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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

ANO DE 1952 5 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 149 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 4 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 18 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 147 do Diário das Sessões -, com emendas propostas pelos Srs. Deputados António de Almeida e Bartolomeu Gromicho.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa, acerca da proposta de lei relativa às normas de utilização das viaturas automóveis oficiais.
Deu-se conta do expediente.
Usou da palavra o Sr. Deputado Mendes Correia acerca da situação de pensionistas e reformados.

Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Sá Carneiro relativo à publicação do decreto que alterou em parte a lei do registo e do notariado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Paulo Cancela de Abreu, Mendes Correia, Sá Carneiro e Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 30/V, acerca da proposta de lei n.ºs 214 (normas a observar na atribuição e utilização de viaturas ligeiras e automóveis oficiais).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 12 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.

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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 18 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 147 do Diário das Sessões.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: pedi II palavra para fazer a seguinte rectificação: ao período compreendido entre as 1. 19.º e 21.º da p. 639 do Diário das Sessões n.º 147, de 3 corrente, falta a parte final. O referido período ficará bem assim: «Infelizmente, o Sr. Deputado Carlos Mantero não forneceu esses preciosos informes, razão por que os seus argumentos são destituídos de valor demonstrativo e convincente».

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 147: a p. 642, col. 1.ª, 1. 6Õ.a, onde se lê: «assim uma espécie», deve ler-se: «assim uma espécie de invisíveis como nas cambiais».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário das Sessões, considero-o aprovado com as reclamações apresentadas.
Vai ler-se de novo o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Mantero na sessão de ontem, para sanar o anterior, que vinha assinado apenas por cinco Srs. Deputados.
Foi lido. É o seguinte:

«Nos termos e para os efeitos constitucionais, requeremos que o Decreto-Lei n.º 38:704, publicado no Diário do Governo de 29 de Março de 1952, seja submetido à aprovação da Assembleia Nacional.

Sala das Sessões, 4 de Abril de 1952. - Carlos Mantero, Carlos Monteiro do Amaral Neto, Francisco Cardoso de Melo Machado, Carlos de Azevedo Mendes, Vasco Mourão, António Abrantes Tavares, Alberto Cruz, José Diogo de Mascarenhas Galvão, José Cardoso de Matos o Jorge Botelho Moniz.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei relativa às normas a observar na atribuição e utilização de viaturas ligeiras e automóveis oficiais.
Vai baixar às Comissões de Legislação e Redacção e Política e Administração Geral e Local.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Ofício

Do presidente da direcção do Grémio da Lavoura do Porto a acompanhar cópia da exposição* apresentada ao Sr. Ministro da Economia pelos Grémios da Lavoura do Norte e Centro do País, exposição na qual se exprime o pensamento e aspiração da organização corporativa e da agricultura no que respeita à futura regulamentação da base VI da lei do condicionamento das indústrias e se pede sejam considerados libertos, quando explorados sob a forma de cooperativas, os ramos industriais adiante discriminados, a titulo de exemplo, reintegrando-as no regime da livre empresa, que é base da economia nacional, segundo se afirma no relatório do Decreto-Lei n.º 38:143, de 30 de Dezembro de 1950:

1) Indústria de destilações de resina (gema), pelo menos na sua fase primária;
2) Indústria de descasque de arroz ou de cevada; 3) Conservas de produtos de origem animal; 4Ï Conservas de produtos de origem vegetal; 5) Indústria de preparação de sumos de frutos;
3) Moagem de cereais;
7) Indústria de manteiga e queijos;
8) Lagares e refinação de azeite;
9) Indústria de álcool e aguardente;
10) Preparação de farinhas para alimentação animal;
11) Preparação de adubos mistos;
12) Vinhos espumantes e espumosos gasificados;
13) Produção de vinagre;
14) Indústria do linho e do cânhamo, incluindo a maceração;
15) Indústria de lanifícios até à penteação;
16) Indústria de malhas;
17) Serração de madeiras o aproveitamento dos subprodutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mendes Correia.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção das instâncias competentes para a situação das pensionistas e reformados em certos sectores da Administração. Quero referir-me em primeiro lugar à situação deplorável em que se acham as pensionistas de funcionários inscritos no Montepio dos Servi-

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dores do Estado, funcionários que faleceram antes da reforma desse Montepio, em 1934.
Alguns desses serventuários do Estado prestaram os maiores serviços ao País; pois hoje as suas viúvas e os seus filhos têm pensões mínimas, que não sofrem comparação com as pensões recebidas por aqueles que sobreviveram além de 1934, e, no entanto, esses funcionários pagaram as suas quotas em moeda valorizada em relação à actual; seria justo que as pensões fossem revistas dentro de um critério de equidade e de justiça.
Devo dizer que algumas dessas pensionistas vêem constantemente, com a aplicação das percentagens para aumentos, amplificada a desproporção entre o que auferem e o que recebem outras pensionistas mais actualizadas.
O sistema das percentagens pode ser prático e cómodo no ponto de vista contabilístico, mas julgo que, desde que não se ponderem as circunstâncias especiais de certas categorias, se pode converter numa grande injustiça relativa, pela ampliação das diferenças existentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diz-me numa carta a viúva de um ilustre oficial que valorosamente serviu este país nos campos de batalha o seguinte: «o caso de meu pai é o de todos os sócios mortos até à data da depreciação da moeda, ou pouco mais. Pagaram mais do que pagam os sócios actuais e suas filhas e viúvas recebem a sétima ou a oitava parte do que recebem as outras».
Julgo que a simples menção deste farto bastará para* que ele suscite a tenção de quem de direito. Eu sei que o Montepio dos Servidores do Estado, anexo à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, tom dificuldades na sua vida financeira, mas creio que não ficaria mal ao Estado fornecer-lhe mais amplos meios para a solução de desigualdades que se convertem em verdadeiras desumanidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro assunto no mesmo género sobro o qual eu desejo chamar a atenção da Câmara e das entidades competentes é o da situação dos funcionários aposentados do ultramar que residem na metrópole e que é de flagrante desigualdade comparada com a dos funcionários metropolitanos. Ao passo que estes, quando passam à situação de aposentados contando o tempo máximo de serviço, sofrem apenas uma redução de 30 por cento no suplemento de vencimento, ou seja cerca de 16 por cento de vencimento total no activo, os do ultramar em iguais condições sofrem uma redução muito maior, chegando, em alguns casos, a não perceber metade do que venciam quando estavam no activo.
Assim, um engenheiro de 1.ª classe, que em Angola vence por mês ang 7.187,00 e em Moçambique 7.500$, quando se aposenta e fica residindo na metrópole tem a pensão máxima de 3.456$.
Um médico de 1.ª classe, que em Moçambique tem o vencimento mensal de 7.920-5, em Angola ang. 5.000,00 e na Guiné 4.875$, se se aposenta com o tempo máximo de serviço e fixa residência na metrópole tem a pensão total ilíquida de 3.297,560.
E um primeiro-oficial, que em Moçambique ganha mensalmente 5.2805, tem na metrópole, como aposentado, a pensão máxima de 2.505$.
Isto sucede em relação a muitas outras classes de funcionários.
Mas, se atentarmos especialmente em algumas categorias de funcionários, a desigualdade passa a ser clamorosa, pois o funcionário do ultramar, que no activo percebia vencimentos muito superiores aos do funcionário
metropolitano correspondente, passa, quando aposentado, a receber uma pensão inferior.
Um juiz de 1.ª instância, que vence na metrópole 6.650,*$, 5.700$ ou 4.750$, conforme é de 1.ª, 2.ª ou 3.ª classe, aposenta-se com a pensão de 5.600$, 4.800$ ou 4.000$, respectivamente.
Pois um juiz do ultramar, que em Moçambique tem o vencimento de 9.240$ e em Angola ang. 6.875,00, recebe de pensão de aposentação na metrópole apenas 3.614540.
Um professor de liceu aposenta-se na metrópole com 4.400$ ou 3.600$ mensais, consoante tiver três ou duas diuturnidades. Mas, se se aposenta pelo ultramar, fica apenas com a pensão máxima de 3.139&20, qualquer que seja o número de diuturnidades que tiver.
Isto porque, enquanto na metrópole as diuturnidades aumentam o vencimento de categoria, no ultramar, para os professores de liceu, só contam para o vencimento de exercício, como foi ainda recentemente confirmado pelo Decreto n.º 38:678, de 17 do corrente.
Não vemos explicação para o facto, quando é certo que no próprio sistema de vencimentos do ultramar se admite, para algumas classes, como os médicos, os engenheiros e os professores primários, que as diuturnidades modifiquem a categoria do funcionário.
A distribuição de funcionalismo ultramarino por classes, feita pelo Decreto n.º 20:260, de 31 de Agosto de 1931, não satisfaz. Necessita de se aproximar, quanto possível, da que foi estabelecida na metrópole pelo Decreto-Lei n.º 26:115, de 1935.
As instâncias superiores já o reconheceram e está-se estudando a remodelação do Decreto n.º 20:260. Mas importa que esse trabalho, que se iniciou há pelo menos cinco anos, se conclua rapidamente e se transforme em providência legislativa, por uma razão de justiça e do humanidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Sá Carneiro relativo à publicação do decreto que alterou em parte a lei sobre os serviços de registo e do notariado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: não era meu propósito intervir neste debate, e se o faço imprevistamente é em primeiro lugar porque não estão em discussão as pessoas, seja qual for a sua categoria e posição, nem a sua dignidade ou o seu prestígio pessoal.
Em segundo lugar porque ouvi ontem ler nesta Assembleia uma exposição enviada através do nobre Presidente do Conselho, que feriu a minha susceptibilidade de jurista e de parlamentar.
Mas há uma questão prévia que eu desde já excluo em absoluto: é a de que da parte do Governo tivesse havido o propósito de agravar a Assembleia Nacional. Recuso-me a aceitar esta hipótese; repito-a até em nome do prestígio do próprio Estado.
Mas, Sr. Presidente -e é isto que aqui me traz - sinto-me diminuído, sinto-me inferiorizado na minha função parlamentar.
E considero diminuídos cada um, dos membros desta Assembleia, e nomeadamente aqueles que, com brilho,

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competência e entusiasmo, intervieram no debate e defenderam o ponto de vista do Governo sobre a matéria que originou este incidente.
Usaram largamente da palavra, não só o Digno Deputado que é aqui o intérprete do pensamento do Governo, mas também outros jurisconsultos em evidência, e tenho a certeza de que SS. Exas. e V. Exas, Sr. Presidente, se porventura vissem nas disposições que se discutiam e que originaram o incidente qualquer ofensa ou agravo aos preceitos constitucionais o teriam revelado à Assembleia.
Salvo o devido respeito, considero as explicações que ouvi ler insubsistentes e absolutamente contraditórias com a realidade doutros actos e com atitudes precedentes do Governo.
Podia limitar-me a perguntar ao Governo, que agora sente tantos melindres constitucionais, se não está em vigor o artigo 109.º da Constituição, que regula e limita a sua competência; ou podia limitar-me a perguntar-lhe só não está em vigor o artigo 123.º, que atribui só à Assembleia Nacional e ao Poder Judicial, e não ao Poder Executivo, a apreciação da constitucionalidade dos diplomas legislativos.
Que inversão é esta de funções?! É o Poder Legislativo que fiscaliza o Executivo, ou é o Poder Executivo que fiscaliza o Legislativo ?!...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sim. De que serve o preceito do n.º 2.º do artigo 91.º, estabelecendo a competência da Assembleia Nacional para vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo?
Era natural que na exposição dissesse qual o preceito que lhe dá a atribuição que se arroga sobre uma foi votada na Assembleia Nacional, promulgada pelo Chefe do Estado e publicada no Diário do Governo.
E não tem o Governo, ele próprio, infringido negligentemente o preceito constitucional, bem expresso no § 4.º do artigo 109.º, que manda publicar, quando necessários, os decretos regulamentares no prazo de seis meses?
O caso em discussão, em si, é dos menos graves e talvez não se justifique o ruído feito à sua volta, quando o comparamos com os precedentes. Era um caso 'de mais ou menos cartórios notariais, embora seja legítimo que, para comodidade dos povos, se mantenham as regalias que eles já possuíam.
Tem, na verdade, havido factos muito mais graves.
Já ontem aqui foi referida a Lei n.º 2:039, de amnistia o reintegrações. O Governo, se entendia que ela precisava de ser regulamentada, devia publicar o respectivo regulamento no prazo de seis meses, e todavia só cerca de um ano depois veio com um decreto, em parte regulamentar, que alterou profundamente essa lei e que originou - posso afirmá-lo terminantemente injustiças clamorosas, de que são eco reclamações e protestos que tem chegado ao Governo e a todos nós às centenas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e por completo alterou o texto e desvirtuou o pensamento generoso de uma lei que tanto nobilitara a Assembleia Nacional.
Facto mais grave é também o de terem sido publicadas há muitos anos leis nunca regulamentadas - como a da fiscalização das sociedades anónimas e a que se ocupa da presença de menores nos espectáculos públicos, cuja regulamentação o ilustre Deputado Mons. Santos Carreto há muito vem reclamando baldadamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente - repito -, o caso em referência,, se não fora o grave aspecto especial que o revestiu, podia quase ser considerado tempestade num copo de água, em confronto com os outros que acabo de exemplificar.
Terminando: recuso-me a atribuir ao Governo o propósito de agravar a Assembleia Nacional. Não, não temos este direito, porque, se assim não sucedesse, era caso de clamarmos bem alto: ou ele ou nós, porque não podíamos jamais trabalhar juntos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: não há em mim o menor azedume, mas apenas profunda tristeza, ao subir hoje a esta tribuna. Faço-o, porém, por um dever de consciência e porque mais de uma vez protestei aqui contra a asserção frequente de que esta Assembleia não é mais do que uma simples chancela do Poder.
Várias vezes afirmei a independência de critério que nos é garantida na nossa acção parlamentar. Não me movem antipatias ou divergências fundamentais contra quem quer que seja dentro desta Casa e nas instâncias governativas. Pelo contrário, orgulho-me de ter dado, em várias emergências, uma colaboração que é modesta, mas serena, consciente e bem intencionada.
Operou-se, uma inversão de poderes constitucionais, com as mais sérias repercussões políticas. Pelo § 2.º do artigo 91.º da Constituição compete à Assembleia Nacional vigiar pelo cumprimento da Constituição e apreciar os actos do Governo.
O n.º 4.º do artigo 109.º atribui ao Governo o dever de fazer executar as leis e as resoluções da Assembleia Nacional, não havendo na competência constitucional do Governo nada que o autorize a sobrepor-se às decisões da Assembleia ou a apreciá-las.
Assim, é anticonstitucional aquilo que ontem se leu nesta Casa emanado do Sr. Ministro da Justiça.
Como Deputado e como português, protesto contra u atitude dum membro do Governo pretendendo julgar da constitucionalidade duma deliberação da Assembleia, e vejo, não apenas na revogação que se fez de disposições legais quarenta e oito horas após a sua promulgação, mas também no documento que foi lido aqui, mais do que um agravo à Assembleia e, individualmente, aos Deputados, mais do que uma ofensa de preceitos constitucionais - um erro político de sérias consequências, pois, se todos desejamos um Governo forte, não cremos que essa força se adquira no desprestígio ou amesquinhamento dum órgão da soberania nacional, duma instituição em que assenta a actual estrutura política do Estado.
Tenho como certo que nenhum parlamento do Mundo aceitaria esta situação. Se folgamos deveras em que entre nós os Governos não estejam à merco de frequentes votações parlamentares, também não queremos que o Parlamento se converta numa simples fórmula, em mera aparência.
No documento aqui lido poderiam existir expressões de acatamento e deferência que atenuassem a gravidade do ocorrido. Preferiu-se reduzir a representação nacional à condição de escolares, aos quais, indulgentemente, se aponta um lapso ou um erro.
Por mim, não aceito essa situação. Protesto vivamente e, para bem da situação política a que dei a minha modesta cooperação, apelo para os chefes do Estado e do Governo no sentido de que se encontre a solução satisfatória do assunta, nos termos constitucionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: após a minha intervenção de ontem foi lida a resposta do Sr. Ministro da Justiça e falaram diversos membros desta Assembleia. Procurarei referir-me sucintamente aos novos elementos da discussão.
A resposta ministerial é uma carta particular - nem sequer escrita a bem da Nação - que aquele Sr. Ministro escreveu, em 5 de Fevereiro último, ao Sr. Presidente do Conselho, que, por despacho de 1 do corrente mês de Abril - dia dos enganos -, a mandou remeter a esta Assembleia, nos termos do artigo 113.º da Constituição Política. Estou convencido de que, se o Ministro visado imaginasse que a sua resposta nos seria presente, a teria redigido de outro modo. Apesar de tudo, faço-lhe essa justiça.
Analisemos, porém, aquela carta.
Afirma-se nela que as emendas sugeridas pela Câmara Corporativa acarretariam aumento de desejosa de cerca de 6:800 contos e que a Assembleia Nacional não discutiu ou rejeitou a maioria dessas emendas.
Esta passagem da epístola ministerial poderia fazer supor que o doutíssimo parecer da Câmara Corporativa foi, pura e simplesmente, desprezado por nós.
Ora a Comissão de Legislação estudou atentamente o mesmo parecer, ao qual me referi, com palavras sinceras, na sessão de 9 de Março; e a Comissão propôs que se adoptassem muitos dos textos sugeridos. Um grupo de Deputados, nessa mesma sessão, perfilhou diversas sugestões do parecer, reduzindo depois o âmbito da proposta.
E na sessão de 14 de Março o nosso distinto colega Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu prestou também ao trabalho da Câmara Corporativa a homenagem devida.
Não é portanto exacto que ao parecer deixasse de atender-se; como diversos oradores notaram, ele supriu até a falta de relatório, tão insistentemente notada na reforma.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a Comissão de Legislação, repito, estudou o parecer com o maior cuidado, perfilhando, como já disse, diversas sugestões do mesmo e justificando a não aceitação de outras.
Prosseguindo no exame da carta:

Traz ela à colação o ocorrido em 1936 e em 1945 - naquele ano a propósito de um projecto do Sr. Engenheiro Cancela de Abreu para a criação de novo feriado nacional e em 1945 acerca de um parágrafo que o Governo propunha se aditasse ao artigo 97.º
Em ambas essas hipóteses surgiu o problema de o citado artigo vedar apenas o aumento directo de despesas, por efeito de projecto de lei ou proposta de emenda, ou também o aumento indirecto ou reflexo.
Da primeira vez a questão não foi apreciada, visto o projecto ter sido retirado. Da segunda a Assembleia não votou a proposta do Governo, conformando-se com a tese da Câmara Corporativa.
Entendo, porém, que não valia a pena reproduzir tão largas passagens do parecer e dos discursos então feitos, pois tudo isso é alheio ao caso dos cartórios notariais extintos por força da reforma de 1949.
Admito que da manutenção deles não resulte a diminuição da despesa que a reforma, nesse ponto, visava a conseguir, embora noutros aumentasse muito a despesa.
Mas nego que a Assembleia estivesse inibida de votar como votou.
E, acima de tudo, tenho de considerar ofensiva para a Assembleia a hipótese de que esta haja esquecido um preceito basilar da Constituição, o seu artigo 97.º
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Na sessão de 14 de Março sustentei que o restabelecimento de qualquer dos cartórios não constantes do mapa a que se refere o artigo 253.º do Código do Notariado de 1935 «violaria o artigo 97.º da Constituição Política, que veda à apresentação de propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores» (Diário doa Sessões n.º 84, p. 614).
E, em resposta a uma observação do ilustre Deputado Salvador Teixeira, que perguntava se, funcionando esses cartórios à data da reforma, não poderiam ser mantidos, repeti que não, «porque o artigo 97.º da Constituição o veda». (Ibidem].
A hipótese de um esquecimento atinge toda a Câmara, a começar pelo ilustre Presidente, que, pela sua inteligência, conhecimento dos problemas constitucionais e atenção solícita, seria incapaz de admitir proposta que ofendesse o artigo 97.º

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Magoa-me, como relator da Comissão de Legislação, pois, a ter-se verificado o esquecimento que a resposta admite, eu teria descuidado o cumprimento dos meus deveres. Se a Comissão não tivesse ponderado o problema da constitucionalidade da manutenção daqueles cartórios isso envolveria falta de cuidado por parte dela.
E nem sequer o Sr. Ministro da Justiça estaria isento de culpa no suposto lapso ou esquecimento, pois, como ontem aqui foi dito, o ilustre director-geral dos registos e do Notariado acompanhou os trabalhos da Comissão, sobretudo na última fase dos mesmos, tendo estado em permanente contacto comigo durante a discussão e votação da proposta.
Penso não ser deslocado que, a propósito do Sr. Director-Geral, eu diga uma palavra de apreço por S. Exa., tanto mais que em caso algum isso pode ser levado à conta de espírito louvaminheiro, até porque ele já nem exerce esse cargo, que tanto honrou.
Com todos os seus defeitos, que, com o rodar dos tempos, poderão corrigir-se, a reforma em causa, sem dúvida a melhor obra do actual Ministro da Justiça, representa enorme soma de trabalho. E grande quinhão dele pertence decerto ao Sr. Dr. Manuel Fernandes, cuja inteligência tenho tido ocasião de apreciar em diversas oportunidades e circunstâncias e especialmente durante a votação da Lei n.º 2:049.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aquando da última redacção pudemos verificar que S. Exa., então ausente em missão oficial, não era o único funcionário bem integrado no conhecimento da reforma.
Embora o Ministro; responsável pela má escolha de colaboradores, frua, como é de direito, os benefícios de uma boa escolha, penso que não é despropositado este parêntese em louvor dos que com S. Ex.ª colaboraram nessa obra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, reatando o fio das minhas considerações, repito que, se esquecimento tivesse havido, pelo mesmo seria responsável o próprio Sr. Ministro, através do seu categorizado representante junto da Comissão.
Não houve, porém, olvido do artigo 97.º Foi muito deliberadamente que a Comissão não invocou a inconstitucionalidade da proposta de alteração do artigo 1.º e seus parágrafos apresentada pelos Srs. Deputados José Meneres, Santos Carreto, Colares Pereira, Morais Alçada, Carlos Borges, Salvador Teixeira e Ricardo Durão.

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E possível que, só tivéssemos alegado a inconstitucionalidade dessa proposta, ela não tivesse sido admitida, pois, no entendimento do artigo 97.º, há distinções algo subtis que perturbam.
Mas a Comissão fixara o seu critério o manto vê-se-lhe fiel.
Por minha parte, ainda hoje penso que procedemos bem.
Nas pugnas da inteligência é agradável vencer, mas se com aquela verdade e justiça a que Salazar aludiu num seu discurso.
Suponho que todos estamos de acordo em que não é ao Governo, e sim a esta Assembleia e ao Poder Judicial, que cumpre velar pelo respeito da Constituição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Chefe do Estado - e nessas funções estava, momentaneamente, investido o Sr. Presidente do Conselho, o que só facilitava a não promulgação - podia deixar de publicar a lei, caso entendesse que o encargo resultante da conservação dos falados cartórios era incomportável.
Não deveria, porém, invocar a inconstitucionalidade do diploma.
E nem seria necessária a alegação de razões para a não promulgação, pois bastaria que a lei não fosse promulgada no prazo de quinze dias após a sua remessa à Presidência ida República para que a proposta fosse de novo submetida à apreciação da Assembleia.
Dessa não promulgação não resultaria qualquer inconveniente para a Administração, visto, como ontem frisei, a reforma estar em vigor desde 1 de Janeiro de 1950.
É que reacções de ordem política poderia suscitar essa atitude do Chefe do Estado?
A resposta ministerial põe tais reacções no campo das hipóteses - mas eu não compreendo como elas pudessem surgir.
Reacção derivada da promulgação, só aparente, dos parágrafos que já se pensava revogar, essa era fatal e foi vivíssima.
Ainda quando se adoptasse o processo da promulgação da lei e sua ulterior revogação, esta devia ser justificada, em homenagem a esta Assembleia e no cumprimento daquelas regras de cortesia que sempre devem pautar as relações dos diversos poderes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada, porém, se justificou.
E a resposta ministerial, longe de conter qualquer satisfação à Assembleia, atinge-a ainda mais.
O Sr. Ministro da Justiça, em vez de justificar o acto inédito do Governo, acusa-nos de olvidos e lapsos que jamais existiram.
Para terminar a referência à carta do Sr. Ministro aludirei ao capítulo IV da mesma.
É certo que na reforma havia, inicialmente, o § único do artigo 7.º, declarando que os cartórios que excedessem o número previsto no mapa I seriam extintos à medida que vagassem.
A Comissão, na sessão de 9 de Março, propôs um aditamento a esse parágrafo, que consistiu em, a seguir a «existentes», se intercalarem as palavras anã sede dos concelhos ou fora dela».
E o grupo de Deputados oposicionistas - passe a expressão - propôs que, no § 2.º sugerido pela Câmara Corporativa para o artigo 7.º, se suprimissem as palavras abem como os das freguesias que não venham a ser incluídas no mapa n», e isso porque esses Deputados, em vez de manterem apenas, como a Câmara Corporativa sugeria, os cartórios extra concelhios que tivessem?
certo rendimento, entendiam que deviam subsistir todos os cartórios existentes à data da publicação da reforma.
Foi isto o que a Assembleia votou.
E, consequentemente, tinha de aceitar, como aceitou, a proposta daqueles Deputados quanto ao § 2.º do artigo 7.º, como acentuei na sessão de 15 de Março (Diário das Sessões n.º 85, p. 624).
Deste modo, deixou de existir na lei qualquer preceito que mantivesse, até vagarem, os cartórios extraconcelhios.
A lei apenas admite os concelhios.
Para outros subsistirem até à sua vaga era mister que o Decreto-Lei n.º 38:385 o determinasse.
Nenhum intérprete pode concluir o contrário.
Eu não tinha de colher informações sobre a forma como o decreto-lei de 8 de Agosto fora entendido. Interessava-me apenas o que consta do Diário do Governo.
Se alguns cartórios subsistem por generosidade do Sr. Ministro da Justiça, objectarei que essa vontade, enquanto não for traduzida em diploma legal, não constitui fonte de direito.
O Sr. Ministro da Justiça afirma que a não subsistência dos cartórios notariais extintos por força do Decreto-Lei n.º 38:385 até à extinção dos lugares poderia resultar do argumento a contrario sensu acrescentando que esta interpretação «é sempre perigosa».
Se a Assembleia confrontar o que ontem disse sobre o argumento a contrario sensu e o que escreveu o Sr. Ministro verificará que estamos quase de acordo.
Não é, a meu ver, lícito afirmar que tal argumento seja sempre condenável, pois a doutrina corrente admite a licitude dele para de um preceito excepcional inferir a regra.
A Comissão de Legislação considerou necessário esclarecer que os cartórios extraconcelhios subsistiam até vagarem.
Porém, como foram mantidos todos os que existissem na data da publicação da reforma, deixou de dispor-se na lei que esses subsistiam até se dar a sua vaga.
Mas ficaram os preceitos que declaram concelhia a organização dos registos e do notariado, a começar pelo artigo 1.º
Os cartórios concelhios que excedam o número previsto no mapa I é que são extintos à medida que vagarem, por força do artigo 7.º, § 2.º
Os extraconcelhios acabaram logo que começou a vigorar o Decreto-Lei n.º 38:385.
Para continuarem a existir até à vaga dos mesmos era indispensável que esse diploma o determinasse.
Não há interpretação na lei que permita outro entendimento.
A manutenção desses cartórios até vagarem constitui ilegalidade e tal figura não escasseia no Ministério da Justiça.
Talvez por efeito daquele adágio popular sobre o «espeto de pau em casa de ferreiro», precisamente o departamento do Estado onde maior devia ser o respeito pela lei é aquele em que a legalidade mais se transgrido.
Sem necessidade de me referir a um processo recentemente julgado no Tribunal de Contas acerca dos automóveis em serviço nesse Ministério (e que, só por si, justificaria a moralizadora proposta apresentada pelo Governo), posso apontar o que se passou com o Boletim Oficial do Ministério da Justiça.
Foi ele criado pelo Decreto n.º 30:545, de 27 de Junho de 1940, subscrito por todo o Governo. Era Ministro da Justiça o saudoso - cada vez mais! - Manuel Rodrigues.
Pois em 1947, sem que esse diploma fosse revogado, iniciou-se a publicação de outro Boletim que não é oficial, embora nele apareça, como sinfonia de abertura, uma apresentação do Sr. Dr. Cavaleiro de Ferreira.

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E ainda agora se aguarda que o novo Boletim seja oficializado e legalizado!
Sr. Presidente: tenho de mencionar ainda outra irregularidade na publicação da Lei n.º 2:049 e inobservância do que a Assembleia votou: é a praticada quanto ao mapa II.
Pela reforma havia o mapa I, previsto no corpo do artigo 7.º e referente aos cartórios notariais nos diversos concelhos, e o II, a que se referia o preceito transitório do artigo 14.º, § 5.º, que fazia a classificação dos cartórios enquanto estivesse excedido o número previsto no artigo 7.º
A Câmara Corporativa, porque mantinha alguns cartórios extraconcelhios, substituiu o mapa II do § 5.º do artigo 14.º por um outro donde constassem os cartórios extraconcelhios mantidos sem limite de tempo.
E, por força do artigo 7.º, § 1.º, o Governo devia publicar a relação dos cartórios mantidos nos termos do § 2.º do artigo 1.º, a qual constituiria o mapa II anexo à lei.
Cumpriu o Governo esse voto da Assembleia?
Não cumpriu.
Antes mesmo de revogados os parágrafos que em 8 de Agosto se inutilizaram, o mapa II que acompanha a Lei n.º 2:049 é o mesmo da reforma de 1949, contendo a classificação transitória dos cartórios notariais nos concelhos em que se achava excedido o número fixado no mapa I, segundo o disposto no § 5.º do artigo 14.º da reforma, que a Assembleia não votou!
Quer dizer: mais uma vez se revelou a premeditação no desrespeito da lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Passarei em claro os discursos dos ilustres Deputados que secundaram o meu aviso prévio e vou fazer curta referência ao discurso do eminente leader do Governo nesta Assembleia.
Compreendo a sua posição delicada e não seria nobre da minha parte dificultar-lha ainda mais.
S. Exa. não precisava de mostrar à Assembleia o seu talento, porque dele deu já sobejas provas, quer nesta Câmara, quer em altos cargos que exerceu e nos que exerce, com uma devoção patriótica, desinteresse e afinco no trabalho que fazem dele modelo de homem público.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não está em causa a forma como 8. Exa. desempenha o seu mandato, como ninguém nega a energia com que, pelo menos uma vez, defendeu um Deputado que fora vitima de ataque por acto praticado no desempenho das suas funções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o caso de agora não atinge apenas um Deputado, mas toda a Assembleia. O voto da maioria passou a ser o voto da Câmara.
E não há brilho de argumentação que me convença de que não nos desprestigia um simulacro de promulgação - e mal feita! - da lei, para logo a mesma ser revogada quanto ao ponto que mais apaixonou a Câmara.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No desenvolvimento do seu raciocínio o Sr. Dr. Mário de Figueiredo partiu do pressuposto de que a Câmara, se examinasse de novo a questão, a teria resolvido como o Governo, a fim, a solucionou.
Ora esta certeza é que eu não tenho e ninguém pode tê-la.
Arredado o aspecto constitucional, que não estava em causa, sinceramente afirmo que ignoro como a Câmara teria reagido ante uma nova discussão da lei.
É sempre ousado vaticinar seja o que for quanto a assembleias políticas, onde o sentimento não raro prevalece sobre o raciocínio.
Não fixei, aproximadamente sequer, qual o número de Deputados que votou a proposta de alteração do artigo 1.º da reforma nem a quantidade me interessa.
Lembro-me, porém, de que essa maioria foi generosa, pois, tendo tomado antes posição sobre o problema das anexações, em face da sincera mágoa do ilustre presidente da Comissão - e a minha não foi menor! - pelo que se passara na votação daquele artigo, não duvidou, daí em diante, votar em tudo com a Comissão.
Não é mais feliz o argumento de que o Governo não está impedido de revogar qualquer decreto da Assembleia.
Eu próprio comecei por reconhecer que assim é.'
Mas uma coisa é a revogação de preceito que a Assembleia votasse, por se reconhecer a inconveniência do mesmo ou por qualquer razão de interesse público, e outra é fingir-se a promulgação de lei que, precisamente no ponto que mais celeuma levantara, não chega a entrar em vigor, pois o Governo a revoga antes do inicio de tal vigência!
Contra esse processo de evitar que a Assembleia se pronunciasse de novo sobre a lei, caso não fosse promulgada, me indignei e tal procedimento irritou deveras a consciência jurídica do País, de modo algum prestigiando o Governo, que, por essa forma, violou a Constituição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nesta Assembleia tem sido unânime a condenação do acto do Governo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Houve apenas a defesa oficiosa, inteligente, mas que se mostra pouco convicta, tal a fragilidade dos argumentos invocados.
Que importa que entre a votação da lei e a revogação dos parágrafos em cansa mediassem alguns meses?
Enquanto o decreto desta Assembleia não foi promulgado a redacção da Comissão, que, aliás, apenas foi publicada em suplemento ao Diário das Sessões n.º 107, de 30 de Junho de 1951, não passava de projecto.
Só em 6 de Agosto a lei obteve promulgação.
E logo em 8 era revogada quanto aos cartórios extraconcelhios!
Essa inovação das nossas praxes constitucionais assombrou o País.
Sr. Presidente: vou terminar.
Um Sr. Deputado afirmou que não votaria qualquer moção de censura e apenas uma proposta tendente a restabelecer os cartórios extintos.
Não estou bem certo de que o Governo apresente tal proposta e tenho mesmo sérias dúvidas a esse respeito...
As freguesias que já foram de direito, e brevemente o serão de facto, privadas dos seus cartórios, alguns com centenas de anos de existência, apenas poderão carpir a sua desgraça, que embalde a Assembleia quis evitar.
É o que faz Negrelos (cujo cartório, como tenho notado, foi extinto pelo código de 1935). Em telegrama que há minutos recebi diz-se:
Comércio indústria população região Negrelos, mais contribuinte e movimentada que muitas sedes concelho, chorará eternamente recente extinção seu secular cartório notarial. Armindo Cardoso.
Sr. Presidente: o meu aviso prévio não visou, nem podia visar, ao restabelecimento dos cartórios extintos, mas tão só a desagravar a Assembleia da grande ofensa

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que se lhe fez com a promulgação aparente da reforma nas disposições respeitantes àqueles cartórios.
Lamento não poder ir mais além.
Mas o preceito constitucional a que me tenho referido impedia a apresentação de projecto de lei restaurando esses cartórios.
Não penso apresentar 'moção de censura ao Governo.
Perfeitamente integrado na política do Estado Novo, não obstante tantos desenganos, não quero contribuir para que se agrave um conflito que não levantei
e nada resultasse, ao menos na prática constitucional, do meu aviso, duvido que nas próximas eleições pudesse organizar-se uma lista de 120 pessoas (como convém) para este posto, que foi e será sempre de sacrifício.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entendo, porém, que alguma coisa ficará do aviso prévio que suscitei.
A moção que eu pensava apresentar era, a um tempo, de tristeza e esperança. Triste, porque não posso conformar-me com a forma como o Governo resolveu o caso; confiante, porque espero que os resultados do processo adoptado não encorajarão quem pensasse em aconselhar de novo um sistema de promulgação da lei feita sem ânimo de a mesma vigorar.
É neste espírito, Sr. Presidente, que ponho termo às minhas considerações, que terminam sem qualquer moção, pois os aplausos da Assembleia me bastam para ter a certeza de que interpreto o sen pensamento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não direi senão poucas palavras. Já ontem afirmei que me interessavam pouco os aspectos jurídicos do problema em debate e continuo hoje a afirmar a mesma coisa, isto é, que esses aspectos não me interessam.
Interessa-me, sim, o prestígio da Assembleia; interessa-me, sim, dar uma resposta à questão seguinte: pode a Assembleia considerar-se diminuída e cada um dos Deputados considerar-se diminuído com o facto de terem sido revogadas por decreto-lei disposições aqui votadas?
Procurei ontem demonstrar que não, e verifico que, pelo menos quanto a alguns Srs. Deputados, não logrei atingir o resultado para que me dirigia.
Não há dúvida de que, nos termos da Constituição, é à Assembleia que cabe velar pelo cumprimento desta. Não há dúvida de que só tem competência para conhecer da inconstitucionalidade orgânica ou formal a Assembleia Nacional. Não há dúvida, portanto, de que ao Governo não cabe, com eficiência pelo menos, pronunciar-se sobre a constitucionalidade nem das leis nem doutros diplomas de igual força.
Isto conduz, desde logo, à conclusão de que, se o problema, como foi posto pelo Governo, pudesse ser interpretado como uma forma directa de julgamento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de certas disposições aqui votadas, tal julgamento ter-se-ia produzido num plano que não é da competência do Governo.
Mas uma coisa é o Governo pronunciar-se directamente, ou como quem exerce uma competência própria, sobre a constitucionalidade de uma disposição ou de um diploma, outra coisa é o Governo ter uma ideia, formar um juízo a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade desse diploma, e utilizar as faculdades constitucionais de quê dispõe para atingir resultados idênticos àqueles que poderiam ser atingidos
pelo órgão que tem competência para se pronunciar sobre a constitucionalidade.
Não há dúvida de que, constitucionalmente, ao Chefe do Estado cabe promulgar os decretos da Assembleia ou não os promulgar.
Não tem a Assembleia qualidade esta não a tem de todo, porque não é constituinte -, não tem mesmo uma assembleia constituinte qualidade senão depois de revogar a disposição respectiva, para recusar ao Chefe do Estado a faculdade que pela Constituição lho é conferida.
O juízo sobre a promulgação ou não promulgação dos decretos da Assembleia ou dos decretos do Governo é um juízo, como se diz em direito, discricionário.
Não carece de ser fundamentado.
Compreende-se, portanto, que o Chefe do Estado possa utilizar uma certa interpretação que faz de uma disposição constitucional para, com base nela e sem necessidade de a exteriorizar, recusar a promulgação. E, portanto, atrás da não promulgação pode estar a ideia da inconstitucionalidade.
E, se estiver, pode afirmar-se que realmente o Governo ou o Chefe do Estado estão a fiscalizar a constitucionalidade, como quem tem competência directa para isso?
Parece que não. Se fiscalizam é no exercício da competência normal que para eles resulta do próprio texto constitucional: a competência para promulgar ou não. Isto por um lado.
Por outro lado, não conheço qualquer disposição constitucional que impeça o Governo de revogar por intermédio de um decreto-lei qualquer disposição votada pela Assembleia. Pode pôr-se o problema da oportunidade do exercício desta faculdade; agora não conheço nenhuma disposição constitucional que impeça o Governo de, através de um decreto-lei, revogar qualquer disposição votada pela Assembleia.
A que vem então o dizer-se que é o Governo que está a vigiar a constitucionalidade das decisões tomadas pela Assembleia, quando o facto é que, não a Assembleia, mas alguns Deputados, vê-se, o que pretendem é, contra o nosso sistema constitucional, recusar ao Governo o exercício de uma competência que da Constituição lhe vem?
Em que é que pode diminuir e eu não reproduzo hoje as considerações que fiz ontem, todas no sentido de demonstrar que realmente não tinha havido intenção de desprestígio no acto do Governo -, em que pode diminuir a Assembleia o decreto publicado?
Pergunto: como é que pode interpretar-se como desprestígio o exercício de uma competência que vem da Constituição?
Este um aspecto.
Outro aspecto que quero apenas corrigir não devo entretanto fazê-lo sem agradecer ao Sr. Deputado Sá Carneiro as boas palavras que aqui teve a amabilidade de dizer a meu respeito e a respeito do meu discurso de ontem.
Foi extraordinariamente penhorante, e tão penhorante que eu não quero mesmo demorar-me a discutir, a comentar, a fazer um apontamento a certas passagens tio seu discurso. Estou-lhe muito grato, mas não posso, em todo o caso, deixar de anotar a afirmação de que o problema da constitucionalidade da disposição votada e que originou este aviso prévio foi posto aqui. Não é para «negar que, em certos termos restritos, o problema da constitucionalidade tenha sido posto. Foi posto por S. Ex.ª nesta Assembleia a propósito dos cartórios que já estavam extintos, se não estou em erro, desde 1935. Não foi posto nesta Assembleia a propósito da questão que tem estado a ser discutida; foi-o na Comissão de Legislação e Redacção, mas não foi resolvido no sen-

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tido de que a proposta que afinal veio a ser votada era inconstitucional, porque, se tivesse sido resolvido pela Comissão nesse sentido, não poderia deixar de ser trazida aqui a solução adoptada - e não o foi.
O que se passou então? O que se passou foi o que vou dizer e a que já ontem tive ocasião de aludir.
Conhece-se a interpretação por mim dada ao texto do artigo 97.º O Sr. Dr. Sá Carneiro já ontem abordou aqui e continuou hoje a desenvolver uma outra interpretação.
A minha é esta: só é inconstitucional a proposta de alteração que envolve aumento de despesas quando esse aumento resulte directamente da (proposta de alteração.
É boa? É má? É uma interpretação de jurista, que aqui tem de ceder à fixada pela Assembleia, que, como se sabe, reputa inconstitucional tanto a proposta de alteração que importa aumento de despesa directamente como indirectamente.
Outra interpretação é a que o Sr. Dr. Sá Carneiro apontou ontem e hoje também de alguma maneira tocou, mas sem a desenvolver completamente. É a opinião segundo a qual seriam inconstitucionais tanto os aumentos de despesa que resultam directamente de uma proposta de alteração, como os que dela resultam indirectamente. Simplesmente, esta proposta de alteração, em vez de se referir à proposta de lei em discussão, refere-se ao regime de direito existente antes da proposta de lei em discussão. E outra solução.
Podem buscar-se ainda outras. Por exemplo, esta, que é da Câmara Corporativa, como consta do parecer relativo à reforma constitucional votada em 1945: é inconstitucional o aumento de despesa directo ou indirecto, mas não é inconstitucional a diminuição de receita desde que esta - a receita - não resulte de direito preexistente. É também outra solução.
Não quero cansar VV. Ex.ªs continuando com este desenho; mas outras soluções são ainda possíveis ou, como diria quem estivesse em contacto com as retortas de um laboratório, outras hipóteses de solução são experimentáveis.
Aqui têm VV. Ex.ªs o ambiente do problema na Comissão de Legislação e Redacção. Foi com base nele que a Comissão resolveu: não se ponha a questão da constitucionalidade.
Disse-se aqui, realmente, não ficar bem, deste que o problema tivesse acudido, que ele não tivesse sido posto.
E eu pergunto a VV. Ex.ªs se é menos correcto e menos leal para com a Assembleia ter procedido como procedeu a Comissão de Legislação e Redacção?
Não tendo tomado posição definitiva, na hipótese, sobre o problema da constitucionalidade, e dada a multiplicidade de soluções possíveis e o ambiente de dúvidas que se suscitaram, resolveu a Comissão que o melhor era o problema não ser posto.
Sempre acreditei que isto era um motivo para a Assembleia olhar com olhos discretos e amáveis para- a posição da Comissão de Legislação e Redacção, que, tendo sugerido solução diferente da que afinal veio a triunfar na Assembleia, não quis pôr diante dos olhos da Assembleia uma questão que, tendo sido posta, talvez tivesse conduzido a que a solução da outra questão - da de fundo - fosse diferente: precisamente aquela que tinha sugerido.
E no entanto castiga-se a sua atitude ...
E agora, para concluir, peço muita desculpa por ir referir-me a uma matéria que está fora propriamente do desenvolvimento da questão que o aviso prévio do Sr. Deputado Sá Carneiro suscitou. É a questão da lei da amnistia.
Outras matérias passaram por aqui e não vale a pena estar a referir cada uma. Suponho, porém, que vale a pena não deixar sem um apontamento a referência que foi feita àquela.
A lei de amnistia criou um certo regime e instituiu uma determinada possibilidade. Instituiu um regime sobre a matéria no domínio da competência da Assembleia. No resto apresentou-se como uma lei de autorização, por constituir domínio que não era da sua competência constitucional. Lei de autorização em que se apontava para certos critérios, mas em que se não ligava o Governo a proceder de acordo com esses critérios. Nem podia constitucionalmente ligar-se.
Não pode, portanto, segundo creio, quanto a essa lei, afirmar-se que o Governo deixou de executar o que foi votado pela Assembleia, porque aqui votou-se um conjunto de soluções de conteúdo impreciso, deixando-se ao Governo, por dispositivo da própria lei, que preenchesse ele, que precisasse ele o conteúdo propositadamente deixado impreciso.

O Sr.. Botelho Moniz: - Propositadamente deixado impreciso não, mas sim necessariamente deixado impreciso.

O Orador: - Está bem, se V. Ex.ª quiser. Não se podia ir, no momento, mais longe, e a verdade é que se fizeram os maiores esforços para se atingir o resultado que se atingiu - muito mais do que aquilo que inicialmente era pedido.

O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem!

O Orador: - Não deixou de reconhecer-se que, só aquilo correspondia a uma espécie de aspiração geral, não tinha, entretanto, o problema sido suficientemente estudado e analisado para que das soluções para que se apontava não resultassem injustiças relativas, clamorosas.
Não suponham VV. Ex.ªs que a comissão que trabalhou no projecto não viu essas injustiças. Viu-as, mas não pôde determinar a medida a que conduziriam soluções que em abstracto eram fáceis de organizar - a que conduziriam essas soluções, justas em abstracto, desde que convertidas em lei e quando consideradas no momento da aplicação prática. E então, como não tinha tempo - VV. Ex.ªs recordam-se das condições em que se trabalhou- de fazer uma análise demorada de toda a projecção na prática de certas disposições, como não tinha tempo de buscar um sistema equilibrado, foi para aquilo que já sabemos, na convicção de que já: dava satisfação a uma certa ansiedade; foi para isso depois de informada de que os encargos da execução, honesta, daquilo que era o &eu pensamento não ultrapassariam 3:500 a 4:000 contos. O Governo procurou executar a lei na. medida do que julgou possível, e do modo como a executou resultou para o orçamento um encargo que anda à Toda dos 7:000 contos.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Nem que fosse o duplo ou o triplo, desde que se tratava de cumprir » que estava estabelecido e de fazer justiça e dar uma reparação. Isso é que revolta. O critério é que foi errado!

O Orador: - Quando o problema é posto no terreno da justiça em abstracto é uma coisa, agora quando é posto no terreno da justiça em concreto a primeira coisa a considerar é a medida em que é possível fazer justiça.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Poupasse-se noutras coisas, como no improdutivo, no supérfluo e nos luxos.

O Orador: - Eu não estou a discutir esse problema, estou a dizer a V. Ex.ªs, já que estamos a pôr problemas de justiça, que não suo justas as palavras em que se afirma que o Governo não executou uma lei votada pela

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Assembleia. A lei foi votada pela Assembleia na convicção, por parte de quem organizou o projecto, de que a sua execução correcta, honesta, importaria para o orçamento um encargo de 3:500 a 4:000 contos; o encargo foi, porém, de mais de 7:000.
Pergunto: está satisfeita a nossa ansiedade de justiça? Digo, com a maior tranquilidade, que não.
Estava mais satisfeita a nossa ansiedade de justiça se não se tivesse feito nada?
E muitas vezes o facto de mexer nas coisas, mesmo para delas tirar um resultado útil, que cria situações de injustiça que a dialéctica das próprias situações põe em movimento.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Dentro do critério de justiça relativa também o Governo, ao menos, deveria ter considerado a situação dos inválidos de guerra, assunto que na Assembleia foi devidamente considerado e aprovado por unanimidade e ao qual o Governo não fez a menor referência no decreto-lei que depois publicou, e antes praticou uma injustiça maior.

O Orador: - Permita-me que não lhe responda relativamente ao problema que acaba de pôr e que foi dos problemas mais moídos, digamos, na própria comissão que trouxe à consideração da Assembleia a proposta ... Não desejava contar a história ...
Peco-lhe, pois, que me dispense de lhe responder.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Como não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado para usar da palavra neste debate, considero-o encerrado.
A próxima sessão será no dia 15 do corrente, tendo por ordem do dia a efectivação, do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho sobre melhoramentos rurais e ainda a discussão das Contas Gerais do Estado relativas a 1950.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Pinto de Meireles Barriga.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Garcia Nunes Mexia,
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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CÂMARA CORPORATIVA

V LEGISLATURA

RARECER N.º 3O/V

Proposta de lei n.º 214

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 214, emite, pela sua secção de Política e administrarão geral, à qual foram agregados os Dignos Procuradores Manuel Alberto Andrade e Sousa e Francisco Marques, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. A proposta de lei submetida, ao estudo da Câmara Corporativa diz respeito à regulamentação do uso das viaturas automóveis oficiais, acompanhando-a judicioso relatório, que justifica as suas disposições.
Tem a referida proposta sentido moralizador e vai ao encontro da opinião pública existente de que nem sempre a utilização dessas viaturas é feita criteriosamente, na o correspondendo às necessidades que justificaram as suas aquisições.

2. Já em 5 de Fevereiro de 1935 o Sr. Deputado Artur Leal Lobo da Costa apresentava à Assembleia Nacional um projecto de lei, para definir a forma de distribuição das viaturas automóveis de turismo pelos vários funcionários do Estado, serviços autónomos seus dependentes e corpos e corporações administrativas e determinar o direito à sua utilização, no sentido de obstar a abusos que poderiam afectar o prestígio dos organismos oficiais.
3. O citado projecto II ao chegou a ser discutido na Assembleia Nacional, mas o Governo tomou em consideração os seus intuitos moralizadores, e, assim, enviou à referida Assembleia, em 7 de Fevereiro de 1936, uma proposta de lei regulando o uso de automóveis do Estado para serviço de entidades oficiais.
Sobre ela recaiu o parecer desta Câmara, com data, de 13 de Fevereiro de 1930, que a aprovou com ligeira alteração.

4. Em consequência, foi publicado em 17 de Abril do 1936 o Decreto-Lei n.º 20:526, classificando por categorias e definindo a aplicação a dar aos automóveis destinados a representação oficial e aos serviços do Estado. Quando foi necessário, pela falta de combustíveis líquidos, restringir o seu gasto, publicou-se, em 23 de Novembro de 1942, o Decreto-Lei n.º 32:415, aconselhando, sempre que possível, a utilização de automóveis de pequeno consumo. No relatório da proposta ainda, se mencionam o Decreto n.º.36:207, de 3 de Abril de 1947, autorizando o uso e troca de um automóvel à Junta Autónoma da Ria. e Barra de Aveiro, o Decreto-Lei n.º 36:229, de 15 de Abril de 1947, que concedeu aos governadores civis automação para utilizarem automóveis do Estado um serviços oficiais, e o Estatuto, das Estradas Nacionais (Lei n.º 2:037), publicado em 19 de Agosto de 1949.

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ferência, ao artigo 13.º da proposta sobre a fiscalização e uso dos automóveis oficiais, que a mesma não devia constar de artigo independente, pois cru de simples regulamentarão, e assim melhor ficaria abrangida pelos princípios indicados no artigo 12.º, que determinavam aos serviços economias de verbas e davam ao Governo faculdade de tomar medidas a este respeito.
O artigo 14.º da Lei n.º 2:040, de 23 de Dezembro de 1950 (Lei de Meios para 1951), preceitua que no mais curto lapso de tempo o Governo fará a revisão das disposições legais e da prática em vigor sobre a existência e utilização dos automóveis do serviço do Estado, autónomos ou não, bem como da organização corporativa e de coordenação económica.

6. Ao apreciar a proposta de lei n.º 513 (Lei de Meios para 1952), o parecer n.º 22/V, de 3 de Dezembro de 1951, desta Câmara, referindo-se ao artigo 12.º, que propunha a prorrogação até 31 de Março de 1952 do prazo para a revisão estabelecida no artigo 14.º da Lei n.º 2:045, opina estarmos de novo em presença de um artigo que difere para mais tarde a aplicação de matéria cujo lugar não seria na Lei de Meios, porque, se há correcções a fazer, quer nos diplomas em vigor, quer nos usos correntes, o legislador reformaria os decretos respectivos e a Administração emendaria os erros, abusos ou desvios verificados.
A Lei de Meios para 1952, publicada em 27 de Dezembro de 1951, sob o n.º 2:050, determina, pelo seu artigo 12.º, a prorrogação até 31 de Março de 1952 do prazo de revisão das disposições legais e da prática em vigor a que se refere o artigo 14.º. da Lei n.º 2:045, de 23 de Dezembro de 1950.

7. Entretanto verifica-se que nos dezasseis anos decorridos desde a publicação, em Abril de 1930, do Decreto-Lei n.º 26:520 nada se alterou por via legislativa quanto u classificação e aplicação a dar aos automóveis destinados a representação oficial e aos serviços do Estado. Vieste espaço de tempo deram-se fenómenos tais, consequentes da guerra e de outras causas, evoluíram de tal forma muitos dos serviços, quer do Estado, quer da organização corporativa e de coordenação económica, que agora bem precisa estudo apropriado o problema da utilização dos automóveis nos vários sectores apontados.

8. E chega-se assim à proposta de lei n.º 214, em que o Governo dá execução ao determinado no artigo 12.º da Lei n.º 2:050 e sobre a qual incide o presente parecer.

II

Exame na especialidade

9. Esta Câmara vê de bom grado todas as medidas repressivas que o Governo possa tomar no sentido de disciplinar e moralizar a aquisição e emprego das viaturas automóveis ao serviço do Estado e dos organismos corporativos e de coordenação económica, por se ter verificado que há automóveis a mais e que a sua utilização é discutível em muitos casos. Não deixa, porém, de salientar que o Governo, ao apresentar a proposta, em cumprimento do determinado na Lei n.º 2:045, passa a dar aos organismos corporativos e de coordenação económica tratamento idêntico ao que dá aos serviços directamente dependentes do Estado. Para o caso especial que se aprecia o da utilização das viaturas automóveis - não faz a Câmara reparo e aceita o facto, porque é necessário e urgente que se lhe dê solução; mas chama a atenção da Assembleia Nacional para que se restitua à organização corporativa e do coordenação económica a realidade dos seus princípios basilares, tão diluídos pelos efeitos da guerra e outro.

10. Para melhor se poder apreciar a base I da proposta, começa-se por transcrever o artigo 47.º do Código da Estrada (Decreto n.º 18:406, de 31 de Maio de 1930), que considera automóveis os veículos de tracção mecânica, seja qual for a sua natureza, destinados a circular sobre as vias públicas sem emprego de carris, classificando-os nas seguintes categorias:

Motociclos. - Veículos, de duas ou três rodas munidos de motor auxiliar ou permanente e com ou sem side-car;
Automóveis ligeiros, - Carros automóveis, com três ou mais rodas, para o transporte de pessoas, com o máximo de oito lugares, bem como de mercadorias, bagagens ou quaisquer aparelhas, ato ao limite máximo de 640 quilogramas de carga;
Automóveis pesados:

a) Camionetas. - Carros automóveis para o transporte de mais de oito pessoas, bem como de mercadorias ou bagagens, ou do quaisquer aparelhos, ou, cumulativamente, de pessoas, mercadorias ou bagagens, cuja carga máxima seja compreendida entre 640 e 1:600 quilogramas, ou lotação para nove a vinte passageiros, incluindo o condutor;
b) Camiões. - Carros automóveis para os fins indicados na alínea anterior cuja carga máxima seja superior a 1:600 quilograma», com lotação para mais de vinte passageiros;
c) Tractores. - Viaturas especiais para reboques em vias públicas.

Como no início da base I da proposta se diz: «A atribuição de viaturas ligeiras e automóveis oficiais apenas será permitida nos casos seguintes:», parece conveniente harmonizar a sua redacção com a terminologia da legislação já existente quanto à definição do que é automóvel e sua classificação por categorias. Assim, propõe-se esta nova redacção: «A atribuição de automóveis ligeiros oficiais apenas será permitida nos casos seguintes:».
No que se refere aos três casos especialmente designados para a atribuição de viaturas, embora se julgue que a execução de alguns serviços só vai ressentir com o seu rigorismo, a Câmara, coerente com o seu pensamento de disciplina e moralização, não propõe qualquer modificação.

11. Acha-se bem o fim a atingir quanto à determinação da base II, mas julga-se mais condizente com a denominação dada aos automóveis ligeiros que o letreiro a colocar nas viaturas designe «Oficial», «m vez de «Estado» e «Organização corporativa». No que toca ao guiar os referidos automóveis, quando se diz na base «motoristas oficiais com carta de matrícula», deve-se alterar para «motoristas oficiais com carta de condutor», a fim de a designação condizer com o expresso no artigo 85.º do Código da Estrada (Decreto n.º 18:400, de 31 de Maio de 1930): «É proibido conduzir qualquer automóvel nas vias públicas sem habilitação com a carta de condutor, passada pelas comissões técnicas de automobilismo, nos termos do presente código e respectivo regulamento».

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5 DE ABRIL DE 1952 677

e de fiscalização. O que seja automóvel de tipo utilitário não se encontra definido por lei, mas na declaração de ter sido aprovada a classificação dos veículos automóveis para efeito de racionamento de gasolina, do Instituto Português de Combustíveis, com data de 29 de Dezembro de 1941, publicada no Diário do Governo n.º 1, 1.ª série, de 2 de Janeiro de 1942, faz-se referência, como classificados no grupo IX, aos carros- ligeiros, para passageiros, utilitários. A lista dos proprietários, que se segue à da classificação, subordinada ao título: «motociclos e carros ligeiros utilitários», inclui os pertencentes aos organismos corporativos, organismos administrativos, empresas comerciais e industriais, casas agrícolas, médicos, veterinários, etc. Na, ordem de preferência da classificação para efeito de racionamento, e consequente circulação, no que toca a carros ligeiros de passageiros, os utilitários figuram em terceiro lugar, depois dos pertencentes aos serviços oficiais e ao corpo diplomático.
Pode-se daqui deduzir que a classificação de «utilitário», atribuída pelo Instituto Português de Combustíveis, se refere à necessidade de utilização do carro para o efeito de preferência no abastecimento e circulação.
No sentido da proposta, se considerarmos as suas intenções de economia e disciplina moralizadora, certamente quando se refere a automóveis de tipo utilitário, quer dizer-se de modelo utilitário. O carro de modelo utilitário, na classificação do comércio da especialidade, embora mão obedeça a características uniformes, por na indústria do automóvel elas diferirem de- fabricante para fabricante, é sempre aquele que não ostenta luxo, custa menos, consome pouco, é normalmente de tamanho reduzido e não transporta mais do que o condutor e três passageiros, não falando já da velocidade média que possa atingir.
Se assim é, quando os serviços públicos e os de fiscalização (n.ºs 2.º e 3.º da base I da proposta) forem realizados em áreas não distantes do ponto de partida e se consinta utilizar o automóvel, acha-se bem o uso daquele de modelo utilitário, desde que o número de funcionários incumbidos da missão não exceda os da lotação. Mas como os serviços apontados, por vezes, tem de ser efectuados a grandes distâncias da base, com deslocações rápidas, por vezes por maus caminhos, julga-se tecnicamente que, nestes casos, o modelo de VI atuíra utilitária não é o mais aconselhável, embora o possa parecer à primeira vista.
Neste sentido, sugere-se o seguinte aditamento, à base III: «... sempre que este modelo se adapte à natureza do serviço a realizar».

13. Pela redacção da base IV serão montadas em Lisboa diversas garagens centrais de recolha, destinadas à guarda, conservação e alimentação, etc., dos automóveis oficiais. Se forem poucas e de grande área, julga-se que os fins a atingir serão mais satisfatórios. Talvez fosse conveniente admitir-se a hipótese de serem montadas garagens centrais no Porto ou noutra cidade quando o número de viaturas oficiais as justificassem.
Também, quando se fala em reparações indispensáveis, talvez seja conveniente dizer-se: «pequenas reparações indispensáveis à boa conservação e uso das viaturas», pois que as grandes reparações se deduz serem, como até aqui, confiadas à indústria especializada, adentro das normas que é dê uso seguir no Estado.

14. No que se refere à base V, parece impor a boa técnica administrativa que não se espere para Janeiro próximo para se fazer o registo de todos os automóveis oficiais, e, assim, o primeiro passo a dar seria o de se realizar sem delongas um inventário geral das viaturas de posse dos serviços do Estado, autónomos ou não, dos organismos corporativos e de coordenação económica, com especificação pormenorizada das respectivas características, pesos e números de lugares. Este inventário deveria ser acompanhado por listas que fizessem menção de todos os condutores de viaturas que exercem a profissão em cada um dos sectores apontados.

15. Embora não pareça de resultados práticos, a concentração dos automóveis designados na base VI, às ordens da secretaria-geral de cada Ministério, não propõe esta Câmara qualquer alteração à base referida.

III

Conclusões

16. A Câmara Corporativa dá a sua concordância à intenção moralizadora cia
proposta de lei, « sugere a seguinte redacção:

BASE I

A atribuição de automóveis ligeiros oficiais as pernas será permitida nos casos seguintes:

1.º Exercício de funções permanentes de representação oficial de entidades a quem incumbam por força de disposição legal;
2.º Execução de serviços públicos nos quais, por natureza ou determinação expressa da lei, se tornem indispensáveis deslocações rápidas em viaturas afectas ao mesmo serviço e sem relação com as entidades ou pessoas que o desempenham;
3.º A actividade fiscalizadora que obrigue a deslocações rápidas e inesperadas, mas com carácter regular, para além de certa área a fixar.

BASE II

Os automóveis ligeiros oficiais, salvo as excepções recomendáveis, serão acompanhados de cédulas especiais, ostentarão em letreiro bem visível a palavra «Oficial», e serão conduzidos por motoristas oficiais, com carta de condutor, envergando farda-uniforme.

BASE III

Os automóveis destinados à execução dos serviços (públicos e da fiscalização serão do modelo utilitário, sempre que este modelo se adapte à natureza do sor viço a realizar.

BASE IV

No mais curto prazo montar-se-ão em Lisboa garagens centrais de recolha destinadas à guarda, conservação e abastecimento dos automóveis oficiais, e só através delas se poderão efectuar os gastos de conservação, reparações correntes e fornecimento de gasolina, óleo e demais apetrechos indispensáveis. Competir-lhes-á também a superintendência sobre assistência técnica e as pequenas reparações necessárias à boa conservação e uso das viaturas.
Quando o número de viaturas oficiais existentes o justifique, serão montadas noutras localidades garagens centrais de recolha, com fim idêntico ao das garagens a instalar em Lisboa.

BASE V

Proceder-se-á no mais curto prazo do tempo ao inventário geral das viaturas na passe dos serviços do Estado, autónomos ou não, e dos organismos corporativos e de coordenação económica, com especificação porme-

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norizada das respectivas características, pesos e número de lugares. Este inventário será acompanhado por listas que façam menção de todos os condutores de viaturas que exercem a profissão em cada um dos sectores apontados.
Anualmente, no mês de Janeiro, proceder-se-á á revisão do registo dos automóveis oficiais, a fim de apurar se foram legalmente atribuídos e se estão sendo utilizados por forma regular.

BASE VI

(Igual à proposta).

Palácio de S. Bento, 4 de Abril de 1952.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Francisco Marques.
Manuel Alberto Andrade e Sousa, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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