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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 185
ANO DE 1952 18 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 185, EM 17 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram postos em reclamação os n.ºs 178 a 182 do Diário das Sessões, que foram aprovados com rectificações dos Srs. Deputados Armando Cândido, quanto ao n.º 178, e Simões Crespo, quanto ao n.º 181.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Cruz, que requereu lhe fossem fornecidos determinados elementos sobre o aumento ao preço do bacalhau; Duarte Silva, para um requerimento dirigido ao Ministério do Ultramar; António Maria da Silva, sobre as recente» comemorações no Estado da Índia do centenário da morte de S. Francisco Xavier; Sousa da Câmara, para se referir à instituição do ensino superior técnico agrícola em Portugal, e Morais Alçada, sobre problemas do ensino.
O Sr. Presidente anunciou catarem na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 274, 275, 277 e 280 do Diário do Governo, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 39 027, 39029, 39 031, 39 032 e 39 035, para ou efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o Plano de Fomento.
O Sr. Presidente comunicou à Câmara terem sido recebidas na Mesa duas propostas de alteração ao Plano de Fomento enviadas pelo Governo, na parte respeitante a Cabo Verde e a Angola; essas alterações foram lidas à Assembleia.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo e Castro e Carlos Mantero.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 21 minutos.
Texto da Comissão de Legislação e Redacção: - Decreto da Assembleia Nacional sobre autorização de receitas e despesas para 1953,
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
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Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Yigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente : - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente : - Estão em reclamação os n.ºs 178, 179, 180, 181 e 182 do Diário das Sessões.
O Sr. Armando Cândido: - Pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações:
No Diário das Sessões n.º 178, a p. 282, 1. 5.ª, onde se lê: «algumas raras observações», deverá ler-se: «algumas ligeiras observações»; a p. 290, 1. 48., onde se lê: «Disse e não minto», deverá ler-se; «Disse e não mudo».
O Sr. Simões Crespo: - Sr. Presidente : pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação:
No Diário das Sessões n.º 181, a p. 345, col. 1.ª, 1. 25.ª onde se lê: «chefe do Governo», deve ler-se: «leader do Governo», visto que, nessa altura, era a este último que queria referir-me.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre estes números do Diário, considero-os aprovados com as reclamações apresentadas.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto Cruz.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Porque o bacalhau é um dos alimentos preferidos pela população do País, principalmente do Norte, em que o seu consumo é quase obrigatório na quadra do Natal que se aproxima, e porque os jornais anunciem um aumento substancial no seu preço de venda ao público, nas espécies mais apreciadas, e também o seu aparecimento nos estabelecimentos onde, até agora, só em escassa quantidade e má qualidade se tem apresentado, requeiro que, pelos organismos competentes, me sejam fornecidas, para meu esclarecimento e, consequentemente, do País, as seguintes informações:
1.º Qual o motivo por que só agora, nesta quadra do Natal, se aumenta o preço do bacalhau?
2.º Não será demasiado esse aumento, que pode ascender a 3$ em quilo, principalmente nesta quadra de Inverno, em que são mais precárias as condições económicas da população, especialmente as das classes menos favorecidas?
3.º Não se poderiam diminuir os encargos que pesam sobre essa mercadoria, simplificando a complicada engrenagem do seu comércio e reduzindo por conseguinte o pessoal e tudo o mais que a mesma é obrigada a suportar?
4.º Porque ó que nunca tem faltado, principalmente no Norte, nas casas de pasto, tabernas e restaurantes especializados na confecção de bons pratos do chamado bacalhau inglês, esse apreciado peixe, nas quantidades e qualidades desejadas, e as donas de casa o não tom conseguido lobrigar nas mercearias?
5.º Não terá a fiscalização meios de saber a sua proveniência e providenciar no sentido de pôr cobro a essa anormalidade e castigar os prevaricadores, se acaso os houver e conseguir identificar?».
Agradecia urgência nos esclarecimentos e nas providências, se para tal houver motivo.
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Indicação do número de serviçais, contratados em Cabo Verde que se encontravam na província de S. Tomé e Príncipe no início do ano de 1940, com discriminação por sexos e pelas roças em que trabalhavam;
b) Nota do movimento de serviçais da mesma procedência na referida província de 1940 até ao corrente ano, com indicação dos que foram repatriados, faleceram ou foram contratados em cada ano, com a discriminação por sexos;
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c) Nota dos depósitos feitos, em cada um dos referidos anos, na Curadoria dos Serviçais de S. Tomé, ou à ordem desta, referentes a salários dos contratados cabo-verdianos;
d) Indicação das importâncias globais remetidas em cada ano para Cabo Verde pela mesma Curadoria e respeitantes aos serviçais repatriados ou das quantias a eles entregues no momento da repatriação e também das importâncias dos espólios dos serviçais falecidos;
e) Cópia das passagens dos relatórios dos governadores de S. Tomé, dos inspectores ou do curadores dos serviçais daquela província que se refiram aos contratados em Cabo Verde, e bem assim dos mapas que tenham acompanhado tais relatórios e aos mesmos serviçais digam respeito».
O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: os Deputados da Nação eleitos pela duas províncias do Oriente Português -Estado da índia e Macau- não podem deixar de irmanar-se na exaltação da obra evangelizadora de S. Francisco Xavier por ocasião das celebrações do 4.º centenário da sua morte.
O meu ilustre colega Mons. Castilho Noronha já o fez com brilho e elegância no início das comemorações; e era minha intenção fazê-lo na data do encerramento das festas. Como ela, porém, foi marcada para o dia 3 de Janeiro, durante a interrupção dos trabalhos desta Assembleia, resolvi pedir a palavra hoje.
Índia e Macau têm a mesma história e a mesma tradição cristã.
Macau não é mais do que um prolongamento do famoso Estado da índia da época de Quinhentos; e tanto que desde a sua fundação o seu Governo esteve debaixo da jurisdição de Goa por três séculos quase, até que, por determinação do Decreto de 20 de Setembro de 1844, se desligou do Estado da índia, formando uma província independente com as ilhas de Timor e Solor, que, por sua vez, se desligaram mais tarde da dependência de Macau.
Não é meu propósito relatar a vida e a obra do Apóstolo do Oriente, que são bem conhecidas do mundo católico.
Limitar-me-ei a dar uns sumaríssimos apontamentos históricos dos acontecimentos que precederam a época do desembarque de S. Francisco Xavier às portas do continente chinês e das relações do Santo Taumaturgo com os portugueses que passaram a viver em Macau depois da sua morte.
Seguindo a orientação traçada na escola náutica de Sagres, foi primeiro descoberto o caminho marítimo para a Índia. Conquistada esta e, mais tarde, Malaca, o grande Afonso de Albuquerque fez irradiar as caravelas lusitanas para a costa oriental da China e do Japão.
Os ousados navegadores portugueses, tomando a dianteira dos outros povos europeu», costeavam nessa época o Celeste Império, desde 1515, estabelecendo-se em vários pontos da China, como Ning-Po, Chincheu e Tamao, donde foram sempre rechaçados.
Quando S. Francisco Xavier desembarcou em Sanchoão, em 1952, de regresso do Japão, os nossos denodados navegadores estavam reunidos nessa ilha, que era então o único ponto da China onde os nossos comerciantes estavam autorizados pelos mandarins a trocar as suas mercadorias com os Chineses.
Ali o Apóstolo do Oriente faleceu e foi sepultado antes da remoção do seu bendito corpo, incorrupto, para a Índia.
Se Goa se tornou venturosa por ter sido a primeira terra do Oriente que o citado Varão Apostólico pisou para iniciar a nua grandiosa obra de evangelização, a
ilha de Sanchoão, situada perto de Macau, tornou-se notável por ter sido o último campo das suas fadigas e o último teatro das suas glórias.
O mesmo corpo do Santo Taumaturgo, que se encontra depositado na igreja do Bom Jesus, de Goa, como o mais precioso tesouro de toda a índia, teve o seu primeiro jazigo na ditosa ilha de Sanchoão, precursora do Macau, parcela do Portugal cie hoje.
A cidade do Santo Nome de Deus de Macau nasceu em consequência de os nossos valorosos antepassados se terem estabelecido em Sanchoão cinco anos antes.
Macau, que começou apenas como um porto de abrigo das naus lusitanas, tornou-se pouco tempo depois no maior centro de irradiação da civilização latina e da moral de Cristo polo imenso mundo pagão da China.
O Apóstolo do Oriente deixou, com o seu corpo sepultado no solo chinês, a semente da evangelização do Celeste Império.
Foram os grandes missionários, principalmente jesuítas, sucessores de S. Francisco Xavier, que denunciaram a sublimíssima moral do Mártir do Gólgota nos filhos da milenária e misteriosa China.
Se Goa é conhecida como a Roma do Oriente, Macau é tida como a Roma do Extremo Oriente.
Depois de Goa, Macau é a terra onde mais se sabe da vida do Apóstolo do Oriente, porque vários navegadores e comerciantes que com o Santo privaram em Sanchoão passaram a viver permanentemente em Macau.
Foram inúmeras as, suas profecias, comprovadas pelo sucesso, que chegaram ao nosso conhecimento por tradição.
Vou citar apenas duas, e em duas palavras.
Ao piloto Aguiar profetizou S. Francisco Xavier que teria uma longa vida, viria a possuir uma grande fortuna e que não sofreria naufrágios; o que de facto aconteceu.
Pedro Velho, negociante abastado, caridoso e muito amigo do Apóstolo da índia, pediu ao Santo que lhe predissesse a data da sua morte.
S. Francisco Xavier, em satisfação ao seu insistente pedido, respondeu-lhe da seguinte forma:
No dia em que o vinho lhe amargar na boca prepare-se para entregar a alma ao Criador.
E assim sucedeu.
E os milagres do Santo Taumaturgo?
Como enunciá-los, se foram tantos o tantos praticados durante a sua missão apostólica?!
Parecia que a própria natureza, os elementos, as feras, os homens, tudo obedecia ao seu poder de taumaturgo!
Ao toque da sua cruz, as ondas encapeladas dos mares tenebrosos da China e do Japão amansavam.
À sua passagem, a pó, por regiões infestadas de foras e habitadas por selvagens nem estes nem aquelas o acometiam.
As multidões que o escutavam, compostas de gentes de diversas línguas e dialectos, percebiam as suas pregações como se o Santo lhes estivesse falando na sua própria língua.
Foi por esta forma milagrosa que S. Francisco Xavier conseguiu chamar para o seio da cristandade milhões de criaturas humanas, na sua qualidade de embaixador do Céu, encarregado de levar a cruz da verdade ao Oriente.
É deste extraordinário varão apostólico que a Igreja, Espanha, Portugal, toda a Índia e o mundo católico estão celebrando o 4.º centenário da sua morte, com a é e o deslumbramento que conhecemos pelo relato de todos os jornais da metrópole lusitana.
O túmulo de S. Francisco Xavier nunca mais será aberto por determinação das autoridades superiores eclesiásticas.
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Mas aquele relicário contendo o seu corpo santo continuará eternamente em Goa, que será eternamente portuguesa, por intercessão do apóstolo do Oriente junto do nosso Deus Omnipotente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isso mesmo já eu afirmei num jantar de despedida do nosso Ministro do Ultramar, promovido pelos amigos da índia no Clube Lisbonense, nas vésperas da sua viagem triunfal às nossas províncias do Oriente. E não é de mais repeti-lo novamente.
Os crentes e os admiradores do Santo Taumaturgo não poderão ver mais o seu corpo bendito.
A sua memória, porém, ficará gravada para sempre no coração da Espanha, como o seu glorioso filho dilecto.
A memória do ínclito companheiro de Santo Inácio de Loiola chamado ao serviço de Portugal por D. João III - o mesmo magnânimo e piedoso monarca que traçou o plano da colonização do Brasil -, a memória desse grande entre os grandes jesuítas, ficará gravada no coração de milhões de portugueses, que lhe estão gratos pelos relevantes serviços prestados à nossa pátria bem amada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O espírito de S. Francisco Xavier continuará a viver para sempre no amor de tantos e tantos devotos, que o glorificam como o seu taumaturgo.
A sua imagem ficará patente para sempre no culto da Igreja, que o aclama como Santo.
A sua memória nunca se apagará em todo o Oriente, como seu apóstolo, e nunca se apagará igualmente do coração de todos os missionários, que o tomam como um modelo.
A memória de S. Francisco Xavier viverá para sempre no espírito da ínclita Companhia de Jesus, da qual o grande Santo foi uma das maiores glórias.
Finalmente, não vou fechar este meu pobre preito de homenagem ao Santo Taumaturgo sem declarar que os filhos da nobre e leal cidade do Santo Nome de Deus de Macau - a Roma do Extremo Oriente - se juntam ao coro de saudações à memória do seu apóstolo pela boca do seu humilde representante nesta Assembleia.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa da Câmara: - Sr. Presidente: começaram ontem as comemorações centenárias da instituição do ensino superior agrícola em Portugal. Promovidas pelo conselho escolar do Instituto Superior de Agronomia, as cerimónias iniciais realizaram-se na Só Patriarcal com uma missa de requiem em sufrágio das almas dos professores, agrónomos e silvicultores falecidos e com um Te Deum solene, a que presidiu S. Ex.ª Revma. o Sr. Bispo de Priene.
A missa foi celebrada por um sacerdote agrónomo, o Rev. Cónego Correia de Sá. E foi acolitado - outro facto que merece menção especial por dois antigos estudantes de agronomia, os Rev. Beneficiado José Falcão e P.e Henrique Pietra Torres.
Fazia ontem um século que se criara o ensino superior agrícola em Portugal. A data foi recordada com extremo brilho e grande emoção pelo eloquente pregador que orou durante o Te Deum, o Rev. P.e Dr. Maurício Cromes dos Santos. Num sermão memorável pronunciou o elogio da profissão de agrónomo, enalteceu
a terra no seu profundo significado, apreciando com justiça as virtudes dos que a trabalham generosamente obedecendo à lei de Deus.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Levantou-se a sua bela voz naquelas naves, vibrou sob as abóbadas com solenidade augusta, fortalecendo a confiança dos que escutavam, incutindo a esperança de que a compreensão total e definitiva pela causa agrária havia de chegar.
Cremos que uma notícia desse facto histórico, do centenário que se começava a celebrar, deveria chegar até à Assembleia Nacional. O acontecimento tem tal transcendência que deve ficar registado. Por isso me atrevo a usar da palavra nesta sessão.
Quis o Instituto Superior de Agronomia iniciar as celebrações lembrando primeiro os seus queridos mortos, aqueles cujas lições segue, que são respeitados, venerados, que constituem a força da sua tradição.
Os mortos mandam! E, na verdade, toda a vida agronómica nacional tem sido, e provavelmente será sempre, a continuação fiel dos bons exemplos que os grandes deixaram, no seu devotado amor à grei, no apego à causa agrícola, no seu desvelado interesse pela elevação social do nosso trabalhador.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Afortunada é esta ocasião para lembrar na Assembleia Nacional que o nosso Instituto Superior de Agronomia festeja os cem anos da criação do ensino superior agrícola. Afortunada, digo eu, porque os ecos ainda se não apagaram do que se disse nesta Casa, em matéria agrícola, nos últimos debates, quando vibram ainda no ar as reclamações lançadas dessa tribuna - que a Nação decerto ouviu e entendeu- para que a agricultura fosse apoiada como merece. Através dos discursos proferidos se viu como a Nação pede, com energia e profunda convicção, que a causa agrícola seja olhada com extremo carinho, com entranhado amor, na certeza de que nela reside a verdadeira fonte de prosperidade nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Circunstância afortunada a de se celebrar este centenário do Instituto Superior de Agronomia quando a Assembleia Nacional, pela voz de muitos dos seus ilustres Deputados, se pronunciou tão aberta e tão favoravelmente sobre a causa agrícola.
Que passos andados desde a criação da escola dos agrónomos portugueses! O que se lutou durante esse século, fértil em acontecimentos e em metamorfoses económicas e sociais. Quantos homens bons, das mais diversas formações, lavradores, médicos, advogados, engenheiros, juntaram os seus esforços e as suas vozes ao coro dos agrónomos e silvicultores e de todos os técnicos agrários, incluindo os veterinários e os regentes agrícolas!
Quanto caminho andado! Lembro-me de escritos dos mestres, desses trechos que nos habituámos a saber de cor, para estímulo das nossas missões, nem sempre fáceis ou gratas, tantas vezes em choque contra a hostilidade das coisas ou das pessoas! Esses trechos animavam-nos, eram a um tempo conselho avisado da experiência e voz animosa de incitamento. Pois em tantos desses escritos lá se lê a preocupação fundamental de conquistar adeptos para a cansa agrária. Tinha-se como certo que o essencial era criar uma opinião pública favorável aos grandes empreendimentos agrários. Pois essa preocupação palpita nos discursos, nas conferências, nos artigos?
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nos trabalhos, em suma, de todos os nossos mestres desaparecidos.
Sucederam-se as reformas do Instituto Superior de Agronomia, depois da lei publicada no dia 16 de Dezembro de 1852, durante o reinado da Senhora D. Maria II. Grandes espíritos políticos da nossa terra acarinharam a escola, ajudando-a, dando-lhe impulso. A escola vai-se preparando através do tempo para os grandes progressos, para os futuros empreendimentos que a Nação porventura reclamasse.
Assim, em 1929, quando as finanças restauradas permitem sonhar já com mais realidade, quando surge um Ministro da Agricultura da força de Linhares de Lima, o Instituto encontra-se pronto a ajudar uma empresa de vulto, de grande amplitude nacional. E surge a Campanha do Trigo, que se realiza num ambiente de grande entusiasmo, em especial por parte da gente nova, dos mais jovens agrónomos e estudantes de agronomia. Teve êxito, produziu-se o que se procurava. E de tal modo que até o Chefe pude dizer que graças a esse esforço se conseguira renovar a nossa esquadra. Eram suas as palavras:
Para que pudessem, sulcar os mares navios portugueses foi preciso que a charrua lavrasse melhor e mais extensamente a terra da Pátria, poupando à Nação largas somas do seu ouro.
O Instituto foi-se desenvolvendo pelo tempo fora. Dele irradiou a maior organização de investigação cientifica agrícola do País. Dele saíram todos esses agrónomos que na metrópole ou no ultramar estão a trabalhar por uma agricultura mais próspera e mais rica.
O Instituto Superior de Agronomia não irá decerto adormecer sobre os louros colhidos no seu primeiro século de existência. Agora que já encontra uma opinião pública favorável tem de preparar-se para voos mais dilatados e para acções mais rasgadas. A Nação conta com isso. E os agrónomos sentem que não podem atraiçoar os exemplos dados pelos mestres, pelos seus mortos. Por áspero que seja o caminho, por muitos espinhos que se encontrem, não poderão ter desfalecimentos. A marcha não parará para o progresso agrário e para o bem-estar do povo rural.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A época da agronomia obscura, mal compreendida, mal apreciada, já passou. Também já passou o período de a agricultura ser considerada actividade de segunda ordem, sempre apagada diante do comércio ou indústria. Por toda a parte se vai ganhando a convicção de que a agricultura é não só fonte de abastecimento dos povos, mas a razão do fortalecimento da raça, da salvaguarda da família, da defesa dos valores eternos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A agricultura está associada à paz. Para dar pão a todas as bocas só há um meio: trabalhar bem a terra. A paz conquista-se com pão, isto tanto no plano nacional como internacional. Ora o pão é produto da agricultura. E para que esta seja eficaz uma coisa é de primordial importância: que a agronomia que a serve seja competente, activa, enérgica, eficiente, possuidora das melhores técnicas, dos melhores métodos científicos, das ferramentas essenciais de trabalho.
A agronomia há-de ser poderosa e não obra de fachada, mera organização burocrática, confinada a acanhados espaços de repartições ou de modestos serviços, mas estendendo-se sobre todo o território pátrio, tanto na metrópole como no ultramar.
A agricultura precisa duma agronomia potente, que seja dotada do melhor espírito, de entusiasmo que ignore a força destruidora das decepções, que possua uma confiança ilimitada, a fé que move montanhas e, por cima de tudo, a compreensão dos problemas da grei. trabalhando pela lavoura e pelos trabalhadores, pelo capital e pelo trabalho, procurando que estes possam viver melhor, num ambiente mais feliz e mais cristão, com vida mais desafogada, podendo educar os seus filhos com os olhos postos em Deus e na Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Essa agronomia, que a agricultura de amanhã exige, vai ter grandes responsabilidades. Isto sentirá decerto o Instituto Superior de Agronomia ao celebrar o seu primeiro século de existência. Mas terá fé em que os agrónomos que formar, continuando os exemplos passados, seguindo a trajectória definida, saberão enfrentar os tempos difíceis que se aproximarem, e caminharão firmes e sempre esperançados, para bem da Nação, respeitando os direitos e as tradições, tomando para si, como norma de ética profissional, o que o nosso Bernardes já dizia: «Deus não só olha para os passos mas para as pegadas».
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: no princípio do corrente ano lectivo, a voz do Governo, através do discurso proferido, em Oeiras. por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional, entendeu que devia esclarecer o País acerca do presente estado de concorrência de alunos ao ensino liceal, bem como dar-lhe notícia dos princípios de orientação que se lhe afigura conveniente seguir no futuro, a respeito deste ramo de ensino, em apreciação paralela com o do ensino técnico do mesmo grau.
Pelo que então foi afirmado, quer no tocante à crítica da situação actual, quer quanto aos planos contidos no pensamento do Governo, a Nação, sem prejuízo das legítimas homenagens, em que comungo, tributadas ao carácter desassombrado e firme de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e que tem sido a indelével marca da acção governativa encetada por S. Exa., a Nação, dizia eu, foi arrastada a criar na sua própria consciência político-social as anais fundadas preocupações sobre o panorama do futuro, acudindo principalmente à inteligência e ao coração dos pais responsáveis com filhos nessa idade escolar a ideia e o sentimento .sobre se será justo e razoável estruturar-se tão rigidamente um problema, de raízes melindrosas e complexas, no travelamento de comando que se patenteia naquele já citado discurso.
Na verdade, Sr. Presidente, do que então, e nessa altura, foi tornado público, a Nação entendeu um somatório de conclusões que, procurando eu agora resumir com ia maior fidelidade, se podem traduzir em duas alíneas:
A primeira é a de que os edifícios liceais existentes em Lisboa e nalgumas terras do País «estão superlotados e não comportam mais alunos, visto que já ocupam corredores, sótãos e laboratórios, sentindo-se que o ensino começa a ser ministrado em condições precárias, em consequência do excesso de frequência escolar», donde resulta, logicamente, que, se o aumento médio anual de 1 200 alunos que se vem verificando há tempos continuar a afirmar-se, uma vez que é pensamento
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do Governo não criar novos liceus, nem aumentar a categoria de alguns já existentes, elevando-os de municipais a nacionais, por exemplo, outra conclusão o fio é legítimo tirar-se senão a de que tempos virão, e quem sabe se não será já para o ano, em que o Estado se declarará praticamente em regime de denegação do ensino oficial dos liceus a uma boa parte de candidatos que a ele concorra.
A segunda das alíneas será a de se essa afluência, considerada excessiva, de rapazes e raparigas ao ensino liceal é movida - segundo o pensamento do Governo - «por razoes puramente económicas», visto que «não têm predisposição de espírito ou vocação intelectual para as ciências ou para as letras», e, portanto, que a política de cerceamento ou de limitação de matrículas nesses estabelecimentos de ensino fomentará, por métodos intencionais indirectos, a evasão desse excesso de candidatos, a quem se fecharam umas portas, para os quadros do ensino técnico, mo qual o Estado se mostra legitimamente empenhado em desenvolver e ampliar.
Estas duas ordens concomitantes de considerações referentes à política do ensino em referência é que, por virem e traduzirem o pensamento do Estado, lançaram a consciência nacional em vivo sobressalto, a qual, não haja dúvidas, se ainda não tentou entregar-se a manifestações de monta ou às tubas da publicidade, quando tal fosse possível, nem por isso deixa de viver ou os recalcamentos próprios do que se não aceita mas é imposto, ou a magoada e desoladora expectativa de ver tratados problemas tão caros aos interesses presentes e futuros da Nação em manifesta desarticulação com aquilo que se realidades sugerem e necessariamente recomendariam.
Porque é uma das nossas funções dentro desta Casa, Sr. Presidente, aferir a temperatura política de certas determinações da actividade do Governo, na qual ele, como todos nós, tem real interesse em conhecer, dentro do regime de estrita lealdade e dos melhores vínculos de colaboração, é que eu hoje pedi a palavra para discorrer um pouco acerca do assunto, procurando perfilhar algumas das ansiedades e das preocupações que tomaram a consciência da Nação, e que campeiam, e que, lamentavelmente, desolam até mesmo aqueles sectores mais puros de informação ideológica, e de fidelidade, e de confiança, tantas vezes cega, nas acções e nas medidas de Salazar e dos homens que o seu alto critério selectivo e prescrutador chama às cadeiras do Governo.
Eu não digo - e ninguém o pode dizer, razoavelmente - que não seja de boa política, até porque isso corresponde às necessidades mais prementes do apetrechamento profissional do País, caminharmos no sentido do maior desenvolvimento possível do ensino técnico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que afirmo no entanto e desde já é que, além de outros males ou inconvenientes que adiante considerarei, enquanto o Governo confessar, como lealmente o fez, através do citado discurso de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional, que o ensino técnico padece de «instalações pobres, de corpo docente diminuto, de oficinas mal apetrechadas, de cursos sem regularidade» e também de rede de ensino ainda insuficientemente disseminada, principalmente em relação à que se verifica para o liceal, vem com isso reconhecer que não estão actualmente realizadas aquelas condições mínimas e indispensáveis para tornar esse ensino útil e aliciante, não sendo talvez razoável pedir que a massa excedente das lotações liceais fique de braços cruzados, ano sobre ano, e ainda por todos aqueles que forem precisos ao municiamento capaz dos respectivos estabelecimentos, a aguardar aquele dia em que esta possa, satisfatoriamente, receber aquilo que espera: educação proba e ensino útil.
Ora, conhecidas, como são, as limitadas possibilidades financeiras do orçamento nacional, é minha convicção que, mesmo quando esse princípio fosse sustentável e admissível, o ensino técnico médio começaria para muitos a ministrar-se na idade dos cabelos brancos...
E até lá que fazer? Até lá, o dilúvio, o natural dilúvio dos descontentamentos fundados e legítimos, e uma fenda de problemas graves que não vale a pena seriar.
Mas vejamos o que há a considerar sobro o progressivo aumento anual de 1200 alunos que concorre ao ensino liceal. Dar-se-á esse fenómeno «por razões puramente económicas», ordenadas aos réditos futuros, com sacrifício das predisposições de espírito ou das respectivas vocações intelectuais?
Estamos convencidos de que, à parte um ou outro caso que bem podemos considerar isolado, o fenómeno merece ser visto através de outras justificações, que não aquelas tornadas públicas no discurso de Oeiras.
Entretanto, parece-nos, desde já, dever frisar que, por índices constantemente (postos sob a nossa observação corrente, formando até pressuposto desalentador para a maioria das profissões intelectuais, o que se passa em nossos dias, quanto a actividades rendosas, é, precisamente, o contrário do que vem diagnosticado.
Se privilégios naturais há que reconhecer, sob este ponto de vista, de maneira a, mais a mais, forçar vocações ou a decidir preferências de trabalho, julgo que não é na maioria dos diplomados com cursos superiores que vamos hoje encontrar as camadas sociais economicamente hercúleas em contraposição à nomenclatura das economicamente débeis ...
Se este aspecto fosse de considerar, as forças captadoras exercer-se-iam então para domínios diferentes do ensino liceal, considerado este como primeiro passo para o acesso aos cursos superiores.
A nosso ver, essa afluência determina-se principalmente pelo aumento demográfico verificado nos últimos dez anos, que anda à roda da média anual de 80000 habitantes, e, sendo assim, não parece desusado, nem se nos afigura auquilose orgânica a merecer o correctivo daquele aparelho de gesso das soluções hirtas e duras, que cerca de 10 por cento desse aumento demográficos procure ensaiar as suas aptidões de espírito por meio de concorrência ao ensino liceal, sendo de acrescentar, por ser exacto, que desse contingente, uns porque se desenganaram, muitos porque cedo foram compelidos ao granjeio imediato de meios de subsistência, e ainda muitos outros por diferentes motivos, há que contar com uma redução a cerca de 50 por cento do que chegam ao fim do curso dos liceus.
Por outro lado, não pode ser indiferente à verificação do fenómeno o crédito de que o Estado rodeou, e bem, o ensino liceal, investindo nele princípios de conveniência ética próprios de quem educa e ensina os homens de amanhã.
Na verdade, qualquer problema que se suscite sobre o ensino, mormente a idade impúbere, não deve ser olhado apenas pelo conteúdo didáctico, mas sim - com simultaneidade, senão até com preocupação dominante - pelo lado educativo ou pedagógico, dado que é pelo exercício concorrente dessas acções complementares que se alcança a formação do carácter, o timbre da dignidade e a força da consciência e se guinda a cultura adquirida ou os conhecimentos ministrados ao serviço do perfil útil do homem, devidamente enquadrado na ordem social.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - É a escola, na expressão concisa de Salazar, «sagrada oficina de almas» e é ela, como o mesmo insigne estadista definiu ao dirigir-se, em 1934, à juventude académica, «que há-de educar-vos a vontade, para que saibais querer, no duplo sentido desta expressão: vontade recta e vontade firme; há-de dar-vos a preparação necessária para o esforço útil, a aptidão para um trabalho real, e melhor ainda se fordes hábeis em mais de uma coisa; há-de formar-vos o espírito forte para a luta: porque é preciso receber com calma os golpes da vida, suportar as agruras da adversidade, seguir com fé o seu destino, sacrificar-se pelo bem comum e sentir, com isenção, com lealdade, com nobreza, diante da Pátria, o orgulho e a glória de sofrer».
Se destes luminosos conceitos se depreende, pois, como sempre, a verdade inerente à moral da conduta humana, que admira então que as idades da iniciação para esse objectivo procurem os estabelecimentos oficiais que melhores garantias oferecem nesse capítulo? Que admira, pois, que &e procure nos liceus aquilo que as escalas técnicas desse grau, por confessado reconhecimento oficial, ainda não estão em condições- de realizar com êxito relativamente seguro?
Fala-se, por vexes, no suprimento do ensino particular. Mas, quando assim se procede, Sr. Presidente, omite-se um factor real de interpretação da vida portuguesa, que não é justo nem sério esquecer, qual seja o de que o ensino particular, alheado entre nós de qualquer subsídio do Estado, tem de ser penosamente caro, impossibilitando a bolsa média - que é a da grande maioria da Nação de nele - encontrar o desafogo e o alívio porá as dificuldades que, em nome de hipotéticos ou - errados interesses gerais, o Estado entende dever levantar.
E já agora diga-se tudo: quem tiver a seu cargo a educação simultânea de três ou quatro filhos demais deve ter sabido que não pode pensar em se socorrer do ensino particular. E a educação, no sentido amplo que não vimos concedendo, não pode nem deve ser, em quaisquer dias e seja à custa do que for, o derramamento de um privilégio em favor dos tais economicamente hercúleos- de que falei há bocado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Bem basta que as tendências utilitárias dos tempos se afirmem em outros graus de prerrogativas.
Denegar uma natureza de ensino oficial, para provocar indirectamente a afluência a outro de natureza e de objectivos diferentes e onde, mais a mais, se sabe haver, por enquanto, desníveis graves, parece que é condenar uma boa parte da geração que desponta para a vida àquilo a que chamaremos trabalhos forçados, com consequências que só mais tarde aparecerão, sem remédio, aos nossos olhos, mas de que é fácil já agora estabelecer previsões, e por isso mesmo remediar ou corrigir as causas.
Onde a técnica não desventra os efeitos de certos problemas, que o faça então com antecipação realista o conjugado político.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para mais, não é missão correcta do Estado, com fundamentos de acção alicerçados em concepções opostas aos daqueles que estão para lá da chamada «cortina de ferro», impor ou de forma alguma constranger, ainda que indirectamente, determinar as aptidões profissionais, mas sim facultar os meios razoáveis e idóneos para que estas se exercitem e revelem e possam depois transmudar-se em valores voluntárias e calhados ao serviço da grei.
Mas, Sr. Presidente, os inconvenientes da solução preconizada não ficam, lamentavelmente, só por aqui. Falar na evasão forçada do excesso de candidatos ao ensino liceal para o técnico envolve, em meu entender, problemas muito mais delicados do que os da simples mudança de um rebanho de humildes cordeiros de uni lugar para outro.
Assim, por exemplo, em que grau é que o ensino técnico elementar, tal como hoje existe de facto, corresponde ao escopo da educação em sentido rigoroso? Tendo presente o plano social em que hoje principalmente se recruta a população desses estabelecimentos, em que medida é que se pode garantir que não surjam conflitos de sensibilidade, para não dizer de personalidade, até com prejuízo para as relações do camaradagem, entre os elementos da população, digamos, voluntária e aquela a que designarei por forçada desses estabelecimentos? A dar-se uma assimilação por convívio, não será o estilo de educação do maior número, recrutado em regime de hábitos de vida nalguma coisa, muito diferente, aquele que acaba por absorver o menor número? E sem perder de vista que abordamos problemas correspondentes a idades que oscilam entre os 10 e 12 anos, em que moldes é que a educação familiar será respeitada, nos seus traços mais essenciais, no ambiente desse convívio, ou vice-versa, se a assimilação de que já falei vier a acontecer no sentido um que é mais natural?
Estas interrogações designam a delicadeza dos problemas equacionados e abonam a natureza de outros tantos que poderiam pôr-se se a resposta à dificuldade pedagógica e educativa que pretendi enunciar não estivesse pronta à observação razoável de qualquer pessoa esclarecida.
Dir-me-ão: em qualquer estabelecimento de ensino, quer liceal, quer técnico elementar, nunca é possível estabelecer uma. homogeneidade educativa absoluta que coincida com a ministrada no ambiento familiar de cada aluno. É certo.
Mas, se isso não é possível alcançar-se em absoluto, por definição de origem, é, todavia, certo que a homogeneidade relativa de educação é perfeitamente possível manter-se no convívio dos alunos entre si quando promanarem de meios familiares sensivelmente assentes na mesma base de conceitos.
O Sr. Presidente: - Lamento ter de disser a V. Ex.ª que já ultrapassou o tempo regimental.
O Orador: - Dada a forma como tenho organizado o articulado das minhas considerações, não me é possível terminar já. No entanto, procurarei ser breve nas minhas considerações.
É isso que se verifica nos liceus. E nas escolas de ensino técnico elementar, tal como hoje sabemos existir no País, poderemos, porventura, alimentar sequer as esperanças dessa homogeneidade relativa? Ou, pelo contrário, não serão de prever conflitos íntimos, reflectidos neste ou naquele aspecto e ditada pela diferenciação do concepções já prévia e gradualmente recebidas nos ambientes familiares?
Isto reforça-me a pensar que o Estado devo, no caso que estamos tratando, facultar os meios próprios, em regime de perfeita liberdade de escolha, que sejam susceptíveis de corresponder à índole originária do tipo do educando.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: as razões que atrás resumi como norteadoras no pensamento da Governo em relação ao problema posto tem impedido aquele de satisfazer a premente necessidade, já algumas vezes
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representada, da elevação do liceu municipal da Covilhã, só com o 1.º ciclo, ou seja o 1.º e 2.º amos, à categoria de nacional, de modo que o ensino nele se estendesse, pelo menos, até ao 5.º ano do liceu.
É uma aspiração vital da cidade, e não há dúvida, como espero demonstrar, que todas as razoes - as de ordem demográfica, as de ordem económica, as de ordem espiritual, as de ordem política e até as concernentes às da superlotação de muitos liceus do País, especialmente de Castelo Branco e da Guarda, sobrecarregados - com vizinhos daqueles concelhos - se carrilam no sentido de essa ambição, até agora contrariada, merecer pleno deferimento.
S. Exa. o Sr. Ministro da Educação Nacional, com a justiça que lhe é peculiar, no próprio discurso de Oeiras reconhece lealmente que o Liceu da Covilhã possui uma «frequência superior, só nos dois primeiros anos, únicas permitidos, à de quase todos os liceus nacionais com dois ciclos».
Isto é, pois, um ponto que reputo assente no entanto, posso ilustrar com números esta afirmação do Governo, informando que no presente ano lectivo frequenta este liceu, e apenas nos 1.º e 2.º anos (únicos permitidos), uma população de 162 alunos, o que, sem dúvida, acusa um índice impressionante, mais a, mais se tivermos em conta que muitos pais, e talvez com alguma razão, sabendo com antecipação que o curso local fica interrompido a partir do 5.º ano, têm preferido estabelecer a primeira matrícula em liceus que garantam a continuidade de métodos de ensino, de hábitos e sistemas de professores, etc., desde o 1.º até ao 7.º ano.
Todavia, penso ainda que não é supérfluo, nem despiciendo, para a inteira análise do problema, aditar às razões de ordem geral que acabei de formular alguns factores de marcado relevo.
Assim, segando o último censo, a população da cidade da Covilhã conta-se pela ordem dos 22 000 habitantes, ao passo que as das cidades de Castelo Branco e da Guarda orçam, respectivamente, por 10 000 e 12 000, e os habitantes da vizinha vila do Fundão - a vinte minutos da cidade da Covilhã - andam por cerca de 6 000.
A diferença das populações destas terras entre si acusa um excedente em favor da Covilhã que, no grau mais elevado, é de 7 000 habitantes, ou seja uma diferença que excede o próprio número de habitantes da vila do Fundão e seu termo.
Visto o problema por habitantes dos respectivos concelhos, a diferença em favor da Covilhã é da mesma forma significativa, dado que, enquanto o nosso concelho dispõe de 68 000 habitantes, o de Castelo Branco alberga 62 000, seguido do da Guarda, com 52 000, e do Fundão, com 49 000.
A tudo isto acresce que da ilustração destes números resulta para o concelho da Covilhã major densidade populacional, quando relacionada com a daqueles concelhos mais próximos, sem dúvida de maior área territorial.
Por outro lado, é sabido que o meio considerado se apresenta com um marcado pendor de natureza predominantemente económica, que lhe advém da circunstância de ver o mais forte bastião técnico e financeiro da indústria nacional de lanifícios.
E esta é de tal maneira absorvente da« atenções locais que mal permite que outra, com probabilidade de êxito, ali se ensaie, desde que não seja daquela natureza ou não tenha consigo afinidade muito próxima.
Ora, tendo em conta o necessário equilíbrio das aspirações e dos fins sociais de qualquer corpo gregário, é dos mais rudimentares ensinamentos da sociologia que todos os esforços se conjuguem no sentido de fomentar e de desenvolver na vida da sociedade aqueles aspectos humanos que nela dêem mostras deficitárias em relação a esse desejado equilíbrio de forças.
E também é de reconhecer, por lição dos livros e da experiência, que no meio social onde naturalmente se estadeia a exclusiva preponderância do económico, como expressão unilateral e absorvente da actividade humana, se verifica também muitas vezes a atrofia, quando não n crise progressiva de factores de outra ordem, que devem presidir, com proporção e equilíbrio, aos destinos da actividade social.
Se isto é assim, em abstracto, há que, em concreto, não ignorar as repercussões do fenómeno.
Na verdade, foi ainda o Sr. Presidente do Conselho quem um dia disse que à escola cumpre despertar a «inteligência preparada para a acção», o que, por outras palavras, pode interpretar-se como querendo traduzir que é à disciplina são espírito, da força imoral do verbo, princípio de todas as coisas, que incumbe fornecer as energias pessoais e sociais que colmatem todas as realizações e que pautem em tudo as normas de conduta na vida de relações dos indivíduos.
O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que já excedeu em quinze minutos o tempo regimental.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Indesejáveis serão então, e até perigosas ao próprio conceito de salvação social, que em qualquer tempo ou lugar as acções dos indivíduos, completamente à margem de uma direcção interior, comunicada pela educação e pelo espírito, sigam a linha sinuosa, e tantas vezes quebrada, das solicitações dos interesses materiais, com o cortejo negro da subversão dos sentimentos morais das relações da família, do carácter comum, da lealdade mínima. O slopan «produzir e poupar», entendido por muitos desarticuladamente, terá de integrar-se em princípios de sanidade formativa, vazados em qualquer fórmula que signifique a necessidade simultânea de a persuadir e educar».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E esta missão incumbe, como vimos, à escola, em suprimento do que em outras fontes não é lícito esperar.
A criação do liceu por que venho propugnando pode ter, assim, uma alta incumbência a desenvolver no sentido de respeitar ou de restabelecer, com a acção contínua sobre as gerações, o necessário equilíbrio de factores.
E nem se diga que impedem essa elevação de categoria a nacional as costumadas razões orçamentais do Estado, visto que as próprias entidades administrativas locais já afirmaram ao Governo que todas as despesas inerentes a esse facto correriam de sua conta não se pondo sequer no caso o problema do alojamento, uma vez que o edifício actual comporta o correlativo aumento do número de alunos.
Se a Escola Industrial Campos Melo, sempre em exercício desde a data da sua criação, que foi no ano de 1884, tem sido alfobre perene do recrutamento da técnica da indústria de lanifícios nacional, e a tal ponto que lhe devemos, sem dúvida, o manancial de riqueza económica e de perfeição que essa indústria representa hoje, honrosamente, no Império Português, não é menos certo que esse estabelecimento tem tido, desde a sua fundação, contingente mais ou menos igual de população, nunca perturbando o escoamento natural de todos aqueles que porventura se sentiram com desejos de frequentar outros centros de ensino.
Isto é uma verificação já suficientemente amadurecida pelo decorrer de setenta anos.
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Sr. Presidente: vão as minhas considerações já demasiadamente longas, mas a importância no assunto tanto me obriga.
Como disse já, ele é considerado como problema de alto valor político, quer no sentido rigoroso, quer no sentido da preparação social do futuro.
Se se pretende acabar com a superlotação de alguns liceus do País, nomeadamente do de Castelo Branco e da Guarda, facilitem-se então as medidas para que o total desse excesso, ou parte dele, sem o terror dos aumentos estatísticos gerais, regresse à casa paterna, como na parábola do Filho Pródigo, e desta vez também com alguma propriedade ...
Ao Governo, ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Ministro da Educação Nacional, que são juristas de índole cristã, o que, quer dizer que reconhecem a necessidade da personalização das medidas respeitantes ao homem o Sr. afastam dos tratos a veladores, que conduzem a erros e a de proporções perigosas, eu faço o pedido da elevação do Liceu Municipal Frei Heitor Pinto a nacional, absolutamente seguro de que o caso, pela natureza específica do meio, merece uma consideração à parte daquela que porventura couber às soluções de enquadramento geométrico.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente : - Enviados pela Presidência do Conselho, estão na Mesa os n.ºs 274, 275, 277 e 280 do Diário do Governo, respectivamente de 6, 9, 11 e 15 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 39 027, 39 029, 30 031, 39 032 e 39 035, para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta do lei sobre o Plano de Fomento.
Antes de conceder a palavra ao primeiro dos oradores inscritos quero comunicar à Assembleia que estão na Mesa mais duas propostas do Governo alterando o Plano de Fomento.
Essas propostas vão ser lidas à Assembleia.
Foram lidas. Suo as seguintes:
1. O plano de fomento para Cabo Verde inscrevia a. dotação de 20:000 contos sob a rubrica "Porto de S. Vicente". E no relatório que o precedia indicavam-se os objectivos a alcançar com os respectivos melhoramentos portuários, frisando-se, porém, que, estando naquele momento uma missão a estudar o problema in loco, haveria que aguardar o resultado desses estudos. No entanto, supunha-se que se não deveria ir muito além de um cais para atracação de navios e de um plano inclinado para barcos de cabotagem.
No decorrer da apreciação da proposta de lei observou-se na Assembleia Nacional que a dotação inscrita, era insuficiente; igualmente no parecer da Câmara Corporativa essa escassez foi notada e ao mesmo tempo sugerido que, no caso de não poder ser maior, fosse de preferencia aplicada em outros objectivos, nomeadamente no melhoramento do Porto Novo, na ilha de Santo Antão.
De posse de alguns elementos trazidos pela referida missão, pode agora o Governo ajuizar melhor da situação e ajustar, como tinha expressamente previsto, a dotação em causa. Desejaria encorar a construção de um quebra-mar, no qual viessem a inseria-se um ou mais e mais para atracação de navios, e a de um plano incluindo. Ao mesmo tempo executar-se-ia uma pequena obra de abrigo em Porto Novo, de Santo Antão, fronteiro a S. Vicente, ligando por uma curta estrada aos férteis vales - do Norte daquela, ilha, a fim de se poder garantir o regular e frequente - abastecimento de frescos e frutas à cidade do Mindelo e à navegação no Porto Grande.
Para tanto tem de ser alterada, a rubrica inicial e invada a dotação para 45:000 contos, sendo 10:000 transferidos da dotação de 80:000 contos atribuídos à "Construção de parte da estrada, de cintura da ilha, de S. Tomé", do plano de fomento do S. Tomé e Príncipe, do que não resultará inconveniente.
2. Considerou a Câmara Corporativa, como necessária a construção de um caminho de ferro na região do Congo, tendo o mesmo desejo sido expresso na Assembleia Nacional. Tem o Governo idêntica convicção, reconhecendo a situação difícil, quanto a transportes, em que se encontra o Norte da província, imperfeitamente dotado de vias de comunicação indispensáveis para o desenvolvimento da sua agricultura, das riquezas mineiras e do próprio povoamento.
E, embora, considere da maior importância levar o mais adiante possível o prolongamento do caminho de ferro de Moçâmedes, julga, contudo, poder retirar 100:000 contos da sua dotação, que, juntos a 50:000 contos obtidos pelo sacrifício da dotação para "Preparação de terrenos no vale do Cunene", preferiam o montante de 200:000 contos a destinar à construção de em apreciável troço do futuro caminho de ferro do Congo, para servir esta região, drenando os seus produtos para o porto de Luanda.
Desta maneira não será muito afectado o prolongamento do caminho de ferro de Moçâmedes, pois ficam ainda assegurados meios para ultrapassar Vila Serpa Pinto, nem comprometida a obra de povoamento do Cunene, que se considera necessário levar por diante.
Finalmente, e no que respeita ao plano de Macau, tendo em vista, as observações feitas acerca da. construção de um aeroporto - e que já constavam do relatório da proposta do Governo -, entendeu-se que, substituindo a rubrica "Estradas" por "Estradas e aeroportos", ficaria melhor esclarecido e assegurado o objectivo.
4. Nestes termos, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional as seguintes propostas:
1.ª Que no plano de fomento para Cabo Verde a rubrica à Comunicações e transportes" - e os números finais do plano tenham a seguinte ordenação:
B) Comunicações e transportes:
Contos
1) Porto de S. Vicente, Porto Novo (Carvoeiros) e sua ligação
com o Norte da ilha... 45:000
2) Aeroporto da ilha do Sal (a) ...... 15:000
3) Outros aeródromos ... 2:000
4) Transportes marítimos... 10:000 72:000
Total da despesa 127:000
d) A deduzir, por ser a cargo do Ministério das Comunicações . . 15:000
Total final....... 112:000
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2.º Que no plano de fomento para S. Tomé e Príncipe a dotação da rubrica «B), 2) Construção da parte da estrada de cintura da ilha de S. Tomé seja alterada para 70:000 contos, sendo, consequentemente, alterado o «Total da despesa» para 200:000 contos;
3.ª Que no plano de Fomento de Angola a dotação da rubrica A), 2) Preparação de terrenos no vale do Cunene, instalação e assistência técnica e financeira» seja reduzida para 461:000 contos;
Que no mesmo plano, como primeira alínea da rubrica «B) Comunicações e transportes», seja inscrita a seguinte: «Camimho de ferro do Congo» - 200:000 contos;
Que no mesmo plano a rubrica «B), 2)» passe a ter a seguinte redacção e respectiva dotação: «Continuação do caminho de ferro de Moçâmedes para leste, até Vila Serpa Pinto, incluindo a ponte sobre o Cunene» - 800:000 contos;
4.ª Que no plano de fomento de Macau a rubrica «B), 2)» passe a ter a seguinte redacção: «Estradas e aeroportos».
Lisboa, 10 de Dezembro de 1952. - O Ministro das Finanças, Artur Águedo de Oliveira. - O Ministro das Obras Públicas, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich. - O Ministro do Ultramar, Manuel Maria Sarmento Rodrigues. - O Ministro da Economia, Ulisses Cruz de Aguiar Cortêz.- Ministro das Comunicações, Manuel Gomes de Araújo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: escusado será frisar à inteligência e à sensibilidade da Câmara o que as propostas de alteração do Plano de Fomento enviadas pelo Governo traduzem de superioridade de espírito e de colaboração com a Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Pareceu-me, todavia, de justiça dar eu pública expressão da nossa atenção à atitude do Governo, inspirada na preocupação dos superiores interesses do País e do que ela representa de reconhecimento e de valorização do esforço da Assembleia (apoiados gerais)»
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Melo e Castro.
O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: foi dito aqui, no início deste debate, pelo ilustre Deputado Melo Machado que nenhum português consciente pode considerar sem emoção, sem agradecida emoção, este Plano de Fomento, que o Governo propõe para rumo, disciplina e motor da máxima parte do esforço colectivo da grei portuguesa de aquém e além-mar nos próximos seis anos.
Fruto dessa nobre emoção, que não enevoa, antes aguça, o exame e a reflexão, tem sido o interesse despertado pelo Plano nas camadas atentas do País, nos centros de estudos, no seio das actividades económicas, na imprensa, e mormente, Sr. Presidente, este espectáculo, porventura fatigante, mas fortemente consolador, que nos tem sido dado viver aqui, na Assembleia Nacional, de há perto de três semanas para cá: revelações cada vez mais numerosas da profunda atenção que à Câmara mereceu o diploma em debate, críticas, aparentemente as mais díspares, quer no plano da generalidade, quer na especialidade regional ou por capítulos, mas críticas sempre saudáveis, muito diversas, embora conforme os estímulos, conforme o ângulo de visão do interesse nacional, até conforme a propensão temperamental de cada um. E um, multiplicar-se de sugestões, um borbulhar de ideias, de planos, como brota a linfa criadora ao golpe do alvião.
Se não erro, já quarenta e seis Srs. Deputados usaram da palavra ... E isto, Sr. Presidente, não obstante o primoroso relatório que precede o Plano e os doutos pareceres da Câmara Corporativa, entre os quais há peças de alto mérito.
Deste espectáculo, que suponho inédito, ao menos nos nossos costumes parlamentares mais recentes, assim como eco fecundo que o debate tem tido, creio que pode V. Ex.ª, Sr. Presidente, e pode toda a Câmara tirar legítimo desvanecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A par de toda a benéfica influência que vai exercer na vida portuguesa, no domínio económico e social, creio que não deve deixar de frisar-se o significado político do Plano. Para além das críticas que, em pormenor, possa merecer-nos; para além de certas decepções que possa trazer-nos, por não encontraram previsto algum empreendimento com que regionalmente sonháramos, ou, noutro ponto de vista, até por não abarcar todo o conjunto das necessidades nacionais económicas e sociais e todo o dos recursos (mas nunca fora anunciado como tal no prudente realismo do Governo), a verdade, Sr. Presidente, é que ninguém pode deixar de considerar este compromisso legal de investimento de 13,5 milhões de contos em empreendimentos todo rigorosamente reprodutivos como uma vigorosa alavanca, porventura a mais vigorosa, que desde o início da nossa era de esplendor, desde há cinco séculos, tem sido posta em movimento para regeneração da economia pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, só é lícito esperar que o País, uma vez devidamente informado, uma vez consciencializados os objectivos do Plano, sinta um grande renascimento de confiança.
Confiança pia doutrina, confiança na obra em que a doutrina se vai corporizando e confiança firme que os comandos continuam a mostrar merecer-nos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: também eu teria pequenas questões de pormenor a pôr acerca de certas obras omissas nos mapas anexos à lei que vamos votar e até alguma coisa teria a notar planto às concepções gerais predominantes na elaboração do Plano, se desejaria até exprimir a aspiração de, entre nós, vir a ser posta a problemática do pleno emprego e da mobilização total dos recursos nacionais.
Não é tanto a preocupação de não ser responsável também pelo estafante alongamento do debate o que me inibe. Nem sequer a perfeita consciência da modéstia da minha preparação. nem o facto de a matéria já estar tão proficientemente debatida.
É que, Sr. Presidente, desejava antes aproveitar a oportunidade, que se me afigura de feição, para alguns breves apontamentos de política social conexos com o grande impulso de política económica que o Plano representa.
Espero não tomar demasiado tempo a VV. Ex.ªs, até porque só desejo pôr a voejar umas poucas de ideias, ainda por cima de maneira nenhuma originais, que pudessem servir de esquisso para certas reformas legislativas no domínio social que reputo necessárias à ver-
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ladeira consecução do grande objectivo do Mundo de Fomento - a elevação do nível médio de vida dos Portugueses.
Sr. Presidente: vamos criar novas e poderosas fontes de riqueza, de que é lícito esperar profunda alteração na vida portuguesa. São 13,5 milhões de contos investidos tem empreendimentos directamente reprodutivos durante seis anos, e, procurando, em parte tão importante, a exploração das possibilidades ultramarinas, quando nos quinze anos de vigência da Lei n.º 1 914 se investiram cerca de 8 milhões em obras, das quais, em boa parte, só indirectamente foi alvejado o fomento e, em parte não despicienda, nada tiveram a ver com este objectivo. De um plano de investimento desta grandeza só pode esperar-se, portanto, repito, uma influência na vida nacional como nunca vimos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o exame do quadro de financiamento mostra que, em mais de três quartas partes, os recursos a empregar são de origem pública, representam dinheiro, esforço, sacrifício de todos nós, do povo, pode dizer-se.
Não deve também aqui passar sem nota o sacrifício que representa, sob vários aspectos a mobilização para o fomento de 1.400:000 contos das caixas de previdência.
Ora, Sr. Presidente, o maciço esforço que assim é pedido à Nação, a toda Nação, como se vê, sem destrinça de posições na escala social ou económica, este esforço, que é tanto mais duro quanto é baixo o rendimento nacional, e que, note-se tambem, é pedido quase integralmente à presente geração dos portugueses, impõe necessariamente os maiores cuidados, a mais apertada vigilância, para que os resultados se distribuam inludívelmente por todo o corpo social da Nação ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... para que não se perca nos meandros de uma ainda defeituosa estrutura social o que a toda a Nação pertence. Não se trata de empreendimentos em que um punhado de financeiros se houvesse lançado, um povo inteiro que empenha a fundo o melhor dos seus recursos, sacrificando necessariamente tanto da sua economia de consumo para tentar elevar u baixo nível de vida médio, quer dizer, para tentar estabelecer entre as classes sociais o possível a justo equilíbrio da fruição dos bens da vida e da civilização.
A actividade económica no plano privado ou no plano colectivo não tem fim em si mesma, como é óbvio. Também, Sr. Presidente, a criação do riquezas só se legitima na medida em que é assegurada a sua distribuição por todos os que partilharam de esforço criador.
Eu não deixo também de aceitar em boa parte a tese, entre nós dominante, de que para mais prudente solução do problema suciai, antes de pensar em distribuir riquezas existentes, havia que criar outras mais vastas e mais evidentes. Efectivamente, em maior abundância, a distribuição poderá fazer-se com alguma paz. E nas lutas sociais sempre perderam mais os economicamente menos fortes.
Importa, porém, principalmente não deixar toldar-se o fim de todo o fomento, de toda a criação de riquezas, que é sempre e somente a distribuição pelo maior número, pelos mais carecido».
Não desejo ilustrar esta afirmação de uma verdade que hoje já não é abertamente discutida senão com a lição dos textos pontifícios, que transmitem a lição eterna do Evangelho e mantém uma insistência jamais atenuada desde que há sessenta e um anos ressoaram pela urbe e pelo orbe as verdades magníficas da Rerum Navurum.
Em 1947 falava, desta maneira Pio XII:
Para os católicos o caminho a seguir para a solução da questão social está claramente indicado na doutrina da Igreja... Não há necessidade de excogitar soluções aparentes que levam a enganosos resultados e fracassos. Deveis tender é
Para uma mais justa, distribuição das riquezas.
Este é e permanece como um ponto programático da doutrina, social católica. Sem dúvida - continua o Pontífice - o curso natural das coisas traz consigo
- e isso não é nem económica nem socialmente anormal - que os bens da terra, dentro de certos limites, estejam desigualmente divididos.
Porém, a Igreja opõe-se à acumulação destes bens nas maus de relativamente poucos arqui-ricos, enquanto grandes massas de povo estejam condenadas a um pauperismo ou a uma condição económica indignos de seres humanos. Uma mais justa distribuição da riqueza é, pois o alto fim social dos vossos esforços.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No articulado do diploma que vamos votar não está prevista matéria- conducente a assegurar por novos meios legislativos a necessária distribuição dos novos bens de produção que vão fomentar-se ou do seu rendimento, por forma que assegure a efectiva generalização de um nível de vida aceitável. Talvez só da execução do disposto na base VI, n.º 2, ao reformar-se a legislação relativa à hidráulica agrícola e à colonização, alguma coisa deste objectivo possa ser atingida.
E não é de prover, Sr. Presidente, que uma substancial .subida do nível de vida só consiga apenas pela melhor distribuição de bens de consumo, pela maior estabilidade do trabalho e pelo aumento dos salários, sendo indiscutível que a ascensão social que desejamos para as classes mais desprotegidas só se consegue pelo acesso à propriedade e à educação, o que também significa, Sr. Presidente, o acesso à liberdade, o acesso à vida espiritual.
Isto quer dizer que não basta o simples fomento, no plano meramente económico, para que a nítida subida do nível social da vida portuguesa seja uma realidade. Já vai longe o tempo em que se acreditou nas harmonias que espontaneamente engendraria o livre jogo dos factores económicos.
É necessária a intervenção legislativa profunda no arranjo social da vida portuguesa, a intervenção do espírito de insatisfação e de inconformismo que elimine parasitismos inconciliáveis com as necessidades do tempo presente, regenere estruturas sociais e institutos jurídicas em crise, assegure, em suma, a justiça na distribuição das novas riquezas que vai criar o trabalho de todos os portugueses - para todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não seria, contudo, de concluir, ainda que outros elementos de interpretação não houvesse, que o Governo, ao propor tão transcendentes providências de fomento,... considera plenamente satisfeito com o estado actual da estrutura social das nossas actividades económicas, quer no domínio agrário, quer no industrial.
Com efeito, no próprio relatório aponta essa insatisfação, ligeiramente - atendendo só ao número de palavras, mas inequivocamente se considerarmos a sua intenção e a sua intensidade semântica.
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É assim, Sr. Presidente, que no relatório se fala, com toda a verdade, na crescente proletarização que se verifica sobretudo em certas zonas do Sul». E assim que também ali se referem os defeitos de estrutura agrária, que numas regiões se caracteriza pela fragmentação e dispersão excessivas da propriedade e noutras pela concentração, situações frequentemente agravadas pelos se temas de exploração agrícola», e se apontam estes factos como causa das baixas produções unitárias para a maior parte dos produtos agrícolas, a par da falta de assistência técnica, da baixa mecanização e portanto do insuficiente rendimento do trabalho na forma em que é utilizado.
Também no relatório, de resto ao sabor da legislação já existente relativa à colonização interna, é nitidamente marcada a preferência pelas «explorações agrícolas de tipo familiar», como mais perfeito sistema para colonização de incultos e para a passagem da cultura extensiva à, intensiva. Também ali é destacado o princípio cooperativista, o que acentua a preferência pela pequena e média propriedade.
Não serão numerosos, com efeito, os trechos em que é vincada a necessidade de reforma das estruturas sociais, mas não poderá negar-se que são os suficientes para se surpreender um largo propósito subjacente com que deve preencher-se o que se nos afigurar em branco nesta matéria. Hasta, às vezes, uma palavra para exprimir todo um mundo de ideias, como um torso mutilado chega para adivinhar a estátua em toda a sua beleza.
E eu não queria, Sr. Presidente, deixar de reflectir um pouco e pedir à Câmara que reflectisse também um instante numa palavra inserta no relatório que me aparece carregada de significação. Embora exprima um fenómeno angustiante, muito me alegrou encontrá-la pela primeira vez entre nós em documentos desta responsabilidade: refiro-me à palavra «proletarização», portanto, num sentido positivo, à necessidade de desproletarização, ao conceito de desproletarização.
Fundamentalmente, Sr. Presidente, na tragédia em que nos debatemos no Ocidente europeu, entre o ataque frontal do colectivismo, que avança alçado na bandeira do imperialismo eslavo, e o estertor de um estado de coisas social e económico e dum estado de espírito que, sobre restos de antigos privilégios e injustiças, construiu um mundo de iniquidade pela concentração do poder económico nas mãos de muito poucos e pela desumanização do trabalhador em simples mão-de-obra vendável, nesta tragédia que nos afronta, é precisamente no conceito de desproletarização que está a chave dos problemas máximos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A criação do proletário, do ser desgarrado a quem, punido não se reduziu à fome, se lho corrompeu a família, se esmagou a sensibilidade, retirando-lhe toda a dignidade de colaborador da empresa, se roubou Deus e se encheu a alma de fel, a criação desse tipo atroz na sua infelicidade é precisamente o ferrete de ignomínia do capitalismo plutocrático, tal como se praticou da banda de cá do Atlântico, na fábrica, como, em parte, na terra.
O proletário, Sr. Presidente, não o saberia eu definir como o encontro definido, com a luminosidade de sempre, no trecho que leio do Sr. Presidente do Conselho:
Desenraizado da terra. da. casa, da oficina, e sem o ponto de apoio da família, que se desagrega a olhos vistos nos tempos modernos, a sensação mais penosa do homem é a que lhe vem do desconhecimento e da precariedade da sua própria ocupação.
Ser proletário, para os tempos modernos, confirmando, em grande parte, o significado latino da palavra, é a degradação, o desumanizar-se a vida, o subverter-se a dignidade de filho de Deus e a liberdade espiritual do cidadão.
Pois é exactamente o ser proletário - quanto pôde essa aberração genial que teorizou o materialismo dialéctico e a quanto leva a miséria no seio das massas dementadas! - , pois é exactamente o ser proletário, o estar social e moralmente degradado, que nos aparece espantosa, monstruosamente arvorado em título de orgulho, em norma de vida nova, em concepção totalitária da vida e da sociedade, inscrito em bandeiras rubras, cantado em tom de guerra aos acordes de leis, Sr. Presidente, o fulcro da tragédia hodierna, o nó de víboras que asfixia o ocidental europeu dos nossos dias, enrolando-o em confusões e inquietações sem fim, sobretudo em países, como o nosso, que tanto se deixaram atrasar - a miséria feita aspiração, a vergonha feita honra, o ressentimento feito moral: afinal, quererem dizer sim com o não!
Desta maneira, para ambas as frentes, para cima o para baixo, contra direitas e contra esquerdas, contra a barbaridade comunista como contra o conservadorismo surdo e cego, o lema tem de ser sempre e só um: desproletarizar.
Como sempre, a voz da Igreja traz a lição oportuna. Escreveu o venerando bispo do Porto:
Nenhum problema estará resolvido, ou apenas se chegará à nociva solução socialista, enquanto não conseguirmos desproletarizar as massas.
Mas, Sr. Presidente, como há pouco dizia, não é com o simples aumento na distribuição de bens de consumo, com simples alterações nos salários, que se consegue a desproletarização.
A desproletarização só se obterá, a necessária transformação social só advirá, quando às nossas massas trabalhadoras dos campos e da oficina dermos por forma franca, corajosa, sem estar a calcular o que cada um de nós pode vir a perder materialmente, porque espiritualmente ganhamos com certeza, nós e os nossos filhos, ainda que lhes deixemos um pouco menos, sem ter receio de palavras, sejam elas as de reforma agrária, sejam elas as de reforma da empresa, quando lhes dermos, dizia, os meios para atingir objectivos que também peço licença para transcrever de um escrito do Sr. Presidente do Conselho:
... a segurança e dignidade do trabalho, o acesso à propriedade!, o acesso à educação e, por intermédio desta, ao exercício de todas as funções, e, finalmente, através da organização, a respectiva representação do Estado.
Julgo, assim, Sr. Presidente, que toda uma importantíssima elaboração legislativa, no domínio da política social, se torna necessária para que os grandes escopos que o Plano de Fomento propõe ao País, como também os propostos no recente Plano de Educação Popular, possam ser atingidos.
Honra, pois, ao Governo por, no relatório do Plano, em tão poucas palavras, revelar tanta insatisfação no domínio social, por mostrar que estão, afinal, intactos os grandes escopos da Revolução Nacional e por sugerir ideias e aspirações de justiça que algumas pessoas, neste país, ainda apelidam de demagogia!
Essas pessoas, que o nosso ilustre colega Sr. Coronel Durão há dias aqui apontou, também hão-de certamente achar demagógicas as afirmações do relatório que citei.
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Era preciso, com efeito, reflectir-se uni dia no abuso que hoje se fax no nosso país, em certos meios, da palavra «demagogia».
Abusam da palavra, afinal, como os outros abusaram da própria demagogia: para estabelecer cortinas de fumo, obscurecer verdades simples e, tantas vezes, para camuflar ganâncias.
Não me é dado tomar por muito tempo a atenção de VV. Ex.ªs para concretizar desenvolvida mente, como tanto desejaria, o pensamento que deixo expresso acerca de uma larga elabora-lo legislativa e de uma redobrada acção política que julgo indispensável no domínio social.
Dignar-se-á, V. Ex.ª, Sr. Presidente, permitir-me, ainda que, ao menos, aponte para dois ou três aspectos concretos.
O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu pergunto como é que V. Ex.ª, em face da nossa densidade populacional, que em função da área arável anda por 90 habitantes por hectare, consegue a efectivação do seu ponto de vista?
Se em terreno de regadio, segundo cálculos feitos, são precisos 4 ha para o sustento de uma família e em terreno de sequeiro cerca de 20 a 30 ha, como é que V. Ex.ª coordena esse pensamento com a possível área arável do nosso território?
O Orador: - Mas V. Ex.ª concorda com a necessidade absoluta da desproletarização?
Sr. Nunes Mexia: - Eu compreendo a defesa total da família, e, como esclarecimento, direi a V. Ex.ª que numa pequena conversa estivemos a fazer o cálculo da área correspondente ao ordenado de um funcionário público de categoria.
Tratava-se de um juiz conselheiro, e nós, dentro do rendimento real, chegámos à consideração do uma área próxima dos 1 000 ha.
Isto é apenas uma enunciação da realidade, pois a minha consideração é apenas a de conjugar o nosso desejo com as possibilidades reais.
O Orador: - Se V. Ex.ª não deixa de considerar, pois, a necessidade urgente da desproletarização do trabalhador português e se ó condição desta o acesso quanto possível à propriedade, julgo que encontrará razões para desfazer o pessimismo que exprime considerando que nem só na terra se pode ser proprietário, mas também na indústria, que vamos agora desenvolver tão decisivamente, há formas de assegurar o acesso do próprio operário ao capital, e considerando ainda que não temos ao nosso dispor apenas esta nesga de torra europeia, mas todo o vasto Portugal ultramarino, assim como a emigração.
De resto, como V. Ex.ª vai ver, no terreno concreto, não vou defender utopias, mas soluções já experimentadas por toda a parte. Não estou a pedir o absoluto, mas o que for possível.
O que devo procurar-se é que sejam criadas as condições para que o maior número possível do portugueses possa ascender à propriedade.
Mas que esta tendência seja marcada com firmeza na legislação e na acção política, visto que, embora contra doutrina expressa de Salazar, julgo não me enganar afirmando que se tem dado nos últimos anos, desde a guerra precisamente, demasiada concentração nas mãos de grupos fechados, sobretudo no mundo dos negócios, mas também na terra e até, como aqui tem sido discutido com toda a razão, demasiada concentração das grandes empresas. Esta concentração é que é preciso combater, pois ela tem prejudicado o aumento do nível médio de
vida, que, embora por forma a não poder ainda satisfazer-nos, é inegável ter-se verificado como efeito da obra de Salazar, e, sobretudo, é inegável estarem postas as condições económicas para um grande aumento.
Portanto, o que desejamos é que a tendência seja marcada decididamente, e não por forma tímida, como já está nas nossas leis, embora saiba que não há-de ser fácil chegar o momento em que o rendimento médio dos Portugueses seja o dum juiz conselheiro.
De resto, V. Ex.ª ainda há dias aqui pôs alguns destes problemas com toda a nobreza e isenção e de maneira que não contraria aquela tendência de justiça que eu sei estar também no seu espírito. Agradeço assim a interrupção.
O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª está, salvo o duvido respeito, a enunciar princípios e, por consequência, não está a cuidar das possibilidades da aplicação deles, que numas actividades podem ter mais acuidade e noutras menos, e que deverão ser resolvidos conforme as possibilidades de cada uma delas.
Sondo assim, se os princípios de V. Ex.ª não se podem aplicar, muito ampliadamente, na actividade agrícola, por exemplo, eles são de maior aplicação, pelo menos nalguns casos, segundo a minha maneira de ver, à actividade industrial, corrigindo assim a tendência concentralista que se verifica neste sector.
O Orador: - É esse em parte o meu pensamento.
No parecer subsidiário da Câmara Corporativa da secção de Produtos florestais, quando trata de colonização interna, revelam-se algumas preocupações acerca de aplicações que pretendem fazer-se da doutrina contida na Lei n.º 1 940, segundo a qual pode a Junta de Colonização Interna promover a expropriação das terras beneficiadas pelas obras de hidráulica, agrícola e proceder à colonização directa.
Tal doutrina creio-a absolutamente justificada e não é ela, de resto, no da nova na nossa legislação.
Anda bastante esquecida uma lei notável que foi publicada já pelo Estado Novo, durante a gerência da pasta da Justiça pelo nosso ilustre colega Dr. Lopes da Fonseca: a lei do casal de família (Decreto n.º 18 551, de 3 de Julho de 1930).
Pois lá está prevista a possibilidade do expropriação de terras particulares, quando incultas ou do pousio, mas susceptíveis de melhor aproveitamento, para serem em seguida aforadas.
Aplicação esta bem mais avançada, digamos assim, que a da Lei n.º 1949, e de resto ao sabor da doutrina da legislação vigente nos países atrasados que querem verdadeiramente resolver o seu problema agrário e ao mesmo tempo fazer face ao comunismo com as armas próprias: citarei apenas a Itália de De Gasperi e o novo Egipto, que se verticaliza como se fora ocidental e cristão.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu não posso deixar de me associar às palavras de elogio que V. Ex.ª acaba de ter para com a disposição legal sobre o casal de família e o seu autor, nosso ilustre colega Dr. Lopes da Fonseca, mas, para sermos inteiramente justos (ocorre-me neste momento o clássico suum cuique), é preciso considerarmos que se trata de uma aspiração que vem de longe, estudada por doutrinadores que exerceram a sua acção já há muito tempo, como Xavier Cordeiro, por exemplo.
O Orador: - V. Ex.ª refere-se ao notável projecto do casal de família de Xavier Cordeiro? Sem dúvida, eu considero-o também um dos mais perfeitos trabalhos
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doutrinários e de elaboração legislativa que conheço relativamente aos problemas da vida agrária.
Quanto ao caso da Idanha, focado no referido relatório, não me considere- suficientemente elucidado para concluir se já pode ter-se como certa a incapacidade dos proprietários para tirarem da obra de rega o rendimento devido e promoverem a cultura intensiva que se pretendeu.
Não estou influenciado, pois, concretamente por este caso. O que me leva a defender a manutenção daqueles enérgicos poderes dados à Junta é o aspecto social na generalidade, embora reconheça que deva melhorar-me a legislação, indicando até à frente algumas ideias a esse respeito. Com a hidráulica agrícola pretendemos, sem dúvida, o aumento da produtividade da terra, mas também, em grau não menor, alo por ser em grande parte condição daquela, a fixação das pequenas empresas familiares autónomas.
Quer dizer: a beneficiação das terras deve ser inseparável da colonização. precisamente como meio dos melhores para se atingir a desproletarização de que falávamos.
O problema não deve, pois, ser encarado apenas nem predominantemente sob o aspecto da produtividade, mas sob o aspecto social.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: - É que, se não estou em erro, a Lei n.º 1 916 estabelece que a propriedade pode ser expropriada desde que o proprietário não a utilize. O que às vezes causa preocupações é que se exproprie o terreno que está a ser utilizado.
O Orador: - Quando se faz fomento pretende-se fundamentalmente, como dizia, que as novas riquezas criadas sejam verdadeiramente distribuídas pelo menor número. Ora a beneficiação só por si, não seguida de colonização, dificilmente atingirá este alvo.
Não é só o caso da Idanha que parece mostrar isto. É também, Sr. Presidente, o de Alcácer. Bem sei que decorreram a vida poucos anos sobre a inauguração da bela obra de rega a que, em boa hora, foi posto o nome de Salazar.
Mas, pelo que se tem visto, por ora, os trabalhadores da região muito pouco ganharam com ela: ao que me informam, apenas ligeira melhoria de salário. Do copioso rendimento da obra não ... se vêem, por ora, resultados palpáveis no aspecto racial.
Ora, Sr. Presidente, não é para tão pouco que a Revolução Nacional se empenha em obras destas. Não é assim que se consegue a necessária desproletarizacão.
O Sr. Amaral Neto: - No aumento da riqueza que trouxe a rega não houve vantagem imediata só para o lavrador.
O volume de salários e o número de dias de trabalho que se têm pago tom aumentado muito.
O Orador: - Mas eu não nego; eu acabo de dizer a V. Ex.ª que houve melhoria de salário e admito que haja maior estabilidade no emprego; o que acho é que esses resultados são insignificantes em face do que se espera de obras como aquela.
O Sr. Carlos Mantero: - Precisamente o que quer dizer o Sr. Deputado Amaral Neto é que o número do salários pagos aumentou consideràvelmente.
Se o que impressiona a opinião conservadora é a ideia da expropriação, da facilidade de expropriar a propriedade plena e o receio de que se generalize a ideia de pouco valor dos títulos históricos de propriedade, lembrava-me então de que se poderia introduzir uma alteração na lei permitindo a alternativa entre a expropriação da propriedade plena e a do simples domínio útil. Esta solução pelo aforamento diminuiria enormemente os encargos financeiros, não chocaria tanto, penso eu, a mentalidade conservadora e permitiria igualmente que a colonização fé exercesse com possibilidades equiparáveis. Durante o longo período em que, nos fornos gerais, não podia, dar-se a remição do foro o proprietário lá conservaria os sons títulos históricos. Podiam tocar até no prazo do artigo 1 054.º do Código Civil.
Deixo esta ideia à alta consideração do Governo.
Está claro que na fixação do foro teria de intervir a Junta. Para o fixar, disporia do conceito de renda justa. No caso, seria a renda justa do capital-terra.
Sobre o conceito de renda justa têm sido feitas também entre aos notáveis especulações científicas o já está a tardar, Sr. Presidente, a passagem dos resultados desses trabalhos às realizações práticas.
Não posso alongar-me neste ponto; por isso farei apenas uma citação do Prof. Henrique de Barros, que me parece muito expressiva, sobre a matéria:
Legisla-se e intervém-se (quiçá demasiadamente) na formação dos preços, regulam-se e fiscal usam-se vencimentos e salários, mas nada de semelhante se tem feito no aspecto das rendas das propriedades rústicas. Dir-se-ia que invisível, mas eficiente, tabu protege este domínio contra as incursões das contemporâneas tendências de equidade social, já vitoriosas ou a caminho de o serem em tantos outros sectores da actividade económica.
Se preferíssemos a enfiteuse, não só no domínio que acabo de focar, mas em outros em que ela continua a ser largamente utilizável, não iríamos mais do que retomar a, nossa melhor tradição em matéria de colonização e a lição dos nossos melhores escritores,
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não posso aqui demorar-me na matéria, mas não queria deixar de citar o que Oliveira Martins escreveu no seu famoso projecto de fomento rural, apresentado à Câmara dos Deputados em 28 de Abril de 1887 (mais uma nobre tentativa para introduzir justiça na agricultura que falhou, talvez por efeito do tal tabu de que fala o Prof. Henrique de Barros, tabu que já vem da noite dos tempos!):
O foro, esse grande moralizador da terra, na frase do Herculano, está vivo ainda no coração das nossas populações.
Em parêntese direi ainda, Sr. Presidente, que quando se medita nesta problemática, que só nos impõe cada vez mais imperativamente, relativa necessidade de introduzir-se justiça na exploração da terra, não raro nos tomam o desânimo e o cepticismo.
Pelos séculos fora nos aparecem os malefícios de tal tabu, murchando esbeltas iniciativas, fulminando ou corrompendo os reformadores, restabelecendo, como que uma inamovível fatalidade, a injustiça, o privilégio, o abuso da terra e do trabalho humano! Destaca-se até nós, num clarão de tragédia, o destino dolorosamente belo dos Gracos da Roma republicana!
Por outro lado, não podemos arredar-nos da ideia de que, ao domínio agrário, tudo há-de trazer alguma tonalidade conservadora para ter frutos duradouros, até pela forçosa influência da quotidiana contemplação dos ritmos lentos do mundo vegetal a penetrar almas e instituições.
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Não nos é dado, todavia, o encolher de ombros como de escravo vergado à antiga fatalidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contra as memórias da idade clássica, sentimos no calor da fé, ou sentem outros no fulgor da razão, como Renan, que, no alto do Calvário acabou uma humanidade e outra nasceu com a nova capacidade da vontade humana, que o dobar dos séculos não embota, de regeneração e de reforma, de inconformismo e de idealização.
Para nós, Portugueses, vêm-nos vozes do alento do pretéritas experiências, de inquirições e sesmarias, que quiseram os reis e quis o povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vem-nos a lição do nosso fecundo direito antigo quanto a sólidas formas de colonização ultramarina e interna, que, relativamente a esta, perdurou, nos textos e na vida, até ao Código Civil.
Destas lições antigas, do estudo da legislação vigente em países que - aplaudam -no todos ou só alguns - vão na guia do mundo actual, como o grande país norte-
-americano, e ainda, das virtualidades de paz social contidas no corporativismo, bem como do fomento das cooperativas, eu creio, Sr. Presidente, que não é demasiado árduo esforço o de desentranhar umas poucas de ideias claras com que levantar uma legislação regeneradora da justiça na exploração da terra.
Podem ou não chamar-lhe reforma agrária, mas ela é cada dia mais necessária e é postulada precisamente pela batalha da produtividade, que, finalmente, parece termos começado a travar com alma, a que o plano de fomento rural trará redobrada eficiência.
Não me sobra o tempo, Sr. Presidente, para tentar formular com a demora que seria indispensável para o fazer com proveito as que julgo deverem ser ideias-chave de uma reforma e para especificar soluções. Guardo-me para noutra oportunidade tratar esta matéria, que tanto me interessa.
Resigno-me por agora a tão-sòmente citar alguns pontos muito conhecidos, mas nunca demais repetidos: a necessidade de ser retomada a iniciativa do nosso ilustre colega Dr. Sá Carneiro contra a pulverização da propriedade no Norte; o combate, embora prudente, à excessiva concentração no Sul, seja por uma fiscalidade progressiva, seja pela aplicação obrigatória da perene justiça contida na enfiteuse; a protecção decidida, pelo crédito e pelo fomento do princípio cooperativista, à média e pequena propriedade, reservando-se para estas formas de propriedade, em marcada preferência, a aplicação desse esplêndido instrumento de progresso que tem sido a lei dos melhoramentos agrícolas;...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... o estudo das possibilidades de extensão à massa trabalhadora rural de uma sólida previdência, sendo de admitir que a exploração de alguns produtos agrícolas já pode suportar certos encargos para base de uma providência séria e que não são invencíveis os importantes obstáculos técnicos; a urgente necessidade, nunca assaz apregoada, de ser revisto o regime do arrendamento da propriedade rústica.
Neste domínio, Sr. Presidente, torna-se já espantosa a indiferença do legislador - ou a aparência de indiferença, que dá o mesmo resultado. É preciso que o Governo ou esta Câmara façam alguma coisa. Estamos ainda em plena vigência das normas ultra-individualistas do Código Civil, que vieram destruir uma interessantíssima tradição legislativa, assinalada por forma notável na Carta de Lei de 22 de Julho de 1846.
Estas normas do Código Civil, neste ponto, foram transcritas quase textualmente no Decreto n.º 5 411. Ora, por esse mundo fora, na generalidade, está em declínio crescente o princípio da autonomia da vontade na formação e durante a vida dos contratos, e na matéria em causa, para não falar de legislações mais antigas, a França, a Italia e a Espanha, já depois da última guerra, alteraram profundamente as suas leis, restringindo fortemente a vontade das partes, sobretudo quanto ao prazo dos contratos e quanto ao regime das benfeitorias.
Poderia, Sr. Presidente, se o tempo permitisse, ilustrar este ponto com dados da minha experiência profissional directa e referir estragos clamorosos que estão a causar as ultrapassadas normas individualistas que, na matéria, nos regem ainda em 1952, na «idade do social», como a apelidou há pouco um autor jesuíta.
No domínio industrial suponho, Sr. Presidente, para continuar a dizer nesta tribuna o que penso com a franqueza devida, que seria preciso rever a interpretação que foi feita do rumor de queixumes e reclamações levantado no sector patronal, com todo o poder de influência de que dispõe, para se concluir, estou certo, que em caso algum os encargos sociais ou o justo aumento de salários foram causa, sequer adjuvante, de prejuízos.
Teria também, em muitas actividades industriais, de se lançar com empenho a política de modernização na maquinaria e na organização, que permitiria, além de tudo o mais, elevar salários, ainda abaixo do mínimo pessoal, quando não do mínimo vital, em alguns casos. Seria preciso também, quanto ao sector sindical, pensar-se a sério na preparação de dirigentes, por exemplo, seguindo-se, no plano meramente pedagógico, a experiência trade-unionista inglesa.
Não me permite o tempo maiores considerações, mas não queria deixar de fazer um ligeiríssimo apontamento acerca da necessidade de no nosso país, a exemplo de todo o mundo civilizado, começarem a entrar na legislação ordinária, ao menos a título de ensaio, os resultados de toda essa elaboração doutrinária, já largamente aferida na prática, que se denomina «reforma da empresa».
Nós não tivemos, nem em extensão nem, de uma maneira geral, nos seus mais expressivos efeitos, o chamado capitalismo industrial - talvez por motivos semelhantes aos que, na Idade Média, impediram a instalação entre nós do verdadeiro feudalismo. Há bom e mau entre as causas do fenómeno.
Mas precisamente por a empresa capitalista não ter, entre nós, assumido as suas mais fortes expressões, como dissociadora dos factores da produção e responsável pela pavorosa redução à miséria moral e material de milhões e milhões de almas proletarizadas, é que parecia ser mais de feição entre nós, ao menos, o ensaio dos modernos conceitos de empresa comunitária.
Invoca-se muito a reduzida capacidade das nossas actividades para suportar os encargos da política social. Mas neste ponto, Sr. Presidente, é que o argumento parece vão.
Com efeito, a participação do operário nos lucros da empresa ou qualquer das formas de colaboração administrativa ou social (aspecto este, sem dúvida, de menor interesse no conjunto do conceito de reforma da empresa) não sobrecarregam a produção, antes, ao contrário, são motores da produtividade.
Não posso demorar-me em considerações, mas não queria deixar de frisar que, muito embora estas ideias ainda espantem algumas pessoas entre nós, elas são já de prática corrente em muitos países, especialmente
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na grande e livre América, pátria precisamente da produtividade.
E o espanto também entre nós vem de não raro esquecermos que já no nosso texto constitucional aflorou o princípio. Dispõe, com efeito, o artigo 36.º:
O trabalho, quer simples, quer qualificado ou técnico, pode ser associado à empresa pela maneira que as circunstâncias aconselharem.
Já o nosso ilustre colega engenheiro Mendes do Amaral quis, quando da última revisão da Constituição, mudar aquele «pode» para «deve». Foi muita pena que não tivesse vingado o projecto, porque, na verdade. Sr. Presidente, já tarda também que nos actualizemos neste domínio.
A reforma da empresa, Sr. Presidente, torna-se uma necessidade urgente, se queremos sinceramente promover a desproletarização das massas e fazer frente à desolação colectivista.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ela não é tanto uma forma de aumentar a retribuição do trabalho, como de elevação moral do trabalhador da condição de mão-de-obra vendável à de colaborador consciente. Ela é uma forma de obviar aos efeitos dessa pavorosa filosofia do ressentimento, com que estão a ser minados os alicerces das nossas sociedades do Ocidente europeu.
Escreveu Simone Weil, gentilíssima figura de mulher, normalista francesa que quis viver a fundo os ambientes proletários:
O operário não sofre apenas da insuficiência do ganho. Sofre porque é relegado pela sociedade actual para um papel ínfimo, porque é reduzido a uma espécie de servidão. A insuficiência dos salários não é senão consequência desta inferioridade e desta servidão.
A participação do trabalhador no lucro da empresa, sob uma modalidade que viesse a ser preferida entre as que têm sido estudadas e praticadas, seria até um recurso para corrigir, aos sectores prósperos, os estragos emergentes do facto de o salário familiar quase não ter passado, no nosso país, de uma aspiração, e ainda, Sr. Presidente, assegurando ao operário certa participação no chamado capital de investimento, de alguma maneira preveniria até o fenómeno corrente de os grandes aumentos de salários engendrarem o aumento dos preços.
Mas, sobretudo, Sr. Presidente, seria a forma de se procurar impedir a concentração capitalista, que anda tão paredes meias da concentração socialista, sem impedir, contudo, a concentração técnica que for necessária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria a marcha para a propriedade generalizada às massas, que é garantia de liberdade, contra a propriedade monopolizada, que é instrumento de opressão e, iniludivelmente, veículo do comunismo.
Perdoar-me-ão VV. Ex.ªs se, apesar de ter tesourado impiedosamente nas considerações que queria, fazer, ainda fui longo.
Parecia-me que, em hora realmente tão decisiva como esta, ao votarmos diploma de tal transcendência, havia que sugerir, no menos, ligeiros tópicos, como fiz, duma elaboração legislativa e duma acção política no domínio social, que me parecem antes cada vez mais necessárias, precisamente para que deste, esplêndido surto de política económica a Nação tire todos os benefícios que se esperam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também é a hora em que a Nação se lança, com o empenho que há muito se esperava, na luta sem tréguas ao analfabetismo e, com o grande impulso dado ao ensino técnico, põe as condições essenciais da dignificação do trabalhador português. Plano de Fomento e Plano de Educação serão assim as bases, se a política social não claudicar, daquela necessária desproletarização de que falávamos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: alegra-me verificar que o Governo fez um grande e honesto esforço para apresentar ao País e submeter à Assembleia Nacional um plano de acção económica convenientemente coordenado, por forma a imprimir-lhe larga medida de exequibilidade.
Planear é a função mais nobre do Estado, por oposição ao cansado dirigismo, socializante nos seus propósitos ou consequências, perturbador da ordem económica, com a sua intromissão constante na vida das actividades privadas, atentatório das liberdades individuais, vicioso desvio da função pública, com todos os inconvenientes de ordem administrativa, moral e política.
Quando na anterior sessão legislativa intervim no debate sobre o Condicionamento industrial, defendi a tese de que a função característica do Estado moderno é o planeamento, e não a simples administração ou dirigismo, e quando tive que falar sobre o povoamento e emigração insisti na necessidade de se planear para o conjunto dos nossos territórios, atendendo a todas as faces materiais e humanas do poliedro económico-político.
Por isso estou muito à vontade ao felicitar o Governo pelo trabalho que agora submeteu à nossa apreciação.
Considerado no seu conjunto, o Plano envolve agora o investimento de 13.700:000 contos, distribuídos em partes sensivelmente iguais entre a metrópole e o ultramar, pois podemos considerar como dizendo principalmente respeito ao fomento ultramarino o navio para a carreira de África e a subscrição da metrópole para o Banco de Fomento do Ultramar.
Serão, assim, aplicados na metrópole 6.940:000 contos e 6.360:000 contos no ultramar.
Estes simples números definem melhor do que qualquer passagem do relatório da proposta a importância que o Governo atribui na sua política ao desenvolvimento do Portugal ultramarino.
O ultramar tomou, por fim, o lugar que lhe compete na política oficial da Nação, em pé de igualdade com a metrópole.
Apoio o Governo na política de intensos investimentos no ultramar, porque creio que eles contribuirão mais do que qualquer outra coisa para a elevação do nível de vida geral, para o povoamento africano e, por consequência, para o fortalecimento interno e vigor expansivo do mundo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As verbas atribuídas às grandes divisões do Plano indicam a relação de importância em que o Governo situa os diversos sectores nele abrangidos.
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Os investimentos da indústria cifram, segundo a classificação oficial, 3.510:000 contos, o que pareceria, à primeira vista, revelar preferência pela industrialização.
Contudo, se retirarmos deste capítulo a electricidade, que me parece impropriamente incluída entre os investimentos industriais, e deveria, a meu ver, constituir capítulo à parte, ficariam reduzidos os empreendimentos industriais propriamente ditos a 880:000 contos, número que expressa muito melhor a magnitude relativa da política industrialista no conjunto da política geral do Governo.
A indústria constituiria assim o capítulo de menor importância da parte económica do Plano, e parece-me que está certo.
Compete à iniciativa privada, e não ao Estado, correr os riscos industriais.
A invasão pelo Estado deste sector só pode encontrar justificação naqueles casos em que as indústrias adquirem carácter de monopólio ou quando a universalidade do seu interesse económico as imponha, mas a grandeza dos investimentos e os riscos do empreendimento claramente excedam a capacidade da iniciativa privada.
Devemos, contudo, fingir a uma economia de monopólios, porque, se nos deixarmos cair num sistema de empresas privilegiadas, vivendo fora e para além da noção da concorrência, deslizaremos insensivelmente para uma economia pré-socialista, cujas últimas consequências são fáceis de prever.
O nacionalismo económico, quando mal esclarecido, elimina a concorrência e conduz, a breve trecho, ao Estado socialista. Por isso tem tanta importância a defesa da iniciativa privada em regime de activa e sadia concorrência.
Seja-me permitido repetir aqui as palavras de condenação de um escritor inglês contemporâneo referi na dose ao que se passa por esse Mundo fora: «A aliança do nacionalismo com o socialismo cria um monstro que ameaça devorar o Mundo».
É contra ele que nos devemos precaver. Confio em que o Governo, que tantas vezes tem afirmado a sua fé nas virtudes da economia privada, defenderá desse monstro a Nação.
Não contém o relatório do Governo nenhuma referência à emigração para o Brasil. Associo-me ao Sr. Deputado Dr. Pacheco de Amorim na sua estranheza por ter no Plano sido ignorada a transcendência política e económica dos 30 ou 40 000 emigrantes que, anualmente, podem acrescer o povo português do Brasil.
A emigração para o Brasil é um dos nossos grandes factores político-económicos, pelo significado que tem o Brasil Português na nossa posição no Mundo e pela sua função descongestionadora da metrópole, simultaneamente com o acréscimo de poder de compra que determinam aqui as vultosas remessas que nunca deixaram de nos chegar do Brasil.
A corrente emigratória para o Brasil constitui, assim, um factor positivo na determinação do nível de vida na metrópole, que é um dos principais objectivos do Plano.
Talvez o Governo julgue que, por sua primacial importância, este problema deva ser tratado à parte na devida oportunidade.
No seu conjunto, o relatório revela a alta capacidade planejadora do Governo, a sua compreensão exacta do momento histórico e a consciência perfeita dos seus deveres para com a Nação, que serve.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não posso, contudo, deixar de advertir que o Plano sofre em alguns aspectos, precisamente daquele mal que antes apontei, de certas preocupações dirigistas:
Quanto mais o Estado ou os organismos privilegiados por ele criados penetrarem no senhorio da iniciativa, privada, concorrendo com ela ou deslocando-a; quanto mais o Estado se intrometa na vida administrativa das empresas particulares, submetendo a gerência dos negócios à sua superior orientação; quanto mais o Estado procure influenciar os mercados ou dirigir as vontades - tanto maiores serão os riscos económicos que faz correr ao País, tanto mais agudos e numerosos os problemas políticos que levanta e faz recair sobre si.
Parece-me, por isso, de desaconselhar que no planejamento económico se enxertem práticas dirigistas.
Não me sobrará o tempo, Sr. Presidente, para tratar de todos os aspectos do Plano, obra de muitos técnicos e trabalho de anos. A urgência que o Governo tem na decisão da Assembleia, a vastidão do próprio Plano e os minguados dias que nos foram concedidos para estudá-lo conjuntamente com o parecer da Câmara Corporativa não me permitem ir muito longe.
Cingir-me-ei, por isso, a alguns aspectos dos problemas de financiamento e do povoamento, sobretudo no que respeita ao ultramar, e mais particularmente à província de S. Tomé e Príncipe, que represento nesta Assembleia.
Os investimentos ultramarinos têm, como não poderiam deixar de ter, o objectivo principal de aceleram o povoamento, aumentar o volume e baixar os custos de produção.
Prevê o Plano diversos núcleos de colonização dirigida em Angola e Moçambique e a fixação de um número indefinido de famílias, que não será, segundo suponho, inferior a 6 000 ou 18 000 pessoas para as duas províncias.
Não está bem esclarecida na proposta a forma que esta colonização dirigida vai tomar. Em meu entender é sobretudo a preparação do colono para o meio e a deste para receber o colono o que importa, e a essa dupla preparação deve cingir-se a acção do Estado. O resto é com a iniciativa de cada colono.
O âmbito de uma colonização racional tem os seus limites, se se não quiser envolver o Estado em riscos que não deve correr ou responsabilidades que não pode utilmente assumir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não devemos esquecer que na colonização agrícola, sobretudo nos trópicos, lidamos com dois elementos que nos escapam: o homem e os mercados. O homem com as suas reacções insondáveis e os mercados com as suas cotações imprevisíveis, que não há junta, cooperativa, cartel ou subsídios que possam alterar nos seus movimentos duradouros.
Há culturas que soçobram pelo aparecimento de sucedâneos ou o desinteresse do consumo e há géneros que outras regiões subitamente produzem mais barato ou em excesso; há a inconstância dos desejos humanos e as alternativas de carência e abundância que constantemente alteram as necessidades de abastecimento dos mercados.
Durante muito tempo ainda, porventura gerações, a economia das nossas províncias ultramarinas será uma economia de exportação, uma economia, em que grande parte da produção será destinada aos mercados externos.
Não poderá encontrar-se no consumo interno senão um limitado mercado para os produtos da terra, e nesse sector será difícil concorrer com os produtores situados nas proximidades das grandes concentrações urbanas.
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Façam-se as obras projectadas, mas não se confie desmedidamente na colonização dirigida como meio eficaz de povoamento.
É justo que se destaque aqui entre as grandes obras do fomento ultramarino incluídas no Plano o aproveitamento do Limpopo, e que está ligado, para glória sua, o nome do actual Subsecretário do Ultramar, engenheiro Trigo de Morais.
Prepare o Estado o meio propício a uma extensa colonização e ela surgirá espontânea, sem encargos para o erário público ou responsabilidades políticas para o Governo.
Os que vão livremente são os que estão dispostos a correr riscos e a sofrer privações; os que iriam levados pela mão protectora de Estado paternalista seriam os que contam com uma vida farta e assegurada e não estão dispostos a arriscar bens, saúde e conforto.
Em África o que queremos são homens fortes de carácter, dispostos a lutar, uma sociedade nova que ressuscite as velhas virtudes portuguesas, uma colonização de homens livres e independentes, nunca uma colonização de funcionários.
Não desanime o Estado as iniciativas com exacções e incertezas fiscais ou intromissões inconvenientes nas administrações privadas e verá que Angola e Moçambique se povoarão de portugueses, que para ali irão livremente, mais depressa do que muitos julgam e, por certo, muito antes das levas de colonos dirigidos. A corrente povoadora da África tem, porém, uma forte limitação na insuficiência dos nossos transportes marítimos.
Em 1951 o limite de capacidade da nossa marinha mercante, dadas as actuais condições dos portos de África, foi atingida com o transporte para Angola e Moçambique de 18 767 pessoas.
Essas 18 767 pessoas não representam, porém, o êxodo efectivo, porque regressaram no mesmo ano daquelas províncias 8 855, reduzindo a emigração real a cerca de 10.000 pessoas, que é, nas actuais circunstâncias, o número máximo de colonos que os nossos barcos podem transportar num ano para Angola e Moçambique.
Os cálculos de povoamento têm, pois, de se basear neste número.
O Plano prevê a fixação de 9000 colonos no Limpopo e, supondo que se querem fixar outros tantos em Angola, haverá que assegurar meios de transporte para uns 18 000 colonos dirigidos nos próximos seis anos, o que não será possível senão sacrificando a colonização espontânea (a não ser que esta, desanimada, abrande), dado que se não prevê para breve sensível modificação nas condições dos portos daquelas províncias, nem acréscimo da capacidade transportadora da nossa marinha mercante enquanto não entrarem ao serviço as novas unidades.
Pouco adiantaríamos, portanto, no propósito de engrossar a corrente povoadora, mas teríamos conseguido alterar completamente a feição do povoamento. Aos homens de iniciativa e acção iria suceder uma burocracia agrária sem espírito colonizador e sem independência, e, portanto, sem verdadeiro sentido das responsabilidades.
E, assim, se contrariaria o propósito do Governo, expresso nestas palavras:
É mesmo de contar que a maior contribuição neste campo trazida para a província o seja sem intervenção de qualquer plano oficial, mas sim espontânea e livremente, como consequência natural e lógica do crescimento.
Esta é a boa doutrina.
Não pode por isso supor-se que, negando a sua própria política, o Governo vá afinal fazer qualquer coisa que enfraqueça o povoamento espontâneo.
Gostaria mais de ver reduzida a verba a gastar na colonização dirigida e aumentado o dispêndio em portos, cuja ampliação e apetrechamento é de uma urgência que reclama prioridade, ou dedicada uma forte verba à rápida consolidação e ao desenvolvimento da rede rodoviária, porque me parece que do que vier a investir-se em portos e estradas depende mais do que de qualquer outro investimento o rápido desenvolvimento da produção, o embaratecimento dos custos e, por consequência, a aceleração do povoamento.
Dispõe-se também o Governo a dirigir o mercado dos capitais, criando artificialmente as condições que forcem os capitais privados a procurar os investimentos que interessam ao Plano, desviando-os da sua função própria numa economia em regime de concorrência, que é uma economia em que a iniciativa privada actua sem temor do poder ciclópico do Estado.
«Promover e encorajar a poupança individual em ordem à formação de capitais para serem preferentemente investidos nos empreendimentos cortantes do Plano» significa que se procurará levar o poder de compra individual a gastar menos em bens de consumo essenciais, de simples conforto ou sumptuários, tentando orientá-lo no sentido dos títulos interessando ao Plano de Fomento.
Como isto se fará não sei. Mas são tantas as formas indirectas que o Estado omnipotente tem de chegar aos seus fins, que nem vale a pena, nesta altura, pôr as diversas hipóteses, todas elas más.
Entre nós arrasta-se, há anos, uma crise séria de consumidores, que chegou a ter graves reflexos sobre a nossa posição na União Europeia de Pagamentos, que se tornara tão fortemente credora que o Governo se viu forçado, como todos sabem, a abrir as comportas da importação, no intuito de assegurar o repatriamento dos saldos criados naquele organismo internacional.
O País, porém, não reagiu favoravelmente, por falta de poder de compra interno.
Foram, em grande parte, a compra do bens de investimentos, o desvio das exportações para a área do dólar e a baixa de preços de muitos dos nossos produtos, sobretudo do ultramar, que corrigiram mais tarde a situação.
Em meu entender, a política preconizada de encorajar a poupança individual e desviá-la depois dos investimentos privados para a fixar nos empreendimentos constantes do Plano não pode senão agravar a crise de consumidores, forçando um país em que o subconsumo é crónico a retrair-se ainda mais na aquisição de bens de consumo, com os seus reflexos fatais sobre a agricultura, a indústria e o comércio interno e externo.
Em contrapartida os bens de investimento terão mais procura, provocando-se assim um grave desequilíbrio na relatividade dos preços e, por consequência, das economias dos dois sectores da produção.
«Promover a melhor utilização das reservas das sociedades em ordem ao mesmo fim» e «dar parecer sobre as emissões de valor superior a 10:000 contos» significa que também as empresas privadas serão dirigidas no emprego das reservas que voluntária ou forçadamente vierem a constituir, e refreadas, se não impedidas, as novas inciativas que careçam de recorrer ao mercado de capitais.
Não necessito, Sr. Presidente, de acentuar a gravidade desta medida dirigista no que ela afecta o funcionamento eficaz da iniciativa particular e a independência da empresa privada.
Foi em pleno período de prosperidade africana, quando o auto-investimento livre de capitais se estava operando em larga escala no ultramar, que surgiu a
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doutrina, que agora se desenvolve em novas formas, de restringir às empresas privadas a faculdade de livre e oportuna escolha dos seus investimentos, dificultando ou impedindo o exercício da própria iniciativa, geralmente orientada no sentido das actividades produtoras.
Toma maior amplitude esta doutrina na proposta que estamos discutindo quando nela se dispõe que é atribuição do Conselho Económico «promover a melhor utilização das reservas das sociedades em ordem ao mesmo fim».
Este preceito permitirá ao Governo forçar as sociedades a fixarem total ou parcialmente as suas reservas nos empreendimentos incluídos no Plano, estranhos, na maior parte dos casos, às actividades das próprias empresas e, portanto, ao seu objectivo social.
Criando, assim, um clima em que a iniciativa privada, não pode viver, o que poderemos esperar dela?
Referindo-me agora propriamente à província ultramarina, que represento, que é S. Tomé e Príncipe, não posso deixar de notar com a Câmara Corporativa que ao problema da mão-de-obra é, sem dúvida, o de mais acuidade de S. Tomé». Assim é, com efeito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este problema tem preocupado os agricultores e os governos desde há mais de cinquenta anos. Várias têm sido as soluções preconizadas e os métodos empregados para o resolver, mas tem-se caído invariavelmente no sistema de recrutamento fora da província, com contratos de trabalho de duração variável, agora bienais, rigorosamente fiscalizados pelo Estado na sua elaboração e funcionamento.
Devo dizer que o recrutamento de trabalhadores em países estrangeiros ou em locais distantes das regiões onde vão servir é sistema empregado em toda a parte, desde a União Soviética até aos países livres da América do Sul, nas minas de carvão da Inglaterra, nas minas de ouro do Rand ou nas florestas da França, e que esses contratos não prevêem, a maior parte das vezes, que o contratado seja acompanhado da sua família, dando-se em muitos casos preferência aos solteiros.
Sr. Presidente: todos sabem que se contratam trabalhadores brancos na Europa para irem servir durante um, dois ou mais anos nos campos do Brasil e que lá mesmo se fazem tais contratos com trabalhadores nativos muitas vezes provindo de regiões ainda mais afastadas dos locais do trabalho do que a distância do continente africano às ilhas de S. Tomé e Príncipe.
A vida dos trabalhadores nas roças não desmerece da vida nas fazendas. Em S. Tomé atingimos o mais alto nível nas condições de vida do trabalhador indígena em plantações do nosso ultramar.
Para se ajuizar do interesse e cuidado dos proprietários europeus pela assistência ao seu pessoal africano em caso de doença ou acidente citarei o exemplo, que não é único, de uma plantação com cerca de 1 000 trabalhadores manter um hospital modelar com 130 leitos. Onde existem na metrópole ou em muitos outros países da Europa, com altos níveis de civilização, 13 camas por 100 habitantes?
As necessidades de mão-de-obra em S. Tomé andam actualmente por 30 000 trabalhadores de campo. A população nativa pode fornecer 5000. Carece, portanto, de 25 000 de fora. Numa rotação de dois anos seriam necessários anualmente 12 500 e numa rotação de três anos 8000.
Divididos por igual entre as três províncias onde habitualmente se recrutam, a cada uma caberia uma quota anual de 3000 ou 4000 trabalhadores, conforme os contratos fossem trienais ou bienais, mas este pequeno êxodo só se daria durante dois ou três anos, porque depois as repatriações corresponderiam às novas emigrações, não havendo, por consequência, qualquer drenagem.
Isto é precisamente o que está sucedendo agora. Tratra-se apenas da substituição de pessoas: os que partem pelos que regressam.
É conveniente frisar bem que o contributo humano das nossas diversas províncias africanas, com uma população total superior a 10 milhões de habitantes, para a agricultura de S. Tomé se reduziu em setenta anos a poucas dezenas de milhares de trabalhadores.
Pequeno sacrifício foi este quando posto em confronto com a função civilizadora de S. Tomé, pois recebeu na sua maior parte homens em estado selvagem e restituiu às outras províncias trabalhadores adestrados nas fainas do campo; recebeu homens sem valor económico e devolveu-lhos transformados em valiosos elementos de trabalho.
S. Tomé é para o indígena uma escola prática de culturas tropicais e de disciplina no trabalho.
Na proposta considera-se, no entanto, «como mais aconselhável» para resolver o problema da mão-de-obra a fixação de famílias.
Esta solução põe um novo problema: o do sustento das famílias dos eventuais trabalhadores.
Supondo que os 25 000 trabalhadores de fora - homens feitos, é claro - estariam todos casados, como presentemente se exige para a fixação, e teriam, em média, dois filhos sem idade de trabalhar, a população actual seria acrescida de uns 75 000 habitantes (5 000 novos trabalhadores a introduzir e as 75 000 mulheres e filhos dos 25 000, menos as mulheres e filhos dos actualmente casados), passando para 135 000.
A população teria assim mais do que dobrado em poucos anos se a fixação se fizesse rapidamente. Se, porém, não se fizer rapidamente, não se vê como possa dispensar-se o recrutamento de trabalhadores de outras províncias durante muito tempo ainda.
Portanto, se se for para a solução do povoamento integral, põe-se, como disse antes, o problema do sustento do excedente populacional, que, por sua vez e a seu tempo, novos e graves problemas viria criar quando as futuras gerações, sucessivamente mais populosas, se acumulassem naquele reduzido território.
S. Tomé e Príncipe, além dos frutos tropicais, não produz senão pequena parcela dos produtos de alimentação de que carece, aprovisionando-se, sobretudo, no exterior. A capitação de produtos alimentares importados anda por 840$ (em 1950), enquanto na terra da fome, em Cabo Verde, não atinge 150$, em Angola 80$, em Moçambique 47$ e na própria metrópole 230$.
Para aprovisionar a nova população em alimentos e outros artigos essenciais à vida ou teríamos de empenhar a parte livre das exportações, o saldo da balança comercial - e chegaria esse saldo -, ou teríamos de modificar a feição agrícola das ilhas, substituindo as actuais culturas, por produtos alimentares, anulando assim o objectivo do seu povoamento.
O povoamento, em vez de fornecer mão-de-obra para a produção de géneros ricos de exportação, diluir-se-ia na produção em larga escala de géneros pobres de consumo local, transformando-se a feição das roças e arruinando-se a sua economia.
Teríamos retirado de ocupações porventura mais- lucrativas noutras regiões uma massa trabalhadora que afinal nem sequer iria contribuir para conservar a riqueza existente em S. Tomé.
Teríamos, simplesmente, sobrepovoado S. Tomé, acumulando ali 140 habitantes por quilómetro quadrado, densidade inseparável da miséria numa região exclusivamente agrícola no Equador.
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O problema de S. Tomé, Sr. Presidente, não é o do povoamento, é o da mão-de-obra. S. Tomé é um território de plantação e a sua economia uma economia de exportação.
Vozes : - Muito bem!
O Orador : - Fala a proposta do Governo em «terrenos até aqui incultos ou abandonados».
Suponho que o Governo se quererá referir a certas roças do Centro e Sul da ilha de que o Danço Nacional Ultramarino tomou conta, há anos, pela incapacidade financeira em que os seus proprietários se encontravam de manter a exploração ou pagarem as dívidas contraídas, nomeadamente com aquele Banco.
Essa região, que outrora esteve quase toda intensamente cultivada e produziu durante muitos anos abundantes colheitas, ainda hoje apesar de muito diminuída na sua exploração, fornece apreciável quantidade de produtos à exportação.
Se se estabelecerem ali colónias de cabo-verdianos conseguiremos aumentar a produção útil, isto é a produção de géneros de exportação, ou veremos todo o trabalho dos novos colonos absorvido no cultivo de vitualhas e na criação de animais para a própria alimentação? Não se vê bem como o parcelamento e a entrega de terras a indígenas ignorantes permita a continuação de culturas extensivas e delicadas, como o cacau ou o café, que carecem de muitos cuidados e assistência técnica eficaz.
De resto, grande parte da região parece especialmente indicada para a produção de oleaginosas. Estas são produtos pobres, que só em grandes extensões facultariam poder de compra satisfatório a uma família, o que, evidentemente, contribuiria para reduzir o número de colonos.
Quer-me, por isso, parecer que o povoamento deve ser condicionado pela capacidade de os terrenos actualmente incultos e impróprios para a produção de géneros ricos produzirem os alimentos necessários às novas famílias de povoadores, sem prejuízo dos terrenos onde se cultivam ou podem cultivar em condições economicamente favoráveis os géneros de exportação.
Também me parece que a escolha das raças indígenas a fixar deveria pautar-se pelas provas já dadas pelos trabalhadores das diversas origens no cultivo das terras em S. Tomé, preferindo-se, como é natural, as raças que têm mostrado melhores aptidões.
Os aspectos financeiros do Plano têm também a sua gravidade. S. Tomé terá de contar, doravante, com um novo encargo anual de 20:000 contos, 13:000 dos quais para além das sins actuais receitas (5:000 contos de tributo da sobrevalorização e uns 8:000 de serviço do projectado empréstimo, se ele for a vinte anos).
Isto quer dizer que de agora em diante as receitas públicas terão de render mais 13:000 contos, e que, portanto, os encargos directos ou indirectos sobre a produção crescerão de igual modo.
Mas quem assegura no Estado que pode contar com os saldos de exercícios anteriores como coisa permanente e com os rendimentos da sobrevalorização como coisa assegurada?
Quem garante os preços dos géneros de exportação em que se baseia o Plano?
Considera o Governo os actuais preços inesperados e, portanto, excessivos, a ajuizar pelo critério do decreto da sobrevalorização, que dispõe que a medida desse excesso é a diferença verificada acima dos preços de 1949. Deve, portanto, o ano de 1949 ser tomado como um ano normal em matéria de preços de géneros ultramarinos, pelo menos na opinião do Governo.
Pois bem, louvemo-nos no critério oficial e vamos ver o que se passaria, baseados os cálculos nas receitas ordinárias e nas exportações daquele ano.
Em 1949 cobrou a província 36:406 contos de receitas ordinárias. Se lhe acrescermos os 13:000 contos de receitas adicionais agora necessárias para fazer face aos encargos anuais do financiamento (excluídos dos 20:000 contos os 7:000 contos dos saldos orçamentais), atingiremos a elevada soma de 49:406 contos de encargos fiscais para um produto nacional que não deve ter excedido muito os 140:000 contos da exportação verificada naquele ano.
Dada a natureza da economia insular, quase exclusivamente dedicada à produção de géneros de exportação, pouco mais haveria a acrescentar-lhe, como já expliquei à Câmara noutra ocasião.
Portanto, o valor da exportação dá-nos uma ideia satisfatória da magnitude do produto nacional de S. Tomé.
A fiscalidade teria assim ultrapassado em S. Tomé 35 por cento do produto nacional, ou mesmo cerca de 50 por cento, se se entrasse em linha de conta com as receitas municipais e os impostos pagos na metrópole pelas empresas que têm aqui a sua sede, enquanto a capitação teria atingido 820$, só com relação às receitas ordinárias da província, ultrapassando toda a medida da conveniência económica.
Feitos os cálculos pela mesma forma e para o mesmo ano para Angola e Moçambique, teríamos para a primeira uma capitação de 230$ e para a segunda 247$.
Todavia, nestas duas províncias é já considerável a produção para consumo interno, que, adicionada à exportação, aos serviços e outras fontes de rendimento ali existentes, viria aliviar consideravelmente a relação apontada.
Na própria metrópole, onde o nível de civilização e de vida das populações é incomparavelmente superior, não se teria ultrapassado 370$ contra os 820$ de S. Tomé.
Não digo novidade a ninguém se afirmar que, a perdurar semelhante fiscalidade, a produção cessaria.
Mas a situação económica de S. Tomé, em face da política fiscal, é muito grave. De 1949 para cá as despesas ordinárias subiram 53 por cento (de 1949 a 1951), e, uma vez que os serviços se instalam e os lugares se preenchem, é muito difícil arrepiar caminho.
Só à custa do sacrifício de muitos proprietários e da deterioração das finanças de outros a província tem podido suportar nos últimos anos as exacções fiscais que ali têm sido praticadas. Nem sequer lhe fica a consolação dos saldos acumulados para fazer face aos seus futuros desfalecimentos.
Os investimentos agora projectados para S. Tomé em nada aumentarão a produção das ilhas. Não poderá, por isso, encontrar-se nela contrapartida para o novo encargo que vão criar.
Por tudo isto, parece-me que seria de aconselhar moderação nos investimentos a fazer em S. Tomé, e que eles se limitassem aos que trouxerem imediatamente visíveis reduções de custos de exploração e melhoria das condições sanitárias, portanto, da vida humana, ou aos que tendessem a fixar voluntariamente a actual população trabalhadora.
Não quero concluir, Sr. Presidente, sem fazer ainda, alguns comentários sobre o conjunto do financiamento da parte do Plano referente ao ultramar.
Conta o Governo, para fazer face ao seu programa de fomento e povoamento ultramarinos, com o produto de empréstimos, com os excedentes das receitas públicas, com diversas quantias já disponíveis ou reservadas e com as receitas do fundo e capital do fomento e povoamento, originadas no negregado tributo que en-
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controu pretexto na suposta sobrevalorização de determinados géneros coloniais.
Conta-se, assim, recorrer ao empréstimo, num montante de 3.156:000 contos. Vão, pois, os governos das províncias ultramarinas concorrer com a iniciativa privada na utilização dos capitais flutuantes num montante anual de 500:000 contos, porque, provenham os 500:000 contos donde provierem, são parte de um todo que é o capital flutuante da Nação.
Conta também o Governo poder dispor de 1.696:000 contos de saldos de exercícios findos. Por mais cautela que se tenha tido na previsão, ninguém pode estar seguro que o futuro não reservará, neste capítulo, grandes surpresas no ultramar.
O desenvolvimento crescente dos serviços e das despesas ordinárias que a execução do Plano há-de acentuar, simultâneamente com o choque psicológico, de graves, consequências económicas, provocado pelo decreto da sobrevalorização e com a concorrência da colonização dirigida à colonização espontânea, limitando-a, portanto, às iniciativas privadas, poderão vir a afectar desfavoravelmente a relação existente entre as despesas e as receitas ordinárias e, a final, os saldos de exercício.
Por um lado, o rendimento económico do Plano não se verificará senão depois do Plano realizado; por outro lado, gravemente feridos os estímulos à iniciativa privada, o surto africano abrandará e, se simultaneamente se der o infortúnio da baixa das cotações dos produtos, é legítimo considerar a possibilidade de uma diminuição das receitas públicas ou um ritmo de acréscimo muito mais lento do que o dos últimos anos.
Conta-se com 670:000 contos a retirar dos fundos criados pelo Decreto-Lei n.º 38 704, que tributa a suposta sobrevalorização de géneros de exportação.
Mas então não havia sido concedida a prioridade na utilização do capital de fomento e povoamento aos próprios titulares do capital depositado? Como é possível contar agora, ainda que seja só em parte, com aquilo que, muito naturalmente, os seus donos não estarão dispostos a dispensar, a não ser forçados?
Serão criadas tais dificuldades à utilização dos depósitos em empreendimentos dos próprios titulares, que eles não tenham outra alternativa senão subscrever os títulos dos empréstimos emitidos pelos governos, das províncias ultramarinas «a juro não superior a 3 por cento», perdendo uma parte do seu capital na desvalorização dos títulos, por carência de mercado?
Mas não foi votada por esta Assembleia a ratificação com emendas, sujeitando, portanto, o decreto a alterações de latitude ignorada enquanto a Assembleia se não pronunciar? Como pode o Governo contar como coisa assegurada que as emendas que a Assembleia Nacional lhe vier porventura a introduzir não afectarão as receitas previstas na proposta?
Também não vejo que a previsão de custos dos empreendimentos projectados esteja ou possa estar assegurada e que dentro de dois, três, quatro ou seis anos não sejam as coisas (materiais e sobretudo a mão-de-obra) muito mais caras.
Tudo isto levanta grandes dúvidas no meu espírito quanto à base financeira do fomento e povoamento ultramarino, pelo menos na parte que poderíamos designar de autofinanciamente ou o financiamento com os próprios recursos das províncias.
Haveria ainda muito que dizer em louvor da proposta, mas, enclausurado na escassez do tempo, preferi limitar-me a apontar alguns dos pontos que me pareceram de reconsiderar.
Sr. Presidente: um plano de acção económica é obra muito séria e muito vasta. O esforço planificador do Governo, pelo que representa de trabalho verdadeiramente construtivo, eleva o País na consideração geral e revigora a confiança da Nação em si própria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao procurar analisar o Plano o meu pensamento esteve sempre com o País.
As advertências que fiz sobre certas implicações económicas e políticas do Plano aião tiveram outro propósito senão procurar derramar alguma luz sobre determinados objectivos ou disposições da proposta que me pareceram inconvenientes ou pouco seguros.
Ao Governo compete agora ponderar as críticas e as sugestões feitas durante o debate, para delas tirar o proveito que tiverem, afeiçoando o Plano no que for susceptível de ser melhorado.
É este o momento histórico da acção, da acção iminente. Nem hesitações nem dúvidas, porque o tempo escapa-nos das mãos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Plano tem de ser executado com firmeza, mas sem pôr em perigo os valores constantes da Nação Portuguesa.
Assim o espero!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua na sessão de amanhã, que se realizará à hora regimental. Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Jacinto Ferreira.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
António de Almeida.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourao.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
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428 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 185
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Decreto da Assembleia Nacional sobre autorização de receitas e despesas para 1953
I) Autorização geral
Artigo 1.º É o Governo autorizado a arrecadar em 1953 as contribuições e impostos e demais rendimentos e recursos do Estado, de harmonia com os princípios e as leis aplicáveis, e a empregar o respectivo produto no pagamento das despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
Art. 2.º Durante o referido ano ficam igualmente autorizados os serviços autónomos e os que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado a aplicar as receitas próprias no pagamento das suas despesas, umas e outras previamente inscritas em orçamentos devidamente aprovados e visados.
II) Equilíbrio financeiro
Art. 3.º Durante o ano de 1953 tomar-se-ão as medidas necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da tesouraria, ficando o Ministro das Finanças autorizado a:
a) Condicionar, de harmonia com os interesses do Estado ou da economia nacional, a realização de despesas públicas ou de entidades e organismos subsidiados ou comparticipados pelo Estado;
b) Limitar as excepções ao regime de duodécimos;
c) Restringir a concessão de fundos permanentes e os quantitativos das requisições feitas pelos serviços autónomos ou com autonomia administrativa, por conta de verbas orçamentais.
III) Política fiscal e política de crédito
Art. 4.º A Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal, instituídas pelo Decreto-Lei n.º 38 438, de 25 de Setembro de 1951, prosseguirão os seus estudos a fim de levar a efeito, no mais curto prazo possível, a sistematização dos textos legais reguladores dos principais impostos, para inteira realização dos objectivos expressos nos artigos 5.º, 6.º o 7.º da Lei n.º 2 045, de 23 de Dezembro de 1950.
Art. 5.º Continuam em vigor no ano de 1963 as disposições contidas nos artigos 3.º a 7.º e 9.º da Lei n.º 2 038, de 28 de Dezembro de 1949, e artigo 7.º da Lei n.º 2 050, de 27 de Dezembro de 1951.
Art. 6.º Os serviços do Estado e os organismos corporativos ou de coordenação económica não poderão criar nem agravar taxas ou receitas de idêntica natureza, não escrituradas em receita geral do Estado, sem expressa concordância do Ministro das Finanças, não podendo também manter, sem confirmação, para além de 30 de Junho de 1953, a cobrança das existentes.
Art. 7.º Os serviços a que se refere o artigo anterior enviarão ao Ministério das Finanças, até ao fim de Fevereiro de 1953, notas discriminadas das taxas e receitas nesse artigo mencionadas, com indicação da disposição legal em que se fundam e do rendimento que produziram nos últimos três anos. Uma comissão nomeada pelos Ministros das Finanças, Ultramar, Economia e Corporações será encarregada de estudar e propor, até à data indicada na parte final do artigo 6.º, a uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais destinadas aqueles serviços.
Art. 8.º O Governo intensificará os trabalhos relativos à organização e actualização da conta do património, elemento imprescindível à determinação do capital nacional, e providenciará no sentido de:
a) Normalizar a contabilidade dos institutos de crédito;
b) Definir as condições em que podem ser prestadas as garantias que impliquem responsabilidade total ou solidária do Estado.
IV) Eficiência das despesas e custo dos serviços
Art. 9.º O Governo, dentro dos princípios definidos no Decreto n.º 38503, de 12 de Novembro de 1951, e por intermédio da Comissão Central de Inquérito e Estudo da Eficiência dos Serviços Públicos, fará prosseguir os trabalhos necessários à adopção de métodos que permitam obter o maior rendimento com o menor dispêndio.
Art. 10.º Durante o ano de 1953, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, principalmente na realização de despesas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, o Governo continuará a providenciar no sentido de:
a) Limitar ao indispensável as compras no estrangeiro;
b) Dar cumprimento ao preceituado no artigo 59.º da terceira das Cartas de Lei de 9 de Setembro de 1908, podendo o Ministro das Finanças, em casos especiais, autorizar a publicação ou impressão das obras previstas naquele artigo;
c) Diminuir o número das publicações oficiais e o seu custo;
d) Reduzir ao mínimo possível as despesas com o pessoal fora do País.
§ único. As disposições anteriores aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, bem como aos organismos corporativos e de coordenação económica.
V) Providências sobre o funcionalismo
Art. 11.º Enquanto não tiverem aplicação prática os resultados doa estudos a que se referem os artigos 9.º da presente lei e 18.º da Lei n.º 2 050, de 27 de Dezembro de 1951, e em face dos encargos que resultam da execução do artigo 12.º, não poderão ser providas as vagas do pessoal civil dos Ministérios, salvo nos casos especiais em que o provimento seja justificado pelos serviços, com o acordo do Ministro respectivo e a aprovação do Ministro das Finanças.
§ único. Ficam exceptuadas deste regime as nomeações e promoções respeitantes a:
a) Magistratura judicial, do Ministério Público e do trabalho;
b) Pessoal docente;
c) Pessoal dos serviços de segurança pública;
d) Cargos de chefia, direcção e fiscalização superior;
e) Exactores e seus ajudantes;
f) Lugares criados no decorrer do ano económico.
Art. 12.º É o Governo autorizado a manter no ano de 1953 o suplemento concedido em 1952, em virtude do disposto no artigo 19.º e seus parágrafos da Lei n.º 2 050, de 37 de Dezembro de 1951.
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VI) Investimentos públicos
Art. 13.º O Governo inscreverá no orçamento para 1953 verbas destinadas à realização de obras, melhoramentos públicos e aquisições autorizados por leis especiais e não incluídos no Plano de Fomento, regulando os respectivos investimentos de modo que os empreendimentos em curso sejam concluídos o mais rapidamente possível.
Art. 14.º Será inscrita no Orçamento Geral do Estado, em despesa extraordinária do Ministério das Finanças, a importância necessária para satisfazer, em 1953, os encargos que ao Estado caibam na execução do Plano de Fomento.
Art. 15.º Fica o Ministro das Finanças autorizado a inscrever ulteriormente, na despesa extraordinária dos competentes Ministérios, as importâncias parcelares que devam ser-lhes atribuídas por conta da verba aludida no artigo anterior, em harmonia com as precedências que forem determinadas, e bem assim a ordem de coberturas prevista naquele Plano.
VII) Política rural
Art. 16.º Os auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza, devem destinar-se aos fins estabelecidos nas alíneas seguintes, respeitando quanto possível a sua ordem de precedência:
a) Abastecimento de águas, electrificação e saneamento;
b) Melhorias agrícolas, designadamente obras de rega, defesa ribeirinha e enxugo;
c) Povoamento florestal;
d) Estradas e caminhos;
e) Construções para fins assistenciais ou para instalações de serviços.
§ único. Nos financiamentos e nas comparticipações pelo Fundo de Desemprego observar-se-á, na medida aplicável, a ordem de precedência referida neste artigo.
VIII) Racionalização de dispêndios nos serviços autónomos, com receitas próprias e fundos especiais
Art. 17.º Com base nos estudos e inquéritos em curso relativos ao regime legal e situação financeira dos fundos especiais existentes, fica o Governo autorizado a proceder à sua disciplina e concentração para o efeito de melhorar e aplicar as suas disponibilidades ao fomento da riqueza e emprego de mão-de-obra nacionais.
§ único. Enquanto não for promulgada a reforma resultante dos trabalhos a que alude este artigo, a gestão administrativa e financeira dos citados fundos continuará subordinada às regras 1.ª a 4.ª do § 1.º do artigo 19.º da Lei n.º 2 045, igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa.
Art. 18.º O Governo providenciará também no sentido de prosseguirem no ano de 1953 os estudos necessários para permitir maior disciplina na atribuição de receitas próprias, com o objectivo de restringir a sua afectação e limitar o poder de aplicação por parte dos serviços.
IX) Compromissos internacionais de ordem militar
Art. 19.º As verbas extraordinárias destinadas a satisfazer as necessidades de defesa militar, de harmonia com compromissos tomados internacionalmente, serão inscritas globalmente no Orçamento Geral do Estado, obedecendo ao que se estabeleceu no artigo 25.º e seu § único da Lei n.º 2 050, de 27 de Dezembro de 1951, podendo ser reforçada a verba inscrita para 1953 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano corrente.
X) Comunicações com o ultramar
Art. 20.º Ficam os Ministros das Finanças e das Comunicações autorizados a tomar as providências e a assumir as responsabilidades necessárias para garantir, por meio de transportes nacionais privados, as comunicações aéreas com os países estrangeiros e com o ultramar português.
XI) Campanha contra o analfabetismo
Art. 21.º Independentemente do reforço das dotações ordinárias destinadas à instrução primária, em execução do Decreto-Lei n.º 38 968 e do Decreto n.º 38 969, de 27 de Outubro de 1952, inscrever-se-á no orçamento do Ministério da Educação Nacional a dotação extraordinária indispensável para custear a primeira fase da campanha bienal contra o analfabetismo, designada por «Campanha Nacional de Educação de Adultos».
XII) Disposições especiais
Art. 22.º Continuam em vigor no ano de 1953 os artigos 13.º, 14.º e 16.º da Lei n.º 2 038, de 28 de Dezembro de 1949, e o artigo 8.º do Decreto n.º 38 586, de 29 de Dezembro de 1951.
Art. 23.º O regime administrativo previsto no Decreto-Lei n.º 31 286, de 28 de Maio de 1941, é extensivo às verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado com destino à manutenção de forças militares extraordinárias no ultramar e à protecção de refugiados, sem prejuízo do seu reembolso por parte dos Governos responsáveis, e bem assim, até à entrada em vigor do Plano de Fomento, às consignadas à reconstrução e reconstituição da vida económica de Timor.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 17 de Dezembro de 1952.
Mário de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel França Vigon.
Manuel Lopes de Almeida.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA