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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 191
ANO DE 1953 23 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.° 101, EM 22 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia.- Usaram da palavra. O Srs. Deputados Carlos Moreira, para proferir palavras de saudade pelo Professor Fezas Vital, hoje falecido, prestando-lhe homenagem: Mário de Figueiredo, que se associou às considerações do orador antecedente, e Pinto Barriga, na mesma ordem de ideias.
O Sr. Presidente também proferiu palavras da homenagem àquele professor e em sinal do sentimento suspendeu a sessão por cinco minutos.
Reaberta a sessão, usaram da palavra os Srs. Deputados Sá Carneiro, que enviou, para a Mesa um projecto de lei sobre recursos em processo de expropriação por utilidade pública; António de Almeida, para se referir a alguns aspectos do Plano de Fomento, sobretudo no que respeita às provindas de Timor e Angola, e Alberto Cruz, que agradeceu a pronta resposta dada pelo Ministério da Economia a um seu requerimento respeitante a comércio de bacalhau.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.° da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 080, de 13 do corrente.
O Sr. Presidente, depois de consultada a Assembleia, designou o prazo de dez dias para a Câmara Corporativa emitir o seu parecer sobre o projecto de lei apresentado, durante a sessão, pelo Sr. Deputado Sá Carneiro.
Ordem do dia. - Continuou, a discussão na generalidade da proposta da lei orgânica, do ultramar.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sócrates da Costa, que ficara com a palavra reservada da sessão anterior.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 00 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Moreira.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é debaixo de funda e sentida emoção que profiro estas palavras de homenagem à memória de um homem que hoje foi chamado à presença de Deus. Julgo que as justificam a personalidade a quem se referem e que merecem ter aceitação nesta Assembleia. O Prof. Doutor Domingos Fezas Vital, além do mais, desempenhou aqui, paredes meias, neste Palácio em que temos assento, as altas funções de Presidente da Câmara Corporativa e nelas marcou as suas conhecidas qualidades de inteligência e o seu alto saber.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como professor universitário de Direito Público é um vulto que fica bem destacadamente saliente na história do nosso ensino destas últimas quatro décadas. Não o ignoram os que foram seus alunos, seus colegas e todos os que de certa forma andaram por suas profissões ligados às matérias em que ele foi verdadeiro mestre.
A ânsia de ensinar com clareza e verdade e de julgar com justiça (qualidades que acreditam e fazem respeitar o mestre) foram traços indiscutíveis do seu carácter. Jamais perseguiu ou odiou, ou sequer diminuiu ao de leve no seu valor, os que dele discordassem em nome ou defesa de princípios opostos ou diversos dos que eram os seus; Foi lhano no trato, justo no reconhecimento dos valores, íntegro na formação dos seus juízos. Todos os que foram seus alunos (como eu fui logo ao alvorecer da sua missão catedrática na velha e sempre amada Universidade de Coimbra), todos, que eu saiba, trilhando caminhos diferentes na vida, lhe têm tributado essa justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando, em 1919, uma campanha gerada e alimentada por facciosismos políticos se ergueu contra, insigne instituição de D. Dinis, tomando como alvo os mestres de Direito em quem o culto da Tradição era norma e o exercício aprumado, altivo e digno da nobilitante função que exerciam era dever indeclinável e corajosamente cumprido, o Doutor Fezas Vital, como seus pares, defendia nobremente o seu prestígio e o da Mater comum - a velha Universidade - com a serenidade de quem nunca traíra a sua missão, antes a exercera sempre com o aprumo e a dignidade que de si exigiam a verdade dos conceitos livremente adoptados e expostos e a consciência clara das exigências nacionais.
Não estava, como não estavam os seus ilustres pares, ao serviço de uma política nem contra uma política de homens ou de momentos, mas sim ao serviço da grande política educativa da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já então não souberam de que cor era o medo. E foi nesta escola saudável, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que viveram as gerações em que havia de germinar e mais tarde florescer e frutificar o espírito de ressurreição patriótica que restituiu a Nação, louvado Deus, aos trilhos do Passado, abrindo caminhos novos de realizações úteis e de indestrutível esperança.
Daí, em grande parte, por certo, a inteligente e leal colaboração técnica que o Prof. Fezas Vital prestou ao desenvolvimento da política superior do Estado Novo, que outro insigne mestre consubstanciou no seu chamamento ao Poder e que é S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sei, Sr. Presidente, se o mais corrente convívio com os homens valorizará o nosso testemunho a seu respeito. À medida que o nosso conhecimento se torna mais preciso quanto às qualidades intelectuais e morais principia e continua a fortalecer-se em nós um preito de admiração e de profunda estima.
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Depois, se a sua efectividade nos abre os braços e nos toca, enraíza-se a amizade. E esta (é da sua essência) não vê sombras. Discípulo, há trinta e tal anos, do Prof. Fezas Vital, os acasos da vida pública levaram-me a trabalhar sob a sua digníssima presidência no Conselho Permanente da Acção Educativa e na Junta de Educação Nacional.
Não já propriamente outros acasos, mas coincidência de doutrinas aceites e vividas e de anseios iguais, fizeram que eu mais de perto e com maior frequência tivesse a oportunidade de um mais estreito convívio. E parece-me que não vejo sombras que empalideçam a personalidade intelectual e moral do saudoso mestre. Numa prolongada e progressiva marcha para a morte, não lhe faltou a resignação no duro sofrimento, olhos postos na Cruz do Salvador; a luz da mais profunda Fé cristã iluminou sempre o seu magnânimo espírito. São longos os caminhos de Deus e limitada a nossa vida terrena, que só é verdadeiramente grande na peregrinação deste vale de lágrimas para a Eternidade. Pois ele viveu essa vida terrena como cristão, num exemplo edificante que constitui unia grande lição. Dois altos sentimentos o dominaram sempre: a fé na Omnipotência e na Misericórdia Divinas e o .entranhado amor pela salvação e continuidade da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fiel a três grandes verdades para ele, para mim e para tão grande número de portugueses - Deus, a Pátria e o Rei -, viveu e morreu como homem de uma só fé. Cristão e católico, foi fiel a um imperativo eterno; monárquico, foi exemplo de fidelidade à tradição e à, grandeza e perenidade da Pátria!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Honrado com o nobilitante encargo de lugar-tenente de S. Alteza Real o Sr. Duque de Bragança, cumpriu, conforme o seu conceito de acção, as imposições de tão alto cometimento. Tinha a preocupação constante das suas responsabilidades, procurando conciliá-las com os interesses nacionais que a Revolução do 28 de Maio em boa hora tomara em suas mãos. Jamais submeteu ao acidental e transitório o essencial e permanente; mantendo-se fiel ao princípio de evolução natural da acção política, em vez de se perder nas encruzilhadas da História e se envolver nas arriscadas aventuras das soluções incompletas e dos hibridismos condenáveis e, tantas vezes, estéreis e fatais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por patriotismo - assim o entendia e proclamava-, e sempre atento às possibilidades políticas do momento, nunca deixou de subordinar a sua acção ao que sempre entendeu ser o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é o momento ainda de serenamente ajuizar da sua acção política. Mas uma conclusão se impõe desde já, justa e necessária: foi persistente e leal na condução dessa acção política. E morreu com a mesma fé com que viveu. Por ela se alistou entre os da Galiza, debaixo das ordens de um grande capitão, sem olhar ao sacrifício de um futuro que o alto quilate da sua inteligência lhe augurava, nem ao temor da morte que anda sempre a rondar os cavaleiros de um ideal. Ajudou a manter o fogo vivo da tradição portuguesa e deu um magnífico exemplo de fidelidade, virtude sem a qual a acção não pode enobrecer-se aos olhos dos coetâneos e da posteridade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: todos os que, embora por caminhos diferentes, anseiam por uma verdadeira unidade nacional, garantia da grandeza e da continuidade da Pátria, por certo não regateiam a sua concordância com as pálidas palavras que acabo de proferir em homenagem a quem por sua vida, se mostrou digno de as merecer.
Não lhe faltou a virtude de ter morrido pobre, numa época em que, infelizmente, não é difícil enriquecer quando o prestígio do nome e as qualidades de inteligência se não confinem às limitações de um carácter íntegro e de uma moral austera. Ele constituiu, acima de tudo, um exemplo de fidelidade aos princípios nas boas como nas más horas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na pedra que há-de cobrir o seu túmulo, onde hão-de cair as lágrimas de uma numerosa família carinhosamente dedicada e de muitos amigos que lhes juntarão as suas de sentida saudade, poderiam, sem desmerecimento, inscrever-se aquelas admiráveis palavras que o grande jurista e são doutrinador José Acúrsio das Neves lançou nas Cartas de um Português aos seus Concidadãos: a Haveis de conhecer-me porque sempre me achei convosco, tanto nos tempos de crise, como nos de bonança».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não quero deixar passar este momento sem dizer uma palavra de piedade sobre a morte do Doutor Fezas Vital.
A emoção foi tão forte que eu não pude pensar, um momento, em alinhar o turbilhão que me bate o peito para referir o que foi essa forte personalidade. Ela foi marcada, a traços vivos, no discurso do Sr. Dr. Carlos Moreira.
Eu não tenho nada que corrigir; se tenho alguma coisa a acrescentar, esse alguma coisa não me ocorre neste momento.
Entendi, não obstante, que não devia deixar de dizer uma palavra, eu que fui seu colega na Universidade de Coimbra e que lhe sucedi na presidência da Junta Nacional da Educação.
Tive sempre por esse homem a admiração que se tem por um carácter forte, a admiração que se deve a uma ordem que, como notava há pouco o Sr. Dr. Carlos Moreira, pôs diante dos olhos muito cedo um ideal e se manteve através da vida sempre fiel ao mesmo ideal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não quero referir neste momento os seus ideais políticos; quero aludir ao ideal que é a expressão da sua concepção da vida.
Para quem trabalhou com ele, como eu, sabe que esse domínio era para ele, e, ai de nós, porque tem de ser para todos o domínio da fé, e esse homem que era, ao tomar uma decisão no terreno dos problemas científicos, um hesitante, era no terreno dos problemas da fé um definitivo.
É daí que vem o respeito que sempre teve pelas posições diferentes da sua que os outros tomavam.
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Ele era forte na sua fé, de era intocável na sua fé, entendendo, e bem, que não lhe cabia maldizer da fé que se exteriorizava pelas atitudes dos outros. Era um homem forte, apesar de, como disse há pouco, ser no ambiente dos problemas que nau tocavam a concepção da vida um hesitante, um hesitante até tomar uma decisão, para, depois de a tomar, e quando se entrava no domínio da execução, se comportar relativamente a ela como se tivesse fé na verdade da decisão que havia tomado.
Era um hesitante até a decisão, mas um homem de fé na execução de uma decisão que havia tomado.
Deve-lhe a situação não simplesmente, Sr. Presidente, colaboração técnica, mas colaboração política.
É conhecido, neste aspecto, o seu pensamento. Não quero, por isso, deixar de frisar que, apesar do seu pensamento, e talvez por causa do seu pensamento, ele deu à situação, ele deu ao Estado Novo a melhor colaboração política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A melhor colaboração política, trabalhando, não trabalhando o seu conhecido pensamento, sempre dominado pelo sentimento de lealdade de que ele era incapaz de pé separar le que não podia, admitir que se separasse dele.
Fui seu colega, fui seu examinado na velha Universidade de Coimbra.
Nunca fui discípulo dele, mas aprendi muito com ele, enquanto colega, aprendi muito com ele a orientar-me nisto: que para um professor deve ser timbre, de que nunca deve afastar-se, o de procurar fazer justiça, sem tomar em conta as concepções de cada um procurar fazer justiça sem tomar em conta as influências que a respeito de cada um podem desenvolver-se.
É a ele, a outros que também já partiram, e a outros que ainda vivem, que se deve a campanha feita, no sentido de que o fio pode atender-se a considerações estranhas ao próprio valor do aluno para o julgar.
A campanha foi dura, mais dura do que alguns de VV. Ex.ªs podem supor, mas penso que se atingiu definitivamente o resultado que era preciso atingir.
Aprendi muito com ele, neste capítulo e em outros da minha vida.
Sucedi-lhe na presidência da Junta Nacional da Educação e posso, portanto, depor sobre o que foi a sua actuação junto dessa instituição: um homem, um carácter, torno a dizer um homem que só soube orientar-se por princípios superiores.
