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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139
ANO DE 1952 20 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 139 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 19 PE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs: Castão Carlos de Deus Figueira
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 1 minuto.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidenta comunicou que recebera, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, vários decretos-leis.
O Sr. Deputado Lopes de Almeida referiu-se à viagem do Vera Cruz ao Brasil e à missão cultural que no mesmo paquete segue.
O Sr. Deputado Delia Santos ocupou-se da questão dos direitos do autor e, nesse sentido, mandou para a Mesa um requerimento.
Ordem do dia. - Começou a discussão na especialidade da proposta, de lei de organização geral da, aeronáutica militar. Foram aprovados os seis primeiros artigos. Usaram da palavra, os Srs. Deputados Botelho Moniz, Lopes Alces, Mário de Figueiredo, Manuel Vaz, Paulo Cancela de Abreu e Sousa Rosal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves, Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice BustorfE da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
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Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Alpoiin Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luis da Silva Dias.
José Piiito Meneres.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegiïdo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa"
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior..
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 1 minuto.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º du Constituição, encontram-se na Mesa os n.ºs 6O, 6l e 62 do Diário do Governo, l.ª série, respectivamente de 15, 17 e 18 do corrente, que contêm os Decretos-Leis n.ºs .58:677, 38:080, 38:681, 38:682 e 38:684.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Lopes do Almeida.
O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: quando me sugeriram que dissesse na Assembleia Nacional algumas palavras antes da partida do Vera Cruz para o Brasil, foi a sugestão tanto de meu gosto que dificilmente pude escusar-me.
Apenas uma circunstância me empresta alguma qualidade para falar: a do ter há poucos meses percorrido grande parte dessa II obro nação fraterna e desde há muito não me serem inteiramente estranhas a sua vida e a sua história.
Todavia, reforça-me o gosto de pronunciar hoje algumas palavras o facto do seguirem viagem alguns colegas da Assembleia Nacional, que de todos nós merecem o justo preito do nosso afecto e distinta consideração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dentro de poucas horas um novo barco português irá sulcando antigos mares, bem conhecidos da nossa gente.
Os caminhos dessa viagem, de bom augúrio desde bastantes séculos, não tom segredo para marinheiros de Portugal, mas penso que pela viagem nova lhes freme o coração em seu ponto de honra. Como não havia de ser assim?
Nós, os Portugueses, somos gente cuja vida se embalou com teimosia e graça ao ritmo do mar oceano, esse "dúbio tentador", como lhe chamou Oliveira Martins. Logo ao amanhecer para a vida histórica as nossas populações ribeirinhas puseram com decisão e coragem os pés na tolda de suas frágeis embarcações e fincaram as mãos no remo e no baraço da vela das pobres barcas em que ganhavam o pão de cada dia. Com seus olhos volvidos ao largo o ao longe, ouviam a linguagem intraduzível do mar em noites de cerração e auscultavam o rumor da vida e as promessas de ilhas desconhecidas e terras ignoradas.
A espuma alvinitente da vaga que broslava o recorte fino da nossa costa atlântica era como toalha de promessa feita a Deus para sua maior glória e à Pátria para sua imorredoira consagração.
Os anseios do alto mar ressoavam no peito dos Portugueses com a mesma vivacidade e igual inquietação, e através de todos seus caminhos espargimos o nosso sangue e demos com a nossa fala vozes de domínio e a Deus louvores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nenhum país pode desligar-se das raízes profundas que o ligam do presente ao passado. Se o reconhecimento desta verdade não for aceite é evidente que nunca se poderá compreender a psicologia de um povo e avaliar com alguma objectividade a sua capacidade de colaboração na obra comum da solidariedade humana e da justiça na sociedade.
Portugal nasceu para a vida política independente nos finais do século XI, e desde logo certas condições espirituais e geográficas o destinaram para só lançar nos grandes caminhos do mar. Se outras razões não houvesse, o pensamento das cruzadas e o forte carácter de oceanidade da terra portuguesa criaram as disposições propícias à expansão ultramarina.
Os séculos XV e XVI são a época decisiva desta forte afirmação de vitalidade expansionista dos Portugueses, e com razão se pôde chamar então ao Atlântico maré nostrum e Camões dizer de Portugal que "se mais Mundo houvera lá chegara". Esta mesma consciência do destino marítimo do nosso país se afirmou naquele passo das Ordenações Afonsinas em que se lê:
Maravilhosas cousas som os feitos do mar, e assinadamente aqueles que fazem os homens em maneira de andar sobre ele per mestria o arte...
Na época dos Descobrimentos o grande papel dos Portugueses é o da realização do périplo africano, e logo no século seguinte a sua obra eminente na história da civilização é a da expansão da cultura europeia nas terras do África e Ásia. A morte do S. Francisco de Xavier às portas de San chão, na China, em 1552, inicia o período de maior penetração da civilização no Oriente.
Ao terminar o século XVII os soldados, marinheiros e missionários portugueses corriam ainda o Mundo inteiro
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e a língua portuguesa - essa "última flor do Lácio inculta e bela" - era o mais acabado instrumento de penetração entre dois mundos, e nela se exprimia o espírito de evangelização com vigor e não menor-piedade. Já por então nascia para vida própria e sobre si uma das maiores nações do mundo moderno, o Brasil, cuja unidade nacional, linguística e espiritual foi obra, como disse Joaquim Nabuco, do sangue lusitano.
Sr. Presidente: ver que o nosso pais regressa novamente aos caminhos marítimos antigos e ganha seus lauréis depois dum tão grande desamparo e desfortuna da marinha nacional não nos sofre o ânimo que não gritemos de alegrias novas e manifestemos agradecimento àqueles cuja delicadeza e tacto preveniram e prepararam a restauração verdadeira da frota mercante nacional. Não nomeio a todos, dando a cada um os louvores que merece, porque não posso, nem ponho nisso o meu intento. Mas no vosso pensamento está, como no meu, aquele de quem se poderia dizer, em palavras simples, aquilo que disse Vieira:
Servir aos futuros, pagar aos passados e não dever nada aos presentes é a maior felicidade de quem fugiu dos homens, para só procurar de Deus o que eles não podem dar nem tirar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sou talvez daqueles poucos membros desta Câmara que não viram ainda o barco novo, cujo nome só por si seria estimulante afirmação de fé, se não fora também compromisso formal para o porvir.
À sombra da Vera Cruz cometeram os Portugueses os "feitos nunca feitos" e criaram na "quarta parte nova" a terra prodigiosa de bens e de promessas a que primeiramente deram aquele nome sacrossanto.
Todavia tenho lido tudo quanto se temes crito e publicado acerca dele, porque grandemente sou curioso do que respeita à nossa vida marinheira, nas suas glórias e nas suas amarguras, nos seus triunfos e nas suas dores. Sei que ali andou mão apurada de técnicos, artistas e mesteirais e que a maior nave que até hoje se decorou com o pavilhão nacional faz honra a todos nós e nos orgulha.
Alguns perguntam como foi possível tal demonstração de potencialidade económica, que certo tem atrás de si sacrifícios sem conta e parcimónia irredutível. Foi uma política, para repetirmos a palavra justa, foi um espírito, uma doutrina, foi uma administração pertinaz, servida pela razão esclarecida e patriótica, prosseguida com calma e sem tropeços. As coisas grandes não se acabam de repente, requerem tempo para virem a sen tempo.
Os progressos materiais são grande coisa, são a viva afirmação da nossa capacidade realizadora e da nossa vida policiada e progressiva, porém não são tudo na vida das nações e dos homens. E por isso mesmo quis o Governo, com alto sentido das realidades nacionais, que é seu timbre, que a viagem inaugural do Vera Cruz tivesse outro significado que não fosse exclusivamente o da apresentação de uma unidade de classe excepcional da nossa frota mercante.
Com tal objectivo constituiu uma missão de intelectuais para fazerem no Brasil algumas conferências que atestem os primores da nossa cultura na hora presente. Isso era devido àquela terra em que nenhum português deixa do sentir-se como em casa própria e aconchego familiar e onde sentimos sempre em pura confraternidade nosso vínculo de nobreza e morgadio.
É Uma pena que a nossa vida intelectual seja na generalidade tão desconhecida, e exactamente onde temos as mais fortes e indestrutíveis raízes morais. Ali tudo nos identifica na face e na alma, e todavia a nossa presença intelectual é quase nula.
Em tantas Universidades, como conta o Brasil, não há uma só que tenha um professor enviado de Portugal com patrocínio oficial e faça duma cultura comum de, polo menos, três séculos o tema de suas lições ou conferências. Sucede o mesmo com outros países estrangeiros? Que respondam por mini quantos anseiam ver a nossa presença no Brasil actual marcada com dignidade intelectual e esclarecida persistência.
Do nosso acervo bibliográfico, em alguns géneros tão rico de sugestões o estímulos para, os próprios professores e intelectuais do Brasil, que se encontra lá? Quase nada que valha contar-se como denúncia do nosso saber no domínio das ciências do espírito, e bem fraco contributo no capítulo das ciências exactas o das pesquisas de laboratório.
Também não sei que só haja estudado com determinação e cautela o conjunto de medidas atinentes a que toda a nossa literatura científica o de ficção se apresente a par da daqueles povos que, talvez por mais estranhos, derramam a luz do seu saber e as obras da sua literatura com largueza e em condições óptimas de aquisição.
Vai nisso largamente o seu interêssse espiritual, é certo, e perdemos noa, por o não fazermos, uma posição e presença que de todo o ponto devíamos zelosamente resguardar e manter. Sim, nós temos no Brasil raízes espirituais indestrutíveis, de afecto, de crença, de língua comum. Reconhecê-lo e afirmá-lo é mero acto de fidelidade histórica.
A vida espiritual de um povo, a sua cultura é que lhe dá lugar na história da civilização.
Um bom conhecedor da vida e da literatura portuguesas, o lusólogo Aubrey Bell, afirmou um dia que Portugal, entre as nações pequenas, produzira a maior literatura depois da Grécia antiga. Mas os valores literários não são unicamente os que exprimem a vitalidade de um povo, porque há outros - os da sua capacidade de criação de nações novas. Nos séculos passados Portugal deu vida e unidade nacional a uma grande nação moderna, o Brasil, cuja língua e valores espirituais são iguais aos nossos. Nos dias de hoje a velha constância portuguesa de colaborar na obra universal e cristã de valorização de regiões outrora desconhecidas afirma-se em África na capacidade de realização pelo trabalho singularmente exemplar de honradez o pertinácia, digamos, sem par.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É por isto mesmo que nos cumpre ser, em toda a parte o sempre, os mesmos no afecto fraternal, na dignificação do nosso sangue e do nosso espírito, zelosos da nossa honra e respeitadores da honra alheia, conviventes sem mácula e esforçados as nossas tarefas. Bem haja o Governo por ter escolhido quem saberá dizer, com placidez denunciadora dê alto espírito e com ânimo elegante e desinteressado, que nada nos é estranho nem alheio naquela terra eleita, pela qual parece a Providência ter-se empobrecido para a dotar com tantos bens de fortuna o de inteligência.
Seguem nesta viagem do Vera Cruz, entre tantos nomes respeitáveis, os nossos colegas nesta Camará Prof. Daniel Vieira Barbosa e Dr. João Ameal. A Câmara deve regozijar-se com a escolha de tilo ilustres pessoas que, por seus merecimentos e trabalhos invulgares, vão dignificá-la no Brasil. Digo-o sem nenhum constrangimento nem sombra de afectação.
O Prof. Daniel Barbosa é uma inteligência vivíssima e um espírito tão vincado que onde quer que se aplique lá deixa marca inconfundível de forte personalidade. Economista distinto, não aborda as questões com viso historicista, mas tradu-las sempre com nítida temporalidade e imediata aplicação.
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Poucos homens da idade do Dr. João Ameal podem contar uma obra tão numerosa e tão rica de matizes. Os temas de história e filosofia política, a biografia e a história da filosofia, a crónica e a história literária denunciam na sua opulenta bibliografia a multiplicidade do seu talento de escritor e o vasto campo dos interesses do seu espírito.
Em ambos, porém, me apraz destacar com nitidez um surto importante da sua vida pública - é a feição estreme de doutrinadores políticos. Em tempos como os de agora, saber a gente concretamente o que pensa e dizê-lo com segurança, fineza e elegância não é pequeno motivo para louvor dos homens. Senhores: deste lugar e na serenidade do meu espírito, saúdo-vos cordialmente e que Deus vos guarde.
Sr. Presidente: peço desculpa a V. Ex.ª e à Câmara de não ter sido capaz de dizer mais em menos palavras, mas bem sabe o pregoeiro delas que ò tempo não deu lugar a fazê-las mais curtas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Délio Santos: - Sr. Presidente: a minha consciência de intelectual, interessado nas questões dos direitos do espírito, e as minhas obrigações de Deputado levam-me a trazer perante está Assembleia a informarão de um incidente ocorrido há dias e que seguramente originou em personalidades estrangeiras um erradíssimo conceito do nível cultural do nosso país: no Teatro Monumental de Lisboa representou-se durante seis dias, de 6 a 11 do corrente, uma peça, que compreendia várias obras estrangeiras, sem consentimento dos respectivos autores, porque a empresa se recusou propositadamente a qualquer entendimento com os legais representantes destes.
Pela sua composição estavam interessados, como autores da peça, escritores de diversos países, como a Espanha, a Argentina, a França e a Inglaterra, que (salvo a Argentina) juntamente com Portugal e outras nações são signatários da Convenção de Berna.
Pois, Sr. Presidente e meus senhores, durante seis dias Portugal deu a lamentável e errada impressão de um país sem leis ou sem força para fazer respeitar os seus compromissos internacionais.
Contudo o nosso país dispõe de leis internas e- externas que garantem de modo conveniente os direitos da propriedade intelectual, direitos cuidadosamente reconhecidos e respeitados em todos os países civilizados e cultos.
Assim, por exemplo no Decreto n.º 13:725, de 27 de Maio de 1927, preceitua-se, pelo artigo 72.º:
Nenhuma obra pode ser representada ou executada em teatro, salão, templo, cinematógrafo ou lugar público, ainda que não haja entradas pagas em proveito de quaisquer empresários, sem consentimento do autor ou dos seus herdeiros, adquirentes ou representantes, quer essa obra esteja publicada quer não, e ainda que não seja escrita para esse fim.
Esta disposição aplica-se aos autores estrangeiros, por força do artigo 136.º do mesmo decreto.
No Decreto n.º 13:564, de 6 de Maio de 1927, também se declara no seu artigo 4.º:
O inspector-geral dos teatros (hoje inspector-chefe dos espectáculos) tem superintendência em todas as casas e recintos de espectáculos ou divertimentos públicos, competindo-lhe designadamente:
7) Acautelar os direitos de propriedade literária e artística dos autores, tradutores e adaptadores de produções exibidas em espectáculos públicos;
Neste decreto ainda se regulamenta, pelo artigo 141.º, com grande cópia de pormenores, a concessão, pela Inspecção dos Espectáculos de vistos, que, para serem obtidos, necessitam de prévia apresentação por escrito de uma a autorização, devidamente reconhecida, dos autores, tradutores, adaptadores e colectividades ou indivíduos seus representantes, herdeiros ou cessionários", disposições estas que se repetem no Decreto n.º 34:590, de 11 de Maio de 1945.
Aquele Decreto 11.º 13:564 também consigna as cauções e garantias a prestar pelas empresas a fim de se salvaguardarem aqueles direitos e o modo como devem ser executadas.
Não foi, portanto, por falta de leis que os direitos dos autores estrangeiros forniu desrespeitados em Portugal, mas apenas porque não foram cumpridas pela Inspecção do" Espectáculos as disposições legais durante seis dias, e apesar de várias reclamações apresentadas junto daquele organismo do Estado, passando-se indevidamente os tais vistos exigidos pela lei.
Deu-se, pois, um abuso do poder, cuja gravidade ninguém pode negar nem diminuir. Mas muito mais graves foram as consequências.
Para por cobro ao deliberado abuso da empresa do Teatro Monumental, S. Ex.ª o Embaixador de Espanha viu-se obrigado a enviar o seu Ministro a apresentar um protesto ao inspector dos Espectáculos pela falta do cumprimento dos preceitos legais já aludidos.
Mesmo assim, a reclamação do ilustre diplomata espanhol só surtiu efeito depois de uma intervenção junto do Sr. Secretário Nacional da Informação e Cultura Popular e junto do Ministro da Presidência, depois do que a empreso, foi compelida a regularizar a situação.
Como vêem, não exagerei quando classifiquei este incidente de vexatório para o nosso país.
Mas há miais e pior: a atitude desta empresa arrendatária do Teatro Monumental é apenas um pormenor de uma vasta campanha organizada recentemente e sistemàticamente, no nosso país, contra os direitos de autor, isto é, contra os direitos da inteligência e contra a vida do espírito.
Firmou a Nação Portuguesa, pela mão do prestigioso Chefe do Governo, que nesse momento era também o Chefe do Estado, o texto da Convenção de Berna, revisto em Bruxelas e publicado como lei internacional, pana a protecção dos direitos literários e artísticos. Nomeou o Governo uma comissão de altas individualidades das letras e "Io foro para a elaboração de um projecto de lei que reunisse, completasse e actualizasse a legislação portuguesa interna sobre direitos de autor, pondo-a de acordo com os compromissos internacionais que obrigam o nosso país. Esse projecto de lei já foi entregue à Câmara Corporativa, que do seu estudo se e"tá ocupando, como sabeis.
Verifica-se, portanto, sem sombra de dúvida, que o Estado e o Governo Português se desvelam em fomentar a mais valiosa e fecunda política do espírito, defendendo os valores intelectuais e artísticos da Nação contra o egoísmo imoderado dos que apenas curam de tirar proventos próprios à custa das obras alheias. Está nitidamente traçada a directriz de quem superiormente defende os interesses públicos. Essa orientação é apadrinhar, proteger e dignificar os intelectuais garantindo-lhes a propriedade do fruto do seu trabalho e do seu esforço nos reinos do espírito. Nenhuma propriedade pode com razão considerar-se mais legítima do que a propriedade literária, intelectual e artística. Nenhuma tem mais elevada função social numa civilização como
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a nossa, e aqueles que a produzem -os sábios, os escritores e os artistas, que o direito intelectual protege - constituem parte importantíssima do escol da humanidade, a mais apta a criar obra útil e a elevar o ambiente social pelas forças arrebatadoras dos ideais nos sentimentos, pelas fulgurações do belo nas artes e pela clareza das ideias e dos pensamentos nas doutrinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta Assembleia não deve nem quererá por certo afastar-se desta rota, porque, se não defendermos a inteligência, trabalharemos para a indisciplina, para o caos, para o erro. Mas há um organismo dos serviços públicos que contraria esta orientação, galga por cima dos preceitos legais e consente na desobediência às leis internas e externas do direito intelectual. E, para cúmulo, esse organismo é precisamente aquele que foi criado para defender um dos sectores da actividade intelectual. Para isso lhe foram impostas duas precauções taxativas:
1.º Não pôr o visto nos cartazes ou programas "em lhe ser presente um documento comprovativo da autorização dos autores das obras anunciadas;
2.º Exigir das empresas uma caução ou depósito suficiente para garantir os direitos de autor e outros determinados encargos. Quero referir-me à Inspecção dos Espectáculos, que oblitera com frequência estas disposições legais, permitindo às empresa(tm) que lhe cumpre vigiar, eximir-se ao pagamento de centenas de contos aos autores, que lhe cumpre defender.
Haja em vista o caso escandaloso do empresário Piero, que fugiu para o estrangeiro com a bolsa abonada, deixando atrás de si um rastro de ruína e de miséria averiguado em milhares de contos. Nesse caso, que o tempo tem ido abafando e diluindo, ficaram altamente lesadas as finanças do Estado, o socorro social, autores, cenógrafos e todos os que tinham o direito de ver acautelada a remuneração do seu trabalho.
Trata-se de desonestidade de quem superintende nesse organismo do Estado? Não. Não há razão para duvidar da honorabilidade e integridade de carácter do Sr. Inspector dos Espectáculos. Explico o facto filiando-o em outras causas, que caracterizam a psicologia de um meio ambiente.
Esta Câmara já reconheceu, em debate aqui travado a propósito de uma lei de protecção ao teatro, ser o/Ministério da Educação Nacional o sector da Administração onde aquele organismo deveria funcionar.
Na verdade, estamos perante os malefícios que resultam, para o funcionamento de um órgão do Estado, de um ambiente que lhe não é próprio, e portanto onde se geram atitudes de incompreensão da natureza dos problemas que se devem resolver e dos verdadeiros interesses que se devem acautelar. Erros de perspectiva originam erros de critério e portanto erros de apreciação dos valores e interesses em jogo.
Mas, se isto explica de algum modo esses erros praticados no passado, não os justifica como doutrina a impor ou a seguir no presente ou no futuro.
Não ficam por aqui os golpes que estamos a sentir vibrar no direito da propriedade intelectual. Por hoje já disse o suficiente para prevenir a Assembleia e o Governo do que se está passando; vou recolher mais pormenores e em breve voltarei ao assunto. Entretanto requeiro que, pelo Ministério da Presidência, me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:
1) Qual a base legal que autoriza a Inspecção dos Espectáculos a apor o visto em cartazes ou programas dispensando a licença dos autores das obras;
2) Qual a base legal que autoriza a Inspecção a dispensar determinadas empresas de fornecerem os depósitos ou cauções que a lei preceitua;
3) Quais as comissões nomeadas para regulamentar leis sobre teatros ou sobre direitos de autor e quais as missões taxativas que lhes foram cometidas;
4) Nomes, profissões e qualidades oficiais dos membros nomeados para essas comissões.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão, na especialidade, a proposta de lei n.º 186, relativa à organização geral da aeronáutica militar.
Tem a palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi .a palavra simplesmente para declarar que a Comissão de Política e Administração Geral e Local, a que tenho a honra de presidir, mandada ouvir pelo Sr. Presidente sobre as duas propostas em discussão, apreciou as disposições essenciais em que delas são divergentes os dois pareceres da Câmara Corporativa. E, tendo ponderado devidamente o conteúdo do artigo 7.º da proposta n.º 186, sobre organização geral de aeronáutica, nos textos do Governo, da Câmara Corporativa e o aditamento- da Comissão de Defesa Nacional, de que tomou conhecimento, resolveu dar a sua concordância ao texto da proposta do Governo, com o aditamento da Comissão de Defesa Nacional.
Quanto à proposta de lei n.º 187, sobre o recrutamento e serviço nas forças aéreas, a Comissão concorda com o § 2.º do artigo 2.º proposto pela Comissão de Defesa Nacional.
Sem embargo, devo esclarecer que eu, como outros membros da Comissão, nos manifestámos, em princípio, discordantes da criação de novos acessos da mulher a funções públicas, pois entendemos que são novas possibilidades de desvio do lar, cuja manutenção e defesa se impõe cada vez mais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O nosso voto foi, pois, fundamentado no pressuposto de que aquela medida, em vigor noutras potências, é seguramente determinada por razões de Estado e ainda porque a incorporação das mulheres será voluntária e só para serviços auxiliares e fica limitada às que atingiram a maioridade.
Termino formulando votos por que o Governo só tenha de usar muito limitadamente deste preceito legal.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo l.º da proposta de lei n.º 186.
O Sr. Lopes Alves: - Sr. Presidente: peço a palavra para fazer a seguinte observação: a alínea b) do artigo 1.º atribui à aeronáutica naval a cooperação com as forças terrestres e navais. Não tenho observação a fazer a esta
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alínea, a não ser no que ela possa implicar com a ideia de integração da aviação naval mi aeronáutica militar.
Salvo essa interpretação, não tenho outra objecção a fazer.
Aproveito também a oportunidade pura dizer a V. Exª. e à Assembleia que a nossa concordância com esta proposta do lei se verifica por esta fornia: desde que a aviação naval não seja integrada na aeronáutica militar.
Posto este ponto, que é o da minha discordância básica com a proposta, e que acontece ser também do camarada de marinha que comigo estava na Comissão, daí por diante qualquer do nós tomou a atitude que lhe pareceu mais útil, mais elegante e mais digna: colaborar inteiramente na revisão do todo o diploma.
O Sr. Botelho Moniz:-Sr. Presidente: pedi u palavra para dizer da minha concordância com as afirmações do Sr. Deputado Lopes Alves e acrescentar o seguinte: dentro da noção de camaradagem e de eficiência militar que ontem aqui apresentei, entendo que quaisquer forças aéreas devem prestar-se mutuamente cooperação e prestar cooperação a todas as outras armas. Portanto, o facto de a Assembleia Nacional aprovar o artigo 1.º da proposta do Governo, que, na sua alínea b), diz ser função da aeronáutica militar a cooperação com as forças terrestres e navais, em meu entender não envolve de maneira alguma a ideia de que a aviação naval fique integrada no Subsecretariado de Estado da Aeronáutica Militar.
Assim, voto o artigo l.º, com a sua alínea b), tal como estão, dando-lhes este significado. A questão somente pode definir-se, em sua plenitude, quando discutirmos e votarmos o artigo 7.º da mesma proposta de lei n.º 186.
E, se não se julgar assim, teremos de começar por pôr em discussão e votação o artigo 7.º, em vez do artigo 1.º
O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai passar-se à votação.
Tomei na devida conta as observações feitas pelos Srs. Deputados Lopes Alves e Botelho Moniz, no que importa aos artigos 1.º e 7.º Entendo que a votação do artigo 1.º não envolve qualquer compromisso da Câmara quanto ao artigo 7.u
Vai votar-se, pois, o artigo 1.º tal como se encontra na proposta do Governo.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.º Quanto ao artigo 2.º o Sr. Deputado presidente da Comissão de Defesa Nacional apresentou uma proposta perfilhando a redacção da Câmara Corporativa.
Vai ler-se o artigo 2.º da proposta do lei e o artigo 2.º do parecer da Câmara Corporativa.
Foram Lidos.
Vai votar-se a proposta do substituição do texto do artigo 2.º da proposta do lei pelo texto do artigo 2.º do parecer da Câmara Corporativa, tal como propõe o Sr. Deputado Frederico Vilar.
Submetida à rotação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: Foi lírio.
Vai ler-se o artigo 3.º
O Sr. Presidente: - Está em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre este artigo, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente:-Está em discussão o artigo 4.º Sobre este artigo há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Frederico Vilar perfilhando o texto da Camará Corporativa. Vau ser lidos os tentos da proposta e do parecer da Câmara Corporativa.
Foram lidos.
O Sr. Presidente: - Está em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este artigo, vai votar-se a proposta da autoria do Sr. Deputado Frederico Vilar, no sentido da substituição do texto do artigo 4,º da proposta do lei pelo texto do mesmo artigo do parecer da Câmara Corporativa.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta de substituição.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à apreciação do artigo 5.º Sobre este artigo há na Mesa uma proposta em que o Sr. Deputado Frederico Vilar perfilha o texto da Câmara Corporativa, mas com alterações. Vão ser lidos o texto da proposta do parecer da Câmara Corporativa e as alterações sugeridas pelo Sr. Deputado Frederico Vilar.
Foram lidos. _
O Sr. Presidente:-Está em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este artigo, vai votar-se a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Frederico Vilar, pela qual é perfilhado o texto da Câmara Corporativa com as alterações que acabaram de ser lidas e que consistem em modificar aparte final do § único.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta do Sr. Deputado Frederico Vilar.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 6.º com as propostas que lhe dizem respeito, uma de alteração do Sr. Ministro da Defesa Nacional e outra de substituição do Sr. Deputado Frederico Vilar, e que vão ser lidas.
Foram lidas. Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se. Como a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Frederico Vilar é a mais completa, será sobre ela que vai incidir a votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Está em discussão o artigo 7.º, sobro o qual há na Mesa uma proposta de substituição do Sr. Deputado Botelho Moniz e outra de aditamento do Sr. Deputado Frederico Vilar, e que vão ser lidas.
Foram lidas.
O Sr. Presidente: - Esta» propostas que acabam de ser lidas à Câmara destinam-se a substituir o $ 3.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa a este artigo 7.º
Estão em discussão.
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O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: antes de mais nada, para esclarecer bem a posição da minha proposta, quero dizer a VV. Ex.ªs que ela perfilha, tal qual vem publicado no Diário das Sessões, o parecer da Câmara Corporativa quanto ao artigo 7.º da proposta de lei n.º 186, modificando-lhe apenas o § 3.º, pela inclusão do texto que foi lido na Mesa.
A redacção da Câmara Corporativa quanto ao artigo 7.º é mais ou menos a da proposta do Governo. Simplesmente está ordenada em corpo de artigo e parágrafos. Sòmente nesse § 3.º há divergência fundamental entre a proposta do Governo e o parecer daquela Câmara. Mas lá iremos, quando chegar a ocasião.
Por agora começarei por declarar que me julgo habilitado a responder a todas as objecções apresentadas nesta Assembleia pelos ilustres Deputados que na discussão na generalidade se pronunciaram em sentido favorável à proposta do Governo. E para que a discussão e a votação sejam efectuadas em ambiente de clareza completa, em que nada se deixe por verificar, peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para consentir todos os apartes e todas as perguntas que os ilustres Deputados me queiram dirigir, isto na convicção de que saberei responder-lhes. E, Sr. Presidente, só peço a generosidade de V. Ex.ª se, por virtude dessas interrupções, eu for obrigado a exceder nalguns minutos o tempo regimental.
Estranhou-se ironicamente daquela tribuna que alguns Dignos Procuradores a Câmara Corporativa, que não possuem a honra de vestir farda militar, mas têm a honra de ser portugueses e Procuradores à Câmara Corporativa, ousassem pronunciar-se sobre assuntos de ordem técnica. Mas, quando olho em redor de mim dentro desta Assembleia, pergunto se porventura existirá aqui maioria de militares ou de civis. Claro que todos sabem haver entre nós predominância absoluta de civis. De resto, se não se queria que fossem civis a decidir o assunto, o Governo que publicasse um decreto-lei e não trouxesse a assunto à Assembleia Nacional.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
E só para rectificar o que V. Ex.ª acaba de dizer. Em primeiro lugar, não se estranhou o facto de os Srs. Procuradores fazerem declarações de voto com base em motivos de ordem técnica; referiu-se o facto, estranhando-se apenas que, sendo ouvida a secção Política e administração geral, não interviesse na apreciação qualquer motivo de ordem política.
Em segundo lugar, não tem V. Ex.ª razão quando diz: publicasse o Governo, através de um decreto-lei, as medidas submetidas à apreciação da Assembleia, evitando assim que esta se pronunciasse.
Por força de disposição constitucional, desde que se trate de propostas relativas à defesa nacional, elas são da competência necessária da Assembleia Nacional. O Governo, portanto, não pode, sem a colaboração da Assembleia Nacional, fazer publicar como decretos as propostas sobre defesa nacional. Tem de submeter a apreciação das matérias respectivas à Assembleia, porque são da sua competência necessária.
O Orador: - Neste momento não sei responder concretamente a V. Ex.ª, visto ter sido apanhado de surpresa «a parte jurídico-constitucional. Acredito que deva acontecer como V. Ex.ª diz. Mas julgo que alguma vez teria aparecido precedente em contrário, isto é, o Governo já legislou por decreto-lei, em vez de ter enviado matéria de defesa nacional à apreciação desta Assembleia.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é esse o problema em discussão.
O Orador: - Mas o que afinal V. Ex.ª não destruiu foi a questão da maioria de civis ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não tenho poder para tanto!
O Orador: - Acho óptima, precisamente, essa intervenção dos civis, tanto aia Câmara Corporativa como na Assembleia Nacional, porque eles tem sobre nós, militares, uma grande e apreciável vantagem: a imparcialidade obtida pela ausência de paixões. Eu, por exemplo, em dados momentos do debate, deixei-me mover pelo sentimento. Mas outros Srs. Deputados, que desdenham deste sentimento, quando sobem a esta tribuna põem também argumentos de ordem sentimental.
Compreendo perfeitamente que os Dignos Procuradores civis com assento na. Câmara Corporativa não hesitassem em aceitar razoes de ordem técnica expostas pelos Dignos Procuradores militares e nelas baseassem o seu parecer.
Estavam em seu pleníssimo direito e ninguém pode censurá-los por isso.
Verifica-se que em alguns casos houve voto de desempate do Presidente da Câmara Cooperativa. Afirmou-se aqui que nela não houve acordo.
Nada mais verdadeiro. Mas não é menos certo que se redigiu parecer apresentado à Assembleia Nacional, parecer fundado e até fundamentadíssimo, em que a proposta do Governo foi derrotada por maioria.
Também na nossa Comissão de Defesa Nacional não houve acordo.
Na Câmara Corporativa triunfou a ideia de que a aviação naval deveria permanecer na Marinha. Na nossa Comissão de Defesa Nacional a ideia contrária a de que a aviação naval deveria ir definitivamente para o Subsecretariado - também não conseguiu maioria. O que a obteve foi certa modalidade híbrida, a que chamarei intermediária.
Não se conseguiu acordo quanto às razões de ordem técnica ou política. Nem sequer, como disse o ilustre Deputado Pinto Barriga, se mostrou acordo na interpretação dos factos. Nem ele existiu no movimento das ideias, como muito bem esclareceu o ilustre leader do Governo nesta Câmara. Qual deveria ter sido então a atitude da Comissão de Defesa Nacional?
Visto as opiniões estarem profundamente divididas sob os pontos de ordem técnica, e porque sómente se trata de servir a Nação, sem obedecer a quaisquer outros imperativos, se nós apenas procuramos escolher aqui o melhor e mais eficiente dos sistemas, mando agora o meu avião levantar voo e lançar uma bomba atómica. Ei-la: pergunto ao Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional se, por acaso, S. Ex.ª ou qualquer dos ilustres Deputados, componentes dessa, Comissão pensaram em pedir a opinião do organismo supremo das forças armadas do País, que se chama Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Frederico Vilar: - Peço a palavra!
O Orador: - Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que autorize o Sr. Deputado Frederico Vilar, presidente da Comissão de Defesa Nacional, a responder à minha pergunta. Basta um sim ou um não para que eu melhor possa prosseguir estas considerações.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Frederico Vilar pediu a palavra e já o mandei inscrevei1. Se ele quisesse responder à pergunta de V. Ex.ª, tê-lo-ia feito. Eu é que não posso obrigá-lo a estabelecer diálogo com V. Ex.ª
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O Orador: - Então eu responderei à minha própria pergunta, dizendo que não me consta que a Comissão de Defesa Nacional ou qualquer dos seus vogais tivessem feito consultas ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
A Comissão de Defesa Nacional, sabe-o V. Ex.ª melhor do que eu, não tem de dirigir-se nem pode dirigir-se a quaisquer serviços que dependam do Executivo.
O problema que está posto, empregando a palavra sem sentido pejorativo, mas no sentido em que a empregam os homens do direito, é impertinente.
Quem pode ter ouvido o Conselho Superior de Defesa Nacional é o Governo, e dispenso-me de dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e ao Sr. Major Botelho Moniz se ouviu ou não ouviu.
O Orador: - Sr. Presidente: passará a ser pertinente a pergunta formulada sob outra forma, que, afinal, vem a dar na mesma: pediu a Comissão de Defesa Nacional ao Ministro da Defesa que a informasse sobre qual era a opinião do órgão supremo das forças armadas, o Conselho Superior de Defesa Nacional?
Sei, Sr. Presidente, que não podemos dirigir-nos directamente aos serviços.
Com o ilustre leader do Governo nesta Câmara tenho muito que aprender, mas não a este respeito. Já fui Deputado em 1918 e sou-o agora há duas legislaturas, para souber que é mesmo como S. Ex.ª diz.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
E para afirmar que eu não disse que os Sr». Deputados se não podem dirigir ao Executivo. E o contrário. Eu digo que os Deputados podem dirigir-se ao Executivo; o que não podem é obter respostas dos serviços sem autorização expressa ou implícita, do Executivo.
São coisas totalmente diferentes.
O Orador: - Perdão! Então não sei explicar-me.
Acabo de dizer a mesma coisa que V. Ex.ª Sei muito bom que os Deputados não podem dirigir-se aos serviços senão por intermédio do Ministro.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas não é a mesma coisa dirigir-se ao Executivo ou dirigir-se aos serviços dependentes do Executivo. Nós não podemos obter respostas dos serviços dependentes do Executivo senão por intermédio do Executivo.
O Orador: - Não vale a pena fazer questão de palavras. É assim mesmo. Pergunto poi1 intermédio de unis ou de outros, por intermédio de A, B, C ou D, se se efectuou alguma diligência da Comissão ao Conselho Superior de Defesa Nacional. Não se efectuou.
Disto é que VV. Ex.ªs me não arrancam. E porque não se efectuou?
Porque é interessante saber que a ideia-base que presidiu à elaboração dos sucessivos diplomas que reorganizaram a aviação naval no período que precedeu a segunda guerra mundial é hoje adoptada pela maior parte das potências marítimas. A autoria desses diplomas pertenceu ao Ministro da Marinha vice-almirante Ortins de Bettencourt, que actualmente é o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
A sua orientação exemplar acaba de ser ainda no mês passado seguida pela França. Agora em Portugal pretende derrogar-se, exactamente, a organização estabelecida, quando Ministro, pelo actual chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Porque estamos a tratar de casos de eficiência militar, suponho que vale muito mais a opinião técnica do Conselho Superior de Defesa Nacional do que a de qualquer outra entidade. Se existe discordância entre aquele Conselho Superior e a proposta do Ministro da Defesa Nacional, convém, que o saibamos.
Seguidamente, para mão gastarmos mais tempo com esta argumentação, que julgo irrespondível, vamos a outro passo de afirmações aqui feitas.
Refiro-me à necessidade de a marinha de guerra portuguesa, honrando tradições nunca desmentidas, sacrificar as suas aspirações relativas à aviação naval, a bem da conveniência comum, isto é, da melhor defesa do País.
Embora sem tal intenção, e apenas por extensão de ideias, pode levar-se alguém a concluir que a atitude actual dos oficiais da aviação naval, acompanhados em peso, em unanimidade perfeita, pela marinha de guerra portuguesa, é contrária ao interesse nacional.
Pode entender-se que eles não estão possuídos de suficiente espírito de sacrifício ao pedirem que a marinha de guerra tenha os meios indispensáveis, não para se defender a si própria, mas defender a marinha mercante, que tanto dinheiro custou e tantos homens emprega, a marinha pesqueira, as comunicações com a metrópole e o ultramar e, por via de tudo isto, o abastecimento do País.
Responderei pronta e categoricamente que o espírito de sacrifício que lhes pedem se encontra já demonstrado.
Como?
Os oficiais da aviação naval seriam beneficiados com promoções se ingressassem nas forças aéreas dependentes do Subsecretariado. Nalguns casos, devido ao atraso de promoções na Marinha relativamente ao Exército, alguns deles ascenderiam mais de um posto.
Verifica-se, assim, por sua parte, actuação digna, isenção nobilíssima, pois sacrificam-se pessoalmente, PM rã que não fique diminuído o prestígio da sua corporação, nem ela sofra em eficiência militar. Honram mais uma vez as suas fardas e mais uma vez o fazem em defesa da Nação.
Contrariando a solução preconizada pelo Ministro da Defesa Nacional, prejudicam-se a si próprios.
O Sr. Presidente: - Peço licença para lembrar a V. Ex.ª que estamos na discussão na especialidade, e as (considerações que V. Ex.ª está fazendo parece não encontrarem lugar a propósito do texto do artigo 7.º ou da proposta de alteração.
Peço, portanto, a V. Ex.ª que se cinja o mais possível à discussão na especialidade.
O Orador: - Sr. Presidente: obedeço por completo às indicações de V. Ex.ª e entro imediatamente na discussão da especialidade.
Julguei indispensável fornecer aqueles esclarecimentos, sob a forma de pequenas observações, porque eles honram a 'Marinha, à qual presto as minhas homenagens.
Sr. Presidente: procurou-se expor à Câmara quais as diferenças existentes entre as quatro propostas apresentadas: a do Governo, a da Câmara Corporativa, a da Comissão de Defesa Nacional e a minha. Marcá-las-ei rapidamente.
Entre a da Câmara Corporativa e a minha não há diferença alguma, a não ser na fórmula. Na essência são idênticas. Simplesmente, a minha redacção é mais incisiva, como vai ver-se.
O § 3.º do artigo 7.º tal como está na da Câmara Corporativa diz o seguinte:
As forças aéreas de cooperação com as forças navais consideram-se incorporadas na Marinha para todos os efeitos, etc.
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Como esta expressão «consideram-se incorporadas» poderia dar lugar a dúvidas futuras, postas por quem não conhecesse o espírito com que as propostas fossem aprovadas, substituí-a pela redacção seguinte:
As forças aéreas de cooperação com as forças navais permanecerão incorporadas na Marinha, para todos os efeitos.
Ponto final entre esta palavra e a adversativa «mas» que se lhe segue.
Em vez de «consideram-se incorporadas» ponho «permanecerão incorporadas», para fornecer a ideia nítida de que ficam como estavam.
Seguidamente a minha proposta continua com redacção quase igual à da Câmara Corporativa, só com a introdução da palavra «aérea» em seguida a «instrução básica», como vão ouvir. Diz-se na minha proposta: «mas os serviços de instrução básica aérea ...», e escreve a Câmara Corporativa: «salvo os de instrução básica ...». Para definir melhor, digo «básica aérea», para significar que sómente na instrução chamemos-lhe assim - primária de pilotagem tem de intervir o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
Depois do piloto feito, todo o restante da instrução cabe à Marinha, como também poderia pertencer à Marinha a formação desses pilotos como marinheiros antes de eles irem aprender a pilotar.
Vejamos agora as diferenças existentes em relação às propostas do Governo e da Comissão de Defesa Nacional.
No caso do Governo diz-se: Leu.
Por este artigo 7.º, em tempo de paz toda a orgânica o todas as forças pertencem ao «Subsecretariado da Aeronáutica e só em tempo de guerra seriam colocadas forças aéreas à disposição da Marinha. Melhorando extraordinariamente esta proposta, que propõe a Comissão de Defesa Nacional? Propõe que as forças aéreas de cooperação com as forças navais estarão à disposição do Ministério da Marinha mesmo em tempo de paz, embora unicamente para efeitos de instrução operacional. No caso da minha proposta e no da Câmara Corporativa elas estão sempre, quer na paz quer na guerra, completamente dependentes do Ministério da Marinha, para todos os efeitos, designadamente de comando administrativo e táctico, incluindo a instrução.
Perguntei durante a discussão na generalidade para que serviria tirarmos as forças da aviação naval à Marinha durante a paz para depois lhas tornarmos a dar ou emprestar durante a guerra, com outra constituição pior. Houve quem não compreendesse a divergência essencial e importantíssima entra a orgânica proposta pela Comissão de .Defesa Nacional e a minha. Como se fosse igual alguém possuir como sua determinada coisa ou receber essa mesma coisa por empréstimo condicionado!
Vou permitir-me ilustrar a dessemelhança com o exemplo seguinte: eis aqui esta carteira, com o meu cartão de identidade, vários documentos e também algum dinheiro. Aparece-me um bom amigo que a cobiça e. convida-me para fazermos uma concentração geral de carteiras. Claro está, logo acrescenta: «dá-me cá a tua, para que eu a guarde, tal como já faço à do vizinho do lado».
Tento responder-lhe: aparece-me que ela está mais quieta e segura dentro do meu bolso que no teu. E fica-me mais à mão, para quando precisar ...».
Contesta-me o amigo com ar ofendido: «quando precisares, sabes que nunca te faltarei com ela. Já te disse que me dês a carteira. Eu guardo-a». Não tenho outro remédio senão curvar-me perante a insistência. E dou-lhe
a carteira. Acontece que Q primeira vez que eu precisar de sair de casa, tenho de telefonar-lhe a pedir que me mande o cartão do identidade que está dentro da carteira. Se não chego a encontrar o meu amigo, terei de sair sem o bilhete de identidade, o que não é muito aconselhável nestes tempos de rusgas. Outras vezes é ele que me nega a carteira por quaisquer motivos; nunca mais vejo o meu dinheiro nem posso utilizá-lo; e acabo por sentir-me roubado e gritar «ó da guarda!».
Foi o que aconteceu em todos os países onde a aviação não estava colocada à disposição da Marinha: quando era precisa não aparecia.
E porque é que não aparecia? Não aparecia até por uma razão que está explicada em papel que foi mandado para a Assembleia Nacional por pessoas absolutamente insuspeitas, visto serem favoráveis à proposta do Ministro da Defesa. Dizem o seguinte:
A ciência da guerra ensina que a primeira e principal missão da aviação é lutar pela superioridade aérea ou só pela segurança aérea, quando os meios não cheguem para aquele objectivo. Só na medida em que a superioridade ou segurança se encontra garantida é que convirá libertar forças aéreas para actuar em benefício das forças de superfície, navais ou terrestres. Isto já hoje são ideias que ninguém ousa pôr em dúvida.
Santo Deus! Talvez seja porque sou ninguém que ouso duvidar desta concepção unilaleteral da guerra aérea!
O que acabo de ler é afirmado pelos partidários da proposta governamental mesmo antes de ela estar aprovada. Tratasse de papel subscrito por distintos oficiais aviadores do Exército. Portanto, não é um papel qualquer anónimo; e os seus autores ou mereciam ser reprovados em exercício de redacção ou então quiseram dizer aquilo mesmo, relegando para segundo lugar, em absoluto, as missões tácticas da Armada e das forças de terra.
Nada importa que em tempo de guerra se dê à Marinha o comando da aviação que com ela coopera. Se essa aviação não existir ou lhe for fornecida em quantidade e qualidade insuficientes, isto é, se não tiver aviões, pilotos e serviços, o que é que comandam os oficiais da Marinha e de que aviação dispõem para defender os objectivos? Uma espécie de zero aéreo. Foi isto mesmo que aconteceu em Inglaterra na última conflagração.
E foi por estas e outras razoes que um civil, que ninguém naturalmente conhece, declarou o seguinte:
Descolar dos navios e actuar em conjunto com as forças navais é... parte integrante das operações navais modernas. Os oficiais, cadetes, sargentos e artífices desta força (aviação naval) têm de ser nomeados pelo Almirantado, escolhidos entre o pessoal da Marinha Real. O pessoal empregado nos aviões de marinha terá de ser parte integrante desta e dependerá sómente do Almirantado.
O civil que disse isto e no qual VV. Ex.ªs certamente nunca ouviram falar chama-se Winston Churchill. Não sei se alguém sabe que ele existe e que teve acção preponderante na defesa e na vitória da Inglaterra e na das Nações Unidas.
Mas acerca desta incorporação da aviação naval nu Mn r I ilha houve uma pergunta posta aqui clara e lealmente pelo ilustre leader do Governo nesta Assembleia, Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Vou lê-la:
Poderá a Marinha, com o alargamento de contingentes, dentro de pouco tempo satisfazer as suas próprias necessidades e ainda as da aviação?
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Eis interrogação perfeitamente legítima por parte de pessoa que não tem a honra de pertencer à marinha de guerra portuguesa, embora possa ombrear com os seus condutores em honras mu ao merecidas pelo seu talento e pelos serviços prestados à Nação. É natural a pergunta e vou dar-lhe resposta imediata:
O Estado-Maior Naval estudou o problema, não com a competência de qualquer civil ou militar de terra, mas com a competência técnica que lhe é própria. E afirma:
A Marinha pode satisfazer cumulativamente as suas necessidades de alargamento de contingentes e da aviação.
Estou habilitado a dar esta resposta, porque técnicos distintos a deduziram dos trabalhos do Estado-Maior Naval.
Assim, cai por terra a argumentação que possa produzir-se em contrário. De resto, é simples de reconhecer o seguinte: não será o recrutamento tanto para a. aviação naval como para a aeronáutica militar feito na mesma origem, isto é, em Portugal, entre os Portugueses? Porquê há-de haver mais portugueses que queiram ir para a aeronáutica militar do que para a aeronáutica naval, que tem tradições não menos honrosas?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Para a resposta de V. Ex.ª ser mais completa, direi que eu pus o problema assim: está previsto para a aeronáutica naval o chamamento de oficiais da Marinha. V. Ex.ª sabe dizer-me quantos indivíduos foram chamados para a Escola Naval nos últimos anos e quantos apareceram?
O Sr. Lopes Alves: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Botelho Moniz, dá-me licença?
O Sr. Botelho Moniz: - Tenha a bondade.
O Sr. Lopes Alves: - Neste assunto a questão só pode pôr-se de duas maneiras: ou há uma aviação naval para cooperar com a Marinha ou não há. Se há, então precisa de um certo pessoal que tanto é absorvido por ela se estiver nu aeronáutica militar como se estiver na Marinha.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não, a questão não é essa. E esta: se têm faltado concorrentes à Escola Naval, com um curso de dois anos e meio, como se explica que não faltem ainda mais quando, para atingirem situação paralela, sé colocam na eventualidade de ser forçados de ser forçados! - a um curso de mais de quatro anos? Dois e meio pata serem oficiais da Marinha e mais dois para se especializarem na aviação.
O Sr. Lopes Alves: - Acredito que continuem a faltar e por consequência admito que a aviação naval precise da cooperação da aviação militar. O que sustento é que tanto faz que esse pessoal esteja integrado na Marinha ou esteja integrado na aeronáutica militar, com vista a essas faltas, evidentemente.
O Orador: - Julgo poder esclarecer a Assembleia e os dois ilustres Deputados ao dizer que, se faltou pessoal para a admissão na Escola Naval, também o tem faltado em muitos anos para a admissão na Escola do Exército. Portanto, se argumentarmos com faltas prováveis de pessoal, temos de criar as condições necessárias para que elas não se dêem. Ora as razoes por que esse pessoal falta são aquelas que apontei no começo das minhas considerações de ontem: não se remunera suficientemente, não se cuida de garantir o futuro dos militares, nem se concedem as necessárias facilidades
de promoção. Veja-se o que sucede na Marinha, onde o quadro de segundos-tenentes é de cem oficiais e onde existem mais setenta supranumerários. Alguns destes já satisfizeram as condições de promoção para o posto imediato, mas ainda nem sequer tiveram vaga para entrar no seu quadro!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desde que alarguem os quadros e se abram vagas e os inconvenientes apontados desapareçam, a concorrência à Escola Naval será maior. Basta querermos e tornar-se-á suficiente.
Além disso, para que vem citar-se esse exemplo de carência de pilotos aviadores na Marinha, se faltaram de tal forma pilotos aviadores no Exército que houve que cobrir as faltas com praças de pré?
Recordo que todos os pilotos aviadores que foram à guerra de Espanha eram primeiros-cabos da aeronáutica militar, que foram fazer o curso de oficiais nas escolas de complemento espanholas. Para sua honra, devo dizer que ficaram classificados adiante de quase todos os pilotos espanhóis seus colegas de curso; e durante aquela guerra todos serviram em Espanha como oficiais, com rara bravura e magnífica competência.
Se existe uma Escola Prática de Aeronáutica, à qual têm acesso praças de pré, por que motivo há-de faltar pessoal de pilotagem, quer para a aeronáutica militar quer para a aeronáutica naval? Porque não hão-de fazer-se esses pilotos através dessa Escola Prática, dando-se-lhes a maior rapidez de «fabrico» - perdõe-se usar esta expressão de industrial - e completando-se depois a sua instrução na aeronáutica, conforme o serviço operacional a que se destinarem?
É tudo questão de existência de acordo entre o Ministro da Defesa Nacional, o Ministério da Marinha e o Subsecretariado de Estado; e tudo pode fazer-se quando haja boa vontade e se realizem as condições necessárias e suficientes para que a formação de pilotos se torne possível e rápida. Pretender ter pilotos sem realizar condições que os atraiam, pretender chamar à aeronáutica os mancebos de Portugal sem garantir o futuro dos que escaparem à morte, não deve ser viável nem fácil, quer na Marinha, quer na aeronáutica.
O Sr. Lopes Alves: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu desejava aprofundar o meu pensamento, para acabar de responder ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Quando falei na aviação naval existente, V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Figueiredo, referiu-se a que se devia incluir a aviação naval que viesse a existir. V. Ex.ª entende que os novos aviadores que se destinam à aeronáutica naval e sejam preparados na aeronáutica militar sê-lo-iam mais depressa. E nisso que a Marinha discorda; a Marinha entende que, se eles forem preparados depressa, não o serão bem.
O Sr. Quelhas Lima: - Essa é que é a quentão.
O Orador: - O tempo que leva a preparar um piloto naval são dois anos, pràticamente idêntico ao empregado num aluno da Escola do Exército.
Há que distinguir entre oficiais e praças. Qualquer das aviações, naval ou não, precisa de oficiais, e estes precisam de ser preparados especialmente, porque não nascem ensinados. Nunca vi comandar forças aunadas sem oficiais, e muito menos na Marinha, em que tudo é altamente especializado.
Claro que as vantagens de existência de qualquer arma ou serviço, destinados a defender o País, não devem ser consideradas apenas no tempo de paz, mas sim, principalmente, e até unicamente, em relação à
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sua eficiência em tempo de guerra. Por isso pergunto se a proposta híbrida da Comissão de Defesa Nacional é suficiente para resolver o problema da aviação de cooperação com a Armada.
Segundo essa proposta, tal aviação será emprestada à Armada durante a paz pelo Subsecretariado de Estado da Aeronáutica apenas pura efeito de instrução operacional. Se ela lhe for emprestada tarde e a más horas ou em número insuficiente, ou constituída por pilotos insusceptíveis de aprender as coisas básicas da cooperação entre aviação e navios, como poderá realizar-se na Marinha o milagre de tornar eficientes estas forças, que, repito, podem até não existir?
Por meio da citação de alguns exemplos e de opiniões que não são minhas, vejamos o que aconteceu noutros países:
O conjunto de navios de superfície, submarinos e aviões constitui équipe cujas possibilidades são maiores do que a soma das possibilidades de cada uma destas armas operando isoladamente. «Mas, dadas as condições em que tal equipe tem de operar, as acções aéreas sobre o mai1 devem ser preparadas, dirigidas e conduzidas por oficiais da Marinha aviadores...
Notem VV. Exas: primeira condição, a de oficiais; segunda, a de pertencerem à Marinha; a terceira, a de aviadores, é óbvia.
Sabem VV. Ex.ªs a quem pertence esta opinião? A um senhor sem importância. Ao almirante King, comandante em chefe da esquadra dos Estados Unidos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A proposta da Comissão de Defesa Nacional satisfaz a essas condições, porque nela «e diz que os aviadores podem ser oficiais da Marinha e que ficam à disposição do Ministério da Marinha ...
O Orador: - Dizer que podem ser oficiais da Marinha, não determina expressamente que o sejam. Mas o Ministério da Marinha não teria sobre eles poderes administrativos nem poderes de comando em tempo de paz e V. Ex.ª sabe o que isso representa.
V. Ex.ª tem uma quinta ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - A desgraça é ser administrada por mim ...
O Orador: - Imagine V. Ex.ª quanto pior seria se fosse administrada por outra pessoa!
O que o Ministério da Marinha reclama é simplesmente que a aviação naval esteja sempre à sua disposição, administrativa e tàcticamente.
Agora vamos ouvir outra opinião relativa a eficiência:
Durante a guerra a marinha italiana foi severamente prejudicada por muitos factores sobre os quais tinha pouco contrôle, principalmente pela insuficiência e ineficaz cooperação aérea. À Marinha nunca foi permitido ter aviação própria ou porta-aviões.
As forças aéreas alemãs e italianas não estavam preparadas para actuar sobre o mar. Tinham muito poucos caças de grande raio de acção e não possuíam aviões para operações nocturnas, pelo que o reconhecimento aéreo era muito deficiente... Portanto, a marinha italiana podia comparar-se a um jogador de boxe, míope durante o dia (falta de reconhecimento aéreo), completamente cego de noite (falta de radar) e paralítico de um braço (por falta de apoio aéreo) ...
Para confirmar esta opinião, um exemplo:
... O segundo comboio inglês para Malta (em Janeiro de 1941) não foi atacado por forças italianas porque um mau reconhecimento aéreo (da aviação terrestre) o deixou passar despercebido pelo canal da Sicília.
Pelo canal da Sicília! Por esse larguíssimo canal da Sicília!
Estas afirmações pertencem ao capitão-de-fragata M. A. Bragadin, em «Mediterranean Convoys in World War II», in U. S. Naval Institute Proceedings, Fevereiro de 1950.
Escutemos ainda outra opinião de um outro senhor desconhecido:
Não pode hoje ser negado que homens perderam a vida porque o Governo Inglês não equipou a Marinha com aviação naval, que as pessoas melhor qualificadas para julgar o assunto insistiam que ela devia ter...
Estas declarações foram feitas pelo almirante Roger Keys, o homem de Zeebrudge. Mas ainda há mais e melhor. Ouçamos:
Os Ingleses, depois de uma série trágica, de erros, restituíram a aviação de cooperação naval a Marinha, tentando alcançar o nosso grau de eficiência. Então, porque havemos nós agora de ignorar as amargas lições aprendidas pelos Ingleses e deliberadamente, sob a máscara do progresso, colocarmo-nos na situação que eles tiveram de abandonar?
Disse isto o contra-almirante Harry E. Yarnell, da marinha de guerra dos Estados Unidos, sob o título «Onde falhou a R. A. F.», quando se discutiu no seu país se a aviação naval devia ou não continuar na Marinha. Felizmente para a América do Norte, prevaleceu a opinião da Armada.
Escutemos agora um francês:
Durante a expedição à Noruega, em nenhum momento a aviação deu apoio táctico às forças navais alemãs, nem no mar nem nos dois combates navais de Narvick, de que resultaram a destruição total dos navios do corpo expedicionário alemão.
A destruição total dos navios do corpo expedicionário alemão! Somente isto!
Eis o que ganhou o país de Goering, do homem que fez da aviação um corpo único. Que todos os navios alemães desta expedição fossem afundados pelos Ingleses ...
Outra asserção do mesmo autor:
No relatório oficial sobre as operações do grupo Bismarck realçou-se que, desde o início, o ponto delicado era a passagem do estreito da Dinamarca, e isto por falta de apoio aeronaval eficaz.
Ambas estas alegações do capitão-de-mar-e-guerra Lepotier encontram-se na Revue Maritime de Agosto de 1949, sob o título «L'Ere Aéronavale».
O Sr. Presidente: - Lembro ao Sr. Deputado Botelho Moniz que está a 'atingir o período regimental para uso da palavra.
Mas V. Ex.ª tem direito a usar da palavra mais uma vez.
O Orador: - Vou terminar. Só usarei novamente da palavra se V. Ex.ª mo permitir e for necessário.
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Poderia continuar citando mais opiniões e muitos mais exemplos.
Seria um nunca acabar. Vou acrescentar sómente alguns.
Durante a última guerra o Almirantado recebeu um rádio de um submarino que pretendia entrar num porto inglês e se queixava assim: «Façam favor de dizer aos pilotos da R. A. F. que me deixem entrar no porto e não me bombardeiem, porque sou inglês».
Os pilotos terrestres tinham-no confundido com um submarino alemão.
Em 9 de Fevereiro de 1941 o cruzador pesado italiano Pola foi gravemente danificado pela força aérea italiana. Simples caso de má identificação, que marinheiros treinados não cometeriam. Mas os erros de identificação não eram exclusivo da Itália: quarenta e oito horas antes da invasão alemã da Noruega, aviões de patrulha da R. A. F. avistaram navios de transporte a navegar no mar do Norte. Só ligeiramente se interessaram pelo facto e só podiam notificá-lo pelas vias normais. O Almirantado sómente recebeu a notícia depois de a invasão ter começado!
Se os pilotos fossem peritos em assuntos navais e houvessem compreendido o que viam, a Inglaterra teria conhecido o ataque alemão dois dias antes; e, provavelmente, o curso do ataque nazi à Noruega viria a ser diverso do que foi.
Finalmente, só quando as tropas britânicas começaram a evacuar a ilha de Creta os aviões da R. A. F. apareceram. Mas a maior parte dos pilotos não sabia identificar os navios ingleses que deveriam escoltar até Alexandria. Daí resultaram muitas perdas, que se repetiram quando um grupo de navios carregados com tropas evacuadas devia juntar-se à sua escolta da R. A. F. ao largo de Creta. À partida do comboio, um destroyer inglês foi torpedeado. Houve que transferir para outros barcos os soldados que ele transportava.
Todo o comboio se atrasou.
A escolta da. H. A. F. chegou à hora marcada ao ponto previsto para o encontrar. Mas, como os navios não estavam lá, não cuidou de buscá-los e regressou ao Egipto. Furiosamente, a Marinha tentou fazer voltar a escolta aérea, mas em vão. Os navios, completamente expostos, foram bombardeados durante dois terços da viagem para Alexandria. Horas de puro inferno! O ressentimento entre as tropas evacuadas era tão forte que o pessoal da U. A. F. foi proibido de andar nas ruas de Alexandria quando os soldados desembarcaram.
Quando o barco inglês Ark Royal perseguia o Bismarck, numa das grandes batalhas navais da guerra, levava a bordo apenas três pilotos aviadores com alguma experiência de operações no mar. Foram mandados em patrulha, por não haver outros disponíveis, três aviadores britânicos que nunca sequer haviam descolado ou descido num porta-aviões. A sua inexperiência deu os seguintes resultados, duplamente curiosos: detectaram um navio. Mergulharam através das nuvens e torpedearam-no. Simplesmente, em vez do alemão Bismarck, era u cruzador britânico Sheffield. Por felicidade, graças à sua insuficiência profissional, não lhe acertaram...
São numerosíssimos os casos em que, por os pilotos terrestres não conhecerem a estrutura dos navios e a forma de combate, os bombardeamentos eram dirigidos erradamente contra navios das nações a que pertenciam as forças aéreas que os atacavam.
A quem me acusar de não ser técnico de aviação responderei que já fui bombardeado erradamente. Fui correspondente de guerra, fui crítico militar e, repito, sou técnico em receber bombardeamentos, quer lógicos, da aviação adversária, quer irritantes, da aviação amiga. São estes que pretendo evitar.
É em nome da técnica, da melhor cooperação, da melhor defesa das marinhas mercante e pesqueira, da maior eficiência militar e do bem comum, que estou intervindo neste assunto. Vejo melhor a solução exactamente por não ser técnico aéreo.
Não me interessaria, salvo sob o ponto de vista político - e neste aspecto interessar-me-ia muitíssimo -, que se desgostasse a Marinha, ou se desgostasse o Exército, pela amputação de elementos cooperantes, se o sacrifício fosse útil à defesa nacional e se o serviço ficasse a ser efectuado mais eficientemente. Mas não há necessidade de desgostar nem a Marinha nem o Exército. Falo em Exército, em aditamento à expressiva declaração de voto do Digno Procurador Sr. Dr. Afonso Rodrigues Queiró, porque não deve citar-se apenas o desgosto da Marinha.
Terminando:
8e decidirmos como se preceitua na (proposta da Comissão de Defesa Nacional, ou, principalmente, se adoptarmos a proposta do Governo, dentro em pouco tempo e experiência demonstrará que resolvemos mal o problema, não sómente sob o ponto de vista político, mas também sob o aspecto técnico. Há que deixar a aviação naval à Marinha, que não pode ser amputada de uma força que ela entende, e anuito bem, que lhe é indispensável, mão para comodidade própria, mas para assegurar melhor a defesa do País. Não se trata de, por altas razões de Estado, sacrificar à Pátria, e mandar executar, um amante querido, afecto de mão esquerda. Defende-se a vida duma filha legítima, que deve continuar no lar que legitimamente lhe pertence.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Botelho Moniz! Quero registar a atitude de V. Ex.ª obtemperando prontamente a solicitação que lhe dirigi para que se cingisse quanto possível à matéria da especialidade em discussão. Embora fosse esse o dever de V. Ex.ª, a forma como o cumpriu é de registar e agradecer.
Eu não o quis interromper quando V. Ex.ª prestava eloquente e justa homenagem aos oficiais da Marinha e da aviação; aguardei que V. Ex.ª tivesse proferido essas palavras de homenagem, que caíram muito bem no ânimo desta Assembleia (interrupções gerais de muito bem, muito bem!) onde sempre encontram um eco de carinho e simpatia todas as homenagens prestadas às nossas forças armadas, cuja coesão moral e cujo prestígio a Assembleia deve ter, e tem, a peito, acima de tudo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Fi-lo em seguida; e registei com prazer que nem a compreensível veemência era que decorria o discurso de V. Ex.ª impediu um imediato esforço para atender a minha solicitação. Registo, por isso, a atitude de V. Ex.ª e agradeço-a.
O Sr. Lopes Alves: - Sr. Presidente: entendo que a proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz melhora consideravelmente os textos anteriores, sob o meu ponto de vista, e que satisfaz inteiramente.
Na Comissão de Defesa Nacional tomaram como base a proposta do Governo. Colaborei na redacção da Comissão de Defesa Nacional e não vejo motivo para tomar como base a redacção do parecer da Câmara Corporativa em vez da proposta do Governo.
Mudo a posição que tomei se a redacção do Sr. Deputado Botelho Moniz pudor ser incorporada na redacção da proposta do Governo; se assim não puder ser, prefiro então a redacção do parecer da Câmara Corporativa, intercalando-se nesta parte a do Sr. Deputado Botelho Moniz.
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Peço para acrescentar, Sr. Presidente, que ouvi muito embevecidamente e com muito reconhecimento as palavras do Sr. Deputado Botelho Moniz referentes à forma como interpretou, como compreendeu a atitude da Marinha nesta questão. Á Marinha tomou esta atitude por motivos de ordem técnica, da sua técnica, sobre a qual certamente não saberá menos do que os que sejam estranhos à Marinha, e também por motivos de ordem sentimental, que fazem com que apareçam oficiais da Marinha em toda a parte, não para defender uma posição que lhes interessa pessoalmente e só perdem com a solução que defendem -, mas porque entendem que é com essa solução que melhor defendem o interesse nacional no campo que lhes compete servir.
Mas essas razões de ordem sentimental, esse factor manifestado desta maneira, parece, Sr. Presidente, ser muito importante para a eficiência de qualquer força armada.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: segui com a maior atenção, como era meu dever e prazer, as considerações feitas pelo Sr. Deputado Botelho Moniz.
Esperei que S. Ex.ª respondesse às razões que produzi aqui ontem em defesa de uma determinada solução, mas confesso que, decerto por insuficiência minha, não logrei descortinar essa resposta.
A solução que proponho tem o voto, por maioria, da Comissão de Defesa Nacional e tem, como a Assembleia ouviu no início do debate na generalidade, o voto unânime da Comissão de Política e Administração Geral desta Assembleia.
A razão essencial que se tem produzido no sentido de manter a aviação de cooperação naval integrada no Ministério da Marinha é esta: de outra maneira não se consegue que essa aviação de cooperação naval seja eficiente. E não se consegue porquê? Porque é indispensável que os aviadores de cooperação naval sejam marinheiros e mantenham permanente contacto com a Marinha.
Ora, a uma e outra destas exigências dá satisfação a proposta de alteração apresentada pela Comissão de Defesa Nacional, perfilhada pela Comissão do Política o Administração Geral.
Os oficiais aviadores- da aviação naval podem sor marinheiros, e serão, havendo-os em número suficiente, marinheiros. Portanto, nesta parte, satisfaz-se a Marinha.
Mas não é bastante diz-se que o sejam: importa que continuem em contacto com a Marinha.
Pois bom. A proposta dá satisfação a esta ansiedade afirmando que, mesmo em tempo do paz, estarão à disposição do Ministério da Marinha, para efeitos de instrução operacional.
O Sr. Lopes Alves: - O facto de estarem à disposição do Ministério da Marinha, tal como consta da proposta da Comissão de Defesa Nacional, não passa, afinal, de um simples empréstimo.
Não são forças de marinha.
O Orador: - As forças do Exército que estão na Guarda Nacional Republicana à disposição do Ministério do Interior estão lá por simples empréstimo?
O Sr. Lopes Alves: - Não, porque dependem exclusivamente do Ministério do Interior e de mais nenhuma entidade.
O Orador: - Como as forças aéreas da aeronáutica naval, quando forem postas u disposição do Ministério da Marinha, estarão dependentes desse Ministério e de mais ninguém.
O Sr. Lopes Alves: - V. Ex.ª disse «quando». Já é um reticência.
O Orador: - A lei diz que estarão à disposição ide» para tal e tal efeito. Para que não o estejam em vista de tal efeito, importa praticar um acto contra a lei.
O Sr. Lopes Alves: - É atendendo ao momento em que essas forças são postas à disposição do Ministério da Marinha. Mas só nesses momentos. Fora disso, ficam dependentes do Subsecretariado da Aeronáutica.
O Orador: - E assim se o «fora disso» quer dizer «para outros efeitos».
O Sr. Botelho Moniz: - Há uma coisa diferente da preparação operacional. Além da preparação operacional, há o comando administrativo; quer dizer: as unidades dependem inteiramente do Ministério da Marinha, tal como o caso, citado por V. Ex.ª, da Guarda Nacional Republicana, que deponde tio Ministério do Interior. Se V. Ex.ª entende que dependência para instrução operacional é o mesmo que dependência do Ministério da Marinha...
O Orador: - Perdão; o que se discute é se podem ou não podem, na orgânica que se suscita, os pilotos de cooperação naval ter a ambiência da Marinha;
Eu digo «podem», e isto ninguém controverteu com algum argumento em que se pegue.
O Sr. Botelho Moniz: - Basta que o Subsecretariado não mande essas forças para o Ministério da Marinha.
O Orador: - Manda, porque tem de cumprir a lei.
O Sr. Botelho Moniz: - Pode mandar poucos para cumprir a lei, mas a Marinha não fica servida.
O Orador: - Quer isso dizer que pode iludir a lei. Não discuto a questão posta nesse pé.
Não há dúvida, pois, de que a proposta da Comissão de Defesa responde e contrabate as mais graves objecções apresentadas contra a proposta do Governo.
Continuo. Um oficial da Marinha aviador leva quatro a cinco anos a formar. E claro que se, como disse há pouco o Sr. Comandante Lopes Alves, só assim ficam bem formados, devia acontecer o mesmo com todos os aviadores. Sabe-se que não acontece isto em parte nenhuma, mas admito que então ficassem em muito melhores condições de ciência e do consciência. Simplesmente, «o levam quatro ou cinco anos a formar e nós temos de cumprir obrigações que nos resultam do Pacto do Atlântico em data que não ultrapassa 1954, como havemos de formá-los para cumprir as obrigações que tenhamos assumido ou estejamos para assumir? A isto não foi dada qualquer resposta.
O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª dá-me licença para uma pequena observação?
E que para se fazer um oficial aviador naval não são bem precisos cinco anos. Depois de ele ser. oficial é que vai para a aviação naval. É entre a oficialidade naval que vão recrutar-se os respectivos pilotos, e então não são necessários senão dois anos.
O Orador: - Isso é exactamente o que eu estou a dizer.
O Sr. Manuel Vaz: - Então estamos de acordo.
O Orador: - Mas o meu argumento permanece de pé: são precisos dois anos e meio para se ser oficial de marinha e mais outros tantos para se ser aviador.
O Sr. Quelhas Lima: - Se se reconhece, e parece que esse consenso existe, que os métodos operativos do
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aviador naval na luta anti-submarina exigem um alto grau de especialização, que só pode ser atingido sendo esse aviador oficial naval, temos de concluir esta coisa dramática: tudo o que for oferecido à Marinha que não tenha esta base não dá garantia de que as costas sejam protegidas.
O Orador: - Mas eu só ponho o problema nessa base como processo dialéctico, para mostrar que realmente nós não deveríamos ir para essa solução.
Suponho que não tom razão, e a experiência o demonstrará, aqueles que entendem que só oficiais da Marinha é que poderão vir a ser aviadores de cooperação naval. Se não há já oficiais da Marinha em número suficiente para com eles se constituírem as forças aéreas de cooperação naval, como vamos cumprir as obrigações que assumimos por virtude do Pacto?
E depois a solução contrária à que propugno não deixa ao aviador o capítulo mais heróico, mais aliciante para um rapaz - a aviação de caça. Com 24 anos começa-se a estar velho para ela!
Perguntou-se aqui se teriam sido ouvidos sobre a matéria os altos organismos.
O Sr. Botelho Moniz: - O Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Orador: - Sobre a matéria já respondi o que no momento me pareceu indispensável responder. Agora vou acrescentar alguma coisa mais; vou acrescentar que não há dúvida nenhuma de que sobre a matéria foram ouvidos todos os Ministérios interessados. É claro que podem não ter sido aceites as soluções que propugnaram, mas foram consideradas por quem, pela posição que ocupa, está naturalmente em condições de poder considerá-las.
E só depois de consideradas é que só tomou em definitivo a posição que o Governo manifestou na proposta.
Se agora os Ministérios consultados ouviram os altos organismos ou não ouviram, não me cabe dizê-lo aqui; não digo que me caiba ignorá-lo, mas é certo que não me cabe dizê-lo aqui.
Falou ainda o Sr. Deputado Botelho Moniz na protecção à nossa marinha mercante.
Não consegui ler completamente o papel a que aludiu e que me chegou às mãos só aqui. Não o posso discutir, por isso.
O Sr. Deputado Botelho Moniz aludiu à protecção de centenas de milhares de toneladas da nossa marinha mercante.
O Sr. Botelho Moniz: - 500:000 toneladas.
O Orador: - S. Ex.ª disse que é indispensável a protecção dessa marinha, e para isso deve a nossa marinha de guerra dispor dó que no dizer do Sr. Comandante Quelhas Lima representa como que uma arma de bordo.
O Sr. Quelhas Lima: - É que a frota de guerra só existe para esse efeito, pois o resto era uma coisa caríssima que não tem interesse nenhum.
A política do Governo é insofismável: a marinha mercante está no mar, e a frota de guerra só existe para a cobrir, e para mais nada.
É esta a política que temos. O axioma é este.
O Orador: - Aceito o problema assim. Simplesmente, como nós não temos, como não podemos ter, aviação embarcada, é também certo que só podemos operar de bases de terra, e, portanto, é certo que não podemos levar a protecção que devemos à nossa marinha mercante senão dentro de certas zonas.
Há-de, portanto, estar previsto como será protegida a nossa marinha mercante para além destas zonas, e é evidente que, se não somos nós que podemos protegê-la, a nós cabe procurar os acordos que conduzam a que ela o seja.
Isto suponho que é suficiente para mostrar que na solução da proposta e na solução da Comissão de Defesa Nacional estão postos os elementos indiscutivelmente indispensáveis para protegermos a nossa marinha mercante dentro da zona em que a podemos proteger por nós.
Nestas condições, Sr. Presidente, eu insisto porque se vote a proposta do alteração da Comissão de Defesa Nacional, perfilhada por unanimidade pela Comissão de Política e Administração Geral, porque com essa proposta entendo que se dá satisfação suficiente às exigências técnicas e políticas que podem ser fiscalizadas, e que, se se não dá satisfação, como eu tanto desejaria, às ansiedades da Marinha, isso nau é culpa minha, mas do que entendo ser o interesse nacional, pois que, se estivesse na minha mão dar-lhes satisfação, preencher mesmo o vácuo sentimental que elas deixam, eu lha daria.
Não é pelo interesse próprio dos oficiais da Marinha - eu sei muito bem que não é - que a Marinha se bate.
Sei muito bem que poderiam ficar muitos desses oficiais ou quase todos em posição mais vantajosa, não propriamente com a solução que elos defendem, mas com a da completa independência dos exércitos do ar, do mar e de terra.
Sei portanto que não é a mesquinhez do interesse vulgar que os determinou a optar por esta solução. Suponho que não tem razão isso é outra coisa -, mas respeito que tenham pleiteado por tal solução.
Tenho dito.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: vou dizer à Câmara duas palavras muito simples sobre o motivo por que se apela para a Assembleia para que vote a proposta da Comissão de Defesa Nacional. Se se diz que ela deve ser votada porque podem faltar oficiais de marinha para pilotos da aviação de cooperação com a Marinha; se se evocou o Pacto do Atlântico referindo-se ao ano de 1954, e se se disse que pode não haver oficiais em número suficiente, eu respondo: se não os houver efectivamente dentro da economia da minha proposta, podem perfeitamente ir para as forças de cooperação naval com a Marinha. A diferença essencial é entre colocação à disposição do Ministério da Marinha para simples instrução operacional ou colocação à disposição do Ministério da Marinha para comando militar efectivo, com todas as suas consequências, porque é muito diferente a força de empréstimo e a força que é propriamente da Marinha.
E, Sr. Presidente, não quero tomar mais tempo à Assembleia porque julgo que ela compreende perfeitamente o que é instrução operacional, o que, aliás, não é tudo na vida militar. Nesta há uma coisa que se chama a comando». E é precisamente esse comando que a Marinha quer ter sobre a sua aviação, porque sem ele ela não pode ser eficiente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Manuel Vaz: - Neste debute não vou tratar de questões técnicas porque, sinceramente confesso, quase inteiramente as desconheço. E não só questões técnicas de ordem militar, mas também as de natureza constitucional. Não sei, nem isso me interessa saber, se, porventura, o Governo poderia, fora do período legislativo, decretar as propostas que estamos a discutir. Isso não
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interessa para o problema em discussão. A mim interessa-me apenas focar a minha posição neste debate.
Duas ordens de razões me levam a não perfilhar a doutrina da proposta governamental, bem como a da Comissão de Defesa Nacional, preferindo a estas a proposta apresentada pelo ilustre Deputado Botelho Moniz, se bem que esta ainda não satisfaça inteiramente a minha consciência de português.
O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!
O Orador: - E porque assim penso? Porque na alma de todos os portugueses existe o sentido do mar, a tentação do mar, a vocação do mar.
O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!
O Orador: - E foi esse sentido, essa tentação e essa vocação do mar que nos deram um Império e é a razão de ser da nossa existência nacional.
O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!
O Orador: - Deram-nos também esse sentido, essa tentação e essa vocação uma epopeia como outra não possuem as nações modernas.
Esta é a razão sentimental que me leva, incondicionalmente, a pôr-me ao lado daqueles que defendem uma aviação naval autónoma, independente.
Eu não compreendo que um organismo amputado possa viver uma vida absolutamente normal.
Toda a amputação representa uma coisa dolorosa, e a amputação dum órgão torna o organismo amputado defeituoso. Mas há mais, e como disse de princípio, eu não conheço nada do técnica; todavia, na primeira grande guerra, e isso são realidades, surgiu um poder novo, o poder submarino. Ele mostrou toda a sua eficiência, porque as forças dos diversos Estados estavam até aí reduzidas ao exército de terra e à Marinha. O aparecimento desta nova arma de combate veio criar problemas novos e mostrar que, além do Exército e além dos navios de superfície, outras armas podia haver que inutilizassem esta.
Com a segunda grande guerra surgiu o poderio aéreo. São factos que toda a gente conhece, até leigos como eu, pelo que se tornava indispensável ao navio do superfície a protecção aérea de uma aviação, da sua aviação.
Pode dizer-se, e eu já ouvi aqui discutir, que havia talvez um equívoco ao confundir poder naval com poder aéreo. O poder naval está Intimamente ligado ao poder aéreo, II força aérea, para poder exercer a sua função, função essa que é a de defender as zonas focais dos portos para que neles possam .entrar ou sair os barcos que os demandem, e essa protecção havia de abranger a cobertura das rotas marítimas que é preciso assegurar.
Eu sei (disse-o o ilustre leader desta Câmara) que nós não temos uma força aeronaval para cobrir, para defender ou proteger eficientemente os nossos barcos, mas temos talvez aquela que é indispensável para acompanhar os nossos barcos até às zonas em que outros navios ou barcos os hão-de defender pela força dos tratados internacionais a que estamos ligados. De resto, eu disse que não concordava com a proposta do Governo porque afinal, por exemplo, na alínea 3.a do artigo em referência, ficam dependentes e à disposição do Subsecretariado todas as forças e meios de defesa contra aeronaves, orgânica e administrativamente dependentes dos Ministérios do Exército e da Marinha. A questão moral está no facto de se saber quais os objectivos que devem ser submetidos à protecção das forças navais. À Marinha não interessa a sua defesa própria, mas sim a defesa da
função que lhe está confiada e sem a qual ela não tem razão de ser.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, a proposta de alteração da Comissão de Defesa Nacional não representa outra coisa que não seja um empréstimo, um generoso empréstimo à Marinha.
Põe-se à disposição dela forças aéreas. Para quê?
Para o seu emprego em tempo de guerra; e, em tempo de paz, para efeitos de instrução. Fora disso, a Marinha fica amputada da sua aviação.
Nestas condições, declaro que não posso votar nem perfilhar a opinião da proposta governamental, como não posso perfilhar a opinião da Comissão de Defesa Nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sousa Rosal: - listava muito longe de supor que teria de falar novamente sobre as propostas em discussão. Porém, parece-me que o problema tem sido deslocado do campo onde devia ter sido discutido para se encaminhar profundamente no sentido do emocional e do técnico, o que acentuadamente se está a verificar na discussão deste artigo 7.º e é o que me leva a dizer ainda duas palavras. Quanto a mim o problema é, no fundo, um problema de administração o de comando: o técnico tem nele o seu lugar, mas não de maneira preponderante.
As razões emotivas são talvez as mais aliciantes, mas elas perturbam completamente toda a nossa vida funcional e tocam subtilmente o pensamento.
Estou neste momento a lembrar aquilo que disse uma vez Clemenceau, o homem que foi um dos construtores da vitória aliada na primeira guerra mundial. Tendo-lhe alguém perguntado porque é que queria ser enterrado de pé, respondeu: «Porque- quero, mesmo depois de morto, conservar a cabeça acima do coração».
Neste momento, em que temos de deliberar, mantenhamos a cabeça bem acima do coração.
O problema técnico, que tem apaixonado quase todos, não é argumento único e decisivo a ser respeitado- nas nossas deliberações.
Temos de nos pôr um pouco mais acima e procurar ver quais foram as intenções que o Governo teve em vista colocando no Subsecretariado da Aeronáutica Militar todas as forças de aviação.
Concentrar, para ser mais eficiente no dirigir e mais económico no administrar, os recursos materiais e humanos, como norma geral de governo, no esquema pensado para a defesa nacional nas presentes circunstâncias.
Não podemos deixar de considerar o Exército, no seu aspecto administrativo, como uma grande empresa, a maior das empresas do Mundo, não só em volume e intensidade, mas também em complexidade. Basta lembrar que no Dia da Vitória o exército americano tinha em pé de guerra 8.300:000 homens e a maior empresa conhecida no Mundo, a General Motors Corporation, dispõe apenas de 500:000.
Henri Faiol, no seu livro Administratton Industrielle et Générale divide toda a acção de uma empresa em actividades administrativas, técnicas, comerciais, financeiras, de segurança e de contabilidade, concluindo que no escalão directivo a administrativa é da ordem dos 50 por cento do labor total.
Este ângulo do problema parece que passou despercebido ao ilustre Deputado Botelho Moniz, que tem estado a apreciar as propostas com tanta paixão e entendimento.
Pois sendo um homem com os pés bem assentes em terra e no seio de uma grande empresa, não o teve na devida conta no seu entusiasmo de voar.
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O Sr. Botelho Moniz: - E justamente a minha experiência de muitos anos na administração de grandes empresas que me leva a tomar atitudes que, às vezes, parecem estranhas aos leigos ou menos experimentados. Foi o que sucedeu em relação ao condicionamento industrial e está acontecendo relativamente ao assunto em discussão.
Acima de tudo, pretendo que toda a administração dê como resultado a eficiência dos serviços.
Penso desta forma como chefe que sou. Sei que, se pretender centralizar demasiadamente a direcção ou comando, conduzirei a empresa à ruína.
Ainda ontem à noite o argumento que V. Ex.ª acaba de empregar me foi apresentado também pelo Digno Procurador à Câmara Corporativa Sr. Coronel Humberto Delgado. Estranhou que eu tomasse esta atitude, apesar da minha experiência de centralizações industriais. Respondi-lhe que não só tenho a prática de centralizações, mas também conheço a necessidade de descentralização, isto é, de dar a cada órgão fabril ou comercial a noção das suas responsabilidades e os meios de ser eficaz.
O que V. Ex.ª propõe quanto à aviação naval seria o mesmo que amputar a uma fábrica parte das máquinas ou serviços que ela necessita para trabalhar e os fosse enxertar noutro ponto onde essa parte não ficasse bem.
Tentamos conseguir a eficiência da Marinha e da aviação naval. Separá-las seria como se separássemos a indústria de super fosfatos da fabricação do ácido sulfúrico, que lhe é indispensável. Dal resultaria produto muito mais caro ou pior fabricado.
Conceito: nuns casos é preciso centralizar, noutros descentralizar. A ciência de organizar não se confina em. regras absolutas.. A diferença que existe entre o bom e o mau chefe, entro o bom e o mau orientador geral, provém do encontrar ou não o segredo do meio termo: é saber ou não saber até que grau devo ir a centralização.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª ter-me dado motivo para completar o meu pensamento.
Evidentemente que eu não defendo a centralização completa, mas a centralização na direcção e na decisão e descentralização na execução, e no articulado da proposta de lei apresentada pelo Governo eu não vejo lá nada que possa contrariar a descentralização que for precisa.
Eu seria incapaz de defender uma proposta de lei se me convencesse de que estaria a prejudicar a eficiência de um ramo da força armada que é absolutamente essencial para a defesa da Nação, mas estou convencido, pelo que diz o artigo 7.º da proposta n.º 186, que estamos a discutir, no segundo período, que passo a ler:
Desde o tempo de paz serão, sob .a égide do Ministro da Defesa Nacional, acordadas entre o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e os Ministérios do Exército e da Marinha as disposições relativas à cooperação com as forças terrestres e navais;
que tudo será devidamente considerado, mesmo o técnico, para o que a Comissão de Defesa Nacional lhe introduziu um expressivo parágrafo.
Eu não posso admitir que a acção colaborante destas entidades se exerça num sentido prejudicial à Marinha e antes estou inteiramente convencido de que serão tomadas todas as disposições indispensáveis para que a Marinha se prepare em tempo de paz para desempenhar cabalmente a sua função em tempo de guerra.
Sr. Presidente: para terminar este ligeiro apontamento, direi que não entendo nem sinto que o artigo 7.º da proposta de lei n.º 186 com a alteração proposta pela Comissão de Defesa Nacional possa impedir que a Marinha só apronte para desempenhar a sua missão aero-naval com eficiência.
Se assim não fosse, eu seria contrário à sua aprovação.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
Em primeiro lugar vai proceder-se à votação do corpo do artigo 7.º e do segundo período, sobre os quais não há nenhuma divergência na Assembleia.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se agora à votação do aditamento proposto pela Comissão de Defesa Nacional.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Botelho Moniz: - Requeiro a contagem.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à contagem.
Pausa.
O Sr. Presidente: - A contagem feita na Mesa acusa a presença de 60 Srs. Deputados.
Não ha, portanto, maioria para se fazer a votação.
Terá, pois, de se proceder à chamada dos Srs. Deputados.
Fez-se a chamada.
Responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Carnes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos lieis Júnior.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
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Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
Não responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alexandre Alberto de Sousa. Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa..
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
O Sr. Presidente: - À chamada responderam 59 Srs. Deputados. Não há, portanto, número para que a Assembleia possa prosseguir na ordem do dia.
Vou, pois, encerrar a sessão, e a discussão das propostas de lei, dada para a ordem do dia da sessão de hoje, continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Jacinto Ferreira.
António Pinto de Meireles Barriga.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António de Sousa da Câmara.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA