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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188

ANO DE 1953 16 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 188 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 15 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

Nota. - Ao Diário das Sessões n.º 187 foram publicados dois suplementos: o 1.º contendo um texto da Comissão de Legislação e Redacção e o 2º o aviso da reunião da Assembleia Nacional para o dia 15 do corrente.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 186 e 187 do Diário das Sessões.
Mencionou-se o expediente.
O Sr. Presidente referiu-se à apresentação de cumprimentos do Ano Novo ao Sr. Presidente da República: à posse do Sr. Deputado Sousa Meneses do cargo de governador de Angra; aos elementos que recebera de vários Ministérios em resposta aos requerimentos de diversos Srs. Deputados, e a decretos - leis que recebera da Presidência do Conselho, para efeito do § 3.º do artigo 109º da Constituição.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro agradeceu as referências feitas pelos Srs. Deputados Lopes Alves e Mascaranhas Gaivão a propósito da sua viagem à África como rogal da comissão executiva da União Nacional.
O Sr. Deputado Caetano Beirão traçou o perfil do antigo Deputado Sr. Doutor António Ferreira Cabral Pais do Amaral, que completou 90 anos de idade.
O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho apreciou um protesto do Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores a propósito do uma frase do seu discurso de 17 de Dezembro de 1952.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu várias informações pelos Ministérios da Economia e das Comunicações.
O Sr. Deputado Melo Machado falou sobre a portagem na ponte de Vila Franca.

Ordem do dia. - Começou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à Carta Orgânica do Ultramar.
Falou o Sr. Deputado Vaz Monteiro, que ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.

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António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 89 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 186 e 187 do Diário das Sessões.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 187: a p. 459, col. 2.ª 1.27, onde se lê: «Este interpretou ...», deve ler-se: «V. Ex.ª interpretou ...».

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra sobre estes números do Diário das Sessões, considero-os aprovados com a reclamação apresentada.

Nota. - Declara-se que não foi revisto pelo orador o discurso do Sr. Deputado Mário de Figueiredo inserto no Diário das Sessões n.º 186.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do presidente da Câmara Municipal de Coimbra de apoio ao discurso do Sr. Deputado Santos Bessa, proferido na sessão de 11 de Dezembro, acerca do problema do Mondego.
Numerosos a solicitar que o aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Barriga sobre a defesa dos interesses dos industriais de transportes em automóveis seja marcado para ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido à Câmara um ofício da Universidade de Coimbra relativo às intervenções de alguns Srs. Deputados sobre um livro do escritor Aquilino Ribeiro.

Foi lido. É o seguinte:

«Senhor Presidente da Assembleia Nacional - Excelência.- Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª que, em sessão de 20 do corrente, o Senado Universitário aprovou por unanimidade e fez registar na respectiva acta a moção do teor seguinte:

O Senado da Universidade de Coimbra, reunido em sessão extraordinária, expressamente convocada:
Considerando que a instituição que tem a honra de servir mergulha as suas origens quase com as da própria Pátria e com ela tem vivido suas glórias e desventuras;
Considerando que ao País tem dado os seus mais lídimos valores nas ciências, nas letras e na governação pública;
Considerando que a Universidade de Coimbra goza universalmente do respeito de todas as pessoas de bem que a conhecem;
Resolve:
Testemunhar a sua perdurável gratidão aos Srs. Deputados que na sessão de 13 deste mês se ergueram a favor da Universidade de Coimbra;
Manifestar a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia Nacional e a todos os que vibrantemente apoiaram

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os discursos dos mesmos Srs. Deputados a expressão do seu agradecimento, com os sentimentos de muito respeito e alta consideração.

Ao transmitir a V. Ex.ª, como gostosamente me cumpre, esta deliberação do Senado Universitário, peço-lhe, Sr. Presidente, se digne aceitar, com as melhores saudações, as minhas deferentes homenagens.

A bem da Nação. - Paço das Escolas, 22 de Dezembro de 1902. - O Reitor, Maximino Correia».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: cumpre-me comunicar à Câmara que no dia 1 de Janeiro, em nome dela, apresentei em Belém ao Chefe do Estado os cumprimentos e votos do estilo. O Sr. Presidente da República quis vir depois a esta Casa retribuir pessoalmente os cumprimentos que lhe haviam sido apresentados pela Assembleia e Câmara Corporativa.
Na alocução que então proferiu o supremo magistrado da Nação entendeu dever pôr em relevo a elevação, a competência e o patriotismo com que a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional têm tratado os assuntos que lhe têm sido submetidos, especializando a valiosa colaboração das duas Câmaras no estudo e discussão do Plano de Fomento Nacional.
Imediatamente manifestei ao Sr. Presidente da República quanto as suas palavras nos desvaneciam e quanto elas, partindo de tão alto, calariam no espírito dos representantes da Nação, e, sendo o melhor galardão que poderiam esperar, se tornariam no maior incentivo para uma mais viva consciência da grande responsabilidade que sobre eles impendia.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Embora os factos referidos sejam já do conhecimento geral, através da imprensa, é-me grato transmiti-los oficialmente à Câmara e afirmar deste lugar e em nome dela ao Chefe de Estado o nosso reconhecimento e o nosso propósito de leal e activa colaboração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Meneses comunica à Câmara que foi nomeado e já tomou posse do cargo de governador civil do distrito de Angra do Heroísmo e apresenta à Câmara os seus cumprimentos e agradecimentos pelas atenções que lhe foram dispensadas.
Ao comunicar o facto à Câmara, se não posso deixar de congratular-me por ver ascender a tão elevado cargo político um membro da Assembleia, não posso também deixar de sentir que a Câmara fica privada por esse facto da valiosa colaboração do Sr. Deputado Sousa Meneses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: -Estão na Mesa, fornecidos pelo Ministério da Justiça, os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira; pelos Ministérios das Obras Públicas, da Economia, das Finanças e das Corporações e Previdência Social, os requeridos pelo Sr. Deputado Pinto Barriga; pelo Ministério da Economia, os requeridos pelo Sr. Deputado Amaral Neto; pelo Ministério da Educação Nacional, os requeridos pelo Sr. Deputado Moura Relvas, e pelo Ministério das Obras Públicas, os requeridos pelo Sr. Deputado Salvador Teixeira.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Na sessão de 17 de Dezembro o Sr. Deputado Alberto Cruz formulou ao Governo diversas interrogações sobre o aumento do preço do bacalhau recentemente autorizado.
Estão na mesa os esclarecimentos e respostas a essas interrogações prestados pelo Ministro da Economia. Como se trata de um assunto de interesse geral e de larga repercussão na opinião pública, serão publicados na íntegra os esclarecimentos, precedidos do requerimento que os motivou.

São os seguintes:

Requerimento

«Porque o bacalhau é um dos alimentos preferidos pela população do País, principalmente do Norte, em que o seu consumo é quase obrigatório na quadra do Natal, que se aproxima, e porque os jornais anunciem um aumento substancial no seu preço de venda ao público, nas espécies mais apreciadas, e também o seu aparecimento nos estabelecimentos, onde até agora só em escassa quantidade e má qualidade se tem apresentado, requeiro que, pelos organismos competentes, me sejam fornecidas, para meu esclarecimento, e consequentemente do País, as seguintes informações:

1.º Qual o motivo por que só agora, nesta quadra do Natal, se aumenta o preço do bacalhau?
2.º Não será demasiado esse aumento, que pode ascender a 3$ em quilograma, principalmente nesta quadra do Inverno, em que são mais precárias as condições económicas da população, especialmente as das classes menos favorecidas?
3.º Não se poderiam diminuir os encargos que pesam sobre essa mercadoria, simplificando a complicada engrenagem do seu comércio e reduzindo por conseguinte o pessoal e tudo o mais que a mesma é obrigada a suportar?
4.º Porque é que nunca tem faltado, principalmente no Norte, nas casas de pasto, tabernas e restaurantes especializados na confecção de bons pratos do chamado bacalhau inglês, esse apreciado peixe, nas quantidades e qualidades desejadas, e as donas de casa o não tem conseguido lobrigar nas mercearias?
5.º Não terá a fiscalização meios de saber a sua proveniência e providenciar no sentido de pôr cobro a esssa anormalidade e castigar os prevaricadores, se acaso os houver e conseguir identificar?».

Agradecia urgência nos esclarecimentos e nas providências, se para tal houver motivo.

1. O aumento verificado no preço cie venda do bacalhau estrangeiro reflecte directamente a subida das cotações nos mercados internacionais, em consequência do acréscimo da procura e do desvio de grandes quantidades destinadas à congelação.
Destas circunstâncias resultou a alta progressiva dos preços, conjugada com a escassez da mercadoria.
Em relação às duas principais origens o fenómeno traduz-se pelos números seguintes, referentes à presente campanha e às duas anteriores:

[ver tabela na imagem]

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Verificam-se assim, pelo confronto dos preços extremos, abstraindo da campanha intercalar, aumentos que atingem 38 e 33 por cento, respectivamente, para o bacalhau da Terra Nova e da Noruega. Relativamente aos preços do último ano a alta média é do cerca de 23 por cento.
2. Nas condições expostas, havia que resolver problemas que respeitavam, simultâneamente à suficiência do abastecimento e ao nível dos preços.
A manutenção da estabilidade praticada desde 1946 só seria possível com renúncia aos princípios de verdade económica, que orientam o Ministério da Economia, e através de uma intervenção do Fundo de Abastecimento, que se exprimiria no sacrifício incomportável de cerca de 30:000 contos.
Afastada esta hipótese, só podia optar-se, na elaboração da nova tabela de preços, por uma das seguintes fórmulas:
1.ª Diluir o agravamento, através de uma repartição proporcional por todo o bacalhau transaccionado, tanto nacional como estrangeiro;
2.ª Isolar a alta e ter em conta na distribuição do encargo as diferenças específicas nos custos dos diferentes tipos, a sua representação no consumo e as condições de vida das classes economicamente débeis, salvaguardando os interesses destas até onde fosse possível.
Preferiu-se a segunda solução, não só pelas razões que de um modo geral a recomendavam, como pela consideração adicional de conservar intactas as grandes linhas do sistema de preços, o que implica menor risco de se tornar permanente uma elevação determinada por circunstâncias susceptíveis de se modificarem.
3. Orientada a solução neste sentido, foi resolvido manter os preços do bacalhau com cura nacional e reduzir ao mínimo a incidência da alta internacional no nível dos preços internos.
Segundo a tabela aprovada, o esquema do abastecimento e dos preços será o seguinte, até ao termo da campanha decorrente:

[ver tabela na imagem]

Assim, a um agravamento nos mercados mundiais de 23 por cento relativamente à última campanha correspondeu uma elevação média no mercado interno de apenas 16,5 por cento, e esta mesmo incidiu sòmente sobre 160 000 q, ou seja cerca de 25 por cento das disponibilidades para o consumo.
Na própria mercadoria em que se verifica a subida a distribuição dos preços poupou os tipos populares, que representam uma percentagem avultada do consumo e relativamente aos quais a alta foi limitada a 8,3 por cento.
Praticou-se, pois, a política mais ajustada às realidades económicas, no quadro das preocupações sociais, que estão sempre presentes no espírito do Governo.
4. Houve também que resolver a dificuldade de fazer face ao elevado consumo do bacalhau de cura amarela, preferido pela população do Norte. Com a rarefacção da oferta do bacalhau deste tipo conjugou-se a sua hipervalorização na origem, a qual obrigaria a lançá-lo no mercado a preço elevadíssimo. Solucionou-se o problema autorizando a preparação de um contingente de bacalhau nacional com cura amarela, o que permitiu uma apreciável economia de dólares e se traduziu num agravamento de encargos muito inferior ao que de outra forma teria de ser suportado.
A identidade de características entre este tipo de bacalhau e o seu similar estrangeiro e a consequente dificuldade de os distinguir impuseram a uniformização do preço. O diferencial assim obtido sobre o produto nacional foi aplicado na redução da amplitude da alta, revertendo deste modo em benefício do consumidor.
5. A oportunidade da publicação da nova tabela de preços foi determinada pela necessidade de aguardar o termo das morosas negociações com os nossos habituais fornecedores e dos trabalhos complementares a que houve de proceder, coincidindo, como era natural, com a chegada da mercadoria e a sua distribuição para venda.
Com efeito, o bacalhau estrangeiro - adquirido, aliás, em condições de preço excepcionalmente favoráveis adentro do condicionalismo da conjuntura - começou a entrar nos frigoríficos da Comissão Reguladora em princípios do corrente mês e só nos últimos dias pôde ser lançado no mercado.
6. A simplificação da mecânica do comércio do bacalhau constitui um dos problemas em estudo no Ministério da Economia, a que se espera dar solução rápida de harmonia com critérios de libertação que de há muito estão a aplicar-se a todos os sectores da vida económica.
Esclarece-se, no entanto, que os encargos com a coordenação e fiscalização da pesca e das actividades comerciais ligadas ao bacalhau e indispensáveis à defesa do interesse comum não atingem no conjunto 3,5 por cento do preço médio de venda ao público.
7. Finalmente, o mercado vai ser amplamente abastecido dos tipos de bacalhau nacional em que se mantêm os preços anteriores e foram tomadas todas as disposições para punir abusos e assegurar a repartição equitativa das qualidades mais apreciadas, por todas as camadas da população.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os seguintes decretos-leis: n.ºs 39 038, 39 039, 39 040, 39 042 e 39 044, publicados no Diário do Governo, 1.ª série, n.ºs 282, 283 e 284, de 17, 18 e 19 de Dezembro passado; n.ºs 39 047, 39 053, 39 055, 39 058, 39 059 e 39 060, publicados no Diário do Governo, 1.ª série, n.ºs 285, 289, 290 e 291, de 20, 26, 27 e 29 do mesmo mês; n.ºs 39 065, 39 069, 39 070, 39 071, 39 072 o 39 073, publicados no Diário do Governo, 1.ª série, n.º 293, de 31 do mesmo mês, e n.ºs 39 074 e 39 075, publicados no Diário do Governo, 1.ª série, n.ºs 1 e 3, de 5 e 7 de Janeiro do ano corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Henrique Tenreiro.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: nesta mesma Casa e durante a minha ausência dois distintos membros da Assembleia Nacional referiram-se em termos penhorantes à honrosa missão que o engenheiro Cancela de Abreu, como presidente da comissão executiva da União Nacional, e eu, como seu vogal, tive-

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mos a honra e o prazer de levar a cabo através de Angola e Moçambique.
É assim perfeitamente compreensível que, ao voltar a esta Assembleia, comece por dirigir os meus mais vivos agradecimentos aos dois ilustres Deputados, Sr. Comandante Vasco Lopes Alves e Sr. Mascarenhas Gaivão, que, em nome daquelas províncias, com tanta elevação sublinharam o real significado da nossa viagem.
«Missão de boa vontade», como expressivamente lhe chamou o engenheiro Cancela de Abreu, a nossa tarefa só foi de facto possível mercê, já não digo da indispensável boa vontade dos seus componentes, mas, sobretudo e principalmente, graças ao acolhimento, melhor direi, à entusiástica boa vontade, à excepcional e comovedora recepção dos portugueses de além-mar, que nos receberam com carinho e entusiasmo inexcedíveis.
Viagem trabalhosa e fatigante, exaustiva até, da qual, na memória e na retina, conservamos as mais gratas recordações e imagens, proporcionou-me, como poucos acontecimentos da minha vida, horas da mais alta elevação espiritual e de ardente e profundo lusitanismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esperávamos muito, mas o que vimos excedeu toda a nossa expectativa. A observação e a verificação do progresso moral e material das nossas vastas províncias ultramarinas não podem deixar de nos causar alegria e orgulho, o legítimo orgulho do português a quem é dado ver com os seus próprios olhos que «Portugal não é um país pequeno».
Parece-me oportuno prestar nesta Assembleia mais uma vez homenagem aos obreiros dessa realização magnífica - aos missionários, aos colonos, aos comerciantes, aos industriais, aos nativos, ao Governo, aos militares e aos funcionários.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vimos os missionários trabalhando na sua obra incomparável, lenta e espinhosa, mas da qual tão fecundos resultados espirituais se colhem.
Vimos os colonos na agricultura, na indústria, no comércio, cheios de confiança em si próprios e de esperança no futuro, a trabalhar de sol a sol, amando enternecidamente Portugal, cheios de sonho e firmeza.
Vimos os nativos chamados ao convívio fraternal da nossa civilização, que desconhece a distinção de raças e continua, assim, a cumprir a sua secular vocação de criadora de nações, sob a égide sagrada da Cruz, que a todas as raças protege.
Vimos os militares e funcionários levando aos pontos mais recônditos do sertão a ordem, a paz e a justiça portuguesas, fazendo respeitar e amar pelas populações nativas a nossa bandeira - reflexos vivos do Governo Central e dos Governos das províncias, a cuja grandeza e prosperidade tanta inteligência e solicitude têm dedicado.
Por toda a parte encontrámos portugueses conscientes do dever que lhes impõe a hora que atravessamos e irmanados no mesmo desejo de contribuírem, cada qual dentro da sua esfera de acção, para o ressurgimento nacional, fazendo com que este Portugal melhor dos nossos dias continue a ser, na mais ampla acepção da palavra, um Portugal maior, na grandeza dos territórios, na prosperidade da sua vida, na unidade e solidariedade da sua gente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A comovedora lição que recebemos de todos estes homens - o seu trabalho infatigável e esforço permanente, o seu bom senso, o seu acendrado patriotismo e nacionalismo integral - força-nos a saudá-los com respeito!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sim, a emocionante lição destes nossos irmãos portugueses - na fidelidade aos princípios da Revolução Nacional e ao egrégio estadista que os definiu e os vem pacificamente defendendo e sustentando há um quarto de século, por entre o fragor das guerras e o desabar de nações e regimes - leva-nos não só a essa saudação efusiva, mas, sobretudo, a aproveitar o que essa lição tem de estimulante e permanente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o que vimos nesta viagem, os ensinamentos de toda a ordem que nela colhemos, a consolação espiritual recebida justificam sobejamente o redobrado orgulho que neste momento sinto de haver nascido português e o de ter vindo ao Mundo na era magnífica de anseios e realizações que é a nossa e me permitiu colaborar, ainda que como simples soldado, na obra gigantesca levada a efeito pelo Sr. Presidente do Conselho, cujo nome já todos irmanamos, os da metrópole e os do ultramar, com os dos outros que construíram o nosso império e que, por esse motivo, da lei da morte se libertaram!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: completa hoje 90 anos o antigo parlamentar e Ministro de Estado conselheiro António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
Um grupo de amidos e admiradores seus tomou a iniciativa de comemorar esta data festiva para quem, como o conselheiro António Cabral, conserva ainda toda a lucidez de espírito e uma saúde que, para aquela idade, se pode considerar excepcional. E merece essa homenagem - merecia até que ela atingisse maior vulto, o que a seu pedido se evitou - quem foi magistrado inflexível, político vigoroso e intransigente, orador brilhante e escritor do mais fino quilate.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quiseram que a minha palavra sem brilho fosse o eco dessa comemoração na Assembleia Nacional. Afora tal circunstância, deve reconhecer-se que fica bem evocar a sua figura inconfundível no hemiciclo onde durante tantos anos fez ouvir a sua voz vibrante em apóstrofes violentas, em intervenções fulgurantes, em discursos de rara eloquência, ao atacar os seus adversários ou na defesa dos Governos do partido em que militou e da causa a que se devotou com a maior abnegação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pertencente a uma família de políticos, cedo abalou do magnífico solar de seus pais, em Agre-los, para ingressar nas lides da política, filiando-se num dos grandes partidos do rotativismo do tempo.
Foi administrador de concelho e nessas funções teve. de se haver com graves conflitos, que, com a sua energia e ponderação, conseguiu solucionar. Isso valeu-lhe

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uma notoriedade que depresso o elevou a mais altos postos.
Depois de uma campanha acesa, em que revelou os seus dotes oratórios, foi eleito pela primeira vez Deputado em 1807. Fez a sua estreia parlamentar - não nesta sala, que tinha ardido t1 estava, em obras, mas na sala da Câmara dos Pares, onde funcionava a dos Deputados - no dia 1 de Fevereiro de 1898. Estreia auspiciosa. Desde então foi reeleito por vários círculos, para quase todas as legislaturas, até à queda da monarquia. E tão apreciadas eram as suas qualidades de tribuno que o escolheram para leader do partido, cargo que desempenhou brilhantemente, como, por exemplo, ao replicar a Afonso Costa na malfadada questão das cartas de Fernando Serpa.
Convidado para fazer parte do Ministério presidido por José Luciano de Castro em 1905, sobraçou a pasta das Obras Públicas, onde deixou assinalada a sua forte personalidade, especialmente na acção que desenvolveu em prol das escolas industriais. De novo Ministro, mais tarde, da Marinha e Ultramar, no efémero Gabinete de concentração de Campos Henriques, deve-se-lhe, além do interesse que dedicou a questões ultramarinas, a proposta de lei relativa, à transferência do Arsenal da Marinha para o Alfeite, o que veio a tornar-se realidade.
Sr. Presidente: a nossa monarquia liberal, que só teve uma vida equilibrada, durante o reinado de D. Luís, decompunha-se a olhos vistos. A realeza era apenas uma sobrevivência na democracia florescente. Regime de transição, inadaptável à índole dos povos latinos, se resistiu durante setenta anos neste país, isso se deve - segundo penso - ao valor dos príncipes que o representaram e ao alto nível de grande parte dos estadistas que o serviram.
A antinomia veio a manifestar-se, dolorosa, inevitável. A falta de convicções, a dissolução dos partidos, o desrespeito pela Coroa foram as consequências mais salientes do individualismo liberal e da falência do parlamentarismo, que contaminavam a nossa ética política. Assim como sem a estrutura, de certo modo antidemocrática, do chamado Estado Novo não seria possível a obra de regeneração e de reconstrução realizada neste quarto de século sob a regência do Sr. Doutor Oliveira Salazar, assim também, inversamente, por culpa acima de tudo dos princípios, que não dos homens, meras instrumentos de uma ideologia Corruptora - la maladie occidantale, de que já falava Comte -, se esfacelou e afundou a monarquia constitucional.
Perante a derrocada, o dilema pôs-se com toda a sua evidência: ou salvar a realeza, sacrificando os princípios, ou defender os princípios, deixando soçobrar o Trono.
El-rei D. Carlos vi i o problema admiràvelmente - foi o grande precursor; quis salvar a realeza, não apenas porque era esse o seu dever, mas porque reconheceu, pela experiência, que os princípios arruinavam moral e materialmente a Nação.
Dos estadistas do seu tempo, quantos, desconhecendo a verdade política, que hoje se nos apresenta incontroversa, preferiram manter-se fiéis aos dogmas de 89, que consideravam intangíveis! E assim sacrificaram o rei e ajudaram a derrubar a instituição monárquica. Muitos - quero crer - de boa fé. Vieram então a insensatez desagregadora, os ataques dementados, as injúrias infamantes. Figuras gradas dos partidos cometeram algumas baixezas. Nunca a palavra ou a pena de António Cabral se mancharam a pactuar com as facções republicanas, a desrespeitar a família real ou a enxovalhar o soberano. Disso muito se orgulha, e com toda a razão.
Proclamada a República, e quando tantos dos seus pares se acomodaram ou se retiraram, o conselheiro Cabral não hesitou, não renunciou. Pelo contrário, intensificou a sua actividade política e foi ocupar a primeira linha de fogo contra o novo regime.
No Correio da Noite, no Dia, no Liberal - jornal que dirigiu com desassombro -, em livros, em conferências, por todos os meios ao seu alcance, defendeu ardorosamente a monarquia e trabalhou pela sua restauração. O ataque às misérias e arbitrariedades da demagogia e a defesa esforçada da Igreja e do Trono impuseram-lhe sacrifícios e levaram-no várias vexes à cadeia. Nunca por causa disso António Cabral abrandou no combate ou curvou a sua fronte altiva.
Muitos de VV. Exas., por certo, estarão lembrados da sua actuação corajosa, saneadora, desenvolvida nesta sala, ao lado do nosso ilustre colega Dr. Paulo Cancela de Abreu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a longa observação dos factos, o contacto com as realidades, o estudo do problema político, levaram-no à convicção de que só na monarquia tradicional, adaptada à complexidade da vida moderna, a Nação poderia reencontrar o fio glorioso dos seus destinos.
Numa das páginas das suas Memórias políticas, documento precioso para a história dessa época revolta, e a propósito da primeira legislatura em que foi deputado, o conselheiro António Cabral escreveu:

O Parlamento! Ia eu reconhecer, na prática, os graves inconvenientes do parlamentarismo, que tanto me seduzia nessa época, enquanto o não conheci de perto e as lições da experiência me não varreram do espírito as ilusões que o deslumbravam. Ia eu saber, como figurante, e não como espectador, o que era e o que valia a força parlamentar, com discursos longuíssimos e ocos, arruaças temerosas, carteiras espedaçadas, obstrucionismo irritante, leis votadas a troixe-moixe, domínio insuportável de maiorias facciosas, em que a força esmagadora do número tantas vezes vencia e calcava a razão e a justiça!

Quando em Portugal se concretizaram os princípios representados pelo integralismo lusitano, o conselheiro António Cabral, ao invés da maior parte dos políticos da sua geração, manifestou por eles simpatia e afirmou corajosamente a sua concordância.
Ao constituir-se a Acção Realista, larga organização que se propunha unificar toda a actividade monárquica em torno daqueles princípios - aos quais não foi estranho o movimento de 28 de Maio -, o antigo Deputado progressista e Ministro de Estado veio dar-lhe pùblicamente a sua adesão. Nestes termos se refere a esse gesto desassombrado e sincero:

Desinfectei o meu espírito e o meu cérebro expurgando-os das más ideias políticas dos princípios deletérios, que os tinham envenenado. Persistir no erro e nos vícios do liberalismo regalista não era coerência; seria teimosia antipatriótica. Fui, pois, para a Acção Realista.

Profissão de fé semelhante à de Ramalho, dez anos atrás, e à do conselheiro Fernando de Sousa, um ano depois, deve-se, a meu ver, considerar esta atitude de inteligência e hombridade do conselheiro António Cabral como um dos momentos mais transcendentes da sua vida política.

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Na Acção Realista ocupou o posto que de direito lhe pertencia: a presidência da comissão executiva. Mas não se imagine que nesse lugar se quedou como mera afirmação de princípios. Não, Sr. Presidente. Apesar da idade, António Cabral redobrou de actividade combativa. Assistia às reuniões com o maior interesse, sugeria atitudes, colaborava na revista com aquele nome, proferia conferências, organizava o movimento na província, angariava fundos, escrevia quase diariamente no jornal que João Ameal dirigiu com tanto acerto, representou a Acção Realista no conselho Político e aqui, no Parlamento; desenvolveu, enfim, unia actividade assombrosa que a todos servia de estímulo.
Certa vez, em 1925, a junta escolar da Acção Realista em Coimbra, onde o nosso movimento englobava grande parte da Academia, promoveu uma sessão de propaganda no Teatro Sousa Bastos e convidou Alfredo Pimenta e António Cabral a tomarem parte nela. Foi um acontecimento na cidade do Mondego. Teatro cheio o as ruas em volta apinhadas de gente; alguma, na verdade, com ar um tanto suspeito. Presidiu António Cabral, que falou com o seu habitual fulgor, e depois foi dada a palavra a Alfredo Pimenta, que se ocupou do tema nada irritante: A Universidade e o seu papel na sociedade portuguesa. Mal a conferência havia começado, ouviram-se as primeiras arruaças. O conselheiro António Cabral, sereno mas enérgico, procurou impor silêncio. O orador retomou a palavra; todavia, algum tempo decorrido, a algazarra recomeçava. Um grupo de manifestantes que se conservava no largo entrou na plateia de roldão para impedir que a sessão continuasse. Tumulto, protestos, pancadaria. Ficaram alguns estudantes feridos, mas os díscolos foram expulsos da sala. A autoridade que assistia à reunião pretendeu suspendê-la. O presidente parlamentou, protestou, e a conferência foi até final. Mas a formiga esperava-nos à saída. E estou ainda a ver o conselheiro António Cabral, que nunca soube a cor do medo, com a sua figura empertigada, o seu característico bigode em riste, atravessar a rua por entre uma multidão provocadora, ululante, alguns de pistolas aperradas a apontarem-lhas à cabeça e ao peito; e ele, com arrogância e desprezo, sem apressar o passo, sem um gesto de temor, a desafiar os arruaceiros, a desafiar a morte!
Era assim António Cabral. Dessa vez fui testemunha. E foram testemunhas pessoas que ocupam hoje posições de grande relevo na vida portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito mais haveria a dizer sobre o jurisconsulto, o magistrado, o jornalista, o escritor que deixa uma obra vastíssima, que vai da crítica literária ao romance, da polémica às crónicas de viagem, do teatra à investigação histórica, toda ela escrita numa linguagem castiçamente portuguesa. Mas não posso ser mais extenso e por isso me limito a evocar o seu inconfundível perfil político.
Carácter íntegro, feito de uma só peça, de antes quebrar que torcer, a sua vida constitui um alto exemplo de coerência, de lealdade, de isenção e de patriotismo, que deve ser assinalado, louvado e exaltado.
Que a lição aproveite às gerações que mal o conheceram. E que o Sr. Conselheiro António Cabral tenha neste dia a consolação de verificar que a sua personalidade moral, que nunca soube curvar-se, é daquelas que continuarão sempre de pó.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: o Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares, Agentes Técnicos de Engenharia e Condutores, pelo presidente da sua direcção, enviou a V. Ex.ª, com data de 17 de Dezembro, um documento, a que chamou «desabafo», com o pedido de ser transmitido a esta Assembleia Nacional como protesto contra certa afirmação que eu fizera na minha intervenção do dia 13 do mesmo mês.
Esse documento foi lido nesta Câmara em sessão de 18, à tarde, numa altura em que eu não estava ainda presente.
Só no dia imediato tive conhecimento desse protesto por leitura da cópia, que solicitei e me foi cedida.
Como foi a penúltima sessão de antes de férias, só agora me é possível responder.
A afirmação, por mini produzida, que deu azo ao protesto foi:

Como reparação, porque o professor primário, além de tudo quanto se refere à sua alta missão social, possui um diploma de ensino médio, portanto da categoria do dos regentes agrícolas ou agentes técnicos.

De facto, embora usasse forma abreviada, referia-me aos agentes técnicos de engenharia das três modalidades estabelecidas no artigo 189.º do Decreto n.º 38 032, que é o Regulamento dos Institutos Industriais.

ra, a direcção do Sindicato reclamante, ao mencionar a categoria dos seus associados, chama-lhes «indivíduos diplomados com os cursos médios de engenharia professados nos institutos industriais».
Esta afirmação está absolutamente certa e condizente com o artigo 1.º do citado Decreto n.º 38 032, que reza assim:

Os institutos industriais são estabelecimentos de ensino médio especial e têm por função preparar auxiliares de engenharia e técnicos para as indústrias.

Portanto, a discrepância do Sindicato não se firma na categoria de ensino médio, que atribui, segundo a lei, ao diploma de agente técnico de engenharia, mas, usando as palavras do documento, «no que respeita às equiparações dos diplomas dos agentes técnicos de engenharia e professores primários».
Diz-se mais adiante que «Neste (caso) - dos agentes técnicos de engenharia e professores primários - julgamos não poder fazer-se qualquer sorte de equiparação, dada a grande distância em que uns se encontram em relação aos outros».
A seguir fala-se no desnecessário confronto de programas dos respectivos cursos e termina esse parágrafo com o argumento, com prosápias de fulminante, do seguinte teor: «..., parecendo-nos suficiente, para esclarecer S. Ex.ª (a excelência sou eu), citar que o nosso diploma nos permite o exercício do magistério no ensino profissional industrial e comercial, a que não podem ter acesso os professores primários (Decreto n.º 37 029, de 25 de Agosto de 1948)».
Vamos por partes:
1.º Onde a «grande distância» separativa de categorias, se se confessa no protesto que eles, agentes técnicos, «muito têm também contribuído - ainda que por outra forma - para o engrandecimento da Nação»?
Seria o cúmulo se não reconhecessem no professor primário - que os ensinou a ler e lhes abriu o espírito para a civilização - o seu enorme contributo para o engrandecimento cia Nação. Reconhecem, pois, que ambos os sectores são de grande valor social. Eis um claro argumento de equiparação moral.

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2.º O confronto de programas dos respectivos cursos:
Toda a gente sabe que os diplomas se distinguem pelo grau de ensino, que lhes deu causa, e nunca pela igualdade ou disparidade das matérias dos programas.
No grau superior, por exemplo, a ninguém ocorreria estabelecer comparação dos programas da Faculdade do Medicina com os da Faculdade do Direito ou de quaisquer outras Faculdades ou institutos superiores, tão díspares são na sua orgânica e na sua finalidade.
Também, por outro lado, não deixa de ser superior um curso por se exigirem quatro, cinco ou seis anos de frequência normal.
E, portanto, absolutamente evidente que, ao afirmar que o diploma de agente técnico de engenharia é de ensino médio, tal como o é o diploma de professor primário, não há que confrontar programas, obviamente diferentes, e nem que ter em conta o tempo de curso. Trata-se nestes casos, sim, de nível de ensino. E o nível de ensino do curso do magistério primário é evidentemente médio. E é médio pela comezinha razão de que não é primário, nem secundário, nem superior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para entrada nos institutos industriais exige-se exame de admissão, ao qual podem concorrer indivíduos com o curso das secções preparatórias das escolas industriais ou com o 2.º ciclo liceal (5.º ano), ou exame de admissão com programa especial para os candidatos que não tiverem aquelas habilitações.
Para obter o diploma há que seguir um curso de quatro anos.
Para entrada nas escolas de magistério primário exige-se igualmente o 2.º ciclo liceal (5.º ano), exame de admissão e dois anos de especialização.
Para regente agrícola, o 1.º ciclo dos liceus o cinco anos de especialização. E este igualmente um curso profissional médio com sete anos de estudos, exactamente igual, em duração total, ao dos professores primários.
O Sindicato aceita a equiparação com os regentes agrícolas e repele, ofendido, a equiparação com os professores primários.
Sinal dos tempos e desvio ou exclusivo da técnica mecânica ou científica, com menosprezo pela técnica humanistica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além do que ficou exposto, a direcção do Sindicato reclamante parece desconhecer que na circular n.º 26, de 18 de Maio de 1945, a Repartição Central da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, ao esclarecer os direitos sobre abono de família, faz a classificação de cursos sobre os quais poderia haver dúvidas.
Assim, no capítulo dessa circular intitulado «Quanto aos cursos que não são tidos como secundários nem como superiores» enumera vários, entre eles: «cursos dos estabelecimentos de ensino técnico médio industrial e comercial», e, logo a seguir: «cursos das escolas do magistério primário».
Esta equiparação de vários cursos médios para efeitos de abono de família tem o despacho concordante de S. Ex.ª o Ministro das Finanças.
Terceiro argumento do Sindicato protestante: o acesso ao magistério nas escolas industriais e comerciais:
Ao afirmar-se no documento que os agentes técnicos têm acesso ao magistério, usa-se uma forma vaga, donde se podia inferir que têm acesso a qualquer grau do magistério das escolas industriais e comerciais.
Ora, há que distinguir, porquanto existem vários graus de professores:

a) Professores efectivos, com o ordenado-base de 1.800$.
b) Professores adjuntos, com o ordenado-base de 1.200$
c) Professores auxiliares do 2.º e 1.º grau, com os ordenados-base de 1.600$ e 1.200$, respectivamente.
d) Professores provisórios do 2.º e 1.º grau, com o ordenado-base de 1.400$ e 1.100$, respectivamente.

Isto além de mestres de oficinas e outros funcionários da mesma categoria.
O acesso a professores efectivos é privativo de licenciados por Faculdades ou candidatos com o curso superior de Engenharia, Pintura, Escultura, Ciências Económicas, etc., conforme os grupos, depois de concluírem a secção pedagógica da Faculdade de Letras e dois anos de estágio.
O acesso a professores adjuntos é facultado a agentes técnicos de engenharia, segundo os grupos, também com a secção pedagógica da Faculdade de Letras e dois anos de estágio.
Portanto, é certo esse direito dos agentes técnicos, mas apenas para professores adjuntos, e não para professores efectivos. Isto é o que estabelece o artigo 228.º do Decreto n.º 37 029 (Estatuto do Ensino Profissional Industrial e Comercial).

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É falsa, porém, a afirmação do documento protestante quando diz que os professores primários não gozam de igual direito.
Foi tal o horror da equiparação com os professores primários que a cegueira, daí derivada, não deixou ver à ilustre direcção do Sindicato o artigo do mesmo decreto-estatuto que vem logo a seguir, pois é o artigo 229.º, que reza assim:

Ao estágio para professores adjuntos dos grupos 8.º e 11.º podem também ser admitidos professores de instrução primária com, pelo menos, 15 valores de diploma e dez anos de exercício do magistério oficial bem classificado.

A posição dos professores primários é, evidentemente, superior neste capítulo, porque não têm sequer que fazer a secção pedagógica da Faculdade de Letras, visto que pelo seu diploma de professores são já considerados técnicos em pedagogia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio que não preciso de fazer mais comentários para demonstrar a exacta equiparação dos cursos médios de agentes técnicos de engenharia, professores primários, regentes agrícolas, etc., isto é, todos os que têm como base o 2.º ciclo, ou seja o 5.º ano dos liceus.
Muito poderia dizer sobre este anacrónico preconceito da injusta posição social em que muita gente teima em considerar o professor primário, como se ele ainda fosse o humilde pioneiro mestre-escola do tempo da reforma do marquês de Pombal.
A extinção dos modestos exames de mestres em 1901, não obstante a existência paralela de escolas normais, criadas em 1836 e melhoradas em 1861, não eliminou o preconceito da modéstia de tão nobre e benemérita profissão.
Foi o Estado Novo quo a dignificou ainda mais, sob o aspecto cultural, com a reforma de 1932, que esta-

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beleceu a preparação do curso geral dos liceus e três anos de especialização.
Extintas as escolas do magistério primário em 1936, foram restabelecidas em 1942, com dois anos de curso especial, pelo então Ministro da Educação Nacional, o nosso muito ilustre colega Dr. Mário de Figueiredo, que reabriu as escolas de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga, e pouco depois as de Évora e Viseu, e hoje funcionam, felizmente, catorze desses seminários pedagógicos, dez no continente e quatro nas ilhas adjacentes, estas anexas aos liceus, onde funcionam.
A diferença de vencimento imposta pelo Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, não destrói a equiparação dos dois cursos em confronto, quanto ao nível escolar dos dois diplomas. Uns, agentes técnicos, começam a sua vida oficial com o vencimento da letra N (1.200$) e os outros, professores primários, iniciam-na com o vencimento da letra T (650$).
Ninguém ignora que o tão conhecido Decreto-Lei n.º 26 115 foi em Portugal a primeira tentativa séria de ordenação hierárquica de funcionários em relação a vencimentos, problema que, nessa altura, estava simplesmente em estado caótico.
O próprio legislador reconheceu não ser trabalho fácil, nem perfeito, nem definitivo. Como honesta tentativa, já muitas das suas classificações têm sido ajustadas e alteradas.
O nível inferior de vencimentos do professor primário sem diuturnidades é, toda a gente o sabe, devido principalmente ao elevado número de funcionários desse ensino e aos pesados reflexos que esse número produz no orçamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu, por mim, estou absolutamente certo - e já o disse na minha intervenção do dia 13 de Dezembro do ano findo - que ao Governo seria muito grato encontrar no orçamento do Estado as possibilidades de solucionar esse tão justo problema com a elevação dos vencimentos do professorado primário ao nível que vier a ser estudado e considerado equitativo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A verdade, porém, é que não se trata agora de equiparação de vencimentos, mas sim do nível cultural e oficial das duas espécies de diplomas: agentes técnicos de engenharia e professores primários.
Ambos são, reafirmo, diplomas de curso médio, como atrás sobejamente demonstrei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Antes de concluir, quero aproveitar o ensejo para render calorosas homenagens à prestimosa classe dos agentes técnicos de engenharia, que tão valiosos serviços têm prestado ao País na sua esfera de acção.
Mas, como na reclamação se cita a respeito dos direitos dos agentes técnicos, direi eu, em defesa dos professores primários: «a César o que é de César».
Para terminar, Sr. Presidente, lamento que a direcção do Sindicato dos Engenheiros Auxiliares e Agentes Técnicos de Engenharia, antes de elaborar o inoportuno documento protestante, não tivesse reflectido sobre a sabedoria do célebre aforismo latino: Tempus loquendi et tempus tacendi. Perdeu, pois, uma óptima ocasião de estar calada.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte:

Requerimento

«Tendo-se verificado a impossibilidade de o Governo actualizar os vencimentos do funcionalismo público, dentro das presentes capacidades do nosso orçamento, sem o desequilibrar estrutural e orgânicamente e sem também uma necessária e cuidadosa remodelação do nosso sistema fiscal que possa permitir atingir, com equidade, novas modalidades de investimento, que vivem hoje, perfeitamente imunes tributàriamente, e, finalmente, desejando fazer justiça ao Governo, que decerto tomou medidas vigorosas para enfrentar e debelar uma crescente e inegável alta de vida, venho, por isso, requerer, mós termos regimentais e constitucionais, que me seja dada nota, pelos Ministérios respectivamente competentes:

1.º Pelo Instituto Nacional de Estatística, que tão distintamente cumpre, dos trabalhos efectuados ou dos planos em estudo para a revisão dos quadros e elementos informadores dos números-índices ponderados do custo de vida, de forma a permitir ao Governo reagir sincrónica, e, portanto, actualizadamente, quanto ao processo altista de preços, que não deve ser obscurecido nem iludido, mas antes revelado e patenteado para ser rápida e devidamente combatido e jugulado esse encarecimento.
2.º Das tentativas reiteradas, pelo Ministério da Economia, demonstradas por instruções ou despachos regulamentares, persistente e diligentemente executados pela Direcção dos Serviços de Fiscalização da Intendência-Geral dos Abastecimentos, para atalhar e debelar a subida e carestia de preços da carne, do peixe e dos géneros hortícolas e frutas, visivelmente agravada pela remultiplicação de gananciosos intermediários e exacerbada pela inferiorização de qualidade dos produtos oferecidos.
3.º Da apreciação económica dos resultados colhidos, em face da reacção do consumidor pela presente forma de distribuição e preçário do bacalhau.

Mais requeiro, nos termos regimentais, pelo Ministério das Comunicações, me seja dada nota do processo técnico-económico que preside à realização das operações de tráfego no porto de Lisboa; quando essas operações não sejam realizadas directamente pela respectiva Administração-Geral, a cópia do concernente contrato concessionário e das competentes contas, devidamente discriminadas, referentes ao último quinquénio».

Já que estou no uso da palavra, aproveito para associar-me a uma homenagem prestada pelo Sr. Deputado Caetano Beirão e felicitá-lo pela forma como se referiu ao Sr. Conselheiro António Cabral, que, politicamente, brilhou no tempo do meu pai e pelo qual tinha muita estima, e traduzir aqui a expressão da minha admiração, não só pela sua inteligência e pelo seu lídimo carácter, como também porque foi político e velho e distinto parlamentar.
Também aproveito o ensejo para insistir com a Presidência desta Assembleia sobre um aviso prévio que anunciei sobre a coordenação dos transportes.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

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O Sr. Melo Machado: - No dia 30 de Dezembro passou o primeiro aniversário da inauguração da Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, grande melhoramento, que, ligando as duas margens do Tejo, presta grande serviço à nossa economia.
Vila Franca de Xira festejou essa data, e fez bem, porque, na verdade, para ela, em especial, e para o Pais a inauguração dessa grande ponte foi verdadeiramente um acontecimento, e da sua importância, Sr. Presidente, dirão melhor do que eu os números que vou citar: desde Março, que foi quando se começou a pagar a portagem, passaram na ponte 19 129 veículos motorizados; em Novembro esse número passou para 30 650, aumentando, por conseguinte, do um terço.
Nestes nove meses o número de veículos motorizados que passou a ponte foi de 229 425.
O entusiasmo das populações interessadas manifestou-se inequivocamente nessa admirável parada que se efectuou no dia da inauguração: durante horas e horas, até noite fora, passou em frente da tribuna em que se encontravam SS. Exas. o Chefe do Estado e o Presidente do Conselho um desfile de automóveis e camionetas que transportavam representantes das populações interessadas. Esses representantes manifestavam, Sr. Presidente, a sua compreensão, o seu entusiasmo e a sua gratidão pela realização de um melhoramento tão importante como esse.
Devo dizer a VV. Exas. que esse entusiasmo arrefeceu um pouco com o estabelecimento da portagem, certamente porque os interessados desconheciam que o custo dela foi de 130 mil contos, que saíram, não de uma verba especial, como sucedeu com a auto-estrada e a estrada marginal, mas das receitas normais da Junta.
Em consequência disto muitas populações deixaram de ver satisfeitas as suas justas reclamações; não poucas estradas deixaram, em devido tempo, de ser reparadas e construídas, o que aliás não admira, se soubermos que a dotação normal da Junta ó de 300 mil contos e que, portanto, não podiam deixar de lhe dar um abalo profundo na sua administração os 130 mil contos que custou a ponte.
Estou convencido de que esses interessados ignoravam também que na grande, livre e riquíssima América, como se costuma dizer, há algumas auto-estradas cujo uso é passivo do pagamento de portagem.
Ora, não podemos nós, Sr. Presidente, que somos pobres, fazer obras desta envergadura sem que aqueles que as utilizam, poupando, aliás, em relação ao sistema anterior, que era caro, perigoso e contingente, sem que os beneficiados, repito, ajudem de alguma maneira a pagar o dinheiro que custam.
Estas foram, certamente, as razões que levaram o Governo a estabelecer a portagem.
Tive ocasião de ver no último relatório orçamental de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças que o rendimento da portagem está calculado em 4 500 contos.
Mas, porque sabemos a cautela com que são feitos estes cálculos e, sobretudo, porque tenho na minha mão a nota do rendimento exacto dessa portagem, estou convencido de que esse rendimento nunca será inferior a 5:000 contos anuais.
Apenas nos quatro primeiros meses é que o rendimento foi inferior a 400 contos, andando à volta dos 379, mas, após esses primeiros meses, o rendimento mensal passou a ser de mais de 400 contos - 487 no mês de Agosto que foi o de maior rendimento. Significa isto que poderemos contar que esse rendimento, repito, atingirá, pelo menos, os 5:000 contos anuais, visto que a média mensal actual é de 408 contos. Quero ainda afirmar que este rendimento é duplo do que tinha primitivamente sido calculado.
Eu supunha que este rendimento seria entregue à Junta Autónoma de Estradas, para que ela pudesse ir acudindo às faltas ocasionadas nos diversos serviços por via da construção da ponte.
Mas assim não acontece e o dinheiro vai para os cofres do Estado.
Seja como for, nas mãos do Sr. Ministro das Finanças está bem entregue, pois sabemos que, de qualquer forma, terá uma boa aplicação.
Todavia, quero fazer-me eco nesta Casa de uma reclamação que chegou até mim: a portagem para as camionetas, tanto de carga como de passageiros, é de 50$. Mas tanto pagam cheias e carregadas como vazias, e é neste caso que aparecem as reclamações que se me afiguram legítimas e razoáveis, não parecendo justo, por motivos óbvios, que seja paga a mesma portagem por uma camioneta que retorna vazia.
VV. Exas. sabem que, normalmente, as camionetas vêm dos seus lugares carregadas até à capital, voltando muitas vezes vazias se não encontram carga de retorno.
Se poderão pagar de boa vontade e sem dificuldade os 50$ de portagem quando vêm para cá, esses 50$ são pesados quando voltam vazios e sem frete.
Parece-me, Sr. Presidente, que não haveria dificuldade em atender esta reclamação, porquanto se não arrisca nenhuma receita, e, pelo contrário, estou convencido de que, se se lhe der a atenção que se me afigura merecer, o movimento poderá aumentar, em lugar de diminuir, como está sucedendo.
Vejam VV. Exas. que os automóveis de passageiros passaram de 10 549 em Março para 20 271 em Novembro, isto é, quase duplicaram. As camionetas do passageiros conservam naturalmente um movimento constante, visto que se trata de carreiras que não variam, a não ser uma ou outra excursão.
Já outro tanto não sucede com as camionetas de carga, cujo número em Maio foi de 8 956. Este número subiu até Agosto - pois em Junho foi de 8 809, em Julho de 10 241 e em Agosto passou para 13 437. De então para cá este número vai diminuindo - em Setembro passou para 11 068, em Outubro para 10 564 e em Novembro para 9 611.
Parece-me, portanto, Sr. Presidente, que se não arrisca receita nenhuma se se atender esta reclamação. A camionagem de carga é por tal forma sobrecarregada de impostos que bem merecia neste particular uma pequena atenção, que não seria mais do que uma satisfação legítima, visto que me parece ser evidente que uma camioneta carregada produz um desgaste maior do que uma outra inteiramente vazia.
Termino as minhas considerações congratulando-me pelo aniversário da Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, grande melhoramento que honra a nossa administração pública, e esporo que esta reclamação encontre eco no Governo, a quem a dirijo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão na generalidade a proposta de lei orgânica do ultramar. Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Monteiro.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: governar e administrar povos de várias raças e religiões e em estados diferentes de civilização, para os trazer até nós com perfeita igualdade, com as mesmas garantias e direitos na vida política, na vida administrativa e no

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convívio social, é timbre e característica essencial do povo português.
Vamos discutir uma proposta de lei que versa sobre a organização política e administrativa do ultramar.
E como é consolador, Sr. Presidente, sentir o sopro dignificante da característica de Portugal logo na leitura dos primeiros artigos da proposta de lei!
No n.º II do artigo 2.º se preceitua que a organizarão política e administrativa do ultramar da presente proposta de lei será baseada na igualdade dos cidadãos perante a lei, sem quaisquer distinções, no livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e nu interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis, pelo modo que a lei determinar e atendendo aos regimes especiais ou transitórios previstos nos capítulos II e III do título VII da parte II da Constituição.
A leitura deste número do artigo 2.º da proposta de lei denuncia perfeitamente o país de que se trata - Portugal -, o nosso sistema - integração -, os meios de que nos servimos - bondade e contemporização com usos e costumes.
A proposta de lei principia assim por nos dar a melhor disposição para aceitarmos os seus preceitos.
Depois, pudemos ser bastante esclarecidos tanto pelo relatório do director-geral de Administração Política e Civil do 'Ministério do Ultramar como pelo parecer da Câmara Corporativa.
O relatório é um trabalho exaustivo e do mais completo esclarecimento sobre a proposta de lei, elaborado pelo Sr. Dr. José Ferreira Bossa, que conhece profundamente a administração ultramarina, não só pelas funções que exerceu aio ultramar e pelo lugar que ocupa de director-geral do Ministério, como também pelos seus grandes merecimentos, que já o elevaram ao alto cargo de Ministro das Colónias.
O parecer está bem elaborado e merece realmente o qualificativo de «douto». Foi seu relator o digno Procurador à Câmara Corporativa Dr. Afonso Rodrigues Queiró, que é um ilustre professor na Universidade de Coimbra da cadeira de Administração Colonial.
No entanto, ousei pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para subir a esta tribuna no intuito de procurar concorrer de qualquer modo para o esclarecimento de alguns assuntos com a minha modesta colaboração.
E, se vou tomar a ousadia de ir até ao ponto de manifestar a minha discordância em certas questões sobre as quais tenho ideias formadas, seja-me desculpada tal atitude, que é sòmente movida pelo meu maior interesse em procurar esclarecer a Assembleia Nacional.
E, nesse intuito, escolhi um número restrito de assuntos entre os numerosos problemas que sobre o conteúdo da proposta de lei eu poderia levantar, para me restringir ao tempo regulamentar e porventura àquele que V. Ex.ª, Sr. Presidente, entender por bem conceder-me.
Antes, porém, de abordar esses assuntos, que me parecem ser de algum modo esclarecedores da finalidade geral da proposta de lei, devo desde já dizer que na generalidade lhe dou a minha inteira concordância.
Além de a considerar oportuna, a proposta apresenta-se perfeitamente adaptada à Constituição Política, e até devo notar que ela segue a sistematização do diploma constitucional.
Embora se mantenha fiel ao sistema da Carta Orgânica e se ajuste a este diploma relativo ao ultramar, em todo o caso introduz alterações e alguns preceitos novos, que enriquecem e actualizam a proposta de lei.
Por sua vez a Câmara Corporativa, no propósito de bem servir o interesse nacional, não se contentou em produzir somente o seu parecer e deu-se ao trabalho meticuloso de elaborar uma contraproposta com diferente sistematização; e, além disso, também alterou, suprimiu e acrescentou matéria no intuito de melhorar a proposta, sem contudo pretender modificar o sistema. Ura eu disse que na generalidade dava a minha concordância à proposta de lei. E sou levado a dar-lho a minha aprovação porque depois de leitura atenta verifiquei que ela satisfaz às três condições seguintes:

a) A proposta de lei está fundamentada nos alicerces seguros da nossa tradição, da nossa longa e profícua experiência administrativa no ultramar;
b) Está elaborada de inteira e completa harmonia com os novos preceitos constitucionais que recentemente foram introduzidos na Constituição Política;
c) A proposta evidencia o firme e decidido propósito de promover o engrandecimento das províncias ultramarinas como parcelas inseparáveis do conjunto que constitui a Nação Portuguesa.

As nossas ideias mestras sobre administração colonial foram devidamente concatenadas pelo Estado Novo em três diplomas fundamentais: Acto Colonial, Carta Orgânica do Império Colonial Português e Reforma Administrativa Ultramarina.
Foi este tríduo que proporcionou ao ultramar o seu notável progresso no último quarto de século e fez com que a Revolução Nacional de Salazar se estendesse às nossas províncias de além-mar.
Dou portanto inteira razão ao Digno Procurador e antigo Ministro das Colónias. Dr. Francisco José Vieira Machado, na sua declaração de voto no parecer da Câmara Corporativa, quando diz que «a orientação do legislador de 1931 permitiu que as colónias resistissem vitoriosamente a uma crise gravíssima, e foi sob a legislação promulgada naquela orientação que os territórios de além-mar alcançaram o grau de prosperidade em que se encontram.
Permitiu ainda que os laços de unidade de Portugal europeu e ultramarino se estreitassem em muito mais fortes elos».
Não há dúvida alguma que assim sucedeu. Estamos inteiramente de acordo e julgo que ninguém duvidará da verdade que tais palavras encerram. Mas nós podemos crer que pela presente proposta de lei o sistema se mantém, e portanto a este respeito podemos ficar tranquilos.
Na verdade todos temos o dever de cerrar fileiras na defesa do nosso sistema, que na prática deu os melhores resultados.
As ideias mestras da nossa administração ultramarina não devem variar ao sabor de quem as pretenda alterar, como e quando quiser, pois elas são inalteráveis. Foram criadas à custa da nossa experiência de séculos e deram a Portugal o seu renome, que se repercute por todas as partes do mundo inteiro, como país essencialmente civilizador e nacionalizador.
Mas, felizmente, não ,se trata de alterar o sistema contido no antiga Acto Colonial, na Carta Orgânica e na Reforma Administrativa Ultramarina.
A proposta de lei vem dar plena aplicação às ideias mestras, adaptando-a as recentes alterações da Constituição Política, ao tempo e às circunstâncias presentes, e, além disso, adaptando-a à diversidade das diferentes províncias ultramarinas e de conformidade com a sua situação geográfica, com o seu estado de desenvolvimento u com a média geral da cultura das suas populações.

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482 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188

Eu sei que durante o longo período em que o Sr. Dr. Francisco Machado foi Ministro das Colónias se realizou no ultramar uma obra de grande valor e esteve em execução o Acto Colonial, a Carta Orgânica e a Reforma Administrativa.
Quem serviu activamente sob o domínio de tais diplomas e, ao dar-lhe execução, viu erguer-se uma obra, não é com indiferença, e até sem receio, que poderá assistir a qualquer modificação.
Pois se, ao abrigo de tais diplomas, que no seu conjunto constituíram o nosso sistema de governo e de administração dos territórios ultramarinos, se conseguiu realizar no ultramar uma obra de tão elevada importância, que certamente dará honra e lustre, na história de Portugal, ao capítulo destinado à era de Salazar, não devemos estranhar a declaração de voto daquele Digno Procurador.
Todos os portugueses sabem que Salazar prestou um alto e extraordinário serviço à Nação publicando o Acto Colonial de 1930.
E não podemos esquecer, e muito menos negar, sem cometer uma ingratidão, o serviço grandemente relevante que o País deve ao antigo Ministro das Colónias Prof. Doutor Anuindo Monteiro, com a publicação da Carta Orgânica e da Reforma Administrativa Ultramarina.
Salazar deu assim início seguro ao ressurgimento ultramarino com a sua visão de estadista genial. Armindo Monteiro esteve à altura, no momento próprio, das pesadas responsabilidades que então assumiu como Ministro das Colónias.
Sr. Presidente: sinto que é meu dever, ao iniciar a discussão sobre a proposta da lei orgânica do ultramar, do alto desta tribuna render a minha homenagem a quem tão altos serviços prestou à causa do ultramar.
Mas entretanto as províncias ultramarinas vão evolucionando.
O seu progresso faz-se sentir dia a dia, mercê dos cuidados e atenções especiais que o Estado Novo lhes tem permanentemente dispensado.
A sua evolução necessita de ser acompanhada por um alargamento na descentralização administrativa.
É necessário, Sr. Presidente, que a descentralização vá aliviar o Ministro do Ultramar, o Subsecretário de Estado do Ultramar e os governadores do peso excessivo que lhes produz o trabalho A descentralização, além de facilitar a boa administração das províncias ultramarinas, estimula a actividade daqueles a quem se entregam maiores poderes e maiores responsabilidades.
Ela é útil ao interesse nacional. E o seu alargamento, contido na proposta de lei, não acarreta quaisquer perturbações, porque não dispensa a fiscalização e activa intervenção do Ministro e Subsecretário de Estado, quando for julgada oportuna e necessária, para não haver erros ou desvios, ou para marcar e definir a orientação da política geral do Governo.
Exposta, assim, a minha opinião sobre a proposta de lei nada iria esclarecer a Assembleia Nacional.
Resolvi então escolher determinados assuntos, como já atrás deixei dito, para sobre eles falar na generalidade.
Esses assuntos dizem respeito aos .Conselhos Legislativo e de Governo, aos orçamentos provinciais, aos quadros privativos de grupos de províncias, às províncias de indigenato, à divisão administrativa, à política monetária e ao hasteamento da bandeira nacional.
Conselhos Legislativo e de Governo. - Pela proposta de lei haverá um Conselho Legislativo e um Conselho de Governo na sede das províncias ultramarinas de governo-geral e um Conselho de Governo, do qual se destaca uma secção permanente, na sede do governo das restantes províncias.
Os Conselhos Legislativos de Angola, Moçambique e Índia serão corpos electivos (artigo 40.º da proposta) de representação adequada às condições do meio social, constituídos por vogais eleitos entre cidadãos portugueses que reunam os requisitos de elegibilidade indicados na lei.
Os Conselhos de Governo nestas províncias de governo-geral vêm substituir a secção permanente dos Conselhos de Governo da Carta Orgânica.
Os Conselhos de Governo das províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor (n.º I do artigo 49.º da proposta de lei) compor-se-ão de vogais oficiais, natos ou designados pelo governador, e de vogais não oficiais nomeados pelo governador ou eleitos.
Continua reservado aos governadores o direito de veto para evitar erros ou desvios ou para manter a política geral do Governo.
E assim, quando o governador se não conformar com o voto ou deliberação dos Conselhos de Governo ou dos Conselhos Legislativos, conforme as províncias, adiará a publicação do respectivo diploma e submeterá logo o assunto à superior resolução do Ministro do Ultramar, expondo-lhe os motivos da sua divergência, nos termos do artigo 43.º da proposta de lei.
A Câmara Corporativa na sua contraproposta mantém o direito de veto aos governadores-gerais e aos governadores de província e mantém também a constituição electiva aos Conselhos Legislativos de Angola, Moçambique e Índia, assim como a constituição mista aos Conselhos de Governo das restantes províncias ultramarinas.
Em todo o caso há diferenças apreciáveis entre a proposta de lei e a contraproposta.
Entre todas as diferenças notadas uma há a que não posso deixar de me referir e chamar para ela a atenção da Assembleia Nacional, devido à sua flagrante inconstitucionalidade.
Eu vor expor em que consiste essa tremenda diferença.
Na proposta do Governo fica estabelecido na alínea a) do n.º III do artigo 49.º que em Macau o Conselho de Governo deverá ter representantes da «comunidade chinesa».
Todos reconhecemos que a comunidade chinesa de Macau, que se considera portuguesa, deverá ter os seus representantes no Conselho de Governo, não só porque é macaísta ou portuguesa, mas ainda porque constitui a quase totalidade da população daquela província ultramarina.
Este preceito da proposta do Governo é perfeitamente aceitável em Macau pelas razoes expostas, mas não se lhe pode dar generalidade. E um preceito sòmente para aquela província.

O Sr. António Maria da Silva: - Aquele membro da comunidade chinesa não é nem português nem macaísta: é chinês. É bom ficar claro isto: é um chinês.
O actual membro do Conselho de Governo não nasceu em Macau e não é português, e é por isso que eu disse que deveria fazer parte daquele Conselho um chinês que tenha, pelo menos, quinze anos de residência em Macau ou que seja natural de Macau.

O Orador: - Eu disse que a comunidade chinesa se considera portuguesa, embora não o seja. Desejava que V. Ex.ª me informasse, como Deputado por Macau, se concorda em que a comunidade chinesa tenha ou não representação no Conselho de Governo.

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O Sr. António Maria da Silva: - Absolutamente.

O Orador: - Estamos todos de acordo, portanto, em que a comunidade chinesa de Macau tenha a sua representação no Conselho do Governo.
Ora, o que veio a acontecer?
Na contraproposta da Câmara Corporativa generalizou-se este preceito às províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor, com a alteração de comunidade chinesa para «comunidades estrangeiras».
E, assim, na alínea b) do n.º III da base XXXII da contraproposta preceitua-se que tenham representação no Conselho de Governo daquelas províncias as «comunidades estrangeiras» que tenham considerável importância na economia e na vida pública da província.
Se este preceito introduzido pela Câmara Corporativa fosse aprovado daria em resultado, por exemplo, que a «comunidade libanesa» na província da Guiné teria os seus representantes no Conselho do Governo daquela nossa província.
Realmente é muito grande a actividade comercial desenvolvida naquela província por numerosos cidadãos do Monte Líbano, e portanto esta «comunidade estrangeira» deveria ter os seus representantes no Conselho do Governo.
Mas eu pergunto: será admissível conceder aos estrangeiros o direito político de intervir nas deliberações dos Conselhos do Governo das nossas províncias ultramarinas?
A Constituição Política não o consente.
No § único do artigo 7.º da Constituição Política, ao tratar dos direitos dos Portugueses e dos estrangeiros, dá a estes os mesmos direitos e garantias, mas exceptua os direitos políticos.
Portanto, em face da disposição constitucional que acabo de citar, aos estrangeiros não poderá ser permitido terem representantes nos Conselhos de Governo das cinco províncias indicadas, como é proposto pela Câmara Corporativa.
Não o permite a Constituição, nem o nosso patriotismo, nem a nossa independência política.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, reservo a palavra, a V. Ex.ª para a sessão de amanhã.

O Orador: - Perfeitamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Domingues Basto.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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