Não quero dizer mais nada senão terminar como comecei: exprimir o meu sentimento, uma palavra de piedade sobre o desaparecimento deste homem, deste grande homem que eus tenha em sua guarda.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: não tive a honra do ser discípulo do Sr. Professor Fezas Vital, mas durante a minha vida ele foi sempre como meu professor o mestre de Direito Público.
Prestou-se-lhe hoje no sentida homenagem nesta Câmara, e com uma elevação de tal ordem, que dificilmente eu podia igualá-las. Por isso, limito-me a associar-me às homenagens justíssimas que os Srs. Deputados Mário de Figueiredo e Carlos Moreira lhe prestaram nesta Casa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: tenho de acrescentar algumas palavras às que com tanto sentimento e com tanta justiça foram já proferidas nesta Casa em homenagem ao Dr. Fezas Vital pêlos Dignos Deputados Dr. Carlos Moreira e Prof. Mário de Figueiredo. Mas são um desafogo irreprimível para a mágoa imensa que a sua morte causou e o público testemunho que devo às suas altas qualidades e à, sua acção através de uma nobre existência. O Dr. Fezas Vital foi um destes espíritos, raros nos tempos de hoje, com uma fé profunda e viva na verdade dos seus princípios religiosos e nas virtudes dos seus princípios políticos. A sua consciência de homem e de cidadão era balizada por estes dois luzeiros, e por eles aferia rigorosamente as suas atitudes e a sua conduta. Era o que pode chamar-se uma consciência, na antiga e alta acepção da palavra. Não me interessa neste momento e paru a minha homenagem o jurista penetrante, o professor eminente que ele foi, as grandes faculdades intelectuais que, sem contestação, todos lhe reconheceram. Interessa-me o Homem; e este avulta e agiganta-se perante a sociedade em que viveu pelo carácter que exibiu, pelas qualidades, morais que pôs ao serviço do seu semelhante, pela, acção que exerceu. Nem está em causa o credo político que professou. Mas a maneira como serviu e prestigiou esse credo - e neste aspecto foi ele um exemplo raro e simpático da elegância, da correcção e da nobreza com que se pode conduzir uma bandeira política com altivez, e desassombro, mas sem afrontamentos nem provocações pessoais.
A sua preocupação máxima, a sua obsidiante preocupação nos últimos vinte anos da sua vida, era a de continuidade de alguns princípios políticos fundamentais para além do momento transiente em que vivia. A sua profunda fé monárquica levava, naturalmente, o seu espírito e tudo esperar da restauração dos seus princípios políticos. E as suas ideias eram expostas com uma tal convicção e um tal fervor de ideal que havia que respeitá-lo na sinceridade e iluminação da sua límpida consciência cívica, embora se pressentisse nele um como Platão da monarquia, para quem as tristes contingências dos homens e das coisas nada valem, em nada tocam quanto à, pureza intemerata ou à força dos princípios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Meus senhores: prestemos a nossa homenagem piedosa à memória de um homem que foi nu vida pública portuguesa um relevante e nobre exemplo de dignidade pessoal, de elegância e coerência de atitudes, de total devoção aos seus princípios políticos e religiosos, ao ideal superior do bem comum do seu País! Está de luto a inteligência portuguesa, de que ele foi um dos expoentes; está de luto a sociedade portuguesa, de que ele foi um elemento de relevo!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A Câmara, certamente, me acompanha nestes sentimentos, que são os mesmos que, em seu nome, daqui dirijo à Câmara Corporativa, que ele tanto serviu e ilustrou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Em memória do Prof. Doutor Fezas Vital suspendo por cinco minutos a sessão de hoje.
Vozes: - Muito bem!
Eram 16 horas e 55 minutou.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: o projecto de lei que envio para a Mesa está subscrito pelo ilustre Deputado Dr. Bustorff da Silva e por iniiii.
Trata-se de um pequeno projecto, formado por três escassos artigos, mas que considero da maior necessidade e urgência.
Pela legislação vigente não há recurso da decisão do juiz da 1.ª instância em processos de expropriação por utilidade pública.
Ora, atenta a importância material desses processos, tudo aconselha que eles sejam integrados nas regras das alçadas.
E é urgente fazer essa modificação, pois doutro modo ela deixaria de aproveitar em muitos casos.
Trata-se apenas de tornar possível a defesa dos direitos dos expropriantes e expropriados até ao mais alto tribunal do País; quando o valor da causa exceda a alçada da 2.ª instância, como em regra sucede, poderá esgotar-se a faculdade do recurso.
Parece-me estranho que, existindo a máquina judiciária, ela não funcione em toda a sua plenitude.
O próprio magistrado que tem de julgar o recurso da decisão dos árbitros estará mais à vontade se souber que o seu juízo pode ser apreciado pelos tribunais que lhe são superiores.
O projecto tem uma breve justificação, na qual os autores sintetizam as razoes que os determinaram a apresentá-lo, e que por isso passo a ler, bem como o próprio projecto.
A Lei n.° 2 030, de 22 de Junho de 1948, no seu artigo 14.°, generalizou o sistema da arbitragem para se determinar a indemnização nas expropriações por utilidade pública, estabelecendo o recurso para o tribunal da comarca.
Não proibia essa lei que da decisão do juiz se interpusesse recurso quando a causa excedesse a alçada.
Todavia, o artigo 31.°, § 2.°, do regulamento (Decreto n.° 37 758, de 22 de Fevereiro de 1950) vedou o recurso daquela decisão.
Este preceito é manifestamente inconveniente.
Tudo aconselha que se adoptem nos processos de expropriação por utilidade pública as normas gerais das alçadas.
Impõe-se a defesa dos interesses das próprias entidades expropriantes - em regra o Estado e os corpos administrativos; e isso é também da conveniência dos expropriados.
Mal se compreende que, em causas que muitas vezes têm o valor de centenas e até milhares de contos, o juiz (por vezes um inexperiente magistrado de 3.ª classe) julgue sem recurso, quando é certo que se adoptou o sistema da prova escrita, o que, se o processo exceder a alçada da 1.ª instância, facilita a apreciação do recurso pela Relação.
E o mais grave é que, com base naqueles preceitos do Regulamento de 1950, os tribunais têm declarado irrecorríveis sentenças proferidas em processo de expropriação por utilidade pública em que o formalismo adoptado foi o direito anterior, o que é inaceitável.
Procuramos evitar que a interposição de recurso possa prejudicar a celeridade que deve haver nos processos de expropriação, negando sempre o efeito suspensivo aos recursos nesses processos.
Pelas razões sumariamente expostas apresentamos o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º No processo de expropriação por utilidade pública aplicam-se aos recursos as regras gerais das alçadas.
§ único. Esses recursos nunca terão efeito suspensivo.
Art. 2.° Esta lei é aplicável aos processos pendentes à data dela em que a sentença não tenha transitado em julgado.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrário e especialmente o artigo 31.°, § 2.°, do Decreto n.° 37 758, de 22 de Fevereiro de 1950.
O que disse basta, se bem cuido, para justificar a urgência que requeira para o mesmo projecto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: consinta V. Ex.ª que hoje venha anotar, embora muito de passagem, como é óbvio, alguns passos do grandioso Plano de Fomento Nacional, relativos ao nosso ultramar, e mais especialmente a Timor, na qualidade ide seu representante nesta Casa, e a Angola, cujas problemas conheço muito regularmente e os quais não pude discutir na devida ocasião por me encontrar ausente neste último território.
A magnitude da proposta do Governo, apreciada pela Câmara Corporativa e pela Assembleia Nacional e pela notável elevação e perfeito sentido das realidades, bastaria por si só para consagrar um regime político, tamanhos e evidentes benefícios de toda a ordem hão-de resultar da sua integral execução para o progresso e engrandecimento de Portugal.
Por isso compartilho entusiasticamente no coro de louvores com que o Plano foi recebido na Assembleia, e presto as minhas homenagens de incondicional admiração ao Sr. Presidente do Conselho, o homem genial a quem a Nação deve o seu pujante renascimento material e espiritual e o extraordinário e crescente prestígio que ora desfrutamos no Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para os seus eminentes colaboradores vai também o meu preito de muita consideração.
Sr. Presidente: apaixonado desde há muitos anos pelos assuntos coloniais, a cujo estudo me dedico inteiramente, acompanhei em espírito o distinto relator da proposta, Sr. Comandante Albano de Oliveira, e os ilustres Deputados das províncias ultramarinas nas suas oportunas sugestões, e que por tal motivo mereceram a aprovação do Governo, permitindo-me salientar, entre outras, a construção do Porto Grande de S. Vicente, em Cabo Verde, e o caminho de ferro do Congo, em Angola. Com efeito, se este último constitui elemento preponderante na valorização do Noroeste de Angola, onde tantos produtos ricos esperam ser aproveitados mais fácil e vantajosamente, igualmente aquele porto, ao lado da sua enorme importância política e militar, representa o factor fundamental da economia do arquipélago cabo-verdiano.
Sr. Presidente: foi com o maior enternecimento e gratidão que apreciei o desvelado carinho com que o Governo, mais uma vez, quis distinguir Timor - a província mártir, ainda mal refeita das graves ruínas injustamente sofridas. Provas irrefutáveis desse interesse são as substanciosas verbas que se destinam ao aproveitamento dos seus recursos e povoamento - reconstrução da cidade de Díli, reconstrução no interior e desenvolvimento do fomento agro-pecuário - e à melhoria das suas comunicações e transportes - construção do porto de Díli, estradas, pontes e aeroportos-, somas essas, para mais concedidas a título de subsídio gratuito, a reembolsar na medida das possibilidades orçamentais da província.
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Mercê da deficitária economia timorense, mais apropriada maneira de estimular e favorecer a prosperidade de tão distante parcela da Nação não se poria em prática, além de que este patriótico procedimento constitui a mais perfeita demonstração da admirável solidariedade que une todos os territórios portugueses de aquém e de além-mar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E estou convencido de que, com mais este importante auxílio financeiro do Governo, sob a inteligente e criteriosa administração do seu distinto governador, Sr. Capitão Serpa Rosa - a quem a província já deve relevantes serviços -, Timor, não só recuperará brevemente o seu perdido bem-estar, como ainda atingirá o nível de progresso já evidente em outras, nossas províncias ultramarinas.
A todos os ilustres colegas que durante o debate sobre o Plano de Fomento Nacional se referiram a Timor agradeço, reconhecido, o entusiástico empenho com que o fizeram, permitindo-me salientar o brilhante depoimento do Sr. Prof. Mendes Correia, que perfilho inteiramente e que eu decerto não saberia produzir melhor.
Sr. Presidente: no sector do Plano de Fomento Nacional respeitante a Angola, e a Moçambique ocupam lugar predominante as verbas destinadas à realização de trabalhos de rega, enxugo, preparação de terrenos agricultáveis, instalação, transporte de colonos e assistência técnica e financeira, aos aproveitamentos hidroeléctricos à construção ou continuação de caminhos de ferro, sucedendo-se depois as quantias inscritas para construção e apetrechamento de portos e aeródromos.
Da enorme projecção que, em curto prazo de tempo, tais obras virão a ter no progresso das duan nossas maiores províncias de além-oceano já se ocuparam proficientemente muitos ilustres membros desta Câmara, a eles me associando sinceramente nos merecidos elogios dirigidos aos dois insignes colonialistas a grandes e dedicados auxiliares do Sr. Presidente do Conselho, na parte ultramarina do Plano de Fomento, Srs. Comandante Sarmento Rodrigues e Engenheiro Trigo de Morais.
Não obstante, porque regressei há poucas semanas de Angola e ali percorri demoradamente as regiões que a continuação do caminho de ferro de Moçâmedes vai atravessar, desejo pôr em foco certos aspectos geoeconómicos que confirmam plenamente a excelência dos pontos de vista do Governo e a das sugestões propostas e aprovadas pela Assembleia Nacional.
Que os ilustres Deputados por Angola perdoem esta minha, intervenção, filha do entranhado amor que, como eles, voto à nossa querida província da África Ocidental.
Sr. Presidente: embora a proposta ministerial, basearia no clarividente despacho do Sr. Doutor Oliveira Salazar de 22 de Maio do ano passado, pretendesse o prolongamento rápido do caminho de ferro de Moçâmedes para leste, até ao Cuito-Cuanavale - grande e decisivo passo em demanda do rio Cuando -, a Assembleia entendeu que semelhante via atingisse apenas Vila Serpa Pinto, dentro dos seis próximos anos; a continuação até à fronteira com a Rodésia do Norte, sendo empreendimento de grande vulto, ficará para novo plano, no qual certamente serão incluídas mais duas empresas notáveis: a conclusão dos caminhos de ferro do Congo e de Luanda-Congo Belga.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Realmente, se não era de aceitar que o caminho de ferro de Moçâmedes se detivesse em Vila da Ponte, como muito bem demonstrou o ilustre Deputado Sr. Coronel Vaz Monteiro, já o prolongamento até à Vila Serpa Pinto satisfaz em boa parte as presentes necessidades económicas de grande extensão do Sul de Angola, cuja valorização se ampliará bastante por meio desta importantíssima via de comunicação.
A riqueza agro-pecuária e as possibilidades de colonização europeia do Sul de Angola, a oeste do rio Cubango, têm sido exaltadas, e muito justamente, por todos quantos conhecem os problemas desta nossa província; de facto, as grandes obras consignadas no Plano de Fomento Nacional condicionarão o rápido povoamento por portugueses brancos das tão salubres como fecundas terras do amplo vale do Cunene e o seu sequente incremento económico, de que o caminho de ferro de Moçâmedes será agente de primeira ordem.
Contudo, creio firmemente que a chegada da via férrea a Vila Serpa Pinto também contribuirá poderosamente para a exploração agrícola e pecuária dos belos terrenos do vale do rio Cubango - as suas lindas margens lembram as do rio Tejo e, pode dizer-se, em um ou outro sítio, mesmo as do Mondego!
Naqueles saudáveis e fertilíssimos campos do Cubango, que poucos europeus terão visitado - cujo aproveitamento, sob o ponto de vista agro-pecuário e da colonização étnica e por outros motivos muito ponderosos que me dispenso de citar, urge estudar convenientemente e realizar sem delongas -, há excelentes pastagens banhadas por um rio que nunca seca, razão por que para aqui vêm os gados cuanhamas, sobretudo quando a estiagem, implacàvelmente, ameaça dizimá-los na sua terra natal; ali, como nas margens do Cuando, pastam numerosas manadas de bois, tão lindos como os das afamadas regiões de Além-Cunene.
Sr. Presidente: porque a falta de tempo não me deixa fazer mais esclarecedoras considerações, que estas questões, necessàriamente suscitam, sugerirei apenas que, em próximo futuro plano de fomento angolano e quando o caminho de ferro for prolongado de Serpa Pinto até à fronteira do Cuando, a par da aquisição de embarcações motorizadas, se preveja a execução de obras de regularização e dragagem dos dois maiores rios do Sudeste de Angola, que, não exigindo incomportáveis encargos financeiros, irão facilitar enormemente o transporte dos produtos vegetais e animais de todo o distrito Cuando-Lubango para a futura linha férrea; esta drenagem, agora insignificante, faz-se para os centros populacionais europeus muito precariamente, quer por estradas arenosas cortadas pelas chuvas durante alguns meses do ano e servidas por difíceis e morosas jangadas, quer por escassos, pequenos e frágeis barcos gentílicos, sujeitos a ser afundados pelos hipopótamos, como frequentemente acontece.
Dada a absoluta impossibilidade de manter em bom estado e sempre aberta ao trânsito as estradas do distrito do Cuando-Cubango - tão elevadas seriam as despesas impostas pela razoável conservação dos seus 2:000 km -, há que encarar a efectivação daqueles trabalhos hidráulicos e a obtenção dos referidos, transpordes fluviais; é que, além de o seu rendimento e valor político se mostrarem incomparavelmente maiores, o custo destas obras e materiais de modo algum se aproximará do montante requerido pela manutenção eficiente da rede rodoviária do distrito do Cuando-Cubango.
E, depois, nessas vastíssimas «terras do fim do mundo», ora tão-pouco aproveitadas, aumentará a população indígena, crescerá o número de europeus e haverá abundância e riqueza, tudo para bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: no mês de Dezembro passado, muito próximo do interregno parlamentar para férias do Natal, apresentei a V. Ex.ª um requerimento que dizia respeito a um diploma sobre comércio de bacalhau, dimanado do Ministério da Economia, e que os jornais do dia transcreveram integralmente.
A resposta imediata do Ministério da Economia a esse requerimento, enviado a V. Ex.ª, traduziu bom a importância do assunto e especial deferência para esta Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Embora, em minha opinião, não ficassem bem esclarecidos alguns pontos do requerimento, não posso deixar de agradecer ao ilustre Ministro da Economia, que é também u~m brilhante ornamento desta Assembleia desde a primeira legislatura da actual situação política, a urgência dessa resposta, e, consequentemente, como já disse, a grande considerarão que S. Ex.ª manifestou por este alto organismo do Estado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Decreto-Lei n.° 39 080, publicado no Diário do Governo n.º 8, 1.ª série, de 15 do corrente mês.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sá Carneiro acaba de anunciar à Câmara um projecto de lei, para o qual requereu urgência.
Se nenhum dos Srs. Deputados desejar fazer uso da palavra, considero votada a urgência.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não foi feita qualquer oposição, declaro urgente a discussão do projecto.
Vou consultar a Câmara sobre o prazo a fixar para que a Câmara Corporativa emita o seu douto parecer. Proponho o prazo de dez dias.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto o silêncio da Câmara, considero aprovado o prazo de dez dias.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar.
Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Sócrates da Costa.
O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: na sessão de ontem disse que reconhecia a necessidade de o Acto Colonial ser revisto, como foi. E acrescento agora que as alterações se impunham não só quanto à nomenclatura, mas também quanto à doutrina.
Foram de facto profundas, a meu ver, as modificações que sofreu o seu texto ao ser integrado na Constituição.
Efectivamente, o artigo 134.° da Constituição, prescrevendo que os territórios ultramarinos se denominam «provincias» e têm uma organização político-administrativa adequada à satisfação geográfica e às condições do meio social, não se limitou a uma simples mudança de nomes, mas fixou na lei fundamental da Nação a ideia de assimilação que a «província» traduz, admitida embora na sua forma descentralizadora.
Por outro lado, o artigo 149.°, ao contrário do artigo 25.° do Acto Colonial, admite excepção à especialização das leis para o ultramar.
E o artigo 103.° deixa abertas as vias para que certos serviços provinciais ou ultramarinos passem a ser nacionais, com a transferência do Ministério do Ultramar para as gerências de outros Ministérios.
Além do mais, estes preceitos mostram claramente que se consagrou na Constituição a ideia de assimilação gradual da administração das províncias ultramarinas à metrópole, como sempre esteve no pensamento dos Portugueses, expresso pelo Sr. Presidente do Conselho nesta fórmula: «integração cada vez mais perfeita e completa de todas as províncias dispersas na unidade da nação portuguesa».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A mesma ideia está implicitamente contida na doutrina tantas vezes proclamada, com sobeja, razão, de que metrópole e províncias ultramarinas constituem um só território, uma só nação, um só estado, não havendo mais do que divisões administrativas de aquém e além-mar, com a organização adequada à situação geográfica e às condições do meio social de cada uma delas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conquanto a assimilação tenha como consequência última a centralização dos Poderes Legislativo e Executivo, nada impede que o Governo, atendendo às diferenças entre as várias regiões, desconcentre os seus poderes, alargando as atribuições das autoridades locais.
Temos um exemplo na actual organização administrativa metropolitana (artigo 125.° da Constituição), em que se distinguem «províncias» continentais dos «distritos autónomos» das ilhas adjacentes.
A administração ultramarina foi para os Portugueses um meio de chamar as populações nativas para o seu grémio e fazer corresponder à unidade política do território e à igualdade dos cidadãos uma completa unidade de governo.
Sob a pressão dos princípios nacionalistas e humanitários que se generalizaram a partir do século XIX pensou-se que esse objectivo se atingiria mais depressa tomando-se, indistintamente, os territórios ultramarinos como pedaços longínquos da Pátria, que, por isso, passaram a reger-se pelas mesmas leis e princípios da administração da metrópole.
Foi o sistema que predominou nas constituições monárquicas, com tão bons resultados no Estado da índia, mas que serviu de entrave ao progresso das sociedades africanas, em evolução, e até por uma forma impressionante quando triunfou, em 1880, na Conferência do Berlim, a doutrina de que só a ocupação efectiva do interior da África conferia direitos de soberania.
O ímpeto crítico que o facto despertou contra a extensão das leis da metrópole às províncias ultramarinas atingiu, sem razão, o Estado da Índia.
Assim, o Dr. Albano Magalhães, ao comentar a extensão do Código Civil ao ultramar português, dizia o seguinte:
O Código Civil foi elaborado sem nem de leve se pensar nos nossos domínios; como se pretende pois que ele ali se consolide?
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Um código - continua o douto crítico - baseado sobre a mais rigorosa monogamia, instituição à roda da qual, pode dizer-se, gira toda a família e todo o sistema daquele monumento legislativo, como pode adaptar-se a chinas e índios, onde a poligamia é quase uma instituição religiosa, porque, se é verdade que a sua causa real está no temperamento e na libertinagem, que os costumes aceitam, a sua razão o justificação são feitas com a necessidade religiosa de ter filhos que realizem os sacra da família.
Não há adaptações possíveis em tais condições, como veremos. O Código Civil português, fundado na monogamia e considerando o indivíduo a unidade social, não pode adaptar-se a um povo polígamo e que concebe a família como a unidade social, para tirar toda a importância ao indivíduo isolado.
Sr. Presidente: terá de facto algum fundamento sério esta crítica em relação, não direi aos índios, mas aos indianos, ou, melhor, em relação aos hindus de Goa?
No que toca à concepção da família como unidade social, parece que o tempo veio demonstrar que os hindus tinham e têm razão, pois o artigo 12.° da Constituição considera a família a base da harmonia social e fundamento da ordem política e administrativa, pela sua agregação e representação na freguesia e no município. E, nos termos do § único do artigo 19.°, o chefe da família é, perante as eleições das juntas de freguesia, uma espécie de maioral da família hindu.
Quanto à poligamia, só por erro de observação ou de informação é que se pode encontrar a sua causa real, não nas ideias religiosas, mas na libertinagem consentida pelos costumes.
Há de facto ritos religiosos hindus que só podem ser praticados pelo filho varão, sendo os mais importantes aqueles que constituem as cerimónias fúnebres.
Quando não haja filho varão, o marido pode contrair segundas núpcias, antes da dissolução do matrimónio, mas para isso precisa do consentimento da mulher, que só é válido quando ela tenha atingido certa idade.
A religião hindu permite esta prática. Mas é tal o rigor e a pressão da moral sexual na família hindu que as segundas núpcias na vigência do matrimónio são raríssimas e quase se não realizam hoje nos territórios portugueses da Índia, pois a exigência religiosa é satisfeita, como a religião também permite, pela instituição de adoptivo.
Se a causa real da poligamia fosse a libertinagem, mascarada pela religião, neste caso a solução de se adoptar um filho, também com cerimónias religiosas, não teria sido admitida.
Ocorre-me agora fazer a mim mesmo esta pregunta:
A gradual, sistemática e persistente renúncia a segundas núpcias na vigência do matrimónio, dando-se satisfação às exigências religiosas por meio de um adoptivo, não será, porventura, o resultado da reforma dos costumes operada pelos princípios cristãos - que os hindus não repelem - que informam o Código Civil, bem como do estreito convívio dos hindus com os seus irmãos católicos, num ambiente legal e social criado, não só pelo Código Civil, mas ainda por outras leis que regulam as relações entre portugueses no território europeu de Portugal?
Eu creio que sim.
Os portugueses, dotados psicológica e culturalmente de uma vigorosa capacidade para suportar contradições e harmonizá-las, quando se defrontaram em Goa com uma estável sociedade civilizada, equilibraram os bem poucos elementos antagónicos das duas culturas em presença, pelo processo de fusão, de acomodação, de transmissão dos seus costumes, pelo convívio amigo, em suma por uma espécie de osmose espiritual, e enquadraram, na fase mais criadora da sua expansão ultramarina, o milenário sistema social e económico dos goeses na legislação de Portugal, ressalvadas certas particularidades, e algumas de mútua utilidade.
No período iniciado pelo génio de Afonso de Albuquerque, pioneiro da moderna ciência da colonização, a tendência assimiladora revelou-se pela preocupação de converter os naturais ao cristianismo e chamá-los deste modo ao grémio da comunidade lusitana.
É uma consequência natural do carácter religioso da expansão portuguesa.
Contudo ó admirável o facto de Albuquerque se ter antecipado à teoria de colonização que na época ia elaborando a Universidade de Salamanca, distinguindo a evangelização da colonização, fundando esta no direito natural, segundo o qual os próprios reis católicos tinham o dever de respeitar os não católicos como pessoas humanas, no sentido moral do termo.
De modo que, Sr. Presidente, mesmo durante a época do fervor missionário os hindus foram chamados a tomar parte na administração da sua terra, os quais assim contribuíram para que as novas gerações se sentissem felizes com leis e instituições que, sem distinguir entre hindus e cristãos, plasmaram uma sociedade apta a reger-se, no campo social e económico, pelas leis gerais de Portugal, tal como os habitantes do Minho ou do Algarve.
É que a civilização indiana e as suas concepções morais adaptam-se, sem violentar os hábitos hindus, ao tipo universalista do direito europeu, que Albuquerque levou a Goa.
A prova está na Constituição Política da recente República da Índia, que é nitidamente do tipo das constituições democráticas do Ocidente, baseadas na igualdade dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da nação na vida administrativa e na feitura das leis.
Assim se compreende que, sem forçar diferenças, se tenha podido tornar extensivo ao Estado da índia não só o Código Civil, a Reforma Judiciária, as leis eleitorais, mas até o próprio Código Penal, porque, pelo critério da moralidade e justiça dos naturais, os seus actos maléficos têm o mesmo carácter revelador de temibilidade que existiriam quando praticados por um portuense ou lisboeta.
Isto quer dizer que a população do Estado da índia está, desde séculos, adaptada, no seu próprio interesse, ao direito português e, consequentemente, ao regime administrativo do núcleo central dos territórios de Portugal.
E por isso o seu problema administrativo pode ser posto sempre nos mesmos termos referentes à metrópole.
Com efeito, a circunstância de ter a população, embora composta de 300 000 hindus, 310 000 católicos, 12 000 muçulmanos e 3 000 de outras religiões, a circunstância de ter a população - repito - consciência da sua unidade social e política e uma noção multissecular da possibilidade de fraccionamento do poder e consequente especialização de funções permitiu que os territórios de Goa, Damão e Diu, em que ela se contém, tivessem, desde o primeiro Senado de Goa, uma divisão administrativa e autarquias locais idênticas às da metrópole.
Não existem aí circunscrições nem postos administrativos, mas sim concelhos, que se formam de freguesias, tal como na metrópole.
E, de igual modo, os interesses particulares dos densos núcleos populacionais são representados por câmaras municipais e juntas de freguesia, com grande número
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de eleitores, e elegíveis bastantes para o seu bom funcionamento.
Pelo que acabo de dizer, vê-se, pois, que a extensão das leis da metrópole ao Estado da Índia, ou, melhor, a sua assimilação jurídica à metrópole, fez dos seus naturais, não uns tantos «assimilados», como com rigor jurídico se diz por vezes, mas historicamente verdadeiros portugueses da Índia, qualidade esta que teoria alguma ou ideal de uniformidade administrativa do ultramar pode modificar ou suprimir.
Foi precisamente por isso que a Carta Orgânica do Império constituiu para eles uma espécie de colete de forças.
E a própria Câmara Corporativa diz, no douto parecer já referido, que «sabe de um certo mal-estar político subsistente numa ou noutra província, das críticas e representações que de certa ou certas delas intermitentemente têm partido, originadas no sistema de governo e de administração talhado uniformemente para todas, o qual, se quadra com as condições de algumas, é mais ou menos inadequado para essoutras».
Sr. Presidente e Srs. Deputados: sabem VV. Ex.ªs que se tem discutido a possibilidade de ser outorgado um estatuto especial para o Estado da Índia.
No decurso das diligências feitas oficialmente na Índia para se auscultar a opinião pública pude compreender que as pessoas sensatas tendiam para uma solução que pouco mais representa que um regresso ao regime das bases orgânicas de 1920, isto é, para uma autonomia muito acentuada.
Não me inclinei muito para essa solução por dois motivos:
1.° Porque as circunstâncias de hoje, interna e externamente, são muito diferentes das de 1920. Precisamos agora de uma orgânica que nos permita preparar o futuro em condições de resistirmos aos abalos semelhantes aos do momento que passa;
2.° Porque o Estado da índia não é uma colónia, podendo eu afirmar que na base dos ressentimentos e do mal-estar das suas populações está precisamente o facto de o Acto Colonial e a Carta Orgânica vigente assim o terem considerado e classificado, com as consequências que daí resultaram.
Ao passo que a autonomia quer das bases orgânicas de 1920 ou outras mais amplas só é possível num regime colonial, com a correlativa tutela ou sujeição por parte da metrópole.
O problema não está apenas na interferência mais ou menos activa do elemento popular na gerência e fiscalização das contas do Estado pelo sistema e métodos do regime colonial ou ultramarino, como agora se dirá.
Não. O problema fundamental está em se tirar o Estado da Índia do sistema da administração colonial ou ultramarina, para melhor se integrar depois no regime administrativo metropolitano, com um estatuto especial, semelhante, por exemplo, ao das ilhas adjacentes, com as modificações que a distância, certas peculiaridades de ordem económica e a proximidade de países recentemente formados exigirem.
Em suma, a realidade social e cultural do histórico Estado da Índia pede uma orgânica que contribua para uma maior ligação directa a Portugal, isto é, sem ser por intermédio do bloco ultramarino, numa perfeita identificação espiritual e maior assimilação jurídica.
Quando a Câmara Corporativa apreciou, no seu douto parecer n.° 10/V, a proposta de lei sobre a revisão do Acto Colonial, verificando a ideia de assimilação que no novo texto despontava, chamou muito particularmente a atenção para os perigos de uma assimilação prematura dos territórios ultramarinos à metrópole.
Salientou que as diferenças das condições sociais e económicas da maior parte deles exigem especialização do Governo, da administração e das leis.
É indubitável que não pode deixar de se atribuir uma organização administrativa quase totalmente diversa da metropolitana às províncias que a própria Câmara descreve pela forma seguinte:
... territórios africanos, situados na zona intertropical, com vastas extensões por desbravar, populações em regime tribal, núcleos europeus constituídos por colonos em número mínimo, desgarrados das suas famílias e dos meios sociais tradicionais e ainda não congregados em novas comunidades estáveis.
Mas a própria Câmara admite, e com muita razão, que Cabo Verde, por já estar aí terminada a fase de colonização, pode passar do estatuto de colónia ou ultramarino ao das ilhas adjacentes.
Poder-se-á negar orgânica parecida ao Estado da Índia, que nunca foi colónia?
Se é certo que, sem uma emenda constitucional, a administração do Estado da índia não poderá ser totalmente integrada no sistema da administração metropolitana, é evidente, por outro lado, que, pelo menos em parte, pode ser juridicamente assimilado à metrópole, ao abrigo dos artigos 149.° e 153.º da Constituição, e reger-se por um diploma ou estatuto especial que retire todo o carácter colonial a essa administração.
O Sr. Melo Machado: - Parece-me que a característica deste diploma que estamos a discutir é estabelecer para cada província ultramarina, de certo modo, uma legislação.
O Orador: - Eu prevejo que na futura orgânica do Estado da índia se estabelecerá uma nova solução.
Porém, segundo o parecer da Câmara Corporativa acerca do projecto de lei em discussão, «não deve haver províncias ultramarinas que vivam, à sombra de um estatuto excepcional. Que vivam, sim - insiste a Câmara -, simultaneamente de acordo com o regime geral do governo de todas elas e com o seu próprio estatuto. Assim, de resto - acrescenta -, se evita que quanto fosse excepcionalmente concedido só a uma viesse sucessivamente a ser reclamado ou exigido por qualquer das restantes províncias de além-mar».
Mas eu, por mim, penso, Sr. Presidente, que em política não existem fórmulas absolutas. Um sistema ideal de política, segundo considerações de pura ordem teórica, força as realidades. Por isso é preciso partir destas para a teoria e dos factos para os sistemas.
Parece-me, portanto, que não é razoável recusar ao Estado da Índia uma organização que corresponda as realidades, não só em homenagem ao ideal de uniformidade, mas ainda sobre a consideração de que outros territórios -Angola ou Moçambique, por exemplo - reclamem orgânica igual.
O Estado da Índia não tem a veleidade de se considerar superior a Angola e Moçambique, nem o é, mas estranha que se não queira ver que é diferente.
E, exactamente porque é diferente, diverso tem de ser o seu regime administrativo.
Conquanto Portugal seja juridicamente um Estado unitário, com um só território, uma só população e um só Governo, a realidade é que, na parte ultramarina do mesmo território, a população é composta por duas classe jurídicas: os cidadãos e os indígenas.
Na revisão a que em 1945 se procedeu na Carta Orgânica dispôs-se no artigo 246.°, § único, que «no Estado da Índia e nas colónias de Macau e Cabo Verde as
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respectivas populações não estão sujeitas nem à classificação dos indígenas nem ao regime do indigenato na sua acepção legais.
Esta tardia emenda não teve o condão de extinguir totalmente o mal estar causado pelo ideal de uniformidade administrativa no ultramar.
Tudo se evitaria se, pondo de parte teorias a esse ideal de uniformidade, fosse dada a cada uma dessas províncias carta orgânica própria, respeitando-se na especialização das leis e da administração não só a diferenciação entre elas e a metrópole mas ainda entre outras parcelas que integram o império.
Pelo exposto, eu não preconizarei para o Estado da índia um estatuto político-administrativo dentro do sistema colonial ou ultramarino, porque, sob pressões estranhas e pela própria lógica dos princípios, ele pode resvalar polo plano inclinado do self-gouvernment com gravíssimo prejuízo para a população daquela província e contra a sua vontade.
Eu sugeriria, como já disse, uma orgânica que facilitasse, pela maior assimilação jurídica à metrópole, o regresso aos tempos em que o Estado da Índia foi nítida extensão de Portugal na Índia, sem embargo da sua intensa vida municipal e descentralização legislativa.
De que modo? Separando, tanto na administração como no regime financeiro, o que corresponde ao nacional do local ou provincial.
Quanto à administração, todos os serviços nacionais seriam geridos pelos respectivos Ministérios, continuando o governador-geral ou do Estado a ser a suprema autoridade e o representante da soberania nacional.
Quanto ao orçamento, tal como o Sr. General Tristão Bettencourt preconizou na sua declaração de voto referente ao parecer n.° 10O/V da Câmara Corporativa, para os serviços militares, a metrópole receberia para os serviços nacionais uma comparticipação determinada por percentagem fixa sobre as receitas ordinárias da província.
E o Estado da Índia, com a parte restante das receitas, faria face às despesas do seu interesse particular.
O governador-geral, com voto afirmativo de um conselho eleito, legislaria no tocante à administração provincial, sob a superintendência do Governo Central, que poderá exercer-se revogando diplomas provinciais que sejam contrários aos superiores interesses da Nação ou da metrópole ou de outras províncias ultramarinas.
Tais são as bases em que me parece devia assentar a orgânica especial da administração do Estado da Índia, sob as directrizes espirituais que os antepassados imprimiram à sombra da bandeira portuguesa.
A lei orgânica do ultramar em discussão pode resolver algumas questões de mero pormenor num plano secundário, direi mesmo, num plano equivalente ao da actual Reforma Administrativa Ultramarina.
Não pode resolver o problema no plano mais alto.
Interpondo-se entre a Constituição e a futura orgânica do Estado da Índia, exactamente como a Carta Orgânica, que deu motivo a tantos melindres e feriu as susceptibilidades dos naturais do Estado da Índia, essa lei engloba o Estado da índia no conjunto das províncias em regime de indigenato.
E assim o Estado da Índia permanece no sistema colonial ou ultramarino.
Sem embargo da sua designação, o regime geral do seu Governo será na base o de «colónia», mesmo que se lhe conceda a mais ampla autonomia.
O Sr. Melo Machado: - Parece-me depreender das palavras de V. Ex.ª que se interessa muito por uma demasiada autonomia.
O Orador: - Muito pelo contrário; eu interesso-me por uma maior integração.
Por estas razões e no que respeita, ao Estado da índia eu formulo o voto no sentido de que a Assembleia adopte uma disposição que permita ao Governo conceder àquela província um regime especial que melhor exprima a sua perfeição e completa integração na unidade da Nação Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Sousa Meneses.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Miguel Rodrigues Bastos.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA