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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134

ANO DE 1952 12 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 134, EM 11 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 131, 132 e 133 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa, para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da. Constituição, os n.ºs 50, 51 e 53, 1.ª série, do Diário do Governo, contendo os Decretos-Leis n.ºs 38:665, 38:667, 38:669 e 38:670.
Foram autorizados os Srs. Deputados Calheiros Lopes e Sá Carneiro a deporem, como testemunhas, no tribunal da 1.ª vara civil de Lisboa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Tito Arantes, sobre o problema dos apelidos familiares que por lei podem ser usados, e Pinto Barriga, que anunciou um aviso prévio.

Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Ar mu min Cândido relativo ao excesso demográfico português, relacionando com a colonização e emigração.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Pinto, Mendes Correia e Melo Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Finito dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Poeto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mondes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.

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Jerónimo Salvador Constantino Socastes da Gosta.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Gameiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luis da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manual Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente:- Estão presentes CG Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 131, 132 e 133 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre estes números do Diário, considero-os aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposições

Várias, do pessoas de família dos réus no processo conhecido pela designação «108», a pedir para os mesmos réus uma ampla amnistia.

elegramas

Numerosos, no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.ºs 00, 51 e 53, 1.ª série, do Diário do Governo, de 4, 5 e 7 do corrente, que contêm os Decretos-Leis n.ºs 38:665, 38:667, 38:669 e 38:670.
Está na Mesa um ofício do tribunal da 1.ª vara cível da comarca de Lisboa a solicitar autorização para que os Srs. Deputados Calheiros Lopes e José de Sá Carneiro possam depor naquele tribunal no dia 19 do próximo mês de Junho, pelas 14 horas.

Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Tito Arantes.

O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: pedi a palavra e vou ocupar a atenção de VV. Ex.ªs durante cinco minutos para aludir a uma questão que já tem sido várias vexes agitada quer nesta Câmara, quer na imprensa, e que, se é certo que interessa a uma esfera bastante restrita, também é verdade que, relativamente a essas pessoas a quem respeita, interessa profundamente.
Trata-se do debatido problema do número de apelidos familiares que deve ser permitido usar.
É sabido que pelo Código do Registo Civil de 1911 não havia limite quanto ao número de nomes próprios ou de apelidos que podiam pôr-se aos neófitos.
Daí redundaram abusos, de que não foram as menores vítimas as próprias crianças, tendo de carregar mais tarde, por toda a vida, às vezes com uma dúzia ou mais de nomes e apelidos.
Claro que a reacção surgiu naturalmente e, quando se publicou o Código de 1928, que não chegou a vigorar, estatuiu-se que o número de apelidos não podia exceder quatro (§ único do artigo 213.º).
Quando se elaborou o projecto do actual Código do Registo Civil, manteve-se esse limite para os apelidos, alargando-se até dois os nomes próprios do registando.
Era uma medida justa, que a ninguém suscitaria reparos.
Acontece, porém, que, talvez por ter mudado o Ministro da Justiça antes da conversão do projecto em diploma legal, aquele limite de quatro apelidos surgiu lamentavelmente reduzido para três no § único do artigo 242.º do actual Código do Registo Civil.
Ora, como acontece que grande número das mais notáveis famílias portuguesas usa nomes compostos por dois apelidos, formando como que um todo inseparável - nomes históricos, como Correia de Sá, Vaz de Almada, Teles da Gama, Vasconcelos e Sousa; nomes heróicos, como Mouzinho de Albuquerque, Azevedo Coutinho, Carvalho Araújo; nomes celebrizados pelas artes, como Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Viana da Mota, Soares dos Reis, ou pela política, como Costa Cabral, Hintze Ribeiro; Veiga Beirão, etc.-, daqui resulta que, se dois descendentes destas famílias casam entre si, os filhos que porventura venham a ter não poderão, em virtude de o limite dos apelidos ser de três, em vez de quatro, usar os nomes que distinguem tanto a família de seu pai como de sua mãe.
Tais filhos serão, a registo-civilmente» falando, uns seres híbridos - que oferecerão aos pais este quebra-cabeças de descobrir qual a mutilação menos dolorosa, se a do nome do pai, se a do nome da mãe.
De qualquer modo, o resultado terá sempre seu quê de palavras cruzadas: suponhamos o enlace de descendentes de Malheiro Dias e de Teixeira Lopes; o filho terá de ser Malheiro Dias Lopes, ou Teixeira Lopes Dias, ou qualquer outra contracção igualmente deformadora.
Sendo o nome patronímico, como é, destinado à identificação do indivíduo, mal se compreende a relutância manifestada pelo legislador em que essa identificação se realize por uma forma plena e eficaz.

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For outro lado, constituindo a família, à face da Constituição Portuguesa, a célula primária em que assenta a nossa organização social, ainda menos se compreende o afã posto pelo legislador em fazer desaparecer, no curtíssimo espaço duma geração, a memória duma das estirpes no seu natural prolongamento, que são os filhos.
O nome, como escreveu um notável civilista italiano, não é apenas uma instituição de policia civil nem uma etiqueta pessoal, mas sim uma expressão da vida moral e material dos indivíduos em todas as suas relações familiares e sociais.
Se é verdade que o direito ao nome participa do direito público, enquanto assegura a identificação dos cidadãos, não é menos verdade que ele se apresenta simultaneamente como um direito subjectivo privado.
E, nesta medida, qualquer restrição ao uso desse direito só é admissível quando inspirada por superiores razões de interesse colectivo.
Não vejo que existam motivos dessa ordem para impedir a elevação de três para quatro quanto ao limite dos apelidos.
E também decerto o não viu esta mesma Assembleia quando, em Janeiro de 1942, reconheceu a urgência dum projecto de lei apresentado pelo Dr. Fernando Tavares de Carvalho, e que justamente se ocupava desta mesma questão.
Aliás, sobre esse projecto pronunciou-se a Câmara Corporativa, num douto parecer, onde também concluía pela elevação do número de apelidos até quatro.
Contudo, se, por motivos insuspeitados, alguém entender o contrário, o problema ainda admite soluções transaccionais.
Efectivamente, é sabido que pelo actual artigo 242.º do Código do Registo Civil os pais podem dar aos filhos um máximo de cinco nomes, sendo dois nomes próprios e três apelidos.
Julgava-se que este limite total de cinco nomes não deveria ser excedido?
Pois bem, manter-se-ia esse limite, esclarecendo-se sómente que o registando apenas poderia ter um nome próprio quando os pais quisessem dar-lhe quatro apelidos.
Por mim discordo que valha a pena, na hipótese, usar deste processo a orçamental de tirar de um lado para dar do outro.
Mas não quis deixar de aventar a solução como uma das possíveis.
Concluo, repetindo: não creio que a elevação do número de apelidos de três para quatro traga algum inconveniente para alguém ou qualquer perturbação nos serviços.
Ao contrário, estou seguro de que virá trazer legítima satisfação a muita gente.
E, quando não houvesse outras razões, como há, esta bastaria, julgo, para se pedir ao ilustre titular da pasta da Justiça a sua atenção para o artigo 242.º do Código do Registo Civil.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: envio para a Mesa um aviso prévio e um requerimento, que são respectivamente os seguintes:

Aviso prévio

«Nos termos regimentais e constitucionais, desejo tratar, em aviso prévio, prestadas as devidas homenagens ao Sr. Ministro do Ultramar:

1.º Da relativa possibilidade da administração ultramarina, marcadamente de Angola, em face do surto inflacionista;
2.º Da imperiosa necessidade da revisão dos respectivos sistemas tributários;
3.º Da inadiável reforma dos vencimentos do funcionalismo ultramarino, com uma justiceira escala de categorias, que impeça sistemáticas subversões de hierarquia que presentemente se operam em relação a determinadas funções, como sucede com a magistratura, desfavoravelmente desnivelada, em matéria de proventos, com outras classes de funcionários socialmente menos categorizados».

Requerimento

«Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja dado conhecimento de quaisquer circulares ou instruções que impeçam que avaliações da propriedade urbana, para efeitos de aumentos de rendas nos concelhos limítrofes de Lisboa e Porto, sejam feitas em termos tais que redundem no despejo, por aumentos inconsiderados do pequeno inquilinato».

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Armando Cândido relativo ao excesso demográfico português, relacionado com a colonização e a emigração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pinto.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: os problemas relativos à fixação de portugueses metropolitanos no nosso ultramar preocuparam os governantes portugueses logo a partir da época dos descobrimentos e nunca mais deixaram de ser objecto de discussões e de programas de governo.
Nas breves considerações que sobre eles vou fazer não me deterei a recordar as soluções propostas nem os resultados colhidos, que, como é sabido, ficaram sempre aquém do que se desejava. Proponho-me apenas anotar, em ligeiro apontamento, uma passagem do brilhante discurso do ilustre Deputado autor do aviso prévio que originou este debate. Refiro-me à alusão feita por S. Ex.ª à existência de partidários da colonização livre e partidários da colonização dirigida.
Ora eu creio que não há, na realidade, dois pontos de vista opostos no modo de encarar o problema do povoamento. Suponho não estar em erro afirmando que a generalidade das pessoas que estudam os assuntos de que nos estamos ocupando reconhecem as vantagens, que julgo indiscutíveis, do colono livre.
O homem que parte para a África por instigação espontânea do seu temperamento, por tendência lusíada de procurar, por iniciativa própria, traçar o rumo da sua vida, leva consigo o espírito de decisão que o faz encarar, com Animo forte, a luta que o espera e a coragem que lhe há-de dar a resistência precisa para suportar, sem sucumbir, os possíveis insucessos do princípio e aguardar, com esforço persistente, o êxito apetecido.
Nem sempre se poderá esperar o mesmo daquele que, deparando com a leitura de um convite para se inscrever numa leva de colonização dirigida, que vem talvez ter com ele inesperadamente, e não como o desfecho de um sonho e de uma vocação, vai encontrar bastante atenuada a dureza do esforço inicial a despender, o qual para o colono livre é mais amargo, mas mais fundamente o deve enraizar na terra onde a primeira condição do triunfo foi o seu próprio trabalho.
Se é certo o que suponho, se com efeito esta superioridade da colonização livre é geralmente reconhecida, temos de concluir que as sucessivas aparições de planos

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de colonização dirigida resultam apenas do conhecimento de que a colonização livre é provadamente lenta e daí o procurarem-se soluções que, no regime dirigido, intensifiquem o deslocamento de maiores volumes populacionais da metrópole para o ultramar.
Procura-se, embora à custa de mais avultadas despesas, a vantagem da quantidade, sem que isso represento a expressão do um ponto de vista sobre a qualidade. Quando a colonização dirigida tem sido tentada na pequena escala tem o carácter de ensaio para ulteriores realizações de maior amplitude.
Um e outro regime são pois de aproveitar.
Conhece o País os novos empreendimentos de colonização dirigida que, em larga escala, vão ser implantados nas nossas duas grandes províncias africanas, nas bacias de quatro dos seus grandes rios, empreendimentos dos quais muito há a esperar.
Quanto à colonização livre, eu creio, Sr. Presidente, que ela deve tender a progredir de modo sensível em futuro próximo; A África deixou de ser aquela terra escura e misteriosa para onde os pais tinham pavor de ver partir os filhos. Os climas melhoram. Os preceitos de higiene divulgam-se. A assistência médica vai chegando a toda a parte. Os meios de transporte multiplicam-se e aperfeiçoam-se. O ambiente é menos agressivo. A vida cerca-se de maior conforto.
Por outro lado, as vindas cada vez mais fáceis, e por isso mais frequentes, de gente do ultramar à metrópole são fonte quase permanente de informações, que esclarecem e animam os que se dispõem a partir. É natural que deste conjunto de circunstâncias resulte o surto de maior número de voluntários, ou seja de colonos livres.
O que é essencial é que eles se sintam amparados à chegada. É preciso que o Estado os defenda e ajude com assistência técnica, facilidades de crédito, brevidade nos trâmites a seguir para as concessões de terrenos ou para a passagem de licenças e alvarás para explorações mineiras ou industriais ou para abertura de estabelecimentos de comércio, cuja multiplicação no mato tanto interesse teria para Moçambique, onde, contrariamente ao que sucede em Angola, os monhés estão senhores da quase totalidade do comércio do interior.
Ao mesmo tempo é preciso que os não persigam as repartições de finanças com apressadas multas e com a estrita aplicação de disposições regulamentares, sem espírito de compreensão e tolerância.
Para mostrar que não estou a formular meras hipóteses, citarei um caso, de entre outros que conheci. Um colono, já veterano como agricultor, com extensas propriedades ao longo de um dos rios de Moçambique, viu as suas colheitas perdidas, em dois anos sucessivos, por efeito de cheias anormais do rio. Seguiu-se um terceiro ano, excepcionalmente favorável, e este colono encontrou na colheita uma justa compensação dos prejuízos dos dois anos anteriores. Sucedeu, porém, que já então estava em vigor o imposto sobre lucros de guerra e, como este tinha por base a comparação dos rendimentos ao ano em causa com a média dos anteriores, o homem foi colectado em cerca de 50 contos. E não houve argumentos que convencessem o fisco de que não era da guerra que provinha aquela diferença. Se este homem, em vez de ter já recursos provenientes de longos anos de trabalho em África, estivesse no terceiro ano da sua vida de colono, teria soçobrado irremediavelmente. Não é com o conhecimento de exemplos destes que se anima a ida de outros voluntários.
Sr. Presidente: a conclusão a que pretendo chegar é apenas esta: não há que escolher entre colonização livre e colonização dirigida. Um e outro regime podem ser simultaneamente profícuos em diversas regiões de cada território.
O que é preciso é não cercar o colono livre de menos carinho e amparo do que aquele que, com mais pesados encargos, se reserva para o colono dirigido.
Qualquer junta de colonização ou organismo semelhante que venha a ser criado para a colonização dirigida deve abranger no seu campo de acção a assistência ao colono livre. E se o trabalho de tais organismos for bem orientado, num sentido prático e eficaz, eu creio, Sr. Presidente, que o actual panorama é de molde a justificar favoráveis perspectivas de povoamento das nossas terras de África por portugueses da metrópole.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muita cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: no seu aviso prévio, o ilustre Deputado :Sr. Dr. Armando Cândido focou com elevação e brilho um tema dos mais importantes e complexos da vida portuguesa: o destino dos nossos excedentes demográficos. A existência de volumosos saldos fisiológicos no movimento da população é considerada naturalmente um índice de vitalidade de um povo e uma vantagem nacional pelo que traduz como aumento de potencial humano, de valia económica e militar, de poder de um país. Á luta contra as tentativas de restrição de natalidade, todas as providências favoráveis ao aumento desta, à melhoria do estado sanitário e do nível de vida, à diminuição dos índices de mortalidade, ao aumento da duração média da existência fundam-se simultaneamente num dever moral e no reconhecimento da aludida vantagem no aumento da população.
Mas, do mesmo modo que a máquina não libertou o homem da obrigação fundamental de trabalhar, de ganhar com o suor do seu rosto o pão de pada dia, do mesmo modo que dos inaquinismos maravilhosos não resultou a ociosidade mas um acréscimo estupendo das possibilidades humanas, também, paradoxalmente, a riqueza potencial existente em massas populacionais cada vez maiores põe os políticos, os sociólogos, os economistas perante tis dificuldades angustiosas de soluções para o- problema de encontrar os recursos para a sustentação dessas massas.
Não é agora o ensejo de entrar em longas dissertações sobre os erros maltusiano e seleccionista ou darwilista no que respeita ao ser humano, especialmente ao homem civilizado. Não vou também deter-me no conceito ratzeliano do Lebensraum, do espaço vital, que tanta voga encontrou não há muito na pretensa justificação de guerras expansionistas e que tanto tem preocupado alguns dirigentes de certos países e muitos geógrafos.
Chamou Sauvy «falso problema» à falada questão da sobrepopulação e mostrou como esta matéria é frequentemente encarada com unilateralidade e sem elementos suficientes para uma sua perfeita ponderação.
Direi apenas que a aplicação da matemática ao estudo do problema da população levou muitos cientistas de alta categoria à convicção de que o crescimento populacional nos países civilizados se opera segundo uma curva logística que, como já previra Quételet, tenderia para um estado estacionário, não sendo possível o aumento de população ultrapassar certo limite. Este seria atingido pelos Estados Unidos entre o ano 2000 e o ano 2100, não ultrapassando 200 milhões. A França não passaria além de 42 a 43 milhões. Haveria, porém, excepções à regra. Segundo Bunle, por exemplo, a curva seria sinusoidal cíclica.
A verdade é que ninguém pode excluir, em quaisquer previsões sobre o assunto, de um lado, o efeito dos pro-

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gressos, sobretudo médicos, no sentido do aumento de população, do outro lado, o reflexo que nas estatísticas populacionais possa vir a ter dentro de poucos decénios ou até de poucos anos o emprego dos meios de destruição maciça descobertos nos últimos tempos.
Creio que, como, numa colectânea recente de crítica a Maltus, afirma Létinier, a evolução demográfica depende de qualquer coisa que escapou a Maltus e que Létinier chama lei eterna da população: é que aquela evolução depende da vontade individual e colectiva de viver, a qual não é apenas regulada por instintos naturais, mas por condições morais e económicas. Para muitos autores a questão do aumento da população e da sobrepopulação é frequentemente encarada sob o impulso de factores sentimentais, não faltando mesmo quem entre em conta com descobertas ainda não realizadas das quais venha a resultar o aumento concomitante de recursos para a sustentação dos quantitativos atingidos.
O assunto é tão complexo e implica uma tal multiplicidade de elementos que não pode ser orientado apenas por cálculos simplistas, como os daqueles que, pegando num papel e num lápis, multiplicavam o número de quilómetros quadrados de área de um continente por uma densidade hipotética e certamente demasiado optimista de população, chegando, por exemplo, para a África a mais de 2 biliões de habitantes, ou seja quase toda a população actual do Globo. Mas também não pode basear-se num simples impulso de esperança ou de fé, embora a meu ver esta seja necessária nesta matéria, como em tudo. Sem fé nenhuma grande realização é possível. E devemos ter fé em que se consigam os recursos e o clima necessários para que muitos seres humanos, encontrem ainda na face ida Terra condições de vida e de felicidade.
Aliás eu pergunto se alguém ousa, pelo simples exame dos factos objectivos e excluindo qualquer parcela subjectiva de desejo, de esperança ou de fé, prever a marcha da economia mundial, das relações internacionais, da humanidade de hoje para a felicidade ou para o abismo.
Alguém está, por exemplo, seguro de fenómenos mais simples, como a evolução do comércio mundial, a liquidação dos encargos e compromissos assumidos pelas nações, etc. Meus senhores: tem de haver um sopro de fé, um lampejo de confiança no traçado das perspectivas de futuro para o homem. Ai de nós todos se por frias e implacáveis especulaçõe, se por desanimadora verificação de muitos males, a fé, a confiança nos destinos humanos se varresse de nossas almas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta atitude não implica o menosprezo das aquisições científicas dos elementos úteis de apreciação destes assuntos. Pelo contrário, seria indigno entregar à sua sorte, sem qualquer esforço de aperfeiçoamento, de estudo, de salvação, tantos seres humanos, tantos irmãos nossos.
Eis por que as dificuldades destes problemas, a insuficiência dos meios de estudo e de acção, a permanência de muitos males contra os melhores, mais dedicados e mais lúcidos esforços não devem ser motivo de renúncia. Aliás, devemos nós, Portugueses, agradecer à Providência não termos sido, até agora, dos povos mais cruel e duramente atingidos pelos sofrimentos que afligem a humanidade de hoje.
Os acontecimentos trágicos que o mundo contemporâneo nos proporciona têm, mercê de Deus e das circunstâncias providenciais, que não é preciso rememorar, em grande parcela, encontrado Portugal imunizado contra eles de modo feliz.
Falando de emigração e de colonização, pensemos, por exemplo, como somos ditosos em confronto com outros países da Europa, aos quais não bastou terem sido talados por uma guerra impiedosa e destruidora, mas se encontram agora a braços, numa situação deplorável, com a exacerbação dos seus problemas de sobrepopulação, sem possibilidades migratórias como, apesar de já escassas para o estrangeiro, as que temos) e sem vastas, pacíficas e prósperas províncias ultramarinas em que possam (depositar as belas esperanças que nos faculta o nosso ultramar. Eu leio as revistas italianas, por exemplo. Posso ajuizar do carácter de ansiedade, de angústia, de tragédia que revestem os problemas actuais da população em Itália.
O ilustre autor do aviso prévio descreveu as dificílimas circunstâncias em que vive grande parte da nossa população, sobretudo nas ilhas adjacentes. O quadro é profundamente triste e (requer remédio, o mais eficaz e pronto possível. Mas não é muito diferente a situação outros pontos do País e do ultramar. Cá no continente conhecemos factos análogos. Verifiquei, eu próprio, no Porto que muitas crianças iam para a escola sem refeição alguma e que não eram raras as que não tinham no dia inteiro outra refeição além da que lhes era fornecida pelas cantinas escolares. Em Cabo Verde são tràgicamente notórias as consequências para a população das longas estiagens, da falta de trabalho, da insignificância de muitos salários.
Apesar das providências tomadas pelo Governo, a natureza inclemente, o adensamento populacional, as limitações forçadas do habitat insular, as restrições postas no estrangeiro à emigração, tudo concorre para um estado de coisas que quase levaria o homem a fazer como as cabras, cuja fome compensa a míngua dos pastos, devorando caixas de fósforos vazias, papéis rasgados lançados no solo, ou panos e peças de roupa imprudentemente postas ao alcance dos seus dentes ...
Mas espectáculos tão deploráveis nem são exclusivos de alguns infelizes sectores da gente portuguesa, nem são exclusivamente de hoje, nem tem encontrado a inerte indiferença - que seria criminosa - das entidades responsáveis. Há infelizmente por esse Mundo muitas coisas análogas ou até piores. Desafio quem quer que seja a negar que tais males existiram outrora, mesmo, porventura, em certos casos e nalgumas ocasiões ainda com maior gravidade. E, se a despeito das providências governativas tomadas subsistem ainda quadros lancinantes de miséria, temos o direito de perguntar às gerações que nos antecederam se foram tantos e mais eficazes os esforços que desenvolveram para remediar tais males e para obstar à sua repetição ou ao seu prosseguimento no futuro.

ozes: - Muito bem!

O Orador:.- Não percamos tempo em recriminações, por mais que o apuramento de responsabilidades tenha interesse histórico e moral e possa fornecer lições preciosas de conduta política, uma serena, sã e firme filosofia, ideias e directrizes justas. O que não queremos e apenas que se especule tendenciosa e malevolamente com a miséria. Esta, a fome, a desventura merecem muito respeito para que seja legítimo, àqueles que não tentaram seriamente dar-lhes remédio ou evitá-las, àqueles que não trazem na sua bagagem nenhum elemento positivo para o seu combate, fazerem delas estandarte de protesto, no serviço das suas ambições pessoais ou das suas doentias e perigosas paixões sectárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não percamos tempo em recriminações. Não hesitemos em continuar apontando os males, mesmo

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sob o risco de se MOS assacarem culpas que não temos, que são de todos ou que cabem u nossa geração em grau muito menor do que às anteriores. Sobretudo, não nos detenhamos em devaneios de imaginação ou de retórica ou em pormenorizações desconexas, numa visão insuficiente e fragmentária dum problema tão complexo e transcendente que exige coordenação eficaz de múltiplas soluções adequadas.
Estou recordando os últimos períodos do livro de Ezequiel de Campos Problemas Fundamentais Portugueses, em que, depois de expor os tópicos do enorme e variado programa de realizações que são necessárias na metrópole e no ultramar para bem da gente portuguesa, das gerações actual e futuras, programa que ele com inteligente e nobre tenacidade aponta, sempre nas suas declarações de voto em pareceres da Câmara Corporativa, conclui afirmando que, depois da conquista de Portugal aos Mouros e ida conquista da independência nacional, ainda não conquistámos o nosso território de aquém e de além-mar à natureza, o que é o mesmo que dizer a esterilidade, ao deserto, à erosão, aos factores destrutivos, a tudo o que é desvalorização, infecundidade, prejuízo, desperdício de fontes de riqueza, de recursos úteis, de factores de progresso e felicidade humana.
Creio, como pensam aliás ilustres economistas, que, bem aproveitado, o território continental ainda pode garantir a existência a uma população maior do que a actual, mesmo do que os 10 milhões que se prevêem para 1960.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas é indispensável prosseguir activamente na tarefa de aproveitamento indicada. Mas isto não significa que devamos desinteressar-nos do problema do escoamento dos excedentes demográficos, quer pela emigração, quer pela colonização, dado que a valorização dos recursos nacionais no sentido de prover às necessidades actuais da população não se pode efectuar de repente, como sob a acção de uma varinha mágica, nem deixa de ser uma das bases do progresso e do enriquecimento do País a plena laboriosidade dos núcleos migratórios ou colonizadores constituídos ou a constituir.
E de justiça, quanto à emigração portuguesa, pôr em relevo, com elogio, as providências tomadas nos últimos anos no sentido de proteger e valorizar o emigrante e de evitar uma série de desastres, de que, infelizmente, não faltam exemplos. Entretanto, basta atentar nas estatísticas de emigração para se verificar quanto estamos, nos quantitativos correspondentes, aquém dos números elevados que a nossa emigração atingiu, em várias fases, antes da última grande guerra. As restrições opostas nos países de destino ao afluxo imigratório tem sido, sem dúvida, ,uma das causas mais importantes da redução observada. Mas é inegável que, com são critério, humanitarismo e patriotismo, também do nosso lado tem havido uma regulamentação do êxodo populacional, de modo a evitarem-se os desastres a que aludi.
A salvaguarda da nossa mão-de-obra, a valorização da fonte de riqueza que é o homem, o próprio prestígio do nome português não dispensam, porém, o prosseguimento e o aperfeiçoamento de uma política que louvavelmente se iniciou. É certo que os emigrantes portugueses, segundo inquéritos vários levados a efeito pelo Governo e pela Sociedade de Geografia, dão, em geral, nos países estrangeiros as melhores provas da sua laboriosidade, da sua honradez e ,da sua boa índole. Estou pensando na admirável colónia portuguesa no Brasil, que tive a alegria de visitar em 1934 e em 1937. Essa gente magnífica, ao mesmo tempo que honra a sua pátria, colabora valiosamente no engrandecimento do nobre e querido Brasil.
Recordo a minha visita recente a alguns importantes núcleos luso-americanos na parte oriental dos Estados Unidos. Que impressão forte e grata eu trouxe desses excelentes portugueses da América do Norte, das. suas qualidades de trabalho, das suas qualidades morais e afectivas, do seu sentimento de patriotismo, apesar da poderosa força assaniladora e plástica do meio novo, rico e tão diverso do nosso, mo qual se instalaram e ganham o seu pão!
Meus senhores: até em descendentes de portugueses que só falavam o inglês e ocupavam funções oficiais importantes no grande país do Novo Mundo eu verifiquei a existência de uma enternecida simpatia pela pátria antiga dos seus antepassados, uma simpatia que se manifestava nas suas atitudes connosco, no apoio dado a iniciativas luso-americanas, na afectuosa curiosidade que manifestavam pelos assuntos portugueses. Mas descortinei em muitos dos nossos patrícios um complexo, muitos complexos de inferioridade, claros ou latentes, perante o meio envolvente, perante a grandeza e o poderio da nação que os abriga e lhes dá trabalho e pão.
Sem hesitação, sem ambages, direi o que penso desse ou desses complexos, que, se não alcançam diminuir nos seus portadores o amor pela pátria distante, enfraquecem as possibilidades de resistência às múltiplas acções assimiladoras provenientes do meio movo, da sua língua, dos seus costumes, das suas instituições sociais, económicas e políticas. Há, em primeiro lugar, a humildade nata da boa gente portuguesa, uma sua xenofilia deferente, que traduz bondade fraterna, e não submissão antipatriótica. Se o ferem nos seus sentimentos de amor pátrio, o Português reage energicamente, mas, se assim não sucede, ele é hospitaleiro, amável, benévolo, para toda a gente. Por outro lado, a massa migratória, em grande parte, não possui o conhecimento satisfatório os motivos de orgulho nacional que se encontram na nossa história, como em tantas realizações do presente. No fundo das aldeias ou na lonjura das ilhas, de que nunca saíra antes de emigrar, não vira nada de comparável aos arranha-céus de Nova Iorque ou aos grandes equipamentos ferroviários ou portuários americanos ... Com patriótica mágoa e insuficiente cultura de certos valores compara os enormes buildings americanos com as choupanas da sua aldeia natal. E não são demasiadas todas as [propagandas que façamos para os pormos ao facto das melhores realidades nacionais. Mas o. factor principal da situação moral e económica dos nossos emigrantes em países estranhos consiste na deficiência da preparação que deveriam ter levado da Pátria.
Por mais confortantes que sejam os resultados dos inquéritos a que fiz referência sobre as qualidades manifestadas pelos nossos emigrantes, não podemos dar-nos por satisfeitos quanto ao êxito por eles obtido noa meios novos para onde foram ganhar a vida. Direi apenas que o seu êxito teria sido incomensuràvelmente maior, com vantagem para cies e para os países de origem e de destino, se as suas excelentes qualidades inatas tivessem tido a reforçá-las na preparação, o adestramento, os conhecimentos gerais e técnicos que dão categoria à simples mão-de-obra. Milagres, verdadeiros milagres, fazem eles por intuição, pelos seus méritos próprios. O que não poderiam fazer com outro apetrechamento?!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não discuto agora os fundamentos da legislação dos vários países no que respeita à admissão de emigrantes. Pode ser que nalguns tivesse havido a interferência de discutíveis critérios raciais: está neste caso o Norte-americano Johnson Act, anterior à segunda

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grande guerra. Mas houve sobretudo a preocupação de evitar invasões em massa, de imo receber indesejáveis, de abrir as portas aos mais eficientes, aos sãos, aos mais robustos, aos mais capazes física e moralmente e aos mais susceptíveis de identificação com os interesses do país de destino. Não podemos levar a mal esses propósitos, não podemos- querer que esses países sobreponham aos seus próprios interesses o nosso. Mas tem havido injustiças para connosco.
O mal maior, porém, é o que resulta da nossa despreocupação, durante longos anos, em relação às qualidades e aptidões dos emigrantes. Ninguém quer hoje analfabetos, incultos, rudes, subalimentares, a chair à cânon de lamentáveis e antigas tragédias de multidões servis, imoladas sem piedade à ganância brutal de alguns empresários e à inconsciência vergonhosa das entidades responsáveis. Esses tempos passaram para todos os países que tem o direito de se considerar civilizados.
Estou recordando a fórmula cínica de Cecil Rhodes, quando afirmava que o humanitarisnio, a filantropia pura, estavam muito bem, mas era imensamente melhor quando se lhes podiam juntar õ por cento de dividendo. Um colonial ilustre acrescentava: 5 por cento era modesto lucro, porque algumas empresas davam 25 e 50 por cento de dividendo, como era o caso (este último) da Consalidated Gokl Fieilds of South África.
Não serei eu quem recusará -aos outros países o direito de restringir o acesso de emigrantes- estrangeiros ean regulamentações justas e razoáveis. >Mas protesto contra tudo o que assim não for.
Numa viagem fora da Europa soube que vinte e cinco rapazes, madeirenses, .emigrantes clandestinos, tinham sido presos no país de destino, um ipor uon, e entregues por fim às autoridades portuguesas da fronteira. Até aí está certo. O espírito de aventura desses moços não estava legitimado nas leis do país. Mas o que não está bem é que,foram levados às autoridades lusitanas algemados como os piores malfeitores. Faziam dó os rapazes. O primeiro cuidado dos nossos representantes foi tirarem-lhe as algemas.
Meus senhores: eu não acredito que as algemas sejam um símbolo de progresso e de civilização. Pois vi-as já numa grande cidade estrangeira à venda em armazéns do género dos nossos Armazéns Grandela ou do Chiado, com legendas em grandes letras dizendo-as as melhores algemas do Mundo, com todos os parafusos e aperfeiçoamentos coucebíveis para o fim em vista ... Mostrei-as com espanto a alguns portugueses que ali estavam comigo e a, estrangeiros amigos que, como nós, ali se encontravam de passagem.
Reatemos as .nossas (considerações. Na verdade, se emigrantes -mal preparados ein relação ao país de destino, incultos, fracos, doentes, são indesejáveis para tal país, também não constituem uma massa humana excelente para o nosso próprio p,aís. Simplesmente, como a família, que tem deveres para com os seus elementos, nós também os temos paru com eles. Os pais não negam sustentação e carinhos aos seus filhos estropiados, aleijados ou incapazes de qualquer trabalho útil. Muitas vezes são até mais carinhosos ipara com eles do que para os irmãos sãos, precisamente porque eles são mais necessitados de assistência e apoio. É o que sucede mais ou menos numa sociedade -organizada, dotada de fortes sentimentos morais e afectivos, por mais que doutrinas cruéis de seleccionisnio social, de darwinismo social, tenham pretendido impor a conveniência de uma eliminação impiedosa dos indesejáveis, dos fracos, dos incapazes, dos inadaptáveis a um trabalho produtivo.
A solidariedade, a generosidade com elementos desta ordem é menos de esperar nos países de destino do que nos de origem! Mas a indesejabilidade nos primeiros
destes países é baseada num critério mais severo do que nos países de onde parte o fluxo migratório. É natural que assim seja. Aliás, a possibilidade de um indivíduo ser útil no próprio país e indesejável num país estranho é perfeitamente admissível. Um meio estranho tem exigências novas de adaptação.
Embora, porém, a preparação do emigrante tenha qualquer coisa de .especial por motivo dessas exigências, ela participa em grande parte do mínimo de cultura, de preparação para a vida, para uma vida útil a si próprio e à colectividade, que deve ser concedido a qualquer português, candidato ou não a emigrante. Não é à pressa, à última hora, que se fabricam emigrantes capazes. Assim, a questão transcende do âmbito restrito da emigração para se integrar no problema geral da educação, do revigoramento, da saúde da população inteira. Assim, originariamente, fundamentalmente, o problema da emigração é mais vasto e complexo do que muitos pensam, é todo ou quase todo o problema-da valorização, da eficiência, da grande mossa humana nacional.
A emigração não pode ser de boa qualidade para o objectivo a atender se a niassa humana de que provém não oferecer os requisitos necessários. Ou então teremos de aceder à emigração dos melhores valores, ficando no País o peso morto dos menos capazes ... Terrível dilema, a que não é possível fugir.

Vozes: — Muito bem!

O Orador : — O problema da colonização no nosso ultramar, como fonte de valorização deste e meio de colocação dos excedentes demográficos metropolitanos, apresenta idênticos aspectos, apenas com a diferença de que neste caso não é um país estrangeiro que os recebe, mas o próprio território nacional. Já aqui foram evocadas algumas tentativas, como alguns estudos do assunto. Já aqui se assinalou a importância demográfica dos núcleos de ascendência metropolitana actualmente fixados na África Portuguesa.
Angola, especialmente a sua região planáltica, aparece hoje como a parte da África subequatorial e inter-tropical em que se efectuou já uma mais deusa, ampla e enraizada fixação de gente de origem europeia. Isto apesar de tantos insucessos, de tantos esforços sem êxito, do desânimo que invadiu por vezes tanta gente. Isto apesar de a emigração portuguesa para a África ter sido geralmente uma pequena fracção da emigração portuguesa para outms regiões, especialmente para o Brasil.
Em 1846 havia apenas em Angola 1:830 brancos, dos quais sómente 156 do sexo feminino. Em 1950 havia 80:000 brancos, de entre os quais numerosas mulheres. A proporção de mulheres, o melhor índice de uma colonização estável familiar e racialmente pura, aumentou a partir de 1922.
A proporção de analfabetos entre os emigrantes para a África reduziu-se a números mínimos, sendo talvez o caso de perguntar se esses ficam por cá, embora deva notar-se que talvez cá façam menos prejuízo, e ainda devendo registar-se que as exigências de cultura aos emigrantes são um dos meios de estimular o desenvolvimento da instrução entre nós.
O que à primeira vista mais impressiona é a lentidão, a série de desastres que assinalam os progressos da fixa-çào de colonos metropolitanos nq, nossa África, apesar de tantos esforços feitos, do reconhecimento há muito da existência de vastas zonas em condições favoráveis à fixação europeia. Desde o século XVI isso se sabe e a colonização se preconiza e tenta. O grande governador de Angola do século xvm, D. Francisco de Sousa Coutinho, é um paladino inteligente e estrénuo da empresa. Quase no nosso tempo Eduardo Vilaça faz um plano

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para a tarefa, a que todos tecem elogios, mas que praticamente ficou no papel. Paiva Gouceiro mandou Pereira do Nascimento e outros estudar a viabilidade do enraizamento dos nossos- colonos segundo as regiões.
Legislação, regulamentação, providências várias (como o Decreto-Lei 11.º 34:464, de 1945, do Ministro Marcelo Caetano) se foram adoptando, não se devendo esquecer na iniciativa privada a experiência do Caminho de Ferro de Benguela. Variavam, entretanto, os mé-todqs preconizados. Uns, como Eduardo Marques, eram pela colonização livre, outros pela colonização por conta do Estado ou de empresas, outros pela colonização dirigida ou apenas orientada.
Em geral preconizava-se a assistência. indirecta do Estado (através de empresas, por exemplo). Vicente Ferreira entendia, e muito bem, que as primeiras instalações de colonos deviam ser cientificamente orientadas. Também variavam os critérios sobre a utilização ou iiào da mão-de-obra indígena no serviço dos colonos.
Mas não faltavam os cépticos. Oliveira Martins pôs o seu grande talento ao serviço do desânimo no que respeita ao escoamento de grandes mastsas humanas da metrópole para o nosso ultramar. António Enes, já aqui apontado justamente ateste debate, descria absolutamente da colonização branca ide Moçambique, artificial, oficial, engajada, mas, sem esquecer a necessidade de capitais, achava pouco tudo o que se fizesse em prol da colonização livre, espontânea. Impressionaram, porém, muitas pessoas estas suas palavras: «Quem imagina que o brando pode ir para as margens do Zambeze ou do In-comati trabalhar com uma enxada nunca apanhou sol em África».
O pessimismo deu lugar depois a um verdadeiro optimismo. Simplesmente todos ou quase todos reconheceram um certo numero de verdades elementares no que respeita à viabilidade e perspectivas da nossa colonização branca na África Portuguesa.
Para os planaltos de Angola há já, como escreveu Vicente Ferreira, um século de experiência e quatro gerações de colonos da Huíla. Mas, como dizia Eduardo Marques, há uma grande variedade de regiões colonizáveis e culturas desigualmente remuneradoras.
Os estudos dos autores já citados, de Norton de Matos, Santa Rita, Henrique Galvão, Firmino Santana, Sebastião de Carvalho, etc., juntos à experiência vivida de muitos coloniais que nada escreveram, aos elementos fornecidos por cientistas nacionais e estrangeiros jsobre a aclimação humana nos trópicos, tudo isso criou a justa convicção da viabilidade da colonização de muitas regiões da nossa África por colonos de origem metropolitana e do seu enraizamento em .sucessivas gerações. Mas essa convicção é acompanhada, em todos os espíritos criteriosos e cultos, da noção de que são condicionalismo indispensável de êxito uma boa selecção dos colonos, providências para o seu transporte e instalação; escolha racional das terras e das culturas, bem como das actividades, uma organização de assistência que não converta o colono em funcionário ou em parasita insolvente, investimento de capitais, medidas de administração, obras públicas de salubrização, abastecimento^ de águas, irrigação, fertilização, comunicações e transportes, etc.
Segundo os pareceres e segundo as regiões, variariam a natureza e a extensão das providências tomadas ou a tomar, as entidades às quais competiriam os encargos e as realizações correspondentes, etc.

Vozes: — Muito bem !

O Orador: — Esta singela enumeração de tópicos gerais mostra a complexidade extrema da tarefa e a variedade de aspectos que ela reveste. É evidente que não
basta exportar gente como gado, não basta entregar-
-Ihe, sem qualquer compromisso executável, alfaias, sementes, adubos, casas, terras.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — E um crime criar em África legiões de poor whitex, farrapos humanos, brancos degradados a uma condição mais miserável do que a dos negros mais rudes e atrasados.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Também é um crime não pensar senão no interêssse ou noa direitos do colono, com preterição do interêssse ou dos direitos das populações preexistentes. Quando haja necessidade de utilização de mão-de-
-obra indígena devem cumprir-se ítodas as disposições legislativas e regras morais sobre o trabalho dos nativos, «eu recrutamento, sua assistência e protecção, contratos, salários, etc. A demarcação de terrenos deve ser feita também dentro do respeito das prioridades e necessidades dos naturais.
Assim, suscitando na metrópole problemas de selecção e preparação humana, de capitais, de organização, etc., a colonização implica, no ultramar, organizações e métodos de administração, normas de política indígena, estudos e normas de ciência e de técnica em mil aspectos que não vou agora enumerar.
Cingindo-nos sómente a uma exploração agrícola e pecuária, a pequenas indústrias correlativas e à estruturação económica e comercial correspondente, nem por isso podemos abstrair de uma multiplicidade de problemas de outras ordens, que temos de considerar como de solução imperativa.
Refiro-me, não já às comunicações e transportes e aos financiamentos, -que estão no aspecto económico, mas à necessidade de escolas para os filhos dos colonos, de médicos para as famílias destes últimos, etc. Se atentarmos na vastidão dos territórios e na dispersão natural das explorações e dos colonos e respectivas famílias, na distância em relação aos núcleos urbanos, às estações de caminhos de ferro, caberá perguntar que densidade deverá ter a rede de comunicações e qual o número de escolas, de templos ou de médicos para que todos os elementos de colonização possuam a assistência educativa, religiosa, médica, etc., de que necessitem.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Como já aqui foi dito, a colonização é um facto complexo que não comporta soluções exclusivas e uniformes. O que aqui é bem pode -noutro ponto ou noutras condições ser mal. E vice-versa. Mas o que é uniforme são os princípios orientadores, os objectivos genéricos visados. Estão entre esses princípios o reconhecimento da pluralidade e variedade de problemas postos, a necessidade de procurar visá-los, solucioná-los do modo mais integral e satisfatório possível, o de examinar e solucionar o assunto em bases científicas e nacionais.
A colonização deve também ser encarada como uma engrenagem, na qual a falta ou a imperfeição de um pó elemento que seja acarreta não raro o desastre, a ineficiência de todo o sistema. Isto não quer dizer que não tenhamos de nos resigiiar a perdas inevitáveis, a fracassos fatais. £ condição de toda a obra humana.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Mas procuremos sobretudo evitar o que é perfeitamente previsível, como o que depende, por

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exemplo, da incompetência de alguns daqueles que têm a seu cargo a tarefa de pôr tem execução os planos colonizadores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É facto tristemente averiguado que muitas dessas entidades não tem estado à altura do seu papel e do seu dever.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É um deplorável defeito de muitos esquecerem as finalidades essenciais das suas funções. Uma ignorância enciclopédica agrava frequentemente esse defeito. Ora nem a elaboração nem a execução de planos colonizadores pode estar à mercê dessas contingências, que são afinal as principais1 culpadas de tantos insucessos, verificados. Entendo que é menos culpado o colono incapaz ou que não se encontra em condições de êxito do que a entidade que o fez colono ou cuja incapacidade o colocou nessas condições desfavoráveis. Seria um cálculo interessante o da soma de capitais se esforços despendidos até hoje pela Nação como tentativas de colonização mal sucedidas, menos pela culpa idos métodos preconizados, da Natureza ou dos próprios colonos, do que pela inépcia, a incúria ou a inconsciência dos executantes do esquema projectado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para mim o problema demográfico nacional, como o da colonização, é mais qualitativo do que quantitativo. Quantitativamente devemos mesmo reconhecer que as perspectivas abertas pela emigração e pela colonização do nosso ultramar aos excedentes demográficos estão longe, muito longe ide fornecerem saída, de facultarem absorção a uma parcela considerável do nosso saldo fisiológico de população. Esta aumenta na metrópole uns 100:000 indivíduos por ano. Os quantitativos previsíveis para uma emigração satisfatória e para uma colonização ultramarina em condições vantajosas para os colonos e para o País não ascenderão nem sequer a metade ou até a muito menos de metade daquele aumento anual de população metropolitana.
Com razão Salazar proclamou ser necessária à emigração para as colónias acrescentar, para solução, do nosso, problema demográfico, a mais intensa industrialização do País. Uma boa colonização e a valorização dos recursos naturais do País darão o quadro de possibilidades de existência a muita mais gente do que aquela que participará directamente naquela colonização e na dita industrialização.
Aos colonos directamente ocupados nas actividades agrícolas, pecuárias, piscatórias ou industriais somar-se-ão os indivíduos entregues às actividades conexas e complementares, como as comerciais, as administrativas, as culturais, etc. O essencial e urgente é erguer e consolidar a arquitectura fundamental, o travejamento do grande edifício. O resto virá depois por si, e o resto é ... a vida de muita gente, é muita riqueza nova, é um mundo de possibilidades, são cidades, bibliotecas, teatros, museus, iniciativas imprevisíveis, até as riquezas invisíveis, como os Ingleses chamam ao património de cultura e do espírito de um povo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desde 1945, graças ao Fundo de Colonização, criado pelo 'Ministro Marcelo Caetano, seguiram para o ultramar cerca de 12:000 colonos provenientes da metrópole: uns 2:000 por ano, em média.
Que é esse quantitativo perante os 100:000 que constituem o aumento populacional por ano? E, apesar de todos os cuidados havidos no cumprimento das boas normas legislativas na matéria, não estamos certos de que toda aquela massa humana tenha representado um papel verdadeiramente útil, se tenha adaptado à desejada função colonizadora.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria interessante inquirir do destino que tiveram os seus componentes e sem que medida cada um destes terá podido reintegrar o encargo representado pelo seu transporte, pela sua instalação, pela assistência recebida.
Não critico, não censuro ninguém. Somente pergunto, porque tenho dúvidas, tenho sobretudo receio, tão acostumado estou a que as melhores intenções sejam na nossa terra prejudicadas na sua execução pela incompreensão ou incúria dos. encarregados desta. Gallieni dizia a Liautey que o funcionário, general ou perfeito, no seu país, só receia uma coisa: as ideias gerais e as vistas de longo alcance. Servia-lhes então os pratos mais ousados e revolucionários como coisas muito simples e correntes. Há entre nós que preocuparmo-nos com os náufragos da colonização, com. o pretenso colono que, sem desejo de cavar a terra ou sem quaisquer habilitações utilizáveis, tem de ser repatriado ou vive parasitàriamente, montando uma chitaca, mais comercial (se este nome merece ...) do que agrícola, uma lojeca ou tendinha em que explora o indígena com alguns fardos de fazenda e sobretudo vendendo-lhe vinho, embriagando-o ... Entre parêntesis: cá pela metrópole também há chitacas ...
Risos.
E absolutamente impossível numa exposição da ordem da que estou fazendo indicar todos os aspectos que revestem o problema da colonização. Limito-me às considerações feitas e ao enunciado de algumas evidências que me parece imporem-se nesta matéria. Não me pronuncio por um sistema, único, mas pela adopção do sistema mais adequado segundo as regiões colonizáveis, as possibilidades dos solos, das culturas, das comunicações e dos mercados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Embora os climas quentes tenham uma acção depressiva sobre a energia humana -, não é o clima (aliás excelente nalgumas zonas) o culpado principal do insucesso de muitas colonizações, mas a existência de agentes patogéneos bem determinados e a falta frequente entre os colonos dos mais elementares cuidados de higiene e de defesa contra a insalubridade local. Ainda assim ninguém poderá dizer que está feito satisfatoriamente o estudo dos climas do nosso ultramar. Esperemos muito a tal respeito da acção estimulante e coordenadora dos Serviços Meteorológicos, dirigidos pelo nosso ilustre colega Amorim Ferreira.
Não é menos imperioso o estudo dos solos, com o concurso de agrónomos, geólogos e químicos, estudo felizmente já iniciado em Angola e Moçambique. De um modo geral, impõe-se o conhecimento dos recursos naturais existentes, estudo vastíssimo, que apenas se pode dizer iniciado. Tudo, porém, em bases científicas: só primários entenderão, por exemplo, admissível como sistema a prospecção mineira ou de combustíveis sem um satisfatório» estudo geológico preliminar. São magníficas as iniciativas em curso de aproveitamentos hidroeléctricos e de irrigação agrícola, como, quanto à hidráulica agrícola, o das bacias do Limpopo e do Incomati, empreendimento a que ficará ligado o nome

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ilustre do engenheiro Trigo de Morais, e que permitirá a fixação ali de algumas dezenas de milhares de colonos metropolitanos. Mas é necessário mais nessas ordens de aproveitamentos, e isso só é viável com capitais e com estudos preliminares dos cursos fluviais nas relações com a hidrologia, com os solos, com os climas, com a economia, etc. Tais estudos estuo num lamentável atraso.
Mas as necessidades preliminares da colonização não ficam por aqui. Quer em relação as qualidades e possibilidades dos colonos, quer em relação às populações indígenas, suas colaboradoras ou até competidoras eventuais, requer-se uma infinidade de estudos e tarefas preliminares em matérias que podemos abranger na designação genérica de ciências antropológicas ou ciências humanas, domínio em que se compreendem investigações sobre vitalidade, aclimação, alimentação, higiene, psicologia, organização social, direito, costumes, religião, linguística, história, etc.
Tarefa imensa, à qual já nalguns sectores e regiões meteram ombros investigadores da metrópole e do ultramar, principalmente nas Universidades, na Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, nalguns serviços e organizações locais ultramarinos, etc. Mas ninguém hesitará em dizer que se está ainda muito longe do que é necessário fazer. E uma tarefa colossal, para a qual todos somos ainda poucos.
Não podemos nem devemos considerar o problema da colonização ultramarina sem entrarmos em conta, no maior espírito de justiça e de fraternidade humana, como já disse, com os interesses e os direitos dos indígenas. Os bons colonos, toda a gente na qual o sentimento cristão de bondade e amor fraternal para com os homens de todas as cores e de todas as raças não foi obliterado pelo egoísmo, pela cupidez ou pela perversidade, todos os que amam e seguem as melhores tradições lusitanas de afectuosa e compreensiva simpatia pelas populações do nosso ultramar pensam assim, sentem assim, agem assim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, porém? quem lamentavelmente preconize a supremacia dos interesses do branco. São aqueles que não compreendem o valor real do negro, são aqueles de quem se pode dizer o que dizia André Gide: a Quanto menos inteligente é o branco, tanto mais o preto lhe parece estúpido». Julien diz encontrar-se talvez nesse ponto o que ele chama o «drama fundamental da colonização.
Não, meus senhores, por mim entendo que o grande Lyautey tinha razão quando afirmava que sem uma parcela de amor nenhuma obra é fecunda. Devemos amor fraterno aos colonos activos e bem sucedidos, gente prestante e laboriosa do nosso sangue, excelentes obreiros de um Portugal imenso e belo, devemo-lo aos náufragos da colonização, que sofrem mais as culpas da adversidade ou dos outros do que as próprias, devemo-lo aos elementos nativos, simpáticos e excelentes colaboradores da grandeza e da glória de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Finalizo exprimindo os votos de que o problema demográfico português seja encarado pelo Centro dos Estudos Demográficos do Instituto Nacional de Estatística não só quantitativamente, mas qualitativamente, sendo-lhe fornecidos amplos recursos para um satisfatório desenvolvimento desses estudos; de que os organismos e a regulamentação sobre a emigração para países estrangeiros se inspirem cada vez mais nos ensinamentos sobre as qualidades desejáveis nos emigrantes
e sobre as realidades nacionais e mundiais relativas a deslocamentos de massas populacionais e seu condicionalismo e indicações; enfim, de que as colonizações do ultramar com os excedentes .metropolitanos sejam baseadas nos estudos preliminares que indiquei e consideradas na complexidade e variedade dos seus aspectos essenciais, não só pelas entidades adequadas para as ditas tarefas preliminares mas também por todos os serviços encarregados da efectivação dos planos adoptados de colonização.
Para o estabelecimento das bases científicas indispensáveis para a tarefa colonizadora sugiro a constituição de uma comissão coordenadora e orientadora dos estudos e planos necessários, na qual teriam representação ou com a qual colaborariam a Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, a Escola Superior Colonial, o Instituto de Medicina Tropical, a Academia das Ciências de Lisboa, a Sociedade de Geografia de Lisboa, o novo Instituto Valflor, os sectores universitários especializados nas matérias respeitantes u colonização do ultramar, os serviços oficiais metropolitanos e ultramarinos e outras entidades que têm conhecimento especial da matéria.
A ideia de uma comissão desse género que foi aqui sugerida pelo ilustre Deputado e colonialista Sr. Tenente-Coronel Vaz Monteiro, acrescentarei a de uma divisão da mesma comissão nas subcomissões que forem julgadas convenientes para estudos e planos parcelares impostos pela complexidade de aspectos do assunto e ainda que não só se intensifiquem as iniciativas de fomento e educação que, visando a generalidade do território e da população, constituirão directa ou indirectamente a melhor base e estímulo para uma intensa fixação humana de origem metropolitana nos territórios ultramarinos, mas ainda se desenvolvam os meios e as tarefas de uma informação e propaganda adequadas, na metrópole e .no ultramar sobre o condicionalismo racional e concreto em que pode e deve operar-se aquela fixação.
Convém que todos, colonos e aspirantes a colonos, serviços que tratam da colonização sob qualquer aspecto, saibam o que estão a fazer, o que devem fazer, tenham a noção justa da finalidade nacional da sua função, dos deveres técnicos e morais que lhes cabem, de maneira que nos empreendimentos na matéria,, em todas as suas fases e modalidades, não faltem as condições mínimas que são garantia indispensável de êxito.
De acordo com o que afirmei mo decurso da minha exposição, não se esqueça que, pelo menos na situação actual do Mundo, a emigração e a colonização ultramarinas não constituem as soluções completas do problema dos excedentes demográficos metropolitanos. Há a contar também com a industrialização do País, de um modo geral com valorização e o aproveitamento devidos evidentemente em bases científicas dos recursos naturais e humanos de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: suponho que desta vez tenho de justificar a minha presença nesta tribuna. Desde que o nosso ilustre colega Sr. Armando Cândido nos anunciou o seu aviso prévio, eu sempre o incitei a fazê-lo, afirmando todo o grande interesse que este problema tem para o País. Por essa razão, e porque lhe prometi o meu fraco concurso, não quis faltar, apesar de que me sinto neste momento grandemente diminuído por uma preocupação moral que me aflige.

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Por consequência, VV. Ex.ªs terão de me desculpar se a minha intervenção neste debate é, porventura, mais insignificante do que aquelas do que costumo fazer, mas espero que vejam nela uma expressão de boa vontade.
De resto, Sr. Presidente, o que me interessa sobretudo é a colonização; e eu descendo de uma família que exerceu durante toda a sua vida acção em todas as nossas províncias ultramarinas, em Macau, Índia, Angola e Moçambique. Por consequência, na minha vida quase não ouvi falar noutra coisa que não fosse de assuntos coloniais.
Assisti mesmo à fundação da cidade da Beira e sei a pobreza de recursos com que se trabalhava nesse tempo, como era preciso ter a fibra rija e a inteligência viva, a energia dinâmica para poder realizar essa obra admirável em que hoje nos podemos rever.
Vi a pobreza de meios com que se trabalhava e vejo hoje como tudo mudou, graças à acção do homem providencial que dirige neste momento os destinos do Pais, até chegarmos ao ponto de podermos realizar nessa mesma cidade da Beira a rescisão do contrato com uma companhia estrangeira e tomar inteiramente para nós e para a nossa Administração o porto e o caminho de ferro com resultados que nos honram inteiramente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, além destas razões, ninguém dirá que a emigração não é um problema de natureza económica, e entre nós, se a emigração há-de necessariamente tomar a feição de colonização, não há dúvida nenhuma de que é sobretudo dum problema de natureza económica que se trata.
Por um lado, temos o continente, cuja população aumenta 1 milhão em cada dez anos e que já com dificuldade encontra colocação, precisamente porque há muita gente para tão pouca terra.
Por outro lado, vastíssimas províncias ultramarinas, onde o problema se apresenta ao contrário. Quer dizer, grandes superfícies e densidade de população fraquíssima. Esta simples observação faz-nos ver que a colonização precisa de ser uma das nossas preocupações dominantes se queremos melhorar o nível económico da nossa população. Outro motivo há porém para que a colonização passe a ser uma das nossas mais instantes preocupações.
No estado actual da nossa civilização quem dispõe de grandes superfícies territoriais precisa de realizar todo o esforço para as fazer produzir, para, numa palavra, serem úteis à comunidade depois de terem sido úteis a quem as possui.
Isto é um ponto que é já de capital interesse e que nos leva, quer queiramos quer não, a encarar com todo o cuidado este problema da colonização
Mas podemos realizar esta missão tão necessária e tão útil? Eis outra pergunta, Sr. Presidente, que a nós, Portugueses, se não pode fazer.
Quantos éramos e o que podíamos económicamente quando iniciámos as nossas viagens pelo mar tenebroso? Pois, se pudemos então realizar o esforço imenso que realizámos, em que mais do que forças materiais empenhámos forças morais, coragem indómita, resistência física, além de tudo o que possa imaginar-se, construindo tudo o que ainda hoje é objecto da maior admiração, porque é que havemos agora de hesitar em enfrentar um problema grande, sem dúvida, mas insignificante em relação ao esforço desse punhado de portugueses que levaram a nossa bandeira e a nossa fé, a nossa soberania e a nossa acção a todas as partes do Mundo, desse Mundo que só pela nossa mão se conheceu, engrandecendo-se.

O Sr. Carlos Moreira: - Isso levou-me realmente a concluir com V. Ex.ª ou além dos argumentos de V. Ex.ª
É que não se trata apenas de uma necessidade demográfica, porque nesse tempo a que V. Ex.ª se refere não tínhamos essa necessidade demográfica, mas sim a vocação dum povo colonizador e missionário, e V. Ex.ª vê, quando do Brasil, que não foi uma necessidade de excesso de população mas sim essa vocação a que me referi.

O Orador: - Tem V. Ex.ª inteiramente razão.
Não, meus senhores, nós não podemos hesitar em abordar a colonização tão decidida e inteligentemente como temos abordado, para as resolver, outras questões que durante muitos anos pareceram insolúveis e são hoje prometedoras realidades.
Para que havemos de dar os nossos braços e o nosso sangue para ajudar a construir ou engrandecer outras nações, quando imensas regiões esperam improdutivas ou fracamente utilizadas o nosso esforço e a nossa inteligência?
Quem realizou essa imensa nação, promessa maravilhosa, além de realidade fecunda, que é o Brasil não pode ter desculpa para se não debruçar sobre as suas próprias províncias ultramarinas, cumulando nelas todo o esforço que vem desbaratando pelo Mundo.
A verdade, porém, é que apesar da nossa tradição, apesar do muito que temos feito, há ainda muito que, com proveito nosso, podemos e devemos realizar.
Nos últimos tempos não são muito numerosas as tentativas de colonização ordenada, dirigida, que temos realizado, mas manda a verdade que se diga que cada uma se conta por um insucesso.
Não há melhor nem mais fácil colonização que a que se realiza voluntariamente. Ai temos o exemplo da nossa emigração para o Brasil. O homem do Norte vende as suas leiras, junta todas as suas possibilidades para partir para o Brasil, país irmão certamente, mas nem sempre acolhedor para quem o procura com o ardor da fé que vence montanhas e inteiramente compreensivo para o nosso emigrante, o único que lhe pode ser inteiramente útil sem nunca ser perigoso ou ingrato.
Se através da actual prosperidade de Angola pudéssemos despertar uma colonização voluntária, não só a colonização dos débeis económicos, mas também a colonização dos que dispõem de alguns bens, que nas nossas províncias ultramarinas poderiam com eles criar uma situação muito mais desafogada do que a que podem ter no continente, teríamos facilitado enormemente a realização de uma obra que, por ser imperiosa e enorme, precisa de ser realizada com inteligência, com preparação, com método, com persistência, com todos os cuidados que garantam a vitória, pois não podemos arriscar-nos a novos insucessos.
A colonização voluntária tal como a que acabamos de visionar é neste momento talvez muito mais viável do que porventura se imagina: requer, apesar de tudo, uma larga e proficiente preparação.
Haveria que escolher os terrenos mais adequados, facilitar a sua aquisição, ter em cada região quem, conhecendo-a profundamente, pudesse orientar com segurança os colonos nas culturas a realizar, nos processos técnicos a adoptar, por forma a garantir tanto quanto possível o sucesso dos colonos voluntários, pois desse sucesso inicial depende fazer-se substituir o sonho do Brasil pelo sonho de Angola ou Moçambique, uma nova era, um novo élan da nossa raça, novo engrandecimento, novas forças, novas produções, neste Mundo em pendor manifesto para a insuficiência, para a instabilidade, para a catástrofe. Um sonho? Não; uma realidade perfeitamente possível.
Há muitos anos, talvez por volta de 1914, recordo-me de ter lido numa revista francesa de agricultura, de

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que era assinante, frequentes anúncios convidativos para a emigração para o Canadá. Diziam esses anúncios:

Quer um brilhante futuro para o seu alho? Mande-o para o Canadá plantar árvores de fruto ou dedicar-se a outras culturas.

Ora suponho, Sr. Presidente, que é um pouco desta maneira que temos de trabalhar, porque nada se faz sem reclamo e é preciso fazer reclamar junto dos trabalhadores portugueses as vantagens que têm em ir procurar colocação nas nossas províncias ultramarinas.
É preciso assentar na necessidade e na vantagem de irem procurar colocação nos vastos territórios das nossas províncias ultramarinas, mas é preciso que, quando os colonos lá cheguem, encontrem facilidades de colocação.
Se soubermos tornar possível a colonização voluntária, teremos, apesar de tudo, de encarar a colonização orientada e dirigida pelos que apenas podem levar o esforço do sen braço e da sua vontade. Então, as preocupações serão outras e maiores, os processos serão outros e diversos e os dispêndios serão outros e incomensuràvelmente maiores.
Desde já digo que o Governo não será o instrumento adequado, porquanto uma tal tentativa requer uma persistência tenaz, uma continuidade perseverante, um cuidado de minúcia e de pormenor que, como VV. Ex.ªs sabem, não é normalmente o apanágio das instituições governamentais. Um Ministro, um governador que se muda, digamos mesmo um director de serviços, e já não é o mesmo interesse e já não é a mesma sequência e orientação, e o que caminhava florescente pode volver-se em catástrofe.
Resta saber se este género de colonização tem condições de sucesso.
Direi com segurança que sim, se for orientada com método, utilizando os ensinamentos colhidos em tantas experiências realizadas, se. se dispuser de meios financeiros suficientes para aguentar a iniciativa nos seus altos e baixos, pois não podemos esquecer que de agricultura se trata.
«Uma experiência de colonização» é o titulo de uma obra realizada pela Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, que sobre ela tem publicado vários relatórios, que nos põem a par das suas intenções, das suas dificuldades e do seu sucesso final.
Essa iniciativa não tinha em mira mais que procurar saber se era ou não possível fazer colonização por determinado processo, revelando a todos os métodos seguidos, as dificuldades vencidas e tirando do sucesso ou insucesso a conclusão necessária.
Em 1935 perguntou a Companhia ao Governo se poderia interessar que essa tentativa se fizesse, e o então Ministro das Colónias, Sr. Doutor Armindo Monteiro, comunicou à Companhia que o Governo veria com o maior interesse a realização de uma tal experiência.
Tendo em atenção a experiência do passado, a Companhia assentou nos oito princípios básicos a saber:

1.º Só admitir indivíduos estruturalmente agricultores, fazendo uma selecção imparcial, afastando todas as possibilidades de favoritismo;
2.º Não dar aos colonos qualquer subsídio em dinheiro; mas fornecer-lhes meios de vida a partir do momento em que tomem conta das fazendas que lhes forem distribuídas;
3.º Assegurar-lhes a colocação dos produtos das colheitas, pelo menos no período de instalação e adaptação, e educá-los progressivamente, para poderem viver depois apenas com os seus próprios recursos;
4.º Estabelecer o princípio de amortização, por parte do colono, das despesas de instalação, mas facilitar-lhes o cumprimento desse encargo, por forma a que não incorram em sacrifícios incomportáveis;
5.º Assegurar-lhes assistência e vigilância técnicas eficientes, assim como prestar-lhes coadjuvação efectiva mas discreta em todos os campos da sua actividade, até completa emancipação;
6.º Instigar nos colonos o interesse pelo trabalho e polo desenvolvimento das suas terras, não lhes dando a concessão definitiva enquanto não tiverem amortizado completamente as suas dívidas;
7.º Garantir a possibilidade de rápida eliminação dos maus elementos;
8.º Assegurar continuidade de orientação.
Foram estes princípios tão simples que se legalizaram através do Decreto n.º 25:027 e foi a intransigência com que foram mantidos que garantiu o sucesso final.
Leu.
Instituiu-se um primeiro núcleo para cinco colonos e depois mais outro para quatro. Cada um dos colonos encontrou ao chegar delimitada a sua fazenda de 200 hectares, a sua casa construída, 14 hectares de novas culturas prestes a serem colhidas, os animais e instrumentos agrícolas indispensáveis.
Tendo-se reconhecido ser insuficiente a área cultivada, aumentou-se esta para 30 hectares.
Assim a instalação de cada colono custou cerca de 40 contos.
A Companhia do Caminho de Ferro de Benguela não se limitou a dar conselhos técnicos aos colonos: instituiu uma fazenda-padrão, onde, além dos ensinamentos necessários pelo exemplo, se proporcionaram aos colonos serviços comuns que seriam excessivamente caros considerados individualmente, tais como forno de cal, moagem, tanque carracida, parque de material agrícola, oficina de ferreiro e carpinteiro e lacticínios.
Assim, aos colonos não faltaram os conselhos técnicos indispensáveis, nem os elementos de trabalho, nem os auxílios materiais de todo o género, excepto dinheiro, nem, finalmente, o exemplo convincente a autenticar os conselhos recebidos.
Mas quanto teria custado, perguntarão VV. Ex.ªs, esta experiência?
Pois bem, não custou nada, porque os colonos tem pago as suas dívidas e já estão independentes cinco e a experiência de colonização tem, através da fazenda padrão e serviços comuns, saldo que lhe permite acautelar qualquer revés agrícola, sempre possível, e porventura ir estabelecendo novos colonos.
Não devemos crer por este relato sucinto e pelos lisonjeiros resultados obtidos que foi fácil alcançá-los; com menos método, menos persistência, menos disciplina, menos energia, tudo poderia ter soçobrado.

O Sr. Carlos Moreira: - Esta colonização iniciou-se em 1935 com cinco colonos. E hoje qual é o número desses colonos?

O Orador: - Cinco e mais quatro: nove. Todavia, os filhos dos colonos, casando entre si, começam a realizar colonização voluntária, prosseguindo o modo de vida dos pais e adquirindo novas fazendas.

O Sr. Carlos Moreira: - Muito obrigado.

O Orador: - Fica também demonstrado que este género de colonização é também possível, e frutuoso e parece estar indicado para aqueles que dispõem apenas dos seus braços e da sua vontade para vencerem.

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12 DE MARÇO DE 1952 483

Quando vemos na nossa província do Alentejo a persistência de uma crise de trabalho, grave nas suas consequências económicas e sociais, não podemos deixar de pensar nas vantagens que poderiam advir para o Pais se esses braços tantas vexes parados pudessem encontrar nas nossas províncias de Angola e Moçambique possibilidades de criar riqueza, tornarem-se independentes e prósperos e colaborarem na obra de ocupação e valorização que ali temos de realizar. Ainda não lia muito tempo pudemos verificar que em Inglaterra se estuda com seriedade a possibilidade de se transferirem para os domínios ingleses 10 milhões de indivíduos, isto com o intuito de facilitar a vida em eu só de guerra aos 40 milhões restantes, pois parece demonstrado que para a sua alimentação bastaria o aproveitamento integral das possibilidades agrícolas do Reino Unido.
Eis a resposta a certas críticas reveladoras de espírito mesquinho e eivadas de sentimentalismo piegas e perfeitamente inadequado ao nosso tempo que apareceram ao ser alvitrado como remédio para as crises de trabalho alentejanas a emigração para as nossas províncias ultramarinas.
Grande crime que seria, na verdade, transformar trabalhadores agrícolas em novos e porventura remediados proprietários, cônscios da sua missão de tornar Portugal maior!
Para finalizar, quero dar a VV. Ex.ªs uma opinião autorizada:
O meu amigo e distinto engenheiro agrónomo Sr. Guilherme Guerra, director dos Serviços Agrícolas de Angola, promoveu em 1949 a realização de jornadas agronómicas, nas quais o engenheiro agrónomo Sr. Gomes Barbosa, tendo estudado num trabalho intitulado ao que nos mostra a experiência da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela», concluía:

1.º A Companhia do Caminho de Ferro de Benguela realizou a mais bem conduzida e mais útil experiência de colonização de que há conhecimento em Angola;
2.º Conhecimentos obtidos da experiência aconselham a prossecução da colonização dirigida por empresas particulares (capitalistas ou cooperativas) dentro de normas estabelecidas pelo Estado;
3.º O Estado poderá instalar colonos, que dirigirá em moldes idênticos aos utilizados pela Companhia, desde que garanta - continuidade de orientação dos serviços de colonização.
Resumindo: a colonização impõe-se como uma obra grandiosa absolutamente indispensável.
Há condições favoráveis ao desenvolvimento da colonização voluntária, mas é indispensável amparar e proteger os colonos, pelo que é necessária uma organização cuidadosa.
A colonização orientada e dirigida dos económicamente débeis é também possível e utilíssima, carecendo de muito mais cuidados e dispêndios que a voluntária. Apesar disso, suponho que a não podemos dispensar.
E se juntarmos estes dois sistemas de colonização, se os realizarmos com a inteligência, o método e a grande persistência a que ultimamente o Governo da Nação nos tem habituado, estou convencido de que podemos transformar este sonho, que tem sido das nossas populações do Norte, transformar dizia eu - o sonho do
Brasil no sonho de Angola e Moçambique, o que seria proveitoso para nós, por ser feito em terra portuguesa, a qual - se valorizaria com o nosso esforço, a nossa fé, o nosso trabalho.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Convoco a Comissão do Política e Administração Geral para amanhã, às 14 horas.
A ordem do dia da sessão de amanhã é a mesma da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Délio Nobre Santos.
Herculano Amorim Ferreira.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Teófilo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Américo Cortês Pinto.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Matos Taquenho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Finito Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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