras, que nunca mais se perdem:
E não há português que não saiba, nem estrangeiro que possa desconhecer o entusiasmo patriótico com que as gentes açorianas se mantiveram sempre ao ritmo dos grandes acontecimentos nacionais; nenhum dos mais ligados à independência ou à dignidade da Nação deixou de ter nestas paragens o seu centro de resistência ou decidido apoio.
Aqui é Portugal!
Sim, Portugal com a sua gente, a sua língua, as suas crenças, as suas tradições, com todos os laços que podem afirmar e fortalecer a unidade da Nação.
O Ministro do Interior que acompanhou o Presidente u a República nesta memorável visita secundou as suas bolas e sentidas afirmações, declarando:
Falo-vos com íntima comoção, revendo os valiosos serviços quê em variadíssimas circunstâncias e sob variadíssimas formas nestas terras têm sido prestados ao País através de cinco séculos e desde aquele dia em que o grande navegador Gonçalo Velho a elas aportou com os seus abnegados companheiros.
E o actual Ministro das Obras Públicas, então Subsecretário de Estado, em 4 de Junho de 1946, também na ilha de S. Miguel, não hesitou em afirmar:
Eu sim! Eu é que agradeço à Divina Providência o ter-me proporcionado aqui vir conhecer estas ilhas maravilhosas e o seu povo tão bom, tão generoso e acolhedor, o seu povo tão genuinamente português.
O pensamento do Governo sobre os Açores é este: consciente, firme, indestrutível.
Não morreram ainda nem morrem os ecos dó discurso dito em Agosto de 1946 na cidade de Ponta Delgada pelo então Ministro da Guerra, tenente coronel Santos Costa. Depois de correr demoradamente o arquipélago, de «palmilhar montes e vales», de «ouvir grandes e pequenos» e de dar, com toda a franqueza, a nota de que fazia uma ideia diferente dos Açorianos, a sua confissão é nobre e é sincera:
Em toda a parte o coração de Portugal a pulsar, a alma da Nação a surgir: o mesmo povo bom e sofredor que encontramos no continente; o mesmo espírito de humildade, o mesmo amor à terra, a mesma crença em Deus, as mesmas qualidades e virtudes, os mesmos defeitos e deslizes, o mesmo espírito de heroicidade e aventura, o mesmo desprezo pelo perigo, a mesma fé na eternidade da Pátria, a mesma certeza de que o peso dos séculos nada contra ela poderá.
Confissão nobre, sincera, mas impressionante:
Aqui trouxe os meus filhos. No momento em que iniciam na vida os seus primeiros passos, em que
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o carácter se forma, numa idade em que a lição de factos, bem eloquentes, jamais se varre da memória, aqui os, fiz comparecer para conhecerem a incomparável beleza da vossa paisagem de sonho, o doce murmurar das vossas águas descendo alterosas de quebrada em quebrada, a doçura do vosso olhar, a suave melodia da vossa linguagem falada, a firmeza do vosso carácter, e, sobretudo, e acima de tudo, para aprenderem convosco a ser verdadeiros portugueses.
Salazar disse um dia:
... a ilha de S. Miguel, pelas suas belezas naturais e privilegiada situação geográfica, tem grandes destinos ligados à navegação e ao turismo, necessitando, para beneficiar o seu desenvolvimento, de iniciativas e vigilância especiais.
E, quando o patriarca das índias o entusiasmava n que fosse verificar in loco o portuguesismo e o patriotismo dos Açorianos, Salazar foi mais longe:
Mas eu sei que os Açorianos são da melhor gente que há em Portugal - da melhor gente, da mais sã.
Sr. Presidente: foi no catecismo dos Açores que sorvi esta virtude de ser português até à morte. Por detrás do Promontório Sarro vivia um povo que chegara a não ter mais uma folha de terra para escrever mais uma página de história.
A consciência das forças experimentadas, o sentido das vitórias ganhas, uma agitação de almas na fé de se dilatarem, uma inquietação de energias na ânsia de se multiplicarem, uma espécie de espírito messiânico formado por intuirão estranha ou inspirado por indicação superior, compeliram Portugal para a expansão.
Desembarcados em pequenas terras desconhecidas, em pequenas ilhas que tiveram de desbravar e povoar, sofrendo as fortes agruras da saudade, os duros reveses do tempo, a misteriosa sanha dos vulcões que vomitavam lava, sacudiam o chão e subvertiam gente, não se sabe como esses portugueses dos Açores, mal reunidos ainda em agregado vitorioso, se lançaram, como seus avós do continente, às tarefas de ganhar mundo, e foram navegantes, guerreiros e apóstolos, tão valorosos e esforçados que os seus feitos e virtudes entraram nos anais da Pátria, como faúlhas de glória para o braseiro da glória comum.
Com o remo, a espada e a palavra, mal seguros ainda nas suas ilhas, os Açorianos passaram logo a sustentar Portugal em toda a parte, e quando se consumiram os espaços para descobrir e os inimigos para acutilar, ficou o génio de missionários da cruz e de propagadores da civilização a assinalar-lhes a presença integralmente portuguesa nas paragens mais difíceis e perigosas.
Ainda hoje o patriarca das índias Orientais, os bispos de Meliapor, de Cochim e de Timor e muitos sacerdotes, religiosos e irmãos auxiliares das nossas missões são açorianos.
Que poder é este, que vontade é esta?
Armámos navios e soldados, enviámos exploradores à devassa das sete partidas, servimos nas missões, nos postos mais distantes e arriscados. Temos gente nas ciências, na literatura, nas artes, na política.
Nados e criados a meio da história de uma pátria que persistia em definir-se cada vez mais vasta e gloriosa, sofremos e lutámos por ela, e, se nos alegraram os seus triunfos, nunca a abandonámos nas suas derrotas, antes defendemos até à última a razão do seu nome e a grandeza da sua vida, sempre com o cunho e
os sinais da Baça, e continuamos em tudo e por tudo a ser portugueses.
Um dia fomos o derradeiro e altivo reduto da independência portuguesa.
Forte catecismo.
Razão tinha o poeta ao saudar o Chefe do Estado no dia da sua chegada a S. Miguel em 26 de Julho de 1941:
Encontrareis as mesmas tradições
E aquele mesmo povo que deixastes
No berço lusitano de Camões.
De Portugal a Portugal chegastes:
E andáveis tanto em nossos corações
Que nem sei se viestes, se voltastes!
Em 1886 o governador do distrito da Horta foi à pequenina ilha do Corvo. Não havia lá estradas, nem porto, nem assistência, nem benefícios.
- Qual é a vossa maior aspiração? - perguntou o governador.
- Uma bandeira portuguesa para saudar os navios que passam e dizer-lhes que também o Corvo é Portugal.
Sr. Presidente: os Açorianos são assim, fiéis, leais, abnegados e orgulhosos servidores da Pátria.
Justo é que a Pátria não tenha receios em ajudá-los, correspondendo, sem descanso, ao seu fervor e à sua comoção patrióticos. Quando, ao discutir a Lei de Meios para 1951, estranhei que ao arquipélago dos Açores não tivesse sido dispensado o auxílio Marshall e disse, desta tribuna, que o nosso sentimento nacional não conhecia lapsos no seu ingente esforço de unidade, progresso e ressurgimento, declarei pretender demonstrar em outro momento que, por outras razões, em especial desordem histórica, os Açores tinham todo o direito à confiança do Governo.
As razões são estas; o momento é este.
Pausa.
O Orador: - Sr. Presidente: como, pela extensão do meu trabalho, reconheço a impossibilidade de concluir hoje a sua exposição, peço a V. Ex.ª me permita interrompê-la, para continuar na sessão de amanhã.
O Sr. Presidente: - Atendo a solicitação de V. Ex.ª
Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã é a continuação do aviso prévio do Sr. Dr. Armando Cândido.
Está encerrada a sessão.
O Sr. Deputado Armando Cândido foi muito cumprimentado.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
D. Maria Baptista dos Soutos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Afonso Enrico Ribeiro Oazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
André Francisco Navarro.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Matos Taquenho.
António de Sousa da Câmara.
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Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amo rim.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Cairias de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís (Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel França Vigon.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Salvador Nunes Teixeira.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.° 26/V
Projecto de lei n.° 154
A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 103.° da Constituição acerca do projecto de lei n.° 154, emite, pela sua secção de Justiça, à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pinto Veloso, António Manques Antunes, Lucínio Gonçalves Presa, Luís Quartin Graça, Rafael da Silva Neves Duque e Roberto Guedes, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
A) O problema
A questão; sua origem
1. O projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado José Gualberto de Sá Carneiro integra-se num problema vasto e complexo, com matizes económicos, sociais, jurídicos, que há vantagem em encarar no seu conjunto.
Por isso, antes de entrar na apreciação directa do referido projecto, e em ordem a facilitá-la, far-se-ão várias considerações sobre o problema em si, sua origem e seus dados, suas principais soluções possíveis.
A questão emana de dois fenómenos agrários, intimamente relacionados entre si, a ponto de um poder considerar-se simples aspecto do outro.
Esses dois fenómenos recebem na terminologia dos especialistas as designações consagradas de pulverização e dispersão da propriedade rústica.
A pulverização é a redução dos prédios rústicos a proporções ínfimas, por vezes inverosímeis, abaixo dos limites mínimos que a boa técnica agrícola imperativamente reclama. Desvinculados de peias legais ou iludindo-as, os interessados, movidos não raro por uma interpretação errada da própria conveniência, dividem e subdividem o solo, retalham a terra, e largas extensões transformam-se numa vaga poeira de glebas minúsculas.
O fenómeno intensifica-se ou toma aspecto peculiar quando glebas desse estilo, separadas entre si por distâncias maiores ou menores, pertencem a um só dono. Em dada freguesia ou em dado concelho a mesma pessoa tem diminutas parcelas de terra, entre as quais se interpõem outros proprietários, e que muitas vezes formam uma unidade económica, afectas à mesma exploração agrícola. A unidade jurídica e a unidade económica, a reunião na titularidade do mesmo indivíduo e a sujeição a uma exploração agrícola homogénea, não encontram expressão geográfica, e o que ali é continuidade é descontinuidade aqui. Eis a propriedade dispersa.
Como se vê, a propriedade dispersa (na forma que interessa aqui, respeitante a glebas minúsculas) não
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constitui mais do que uma faceta da propriedade pulverizada. É o resultado da pulverização quando os fragmentos em que o solo se divide pertencem ao mesmo dono, espalhados geograficamente, mas concentrados economicamente na unidade da mesma empresa agrícola.
Embora, pois, o segundo fenómeno se possa reconduzir ao (primeiro, de que é simples variante, há vantagem em distingui-los. A dispersão da propriedade reclama e admite remédios específicos, diferentes dos genéricos, comuns a todas as formas de pulverização ou fragmentação.
Intensidade da dispersão e pulverização da propriedade em certas regiões do País
2. É sabido que o facto da excessiva divisão da propriedade rural está muito generalizado nalgumas regiões do nosso país, constituindo porventura a condição preponderante em vastas zonas nortenhas.
Norte e Sul, a par de outros contrastes geográficos e demográficos, oferecem também este. O predomínio da pequena propriedade além, cede o lugar à primazia da grande propriedade aqui. Reduzidas parcelas, em geral circundadas de ronques de árvores ou muros, contrastam com a imensa vastidão dos campos de trigo e de outras culturas de sequeiro e com as terras de pousio, quando se transita das regiões setentrionais para as do Meio-Dia, como faces que parecem irredutíveis de uni território cuja população logra, apesar de tudo, intensa unidade por cima da variedade.
Os dados estatísticos (acolhidos com a devida reserva, pela sua inevitável imprecisão) confirmam, ao que parece, este estado de coisas e acusam o progresso da fragmentação do solo português nos distritos de pequena propriedade, em contraposição com a situação relativamente estável nos de grande propriedade.
O número de prédios rústicos inscritos na matriz aumentou ma considerável quantidade de 5.812:125 durante o período de algumas dezenas de anos - de 1877 a 1950; e o aumento verificou-se sobretudo nos distritos situados a norte do Tejo. Assim o mostra o quadro seguinte, elaborado com elementos extraídos do primeiro e último volumes que existem publicados do Anuário Estatístico das Contribuições.
[Ver Tabela na Imagem]
Como se vê, o número de prédios rústicos que figuram nas matrizes do continente e ilhas adjacentes subiu para mais do dobro no período considerado, elevando-se em perto de 6 milhões. O facto será de atribuir em grande parte à integração nas matrizes de prédios antes omissos e ainda, porventura, à deficiência de elementos estatísticos; mas, atenta a sua extensão, também decorre, muito provavelmente, do progresso da divisão fundiária.
O aumento verificou-se no Norte em escala muitíssimo mais larga do que no Sul. Assim, e a título exemplificativo: em Bragança os prédios rústicos inscritos passaram de 367:016 a 1.110:480; em Évora, de 29:992 a 43:055. Além o aumento foi de 743:464 - mais de 200 por cento; aqui foi de 13:063 - menos de 50 por cento.
Se entrarmos agora em linha de conta com a superfície de cada distrito e o número dos respectivos prédios rústicos inscritos e seus proprietários, obteremos o seguinte quadro, que nos dá uma ideia aproximada da forma de repartição da propriedade rústica:
[Ver Tabela na Imagem]
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Em Évora cada proprietário tem, em média, 22,8 hectares, distribuídos por 1,3 prédios. Em Bragança esses números são, respectivamente, 5,9 e 10. Quer dizer: aqui, aproximadamente, para perfazer uma área quatro Tezes mais pequena torna-se preciso um número de prédios oito vezes superior. A superfície média de cada prédio no primeiro desses distrito», expressa em hectares, é de 17,1; no segundo é de 0,5; em Viana do Castelo e em Coimbra é de 0,2.
Os confrontos são sintomáticos 1.
Já em 1887 Oliveira Martins no seu conhecido projecto de fomento rural traçava, a título de exemplo, o seguinte quadro de fragmentação da propriedade numa veiga da freguesia de Moreira de Bei, no concelho de fafe. «A veiga está dividida em leiras ou fitas paralelas que paralelamente se vão subdividindo em tantas leiras quantos são os herdeiros de uma sucessão. A divisão fez-se por muito tempo seguindo a direcção longitudinal, mas como esta chegou já ao extremo limite, hoje partem-se as leiras ao sentido transversal. Agora as dimensões de cada leira, ou de cada propriedade, regulam entre o máximo de 5 metros e o mínimo de 0m,80 para a largura e 100 e 10 metros para o comprimento»2.
Outros exemplos curiosos da divisão do solo e de árvores, colhidos na literatura da especialidade: um castanheiro pertencia a trinta e duas pessoas; faleceu uma delas e a sua parte foi subdividida por nada menos que seis herdeiros. Em certa zona hortícola da freguesia de Alvite, concelho de Viseu, existem ou existiam há alguns anos cinquenta e dois prédios em 711 metros quadrados, o que significa uma área média de 14 metros quadrados por prédio 3.
Na vizinha Espanha ficou legendário um prédio de l metro quadrado com três proprietários: um, do solo, outro de uma árvore lá existente e outro de um censo que onerava os primeiros.
Causas da excessiva divisão do solo
a) Causas geográficas
3. O fenómeno descrito do fraccionamento rural nas regiões minhota, trasmontana, beirã e estremenha tem causas múltiplas, que se podem reduzir a três categorias fundamentais - de ordem geográfica, histórica, legal. Convém conhecê-las, para melhor diagnóstico do problema e busca mais acertada das soluções, na medida em que estas podem depender da acção do legislador.
As condições mesológicas parece terem influência inegável no modo de repartição da propriedade.
A conhecida diversidade orográfica e climatérica entre Norte e Sul corresponde, até certo ponto, a variedade no revestimento vegetal, na configuração da paisagem, no modo de distribuição das populações.
O Alentejo, com as suas vastas planícies e a carência de água, propende à formação das herdades, divididas em folhas, umas agricultadas e as outras em pousio. O sobreiro e a azinheira, de folha perene, as extensas searas de trigo, de centeio, etc., casam-se bem com a secura e o ardor de demorados estios. A exploração, do tipo extensivo (embora já hoje vão aparecendo notáveis exemplos de intensificação cultural), não incita por via de regra à divisão da propriedade nem requer densidade na população, que não se fixa onde não tem água e, sendo rara, não força ao retalhamento do solo.
As gentes aglomeram-se, de longe a longe, nos povoados e nos o montes», que mal interrompem a solidão da planície.
No Norte, com exclusão de parte de Trás-os-Montes, a abundância de água torna intensiva a cultura, adensa a população, que procura na emigração uma fuga para o excesso, e dessas duas circunstâncias conjugadas - a possibilidade - de melhor aproveitamento do solo e a condensação demográfica - resulta o fraccionamento da terra, onde predomina o milho regado, a par do pinheiro bravo, do carvalho e do castanheiro 1. No Minho e nos vales do Paiva e do Vouga, como reflexo da disseminação da propriedade, verifica-se a disseminação populacional, e quase não se formam aldeias, mas simples lugarejos, espalhadas pêlos campos as casas de habitação.
Eis como o condicionalismo mesológico comanda, dentro de certos limites, a repartição do solo português e por imperativos de ordem natural favorece, ora a concentração da propriedade, ora a divisão da terra, por vezes em fragmentos de liliputianas proporções 2.
Passemos agora à consideração das circunstâncias de índole histórica.
b) Causas históricas
4. Os factores geográficos anteriormente lembrados actuaram no transcurso dos séculos sobre a vontade dos homens e, na medida em que não foram contrariados pela legislação, lançaram os fundamentos dos dois tipos de propriedade, na metade setentrional e na metade meridional do território. Acumulou-se através das gerações uma densa sedimentação histórica, que traduziu e corroborou nos factos humanos o sistema determinado ou favorecido pela natureza das coisas.
Já anteriormente à fundação do reino, na região compreendida entre Minho e Mondego, vivia sedentàriamente numerosa população agrícola, sem embargo das vicissitudes e perturbações originadas pelo movimento da Reconquista. Irregularmente distribuídas, encontravam-se aí aldeias, granjas, casais, terras lavradas. A propriedade acusava elevado grau de fraccionamento.
Assim o testemunham os muitos actos de transmissão respeitantes a prédios situados na região aludida, cujos documentos vieram até nós: actos de meros particulares, dos séculos X e XI, como vendas, doações, testamentos, e, já desde o século, IX, doações régias- e, em geral, actos relativos a pessoas ou corporações eclesiásticas.
Por aí se vê que os prédios rústicos não tinham geralmente grande superfície, que muitos deles pertenciam a um só indivíduo ou a uma só corporação e que era numerosa a classe dos proprietários. A reunião de múltiplas vilas na mão da mesma pessoa convence de que os prédios assim denominados não podiam ser de proporções avantajadas. E os Portugaliae Monumenta Histórica (Diplomata et Chartae) dão-nos a conhecer de modo directo, em muitos documentos, a existência de pequenos tractos de terras, inferiores em extensão às vilas e que se chamavam láreas.
Enfim, a propriedade estava já então fragmentada e disseminada nos territórios que correspondem hoje ao Minho, Trás-os-Montes e Beiras 3.
1 Não fornecemos elementos estatísticos com base no cadastro geométrico relativamente aos concelhos onde este já existe, por gases elementos ainda não se encontrarem organizados.
2 Projecto de Fomento Rural, p. 60.
3 Prof. Lima Bastos, «A Propriedade Rústica», nos Anais do Instituto Superior de Agronomia vol. XII, fase. 1.°, p. 43.
1 Acentue-se no entanto que a pequena cultura pode coexistir, e coexiste muitas vezes, com a grande propriedade.
2 Prof. Amorim Girão, Atlas de Portugal, quadro XV.
3 Gama Barros, História da Administração Pública, 2.ª ed. tomo IV, pp. 32 e segs.; Anselmo de Andrade, Portugal Económico 2.ª ed., tomo I, pp. 59 e 60; Alberto Sampaio, As Vilas do Norte de Portugal.
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Fundada a Monarquia, os nossos primeiros reis, seguidos no exemplo pêlos senhores, lançaram as bases da organização étnica portuguesa através de um notável esforço de povoamento ou colonização, cujos efeitos perduraram. Doando ou concedendo colectivamente terras, tanto a naturais- como a forasteiros, fixavam ao solo núcleos de população, muitos dos quais ulteriormente adquiriam existência política, como municípios, pela outorga de forais. Esta a origem de numerosas povoações e concelhos.
Os sistemas de colonização variavam com as regiões e essa diversidade, fruto da variedade geográfica, consolidou uma repartição natural de gentes e terras, imposta por esta. No Minho os terrenos eram divididos em casais, que se distribuíam por grupos de dez, vinte e trinta povoadores, com obrigação para cada casal, a que correspondia certa porção de bravio, de pagar uma pensão em cereais, galinhas ou dinheiro; morto o possuidor, todos os terrenos lavrados entravam em partilha. Ao sul do Tejo, pelo contrário, tinham predomínio as grandes doações ou concessões.
Assim nos aparece o contraste entre a divisão e a concentração fundiária, com população avultada além, diminuta aqui 1.
Este estado de coisas manteve-se sem grande alteração, e por isso já no século XVI se queixava Severim de Faria de que os homens não tinham terras para cultivar, porque as províncias de Entre-Douro e Minho estavam, muito povoadas, não havendo nelas lugar para se fundar, mais povos, e estava, por outro lado, o Alentejo dividido em herdades de tal grandeza que se não podiam povoar ai em cultivar 2.
e) Causas legais. Sua evolução; estado actual
5. O movimento da legislação ora tem favorecido ora tem contrariado a decomposição da propriedade rural, onde esta decomposição representa uma tendência do meio geográfico. O legislador é impotente para se sobrepor à Natureza, mas impera na vontade (humana e pode nela fortalecer os reflexos do condicionalismo físico ou subtraída, por um sistema de prudentes proibições ou limitações, no jugo desse condicionalismo, quando tido por nefasto.
Pôr isso os estados legislativos que têm consentido entre nós a excessiva divisão do solo são também um factor a considerar, não como sua causa directamente determinante, mas como pressuposto que a possibilita. As providências legais permissivas do fraccionamento da terra não o originam por si no Alentejo, onde a Natureza não propende a aceitá-lo de modo espontâneo. Mas no Norte do País, que conhece a tendência oposta, aquelas providências dão-lhe largas e consentem que ela se desenvolva com liberdade até consequências extremas.
Já vimos que o reino, ao fundar-se, encontrou bastante parceladas as terras de- cultivo. Imprescindivelmente na base deste fenómeno está um factor jurídico: a faculdade de divisão, amplamente consentida pelo Código Visigótico, por que ao tempo se regiam os hispano-godos. Como escreve Gama Barros: «Não existindo ainda nas leis gerais, que eram então as do Código Visigótico, o direito de avoenga, conquanto já talvez introduzido nalguns costumes locais (...); e sendo de tempos mais (modernos as restrições impostas nas doações régias ao direito de sucessão, bastavam as partilhas das heranças para se produzir necessariamente a divisão da propriedade; e só era no domínio das corporações eclesiásticas que, em regra, se iam amortizando os bens de raiz, que por qualquer título entraram no seu património»1.
Entretanto, porém, o quadro social e jurídico foi-se alterando. A instabilidade da Reconquista deu à família um forte impulso de coesão. O movimento libertador lançado dos penhascos das Astúrias durou séculos de combate, em que aos avanços cristãos se sucediam as incursões muçulmanas, deixando atrás de si um rasto de destruição e miséria. A presença do inimigo era uma ameaça constante e a perturbação subia de ponto com as rivalidades de príncipes neogodos, traduzidas em lutas partidárias.
Neste ambiente de insegurança geral os indivíduos sentiam-se mais solidários e carecidos de buscar amparo para tantos perigos no auxílio recíproco, na união dentro dos agregados sociais em que mais perto estavam uns dos outros. Assim se fortaleceram os vínculos familiares. A família tornou-se um corpo dotado de maior homogeneidade e solidez.
Por outro lado, acentuou-se a primazia económica da terra. Os bens móveis eram precários, sujeitos ao poder de destruição ou à cobiça do inimigo. Nas suas investidas as hostes agarenas semeavam o extermínio a ferro e a fogo, arrasavam e saqueavam, anãs a todas aã devastações sobrevivia incólume a terra, como fonte perene de riqueza, sempre pronta a ser fecundada e a desentranhar-se generosamente em novos frutos.
Destas duas circunstâncias reunidas, o revigoramento da célula familiar e a valorização dia fortuna imobiliária, traduzida sobretudo na terra, proveio, pela evolução espontânea dos costumes, um conjunto de importantes providências jurídicas de protecção da referida fortuna dentro da família. O Direito tomou sob a sua carinhosa tutela a propriedade imobiliária, votada a uma destinação familiar, como sólido esteio patrimonial desse agregado.
Tais providências assentavam todas na distinção entre bens de avoenga e bens de ganatura ou compradela e rodeavam os (primeiros de uma rede de cautelosas limitações, tendentes a evitar a sua saída do seio da família, a que tradicionalmente pertenciam e de que eram fundamento e amparo económico. Os bens de avoenga correspondiam aos próprios de que falam as fontes francesas, os outros aos adquiridos. Estavam na primeira condição os imobiliários de procedência familiar, herdados dos antepassados; todos os mais, de diversa proveniência, diziam-se de ganatura ou ganha-dia e entravam no comércio jurídico normal.
O sistema protector do património da família, representado nos bens de avoenga ou (parentela, veio a diversificar-se e definir-se em três instituições jurídicas principais - retracto familiar, reserva hereditária e direito de troncalidade.
O retracto familiar, ou direito de avoenga, como costumava ser designado no antigo Direito português, numa expressão excessivamente genérica, era um direito de preferência: a faculdade reconhecida aos parentes, do lado de proveniência dos bens próprios, de preferirem a estranhos na aquisição a título oneroso desses bens. O direito de avoenga, na sua forma plena, afirma-se tão-sòmente no século XIII, como coroamento de uma evolução vinda de trás e que atravessou fases sucessivas, entre elas a da autorização dos parentes e a da oferta prévia. Uma lei de D. Afonso II reconhece aos parentes direito de preferência quando «alguum quizer uender ou apenhorar sas próprias posisões que lhi acae-
1 Dantas Pereira, «Nota sobre a Legislação e Cultura de El-Rei D. Dinis», nas Memórias da Academia; Oliveira Martins, Projecto de Fomento Rural, pp. 27 e segs.; Anselmo de Andrade, Portugal Económico, tomo I, pp. 63 e 64.
2 Notícias de Portugal, tomo I, p. 18.
1 História da Administração Pública, 2.ª ed., tomo IV, pp. 34 e 35.
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cessem da parte de ssa avoenga». Semelhantemente diz-se numa lei de D. Afonso III que «todo homem ou molher pode demandar e auer todo herdamento ou casa ou vinha ou outra cousa de tanto por tanto titolo que seia de asa auoenga».
A reserva hereditária também se formou em resultado de uma evolução lenta, como forma específica de sucessão forçada, que pressupunha a distinção entre bens próprios e adquiridos e só atingia os primeiros ou os afectava em anais larga medida do que aos segurados. A variedade que se nota a este respeito nas compilações do Direito consuetudinário local é muito grande. Ou se estabelecia uma reserva total dos bens de avoenga, imperativamente destinados aos parentes do respectivo ramo familiar, e uma absoluta liberdade de disposição dos bens de compradela; ou se sujeitavam ambas as espécies a reserva parcial, maior-contudo para os próprios o que para os adquiridos. Uma das modalidades mais características, ainda plena de vitalidade em fins do século XIII, foi a que prevaleceu no Norte, com duas quotas disponíveis, um quinto para os bens de avoenga, um terço para os de ganhadia.
O sistema era completado pelo direito de troncalidade, regra de sucessão legítima que, na ausência de herdeiros reservatórios ou para além dos limites do seu direito, deferia os bens próprios aos parentes da linha donde eles procediam. Paterna paternis, materna maternis.
Este conjunto de leis ou costumes, inspirados na defesa económica da família, atenuava até certo pomto os efeitos do natural pendor das populações nortenhas para a fragmentação do solo. Os bens próprios, entre os quais avultava a terra, não saíam da família ou dificilmente passavam à posse de estranho, graças ao direito de avoenga. Conservados no âmbito familiar, à morte do seu proprietário não se dividiam uniformemenite por todos os herdeiros, mas revertiam apenas para os parentes da linha donde eram oriundos, ou forçadamente, por efeito da reserva hereditária, ou no silêncio do testaidor quaníto à quota disponível, mercê do direito de troncalidade.
Cada um dos bens de avoenga, limitado a parentes ou do lado paterno ou do lado materno, tinha assim menor número de sucessores que os adquiridos: o que não compelia aos mesmos extremos a sua divisão.
A partir do século XIII, porém, deu-se um facto que, aliado às novas condições políticas e sociais trazidas pela cessação da luta com o infiel, determinou o sucessivo e gradual desaparecimento deste sistema jurídico de protecção do património da família. Referimo-nos à penetração do Direito Romano, cujo estudo, na sua forma justinianeia, se restaurara lá fora. O Direito Romano, vazado em moldes individualistas, hostilizou estas formas nascidas sob a inspiração de um pensamento espontâneo de defesa superior e institucional da molécula familiar. Uma a uma, semelhantes instituições e outras análogas caíram ao sopro individualizador e nivelador da legislação herdada de Roma.
De todas as regras atrás referidas a primeira a soçobrar foi a da sucessão troncal: na legislação geral mais antiga (século XIII) já se não encontra vestígio de se transmitir a sucessão de raiz a raiz. Depois começou a entrar em esquecimento a reserva hereditária, totalmente abolida no século XIV em prol da doutrina romanista da sucessão legitimaria, com expressão definitiva e completa nas Ordenações.
Mais resistente, o direito de avoenga sobreviveu à codificação afonsina, que não ousou suprimi-lo: revogando embora a lei de D. Afonso II (IV, 37, 2), conservou a de D. Afonso III, «porque fomos certamente enformado, que assy foy sempre em estes Regnos guardada, e usada» (IV, 38, 13).
Mas a vida deste último instituto não foi muito mais longa e, setenta anos volvidos, ao serem promulgadas as Ordenações Manuelinas, ele desapareceu definitivamente da face do Direito português (IV, 25).
Criou-se assim um ambiente jurídico individualista, fermento favorável à divisão da propriedade 1.
Esse efeito, contudo, foi de algum modo compensado ou contrabalançado pela generalização doa morgados ou vínculos. Estes eram fideicomissos perpétuos, destinados a conservar indefinidamente os bens dentro da família, ao longo das gerações. A sua origem não está, contra o que já se tem pretendido, no direito de avoenga, mas a sua função representa um sucedâneo histórico da armadura protectora do património avoengo, rota no embate com as doutrinas adversas do Direito justianianeu. Tal Direito veio trazer uma faculdade ampla de disposição dos bens, mas muitos proprietários aproveitaram esse poder, em si individualista, para o porem ao serviço de uma preocupação institucional de defesa económica familiar, instituindo vínculos, em geral pelas forças da quota disponível.
A propriedade vinculada, que depois de se tornar conhecida entre nós no século xin não mais deixou de progredir, tinha como carácter essencial a sucessão perpétua dentro da família, a que se juntavam normalmente, mas não necessariamente, o direito de primogenitura e a preferência da linha masculina.
Os morgados não eram privativos das famílias nobres; famílias plebeias também os utilizavam. No entanto, foram sobretudo as primeiras que lhes deram incremento, como garantia económica do seu lustre e perpetuação pêlos séculos fora.
A perpetuidade pressupunha a inalienabilidade e a indivisibilidade, aliás inerentes aos fideicomissos em geral. Essa segunda característica era um obstáculo ao fraccionamento da propriedade vinculada.
Não quer isto dizer que todos os morgados fossem latifúndios. Longe disso. As instituições vinculares não imprimiram propriamente uma fisionomia especial às vastas propriedades alentejanas, que sem elas existiriam quase do mesmo modo; e, em contrapartida, compadeciam-se com os casais ou pequenos campos minhotos, em que tanto se generalizaram.
O regime dos vínculos era, pois, perfeitamente compatível com a pequena propriedade: e onde ela já existia manteve-a e aplicou-se-lhe, como não podia deixar de ser. Mas teve o mérito de impedir que ela se fragmentasse mais, subtraiu-a ao movimento progressivo de parcelamento a que continuaram abandonadas as outras terras.
As Ordenações Afonsinas ainda não aludiam aos morgados; as Manuelinas apenas se lhes referiam em dois parágrafos (II, 35, 48 e 49). Foi só com D. Sebastião que apareceu a primeira regulamentação jurídica da matéria, expressa nas Leis de 15 de Setembro de 1557, depois incorporadas no código filipino (IV, 100) juntamente com outras disposições, pela maior parte extraídas de leis castelhanas.
O combate à propriedade vinculada integrava-se na política pombalina, e por isso o Marquês, sem ainda lhe pôr fim, rodeou-a de uma legislação fortemente restritiva. A Lei de 9 de Setembro de 1769 começou por proibir a instituição dos vínculos denominados «capelas». Na esteira deste precedente, a Lei de 3 de Agosto do ano seguinte lançou reforma radical, abolindo muitos vínculos de pretérito e sujeitando de futuro os morgados a confirmação régia. A legislação subsequente,
1 Prof. Paulo Mereia, «Organização Social e Administração Pública», na História de Portugal, de Barcelos, vol. n, p. 458; Prof. Cabral de Moncada. A Reserva Hereditária no Direito Peninsular e Português} Prof. Braga da Cruz, O Direito de Troncalidade.
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animada cada vez mais ido espírito liberal, prosseguiu na hostilidade aos vínculos, finalmente extintos em definitivo peias Leis de 30 de Julho de 1860 e de 19 de Maio de 1863 1.
A par dessas leis, outras vieram concorrer para o progresso do fraccionamento do solo. As de desamortização forçaram à divisão de domínios antes concentrados na mão de pessoas morais perpétuas. A Reforma Judiciária, como depois dela o Código Civil, ordenou que na partilha judicial os lotes se compusessem, quanto impossível, de bens do mesmo género ou da mesma espécie. Além disso o Código, mandando registar o encargo enfitêutico, levou muitos senhorios directos, em caso de prédios diminutos, a preferirem vender o seu direito aos foreiros, e daí a consolidação jurídica da propriedade, com a consequente divisibilidade dos prédios. A tudo isto acresceu a Lei de 18 de Maio de 1880, que sujeitou u contribuição de registo por título oneroso as tornas devidas em consequência de partilha, na parte referente a imobiliários: a incidência dessa contribuição leva muitas vezes a preferir o fraccionamento de um prédio que doutro modo se encabeçaria num só herdeiro, com pagamento de tornas.
Abolidos os vínculos, a propriedade deixou de ter defesas legais contra a excessiva divisão, sempre que não se apresentasse sob a forma de prazos ou fideicomissos, uns e outros indivisíveis, mas os segundos muito limitados e agora forçosamente temporários.
Os interessados, nas regiões nortenhas, utilizam com largueza essa liberdade legal e nas partilhas de heranças pulverizam o solo. Mesmo que pudessem manter indivisos os prédios herdados, pela sua distribuição entro os vários quinhões, muitas vezes não o fazem, pois cada um. quer unia parte em cada um dos prédios, no receio de ser prejudicado por uma partilha não inteiramente igualitária.
Nos último tempos alguma coisa se tem feito, mas ainda não o suficiente, em reacção a esse estado legislativo: do que adiante se falará.
Vantagens da pequena propriedade
6. A pequena propriedade tem vantagens incontestáveis, assim de ordem social como de carácter económico. Longe de combatê-la, devem os Poderes Públicos fomentá-la.
Ela aumenta a classe dos proprietários. Só por seu intermédio podem muitos satisfazer a legítima ambição de terra, sonho maior das gentes rurais.
E é um enorme bem que o número de proprietários seja, quanto possível, grande.
Daí resultará, em primeiro lugar, maior equidade na distribuição da riqueza, sem contrastes tão fundos entre ricos e pobres.
Além disso, o solo tornar-se-á mais produtivo. Quem trabalha terra própria põe no seu amanho maior amor e diligência. Não a causa, numa exploração antieconómica, como tantas vezes faz o rendeiro, porque ela é sua. Mas, com prudência e esmero, esforça-se por a valorizar através de benfeitorias e por, sem excessos, a fazer produzir o máximo. As colheitas tornam-se miais abundantes o maior a riqueza da Nação.
Daqui uma última vantagem, que é o afrouxamento da corrente emigratória e da fuga para as cidades.
Aquele que encontra na terra independência económica, sua e dos seus, e que dela tira não só alimento, senão também um certo bem-estar, não se sente tão facilmente tentado a trocar essa estabilidade e paz pela aventura da cidade ou de países distantes.
Eis por que dizemos que o legislador deve rodear de simpatia e estímulos o fomento da pequena propriedade 1.
Inconvenientes da pequeníssima propriedade
7. Se a pequena propriedade tem vantagens, a pequeníssima tem inconvenientes que as sobrelevam. Economicamente é um mal o retalhamento do solo em glebas minúsculas e a sua disseminação.
A pulverização dos prédios rústicos faz destes um emaranhado caprichoso, um labirinto, em que eles se interpenetram segundo formas irregulares e extremamente variáveis.
A multiplicação dos prédios para além do razoável obriga a perda considerável de terreno, subtraído à agricultura em vedações. Muros, sebes, valas cobrem superfície improdutiva, tanto maior quanto mais numerosos os prédios e mais tortuosa a sua linha de demarcação. Supondo um muro divisório de 0m,5 de espessura, distribuído em partes iguais pêlos dois terrenos vizinhos, ele ocupará, aproximadamente, 20 por cento da área de cada um dos terrenos, se esta for de 25 metros quadrados, 10 por cento se for de 100 metros quadrados, 2 por cento se tiver 2:500 metros quadrados. A percentagem de espaço perdido sobe à medida que decresce a área do prédio e representa qualquer coisa de substancial nos mais diminutos.
Aos muitíssimos hectares desperdiçados em vedações somam-se os absorvidos pêlos caminhos, cuja rede é tanto mais extensa e complicada quanto maior for a fragmentação da propriedade.
Segundo elementos fornecidos pelo Prof. Lima, Bastos, em escrito de 1941, a freguesia de Vale da Madre, no concelho de Mogadouro e distrito de Bragança, tem 27ha,985 de vedação e serventias e 34ha,312 de vias públicas de comunicação - números altíssimos, resultado da estrema divisão fundiária. Em contrapartida, no concelho e distrito de Beja, a freguesia de Cabeça Gorda, com uma área agrícola sete vezes superior, apenas atinge respectivamente 4ha,850 e 50ha,563. Quer dizer: aqui, num espaço sete vezes maior, as vedações e serventias ocupam uma superfície 5,7 vezes mais pequena e as vias de comunicação uma superfície apenas 1,4 vezes mais extensa 3.
A exiguidade dos terrenos impossibilita ou dificulta a execução de trabalhos de irrigação e drenagem, bem como o emprego de máquinas agrícolas, e estes inconvenientes económicos vêm somar-se à improdutividade do solo roubado à agricultura.
Mas os males sobem de ponto quando da divisão resulta encravamento de prédios - situação que se multiplica com os extremos a que a divisão é levada. O prédio encravado, sem comunicação directa com as vias públicas, é como uma ilha, cujo acesso sujeita os prédios vizinhos a um ónus gravoso - a servidão de trânsito ou passagem.
O prédio encravado desvaloriza-se, pela dificuldade do acesso, que raramente será tão cómodo como o da via pública, e pela necessidade de devassamento de terrenos alheios, que se a alguns agrada, desagrada a outros. Os terrenos servientes desvalorizam-se também, sujeitos a esse devassamento constante, e algumas vezes de exploração mais difícil pelo alongamento do per-
1 Prof. Paulo Mereia, «Organização Social e Administração Pública», na História de Portugal, de Barcelos, vol. n, pp. 458 e 460; Prof. Cabral de Moncada, A Reserva Hereditária no Direito Peninsular e Português, vol. II, cap. III; Gama Barros, História da Administração Pública, 2.ª ed., tomo VIII, pp. 221 e segs.; Herculano, Opúsculos, vol. IV; Coelho da Rocha, Instituições do Direito Civil Português, 6.ª ed., tomo II, pp. 390 e segs., e nota a pp. 700 e segs.: Xavier Cordeiro, O Problema da Vinculação.
1 Rerum Novarum, II-B.
2 «Propriedade Rústica», nos Anais do Instituto Superior de Agronomia, vol. XII, fase. 1.°, p. 45.
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curso, se é necessário rodear o terreno encravado: prejuízos dificilmente compensados pela indemnização que a lei manda pagar em caso de servidão a constituir judicialmente.
Os donos de pequenos retalhos encravados, que frequentemente se sucedem contínuos, cada um serviente do seguinte e dominante do anterior, vêem, não raro, cerceada a sua iniciativa, agrícola. Não fazem a cultura que mais conviria, mas a imposta por vizinhos rotineiros, ou têm todos de se sujeitar à execução concertada e simultânea de idênticas operações. Assim sucederá quando a liberdade de movimentos de uns fosse afectar os outros, porque, por exemplo, este queria colher antes daquele, e isso forçava o primeiro a atravessar com carro e material o campo semeado do segundo, prejudicando-o pela estreiteza da serventia. Refere a este propósito o engenheiro agrónomo Castro Caldas 1 que na freguesia de Lindoso ainda se observa uma disposição, editada em 1850 pela Câmara Municipal de, Ponte da Barca, cominando a imposição de multas aos que «não sementarem ou ceifarem o centeio nas propriedades tapadas em comum, no dia em que a maior parte dos compossuidores concordarem».
Os inconvenientes não são apenas de ordem económica, situam-se também no domínio social. A interpenetração de prédios minúsculos, com a proximidade da vizinhança e as dificuldades de demarcações, e sobretudo o encravamento, com a servidão que impõe aos terrenos contíguos, criam amiúde um estado tenso de espírito que deflagra em desavenças, senão mesmo em rixas ou em litígios judiciais. O adquirente de uma diminuta gleba, por partilha ou a outro título, experimenta a legítima satisfação da posse, mas quantas vezes essa satisfação não torna mais amargo o desgosto da perda se a insuficiência económica da gleba força a vendê-la ou a abandoná-la à usura e a trocar a condição ilusória de proprietário pela única de proletário rural ou citadino ou pela de emigrado.
Todos os males assinalados, à excepção deste último, são comuns à propriedade dispersa, como unidade económica repartida geogràficamente por diferentes parcelas de diminutas proporções. Aí, como no caso de prédios encravados, o prejuízo material, além de afectar á economia da Nação, agrava directamente o proprietário, que, sem aumento da superfície total, teria na sua mão um valor muito mais importante se todos os pequenos fragmentos, disseminados estivessem reunidos numa propriedade contínua.
A propriedade dispersa tem ainda um inconveniente específico, determinado pela necessidade de conduzir uma exploração agrícola unitária sobre glebas separadas. As que mais longe ficam do centro de exploração ressentem-se não raro da distância e as caminhadas que há a vencer entre elas originam consideráveis perdas de tempo, fatigam pessoal e gado, dificultam a utilização das alfaias, forçadas a frequentes deslocações.
Experiências realizadas em França no ano de 1921 levaram a conclusões como a seguinte: feita a cultura de trigo, depois de um período de pousio, numa gleba de 1 hectare, em três glebas com um terço desta área, distanciadas de 500 metros, e em seis glebas com um sexto da mesma superfície, distanciadas de 300 metros, a dita cultura importou em 375 francos no primeiro caso, 473 no segundo e 639 no terceiro 2.
Tudo isto força a considerar o problema e a buscar-lhe, prudentemente, as soluções adequadas.
Mas a questão tem ainda outro dado, de natureza anais filosófica, que igualmente não pode ser esquecido: o fundamento e a função da propriedade privada.
Digamos também algumas palavras a, osso respeito.
A propriedade privada como instituição de Direito Natural O lado individual e o lado social dessa instituição
8. A propriedade privada obedece ao instinto de apropriação que todos nós temos; realiza-o e disciplina-o. Além disso representa, de modo directo ou indirecto, o fruto do trabalho, a condensação material de esforços e canseiras.
A terra produz o necessário à vida, anãs sem o cultivo e os cuidados dos homens não poderia fornece-lo. Braços humanos desbravaram-na e, de estéril, tornaram-na frutuosa. Esses foram os primeiros a adquirir direito à propriedade, como paga do suor com que regaram e fecundaram o solo.
Mesmo depois de repartida a terra, no trabalho se funda a propriedade, porque com ele se alcançam, os meios de vida, que se empregam na aquisição de bens de consumo e, quanto ao excesso, se o houver, na aquisição de bens produtivos, fonte de novas riquezas.
A propriedade privada, satisfação de um instinto fundamental e legítimo prémio do esforço individual, não poderia ser negada sem violência para a condição humana e sem ofensa da ideia de justiça.
Na mesma Natureza se encontra, pois, o fundamento da propriedade privada, verdadeira instituição de Direito Natural, intangível na sua existência.
Mas nessa forma de propriedade há dois lados - um individual e outro social -, porque ela não visa só o interesse do proprietário, serve igualmente o bem comum. O domínio particular é outorgado pela Natureza para que cada um satisfaça as necessidades próprias e de sua família, mas também para que através dessa instituição se realize o interesse geral.
Daqui a necessidade e a legitimidade de deveres e limites impostos ao domínio, restrições a estabelecer concretamente pelo legislador.
Na determinação, porém, desses limites e deveres faz-se mister que a autoridade pública actue com a maior prudência, olhos fixos na real natureza das coisas, no que esta tem de constante ou acidental, e nas exigências supremas do bem comum.
Só se devem decretar as restrições fortemente reclamadas pela conveniência social.
A propriedade é um dos redutos principais da liberdade, e esta não pode legitimamente sofrer sacrifícios maiores do que os exigidos de forma imperativa pêlos interesses superiores da comunidade.
Da ideia de função social do domínio não deve tirar-se predisposição a admitir limites exagerados. Contra isso reage o lado individual da instituição, que importa não esquecer: «Enganam-se ou erram os que pretendem reduzir o carácter individual do domínio, a ponto de o abolir na prática 1.
E importa não esquecer também que a primazia nem sempre cabe de direito aos interesses económicos. O incremento da produção nacional é importantíssimo, mas não poderia sacrificar-se-lhe tudo, com menosprezo de sentimentos, afectos e outras razões de ordem individual ou social, sob pena de se resvalar no materialismo. O homem não é um puro ser económico: é também espírito e alma.
1 Inquérito à Habitação Rural, dirigido pelos Profs. Lima Bastos e Henriques de Barros, vol. I pp. 87-88.
2 Le Remembrement de la Propriété Rurale (Publications de la Fédération Nationale des Collectivités d'Electrification et d'Améliorations Rurales), cit. Por Dr. Pina Manique, «A Fragmentação da Propriedade Rústica», nos Anais do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, vol. III, p. 87.
1 Quadragésimo Anno, II.
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No sentido exposto se orientam os princípios constitucionais portugueses (Constituição Política, artigo 8.º, n.º 15.º, e artigo 35.º; veja-se igualmente o Estatuto do Trabalho Nacional, artigos 11.º, 12.º e 13.º).
B) Soluções
Tentativas de resolução do problema em Portugal
9. Em Portugal como lá fora - aqui, todavia, menos do quê noutros países- têm-se envidado esforços em ordem a combater a pulverização e a dispersão da propriedade, alguns gorados, outros traduzidos em providências legislativas de êxito maior ou menor.
Esses esforços remontam já ao Marquês de Pombal e dos principais se dará conta em seguida, à proporção que se oferecer referi-los.
Não se sistematizam aqui a todos ou aos mais importantes, para evitar repetições escusadas.
No movimento legislativo mais moderno sobre a matéria cabe de justiça o nome de precursores, entre nós, a Oliveira Martins e a Elvino de Brito, ambos autores de conhecidos e notáveis projectos de lei, tendentes a fomentar a propriedade rural, que o primeiro apresentou como Deputado e o segundo como Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria.
Nem o projecto de Oliveira Martins, de 1887, nem os dois de Elvino de Brito, de 1899 e 1900 1, lograram êxito imediato, pois nenhum deles foi transformado em lei. Mas a semente ficou, e algumas das ideias aí defendidas, quer nos próprios projectos, quer nos respectivos relatórios, vieram a germinar ulteriormente.
Depois dos referidos homens públicos, muitos outros estadistas e escritores tem, como eles, combatido a extrema divisão fundiária 2.
Soluções preventivas
10. Neste problema, como em tudo, mais vale prevenir do que remediar, e por- isso não basta desfazer as consequências do mal, é necessário atacá-lo na raiz.
Decerto no Norte a propriedade já está grandemente dividida, a ponto de que se julgarão inúteis providências preventivas. Mas ainda há evidentemente prédios que fogem à regra generalizada e esses devem subtrair-se ao risco de fraccionamento exagerado. Além disso, dão-se por vezes fenómenos de concentração, pela reunião de exíguos prédios confinantes na titularidade da mesma pessoa. Pouco valeria essa concentração espontânea e também a que venha a provocar-se se não existissem cautelas tendentes a evitar, de futuro, nova fragmentação.
Algumas soluções desta ordem que poderiam excogitar-se escapam ao âmbito do presente trabalho, por dependerem de uma revisão geral do regime jurídico da propriedade, da família, das sucessões, que obviamente ,não cabe aqui empreender ou sequer esboçar.
Alguma sugestão se poderá encontrar, para esse fim, na História.
Oliveira Martins, no seu já citado projecto, propunha para o problema uma solução de alcance sobretudo preventivo: a instituição do casal de família, cuja inspiração foi buscar à Alemanha. Os prédios rústicos que obedecessem a determinados requisitos poderiam ser declarados indivisíveis por seus donos e a indivisibilidade vigoraria durante a vida e sucessão do declarante.
A ideia de casal de família, retomada por Elvino de Brito, veio a triunfar em 1920, embora em moldes diferentes, mas também com o imprescindível atributo da indivisibilidade (Decreto n.º 7:033, de 16 de Outubro de 1920, hoje substituído pelo Decreto n.º 18:551, de 3 de Julho de 1930) 1.
A instituição parece não ter tido, por ora, o êxito prático que seria de desejar, e quer por isso, quer porque depende da vontade do proprietário, não pode dispensar uma providência de ordem genérica que estabeleça a indivisibilidade abaixo de certa medida.
Essa providência já existe entre nós, instituída pelo Decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, que acabou por dar expressão a um anseio antigo, manifestado também por Elvino de Brito.
Mas afigura-se de vantagem rever os termos da indivisibilidade legal, numa tentativa de aperfeiçoamento.
O princípio em si mesmo justifica-se pela necessidade económica e social já demonstrada de impedir a divisão do solo para além de limites considerados mínimos.
Sem dúvida a indivisibilidade tem os seus inconvenientes: dificulta a multiplicação do número de proprietários, e em caso de partilha, na impossibilidade de pagamento de tornas e sisa, forçará muitas vezes à venda. Mas esses obstáculos nem sempre são insuperáveis. Os interessados podem manter-se em regime de indivisão ou compropriedade, ou integrar o prédio num quinhão, se as forças da herança o consentirem, em vez de fragmentarem tudo, como não raro tendem a fazer.
Por outro lado, a indivisibilidade legal não é mais, no fundo, que uma aplicação da ideia de indivisibilidade económica, e esta ninguém hesita em aceitar como imposição óbvia da conveniência particular e pública.
Aã coisas não são indivisíveis apenas quando da fragmentação resultem parcelas de natureza diversa do todo, mas também quando derivem parcelas de valor proporcionalmente menor. Nenhum objecto se pode dividir, no interesse da economia, se daí provém detrimento (Código de Processo Civil, artigo 1059.º). Ora a regra da indivisibilidade legal não faz senão dispensar a prova desse detrimento caso a caso, presumindo-o sem possibilidade de contestação, com base na observação comum dos factos.
O mínimo hoje estabelecido é uniformemente de 0ha,5 para todo o País, seguindo o artigo 107.º do Decreto n.º 16:731.
Dada, porém, a extrema diversidade de condições agrárias e demográficas, parece preferível a um limite constante um limite variável, a fixar em regulamento, por zonas.
E outras alterações são ainda de aconselhar. Assim, pelo § 2.º do citado artigo 107.º, «sempre que à repartição de finanças seja presente parcelação de prédios rústicos, deverá exigir-se a prova de que não resultam dela parcelas inferiores a Oha,5». Essa prova, segundo
1 O projecto de 1899 e respectivo relatório acham-se publicados em separata sob o título de Regime da Propriedade Rural; o projecto de 1900 e seu relatório encontram-se na Colecção de f Projecto» desse ano, sob o n.º 49.
2 Citem-se por exemplo: Dr. Rafael Duque, Ás Subsistências e a População, pp. 25 e 26; engenheiro agrónomo Quartin Graça, Subsidies para uma Política Agrária, pp. 68 e segs.; Prof. Bui Ulrich, Crises Económicas Portuguesas, pp. 56 e segs.; Prof. Lima Bastos, «A Propriedade Rústica», nos Anais do Instituto Superior de Agronomia, vol. XII, fase. 1.º, pp. 41 e segs.; Dr. Pina Manique, «A Fragmentação da Propriedade Rústica», nos Anais do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, vol. III, pp. 75 e segs.; engenheiro agrónomo Armando Oscar Cândido Ferreira, Breves Considerações acerca do Emparceiramento da Propriedade Rústica. Cf. Basílio Teles, Carestia da Vida nos Campos, pp. 163 e segs.
1 Modalidade particular do casal de família é o casal agrícola (Lei n.º 2:014, de 27 de Maio de 1946, e Decreto n.º 36:709, de 5 de Janeiro de 1948).
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prática estabelecida, traduz-se em parecer da Comissão Permanente de Avaliação. Ora não faz sentido que algumas divisões de propriedade rústica (as acompanhadas de pagamento de sisa) estejam sujeitas a fiscalização e as demais lhe fiquem subtraídas. Julga-se, pois, razoável generalizar o regime com modificações.
Providências destinadas a facilitar a concentração
11. Os casos de pequeníssima propriedade no nosso País são múltiplos, como no-lo comprovaram as estatísticas, e, por isso, não seria bastante prevenir o futuro, é preciso também remediar o presente, até onde for possível. A concentração fundiária, na medida em que faça desaparecer a pequeníssima propriedade, é altamente vantajosa.
Essa concentração pode facilitar-se, através de algumas providências que a estimulam ou proporcionam, sem coacção de ninguém. As soluções desta ordem não são de eficácia muito acentuada, visto dependerem livremente da vontade dos interessados ou de circunstâncias que podem não se verificar. Mas algum resultado produzem, e tanto basta para que se não desprezem.
Entram nessa categoria isenções ou privilégios de carácter fiscal. Tal ideia já aparece no projecto de Oliveira Martins. Elvino de Brito retoma-a e ela vem a triunfar no Decreto n.º 16:731, que reduz a 6 por cento a taxa da sisa na aquisição de terreno contíguo a outro que o adquirente já possua, quando a área resultante da junção produza até 2 hectares (artigo 106.º) 1.
Na, mesma linha de pensamento, uma solução aconselhável é a instituição do direito de preferência a favor dos vizinhos na venda ou outros actos a título oneroso respeitantes a (prédios rústicos de área inferior ao mínimo legal.
Esse direito de preferência já existe justificadamente na nossa legislação com respeito a prédios encravados, pequenos ou grandes. A base do instituto deve alargar-se e abranger os prédios ínfimos, se bem que não encravados, cuja existência também está economicamente condenada, como se demonstrou 2.
Providências destinadas a impor a concentração Cautelosas directrizes a seguir
12. É chegado o momento de encarar o aspecto mais delicado do problema, a saber, a possível adopção de providências coercitivas, soluções que visem impor a concentração fundiária, sem ou contra a vontade dos interessados ou de uma minoria.
Já na época pombalina se legislou nesse sentido.
Assim, publicou-se em 9 de Julho de 1773 uma lei onde se profligava o mau entendimento do direito de propriedade pela suposição de que o interesse privado podia sobrepor-se ao público, quando o primeiro só era legítimo na medida em que com o segundo se conciliasse. E apontavam-se abusos perniciosos. Referia-se já então a excessiva fragmentação da propriedade, em resultado da qual casas nobres, quintas e casais, capazes de, na sua integridade primitiva, sustentarem uma família com decência, se haviam dilacerado a ponto de perder-se até a memória do que tinham sido. Lamentavam-se os gravames a que dava ensejo essa fragmentação, causa de que prédios minúsculos onerassem com servidões prédios vizinhos mais importantes. À agricultura faziam falta terrenos tornados infrutíferos, ocupados por muros, valados, caminhos, atravessadouros, e multiplicavam-se rixas e pleitos, por motivo de servidões e demarcação de insignificantes prédios, com perturbação e empobrecimento dos povos.
A citada lei, para obviar a estes males, decretava, entre outras providências, a expropriação por utilidade particular em certos casos, como o de terrenos encravados em quintas muradas ou vaiadas ou a elas contíguos, contanto que as quintas valessem, pelo menos, seis vezes mais do que os terrenos a agregar.
A Lei de 9 de Julho de 1773 foi completada pelo Alvará de 14 de Outubro do mesmo ano; anãs o Decreto de 17 de Julho de 1778 mandou suspender os dois diplomas na generalidade das suas disposições, com o pretexto de se ter ordenado a codificação das leis.
Pergunta-se: haverá vantagem em aproveitar a sugestão dessa efémera legislação pombalina, sujeitando à expropriação dos vizinhos os terrenos encravados ou os muito reduzidos?
Quanto aos encravados, já a lei vigente prevê a expropriação, mas só em certas circunstâncias. Não existindo ainda e querendo constituir-se judicialmente servidão de passagem sobre quinta murada ou quintal, jardim, horta ou pátio adjacente a prédio urbano, o proprietário respectivo pode subtrair-se a essa obrigação adquirindo o prédio encravado pelo preço que for fixado no processo (artigo 2309.º do Código Civil, na redacção do Decreto n.º 19:126, de 16 de Dezembro de 1930, que revogou a Lei n.º 1:621).
Não parece prudente nem aconselhável ir mais longe.
A expropriação, sobretudo quando reverte em favor de outros particulares, só deve decretar-se em casos extremos.
Por ela uma pessoa é esbulhada de uma propriedade, porventura a única que possui; em troca recebe, dinheiro, más este nem sempre lhe garante a aquisição de outra propriedade que igualmente lhe convenha. A expropriação de terrenos encravados ou diminutos redundaria em proveito final da agricultura e da economia do País; porém, seu directo beneficiário seria o expropriante, sem uma razão de justiça que legitimasse o privilégio.
Besta considerar uma última operação possível, o emparcelamento ou emparceiramento, sobre que tanto se tem escrito nos últimos tempos.
Em que consiste o chamado emparcelamento ou emparceiramento Sua consagração pelo Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919
13. O emparcelamento ou emparceiramento é uma operação colectiva que tende a reunir num só prédio, ou em número mais reduzido de prédios, as várias parcelas dispersas pertencentes ao mesmo proprietário numa dada região 1.
1 A base XX, alínea 2.º, do Decreto n.º 11:859, de 2 de Julho de 1926, publicado no Diário do Governo de 7 do mesmo mês (preceito reproduzido no artigo 27.º do Decreto n.º 12:451, de 9 de Outubro de 1926), isenta de sisa e beneficia ainda com outras vantagens de ordem fiscal e emolumentar os contratos de permuta e venda estipulados, por ocasião dos trabalhos de organização do cadastro gométrico da propriedade rústica, com o fim de «melhorar e rectificar os limites e a configuração dos bens ou de efectivar emparcelamentos», (Cfr. Lei n.º 2:049, de 6 de Agosto de 1951, artigos 31.º e 38.º).
Por sua vez o Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, a que adiante se fará mais larga referência, isenta de imposto do selo os actos concorrentes para as operações de emparcelamento; reduz a metade os respectivos emolumentos de notários e conservadores do registo predial; e, além disso, isenta de contribuição predial durante três anos as novas glebas emparceladas (artigos 23.º e 24.º).
Mas as referidas vantagens quanto a sisa e imposto do selo acham-se abolidas em virtude do preceituado respectivamente no Decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, artigo 114.º, § 2.º, e no Decreto n.º 21:916, de 28 de Novembro de 1932, artigo 6.º
2 Veja-se o artigo 1253.º do Código Civil espanhol.
1 Há quem julgue inapropriado o nome de «emparcelamento» e diga que só o de «emparceiramento» se justifica (Dr. Pina Manique, «A Fragmentação da Propriedade Rústica», nos Anais do
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A operação assenta, senão exclusiva pelo menos principalmente, num sistema de trocas. Por meio de permutas plurilaterais combate-se a dispersão rural e cada proprietário passa a ter um ou poucos prédios pequenos ou medianos, em lugar da anterior poeira de retalhos disseminados.
O emparcelamento não se destina à constituição da glande propriedade nem visa a reunião desta na mão de poucos, contra o que poderia supor-se. O número de proprietários mantem-se o mesmo, e a mesma é a extensão territorial pertencente a cada um. Ninguém ganha e ninguém perde. Apenas se fazem trocas, racionalmente ordenadas em vista à formação de prédios contínuos em substituição de glebas dispersas.
O emparcelamento, já praticado em vários países com grande êxito e preconizado por muitos economistas e estadistas, tem sido objecto de críticas. Algumas delas assentam num conhecimento errado da operação. Outras só são aplicáveis a este ou àquele sistema. A operação, com efeito, pode realizar-se e tem-se realizado segundo sistemas vários. Adiante se fará a exposição dos principais, dizendo-se os defeitos de que cada um enferma. O reconhecimento desses defeitos não é obstáculo à adopção de unia modalidade que os não tenha ou que, na sua transposição para a legislação portuguesa, seja deles expungida. Aliás, Hão importa copiar, seja que modelo for, mas apenas instituir o regime que mais convenha a Portugal.
Há, porém, uma importante crítica de ordem geral que importa considerar desde já. Aponta-se, com razão, o facto de muitas vezes a terra oferecer para o seu proprietário um valor estimativa particular, que acresce ao puro valor de troca. Razões de afecto tornam a propriedade, em não poucos casos, como uma emanação da personalidade, que nela se projecta e continua. A terra ou foi herdada dos avós ou amanhada com especial desvelo pelo lavrador que nela pôs um pouco do seu coração; e por estas motivos ou outros análogos tem, para o dono, mais do que uma simples significação económica. Está nela incorporada qualquer coisa de pessoal ou subjectivo que a faz única, insubstituível por outra, ainda que de valor económico igual.
O argumento é considerável, sobretudo num país como o nosso, onde há um tão entranhado amor à terra e onde o temperamento da população a leva a nortear-se com frequência, nos seus gostos e reacções, mais pelas imposições espontâneas do sentimento do que pelas exigências raciocinadas de um frio cálculo. E deve ter em especial atenção esta, circunstância o legislador que, dentro das directrizes anteriormente estabelecidas, não queira sobrepor por sistema a economia a razões de ordem espiritual ou afectiva.
O óbice, porém, não é tão grande como à primeira vista se julgará, ponderado que a operação de emparcelamento fica dependente do voto de uma maioria. Mas pode-se e deve-se ir ainda mais longe e excluir da operação, além de outros, os terrenos grandemente valorizados por efeito de benfeitorias agrícolas, fruto de particulares cuidados postos na sua cultura. A ligação sentimental a certo tracto de terra só constituirá legítimo obstáculo à sua troca, para efeitos de emparceiramento, se se houver traduzido num esforço de valorização. Esse esforço é índice de meritória dedicação à terra e o único que legitima uni tratamento de favor. As globas nas referidas condições ficarão, pois, de fora e não se fará a sua permuta por outras, ainda que de valor igual.
O emparcelamento mão é novidade no Direito português. Já está anele consagrado. Estabeleceu-o o Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919. Simplesmente esse decreto jamais foi regulamentado e, assim, a sua doutrina tem permanecido letra morta.
Há que rever a orientação aí definida, modificando-a e aperfeiçoando-a, em ordem a gizar a regulamentação mais conveniente.
Exponhamos e apreciemos sucintamente os- principais sistemas que têm triunfado noutras legislações e depois digamos de qual deles anais se aproxima o instituído pelo citado Decreto.
Sistema germânico de emparcelamento
14. Na Alemanha, na Suíça1 e em outros países do centro e norte da Europa o emparcelamento tem largas tradições e vem sendo efectuado há séculos, com êxito e com geral contentamento. Os mais antigos emparceiramentos de que há notícia remontam, segundo parece, a 1540; efectuaram-se em Kemptem, na Alta Suábia. Umas vezes por espontâneo acordo de todos os interessados, mas má maior parte dos casos por determinação coactiva da lei, com base no voto de uma maioria mais ou menos rigorosa, têm-se feito com frequência largas operações de recomposição fundiária.
Os processos têm variado, mas com predomínio, pelo menos na Alemanha, da orientação seguinte. Forma-se, digamos, uma massa comum, constituída por todos os prédios existentes ma zona considerada. A divisão da propriedade refaz-se, racionalmente, em mais vantajosos termos; delineiam-se prédios homogéneos, servidos por caminhos livres e regulares. E cada proprietário recebe finalmente um prédio ou prédios contínuos, compostos de terras sensivelmente iguais em qualidade às anteriores e proporcionais em extensão, abatido o seu contributo para as obras comuns, como os caminhos.
Semelhante sistema, se pode coadunar-se com a idiossincrasia de povos facilmente propensos a aceitar as puras imposições da conveniência económica, seria impraticável em Portugal. De resto, além do temperamento do povo, outras circunstâncias peculiares, que entre nós se não verificam, facilitaram nos antigos Estados germânicos, ou em alguma, a sua divulgação, como o processo de povoamento, o afolhamento comum, a ausência de caminhos murais.
O sistema, no seu extremismo, não se afigura necessário nem vantajoso. E ir muito longe querer traçar uma nova rede de comunicações e, em harmonia com ela, delinear noivas propriedades, sem respeito pela antiga divisão predial.
Aqueles que têm um prédio só ou prédios com área superior ao mínimo reclamado (pelas exigências agrícolas não são interessados no emparcelamento, não pre-
Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, vol III, pp. 147-148, nota).
A razão da crítica está no facto de haver uma noção legal definida de «parcela», diferente da que a palavra tem naquele seu derivado. Com efeito, na terminologia cadastral consagrada por lei, parcela é «a porção contínua de terreno situada num só prédio rústico, quando ela tenha uma só qualidade e classe de cultura, ou ainda uma dependência agrícola ou parte de dependência situada igualmente num só prédio rústico e com um único destino» (Decreto-Lei n.º 36:505, de 11 de Setembro de 1947).
Mas nada obsta à formação de um derivado, insusceptível de confusões, em que a raiz entre com significação diversa, e que, de resto, também tem a aboná-lo o seu emprego na lei (Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919; Decreto n.º 11:859, de 2 de Julho de 1926, publicado no Diário do Governo de 7 do mesmo mês, base II, alínea 3.ª, e base XI, alínea 2.º; Decreto n.º 12:451, de 9 de Outubro de 1926, artigo 27.º).
1 Rapport sur les Améliorations Foncières de la Suisse 1940-1946; engenheiros agrónomos Mário Pereira e Armando Oscar Cândido Ferreira, Relatório de uma Missão de Estudo a Itália, Suíça e Espanha (Junta de Colonização Interna), pp. 311 e segs.
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cisam dele; devem por isso ficar fora do âmbito da sua incidência.
O método germânico, na sua extrema racionalização e ambição desmedida, é criticável e deve rejeitar-se.
Sistema francês
15. Em França os trabalhos de recomposição predial também têm atrás de si um passado longo. Os primeiros foram executados pelos habitantes de Rouvres em 1697. De então para cá vêm-se repetindo essas «reuniões-territoriais», como antigamente se chamavam.
A orientação francesa diverge acentuadamente da tradição alemã. A nova rede de caminhos coincide quase sempre com a antiga; respeita-se no máximo possível a situação dos prédios existentes, mas com redução do seu número e libertação dos que antes eram encravados. Sem exageros nem soluções radicais, procura-se adaptar ao quadro anterior o novo arranjo da propriedade.
Leis várias têm regulado a matéria. Grande impulso lhe veio da chamada «Lei Chauveau», de 1918, a que se seguiu um decreto de 1935 1. Hoje o principal diploma sobre este importante assunto é a Lei de 9 de Março de 1941 2, que a Ordonnance de 7 de Julho de 1945 manteve em vigor com ligeirísimas modificações, declarando-a de oportunidade e utilidade incontestáveis.
A iniciativa e execução das operações competem a uma comissão comunal instituída pelo prefeito em todas as comunas onde a sua utilidade tenha sido assinalada pêlos serviços competentes ou pêlos proprietários ou cultivadores. Seus membros são um magistrado, que preside, e representantes dos interessados, além de vários funcionários públicos.
As comissões comunais vieram substituir as antigas associações sindicais de proprietários, inconvenientes pela demora da sua constituição, complexidade do seu funcionamento, falta de autoridade para impor as próprias decisões. Também desapareceram as comissões arbitrais, substituídas por comissões departamentais, com a incumbência de resolver as reclamações que surjam. Tudo isto, segundo se lê no relatório da Ordenação de 1945, foi determinado por um propósito de simplificação, pois os textos precedentes haviam-se revelado de aplicação difícil e lenta, em virtude, sobretudo, das longas formalidades administrativas que precediam a operação.
O remembrement é obrigatório e tem um carácter fortemente coactivo, no sentido de que não depende sequer do voto de uma maioria favorável. Uma vez tomada pela comissão comunal a decisão de proceder ao emparcelamento, essa decisão impõe-se a todos os proprietários do perímetro visado. A operação executa-se, ainda que porventura os interessados na sua maioria se lhe manifestem adversos ou hostis. O Decreto de 1935 já de algum modo se encaminhava nesse sentido.
O emparcelamento faz-se, agora como dantes, na base do valor de produtividade das explorações. Há imóveis que lhe ficam subtraídos.
Pela nova lei, e no que respeita a terras aráveis, não devem atribuir-se lotes que se encontrem a distância superior a 3 quilómetros do centro de exploração do atributário. Com isto quer-se evitar, até certo ponto, a injustiça da imputação de glebas longínquas 3.
O sistema francês, embora superior no seu conjunto ao germânico, ainda é criticável. Pelo menos não deve pensar-se na sua adopção em Portugal como início de uma prática que não faz parte das nossas tradições. Entre nós os emparcelamentos, admitidos pela primeira vez em 1919, nunca passaram da lei; e por isso, no terreno prático, ainda estão por dar os primeiros passos. Há que começar prudente e modestamente, para que a inovação se não desacredite e, reconhecida pelos próprios interessados a sua vantagem, depois se possa aperfeiçoar e porventura alargar alguma coisa, à luz de uma experiência que por ora nos falta.
Dentro desta ordem de ideias, o princípio da obrigatoriedade independente do voto da maioria é condenável.
Também se não afigura conveniente, pelo menos na fase inicial da vida da instituição, um emparcelamento compreensivo de terrenos que podem achar-se a larga distância uns dos outros. Dada ao emparcelamento essa amplitude, uns proprietário» ganham porque os seus prédios reunidos ficam mais perto do centro de exploração do que estavam algumas parcelas; outros perdem pela razão oposta.
Esta injustiça relativa evitar-se-á desde que o novo prédio de cada proprietário fique a uma distância do centro de exploração igual à média das distâncias a que dele se encontravam as parcelas anteriores. Mas semelhante resultado será muitas vezes difícil ou impossível de obter. E, ainda quando se alcance, poderá afectar cada proprietário de per si, mais interessado, por exemplo, em dois campos, um próximo e o outro afastado de sua casa, do que num campo só, igual à soma dos dois ê. a uma distância média.
O defeito, comum ao sistema germânico, agrava-se ou torna-se de resolução mais difícil nas regiões onde as casas estão concentradas em aglomerados, à volta dos quais se espalham, a distâncias sucessivamente maiores, as terras de lavoura e os bravios.
Não é possível eliminá-lo em absoluto, mas deve-se restringi-lo, pelo menos de começo, mediante a redução do perímetro de emparceiramento. O limite, fixado pela lei francesa, de 3 quilómetros de afastamento do centro de exploração é exagerado.
A legislação italiana dá a este problema uma solução digna e aplauso. É o que vamos ver.
Sistema italiano
16. O Código Civil italiano, de 1942, consagra um sistema diferente dos anteriores (artigos 850.º a 856.º) 1.
Admite a criação de consórcios de proprietários com o fim de proverem a uma recomposição fundiária, idónea à melhor utilização dos seus terrenos. Esses consórcios constituem-se como os de melhoramentos, por decreto, a pedido de algum interessado ou por iniciativa da autoridade; e, como eles, formam pessoas colectivas públicas (artigo 862.º).
Ao consórcio compete estabelecer o plano de reorganização da propriedade.
Mas - e aqui está a particularidade - a operação cinge-se a terrenos contíguos e inferiores à mínima unidade cultural.
Por mínima unidade cultural entende-se a «extensão de terreno necessária e suficiente para o trabalho de uma família agrícola e, se não se trata de terreno appoderato, para exercer um cultivo conveniente segundo as regras da boa prática agrária» (artigo 846.º).
O arranjo predial, por conseguinte, apenas abrange os terrenos de reduzidas proporções e que se encontrem
1 Vandervyinkt, Le Remembrement.
2 Regulamentada pelo decreto de 7 de Janeiro de 1942.
3 Voirin, «Législation Française en Matière de Droit Privé», na Revue Trimestrielle de Droit Civil, vol. XXXIX, pp. 517 e segs., e vol. XI, p. 244; Poirée, Réorganisation Foncière et Remembrement de la Propriété Rurale (Technique des Opérations).
1 Relazione del Ministro Guardasigilli al Libro della Proprietà, pp. 36-37.
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numa relação de contiguidade. É pressuposto imprescindível da aplicação do sistema a existência de uma série maior ou menor de pequeníssimas glebas, encadeadas numa continuidade espacial. Assim se delimita o âmbito de incidência dos trabalhos.
A primeira ideia, a restrição da operação aos terrenos ínfimos, parece achar-se latente na base de todos os sistemas, mas há conveniência em formulá-la de modo expresso na lei, como faz o Código italiano, a fim de evitar dúvidas ou arbítrios. Semelhantes terrenos estão condenados, não têm direito, digamos, a uma existência autónoma; e só eles podem legitimamente entrar muna operação que tende precisamente a combater essa existência.
A segunda ideia, a definição do perímetro dos trabalhos pelo factor da contiguidade territorial, constitui, ao que supomos, inovação - inovação merecedora de elogio. O âmbito da reorganização predial não excederá normalmente limites razoáveis, com exclusão do perigo de atribuição de parcelas longínquas. Cada proprietário sabe não poder ser afastado para longe do local onde se situam as suas glebas ou algumas delas; tem maior confiança na justiça das trocas. Tudo isto predispõe à mais fácil aceitação do princípio.
O sistema italiano oferece, no entanto, aspectos criticáveis. Um deles é o dos consórcios de proprietários, correspondentes às antigas associações sindicais francesas, condenadas pela experiência. Outro é o das expropriações como uma das formas de execução do plano de ordenação da propriedade.
O emparcelamento não deve fazer-se, parcialmente sequer, através de expropriações, embora isso (possa dificultar um pouco a sua realização. Já acima se disse por que motivo não é legítimo o recurso a esse processo no combate à pulverização da propriedade (n.º 12). A sua adopção na operação colectiva do emparceiramento tornar-se-ia ainda mais injusta, por poder fazer não uma mas duas vítimas: o expropriado, forçado a perder a terra; o beneficiário da expropriação, forçado a pagar o preço.
Regime instituído pelo Decreto n.º 5:705
17. O já citado Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, estabeleceu entre nós uma regulamentação cujos tópicos essenciais são os seguintes:
O emparcelamento depende não só do voto de dois terços dos proprietários a que pertençam, pelo menos, dois terços das terras, como também de autorização ministerial.
A superfície a refundir deve, em princípio, ser definida por limites fixos e naturais e não poderá exceder uma área de 300 hectares.
Admitem-se reposições em dinheiro, como contrapartida de terrenos atribuídos em excesso, mas a título excepcional, pois o Decreto manda evitá-las tanto quanto possível.
A realização do emparcelamento é confiada a uma comissão executiva, constituída por cinco membros eleitos pelos proprietários, um engenheiro geómetra e um engenheiro agrónomo. Das decisões dessa comissão cabe recurso para um tribunal arbitral, de que fazem parte o juiz de direito da comarca, que presidirá, um árbitro nomeado pela comissão executiva e outro nomeado pelo recorrente.
O decreto ordenava a publicação dos regulamentos e instruções precisas para a execução técnica das operações de emparcelamento. Mas, como tal publicação nunca se fez, o regime instituído tem-se conservado sem aplicação.
Semelhante regime é, no mais importante, de clara inspiração francesa. As críticas já formuladas ao sistema francês, bem como aos outros, naquilo em que o nosso coincide com eles, devem aqui dar-se como reproduzidas.
A dupla maioria de dois terços do número dos proprietários e dois terços da superfície dos prédios respectivos como condição de exequibilidade do emparcelamento é muito alta: dificulta grandemente a operação. Há que minorá-la, para que esta possa tornar-se realidade prática e, através da sua realização, mostrar os próprios benefícios.
Justificação dos fins do projecto
18. O projecto de lei submetido ao parecer desta Câmara integra-se no importante movimento legislativo, estrangeiro e nacional, assinalado nas considerações precedentes.
Esse projecto é merecedor do mais alto encómio.
Em tudo o que anteriormente se disse está a plena justificação dos seus objectivos.
Vem ele trazer de novo à liça, no plano legislativo, o grave problema que o Decreto n.º 5:705 procurou resolver, mas até agora sem êxito prático, pela carência de indispensável regulamentação complementar.
O projecto visa combater a pulverização e dispersão da propriedade rústica, conforme se declara no seu relatório.
Ora, mostrou-se ao longo deste parecer quanto o fraccionamento excessivo dos terrenos e a sua disseminação afectam a economia particular e pública e são causa de inconvenientes de ordem social; como é urgente prevenir e debelar esses males (sem, aliás, cair na concentração latifundiária), com o mínimo sacrifício da propriedade privada, intangível na sua essência, mas sujeita aos limites estritamente impostos pelo bem comum; e como o exemplo de tal acção nos é dado, desde longos séculos, por múltiplas legislações estrangeiras.
lias mesmas considerações se inspira o projecto sob análise, com cuja finalidade por isso a Câmara Corporativa se declara inteiramente de acordo.
O exame do projecto revela, porém, a conveniência de substituir o texto projectado por outro que procure realizar melhor ainda os altos objectivos em vista, naquele desejo de aperfeiçoamento de que o próprio projecto é expressão, e em tentativa de execução do voto formulado no final do seu relatório.
II
Exame na especialidade
Partes de que se compõe o projecto
19. No projecto podem discriminar-se as quatro seguintes matérias:
a) Troca coactiva individual (artigos 1.º e 2.º);
b) Expropriação (artigo 3.º);
c) Emparcelamento (artigo 5.º);
d) Processo judicial (para efectivação das duas primeiras ordens de providências: artigo 4.º).
Digamos o que se oferecer sobre estes vários pontos, excepto quanto ao processo, cuja doutrina ficará prejudicada pela posição a tomar nos outros assuntos.
Troca coactiva individual
20. O artigo 1.º do projecto prevê que alguém seja dono de um terreno de superfície inferior a um terço da área de qualquer dos terrenos confinantes, e reconhece ao proprietário do maior destes o direito de adquirir forçadamente o primeiro, mediante troca com
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terreno da mesma natureza, a efectivar por meio de processo judicial.
O proprietário de um prédio rústico poderá assim fazer seu, segundo o projecto, o terreno vizinho, desde que lhe seja superior em extensão mais de três vezes,
pela oferta, em permuta, de outro terreno de natureza idêntica.
Esse terreno oferecido pelo requerente da troca, em contrapartida do que ele pretende, pode ou não ser contíguo a algum prédio da outra parte.
Se o for, e o valor do terreno oferecido não ficar aquém do solicitado, a transmissão é imperiosa, não consente oposição. O direito de oposição, nessa base de equivalência de valores, só existe desde que o terreno oferecido não confine com propriedade do requerido, que poderá então impugnar a troca, alegando maior conveniência no prédio de que se pretende despojá-lo ou o seu valor estimativo especial.
Proposta a permuta, em qualquer dos casos mencionados, o requerido pode furtar-se-lhe, mediante a exigência de pagamento do preço do seu prédio (artigo 2.º). Perderá o terreno do mesmo modo, mas, em paga, não receberá outro terreno, receberá dinheiro.
O artigo 1.º ainda acautela outros aspectos, em cujo exame se não torna necessário entrar.
O projecto, nesta primeira parte, estabelece um regime de troca coactiva individual, que a Câmara Corporativa julga inconveniente.
De facto - independentemente de apreciação nos seus pormenores 1 - essa modalidade não se justifica ao lado do emparcelamento,- que se resolve também num sistema de permutas coactivas, mas enquadradas numa operação global, mais ou menos vasta, a cujo estudo e execução procede um organismo instituído para esse fim ou com especial competência.
O emparcelamento pode abranger um número grande ou restrito de terras, mas é sempre por seu intermédio que se deve operar a reunião forçada de glebas dispersas. Seria inaceitável que essa reunião pudesse produzir-se indiferentemente ou através de trocas individuais, provocadas uni lateralmente por um dos interessados, ou mediante trocas colectivas, impostas a todos eles por um organismo superior. Não teria justificação o emprego da permuta coactiva sob regimes tão distintos, subordinados a requisitos profundamente diversos e utilizados em alternativa, ora um, ora outro.
A dualidade de regimes deve afastar-se, e preferir-se o emparcelamento propriamente dito, que dá maiores garantias, realizado como é por um organismo incumbido de, caso a caso, estudar cuidadosamente a operação nos seus complexos aspectos técnicos e realizá-la com o máximo de justiça.
Expropriação
21. O artigo 3.º do projecto admite um duplo caso de expropriação por utilidade particular.
Concede-se aí ao maior confinante o direito de expropriar o prédio do vizinho, desde que seja encravado ou dez vezes mais pequeno do que o prédio do primeiro. Admite-se, todavia, o vizinho a opor-se à expropriação, mediante a prova de que o prédio tem para si valor estimativo, que a desaconselha, ou a perda dele. faria desequilibrar o seu casal, agrícola.
Mesmo com essas prudentes ressalvas, e sem necessidade de análise no pormenor 2, a Câmara Corporativa não julga de aceitar neste capítulo o princípio da expropriação por utilidade particular para além dos limites em que já o consagra a legislação vigente.
As razoes de tal modo de ver ficaram exaradas noutro lugar (supra n.º 12), o que dispensa a sua formulação aqui.
Emparcelamento
22. O artigo 5.º e último do projecto refere-se ao emparcelamento.
Segundo o estatuído aí, o Governo deverá no prazo de seis meses regulamentar o Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, e introduzir neste diploma as modificações que houver por convenientes, a fim de que o emparcelamento se execute nas regiões onde for possível, por intermédio da Junta de Colonização Interna.
A Câmara Corporativa julga de aplaudir a ideia de confiar à Junta de Colonização Interna a execução do emparcelamento, que esse organismo, pela sua competência técnica especializada e permanência, poderá realizar com muito maior idoneidade e uniformidade do que associações ou comissões adventícias, como as previstas em legislações estrangeiras e no Decreto n.º 5:705 1.
Mas, em vez de prever a alteração futura desse Decreto, convém estabelecer desde já as novas bases jurídicas do emparcelamento, como condensação do estudo precedentemente feito, em que, além do mais, só teve em conta a evolução produzida desde 1919.
A essas bases não se dará desenvolvimento tão grande como o do Decreto n.º 5:705, porque há neste muitos aspectos cuja disciplina deve antes relegar-se para futuro regulamento, onde se concentrem todos os pormenores da complexa operação em que o emparcelamento se traduz.
III
Conclusões
Matérias a regular. Texto proposto
23. De toda a precedente exposição resulta a conveniência de regular em novas bases as três seguintes matérias, em conexão com o facto da pulverização e dispersão da propriedade rústica e em ordem a prevenir ou remediar esse mal, que em certas regiões do nosso país afecta grandemente a agricultura:
a) Indivisibilidade;
b) Direito de preferência;
c) Emparcelamento.
Para isso a Câmara Corporativa sugere um novo texto, inspirado nas directrizes anteriormente estabelecidas- sobretudo nos n.ºs 10 (indivisibilidade), 11 (direito de preferência), 13 a 17 e 22 (emparcelamento).
Esse novo texto é o seguinte:
BASE I
1. Os terrenos destinados a cultura ou susceptíveis de cultura mão podem fraccionar-se em partes inferiores a determinada superfície mínima, quer o fracciona-
1 O projecto, por exemplo, não limita a operação aos prédios exíguos nem fixa o limite máximo de distância entre os terrenos a permutar, como seria mister.
2 Como na hipótese do artigo 1.º, não se limita a expropriação aos prédios de área muito reduzida, o que facultaria a concentração latifundiária.
1 A Junta, organismo com personalidade jurídica, de funcionamento e administração autónomos, já hoje tem, entre outros fins essenciais, o de «estudar e propor as providências necessárias ao melhor arranjo da propriedade rústica e sen regime de exploração, tendo em conta, ao mesmo tempo, o aspecto económico e social» (Decreto-Lei n.º 36:053, de 19 de Dezembro de 1946, artigos 2.º e 3.º, n.º 2.º). Veja-se Relatório do Estudo das Possibilidades de Emparceiramento no Mogadouro (Junta de Colonização Interna).
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mento provenha de divisão, quer de transmissão ou de constituição de propriedades imperfeitas ou ónus reais.
2. Essa superfície mínima será a aconselhada pelas conveniências da exploração em içada zona do País, segundo as condições locais de ordem agrária e demográfica, e constará de regulamento.
3. A presente base abrange qualquer terreno contínuo pprteniceiite ao mesmo ou mesmos proprietários, ainda que não esteja descrito na matriz ou 110 registo predial ou lhe correspondam aí várias descrições.
BASE II
1. O disposto na base precedente não se aplica aos terrenos ou partes de terreno com a natureza de prédios urbanos segundo a legislação fiscal ou destinados a algum ,fim que não seja a cultura.
2. O fraccionamento também não está sujeito às prescrições da base anterior nas hipóteses seguintes:
a) Se o adquirente por virtude de divisão ou transmissão é proprietário de terreno contíguo;
b) Se a parte que é objecto de transmissão se encontra em regime de colónia, na ilha da Madeira, e a transmissão se opera a favor do próprio colono.
BASE III
Não é admissível fraccionamento de terreno sem prévio parecer da Comissão Permanente de Avaliação, onde se certifique a observância do preceituado nas bases antecedentes ; mas no processo de divisão de coisa comum ou em partilha judicial compete aos peritos certificarem essa observância.
BASE IV.
1. O direito de preferência estabelecido no artigo 2309.º do Código Civil, segundo a redacção constante do Decreto n.º 19:126, de 16 de Dezembro de 1930, é extensivo aos proprietários de terrenos confinantes com outros sem a superfície mínima a que se referem as bases i e n da presente lei, embora não encravados.
2. O proprietário vizinho, cujo terreno também não possua a superfície mínima, não fica por tal facto excluído da preferência se os dois terrenos reunidos atingirem essa superfície.
BASE V
1. Quando existam vários terrenos contíguos, pertencentes a diversos proprietários e todos eles com superfície inferior à mínima, nos termos das bases I e II, poderá proceder-se a uma recomposição predial em ordem à melhor exploração agrícola desses terrenos, de harmonia com as directrizes da presente lei e as normas de regulamento a publicar.
2. Para os efeitos aqui declarados, como proprietário considera-se o foreiro, em caso de enfiteuse.
BASE VI
1. A recomposição far-se-á mediante uma operação colectiva de trocas forçadas, em vista da melhor ordenação da propriedade, pelo emparcelamento, desencravamento e rectificação de limites ou arredondamento de prédios.
2. O emparcelamento consiste na substituição de vários terrenos dispersos, pertencentes ao mesmo proprietário, por um número mais. restrito e, se possível, por um só.
3. A recomposição deve efectuar-se em termos tais que os terrenos adquiridos por cada um dos proprietários contenham parcelas iguais às dos terrenos alienados, tem qualidade e classe de cultura e em valor.
4. Só se recorrerá a vendas ou deixará de observar o disposto no número precedente se os interessados nisso convierem.
BASE VII
Ficam excluídos da recomposição, salvo consentimento dos interessadas:
a) Os terrenos em que existam construções de qualquer espécie, incluindo muros de vedação, a não ser que em troca se adquiram terrenos com construções equivalentes;
b) Os terrenos grandemente valorizados por efeito de benfeitorias de interesse agrícola.
BASE VIII
A recomposição será feita pela Junta de Colonização Interna, quando esta a julgue conveniente, por sua própria iniciativa ou a pedido de qualquer dos proprietários.
BASE IX
1. O projecto de recomposição elaborado pela Junta fica dependente de aprovação da maioria dos proprietários com maioria de rendimento colectável.
2. A cada proprietário será enviada uma cópia do projecto, com a advertência de que a sua não oposição por escrito, dentro de trinta dias, vale como aceitação, e de que deverá apresentar no mesmo prazo, e também por escrito, as reclamações que houver por convenientes.
3. A simples formulação de reclamações significa aceitação condicionada à (procedência delas.
4. Em caso de aprovação, a Junta decidirá todas as reclamações. Se tal decisão não implicar alterações no projecto, este transformar-se-á em plano definitivo; se as implicar, elaborar-se-á novo plano em conformidade com elas. A transformação será comunicada ou o novo plano enviado a todos os proprietários.
BASE X
1. O plano de recomposição procurará na medida do possível fazer cessar as servidões, não só pelo desencravamento como pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa.
2. As servidões que hajam de conservar-se serão tomadas em conta na avaliação dos terrenos.
BASE XI
1. Os terrenos adquiridos por cada um dos proprietários ficam sub-rogados no lugar dos terrenos alienados.
2. Por conseguinte, as propriedades imperfeitas, com excepção das servidões, os ónus reais, os arrendamentos, mesmo que não tenham esta qualificação, as parcerias agrícolas e os mais encargos transferem-se dos terrenos alienados para os adquiridos; mas os rendeiros e os parceiros cultivadores podem rescindir os respectivos contratos.
3. Quando os ditos encargos não recaíssem sobre todos os terrenos do mesmo proprietário, delimitar-se-á a parte em que ficam a incidir, igual ao seu antigo objecto, em qualidade e classe de cultura e em valor.
4. O plano definitivo, ou coincida com o projecto inicial ou resulte da sua modificação, será também enviado aos beneficiários dos encargos.
BASE XII
A Junta de Colonização Interna lavrará um auto, de onde constem as transmissões de propriedade e as transferências de encargos, e promoverá as mais diligências necessárias, como o registo dessas transmissões e transferências.
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BASE XIII
Nos concelhos onde ainda não se encontra organizado o cadastro geométrico da propriedade rústica, a Junta de Colonização Interna actuará em coordenação com o Instituto Geográfico e Cadastral.
BASE XIV
Mantêm-se em vigor as vantagens de ordem fiscal e emolumentar constantes da legislação aplicável, nomeadamente do Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 19119, artigos 23.º, e sen § único, e 24.º; do Decreto m.º 11:859, de 2 de Julho de 1926 base XI; do Decreto n.º 12:451, de 9 de Outubro de 1926, artigo 27.º; e do Decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, artigo il06.º
BASE XV
Os interessados poderão usar de todos os meios legítimos de defesa dos seus direitos, nos termos gerais aplicáveis.
BASE XVI
A presente lei não se aplica aos terrenos compreendidos em planos de urbanização aprovados.
BASE XVII
A partir da publicação do regulamento previsto nesta lei, ficam revogados o artigo 107.º do Decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, e o Decreto n.º 5:705, de 10 de Maio de 1919, com excepção dos artigos 23.º, e seu § único, e 24.º
Palácio de S. Bento, 30 de Janeiro de 1952.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
António Pedro Pinto de Mesquita.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
António Marques Antunes.
Lucínio Gonçalves Presa.
Luís Quartin Graça.
Rafael da Silva Neves Duque.
Roberto Guedes.
Inocência Galvão Telles, relator.
PARECER N.º 27/V
Proposta de lei n.º 186
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 186 emite, pelas suas secções de Política e administração geral e Defesa nacional, às quais foram agregados os Dignos Procuradores João Francisco Fialho e S. José Tristão de Bettencourt, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. No último parecer respeitante aos organismos superiores de defesa nacional esta Câmara disse já dos argumentos justificativos da preparação do País para uma guerra, com armamentos clássicos, arrastando a necessidade de uma mobilização civil.
Dentro do mesmo todo, como parte das mais fundamentais dessas armas clássicas, embora modernas, surgiu a Aeronáutica, que em poucos amos se transformou, nalguns países, no exército do ar, incumbido quer da defesa do espaço aéreo, quer de nele manobrar para acções ofensivas tácticas e estratégicas, primeiro sobre a terra, e depois sobre o mar, ao crescer o raio de aoç3o dos materiais e a segurança do voo.
Portugal, país de política e estratégia defensivas, e, portanto, a priori, de espírito nacional pacífico - ademais por um lado de reduzido orçamento e por outro ligado por adequada e velha aliança à Inglaterra, que durante os últimos séculos foi a primeira potência dos mares -, tem-se mostrado lento no acompanhar da evolução da arte da guerra e concomitante preparação militar que abrange a orgânica.
Dentro desta linha de acção, não admira que, tardiamente em relação a tantas outras potências, só agora dó um passo na organização das suas forças armadas, ao apresentar o Governo duas das três leis fundamentais para a independência ou paridade do exército do ar.
Na verdade, a Inglaterra formou o seu Ministério do Ar em. 1917, a Itália em 1923, a França em 1928, a Alemanha em 1935, a Espanha em 1939, o Brasil em 1941 - para se citarem só países europeus e o país irmão além-Atlântico.
2. Convém salientar desde já que talvez o facto de nascer tarde essa independência do ar nos esteja subtraindo uma fase pela qual alguns países passaram e se decompôs em duas: primeiro, integração inicial e total dos assuntos e forças do ar num só Ministério, para se colher o benefício do desenvolvimento e concentração dos meios; depois, crescendo os serviços, a separação da aviação civil numa segunda fase.
3. Não parecendo viável pôr agora em causa o problema dimensional do Subsecretariado da Aeronáutica, nem por isso a Câmara deixa de fazer referência às possíveis consequências da fragmentação e pequeno nível com que o ar nos seus dois aspectos vai a pouco
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e pouco nascendo, separados logo de início os dois ramos - militar e civil.
Este último nasceu em 1944, em proporções minúsculas, com o extinto Secretariado da Aeronáutica Civil, cujo quadro de pessoal burocrático inicial era constituído por meia dúzia de funcionários. O ramo militar -o Subsecretariado ora em causa - logo de início sofre reacções tendentes a decepá-lo de uma parte das suas previstas forças, a juntarem-se à inferioridade psicológica e política inerente ao facto de apresentar-se chefiado por um Subsecretário quando o Exército e a Armada dispõem cada um do seu Ministro.
Deixada a nota supra, fundamentalmente, para ocasional base de futuras referências, a Câmara passa a analisar na generalidade os pontos essenciais, base da doutrina exposta na proposta ide lei.
A) O âmbito da organização
4. A preocupação constante do Governo em mostrar ao Mundo a característica sui generis do agregado que constitui a Nação, unida de Lisboa a Timor, preocupação levada ao ponto de voltar-se há pouco à antiga designação de províncias ultramarinas para os territórios de além-mar, efectiva-se ma presente proposta de lei, ao estender-se a acção do Subsecretariado a todo o território nacional metropolitano e ultramarino.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo a este princípio, não só com base no sentido político e sentimental da Pátria una, mas ainda do ponto de vista técnico-militar, ao facilitar-se a intermutabilidade do pessoal e a uniformidade de métodos de instrução e acção.
Entende, porém, que a inclusão da matéria nesta proposta de exclusiva iniciativa do Ministro da Defesa Nacional vai contra preceitos expressos da Constituição, que, no seu artigo 150.º, n.º 1.º, faz depender de proposta do Ministro do Ultramar a competência da Assembleia Nacional para legislar para os territórios ultramarinos nos assuntos que devam constituir necessariamente matéria de lei segundo o artigo 93.º, entre os quais figura «a organização da defesa nacional».
Desde que a proposta foi apresentada à Assembleia Nacional, não pertence a esta Câmara chamar a atenção do Governo para os preceitos infringidos. Mas a Assembleia poderá convidá-lo a desdobrar a proposta em duas, numa das quais, da iniciativa do Ministro do Ultramar, se contenha a aplicação da primeira às províncias ultramarinas com as, disposições especiais que essa aplicação requeira. Assim com facilidade se dará cumprimento aos preceitos constitucionais, por cuja observância compete à Assembleia velar.
5. Quanto à divisão em regiões aéreas, a Câmara, afigurando-se-lhe que convinha estudar-se mais profundamente a divisão proposta e aproveitar-se da experiência colhida mas primeiras regiões que se pusessem em funcionamento, decidiu não tomar posição, a não ser na aceitação do princípio da divisão, ficando o Governo autorizado a, por simples decreto, instituí-las à medida das necessidades.
B) Integração das forças aéreas
6. É este o ponto crucial da lei em que as opiniões de técnicos e não técnicos mais se dividiram.
Ora visto que o parecer desta Câmara é destinado à apreciação de outra Câmara, convirá desde já evitar qualquer tendência espiritual no sentido de se supor que se trata de absorção de uma força aérea, a da Marinha, por exemplo, por outra, a do Exército. O problema assim posto está manifestamente errado nas suas premissas, pois que a (proposta de lei trata não da absorção de uma força por outra, mas da passagem de duas forças aéreas a um novo Subsecretariado, isto é, a um novo e terceiro exército - o do ar. Este terceiro exército do ar tem tanto direito à existência como os de terra ou de mar - no entender do Governo, que apresenta a proposta de lei, aliás baseada na experiência, de outros povos, que, mais ricos, poderiam viver com menores preocupações de boa aplicação e administração dos fundos públicos.
O preâmbulo da proposta de lei, se não pretende esgotar o assunto -.e até termina neste ponto, propositadamente, ao que parece, por deixar algo indecisa a questão da incorporação integral das forças de cooperação no Subsecretariado -, facto é, porém, apresentar argumentos ordenados e interessantes que permitem à Câmara Corporativa reduzir o que a economia da matéria merecia se dissesse.
O caso consiste em decidir-se:
a) Se sim ou não o Subsecretariado da Aeronáutica deve superintender em todas as forças aéreas;
b) Dada a resposta positiva a esta questão, decidir se as forças de cooperação devem:
Estar centralizadas em tempo de guerra e de paz no Subsecretariado;
Estar centralizadas no Subsecretariado na paz e ser descentralizadas para as operações no que respeita a emprego, entregues para o efeito ao Exército ou à Marinha.
7. Aflora-se primeiro a questão na generalidade - quer dizer-se fora do caso particular do nosso país - e principalmente pana as forças navais, já que em toda a parte do Mundo praticamente foi da aviação do Exército que partiu o grito, de independência e também, em quase toda a parte do Mundo foi a Marinha que reagiu à integração, baseada em factores real ou aparentemente objectivos uns, subjectivos outros.
Notar-se-á desde já que a hegemonia de tipo mundial, regional ou local dos países marítimos, quer durante o tempo da navegação à vela, quer durante o da propulsão por máquinas, assentou, como norma, no poderio das frotas de guerra.
Portugal, a Espanha, os Estados Unidos, a França, a Holanda, a Inglaterra, o Japão, quer durante o período de doutrina de direito internacional do Mare Clausum - usado já ma história antiga no Mediterrâneo e por nós no Atlântico e Indico - até à do Maré Liberum, de Hugo Grotius, e à de compromisso do Domínio Maris, são exemplos do poder marítimo.
A esquadra era sinónimo de valor militar e riqueza.
8. Da tradição secular resultou que, ao aparecer um novo meio de locomoção e de guerra a disputar funções tácticas ou estratégicas que à Marinha pertenceram durante séculos, rebentaram nos grandes países conflitos de atribuições, discórdias, por vezes com repercussões ruidosas e apaixonadas, enchendo os jornais de notícias, que as massas, ávidas de escândalo nas lutas entre os grandes, devoraram sofregamente.
Recente é ó ocorrido nos Estados Unidos por 1949, quando o secretário de Defesa Mr. Johnson suspendeu a construção do projectado superporta-aviões, dando azo a larga discussão a respeito da capacidade das armadas para missões estratégicas como força ofensiva, em proveito naturalmente da arma nova - a aviação de bombardeamento e combate, de grande raio de acção, mais capaz, disseram alguns, de, com menos custos, menos perdas e maiores velocidades, oferecer mais profunda penetração continental.
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9. Escritores militares defenderam vivamente, com base nas campanhas do Pacífico, que o porta-aviões continuava a impor-se como elemento valioso do poderio naval; outros, que o apego aos navios de superfície para a ofensiva estratégica retardara e retardava o desenvolvimento do avião pesado de grande raio de acção.
A Câmara, porque a matéria se apresenta de diminuto interesse para o caso específico de Portugal e susceptível de atrair factores de ordem pouco objectiva, limita-se a dar conta da existência da luta das ideias neste campo, que importa essencialmente às grandes potências militares.
10. Posto de parte o conflito entre as marinhas potentes e as forças aéreas, opondo-se aquelas tenazmente à independência destas e querendo-as considerar arma auxiliar sobre os mares, a Câmara objectivamente entra na apreciação do problema que mais directamente interessa: o da necessidade ou conveniência de haver forças aéreas de cooperação integradas nos exércitos de terra e de mar.
11. Examine-se, em números redondos, por via orçamental e orgânica, o valor das nossas aviações:
Aeronáutica do Exército:
Oficiais aviadores (em serviço) ...................... 100
Outros pilotos ....................................... 100
Especialistas (mecânica e rádio) ..................... 360
Serviço geral ........................................ 850
Orçamento (contos) ................................... 38:000
Aeronáutica Naval 1:
Oficiais aviadores (em serviço) ...................... 35
Especialistas (mecânica e rádio) ..................... 150
Serviço geral ........................................ 240
Orçamento (contos) ................................... 13:000
Vê-se, em números aproximados, que a Aeronáutica Militar terá uns 1:300 homens, dos quais 560 especialistas, e a Aeronáutica Naval uns 430, dos quais 190 especialistas. Quanto a material, tomando números médios, atribuam-se uns 400 aviões à aeronáutica de terra e uns 80 à de mar, incluindo os diversos tipos de escola, treino e de guerra.
Quer dizer: a Aeronáutica Naval anda entre um terço e um quarto da Aeronáutica Militar em pessoal, material e orçamento.
A Câmara analisou também alguns aspectos do rendimento das escolas.
Assim, de 1941 a 1951:
A aviação naval preparou 28 pilotos (de 1944 a 1949 não houve cursos), todos oficiais.
A aviação do Exército preparou 203 pilotos do quadro permanente (oficiais e praças), além de 98 milicianos.
Para dar ideia das exigências de uma força aérea, mesmo tão diminuta como a nossa, acrescente-se que a aviação do Exército no mesmo período preparou 551 mecânicos e 97 radiotelegrafistas.
Quer dizer: tivemos duas escolas abertas, produzindo pilotos desde o voo elementar, com a produção média anual em dez anos de: aviação naval, 2,8 por ano; aviação do Exército, 30 por ano.
Não parece exagerado concluir, quem haja prática de administração pública, que algo digno de estudo e correcção, do ponto de vista de rendimento ou falta de rendimento e economia ou falta dela, se apresenta.
12. Quanto à primeira questão -unificação das forças aéreas - a Câmara, por maioria, entendeu que a resposta devia ser positiva, com base em razões de economia, nas de possibilidade mais fácil de traçar directivas comuns em política aérea e na experiência de diversos países.
Na verdade os Estados não podem deixar de atender ao volume dos órgãos na sua distribuição por compartimentos de direcção superior governamental. No caso de grandes volumes chega-se a ter «Ministério dos Correios» ou das «Pensões de Guerra»; no caso de pequenos volumes agrega-se uma actividade minúscula a outra pouco ou nada afim. É o caso, por exemplo, de países cuja força armada, por pequena, se agrega a um Ministério não militar; é caso ainda de o jogo do xadrez estar integrado na Direcção-Geral da Educação Física e Desportos.
Claro que na situação presente a aviação naval, havendo o Ministério da Marinha, neste tinha, como tem tido, cabimento. Porém, por todas as razões expostas e mais a de não haver inconveniente palpável no tentar da experiência, entende a Câmara que a aviação naval deve passar ao Subsecretariado da Aeronáutica. Sob que forma?
13. O Governo, no preâmbulo das propostas de lei n.ºs 186 e 187, nomeadamente 110 n.º 9,, alínea c), expõe as modalidades que a Câmara apreciou:
a) Centralização para efeitos de administração e preparação e descentralização para efeitos de emprego em tempo de paz e em tempo de guerra;
b) Descentralização no mesmo regime, só em tempo de guerra.
A Câmara acordou em que para a aviação de cooperação com o Exército se adoptasse a última modalidade e para a aviação de cooperação naval se adoptasse a primeira, isto é, descentralização desde o tempo de paz.
Quanto à aviação de cooperação com o Exército baseou-se em argumentos apresentados, tendentes a dar peso aos factores da adaptabilidade de emprego de materiais, economia e facilidade inerentes à concentração.
No que respeita à aviação de cooperação naval a Câmara decidiu propor a descentralização desde o tempo de paz, com base em razões expostas por técnicos da Marinha, que salientaram o melhor rendimento desta aviação se, desde a paz, à Armada estivesse entregue, dado que o seu pessoal necessita conhecimentos de índole naval, em particular dos de táctica, muito mais absorvível no grau conveniente se o pessoal fosse originário da Marinha e com esta estivesse em contacto permanente.
C) Disposições penais
14. Não concorda a Câmara com a inclusão na proposta de lei de matéria que entende estar já regulada no Código de Justiça Militar e Código Penal, afinal mandados aplicar à Aeronáutica pelo corpo do artigo 33.º da proposta de lei.
Na discussão na especialidade se retomará a matéria em pormenor.
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II
Análise na especialidade
15. Artigo 1.º:
Usa-se na proposta ora a expressão «aeronáutica militar» ora a expressão «forças aéreas». Parece que uma bastava, embora na Armada se tenha hoje a designação «Marinha» ao lado daquela e com significado possivelmente análogo, pelo menos para o vulgo.
Não se vê grande inconveniente em manter duas expressões, mas entende-se mais apropriado deixar à expressão «aeronáutica militar» o sentido lato, abrangendo todo o conteúdo do sistema aeronáutico, incluindo portanto o próprio Subsecretário e seu Gabinete, e à expressão «forças aéreas» o sentido mais restrito da «força militar aérea» conjunta, com seus serviços anexos.
A esta entende-se que deve logo de início dar-se designação vivaz, atraente e não amorfa ou que exija adjectivação complementar não regulamentada. Como há uma United States Air Force (U. S. A. F.), uma Royál Air Force (R. A. F.) ou uma Força Aérea Brasileira (F. A. B.), propõe a. Câmara Corporativa que as forças aéreas ora criadas se designem por Forças Aéreas Portuguesas (F. A. P.), entrando assim nela sempre o adjectivo, ou sua abreviatura, símbolo nos séculos xv e xvi do povo mais conhecido na Terra e no Mar, ao dar com os descobrimentos «novos mundos ao Mundo».
Esta designação até evitaria certas dificuldades inerentes à distinção entre Forças Aéreas no sentido do exército do Ar e forças aéreas como unidades tácticas ou orgânicas.
Aliás, o próprio Exército analogamente procede em campanha ao pôr nos documentos: «Exército Português».
Dir-se-ia portanto: Subsecretariado da Aeronáutica Militar, curso de Aeronáutica Militar, capitão aviador de Aeronáutica Militar (a distinguir de capitão de Aeronáutica Mercante); capitão médico da Aeronáutica Militar, capitão de infantaria na Aeronáutica Militar. Mas dir-se-á: chefe do Estado-Maior das F. A. P., comandante do 6.º grupo de caça das F. A. P., etc.
Propõe-se emendar a redacção da proposta de lei neste sentido.
Introduziu-se no texto matéria que desde logo define em traços largos a existência e dependência das forças de cooperação.
Propõe-se pois a redacção:
Artigo 1.º A Aeronáutica Militar, constituída pelas Forças Aéreas Portuguesas (F. A. P.), tem por fim essencial:
a) A defesa do espaço aéreo que cobre o território nacional, na metrópole e nos territórios de além-mar ;
b) A cooperação com a força terrestre e naval.
§ 1.º A Aeronáutica Militar dispõe de forças aéreas para operações independentes e de forças aéreas de cooperação.
§ 2.º As forças aéreas de cooperação com as forças terrestres poderão ser colocadas à disposição do Ministério do Exército para emprego pêlos respectivos comandos.
§ 3.º As forças aéreas de cooperação com as forças navais ficarão permanentemente atribuídas - ao Ministério da Marinha, nos termos do § 3.º do artigo 7.º
16. Art. 2.º:
a) O artigo 5.º contém matéria que parece repetir, por outras palavras, ideia posta já no artigo 2.º - a direcção superior do Subsecretariado sobre as F. A. P. Seja ou não sensivelmente a mesma ideia, parece mais
lógico agrupá-las para que logo de uma só vez se conheçam as funções gerais do Subsecretariado e do Subsecretário;
b) O § único do artigo 5.º trata de matéria de inspecção da Aeronáutica Civil, acção bem diferente da direcção de forças aéreas, pelo que parece melhor isolar aquela em artigo à parte - o 5.º, extirpando este do corpo que passaria ao artigo 2.º
Assim se procedeu na nova redacção proposta.
17. Art. 3.º (Sem alteração).
18. Art. 4.º:
Estabelecendo a Constituição, lei primordial do País, uma obrigação, não parece adequado que nova lei venha incisivamente impor o respeito àquela obrigação.
Não parece sequer necessário referi-la, mas, no intuito de alterar o menos possível o texto, propôs-se outra forma para o começo do artigo. Em vez de dizer-se «A organização das forças aéreas deve respeitar o princípio da unidade de organização militar previsto na Constituição Política», sugere-se forma mais doce, tipo apenas de lembrança: «Dentro do princípio de unidade ... etc.».
Assim se procedeu na redacção proposta.
19. Art. 5.º:
a) As primeiras três linhas, como se disse, repetem sensivelmente, por outra forma, ideia contida no artigo 2.º Passam-se para este.
b) O restante - § único - transformou-se em artigo. Trata matéria diferente: Aeronáutica Civil.
c) Julga-se que, por lapso, se excluiu o Ministro das Comunicações da lista do entidades a quem se deve solicitar anuência para a inspecção às obras da Aeronáutica Civil. No momento, estando concentrados nas mãos de uma só pessoa o Comando-Geral da Aeronáutica Militar e a Direcção-Greral da Aeronáutica Civil, tal anuência compreende-se esteja virtualmente obtida, mas não parece que se possa na lei dispensá-la, quando se exige se obtenha da parte do governador de qualquer província ultramarina. Nesse sentido se propõe correcção do artigo. Assim o último período do artigo 5.º ler-se-ia:
Todos os actos de inspecção e fiscalização nos territórios da metrópole e do ultramar serão, porém, executados por intermédio do Ministro das Comunicações para os primeiros e dos respectivos governadores para os últimos.
20. Art. 6.º:
Pelas razões expostas na apreciação na generalidade propõe-se que se elimine a especificação relativa à divisão em regiões aéreas.
21. Art. 7.º:
Entendeu a Câmara que se devia tomar posição clara quanto à existência e grau de dependência das forças de cooperação, pelo que adita ao segundo período dois parágrafos referentes à aviação de cooperação naval: um determinando a sua existência permanente, outro a sua incorporação na Marinha, excepto para certos eleitos especificados.
22. Art. 8.º:
Linha 5: depois da palavra «operações» acrescentar «(F. A. O.-)», para desde já ficar estabelecido, a exemplo do Exército, as iniciais a usar e o que significam.
23. Art. 9.º (Sem alteração).
24. Art. 10.º:
a) «F. A. P.», em vez de «Forças Aéreas»;
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b) Aparece o termo «generais de brigada», em vez de «brigadeiros».
Cumpre não esquecer que pela nova lei se cria um novo Exército -o do Ar-, cujos postos não têm necessariamente designações idênticas às usadas nas forças terrestres ou navais.
25. Art. 11.º:
«F. A. P.», em vez de «Forças Aéreas». Cortou-se «generais» por se entender que é o comando que interessa proteger.
26. Art. 12.º:
«F. A. P.», em vez de «Forças Aéreas».
27. Art. 13.º (Sem alteração).
28. Art. 14.º:
a) A frase referente ao carácter urgente parece não ter significado de execução palpável, pois o grau de urgência real alguém, em nome do Governo, há-de precisá-lo especificamente, por directivas, ordens ou instruções, concretas.
Além disso, na alínea 3) aparece novamente a palavra «urgente». Só nesta alínea se deixa a designação, por contender com bens ou pessoas não vincadamente dependentes do Estado e no intuito de libertar as leis quanto possível do que não ofereça-substancial conteúdo;
b) Na mesma ordem de ideias se propõe a eliminação do advérbio «necessariamente».
29. Art. 15.º (Sem alteração).
30. Art. 16.º (Sem alteração).
31. Art. 17.º:
Propõe-se pôr «nacional» em vez de «metropolitano» na alínea 3), para ficar de acordo com as alíneas 2) e 4).
32. Art. 18.º:
a) Corpo do artigo: «F. A. P.», em vez de «Forças Aéreas», e depois de «além»: «dos serviços próprios», cortando sou nele incluídos».
6) § único.
Não parece poder desprezar-se certa especialização de alguns órgãos, ou da qualidade das suas funções, no sentido aéreo. Assim, nos Estados Unidos da América, até no serviço que parecia não ter especialização na aeronáutica -a alimentação-, ela foi reconhecida. Surgiu o inconveniente de alimentar aviadores nas messes com ementas tipo infantaria, na base de hidratos de carbono, com o resultado de que nas altitudes, com o decréscimo de pressão, se ocasionavam perigosos incidentes fisiológicos.
Por outro lado a medicina aeronáutica constitui um ramo importante especializado da arte médica. Nos Estados Unidos da América, além da Escola de Medicina Aeronáutica, existe o Laboratório Aero-Médico, em permanente investigação.
Dá-se ideia da importância do ramo citando-se parte do esforço feito pêlos serviços da medicina aeronáutica da U. S. A. F. no ano de 1948, o da libertação da aeronáutica americana:
Processos de investigação e de melhoramento de condições, completados ... 400
Processos da investigação e de melhoramento de condições, iniciados ..... 667
Processos da investigação e de melhoramento de condições,
correndo por mão do próprio chefe de serviço (Air Surgeon) .............. 106
Estudos sucessivos permitiram, por exemplo, chegar ao uso em boas condições do oxigénio líquido, que ocupa só um nono do espaço do oxigénio gasoso, e, para proteger o piloto dos insidiosos efeitos da anoxia, desenvolve-se aparelhagem capaz de medir as ondas irradiadas do cérebro e dar alarme quando aquelas descaem abaixo do normal ou do limite admissível sem perigo.
Com base no exposto se propõe se acrescente ao § único:
... e desenvolvimento ou arranjo adequado dos serviços que hajam de especializar-se para conveniente uso pelas F. A. P., nomeadamente o de medicina aeronáutica.
c) Além disso substitui-se «Ministério do Exército» por «Ministérios Militares».
33. Art. 19.º:
«F. A. P.», em vez de «Forcas Aéreas».
34. Art. 20.º (Sem alteração).
35. Art. 21.º:
a) Corpo do artigo: Um pouco para clareza- e para variação do sujeito da oração, propõe-se nova redacção:
Como órgão superior do comando das F. A. P. existirá um Comando-Geral das Forças Aéreas Portuguesas, subordinado ao chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas.
Sob a directa dependência do Comando-Geral das F. A. P. estarão:
1.º As forças aéreas para operações independentes (F. A. O. I.);
2.º As forças aéreas de cooperação (F. A. C.);
3.º As unidades de instrução ou escola necessárias à preparação das forças anteriormente designadas.
Quanto ao § 1.º propõe-se:
b) Alterar a designação «pesquisa» para detecção, visto este termo parecer mais específico e adequado ao conteúdo científico da aparelhagem que permite a descoberta do inimigo, baseada aquela em sistema electrónico.
c) Alterar a designação «de vigia» para «de contrôle», visto realmente não serem de vigia, mas de coordenação de operações aéreas.
A Câmara reconhece que o termo controle não ó bom português, mas constitui neologismo que a linguagem aeronáutica absorveu, a ponto de, perante a dificuldade em reagir, o extinto Secretariado da Aeronáutica Civil, contra vontade, mas oficialmente - no seu nível -, o introduzir como vocábulo na Aviação Civil, e com ele o verbo regular, correspondente da primeira conjugação, cujo uso se autorizou também, tudo em Ordem de Serviço do respectivo director-geral.
Sem querer justificar um ou outro, dir-se-á, contudo, que no acordo aéreo entre Portugal e Brasil de 10 de Dezembro de 1946 aparece o vocábulo controle, e por sinal em expressão onde mais facilmente se evitaria o uso, do que no sentido técnico. Refere-se lá ao controle efectivo das empresas aéreas. Poderia, pois, talvez desprezar-se no acordo e agora na proposta de lei, mas facto inegável é o de a língua, instrumento vivo feito pelo povo no seu falar diário, resistir à fiscalização ou cotrôle dos beletristas e gramáticos.
Tratando-se de termo técnico, que existe em inglês, francês e espanhol -as três línguas oficiais da I.C.A.O. (International Civil Aviation Organisation) - e corrente no Brasil, julga a Câmara poder aceitar-se como facto consumado a entrada deste neologismo, a título técnico, na língua portuguesa, dadas as grandes facilidades que oferece e o ser de uso corrente na Aviação Militar e Civil;
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d) Também discorda a Câmara da restrição posta à designação de unidades de busca e salvamento ao indicar-se como sendo só para mar em país de extensos territórios desérticos e florestados;
e) No § 2.º propõe-se a seguinte redacção:
As forças aéreas de cooperação compreendem unidades destinadas à cooperação com as forças militares de terra e unidades especializadas destinadas à cooperação com as forças militares navais, designadamente na protecção das comunicações marítimas contra ataques de submarinos e, de uma forma geral, na defesa das costas.
36. Art. 22.º (Sem alteração).
37. Art. 23.º:
A lei deve dar uma ideia do que se entenda por aeródromo-base e campo circunstancial, como o dá para as bases aéreas, no artigo 22.º
Propõe-se, pois, a seguinte redacção:
Art. 23.º As unidades e formações das forças aéreas devem normalmente estacionar em bases aéreas. Podem, contudo, em virtude de necessidades especiais de ordem militar, ser estabelecidas em aeródromos-bases dispondo de órgãos de manutenção de escalão inferior aos das bases aéreas, ou em campos circunstanciais, que não terão organização permanente de manutenção.
38. Art. 24.º:
Corpo do artigo (Sem alteração). § único: em vez de «quadros do Exército de terra», leia se: «quadros do Exército ou da Armada».
39. Art. 25.º:
Substitui-se «fechado» por «com quadro próprio» e a seguir a estudo-maior acrescenta-se: sou um dos cursos navais de guerra».
40. Art. 26.º (Sem alteração).
41. Art. 27.º (Sem alteração).
42. Art. 28.º (Sem alteração).
43. Art. 29.º:
Afigura-se confuso. Assim, o adjectivo «complementar» aparece no § 1.º e no § 2.º fazendo parte de dois conteúdos que a própria Lei diferencia ao estabelecer a sinopse da instrução.
Propõe-se pois:
a) Leia-se «especificamente militar», em vez de «militar propriamente dita», expressão que se julga de evitar;
b) No § 2.º, primeira linha, em vez de «terá por fim», pôr «compreende»;
c) Na alínea c) cortar «complementar», para não se confundir com a alínea a) do § 1.º
44. Art. 30.º:
De novo aparece o adjectivo «complementar». Propõe-se eliminá-lo pela razão geral exposta. Antepôs-se a «impedimento» o artigo «o».
45. Art. 31.º:
a) Porque pode convir assegurar o recrutamento das duas fontes militares, terra e mar, propõe-se aditamento ao § único:
O Subsecretariado da Aeronáutica, em ligação com os Ministérios da Marinha e do Exército, estabelecerá anualmente as necessidades em pessoal para a formação dos quadros referidos neste artigo.
b) Cortou-se «quadros privativos e eventuais» por se julgar confusa a expressão;
c) Corta-se a alínea b), deslocada, e com ela forma-se um artigo nas «Disposições diversas».
46. Art. 32.º (Sem alteração).
47. Art. 33.º:
d) Linha 4: «F. A. P.», em vez de «Forças Aéreas»;
b) § único: eliminar, por legislar sobre matéria já legislada de forma precisa nos artigos 190.º e 191.º do Código de Justiça Militar que o corpo do artigo manda aplicar à Aeronáutica Militar. Além disso, afigura-se forma demasiado incisiva de redacção, ou de ideia, considerar como crime a inaptidão, em especial quando esta der como resultado apenas pequenos estragos, relativamente frequentes ao aterrarem na pista pilotos novos. Pela letra da proposta de lei teriam de responder nos tribunais, o que, além de outros inconvenientes óbvios, teria o de, ao serem absolvidos, impedir-se depois os comandos da aplicação de qualquer pena disciplinar se acaso à inaptidão se somasse pequena parcela de negligência, já que a absolvição impediria acção sobre o presumido delinquente.
48. Art. 34.º (Sem alteração).
49. Art. 35.º (Novo):
Deslocação da alínea b) do artigo 31.º
III
Conclusões
50. A Câmara Corporativa concorda de forma geral com a doutrina da proposta de lei n.º 186 o, consequentemente, propõe a sua aprovação à Assembleia Nacional, com as emendas introduzidas, nos termos seguintes:
CAPITULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º A Aeronáutica Militar, constituída pelas Forças Aéreas Portuguesas (F. A. P.), tem por fim essencial:
a) A defesa do espaço aéreo que cobre o território nacional na metrópole, e nos territórios de além-mar;
b) A cooperação com as forças terrestres e navais.
§ 1.º A Aeronáutica Militar dispõe de forças aéreas para operações independentes e de forças aéreas de cooperação.
§ 2.º As forças aéreas de cooperação com as forças terrestres poderão ser colocadas à disposição do Ministério do Exército para emprego pêlos respectivos comandos.
§ 3.º As forças aéreas de cooperação com as forças navais ficarão permanentemente atribuídas ao Ministério da Marinha, nos termos do § 3.º do artigo 7.º
Art. 2.º A Aeronáutica Militar, incluindo o material e infra-estruturas que lhe são próprios, será, no plano governamental, administrada, por um Subsecretariado e Estado, que funcionará na Presidência do Conselho, na dependência e sob a responsabilidade do Ministro da Defesa Nacional.
Art. 3.º Quando as circunstâncias o aconselhem ou imponham, podem ser constituídas, normal ou eventualmente, forças a éreas nos territórios de além-mar. As forças aéreas portuguesas estacionadas na metrópole ou nas províncias ultramarinas podem ser empre-
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gadas pelo Governo dentro ou fora do território sujeito à soberania portuguesa, conforme as conveniências nacionais o exigirem.
Art. 4.º Dentro do princípio de unidade da organização militar previsto na Constituição Política, em tudo que não seja imposto pela normal natureza especializada das forças aéreas será rigorosamente observada a identidade de formação de oficiais e sargentos e a unidade do material.
§ 1.º Salvo, também, no que se refere à especialização imposta pelas circunstâncias, os princípios que regem a instrução táctica e técnica das tropas e o seu emprego em campanha serão comuns aos vigentes nos exércitos de terra e mar.
§ 2.º E da competência do Ministro da Defesa Nacional mandar aplicar à Aeronáutica Militar as disposições regulamentares em vigor no Exército e na Armada consentâneas com o seu modo particular de actuação, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra.
Art. 5.º Competem ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica a inspecção militar e fiscalização das possibilidades de aproveitamento e a preparação de requisição militar em tempo de guerra das organizações, materiais especializados e infra-estruturas da Aeronáutica Civil existentes no território nacional, na metrópole ou nas províncias de além-mar.
§ único. Todos os actos de inspecção e fiscalização nos territórios da metrópole e do ultramar serão, porém, executados por intermédio e com a anuência do Ministro das Comunicações, para os primeiros, e dos respectivos governadores, para os últimos.
CAPÍTULO II
Divisão aeronáutica militar do território nacional
Art. 6.º O conjunto do território nacional na metrópole e nas províncias ultramarinas dividir-se-á em regiões aéreas a determinar pelo Governo.
§ 1.º A divisão militar aeronáutica do território nacional tem por fim permitir:
a) A preparação e a execução das operações de recrutamento, instrução e mobilização das forças aéreas, recursos e infra-estruturas aeronáuticas de toda a espécie;
b) A preparação e execução das medidas relativas a defesa aérea do território;
c) O exercício do comando superior das forças aéreas nas respectivas áreas e a execução das missões que às mesmas incumbem.
§ 2.º Dentro de cada região aérea, para efeitos de recrutamento, a Aeronáutica Militar aproveita a organização territorial em vigor no exército de terra. Para efeito de operações, o território das regiões aéreas pode ser subdividido em zonas, sempre que as circunstâncias o aconselhem ou imponham.
Art. 7.º A preparação e a organização da defesa do espaço aéreo do território das regiões contem-se nas atribuições do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
§ 1.º Desde o tempo de paz serão, sob a égide do Ministro da Defesa Nacional, acordadas entre o Subsecretariado de Estado dia Aeronáutica e os Ministérios do Exército e da Marinha as disposições relativas à cooperação com as forças terrestres e navais.
§ 2.º Existirão, porém, sempre as forças aéreas de cooperação com as forças navais que forem julgadas necessárias em conformidade com o disposto no parágrafo anterior.
§ 3.º As forças aéreas de cooperação com as forças navais consideram-se como incorporadas na Marinha para todos os efeitos, salvo os de instrução básica e os de manutenção do material e outros de interesso comum.
§ 4.º Para efeito de operações, todas as forças e meios de defesa contra aeronaves orgânica e administrativamente dependentes dos Ministérios do Exército ou da Marinha, salvo as que devam ser atribuídas à protecção imediata das forças terrestres e navais, ficam à disposição do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica. Ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional campe-te seguir a preparação das mesmas forças e promover as disposições necessárias ao seu emprego.
§ 5.º Na imediata dependência do Subsecretário de Estado da Aeronáutica exerce a sua acção o chefe do Estado-Maior das F. A. P., a quem cabe o comando superior das respectivas forças e é o primeiro responsável militar pela sua preparação.
CAPITULO III
Organização geral, mobilização ei constituição das forças aéreas de campanha
Art. 8.º Para a realização de operações militares, em qualquer ponto do território nacional ou fora dele, poderão constituir-se, sob o mesmo comando, agrupamentos de forças aéreas com a designação de forças aéreas em operações (F. A. O.), cuja organização e repartição geral serão determinadas, para cada caso, de harmonia com os objectivos fixados pelo Governo ou definidos nos respectivos planos de defesa.
§ único. Poderão ser mandadas ficar na directa dependência dos comandos das forças terrestres e navais forças aéreas constituídas para a protecção e transporte das mesmas forças ou para a cooperação directa nas operações a seu cargo.
Art. 9.º A organização para operações das forças aéreas terá sempre como base a existência de unidades de aeronáutica o das formações do serviços indispensáveis à vida em campanha das primeiras. Eventualmente podem ser integradas nas forças aéreas em operações, fazendo ou não organicamente parto delas, unidades de pára-quedistas.
§ 1.º As forças aéreas em operações são normalmente organizadas e constituídas por pequenas unidades, que podem ou não associar-se em granules unidades para actuação independente.
§ 2.º A brigada aérea será, quando necessário ou conveniente, o tipo de grande unidade normalmente considerado.
§ 3.º As pequenas unidades serão designadas por grupos, esquadras e esquadrilhas.
§ 4.º A composição da brigada aérea e das pequenas unidades normalmente constituídas constará dos regulamentos para o serviço de campanha.
Art. 10.º Em campanha, o comando superior de todas as forças aéreas em operações é exercido pelo general chefe do Estado-Maior das F. A. P.
§ 1.º As brigadas aéreas serão comandadas por generais de brigada. Os grupos, esquadras e esquadrilhas serão, normal e respectivamente, comandados por tenentes-coronéis, majores e capitães. O comando dos agrupamentos de dois ou mais grupos, formando ou não regimentos, pertence normalmente a oficiais com a patente de coronel.
§ 2.º Em qualquer caso os oficiais de aeronáutica investidos em funções de comando são sempre hierarquicamente superiores a todos os militares e funcionários que façam parte da unidade ou agrupamento entregue à sua jurisdição.
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Art. 11.º São atribuições privativas do chefe do Estado-Maior das F. A. P.
a) A elaboração dos planos de acção e de emprego das forças aéreas, de harmonia com os planos gerais de defesa aprovados e as instruções particulares do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas;
b) O comando superior das operações aéreas necessárias ao desenvolvimento dos respectivos planos;
c) A alteração da ordem de batalha inicial das forças aéreas;
d) A nomeação, exoneração ou transferência do pessoal militar ou civil seu subordinado, com excepção dos comandantes de brigada, cuja designação carece sempre do acordo do Subsecretário de Estado da Aeronáutica.
§ único. O Governo definirá para cada caso os limites em que ficarão subordinadas, ou na directa dependência dos comandantes de forças aéreas em operações, as infra-estruturas ou equipamentos de qualquer natureza necessários ao exercício da sua actividade ou ao cumprimento da missão que lhes foi confiada.
Art. 12.º O chefe do Estado-Maior das F. A. P. e os comandantes imediatamente subordinados disporão sempre, no exercício das suas funções, de um estado-maior e das chefias de serviços indispensáveis à preparação e execução das operações e ao emprego das forças colocadas sob a sua jurisdição.
§ 1.º A administração superior das forças aéreas em operações é exercida pelo chefe do Estado-Maior das F. A. P., que recebe os respectivos poderes por delegação do Subsecretário de Estado da Aeronáutica e que por sua vez os pode delegar mós comandantes de brigada ou nos comandos de forças aéreas operando independentemente. O chefe do Estado-Maior das F. A. P. dispõe dos créditos destinados às despesas inerentes às operações, respondendo por eles perante a Contabilidade Pública, pela forma que for regulamentada.
§ 2.º A administração no comando superior e nas unidades é exercida por intermédio de órgãos postos à sua disposição pana o exercício do comando, mas o comandante de qualquer unidade é sempre responsável pela sua administração perante o comando de que depender.
Art. 13.º A mobilização total ou parcial das forças aéreas, preparada desde o tempo de paz, será integrada na mobilização militar prevista nos planos de defesa ou extraordinariamente determinada pelo Governo e terá por fim o aproveitamento integral ou parcial dos recursos nacionais que constituem ou podem influir no potencial aeronáutico militar da Nação.
§ único. A constituição das forças aéreas em operações objecto dos planos de mobilização é da competência do Governo, que, para o efeito, poderá convocar e requisitar livremente os quadros de complemento e todo o pessoal e material julgados necessários.
A mobilização geral importa normalmente:
a) A passagem de todas as bases, unidades e formações da Aeronáutica a pé de guerra;
b) A constituição de novas unidades e formações;
c) O melhoramento das infra-estruturas e equipamentos existentes e a constituição de novos equipamentos e infra-estruturas.
Art. 14.º A mobilização das forças aéreas envolve:
1) O direito de chamada às fileiras de todo o pessoal sujeito a obrigações militares e pertencente à Aeronáutica, seja qual for a sua situação ;
2) O direito de afectação pelo Governo de qualquer outro pessoal especializado no serviço aeronáutico militar, mesmo que não esteja sujeito a obrigações militares;
3) O direito de o Governo requisitar, com carácter urgente, todos os terrenos, instalações ou materiais ou elementos de qualquer natureza indispensáveis ao serviço da Aeronáutica;
4) O direito de afectar ao serviço militar aeronáutico todas as instalações ou serviços de aeronáutica civil e comercial constituídos em qualquer ponto do território nacional, incluindo o pessoal, o material e as infra-estruturas.
§ único. Não serão abrangidos pelas disposições anteriores o pessoal, terrenos e outros elementos materiais que estejam ao abrigo de acordos internacionais em que concretamente se definam as isenções a observar.
Art. 15.º A preparação e execução da mobilização das forças aéreas, sob a orientação do chefe do Estado-Maior das F. A. P., compete normalmente:
a) Às bases aéreas e outras unidades permanentes para as tropas activas;
b) Aos centros de mobilização para o pessoal especializado, na situação de licenciado, e para qualquer outro pessoal técnico que seja necessário mobilizar ou requisitar.
§ único. Na Aeronáutica Militar não será organizado o escalão das tropas territoriais para o pessoal do serviço geral. Todo o pessoal licenciado, sem especialização, que atinja a idade de 40 anos é transferido para as tropas territoriais do Exército.
Art. 16.º A mobilização militar na Aeronáutica é determinada em ordens de mobilização do Subsecretário de Estado, assinadas e transmitidas às autoridades civis e militares interessadas.
As ordens de mobilização serão tornadas públicas pêlos meios usuais e constituem forma de intimação bastante para obrigar todo(r) os indivíduos por elas abrangidos.
CAPITULO IV
Organização geral da Aeronáutica Militar em tempo de paz
Art. 17.º A organização das forças aéreas em tempo de paz tem por fim:
1) A instrução geral e especial de todos os indivíduos incorporados aia Aeronáutica, bem como a formação de quadros permanentes e de complemento de oficiais, sargentos e especialistas ;
2) A preparação e execução da mobilização, transportes e (concentração de todas as forças aéreas destinadas a operar em território nacional ou fora dele;
3) A vigilância e a cobertura aérea inicialmente necessárias à inviolabilidade dos pontos ou zonas vitais do território nacional;
4) O reforço dos meios normalmente existentes para a defesa dos pontoa vitais do território nacional, bem como para a cooperação com quaisquer forças destinadas a lutar dentro ou fora do território nacional.
Art. 18.º Para a execução das missões anteriormente designadas, além do Subsecretariado de Estado e dos serviços próprios, haverá em relação a todo o território nacional:
a) O Estado-Maior das F. A. P.;
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b) A organização territorial correspondente à respectiva divisão aeronáutica militar;
c) Aã tropas, escolas, centros de ilustração, depósitos e serviços técnicos indispensáveis à existência e regular funcionamento das forças aéreas.
§ único. A Aeronáutica Militar não terá órgãos territoriais privativos dos serviços de saúde e de administração militar, utilizando para satisfação das necessidades desta natureza e de quaisquer outras não afectas aos sente serviços especializados a organização normal e os serviços existentes nos Ministérios militares. Regulamentos especiais prescreverão as normas de utilização necessárias e o desenvolvimento ou arranjo adequado dos serviços que hajam de especializar-se para conveniente uso pelas F. A. P., nomeadamente os de medicina aeronáutica.
Art. 19.º O Subsecretário d(c) Estado exerce a sua acção por intermédio do chefe do Estado-Maior das F. A. P., que será a autoridade militar e técnica superiormente responsável pela eficiência e preparação para a guerra de todas as forças aéreas.
§ único. Quando necessidades especiais de defesa ou o desenvolvimento dos serviços assim o determinem, poderão ser constituídos, nas regiões aéreas em que se subdivide o território nacional, comandos militares aeronáuticos privativos, por intermédio dos quais o chefe do Estado-Maior das F. A: P. exercerá a sua acção de comando sobre todos os órgãos de defesa aérea.
Art. 20.º A organização militar territorial ,tem por fim:
a) O recrutamento e a incorporação do pessoal necessário à composição e constituição das forças aéreas;
b) A instrução especial ou a instrução geral e especial dos mancebos recrutados por imposição normal do serviço militar ou voluntariamente inscritos;
c) A formação profissional dos quadros de oficiais, sargentos e especialistas destinados ao serviço da Aeronáutica, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra, bem como, total ou parcialmente, a instrução complementar necessária à preparação e selecção dos referidos quadros;
d) A preparação e execução das medidas necessárias à constituição das forças aéreas em operações e as relativas à mobilização em todo o território nacional;
e) A preparação e execução de todas as providências necessárias à construção e actualização das infra-estruturas e de quaisquer instalações aeronáuticas especializadas julgadas necessárias.
Art. 21.º Como órgão superior de comando das F. A. P. existirá o Comando-Geral das Forças Aéreas Portuguesas, subordinado ao chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas.
Sob a directa dependência do Comando-Geral das F. A. P. estarão:
1.º As forças aéreas paru operações independentes (F. A. O. L);
2.º As forças aéreas de cooperação (F. A. C.);
3.º As unidades de instrução ou de escola necessárias à preparação das forças anteriormente designadas.
§ 1.º As forças para operações independentes compreendem unidades de caça, de detecção, de contrôle, de busca e salvamento, de transporte e, eventualmente, de unidades de bombardeamento.
§ 2.º As forças aéreas de cooperação compreendem unidades destinadas à cooperação com as forças militares de terra e unidades especializadas destinadas à cooperação com as forças militares navais, designadamente na protecção das comunicações marítimas contra ataques submarinos e, de uma forma geral, na defesa das costas.
§ 3.º As unidades de instrução de escola ou de treino destinam-se à instrução elementar do pessoal e à preparação complementar necessária ao serviço ulterior nas esquadras.
Art. 22.º As forças aéreas designadas no artigo anterior podem Constituir unidades independentes ou estar agrupadas em bases aéreas localizadas no território nacional de harmonia com as facilidades logísticas e possibilidade de preparação de infra-estruturas adequadas.
§ 1.º As bases aéreas dispõem de órgãos de comando, de instrução e de administração adequados, incluindo as oficinas de manutenção de material suficientes para a conservação e reparação do material que lhes está adstrito.
§ 2.º Em cada base aérea estacionam normalmente esquadras ou grupos de esquadras de tipo uniforme. Sempre que as circunstâncias imponham a localização na mesma base aérea de unidades de tipo diferente, deverão estas ser independentes, embora subordinadas ao mesmo comando da base e utilizando em conjunto os órgãos de administração e de manutenção existentes.
Art. 23.º As unidades e formações das «forças aéreas devem normalmente estacionar em bases aéreas. Podem, contudo, ser estabelecidas em aeródromos-bases - dispondo de órgãos de manutenção mais reduzidos do que os das bases aéreas - ou em campos circunstanciais, estes sem qualquer prévia organização de manutenção, em virtude de necessidades especiais de ordem militar.
§ único. Além das funções relativas à instrução geral e preparação para a guerra, as bases aéreas destinam-se ainda a assegurar:
a) A preparação táctica, profissional e técnica dos quadros permanentes e de complemento;
b) O reforço dos efectivos normais das unidades nelas estacionadas, de harmonia com a necessidade da defesa nas diferentes circunstâncias;
c) O aumento número de unidades e formações na previsão de eventuais responsabilidades de defesa impostas pela situação político-militar.
Art. 24.º A actividade normal da Aeronáutica Militar desenvolve-se através de duas espécies de serviços, a saber:
a) Serviço especial da Aeronáutica, que abrange todos os órgãos e elementos que concorrem para a (preparação táctica e técnica das forças aéreas, incluindo a -regular manutenção do material;
b) Serviço geral da Aeronáutica, abrangendo os órgãos e elementos especialmente encarregados da segurança e administração das mesmas forças, incluindo os serviços de saúde, de administração militar, de material de guerra e outros serviços auxiliares.
§ 1.º O serviço especial da Aeronáutica é normalmente desempenhado por pessoal dos quadros privativos das forças aéreas, a título permanente ou eventual.
§ 2.º O serviço geral é, em regra, desempenhado por pessoal privativo dos quadros do Exército ou da Armada, posto à disposição da Aeronáutica na situação
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de adido aos quadros do origem, e ainda por pessoal dos quadros privativos das forças aéreas, eventual ou permanentemente incapacitado do serviço do ar, mas com robustez física suficiente para as actividades terrestres indispensáveis à vida das forças aéreas.
Art. 25.º Na Aeronáutica Militar os oficiais do serviço do estado-maior não constituirão um corpo com quadro próprio. Dentro das necessidades previstas na organização dos serviços, os respectivos lugares serão preenchidos por oficiais habilitados com o curso do estado-maior ou um dos cursos navais de guerra existentes no quadro permanente de oficiais da Aeronáutica.
Art. 26.º A organização das forças aéreas deverá prever designadamente os seguintes serviços:
a) De instrução;
b) De transmissões;
c) De aplicações radioelectrónicas;
d) De transportes terrestres;
e) De manutenção, abrangendo o material especializado da Aeronáutica com organização própria e o material de qualquer natureza em serviço, com excepção do material! de guerra e de administração militar;
f) De parque;
g) De infra-estruturas aeronáuticas;
h) De administração e contabilidade, abrangendo o processamento, contabilidade e pagamento de contas.
§ único. A organização de cada serviço deverá ter em vista a natureza especial das forceis aéreas e as conveniências das operações militares em que as mesmas forças tenham de ser empenhadas.
Art. 27.º O número e a composição em tempo de paz das bases aéreas, unidades e formações independentes, bem como do respectivo pessoal especializado, constarão da lei de quadros e efectivos da Aeronáutica Militar.
CAPÍTULO V
Instrução das tropas da Aeronáutica
Art. 28.º A instrução pré-militar: e a instrução geral militar destinada à formação das praças do serviço geral da Aeronáutica é normalmente ministrada nas unidades de infantaria ou de engenharia militar do exército de terra. No final da instrução de recrutas são transferidas para a Aeronáutica Militar as praças indispensáveis ao preenchimento dos quadros das unidades e formações das forças aéreas.
§ único. Para a Aeronáutica Militar podem ainda transitar as praças de qualquer arma ou serviço do Exército ou da Armada que desejarem, como voluntários, seguir a carreira das armas nos quadros permanentes das forças aéreas. quando para tanto reunam as condições legais.
Art. 29.º A instrução profissional, militar e técnica do pessoal da Aeronáutica Militar, com o fim de preparação para a guerra das forças aéreas, compreende:
a) A preparação especificamente militar;
b) A preparação auxiliar.
§ 1.º A preparação especificamente militar tem por fim garantir a eficiência profissional, técnica e moral das diversas unidades e formações das forças aéreas, tendo em vista a possibilidade da sua entrada imediata em operações de guerra, e compreende:
a) A instrução complementar das praças, tendo em vista a sua utilização dentro da Aeronáutica;
b) A instrução táctica e técnica dos oficiais, sargentos o especialistas dos quadros permanentes e milicianos.
§ 2.º A preparação auxiliar compreende:
a) A instrução elementar destinada a ministrar às praças os conhecimentos indispensáveis ao exercício das suas funções e à sua especialização e promoção;
b) A instrução técnica profissional necessária ao pessoal especializado das forças aéreas;
c) A instrução literária e científica destinada a facilitar o recrutamento e o aperfeiçoamento dos quadros.
Art. 30.º A instrução dos disponíveis e dos licenciados far-se-á anualmente, dentro dos períodos previstos na lei de recrutamento. Fará tal efeito, os disponíveis e licenciados do serviço especial e do serviço geral da Aeronáutica Militar serão convocados por classes piara períodos de exercícios ou manobras e destinados às diferentes bases aéreas, a um de ser possível:
a) Elevar aos efectivos de campanha as unidades das forças aéreas normalmente estacionadas nas bases;
b) Permitir a constituição de unidades e formações de manobra correspondentes, em quantidade e composição, às unidades das forças aéreas em operações previstas nos planos de defesa;
c) Efectuar ensaios de mobilização das unidades de campanha previstas nos respectivos planos.
§ 1.º «Os oficiais, sargentos e especialistas do quadro permanente e de complemento nomeados para a constituição das unidades anteriormente indicadas serão, em regra, os designados para efeitos de mobilização.
§ 2.º Durante o período de exercícios ou manobras a que se refere o presente artigo poderá ser solicitado das autoridades militares territoriais do Exército a ocupação ou p impedimento transitório de acesso a propriedades privadas, bem como a interrupção de movimento nas comunicações rodoviárias que sirvam ou interessem à zona dos trabalhos a realizar.
§ 3.º A lei regulará as condições de exercício do direito conferido no. parágrafo anterior e a fornia de indemnização dos prejuízos sofridos.
Art. 31.º A instrução para a formação dos quadros e especialistas do serviço especial da Aeronáutica será administrada:
a) Nas Escolas do Exército ou Naval e na Escola Prática de Aeronáutica, para os oficiais das forças aéreas;
b) Nos cursos de oficiais e sargentos milicianos da Aeronáutica, para os oficiais e sargentos de complemento;
c) Em cursos especializados e nas escolas regimentais, para sargentos e especialistas dos quadros permanentes.
§ único. O Subsecretariado da Aeronáutica, em ligação com os Ministérios da Marinha e do Exército, estabelecerá anualmente as necessidades em pessoal para a formação dos quadros e especialistas referidos neste artigo.
Art. 32.º A instrução complementar dos quadros far-se-á:
a) Em cursor e estágios organizados nas bases aéreas ou em centros de aplicação especialmente organizados;
b) No Instituto de Altos Estudos Militares, para o serviço do estado-maior e para a preparação de altos comandos;
c) Em exercícios ou manobras anuais privativos das forças aéreas ou em cooperação com forças terrestres e navais.
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§ único. A instrução complementar e o treino dos quadros e especialistas de complemento ou de reserva terão lugar nas bases aéreas, em cursos especiais organizados na Escola Prática ou durante os períodos de exercícios ou de manobras anuais.
CAPITULO VI
Disposições diversas
Art. 33.º O pessoal da Aeronáutica Militar fica sujeito às disposições do Código de Justiça Militar e do regulamento de disciplina em vigor nas forças armadas.
§ 1.º O chefe do Estado-Maior das F. A. P. tem competência igual à dos comandantes de região militar para promover o julgamento de delinquentes das forças aéreas em tribunais militares. Será competente para conhecer doa crimes (praticados pelo pessoal das forças aéreas o tribunal militar ou naval em cuja área jurisdicional os mesmos forem cometidos.
§ 2.º O Ministro da Defesa Nacional e o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, têm, para efeitos de justiça e disciplina, incluindo as correlativas recompensas, competência igual à estabelecida na lei paru os Ministros do Exército e da Marinha.
Art. 34.º Para os oficiais do quadro privativo da Aeronáutica será limitado o tempo do comissão de serviço FOIM das tropas de aeronáutica ou do serviço do ar.
§ 1.º Na colocação do pessoal dos quadros e de especialistas deverá atender-se à conveniência de renovar o pesoal nos diferentes serviços, designadamente em relação às missões que em campanha lhes possam competir.
§ 2.º Os oficiais na situação de reserva poderão ser normalmente utilizados em tempo do paz nos serviços do administração ou de manutenção de imitaria ou noutros de natureza. burocrática semelhantes aos anteriormente referidos.
Art. 35.º Poderão frequentar a Escola Central de Sargentos do Exército os sargentos da Aeronáutica em condições do dar ingresso nos quadros dos serviços auxiliares do Exercito.
Palácio de S. Bento, 29 de Fevereiro de 1952.
Afonso Rodrigues Queiró (votei contra a unificação das forças aéreas, e, só porque vencido neste ponto, aceitei a solução intermédia defendida no parecer; e fui da opinião de que o Ministro da Defesa Nacional, órgão criado pelo Decreto-Lei n.º 37:909, de 1 de Agosto de 1950, se restrinja às aliás importantíssimas funções de coordenação e orientação que este diploma lhe cometeu.
I) Votei, disse, por uma aviação naval administrativamente destacada da restante força aérea. Persuadiram-me as razões trazidas à discussão nesta Câmara pêlos Dignos Procuradores oficiais de marinha que nela intervieram. Concluí que a «Marinha» não é hoje constituída, só por navios, mas por estes e por aviões privativamente destinados a cooperar com eles: de força «naval», que foi no passado, tornou-se hoje força «aeronaval». Concluí ainda que é altamente aconselhável recrutar o pessoal a empregar na aviação naval entre marinheiros, já que os homens sem treino marinheiro nunca podem ser bons aviadores navais. Da discussão resultou, finalmente, que a parte mais importante da preparação do marinheiro-aviador naval é especializada, e altamente especializada, em relação à preparação dos outros aviadores militares.
Se assim é, as tarefas administrativas correspondentes à preparação e ao emprego dos meios aeronavais devem compreensivelmente ser confiadas ao departamento que gere os comuns problemas navais, isto é, ao Ministério da Marinha. Não faz grande sentido, creio eu, que problemas navais específicos sejam tratados por autoridades estranhas à Marinha, inclusive no plano puramente administrativo.
Mas, diz-se na proposta do Governo, há necessidade de acabar com duplicações de despesas e de serviços, há, em suma, que fazer as possíveis economias. E a solução que defendo não seria de molde a afastar estas desnecessárias duplicações.
O que é bom é sempre mais caro; mas ao cabo e ao resto ... resulta mais barato. Há, na verdade, que ter em conta a ineficiência provável, em caso de emprego bélico, de lima aviação, de cooperação com a Marinha, constituída por pessoal não marinheiro ou só em parte marinheiro, mal preparado e mal treinado, por isso mesmo. Quanto custaria afinal ao País esse que se nos afigura um erro de organização?
Seja como for, entendo que são realmente de evitar desnecessárias duplicações de serviços e de despesas. A técnica administrativa oferece-nos, porém, bons sucedâneos da fusão de todas as forças aéreas, para que se consiga este objectivo. Nada obsta, com efeito, a que o Ministério da Marinha e o Subsecretariado da Aeronáutica estabeleçam arranjos e celebrem acordos para a utilização em comum por ambos os departamentos de certos serviços realmente susceptíveis de aproveitamento conjunto. Tais arranjos e acordos tornar-se-ão tanto mais viáveis quanto é certo estar o Ministro da Defesa. Nacional, pela índole das suas atribuições e pelo plano em que as exerce, em boas condições para os promover e assegurar.
Para além de tudo, o essencial é que, a pretexto de discutível economia de meios e em homenagem a um ideal de niveladora unidade, se não retirem da administração da Marinha os homens e os meios materiais que têm de operar em cooperação com as forças navais stricto sensu.
Acrescento que, no plano político (ser-me-ia lícito considerar este assunto em perspectiva só técnica?) me parece mal afectar com medidas de secessão, ainda que, porventura, de qualquer modo justificáveis no ponto de vista económico, uma corporação como a Marinha, cujos meios operacionais desceram da superfície às profundidades do mar e do nível das águas subiram por último à altura dos céus, e cujos homens participam do mesmo espírito de confraternidade, quer tripulem o submarino, quer tripulem o navio de superfície, quer tripulem o avião. Há-de, por força, desgostar-se a Marinha?
II) A proposta, situando o Subsecretária do de Estado da Aeronáutica na Presidência do» Conselho, na dependência e sob a responsabilidade do Ministro da Defesa Nacional, leva, embora o não diga, a fazer deste um autêntico ministro da Aeronáutica. Não parece ter sido este o intuito do Decreto n.º 37:909, de 1 de Agosto de 1950, que no seu artigo 6.º, nas relações daquele Ministro com o Subsecretária do de Estado da Aeronáutica, prevê tão-só a coordenação e orientação da sua actividade. A proposta, pelo contrário, dá ao Ministro da Defesa Nacional competência de gestão directa e integral do novo ramo das forças armadas, que fica
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colocado na sua dependência e sob a sua responsabilidade.
De toda a maneira, parece-me preferível que, na escala governamental, não haja um ramo das forças armadas - a Aeronáutica Militar - que obtenha praticamente expressão mais elevada que a dos dois ramos restantes. Deste modo, e porque na solução que defendo o Subsecretariado não englobaria as forças aéreas de cooperação com a Marinha, tive de concluir pela sua inclusão no Ministério do Exército. Foi esse o meu parecer).
Rafael da Silva Neves Duque (votei as alterações aos artigos 1.º e 7.º da (proposta pelas razões e com os objectivos seguintes:
Tendo em atenção as missões e tarefas que necessariamente incumbirão à Marinha em caso de conflito armado, terá de ser tão íntima a cooperação de adequadas forças aéreas com as forças navais que, ao referirmo-nos à marinha de guerra, já se não poderá falar com propriedade de força naval, mas sim de força aeronaval. Sendo assim, parece fora de dúvida que as forças aéreas de cooperação com a Armada deverão considerar-se incorporadas nesta, pois de contrário diminuir-se-á ou sacrificar-se-á a eficiência do conjunto e, {portanto, os próprios objectivos (militares que importa atingir.
Afigura-se-nos que a fórmula adoptada permitirá realizar as economias possíveis, sem prejuízo do interesse mais alto que reside na (preparação, coesão e capacidade de acção das forças aero-navais, visto que, terminada a preparação básica do pessoal para o serviço do ar, ele completará, no meio próprio, isto é, no seio da corporação da Armada, a sina preparação, tomando conhecimento de todos os aspectos da guerra marítima).
Afonso de Melo Pinto Veloso (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Rafael da Silva Neves Duque).
José Joaquim, de Oliveira Guimarães (perfilho u declaração de voto do Digno Procurador Rafael da Silva Neves Duque).
Joaquim de Sousa Uva (fiel ao ponto de vista expresso na minha declaração de voto no parecer da Câmara sobre a proposta de lei n.º 514, de reorganização da defesa nacional, na parte referente à integração de todas as forças aéreas nacionais no Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, que no respectivo preâmbulo era anunciada para breve, continuo julgando, apesar de todas as razões apresentadas no relatório da presente proposta de lei e não parecer, não ser a melhor, no tocante à Armada, uma solução que, sendo preferível à defendida e preconizada ma proposta, retira, ainda assim, da estrutura orgânica da marinha de guerra a sua aviação, arma que, como qualquer outra de bordo, é indispensável aos navios para a execução eficaz de missões, que lhes cabe desempenhar.
O desenvolvimento extraordinário das possibilidades da aviação nos últimos trinta anos, se, na verdade, não alterou os princípios fundamentais da guerra no mar, obrigou a profundas modificações na constituição das forças navais, para que estas pudessem continuar a desempenhar com êxito a sua função essencial - garantir o uso das comunicações marítimas próprias e negar ou contestar ao inimigo o uso das suas.
Assim como antes haviam incorporado nas suas forças, primeiro, os torpedeiros, depois os contra-torpedeiros e, por último, as unidades submarinas, com as quais as potências marítimas mais fracas, não podendo enfrentar a esmagadora superioridade, à superfície, das potências mais fortes, procuram interferir nas comunicações marítimas do adversário, tiveram as mar inibas de guerra de lançar mão dos meios aéreos para fazer face à nova ameaça que passou a impender sobre elas e explorarem em seu proveito as possibilidades e vantagens desses meios no exercício das múltiplas missões que às forcas navais compete realizar para a consecução do seu objectivo fundamental.
A noção de «poder naval» foi assim substituída pela de «poder aeronaval», e as armadas passaram a ser constituídas por forças capazes de actuar nas três dimensões: à superfície, em profundidade e no ar.
A fracção aérea das forças navais, pode ser maior ou menor, embarcada e baseada em terra ou só embarcada ou só baseada em terra, conforme as condições e objectivos particulares de cada país, mas é indispensável, por modestas que sejam essas forças e limitadas as suas missões.
É certo que no Subsecretariado da Aeronáutica, segundo o parecer, além de forças aéreas independentes e de forças de cooperação com o Exército, «existirão sempre as forças de cooperação com as forças navais que forem julgadas necessárias, as quais se consideram incorporadas na marinha para todos os efeitos, salvo os de instrução básica, os de manutenção do material e outros de interesse comum, o que significa que essas forças estariam à disposição dos comandos navais desde o tempo de paz, para instrução especializada, adestramento e utilização. E como, por outro lado, o recrutamento de oficiais para os quadros permanentes das forças aéreas, segundo a proposta de liei de recrutamento, agora também submetida à apreciação da Câmara, poderá fazer-se entre os oficiais oriundos da Escola Naval, além de entre os preparados pela Escola do Exército e pela Escola Prática de Aeronáutica, pode entender-se que estarão assim suficientemente acautelados a, ligação íntima e o conhecimento recíproco de possibilidades e limitações, tácticas e sistemas ou métodos de ataque e de defesa, etc., que devem existir entre as forças navais e a aviação que com elas coopera no exercício de missões comuns, designadamente na luta anti-submarina, que particularmente nos interessa no condicionalismo político-militar actual.
Por minha parte não o julgo assim. O simples facto da concentração das forças aéreas no Subsecretariado implica inevitavelmente a sua administração por este, como aliás se estabelece no artigo 2.º da proposta de lei, e o sistema, embora possa ser considerado teoricamente defensável, não resultará, segundo penso, eficaz na prática, por bons que, no tempo, sejam sempre, como se deve admitir, o entendimento e espírito de leal colaboração entre o Subsecretariado dia Aeronáutica e o Ministério da Marinha. E que, fora propriamente do campo da colaboração aeronaval, estes têm de atender, nos outros sectores das suas respectivas actividades, a múltiplas necessidades e exigências, e isso, só por si, a despeito da boa vontade que ambos tenham de uma cooperação perfeita, pode impedi-los de pôr em prática com o necessário sincronismo as medidas e procedimentos que se imponham para a assegurar.
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A preparação das forças aéreas para a luta sobre o mar, de um modo geral, e, em especial, para a acção anti-submarina requer um alto nível de especialização, que, para ser atingido, exige dos oficiais não apenas formação naval escolar, mas efectivo e prático conhecimento dos métodos e tácticas navais de ataque e defesa, diurnos e nocturnos, dos navios de superfície e dos submarinos - tácticas e métodos estes sempre em evolução, que mais se acentua no decorrer da campanha, pela vívida experiência que proporciona - e uma familiarização com o mar e os diversos tipos de unidades de guerra e mercantes que permita a apreciação e julgamento quase instintivos das situações que possam apresentar-se e a determinação ou estima prontas de todos os elementos necessários à acção a desenvolver.
Modernamente é princípio aceite que à protecção anti-submarina só resulta eficaz quando realizada por navios e aviões, como partes do mesmo todo indivisível, no qual cada elemento tenha plena confiança e aproveite do trabalho dos restantes.
Não basta, pois, que os oficiais das forças de aviação de cooperação naval sejam recrutados de entre os oriundos da Escola Naval - e segundo o relatório da proposta de lei nem todos o seriam: é necessário que eles, já aviadores, façam a sua aprendizagem naval nos navios de superfície, orientada no sentido da sua função específica, e estagiem ou contactem com os próprios submarinos, para conhecimento das suas práticas de defesa e ataque, a fim de, como pilotos ou simples observadores, poderem dar uma colaboração verdadeiramente eficaz aos seus camaradas de superfície ou realizarem mesmo, quando agindo isoladamente, acção anti-submarina (para só falar desta) de facto eficiente; e também que, como aviadores, realizem frequentes exercícios com os próprios navios, em que se reproduzam com a realidade possível as condições em que terão de actuar quando em luta.
Tudo isto exige a preparação e aproveitamento harmónicos e oportunos dos meios navais e aéreos e um ajustamento de actividades no mar e no ar, desde o tempo de paz, que não me parece fácil conseguir na prática, uma vez que, além da preparação e da utilização, a administração das forças aéreas de cooperação naval e das forças navais propriamente ditas não seja comum.
Em tempo de guerra a necessidade de ter concentrada essa tríplice função no departamento orgânico responsável pela condução das operações afigura-se-me ainda mais premente, porque durante ele a coordenação dos diversos elementos necessários à aquisição e aprontamento dos meios e à, coordenação das actividades dos próprios meios no campo da luta tem de atingir o mais elevado grau, para que a acção operacional seja realizada com eficiência e a responsabilidade da sua condução não possa ser repartida. De outro modo, isto é, cabendo a administração de parte dos meios a entidade diferente da que os utiliza, é inevitável a tendência para uma e outra se atribuírem reciprocamente a responsabilidade dos insucessos ou insuficiências que se verifiquem.
Continuando integradas na estrutura orgânica da marinha, as forças aéreas de cooperação naval, como as forças navais propriamente ditas, não deixariam de estar ligadas às restantes forças, através da coordenação que ao Ministro da Defesa Nacional cabe fazer de todas elas.
Por outro lado, a experiência realizada pelas nações onde o sistema da concentração total foi adoptado e depois abandonado e por aquelas que, não o tendo posto de parte ainda, se preparam para fazê-lo, segundo informações fidedignas que chegam até nós, permite, concluir que dificuldades e inconvenientes sérios terão sido encontra, dos na prática do seu funcionamento, pois nenhum país se dispõe a sofrer as perturbações que sempre resultam de alterações profundas na sua estrutura militar sem que para tanto tenha fortes razões.
E se, na verdade, não é prudente em matéria de organização militar, como noutros campos, guiarmo-nos em definitivo pelo que se faz neste ou naquele país, tudo aconselha a não desprezar a experiência alheia quando a não tenhamos nossa.
Examinemos como nalguns países evolucionou o problema:
INGLATERRA.- Em 1918 foi criada a Royal Air Force (B.A.F.) como força armada independente, passando a marinha a ter simplesmente sob autoridade operacional as aeronaves embarcadas.
Mas em 1939 já o anuário da aviação Jane's All The World's Aireraft apresenta a aeronáutica naval (Fleet Air Arm) com vida e organismos administrativos próprios. A essa data a base de Lee-ou Soleut, que era, a sede do grupo n.º 10 da R.A.F. e escola de cooperação naval, era já base da marinha, que, além dela, possuía então mais três bases terrestres.
A mesma publicação referente a 1945-1946 põe em evidência o incremento da aviação naval, e, a propósito da nomeação como almirante (Ar) - a primeira desta classe - do vice-almirante Boyd para a chefia das bases da aviação naval, refere textualmente:
This change at the top of the naval air arm was the first indication outwardly of an inner revolution of basic ideas in the Navy. The new ideas concern weapons, aircraft, ships and above all personnel.
Pode também citar-se, como prova de que a aviação naval, contrariamente ao que muitos pensam, não é apenas constituída pêlos aviões que operam de bordo dos porta-aviões, a indicação dada logo a seguir à passagem transcrita de que o Seafire III - avião da marinha - fez a sua aparição operacional na última grande guerra a partir de bases terrestres.
A última edição do Jane's AU The World's Aircraft, de 1951/1952, porém, quando comparada com as edições anteriores, é que dá ideia do enorme desenvolvimento da aviação naval inglesa, que hoje tem a designação de «Naval Aviation». Refere ela que esta tem seis almirantes a dirigi-la, possui sete bases terrestres de primeira linha e treino, quatro bases de manutenção, igualmente em terra, duas estações de instrução e três arsenais de reparações.
Como se está longe já da situação de 1939! Mas a evolução continua, porque o Almirantado não cessa de pugnar pela integração completa na marinha do certa aviação do Coastal Command.
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ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. - Até 1947 existiam nos Estados Unidos duas grandes aviações militares, uma no exército outra na marinha.
Nesse ano, pelo National Security Act, foi criada a United States Air Force (U.S.A.F.), na qual foi incorporada a aviação do exército e a aviação de bombardeamento estratégico da marinha, à data constituída pelos B-29. Toda a restante aviação da marinha continuou nela integrada e portanto sob a sua directa dependência.
As principais missões da U. S. A. F. são a defesa aérea do país e o bombardeamento estratégico.
A aviação da marinha - Naval Aviation -, constituída por aviação embarcada e aviação baseada em terra, cabem as missões relacionadas com a actividade própria da marinha.
Além da Naval Aviation tem ainda a marinha na sua dependência a aviação táctica dos Marine Corps e, em tempo de guerra, a aviação da Coast Guard.
FRANÇA. - A aeronáutica naval existia ainda em França em 1925, conforme se lê no Anuário desse ano.
Mas já em 1930 o Anuário refere a grande modificação havida: criação de um Ministério do Ar francês semelhante ao da Grã-Bretanha, que dirige todas as actividades aeronáuticas, inclusive as da aviação civil.
A aviação naval foi então absorvida pelo exército do ar, mas do respectivo pessoal, «que na generalidade tinha sido contrário à mudança», o que se encontrava1 embarcado ficou sob as ordens directas da marinha.
A experiência não resultou satisfatória e foram por isso levadas a efeito algumas alterações. Em 1939, diz o Jane's, a aviação naval embarcada, guarnecida por marinheiros, estava na dependência da marinha e era por ela administrada. A aviação de cooperação naval e o respectivo pessoal estavam integrados no exército do ar.
Presentemente, porém, a aviação militar francesa encontra-se dividida em exército do ar e aeronáutica naval. Esta, como se pode verificar pela última edição do Jane's AU The World's Aircraft, é administrada pelo Ministério da Marinha.
A aeronáutica naval, segundo a mesma publicação, dispõe de alguns porta-aviões e opera também a partir de um certo número de bases costeiras e terrestres. Possui ainda escolas próprias e nela funciona o serviço de busca e salvamento no mar.
ITÁLIA. - Mussolini criou em 1923 a Régia Aeronáutica. Inicialmente experimentou-se empregar o pessoal da aviação, indistintamente, nas operações sobre a terra e nas operações navais. Porém, a verificação da necessidade de ele dispor de completa mentalidade naval para a cooperação com as forças navais, que só um treino aturada de vida do mar podia criar, levou à decisão de recrutar na marinha de guerra os observadores destinados a cooperação naval e todo o pessoal da aviação embarcada.
Passada a guerra, a Itália voltou a organizar as suas «forças militares, e a sua aviação deixou de ser um força totalmente integrada num Ministério do Ar.
A marinha continuou sempre pugnando por que nela se incorporasse toda a aviação naval, e actualmente espera-se para breve a aprovação da correspondente organização. Entretanto está já sendo preparado nos Estados Unidos, por turnos sucessivos, o pessoal para a aviação naval, recrutado exclusivamente na marinha.
HOLANDA. - O exemplo talvez mais interessante, embora não apresente o aspecto evolutivo dos de outras nações, é o da Holanda, país pequeno como o nosso o com vastos e importantes territórios ultramarinos.
A Holanda, guiada talvez pelo que se tem passado noutras países, não chegou a tentar a experiência da concentração das suas forças aéreas. Segundo a organização actual, estas constituem dois ramos distintos: o do exército e o da marinha.
Competem à aviação da marinha (Naval Air Service) os serviços de patrulha anti-submarina, de busca e salvamento no mar e costeiros.
Não obstante a separação completa dos dois ramos, existe um comando central de treino comum (Trainning Command), chefiado por um oficial superior aviador da marinha, conforme indicação .constante da última edição do Jane's All The World's Aircraft.
Em boa razão, não podem pois ser considerados rotineiros aqueles que, não contrariando a organização de certas forças aéreas como um ramo das forças armadas ao nível dos do Exército e da Marinha, defendem o princípio de que a aviação naval deve constituir parte integrante da marinha de guerra e, como tal, ser administrada, guarnecida e comandada por pessoal seu.
Na verdade, esse princípio tem hoje a consagração de países que, tendo enveredado, há bastantes anos já, pelo caminho da concentração total, acabaram por reconhecer os inconvenientes práticos do sistema.
Apresentar-se-ão, porém, entre nós, sob alguns aspectos, vantagens tão manifestas e preponderantes na adopção deste que valha a pena tentarmos, por nossa vez, a experiência, ainda que correndo o risco de impedir que as forças aeronavais que a situação político-militar criada nos obriga a preparar possam alcançar a sua melhor eficiência?
Analisemos os principais de entre os focados no relatório da proposta de lei ou no parecer.
Coesão moral e espírito de unidade na força aérea. - Não pode pôr-se em duvida que a concentração de todas as forças aéreas favoreceria o espírito de unidade e a coesão moral entre elas. Mas tem de aceitar-se igualmente que, em contrapartida, ela destruirá essa coesão e esse espírito entre a aviação naval e a Marinha.
Ora, cabendo a uma e a outra, fundamentalmente, em face da situação político-militar criada, a missão comum de defesa das comunicações marítimas em certas zonas que abrangem necessariamente as áreas focais de acesso aos portos e às águas costeiras, que tem de ser desempenhada de modo permanente e exige, sobretudo no que se refere à protecção anti-submarina, a íntima ligação de navios e aviões e até a constituição de grupos aeronavais sob as ordens de uma única entidade coordenadora, parece ser preferível preservar a coesão moral e o espírito de unidade e de corpo nas forças aeronavais a procurar estabelecê-los, com prejuízo para estas,
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entre as forças aéreas de cooperação naval e as restantes parcelas da aviação com as quais não terão normalmente de colaborar.
Maior facilidade para o Subsecretariado do que para a Marinha em guarnecer a força aérea, de cooperação naval. - A Marinha vem sofreando, desde há bastante tempo, de falta de pessoal para ocorrer a todas as suas necessidades. Não pode isso admirar ninguém desde que seja lembrado que depois da última grande guerra foram adquiridas na Inglaterra e na América dezassete unidades e que os quadros de pessoal se mantiveram sem alteração. Milagre é que, em tal situação, lhe tenha sido possível manter armados todos os navios e assegurar as normais comissões de soberania no ultramar e nos Açores, além do serviço de assistência no mar à aviação civil internacional a que nos obrigámos, de fiscalização da pesca, de hidrografia, de instrução e treino de pessoal, etc. Tem-no conseguido à custa de um grande esforço das tripulações, obrigadas a deslocar-se com frequência, pelo menos em grande percentagem, de navios que regressam e comissões de serviço para outros que as- vão iniciar, embora com inevitável prejuízo do adestramento das unidades, cuja conveniente preparação requer, além do mais, estabilidade das guarnições.
O inúmero relativamente elevado de navios de que a Marinha carece para poder realizar as tarefas que lhe estão atribuídas vem agravar em larga escala o problema, cuja solução, na verdade, não é fácil, nem pode conseguir-se com rapidez, tanto mais que são poucas e de muito reduzido valor as reservas existentes.
Mas a recuperação, para utilização nos navios, do pessoal que serve na aviação naval não reveste a importância que à primeira vista pode atribuir-se-lhe.
Com efeito quanto a oficiais, as forças aéreas de cooperação «naval deverão ser servidas por gente de marinha, não sendo de aconselhar o aproveitamento de pilotos da aviação de terra já sem condições físicas para as manobras de caça, por lhes faltar a formação básica naval e a preparação nos serviços de cooperação naval, dos quais o de moderna patrulha anti-submarina, como já salientei, é na actualidade altamente especializado.
É ilusório supor-se que para realizar a patrulha aérea anti-submarina basta sobrevoar é vigiar atentamente o mar, como antigamente.
Segundo informação de técnicos competentes, aqueles pilotos, ainda que aviadores experimentados, só com muito tempo conseguiriam uma relativa eficiência neste novo ramo de serviço, que é duro e requer gente nova.
A recuperação para os navios de oficiais da classe de marinha seria, pois, praticamente nula; apenas os oficiais das outras classes, em muito pequeno número, poderiam ser aproveitados.
No que diz respeito aos especialistas da aviação, o seu aproveitamento só parcialmente é possível. Os mecânicos e artífices, por exemplo, eram civis e foram preparados na Escola de Aviação Naval exclusivamente para a Aeronáutica, não tendo, por isso, habilitações que os tornem utilizáveis a bordo.
De qualquer modo, porque as forças de aviação independente e as de cooperação com o Exército terão considerável incremento e a Aeronáutica Militar não dispõe certamente de excesso de gente com que possa preencher as necessidades da aviação naval, o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica terá de defrontar um problema de recrutamento de pessoal idêntico ao que se poria ao Ministério da Marinha se nele se conservasse integrada a sua aviação.
Maior economia, por se evitarem duplicações escusada. - Sob esta rubrica julgo dever considerar fundamentalmente o aproveitamento dos aeródromos para as necessidades gerais da aviação, e não, restritamente, para as de um só dos seus ramos; a utilização racional das escolas existentes, e a utilização comum das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.
Relativamente ao primeiro ponto, é evidente que o País não pode permitir-se o luxo de ter aeródromos privativos para as diferentes classes da sua aviação. Há que tirar das elevadas quantias despendidas na sua construção todo o rendimento possível, aproveitando-os pelo modo mais conveniente para a defesa nacional.
Mas para isso não seria necessário recorrer a integração das bases aeronavais no Subsecretariado da Aeronáutica. O Ministério da Marinha poderia bem continuar a administrá-las e a zelar e promover, em ligação com o Ministro da Defesa Nacional, a sua adaptação às exigências actuais, e facultar, em tempo de paz como em tempo de guerra, a sua utilização, por entendimento com o Subsecretariado da Aeronáutica, às forças aéreas que nela tivessem conveniência, ou mesmo, em casos especiais, quando pelo Governo assim fosse entendido, a certas forças aéreas estrangeiras.
A coordenação que de todos os aspectos da defesa nacional faz o Ministro da Defesa asseguraria que os planos de desenvolvimento ou actualização das instalações fossem definidos tendo em vista, não apenas as necessidades restritas da Marinha, mas as da Nação, no seu mais amplo significado.
Quanto às escolas de aeronáutica, o regime actual do seu funcionamento e aproveitamento pode efectivamente não ser o melhor nem o mais económico. Mas poderia encontrar-se, ainda neste ponto, solução satisfatória para o problema sem recorrer à integração da aviação naval e respectivas infra-estruturas no Subsecretariado da Aeronáutica. Um estudo minucioso das possibilidades das Escolas Almirante Gago Coutinho e de Sintra e das instruções e cursos gerais ou de especialidade a considerar para a formação das diversas classes de aviação necessárias permitiria certamente estabelecer entre o Ministério da Marinha e o Subsecretariado da Aeronáutica os arranjos adequados ao mais útil e económico aproveitamento daquelas possibilidades, atribuindo-se a cada uma das escolas as tarefas para que estivessem mais aptas.
Finalmente, no que se refere ao uso comum das Oficinas Gerais do Material Aeronáutico para a manutenção dos aviões, também não seria necessário fundir toda a administração. Determinações legais vigentes estabelecem já que as grandes reparações dos aparelhos de aviação naval sejam executadas naquelas oficinas, e nas bases aeronavais não há, nem haveria, segundo orientação tomada, mais do que os recursos oficinais suficientes para a conservação e pequena reparação do material adstrito, tal como se estabelece agora na proposta de lei). João Francisco Fialho. (Discordo da integração da Aeronáutica Naval no Subsecretariado da Aero-
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náutica Militar, pelas razões que a seguir vou expor:
1) No relatório que antecede as duas propostas de lei sobre a organização • geral da Aeronáutica Militar e recrutamento e serviço militar nas forças aéreas diz-se que as condições geográficas dos territórios nacionais e a situação político-militar que presentemente se verifica no Mundo impõe-nos que sejam do tipo expedicionário as hipóteses de guerra a prever.
Prevendo esta hipótese e sendo a missão principal da marinha de guerra assegurar o uso das comunicações marítimas, designadamente a ligação com os territórios do ultramar, este objectivo implicará essencialmente as operações de carácter anti-submarino.
Ora a protecção anti-submarina constitui hoje um problema muito complexo, que preocupa bastante os estados-maiores navais das potências do Pacto do Atlântico. Os meios de parada e de resposta desenvolveram-se paralelamente e a situação relativa mantém um certo equilíbrio. Verifica-se, por outro lado, que a organização de tal serviço se vai complicando com os aperfeiçoamentos técnicos introduzidos, constituindo um ramo com características próprias entre as diversas actividades navais.
Sabe-se que o avistamento de submarinos à superfície se tornou cada vez mais improvável e a localização tem de ser feita, essencialmente, com meios electrónicos. Quando submersos, a detecção realiza-se a distâncias limitadas, com meios electromagnéticos e acústicos, e a zona eficaz de destruição das armas em uso é diminuta. Por seu lado, o submarino tem a iniciativa do ataque e aproveita os elementos em seu favor para dificultar a defesa.
A protecção anti-submarina, para que tenha probabilidades de êxito, exige assim material e pessoal altamente especializado, com mentalidade naval e perfeito conhecimento do papel que lhe compete em qualquer emergência, de modo a que cada elemento tenha plena confiança e aproveite do trabalho dos restantes. Ela constitui, portanto, um team especializado e indivisível, princípio hoje geralmente aceite.
Para chegar a este apuramento não basta que as guarnições dos aviões anti-submarinas tenham uma formação básica naval e s especialização comece logo a orientá-los nesse sentido. Os aviadores, operadores electrónicos, etc., só podem atingir a maturidade neste serviço depois de um longo período ulterior de prática com os1 restantes elementos de protecção, da ordem dos dois anos, e devem manter o treino com exercícios muito frequentes, a realizar posteriormente.
Para focar a natureza puramente naval deste treino e a coordenação que se procura basta dizer que se usa embarcar os aviadores durante os exercícios, mesmo nos submarinos, para compreenderem a técnica do seu ataque e o sistema de retirada, ao mesmo tempo que os comandantes dos submersíveis, com as informações dadas pelos aviadores a bordo, ficam em melhores condições de seguir os métodos do adversário e procederem em conformidade.
Esta noção pode ser melhor apreendida, mesmo sem entrar em pormenores demasiado técnicos, considerando alguns aspectos da cobertura anti-submarina e relacionando-os com o meio em que ela se desenvolve - de que mesmo um leigo nestes assuntos tem uma ideia, recordando a vastidão da zona marítima que lhe foi dado observar junto à costa. Um inimigo invisível será, em condições felizes, detectado numa área provável a uns escassos milhares de metros. Essa área, inicialmente grande, tem depois de ser rectificada e reduzida por meio de novas observações, visto o ataque se realizar com cardas de profundidade, cujo raio de destruição eficaz anda por uns 30 metros.
Aviões e navios coordenam, em local e em tempo, as suas observações para se chegar à posição final de ataque, não de um alvo visível, mas sim de uma posição estimada, que pode estar ou não correcta, o que é função do trabalho conjunto do team de cobertura. Entretanto, o submarino está pronto a aproveitar os erros com que depara na defesa.
Em resumo: a escolta anti-sulmarina só pode operar em condições eficientes desde que todos os elementos que a constituem trabalhem numa cooperação perfeita. A utilização de elementos inadequados é, não só ineficaz, mas também contraproducente.
Pelo que se disse, julgo que a marinha de guerra não pode garantir as comunicações, marítimas de acesso aos nossos portos com meios puramente navais; tem de recorrer aos aéreos, com os quais coopera intimamente para a consecução desse objectivo, e por isso julgo que só uma força aérea completamente integrada na marinha de guerra poderá habilitá-la ao satisfatório desempenho da sua missão.
2.º Nenhuma razão justificativa do aumento da eficiência das forças aeronavais foi apresentada ao perfilhar-se a concepção da aviação única, proposta pelo Governo, que em defesa da integração das actuais forças aéreas da Armada no Subsecretariado da Aeronáutica Militar apresenta argumentos de ordem económica e moral.
Analisemos em primeiro lugar os argumentos de ordem económica:
1) Escassez de recursos nacionais;
2) Economia resultante da referida integração.
Se os recursos nacionais são pequenos não se compreende que haja necessidade de criar, praticamente, como que um Ministério militar, com todo o acompanhamento de serviços, quadros, etc., quando as economias evocadas como resultantes da integração das forças aéreas da Armada no Subsecretariado não se afiguram à primeira vista de molde a compensar o aumento enorme de despesa que a nova organização acarretará.
Assim:
Material operacional. - Terá de ser o mesmo em quantidade e qualidade para satisfazer as necessidades aeronavais dentro dos objectivos de defesa nacional, quer pertença ao Ministério da Marinha, quer ao Subsecretariado, e em qualquer lado será pago pelo dinheiro da Nação.
Instrução. - Não é pelo facto de a Escola de Aviação Naval, que acumula o serviço anti-submarino da costa norte, como base operacional, com a instrução do pessoal técnico, estar integrada no Ministério da Marinha que resulta duplicação de despesas com a instrução das forças aéreas. As suas exíguas dimensões e um aeródromo que não foi concebido para dar vazão a um tráfego intenso de instrução obrigam, a meu ver, a construção de uma nova escola.
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Com efeito, o plano das construções foi elaborado para a lotação necessária de pessoal para uma esquadrilha operativa A/S (anti-submarina) e uma escola de capacidade limitada. Presentemente esse plano está muito atrasado, o que obriga a retardar a especialização do pessoal, de que tanto se necessita. Basta dizer que para um curso de quinze aviadores, a começar este ano, ser-se-á obrigado a instalá-los em parte de uma caserna das praças, com prejuízo destas. Mesmo com as obras completas a base de S. Jacinto ficará sempre de proporções modestas e haverá que proceder a uma revisão dos planos anteriores se se quiser utilizá-la para um movimento que inicialmente não foi previsto. Em resumo: mesmo independentemente dos problemas de instrução é inegável que a base de S. Jacinto teria sempre de existir como aeródromo a utilizar pelas esquadrilhas A/S da costa norte. Os planos foram concebidos para satisfazer a este objectivo, adicionando-lhe, por uma questão de economia, as infra-estruturas necessárias ao seu emprego adicional como escola da Aeronáutica Naval. Se se pretender agora que a base funcione com um serviço muito mais intensivo do que aquele para que foi concebida, teremos de proceder a novas construções para esse efeito, e parece lícito (perguntar se não seria mais conveniente levá-las a efeito em local mais adequado.
Base Aeronaval do Montijo. - O Aeródromo do Montijo, embora com melhores condições do que o da Escola de S. Jacinto, também não está ainda preparado para um tráfego intenso. No que respeita as construções já realizadas elas correspondem precisamente às necessidades correspondentes ao material A/S destinado a essa base. Não há portanto ali presentemente instalações disponíveis.
Examinando em conjunto a situação da Escola. e bases da Aeronáutica Naval verifica-se que as suas reais possibilidades, depois de executados-os planos previstos, não são demasiadas para as necessidades do serviço A/S em face da nossa situação político-militar em caso de emergência. Isto não significa que qualquer dessas bases não seja eventualmente utilizada por aviões da Aeronáutica Militar, especialmente como locais de reabastecimento ou serviços de pequena envergadura.
Manutenção e reparação do material. - É evidente que as reparações deverão ser feitas em Alverca, que atenderá não só as necessidades das aviações militares, mas também as da Aeronáutica Civil.
As oficinas da Base de Aviação Naval do Montijo não representam qualquer duplicação das grandes oficinas de Alverca, pois destinam-se apenas a trabalhos de conservação e pequena reparação. O apetrechamento do Montijo corresponde ao que normalmente existe em qualquer base estrangeira e ao que o pessoal da aviação do Exército sempre tem manifestado desejos de possuir nas suas bases e que se situa francamente dentro do âmbito da referida proposta de lei (artigo 22.º).
Pessoal. - No que respeita a pessoal, diz-se no relatório das propostas de lei referidas que «não parece aconselhável que a Marinha gaste as suas reduzidas possibilidades de efectivos em guarnecer totalmente uma pequena força aérea que poderia, sem dificuldade de maior, ser posta à sua disposição pelo Subsecretariado da Aeronáutica». Quer dizer, «os mecânicos, os electricistas, os radiotelegrafistas, toda essa categoria de pessoal tão indispensável a uma marinha e que tanto tempo leva a formar poderia em boa parte ir ocupar nos navios espaços vazios que de outra fornia só muito tarde poderão ser preenchidos». Ora no cômputo das necessidades actuais, a Aeronáutica Militar certamente não contou com as da aviação naval, as quais, embora limitadas, não deixam de ser sensíveis. O novo Subsecretariado não se encontrará, portanto, em condições de suprir o déficit acaso registado na Aeronáutica Naval sem o recrutamento de determinado número de homens, isto é, terá de resolver um problema absolutamente idêntico, até em despesa, ao do Ministério da Marinha no caso de este continuar a manter a sua aviação.
E quanto à sugestão de se aproveitar na Marinha, para ocorrer às suas presentes dificuldades, pessoal especializado em aviação, ela não tem exiquibilidade no que respeita a diversas categorias - como sejam mecânicos e artífices de aviação-, pois parte destas praças eram civis que se alistaram directamente na Escola de Aviação Naval, sendo preparados apenas para serviço na Aeronáutica, e não dispondo, portanto, de habilitações que os tornem utilizáveis a bordo. E quanto ao restante pessoal, estará o novo Subsecretariado em condições de o dispensar a favor dos espaços vazios que existem nos navios? E se estiver, como é que o novo Subsecretariado poderá pôr à disposição da Marinha suma aviação de cooperação guarnecida e comandada por pessoal seu (da Marinha), uma aviação conduzida pêlos comandos navais e tripulada por pessoal com apurado sentido naval», como se diz na parte final do n.º 18 do relatório? Certamente que irá buscar esse pessoal à Marinha, aos navios; e os espaços actualmente vazios nestes... continuarão vazios ou ainda mais vazios.
Sugere ainda o relatório «a vantagem de utilizar, em- missões de cooperação com as forças navais, os pilotos (do Subsecretariado) mais experimentados, mas já sem possibilidades físicas para a prática das violentas manobras de caça». Julgo, porém, baseado em parecer de técnicos de toda a confiança, não só inútil, mas também contra-indicado empregar na operação de cooperação aeronaval, e em particular na patrulha A/S (anti-submarina), aviadores sem formação básica naval e sem adequada preparação nesses serviços. Embora muito experimentados, os pilotos oriundos da aviação de caça do Subsecretariado não se encontrariam, portanto, imediatamente preparados para serviço aeronaval, e decorreriam anos antes de alcançarem uma relativa eficiência neste novo ramo, aliás bastante duro e que exige pilotos novos.
Pelo exposto, julgo não haver economia para a Nação integrar a aviação naval no Subsecretariado da Aeronáutica Militar.
Argumento de ordem, moral. - Este argumento em defesa da integração destinar-se-ia a beneficiar da vantagem do manter a coesão moral e o espírito de unidade na força aérea.
Mas, pergunta-se, será de considerar?
Se o próprio relatório foca que «as forças aéreas de cooperação terão naturalmente de acompanhar as forças terrestres e navais», fi-
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cando assim forçosamente quebradas as possibilidades de unidade de comando e de actuação em conjunto; se o carácter anti-submarino das operações navais nas águas próximas da metrópole exige a constituição de grupos aeronavais, sob as ordens de uma única entidade coordenadora, que assegurem uma protecção eficaz às. nossas marinhas mercante e de pesca, dada a importância e acuidade que tomará em tempo de guerra o problema do abastecimento do País; se se prevê que a aviação, de cooperação com a Marinha, terá de operar normalmente em íntima ligação com os navios: não será muito mais importante, por todas estas razoes, manter a coesão moral e o espírito de unidade nas forças aeronavais do que a sua ligação com as restantes parcelas da força aérea?
3) Quanto à solução adoptada pela Câmara Corporativa em relação às forças aéreas de cooperação com as forças navais, afigura-se-me haver incompatibilidade entre uma utilização permanente das forças aéreas de cooperação com a Marinha, no âmbito da própria Marinha, e uma administração confiada a organismo estranho. Que infinidade de peias e de faltas de sincronização não resultará de tal sistema!
A uma subordinação integral no campo operacional tem de corresponder uma orgânica e uma logística comuns, para que se garanta a unidade de acção dos comandos, antes, durante e depois das operações.
Então, pelo que atrás foi exposto, não seria mais lógico que as forças aéreas de cooperação com as forças navais estivessem integralmente descentralizadas e sujeitas na preparação, na administração e no emprego ao Ministério da Marinha?
Embora se diga que ninguém poderá razoavelmente defender esta solução, porque exigiria, sob muitos aspectos, a existência de meios em duplicado, eu julgo que é defensável, pelo menos, no tocante à Marinha.
4) Sob o aspecto estrito de «Marinha», e porque a penúria da nossa é focada no relatório que precede as propostas de lei referentes ao Subsecretariado da Aeronáutica Militar, eu não posso deixar passar em claro o que se escreveu sobre o referido assunto nos n.ºs 17 e 18 do relatório citado sem fazer a seguinte observação:
Se, proveniente de várias causas, é apontada no n.º 17 do relatório a nossa pobreza de navios, e, entre essas, é evidenciada a antiga política de inimizade peninsular, (porque razão havemos de continuar a deixar perder um poder naval próprio, correspondente às necessidades das nossas ligações com o ultramar, uma vez que a nossa fronteira terrestre está livre de perigo imediato em resultado de uma política de sólida amizade peninsular?
5) Porque os ensinamentos de fora são sempre pelo menos de considerar, julgo oportuno transcrever, ao terminar a minha declaração de voto, uma passagem de um relatório do grande Ministro da Defesa do Estados Unidos da América James Forrestal:
Devido ao carácter das suas operações, a Marinha dependeu sempre dela própria, para a sua logística, para o seu treino e para a sua táctica operacional, até à verdadeira conjugação dos seus esforços em tempo de guerra num plano comum de operações.
Particularmente isto é verdadeiro no campo do poder aéreo. A Marinha desenvolveu o seu poder aéreo como uma parte integral da organização naval.
José Tristão de Bettencourt (desde que não foram atendidos os pontos de vista expostos na declaração de voto constante do parecer n.º 23/V desta Câmara, a que dei a minha concordância, julgo que se deveria então ter ido abertamente para uma organização do tipo de coordenação ou de concentração, de preferência talvez este por motivos de ordem financeira, a1 que não pode deixar de atender-se num país de pequenos recursos. Discordo, assim, da organização que resulta da proposta, que é, praticamente, de tipo misto-concentração quanto à Aeronáutica, coordenação quanto aos outros dois ramos das forças armadas - o que também não está de harmonia com o disposto no Decreto-Lei n.º 37:909, de 1 de Agosto de 1950, que criou o cargo de Ministro da Defesa Nacional, com atribuições de coordenação.
Vencido neste ponto, concordei com a redacção que no parecer se propõe para o artigo 7.º, com a qual, até certo ponto, se atenuam os inconvenientes salientados na aludida declaração de voto.
Discordo também da pormenorização a que se desceu no capítulo III da proposta, com a indicação dos postos a que são atribuídos os comandos das diferentes unidades, por me parecer que se deveria ter seguido critério semelhante ao da Lei n.º 1:960, de 1 de Setembro de 1937, assim se evitando referência a um posto - general de brigada - que presentemente não existe no País, o que representa inovação não devidamente justificada no relatório que precede a proposta.
Por último, julgo que deveria ter sido prevista a situação em que ficarão, enquanto não forem criadas as bases aéreas, os elementos de aeronáutica já existentes nas províncias ultramarinas e presentemente integrados em organismos dependentes do Ministério do Exército).
Humberto Delgado, relator (embora relator, sente-se no dever de consciência de declarar que é vencido que assina a doutrina votada no sentido de estabelecer-se para as forças aéreas de cooperação com a Marinha regime diferente do previsto para as forças aéreas de cooperação com o Exército.
A necessidade de pôr harmónico o texto do parecer com as tendências da maioria excluíram a apresentação de argumentos pormenorizados que se postos agora, além de alongarem demasiadamente o documento, iriam contra a tradição e regras concorrentes em declaração de voto.
Abreviadamente dirá o relator não ter conseguido encontrar em tudo que ouviu qualquer base suficientemente objectiva para aquela discriminação, apesar de ser o único oficiai aviador presente nas discussões e votações, possivelmente pronto e apto a entender com facilidade explicações de ordem técnica, táctica ou respeitantes a métodos de instrução.
Julga o relator conhecer um pouco da matéria, depois de um quarto de século de carreira mista de aviação e de estado-maior e de ma última década haver tido contactos íntimos, de responsabilidade, representando a aviação e o Governo Português junto das duas forças aéreas mais
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potentes do Ocidente e da Organização da Aviação Civil Internacional (I.C.A.O.).
Declara que em todos esses contactos não descortinou, fora de aspectos subjectivos, quer-se dizer, de prestígio ou rotineiros, factores que o levassem a supor a necessidade de criar para as forcas de vigilância anti-submarina qualquer estatuto diferente do existente ou usual para as forças de cooperação com o Exército, que não encontram dificuldades em entregar a exploração ou o apoio aéreo, em benefício das tropas terrestres, a jovens indivíduos aviadores que nunca nestas serviram.
Nas manobras da Alemanha, donde há pouco regressou, bem o pode verificar adentro do conjunto de forças armadas americanas, nas quais o entendimento entre terra e ar, como aliás no conjunto das forças armadas britânicas, alcançou alto grau.
Aproveita-se desde já o momento para tentar destruir a tendência a afirmar-se que afinal depois que o exército do ar criou a sua independência surgiram mais aviações do que havia antigamente: a independente, a do Exército, e a da Marinha. Na verdade, o que parece em quase todos os exércitos, fazendo parte integrante das grandes unidades e até dos comandos de artilharia, são pequenos aviões desarmados, parecidos com os que têm os nossos aeroclubes e que nalguns exércitos nem têm o nome de aviões, mas sim o de postos de observação aéreos ...
Por outro lado, o caso concreto da utilização dos Açores na última guerra afigura-se ao relator como prova incontroversa da desnecessidade de uma força preparada na Marinha e integrada nela para proceder à patrulha anti-submarina.
Com forças da R. A. F. nos Açores se procedeu durante largo tempo à vigilância de mais de 1 milhão de milhas quadradas naquele serviço, efectuando-se 3:155 descolagens, 24:978 horas de voo, conseguindo-se localizar 38 submarinos e atacar 19 - não se localizando nem atacando maior número-provavelmente porque o Eixo, reconhecendo a zona como perigosa, terá feito aparecer nela os seus submersíveis em menor densidade do que desejaria. Ora, como é do domínio público, não se viu nos Açores outro uniforme de asas ao peito que não fosse o cinzento, isto é, o da H. A. F., força à qual, pelo seu Coastal Comand, competia a função referida, e força que, como se sabe, depende do Ministério do Ar, e não do Ministério da Marinha.
Finalmente, conforme documento oficial presente à Câmara, fornecido ao Procurador relator deste parecer pêlos respectivos serviços oficiais: «os aviões do Coastal Comand que operam contra submarinos não são treinados como parte da marinha britânica, nem de qualquer forma pertencem a esta. O Coastal Comand é um comando da R.A.F., manejado inteiramente por pessoal da R.A.F., cuja organização é hoje a mesma que era nos Açores em 1943, quer dizer, os seus aviões são controlados de um centro de operações da R.A.F.
O relator formula a si próprio a pregunta: porque haverá de ser de outra maneira em Portugal, que dispõe de uma aviação dezenas de vezes menor do que a R. A. F.» e de uma marinha cuja tonelagem total de guerra é inferior à de um só couraçado?
Do exposto concluiu o relator que, pondo de parte factores subjectivos que insistentemente ouviu acentuar, não se encontram argumentos de peso capazes de o convencer a votar com a maioria.
Julga ainda oportuno afirmar que, trabalhando há unia dezena de anos em contacto com técnicos da aviação de todo o Mundo, não encontrou um que, ao conhecer a situação portuguesa, não achasse extraordinário que se mantivessem separadas duas forças aéreas tão pequenas. O caso de forma mais flagrante se repetiu quando se tratou do fornecimento de material aéreo pela Inglaterra a Portugal, como consequência dos acordos de 1943, ao virem para o País pequenas quantidades de aviões iguais, destinados a dois Ministérios diferentes.
O relator, a respeito do ponto de vista económico, salienta que, em qualquer actividade, quanto menor é o seu volume menos se justifica a independência, conforme bem se vê no comércio ou na indústria, por causa das despesas gerais ou serviços centrais.
Ainda ligado a este ponto de vista o relator declara não aceitar como boa doutrina considerar-se posse da Marinha as bases aéreas que utiliza, visto que os fundos com que foram construídas têm a mesma origem que os fornecidos para construir outras bases: o erário público.
Finalmente, retoma os factores subjectivos, bem expressos no dito de um almirante, citado em obra de 1951 do piloto naval Alexandre De Seversky, que, apesar de marinheiro ..., demonstra o declínio do poder naval baseado no dos navios de linha: «nós, aviadores da marinha, primeiro somos marinheiros e só depois aviadores».
Dir-se-á que, se a uma classe dão orgulhosa auréola do espírito de corpo, ao serem apreciados por quem administre as finanças públicas de um país de tão baixa capitação de rendimento nacional como o nosso obviamente haverão de pesar-se com notório cuidado.
(Teve voto de desempate, de S. Ex.ª o Presidente da Câmara nos pontos em que foi necessário para fazer vencimento).
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PARECER N.º 28/V
Proposta de lei n.º 187
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 187, emite, pelas suas secções de Política e administração geral e Defesa nacional, às quais foram agregados os Dignos Procuradores João Francisco Fialho e José Tristão de Bettencourt, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. Os pontos fundamentais que traduzem a orientação geral da proposta de lei são os seguintes:
a) Recrutamento sem distinção de filiação ou origem, incluindo entrada na classe de oficiais, pelas escolas militares;
b) Previsão do recrutamento do mulheres;
c) Aumento da autoridade e da influência da aviação militar sobre a aviação civil;
d) Duração do tempo de serviço militar;
é) Manutenção de disposições de tipo político que parecem envelhecidas.
2. Extensão do recrutamento. - A Câmara Corporativa concorda com a proposta, que é atinai um passo mais na política de considerar una a Nação, da Europa ao Oriente, e está adentro até dos princípios da religião da maioria dos portugueses.
Entende todavia que deve fazer quanto à constitucionalidade da proposta nesta parte a mesma reserva que consta do seu parecer acerca da n.º 186, aplicando-se--lhe idêntica sugestão de desdobramento.
3. Previsão do recrutamento de mulheres. - Entre outras, as duas grandes potências aéreas, Estados Unidos o Inglaterra, já colheram benefícios desta prática, utilizando mulheres até em serviços aéreos, por exemplo na entrega de aviões através do Atlântico.
O W. A. C. (Women Army Corps) e o VV. A. F. (Women Air Force) nos Estados Unidos representam a, realização da ideia.
As mulheres militares formam 2 por cento do efectivo das forças armadas.
A coronel Mary Hallren, comandante do Corpo Feminino Militar do Exército, disse há pouco haver umas centenas de funções que às mulheres militares podem atribuir-se.
No entanto a Câmara, desejando que na medida do possível as mulheres não sejam tiradas da sua normal função no lar, entende que no nosso país só em tempo de guerra devem utilizar-se nas forças aéreas.
4. Aumento da autoridade e da influência da aviação militar sobre a aviação civil.
Neste ponto a Câmara discorda da proposta governamental por lhe parecer que o sistema de domínio da aviação militar sobre a aviação civil só deve aceitar-se por necessidade e não por incisiva legislação. A liberdade espontânea na aviação de turismo como fonte de entusiasmo e a liberdade de escolha de pessoal na aviação comercial parece deverem ser preservadas quanto possível como elementos indispensáveis à iniciativa particular.
Na apreciação na especialidade a Câmara pormenorizará mais o seu pensamento.
5. Duração do tempo de serviço militar de três anos para os pilotos e outros especialistas e de dois para o pessoal dos serviços gerais.
É afinal o já previsto no Decreto-Lei n.º 38:486, de 53 de Novembro do 1951.
Parecendo que é melhor a lei fixar a mais o tempo de serviço militar e reduzi-lo o Governo se as necessidades orçamentais ou outra conveniência tal aconselharem, e dado, por outro lado, o carácter tão técnico da Aeronáutica, a Câmara concorda com a proposta governamental.
Não prevê a proposta subsídios para pessoal especialista que abandone voluntariamente ou por conveniência do serviço o serviço efectivo depois de certo período nas fileiras.
Na Royal Air Force, expirado o contrato de quatro ou oito anos, um sargento piloto, por exemplo, recebe um subsídio, que depois do oito anos anda à volta de 600 libras, se deixar as fileiras.
Esta prática permite, por um lado, ter maiores reservas de pessoal, que chegou a ser muito bem treinado, mas não envelheceu nem fez toda a carreira da sua vida na Aeronáutica, criando o tipo do militar de reserva semiprofissional disponível.
Permite ainda renovar os quadros. Daí propor-se artigo correspondente na lei.
6. Manutenção de certas disposições de tipo político.
Ou porque no tempo em que aviões de guerra e aviões de turismo quase se equivaliam em facilidade ou dificuldade de pilotagem um aviador civil em acção revolucionária parece ter colaborado no lançamento de bombas sobre Lisboa, ou por outras razões, a legislação sobre pilotos, mesmo de pequeno turismo, faz-se sempre acompanhar, há anos, de uma disposição que exige requisitos de carácter político para a concessão e utilização do diploma.
À Câmara afigura-se-lhe que, quer do aspecto interno quer externo - demais quando os aviões militares, passadas duas décadas, tanto diferem dos aviões de turismo -, conviria rever toda a matéria.
Não o podendo fazer agora, limita-se ao menos no presente diploma a extirpar as previstas intervenções do Subsecretário de Estado da Aeronáutica no próprio treino de pilotos civis, em aviões civis, como pareço prever a letra da proposta de lei.
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II
Apreciação na especialidade
7. Artigo 1.º (Sem alteração).
8. Art. 2.º:
Ressalvou-se para as mulheres o serviço ser apenas em tempo de guerra.
9. Art. 3.º:
A alínea b) merece reparo. Há diverso pessoal que pode estar ao serviço de uma companhia do aviação comercial e não ter interesse para a aviação militar: paquetes, contínuos, escriturários e outros.
Daí propor-se nova redacção no fim da alínea b):
... e desempenhem serviços considerados do interesse para a Aeronáutica Militar.
10. Art. 4.º (Sem alteração).
11. Art. 5.º (Sem alteração).
12. Art. 6.º (Sem alteração).
13. Art. 7.º:
Harmonizou-se com os artigos 3.º e 4.º
14. Art. 8.º:
a) Altera-se a ordem dos parágrafos ou períodos para tornar a lei mais explícita.
b) Quanto ao § único deste artigo, contém parte da matéria que depois se repete no § único do artigo 13.º, e por outro lado falta-lhe parte da matéria neste tratada.
Não parece útil tal dispersão, que se presta a confusão ou pelo menos exige maior atenção para se assimilar.
Propõe-se pois solidificar toda a matéria no artigo 8.º
E assim:
§ 4.º Os licenciados do serviço especial do Aeronáutica poderão ser mantidos no respectivo escalão até, aos 45 anos de idade.
Às praças do serviço geral na disponibilidade e aos licenciados do mesmo serviço, seja porque excedam as necessidades de mobilização da Aeronáutica, seja por outra conveniência militar, poderá antecipar-se a passagem ao escalão correspondente do Exército.
15. Art. 9.º:
Cortou-se, por redundante, a expressão «das fileiras» e a expressão a seguir a «analfabetos».
16. Art. 10.º (Sem alteração).
17. Art. 11.º (Sem alteração).
18. Art. 12.º (Sem alteração).
19. Art. 13.º:
Velas razões expostas ao apreciar-se o artigo 8.º, cortar o § único, já integrado naquele artigo.
20. Art. 14.º:
Parece que um viúvo sem filhos deve considerar-se em condições análogas às de um solteiro. Altera-se a proposta neste sentido.
21. Art. 15.º (Sem alteração).
22. Art. 16.º (Sem alteração).
23. Art. 17.º:
Reproduz, ampliada, matéria que consta da Lei n.º 1:961, aplicável à Aeronáutica Militar por força do artigo 1.º da proposta. Em princípio, portanto, a reprodução é dispensável. E as ampliações que contém não mereceram aprovação da Câmara, que, por unanimidade, se pronunciou contra a sua adopção. Em primeiro lugar a nova alínea 4) levaria à incorporação em companhias disciplinares de praças que tivessem cometido actos de extravio ou dano antes de julgamento e até por mera negligência. Mas o § 2.º permitiria ao Ministro da Defesa aplicar sanções a praças meramente arguidas da prática, de faltas disciplinares, contra o princípio de que não deve haver punição sem julgamento. Essa penalidade redobraria de gravidade quanto a sargentos ou furriéis, relativamente aos quais se prevê a baixa de posto que no presente não existe no Exército português e que, assim como a degradação de oficiais, não parece aconselhável fazer ressurgir. Por muito respeito que se deva a uma função, como a de Ministro, entende a Câmara que não se deve facilitar-lhe o uso de um arbítrio que podo pôr em grave perigo a justiça a que todo o homem tem direito.
24. Art. 18.º (Sem alteração).
25. Art. 19.º (Sem alteração).
26. Art. 20.º (Sem alteração).
27. Art. 21.º (Sem alteração).
28. Art. 22.º (Sem alteração).
29. Art. 23.º:
Como se disse, pelo menos a, interferência, no treino de pilotos civis em aviões civis sujeita a. apreciações de ordem política parece sair da época, num Governo estável e com prestígio.
Daí propor-se a limitação dessa interferência, acrescentando os adjectivos correspondentes: treino militar e pilotos milicianos.
Quanto à parte final referente às escolas, e que parece vir de um passado referido na apreciação na generalidade (encerrar escolas civis de pilotagem), parece não ter sentido jurídico nem. fácil interpretação concreta. Propõe-se a sua eliminação.
30. Art. 24.º (Sem alteração).
31. Art. 25.º:
Neste ponto a Câmara Corporativa, pelas razões expressas na apreciação na generalidade, discorda da proposta governamental, que põe o que deve ser uma actividade comercial na impossibilidade de escolher o seu pessoal, além de poder diminuir o estímulo dos civis.
A Aeronáutica Civil tem andado a viver exageradamente da classe militar, dificultando assim o aparecimento de civis em cargos de administração e execução que não são atributo apenas de técnicos militares.
O primeiro director-geral que superintendeu na Aeronáutica Civil era um oficial superior do activo; o segundo um oficial general do activo também. As repartições mais técnicas da aviação civil são chefiadas por militares do activo. Os principais pilotos das linhas aéreas são oficiais do activo, que obviamente pela aviação civil farão toda a carreira, pagos, como são. com ordenados extraordinariamente altos, comparados com os dos colegas estrangeiros dos grandes países aeronáu-
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ticos, onde um piloto de linhas aéreas, ao contrário do que sucede em Portugal, fica longe em vencimento do ordenado de um general e muitíssimo mais longe do de um Ministro de Estado, dentro da lógica ideia de que se não há grande perigo no voo diário dê mulheres e crianças como passageiros, também o não há para as tripulações, justificação essencial que apareceria para vencimentos muito altos.
O piloto civil, o especialista civil, encontrará pois .dificuldades de carreira na Aeronáutica Civil.
Limitar-lhe mais ainda as possibilidades não parece lógico.
Psicologicamente julga-se que, além de dar mau efeito o parecer que as forças aéreas querem de forma incisiva apropriar-se dos lugares da aviação civil, pode criar o desânimo na classe civil aspirante à carreira aeronáutica.
Finalmente, ao lado das vantagens há óbvios inconvenientes na militarização da aviação civil. Assim, ao comércio, ao negócio aéreo, não interessam os conhecimentos de táctica ou de bombardeamento, em que será exímio um oficial aviador universitário, e pode, ao contrário, interessar-lhe a habilidade extraordinária de um sargento ou oficial aviador do tipo prático. Por outro lado pode um subalterno acaso oferecer muito melhores condições do que um oficial superior para um lugar de comandante de avião comercial e seria pretender ignorar-se as dificuldades entre nós de inverter a hierarquia, ao passar-se da vida militar para a civil. Ora à aviação civil deve dar-se o direito da escolha.
Em vez desta forma indirecta de dar vazão a quadros, com possíveis más repercussões na aviação civil, propõe-se que o Estado, como faz a Inglaterra, a título de prémio e auxílio ao deixar as fileiras, subsidie o pessoal navegante e especialista que, com boa informação, parta, voluntário ou forçado, ao fim de seis por, por exemplo. Garante a renovação dos quadros e aumenta as reservas.
Daí propor-se novo artigo 25.º, em moldes diferentes.
III
Conclusões
32. A Câmara Corporativa concorda na generalidade com n linha doutrinária da proposta de lei n.º 187, com excepção da parte correspondente ao que julga excessiva intromissão da aviação militar na vida da Aeronáutica Civil, Comercial e de Turismo, e propõe a seguinte redacção:
CAPITULO I
Disposições gereis
Antigo 1.º São aplicáveis à Aeronáutica Militar as disposições da lei de recrutamento e serviço militar, com. as alterações e aditamentos constantes do presente diploma.
Art. 2.º Todo o cidadão português, originário ou naturalizado, independentemente da sua filiação ou origem, pode ser obrigado ao serviço militar nas forças aéreas, em harmonia com as suas aptidões físicas, profissionais e intelectuais e pela forma estabelecida na lei.
§ único. Nos serviços dá Aeronáutica Militar, quer no ar quer em terra, podem ser admitidos, a título voluntário, naturais das províncias ultramarinas e, salvas as disposições aplicáveis do Estatuto do Trabalho Nacional, em tempo de guerra, indivíduos do sexo feminino que tenham atingido a maioridade legal e satisfaçam às condições estabelecidas na lei.
Art. 3.º Serão obrigatoriamente destinados à Aeronáutica Militar todos os indivíduos da (metrópole ou do ultramar apurados pelas Juntas de recrutamento, que:
a) Sejam possuidores de qualquer certificado de piloto de avião previsto no Regulamento de Navegação Aérea;
b) Sejam contratados ou assalariados em empresas de aviação comercial ou de turismo, nacionais ou estrangeiras, ou que exerçam a sua actividade em empresas industriais especializadas em material aeronáutico ou com elas associadas, e desempenhem serviços considerados de interesse para a Aeronáutica Militar.
CAPITULO II
Operações de recrutamento
Art. 4.º Os mancebos sujeitos ao sen iço militar que desejem ser incorporados na Aeronáutica Militar poderão no acto de recenseamento ou até ao final do mês de Março do ano em que o mesmo teve lugar comunicar o facto na secretaria do corpo administrativo em que são ou foram recenseados, juntando à declaração os certificados de habilitações profissionais ou técnicas que favoreçam a sua pretensão.
Art. 5.º Os indivíduos apurados pelas juntas normais de recrutamento abrangidos pelo disposto nos artigos 3.º e 4.º são classificados para a Aeronáutica Militar pelas mesmas juntas. O Estado-Maior do Exército destinará ainda para a Aeronáutica, designados pelo sorteio, o número de mancebos suficiente para, com os anteriormente classificados, preencher o contingente anual a reservar para serviço nas forças aéreas.
§ único. Dos mancebos apurados para o serviço militar e julgados simplesmente aptos para serviços auxiliares somente poderão ser destinados à Aeronáutica os que, sabendo ler, escrever e contar, sejam especializados em qualquer profissão útil para o serviço das forças aéreas ou satisfaçam às condições referidas no artigo 3.º
Art. 6.º Até ao dia 1 de Março de cada ano o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica indicará ao Estado-Maior do Exército o número de mancebos do contingente anual de recrutas que deverá ser reservado para as forças aéreas.
§ 1.º Os mancebos destinados ao serviço especial da Aeronáutica Militar deverão ser isentos de encargo»* de família e ter a altura mínima de 1m,58. Em cada ano não poderão ser destinados à Aeronáutica Militar mais de 20 por cento de analfabetos em relação ao contingente a incorporar.
§ 2.º A distribuição do número de mancebos necessário ao serviço das forças aéreas será feita por sorteio e proporcionalmente ao número de indivíduos apurados nas regiões e comandos militares, nos distritos de recrutamento e nos concelhos ou bairros.
Art. 7.º O recrutamento para a Aeronáutica, além do prescrito no artigo 3.º, deverá ser feito:
1) De entre os mancebos referidos no artigo 4.º e ainda de entre os que, reunindo as condições legais, declarem no acto de apresentação à junta ou até à incorporação desejarem servir nas forças aéreas;
2) De entre os mancebos que, reunindo as condições estabelecidas nos artigos 5.º e 6.º, sejam designados por sorteio em cada concelho ou bairro.
§ único. Dentro das condições estabelecidas serão permitidas trocas.
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CAPITULO III
Do serviço militar nas forças aéreas
Art. 8.º Além do tempo destinado no exército de terra a educação física e pré-militar da juventude e à instrução militar do recruta, a duração do serviço na Aeronáutica Militar é normalmente do vinte anos, repartidos por dois escalões, como segue:
Nas tropas activas - oito;
Nas tropas licenciadas - doze.
§ 1.º. Decorridos que sejam doze anos nas tropas licenciadas, os interessados transitam pura o escalão das tropas territoriais do Exército, onde permanecerão durante cinco anos, considerando-se em tempo de paz prescrita, aos 45 anos de idade a obrigação de serviço militar.
§ 2.º Salvo o caso de guerra ou de perigo iminente dela, os indivíduos sujeitos a obrigações militares na Aeronáutica transitarão de escalão aos 28 e aos 40 anos de idade.
§ 3.º O tempo de serviço suplementar prestado nas fileiras, voluntariamente ou por imposição legal, será levado em conta nos prazos fixados neste artigo.
§ 4.º Os licenciados do serviço especial da Aeronáutica poderão ser mantidos no respectivo escalão até aos 45 anos de idade. As praças do serviço geral na disponibilidade e às licenciadas do mesmo serviço, seja porque excedam as necessidades da mobilização da Aeronáutica, seja por outra conveniência militar, poderá antecipar-se a passagem ao escalão correspondente do Exército.
Art. 9.º Na Aeronáutica Militar o tempo de serviço nas tropas activas compreende normalmente:
1) Para os pertencentes ao serviço especial da Aeronáutica ;
a) Três anos nos quadros permanentes;
b) Cinco anos na disponibilidade.
2) Para os pertencentes ao serviço geral da Aeronáutica:
a) Dois anos no quadro permanente;
b) Seis anos na disponibilidade.
§ 1.º Quando as circunstâncias o exigirem, o Governo poderá determinar a continuação nas fileiras de toda ou parte da classe que terminou o tempo da obrigação normal de serviço. O Governo poderá também, quando as conveniências o aconselharem, antecipar, por sorteio, a passagem à disponibilidade, de um ano para as praças do serviço especial e de seis meses para as do serviço geral, excepto para os analfabetos.
§ 2.º Para os recrutados obrigatoriamente incorporados nos cursos de oficiais pilotos aviadores milicianos, lei especial determinará, de acordo com as necessidades particulares da sua preparação, a duração e a forma de prestação do tempo de serviço nas fileiras.
Art. 10.º As praças na situação de disponibilidade podem ser chamadas às fileiras da Aeronáutica por simples aviso convocatório do comandante da base ou unidade, em cumprimento de ordem do Governo.
§ único. Quando circunstâncias extraordinárias o exijam ou aconselhem, pode ser chamado o pessoal de todas ou de algumas classes das tropas licenciadas para preenchimento dos efectivos de mobilização ou para formação de novas unidades.
Art. 11.º Em tempo de paz todos os indivíduos na situação e disponibilidade podem ser chamados a um período de instrução anual não superior a um mês.
Os oficiais e sargentos milicianos, seja qual for a sua classe, estão sempre obrigados às convocações, para manobras ou para serviço nas fileiras a que são obrigadas as praças ma disponibilidade.
Art. 12.º Os indivíduos para quem finda a obrigação de serviço na disponibilidade ou nas tropas licenciadas mudam de escalão em 31 de Dezembro.
§ único. Em tempo de guerra ou em caso de perigo iminente dela o Governo pode adiar ou impedir a passagem de escalão e chamar às fileiras da Aeronáutica, por antecipação, os indivíduos que se encontrem entre os 18 u OM-Sl anos e que ipela sua profissão ou actividade especializada possam convir ao serviço das forças aéreas.
Art. 13.º As praças da Aeronáutica pertencentes às tropas licenciadas ficam sujeitas a convocações para exercícios ou manobras, que, em regra, não excederão a duração de três semanas de cada vez nem excederão ma totalidade seis meses.
As convocações para manobras dos licenciados devem, em regra, ser feitas para as bases ou unidades a que os mesmos devem pertencer em caso de mobilização.
Art. 14.º Podem alistar-se voluntariamente nas fileiras, com destino ao serviço especial da Aeronáutica, antes de atingirem a idade legal de prestação de serviço militar, os mancebos da metrópole ou do ultramar que satisfaçam às seguintes condições:
a) Tenham mais de 17 e menos de 21 anos de idade no acto do alistamento;
b) Tenham a altura mínima de 1m,58;
c) Possuam as habilitações literárias estabelecidas na lei em relação à especialidade ou profissão a que se destinam;
d) Sejam solteiros, com autorização dos pais ou tutores para o alistamento, quando necessária, ou viúvos sem filhos ;
e) Tenham bom comportamento, estejam no pleno uso dos seus direitos constitucionais e provem respeitar os princípios fundamentais da ordem política e social estabelecidos na Constituição;
f) Não estejam abrangidos por nenhuma das excepções previstas na lei geral;
g) Tenham aptidão física, comprovada pela junta de recrutamento ou pela junta de saúde da base ou escola prática na qual se efectua o alistamento.
§ único. Os mancebos que se alistarem como voluntários nas forças aéreas obrigam-se a servir quatro anos nas fileiras, podendo, no entanto, ser determinada a sua passagem à disponibilidade no fim de três anos, ou a transferência para o exército de terra, com as obrigações de serviço correspondentes, caso venha a revelar-se inaptidão para o serviço da Aeronáutica.
Art. 15.º Podem ser readmitidas por períodos sucessivos de três anos as praças que concluírem a obrigação de serviço no quadro permanente ou se encontrem na disponibilidade e queiram regressar ao serviço nas fileiras.
São condições indispensáveis à concessão de readmissão a aptidão física, bom comportamento e manifesta vocação e aptidão profissional.
Na apreciação do comportamento será sempre levada em conta a natureza das faltas, quando estas se tenham verificado.
Art. 16.º O número de voluntários e de readmitidos é anualmente fixado pelo Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo em atenção as necessidades dos diferentes quadros de especialistas.
Em tempo de paz o Subsecretário de Estado pode fazer cessar a obrigação de serviço nas fileiras aos readmitidos que o requeiram ou que, pelo seu comportamento,
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falta de aptidão ou qualidades morais, não convenha manter na efectividade.
Em tempo de guerra os readmitidos são obrigados a permanecer nas fileiras, seja qual for a classe a que pertençam.
Art. 17.º As praças da Aeronáutica que, nos termos da lei geral do recrutamento, devam ter passagem as companhias disciplinares transitarão para o Ministério do Exército.
CAPITULO IV
Recrutamento de oficiais, sargentos e equiparados
Art. 18.º O recrutamento de oficiais para os quadros permanentes das forças aéreas poderá ser feito entre oficiais oriundos das Escolas do Exército e Naval, ou da Escola Prática de Aeronáutica para os oficiais técnicos provenientes da classe de sargentos, nas condições estabelecidas nas respectivas leis orgânicas.
§ 1.º O Subsecretário de Estado da Aeronáutica facultará aos candidatos que desejem seguir a carreira das armas nas forças aéreas a obtenção prévia do primeiro período do curso de pilotos aviadores milicianos ou de qualquer outro em que possa ser comprovada a aptidão para o serviço do ar.
§ 2.º Os naturais do ultramar com as habilitações exigidas por lei podem ingressar nas escolas militares para seguirem a carreira das armas nas forças aéreas.
Art. 19.º Os oficiais de complemento necessários à mobilização das forças aéreas são recrutados:
1.º De entre os oficiais do quadro, permanente da Aeronáutica exonerados a seu pedido ou demitidos por motivos que não tenham carácter infamante ou não traduzam falta de patriotismo ou hostilidade aos princípios fundamentais de ordem política e social estabelecidos na Constituição;
2.º De entre os aspirantes a oficial miliciano de que trata o artigo 20.º
Art. 20.º Aos cursos de oficiais pilotos aviadores milicianos organizados na Escola Prática ou em qualquer outro estabelecimento das forças aéreas serão admitidos, nas condições fixadas na lei, os mancebos, com mais de 17 e menos de 21 anos de idade com o 7.º ano dos liceus ou habilitações superiores e o certificado do piloto aviador de turismo ou o da classe B de voo sem motor.
§ 1.º O Estado-Maior do Exército destinará obrigatoriamente ao curso de oficiais pilotos aviadores milicianos os mancebos recrutados que satisfaçam às condições anteriormente referidas e, na sua falta, outros indivíduos do recrutamento normal com as habilitações mínimas indicadas, especialmente alunos da Faculdade de Ciências, da Escola de Engenharia e dó Instituto Superior de Agronomia, até ao número que anualmente for comunicado pelo Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
§ 2.º São permitidas as trocas, e os mancebos que revelarem inaptidão para o serviço do ar regressarão ao Ministério do Exército para serem ali destinados a outros cursos dê oficiais milicianos, conforme a natureza da sua preparação literária e as necessidades de mobilização.
§ 3.º Quando as circunstâncias o aconselharem, podem também ser autorizados a frequentar, a título voluntário, os cursos de pilotos aviadores os mancebos, com mais de 17 e menos de 21 anos de idade, com o 7.º amo dos liceus ou habilitações superiores, independentemente da obrigação de apresentação do certificado de piloto aviador de turismo ou de voo sem motor.
§ 4.º Os oficiais milicianos da Aeronáutica que no fim de dois anos de serviço nas esquadrilhas tenham revelado especial aptidão para a carreira das armas
poderão ser admitidos à frequência do curso de Aeronáutica da Escola do Exército, nas condições estabelecidas na lei.
Art. 21.º Aos cursos de sargentos pilotos aviadores são anualmente destinados pelo Estado-Maior do Exército, dentro do número fixado pelo Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, os mancebos, aptos para o serviço militar, que possuam as habilitações literárias estabelecidas na lei e o certificado de aprovação no curso de piloto de avião de turismo ou da classe B de voo sem motor. Podem igualmente ser inscritos nos mesmos ou noutros cursos de preparação de especialistas de aeronáutica indivíduos, com mais de 17 e menos de 21 anos de idade, que, a título voluntário, desejem seguir a carreira da aviação e satisfaçam às condições estabelecidas na lei.
§ único. Aos cursos referidos no corpo deste artigo podem ainda ser obrigatoriamente destinados mancebos, aptos para o serviço militar, com as condições, de habilitações profissionais previstas na lei, sempre que por outra fornia não tenha sido possível preencher as vacaturas abertas.
Art. 22.º As praças habilitadas, com o curso de piloto aviador ou qualquer outro curso especializado da Aeronáutica são obrigadas ao mínimo de dois anos de serviço nas forças aéreas. As que não obtiverem aproveitamento nos mesmos cursos regressarão ao Ministério do Exército e ali cumprirão a obrigação normal de serviço militar a que legalmente estiverem sujeitas.
§ único. Os cursos de praças pilotos e os (restantes cursos especializados da Aeronárutica poderão ser frequentados por primeiros-cabos da Aeronáutica, da Armada ou do Exército que, além das condições gerais exigidas, tenham bom comportamento militar e informação favorável quanto à sua aptidão profissional e dedicação pelo serviço.
Art. 23.º O Estado subsidiará a formação de pilotos aviadores civis de indivíduos com menos de 20 anos de idade e condições especiais previstas na lei, bem como a manutenção em estado de treino dos habilitados com menos de 30 anos de idade.
§ 1.º O Subsecretário de Estado da Aeronáutica pode opor-se ao treino militar de todos os pilotos milicianos que não possuam em alto grau, o sentimento de devoção à Pátria, não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado e não defendam os princípios fundamentais da ordem política e social estabelecidos na Constituição.
§ 2.º Nos casos relativos às províncias ultramarinas a competência atribuída ao Subsecretário de Estado só pode ser exercida ouvidos o Ministro do Ultramar e os governadores respectivos.
Art. 24.º Na preparação e organização dos seus cursos o Instituto dos Pupilos do Exército procurará orientar os seus alunos nos conhecimentos indispensáveis ao futuro ingresso destes nas forças aéreas.
Art. 25.º Os graduados dos quadros do pessoal navegante e especialistas que, tendo permanecido ao serviço efectivo da Aeronáutica Militar num mínimo de seis anos, com boa informação, sejam abatidos ao efectivo dos quadros permanentes, voluntária ou por conveniência do serviço, receberão por uma só vez uma indemnização a fixar pelo Governo, destinada a facilitar a sua readaptação à vida civil.
Palácio de S. Bento, 29 de Fevereiro de 1952.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Joaquim de Sousa Uva.
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João Francisco Fialho.
José Tristão de Bettencourt.
Humberto Delgado, relator (assino vencido na parte em que a Câmara discorda da proposta governamental de poder recrutar, mulheres desde o tempo de paz para o serviço das forças aéreas. Como oficial, não apenas aviador, mas do corpo do estado-maior, e, portanto, pelo menos oficialmente, como técnico em questões de recrutamento e instrução, julgo dever referir as dificuldades que se encontrarão ao desejar-se que subitamente desencadeando-se a guerra, se monte ab ovo todo um serviço para recrutar e instruir indivíduos do sexo feminino, por vezes em difíceis funções a prever, em trabalhos de aeródromo, por exemplo, sem haver o mais pequeno núcleo de iniciação.
No nosso país deverá acrescer a esta dificuldade a de não existir qualquer experiência quanto ao problema de trabalho em comum de indivíduos de dois sexos nas forças armadas e de se sentir tendência para agregar ao problema factores de índole específica, dia a dia menos atendíveis em países onde a mulher, em especial se não pôde constituir família, conquistou a possibilidade de obter salário que a mantenha).
Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes
Acórdão n.º 22/V
A Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, eleita na sessão preparatória de 25 de Novembro de 1949, no uso da competência atribuída pelo artigo 106.º da Constituição Política e tendo em vista o disposto no artigo 7.º e seus parágrafos do Regimento desta Câmara e no Decreto-Lei n.º 29:111, de 12 de Novembro de 1938, bem como a relação a que se refere o artigo 8.º do mesmo decreto-lei, publicada no Diário do Governo n.º 251, 1.º série, de 24 de Novembro de 1949, reconhece e revalida os poderes do Digno Procurador Júlio Dantas, eleito Presidente da Academia das Ciências para o biénio de 1952-1953 (Diário do Governo n.º 23, 2.ª série, de 28 de Janeiro de 1952) e que, nessa qualidade, continue a representar na Câmara Corporativa a Academia e institutos de alta cultura cientifica ou literária (doc. n.º 78).
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 1 de Março de 1952.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Adolfo Alves Pereira de Andrade.
Inocêncio Galvão Teles.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Tomás de Aquino da Silva.
Virgílio da Fonseca.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA