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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 196
ANO DE 1953 4 DE FEVEREIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 196 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 3 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 194 e 195 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Sebastião Ramires foi autorizado a depor como testemunha num tribunal de Lisboa.
O Sr. Deputado Pinto Barriga foi autorizado a ser submetido a um exame médico-legal.
O Sr. Presidente comunicou que recebera, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 39 091 e 39 093.
O Srs. Deputados Vaz Monteiro, Lopes Alves e Simões Crespo evocaram a memória do Sr. Prof. Engenheiro Vicente Ferreira.
Por proposta do Sr. Deputado Lopes Alves foi aprovado um voto de pesar pela morte daquele antigo parlamentar, Ministro e vice-presidente da Câmara Corporativa.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da, proposta de lei relativa à Carta Orgânica do Ultramar. Falou o Sr. Deputado António de Almeida. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
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João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 194 e 195 do Diário das Sessões.
O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário n.º 194: a p. 551, col. 1.ª, 1. 19.ª onde se lê: «com oração», leia-se: «coração»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 24.ª, onde se lê: «problemas referentes à existência», leia-se: «problemas jurídicos referentes às inexistências»; e no Diário n.º 195, a p. 554, col. 2.ª, 1. 16.ª, onde se lê: «companhia», leia-se: «compra».
O Sr. Mendes Correia: - Pedi a. palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário n.º 195: a p. 558, col. 2.ª 1. 54.ª, onde se lê: «indevida segregação racional», leia-se: «indevida segregação racial».
O Sr. António de Almeida: - Pedi a palavra para fazer a seguinte rectificarão ao Diário n.º 195: a p. 556, col. 2.ª, 1. 42.ª, onde se lê: «que V. Ex.ª se dignou», leia-se: «cujo anúncio V. Ex.ª se dignou».
O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Sr. Deputado que peça II palavra sobre estes números do Diário, considero-os? aprovados com as reclamações apresentadas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Presidência do Conselho a comunicar que o Ministério da Justiça, satisfazendo o solicitado no requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira na sessão de 13 de Novembro do ano passado, informa que não fiscaliza nem tem na sua dependência quaisquer companhias ou empresas concessionárias do serviços públicos ou de utilidade geral ou ainda bancos nos quais o Estado comparticipe no capital social ou com financiamentos.
Esta igualmente na Mesa um ofício da Presidência do Conselho, para satisfação de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 11 de Dezembro do ano findo, a informar que S. Ex.ª o Ministro da Justiça autorizou a consulta por aquele Sr. Deputado, nos respectivos serviços, de todos os elementos que julgar convenientes para a realização do seu aviso prévio sobre a organização actual do Tribunal de Execução das Penas o resultados já alcançados.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 18 de Dezembro último pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira.
Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 39 091 e 39 093, publicados no Diário do Governo n.ºs 17 e 18, de 26 e 27 do mês passado.
Está na Mesa um ofício do 2.º juízo correccional de Lisboa pedindo autorização para o Sr. Deputado Sebastião Ramires depor como testemunha num julgamento no próximo dia 10 de Março.
O Sr. Deputado, consultado, diz não haver inconveniente para a sua acção parlamentar em ser ouvido.
Submetido à votação este pedido, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Polícia Judiciária, Subdirectoria de Lisboa, solicitando autorização para que o Sr. Deputado Pinto Barriga possa ser sujeito a exame médico-legal, para efeito de organização do respectivo processo, em consequência do desastre de que há tempo foi vítima.
Informo a Câmara do que aquele Sr. Deputado não vê inconveniente na autorização pedida.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorizarão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Vaz Monteiro.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: é com profunda mágoa que peço a palavra a V. Ex.ª para prestar sentida homenagem à memória de um grande português, que dedicou toda a sua inteligente e prestimosa actividade ao serviço do ultramar e da Pátria, que ele muito amou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Faleceu em 28 do Janeiro findo o professor e coronel de engenharia António Vicente Ferreira, antigo alto-comissário do Angola.
Esto português de lei serviu a actual situação política com a mais larga e útil colaboração desde os primeiros dias do movimento militar de 28 de Maio.
Foi alto-comissário de Angola desde Maio de 1926 a Novembro de 1928.
Nesta província ultramarina, e durante aquele tempo, desenvolveu uma larga e profícua actividade, que, se não foi de início compreendida, veio a ser reconhecida mais tarde como tendo a maior projecção no progresso económico, na ocupação étnica daquela província e no seu desenvolvimento social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda hoje se recorre ao Estatuto Orgânico dos Serviços de Colonização, produto da sua lúcida visão sobre os problemas de Angola, que fora aprovado
pelo Diploma Legislativo n.º 709, de 9 de Março de 1928,
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sempre que se pretende solucionar o grande problema nacional da colonização agrícola dirigida.
Se a sua obra de colonização europeia fracassou, como alguns fazem crer, então devemos dizer que foi apenas aparentemente, porque, apesar de não se lhe ter dado continuidade, ela deixou directrizes seguras traçadas pela mão firme de quem tinha conhecimento verdadeiro do grande problema nacional e com boa visão o procurou resolver.
Só porque as condições dessa época, na província de Angola, eram de desânimo e pessimismo, não pôde haver continuidade na realização de tão grande empreendimento nem se colheram os resultados previstos; mas ficou indicado pelo seu alto-comissário Vicente Ferreira o verdadeiro caminho a seguir. Era péssima a situação financeira e económica de Angola.
O Estado Novo veio encontrar a administração das províncias ultramarinas sem contas do gerência e de exercício, sem equilíbrio orçamental, sem numerário suficiente para cobrir os encargos normais.
Tudo se tem transformado radicalmente, mercê de Salazar e dos seus óptimos colaboradores.
E foi assim preciso que decorressem vinte o cinco anos para que o Decreto-Lei n.º 38 704, de 29 de Março de 1952, e o Plano de Fomento de 1953 viessem prestar justiça ao grande colonialista que foi o engenheiro Vicente Ferreira, pondo em prática, com todas as cautelas, a sua ideia sobre colonização agrícola dirigida.
Que tranquilidade ele deveria ter sentido com a publicação destes diplomas!
Deus não o quis chamar à sua presença antes de lhe ter dado tão grande alegria em recompensa dos trabalhos e desgostos sofridos por tão nobre e patriótica causa.
Vicente Ferreira era um verdadeiro homem em toda a acepção da palavra, o por isso mesmo foi combatido, lutou, teve opositores e adeptos; mas nem desanimou nem se exaltou.
Foi sempre o mesmo homem: calmo, modesto, rijo, prestável, estudioso e trabalhador infatigável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A necessidade imperiosa da ocupação étnica do Sul de Angola foi uma das suas maiores preocupações.
No seu conhecido trabalho A Capital de Angola lêem-se os seguintes períodos, que traduzem bem as suas apreensões e a sua maneira de solucionar quanto antes um problema nacional da maior importância:
Procuram também os emigrantes doutras nações - boers, alemães, italianos, gregos, eslavos e judeus- estabelecer-se nas zonas salubres de Angola, preferindo as terras altas e de clima temperado do Sul.
Estes três elementos - empresas, capitais e colonos - são factores activos de influência política e do desnacionalização.
Para lhes temperar a actividade e contrabater as veleidades de absorção do elemento português, todos reconhecem que é indispensável estabelecer nesta zona de concorrência internacional um forte núcleo de população portuguesa e centro de irradiação de influência política nacional.
Foi assim que o engenheiro Vicente Ferreira nos advertiu do perigo e nos indicou a melhor maneira de o evitar.
Pois, Sr. Presidente, apesar de ainda hoje haver opositores ao grandioso empreendimento da colonização agrícola dirigida no Sul de Angola, e de alguns não quererem reconhecer a urgência que há na realização, naquela zona, das obras adequadas à colonização europeia, eu entendo dever dizer que o Governo de Salazar avisadamente andou ao optar pela opinião sensata e lógica do engenheiro Vicente Ferreira quando resolveu incluir no Plano de Fomento grandes obras do fomento e povoamento.
Vicente Ferreira era homem de larga visão e entendia que à volta do problema da fixação de colonos metropolitanos em Angola gravitam os restantes problemas desta grande e próspera província ultramarina.
Quando alto-comissário, realizou em Angola unia obra que teve a maior projecção no actual desenvolvimento daquela província.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi por sua influencia, como já tive oportunidade de dizer à Assembleia Nacional na sessão de 14 de Novembro findo, que o comandante João Belo, então Ministro das Colónias, modificou o regime bancário de Angola.
E tanto assim foi que, em 1951, quando das comemorações do 25.º aniversário do Banco de Angola, o engenheiro Vicente Ferreira foi alvo de uma expressiva e justa homenagem por motivo dos esforços que despendeu para a criação daquele organismo bancário.
Ao estudo dos problemas bancários e da moeda também dedicou o Prof. Vicente Ferreira a sua inteligência e a sua actividade.
Publicou em 1924 O Sistema Monetário e Bancário das Colónias Portuguesas e em 1927 O Sistema Monetário de Angola.
A sua permanente e incansável actividade permitiu-lhe publicar vários trabalhos de engenharia e relativos às matérias da cadeira de que foi professor, como Caminho de Rolamento das Pontes Girantes, 1912: Pontes Funiculares Improvisadas, 1912; As Pontes Metálicas, 1914; mas a sua predilecção foi sem dúvida o estudo de problemas do ultramar, e assim publicou A Capital de Angola, 1933: Dois Problemas da Geografia de Angola, 1934; Critérios Gerais para a Reforma das Plantas Coloniais, 1936, e várias conferências.
Destas citarei A Política Colonial Portuguesa em Angola, 1932, conferência que foi realizada na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra em 20 de Maio de 1932, na qual o Prof. engenheiro Vicente Ferreira deu unia das suas melhores lições e que fora dedicada aos alunos universitários do curso de Geografia Colonial e versara principalmente sobre o significado e importância da nossa colonização branca, na província de Angola.
A reconhecida competência técnica do coronel e engenheiro Vicente Ferreira foi aproveitada pelo Governo de Salazar na representação de Portugal nos Congressos Internacionais de Caminhos de Ferro - no Cairo em 1933, em Paris em 1937 e em Roma no ano de 1938 - e no Congresso para o Progresso das Ciências, realizado no Porto em 1942.
Mas já anteriormente ao Estado Novo representara o nosso país no Congresso Internacional de Caminhos de Ferro realizado em Londres em 1925.
Pelos seus altos merecimentos fora escolhido pelo Ministro das Colónias Dr. Francisco Machado para presidir à 4.ª e à 5.ª comissões da I Conferência Económica do Império Colonial Português, onde desenvolveu uma acção digna do maior apreço.
A sua competência foi bem aproveitada pelo Governo do Estado Novo e ele correspondeu sempre a tudo que se lhe pedia, sem manifestar cansaço nem desfalecimento, apesar de suportar o sofrimento da doença que durante muitos anos o perseguiu.
Trabalhou até aos últimos momentos da sua vida.
Nos derradeiros dias da sua existência ainda trabalhou no parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto
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de lei das sobrevalorizações dos produtos de exportação das províncias ultramarinas, de que foi relator; mas a doença que o fez sucumbir já o não deixou comparecer na sessão em que se deu por linda a elaboração do referido parecer.
Era Digno Procurador à Câmara Corporativa desde 1935 e fazia também parte do Conselho Ultramarino, onde exercia a alta função de vice-presidente.
Os seus pareceres foram sempre altamente considerados, e alguns houve de extraordinária importância, como aquele que elaborou sobre carburantes e petróleos, que os técnicos consultam e apreciam.
Como professor na Escola do Exército e no Instituto Superior Técnico granjeou a admiração e a simpatia dos professores e alunos.
Foi um engenheiro distinto de caminhos de ferro e naquele instituto superior regeu a cadeira de Portos o Caminhos de Ferro desde 1911 até 1944, ano em que foi aposentado, por ter atingido o limite de idade.
Nessa ocasião, quando foi jubilado, o Prof. Vicente Ferreira teve oportunidade de reconhecer quanto valia e quanto era estimado, pois foram bem significativas as homenagens que professores e alunos do Instituto Superior Técnico então lhe prestaram.
Vicente Ferreira foi político e nessa qualidade foi uma das figuras marcantes do partido unionista.
Quando este partido se fundiu com o partido liberal, resultando da fusão o partido nacionalista, Vicente Ferreira acompanhara o seu partido.
Como político partidário assumiu responsabilidades governativas, tendo sido Ministro das Finanças desde 15 de Junho de 1912 a 4 de Janeiro de 1913, e mais tarde, durante poucos meses, no ano de 1921; foi também Ministro das Colónias, mas apenas durante o curto espaço de tempo que decorreu desde 15 de Novembro de 1923 a 18 de Dezembro do mesmo ano.
No exercício destes altos cargos revelou-se um governante esclarecido e probo.
Foi pena que o ambiente político partidário não permitisse ao Ministro Vicente Ferreira actuar com tempo bastante e com plena liberdade para obter resultados à altura das suas faculdades intelectuais e de trabalho e da sua vasta cultura.
A situação financeira portuguesa dessa época exigia um Ministro das Finanças com a visão dos problemas que tinha o engenheiro Vicente Ferreira, com os seus profundos conhecimentos, a sua força de vontade, a sua clara e rápida inteligência, os seus hábitos de trabalho e a sua inconcussa probidade.
Mesmo assim, actuando num meio nada propício ao desenvolvimento prático das suas raras faculdades, podemos e devemos considerá-lo um precursor do ressurgimento financeiro pelas atitudes que tomou o pela orientação que quis imprimir à administração das finanças do País.
Porém, Sr. Presidente, foram baldados os seus esforços, porque tudo era entorpecido pelo sistema dos partidos, que então vigorava entre nós.
Como Ministro das Colónias apenas durante trinta o três escassos dias, o engenheiro Vicente Ferreira não podia, evidentemente, ter mostrado do que era capaz a sua capacidade de trabalho, o seu saber acerca dos problemas do ultramar, o seu poder de realização.
A instabilidade governativa foi a causa principal da derrocada que atingiu a administração pública no regime dos partidos políticos.
O engenheiro Vicente Ferreira fizera parte desse Ministério, de tão reduzida duração, que fora organizado e presidido pelo Dr. Ginestal Machado, na boa companhia do nosso querido e saudoso marechal Carmona, que então sobraçara a pasta da Guerra, mas sem filiação partidária.
Vicente Ferreira, como político partidário, exerceu também o mandato de Deputado da Nação.
Em 1913 foi eleito Deputado pelo círculo da Horta e, nove anos mais tarde, na Legislatura de 1922, foi de novo eleito Deputado, mas desta vez pelo círculo de Tomar.
Serviu o País nos cargos políticos que deixo enumerados e serviu-os com o brilho da sua inteligência, com a sua isenção e o seu carácter impoluto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, desgostoso com a marcha perigosa e inquietante que levava a administração pública do nosso país, resolveu, a partir de Janeiro de 1926, abandonar a sua filiação partidária e alhear-se da vida política.
Com o advento do Estado Novo, o engenheiro Vicente Ferreira, que sempre fora um fervoroso patriota e um verdadeiro entusiasta pelas grandes realizações, reconhece que o movimento militar de 28 de Maio de 1926 vem satisfazer os anseios gerais da Nação e fazer a Revolução Nacional que os Portugueses há anos ansiosamente ambicionavam.
E é assim que o engenheiro Vicente Ferreira de novo põe ao serviço do País a prestimosa colaboração da sua grande competência.
Sente a sua predilecção pelos, problemas do ultramar e, sobretudo, por aqueles que dizem respeito à grande província de Angola.
Realmente foi nos territórios ultramarinos que Vicente Ferreira começou a sua vida pública, no exercício de funções técnicas de engenheiro.
Em 1902, na província de Angola, exerceu o cargo de chefe das oficinas de Luanda, e em 1903 foi director das Obras Públicas da província de S. Tomé e Príncipe.
Não admira, pois, que o ultramar o tenha fascinado com os seus encantos e o seu valor progressivo, que mais se acentua com a boa e sã administração.
Os metropolitanos, quando no ultramar, sentem a grandeza da Nação e reconhecem que as províncias ultramarinas fazem de Portugal uma grande nação no Mundo, que foi e continua sendo a mesma propagadora da civilização e da fé cristã.
Fascinado pelas belezas naturais de Angola, pela obra de civilização e progresso que os Portugueses já ali realizaram, e entusiasmado pelo renascer de uma nova era nacional que o movimento militar de Braga fazia prever, o engenheiro Vicente Ferreira decide-se a servir a nova situação política como alto-comissário na província de Angola, onde veio a realizar uma obra que o fez enfileirar ao lado das grandes figuras nacionais, dos maiores construtores da Pátria nos territórios do além-mar.
Não quero, Sr. Presidente, que ao homenagear a memória de Vicente Ferreira, dando-lhe lugar entre os maiores do ultramar, se lhe diminua o seu significado pelo facto de serem minhas as palavras proferidas, palavras de quem apenas tem a recomendá-lo a lealdade no servir e o desejo sincero de ver a Pátria engrandecida.
Mas eu posso citar uma opinião revestida de toda a autoridade que colocou Vicente Ferreira no lugar de honra que lhe compete ao lado dos grandes do ultramar.
Sr. Presidente: no discurso do antigo Ministro das Colónias Dr. Armindo Monteiro proferido na Union Coloniale Française em 14 de Novembro de 1931, quando se instalou em Paris o Comité Franco-Portugais d'Études Coloniales, aquele professor e antigo Ministro descreveu magistralmente a nossa acção no descobrimento do Mundo, desde a abalada para o mar às primeiras colonizações, ao primeiro império africano, de Marrocos, ao império do Oriente, ao império do Brasil e ao actual
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quarto império, que ocupamos no Mundo e compreende 2 172 500 km2 dispersos pela Europa, Ásia, África e Oceânia; e, depois de dizer que nos últimos sessenta ou setenta anos fizemos uma obra imensa de ocupação e assimilação, com trabalhos e sofrimentos sem conta, suportando os pioneiros do nosso nome as fadigas mais duras, como se fossem insensíveis às privações, pacientes na adversidade, calmos, corajosos e simples nos perigos, afirmou que os resultados dessa obra constituem o orgulho das últimas gerações.
E, prestando homenagem a muitos dos que fizeram o império de hoje e já tinham desaparecido na sombra da morte, citou Sá da Bandeira, Serpa Pinto, Capelo, Ivens, Mouzinho, Enes, Orneias, Andrade, Caldas Xavier, Augusto de Castilho, Eduarda Costa, Júlio de Paiva, Roçadas, Pereira de Eça, João Belo e, dizendo haver muitos outros, passou a referir-se a alguns daqueles que ainda estavam vivos e a nosso lado, conservando bem clara a chama do espírito colonial português.
No número dos vivos, em 1931, citou então Gago Coutinho, Paiva Couceiro, Garcia Rosado, João Coutinho, João de Almeida, Eduardo Marques e Vicente Ferreira.
Diante de numerosos coloniais estrangeiros o ilustre Ministro das Colónias de Portugal Prof. Armindo Monteiro indicou ao Mundo o nome de Vicente Ferreira como um dos nossos maiores obreiros do ultramar e como exemplo do nosso orgulho de bem servir Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Haja, portanto, muito tempo que o nome de Vicente Ferreira figura, por direito próprio, na galeria dos grandes portugueses do ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não foi a morte que o elevou àquela alta culminância nacional. Foram os seus méritos e a sua obra.
Lamentando a perda do português tão ilustre, que não conhecia a fadiga quando servia a Pátria, presto à sua memória a minha respeitosa homenagem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Alves: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: mim dos dias da semana passada fomos penosamente informados de que tinha falecido o Sr. Engenheiro Vicente Ferreira.
Tenho, por isso, um dever a cumprir nesta Assembleia, em nome de Angola, por ser um dos Deputados que a representam e por se dar a circunstância de, durante longos anos, ter servido o País em várias situações, quer sob as suas ordens, quer sob a sua orientação, sempre sábia e distinta.
É certo que a memória do seu nome - de grande português -, a recordação do altíssimo valor de todos os serviços que ao País prestou, o sentimento de profunda mágoa pelo desaparecimento da sua inteligência brilhantíssima, do vasto saber que possuía, das manifestações do seu carácter modelarmente íntegro e da força do seu patriotismo - transparente em cada um dos actos de toda uma vida de valimento e esforço - se situam num plano em que pertencem, não a uma província ou a um sector restrito, mas a toda a Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todavia, dá-se também a circunstância - tem disso a certeza todos os que conhecem a vida do ultramar - de terem sido sempre colocados os assuntos de Angola entre aqueles que móis o interessaram, que tratou com maior dedicação e que - na sensibilidade requintada do seu temperamento - mais carinhosamente considerou.
A gente de Angola - empenhada na construção de um grande património nacional, exaltada na concepção de um sentimento pátrio que se torna mais vivo e se acrescenta pela separação e pela distância - não esquece os grandes vultos com a estatura de Vicente Ferreira, cujos nomes se gravam e perduram, entre os de maior porte, na lista de valores da sua longa história.
Todos fomos discípulos do Prof. Vicente Ferreira; todos admirámos e tomámos por molde a sua escrupulosa probidade mental, o exaustivo entendimento com que encarava todas as questões sujeitas ao seu estudo, a elegância da forma, a objectividade dos conceitos, o cunho pessoal incomparável e o impressionante rigor de conclusões que reluziam como timbre e marca de quilate em todo o primor dos seus trabalhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi ele muitas coisas nesta nossa terra: professor distintíssimo da escola de engenharia com que se honra a cidade de Lisboa, esclarecido Ministro, valiosíssimo elemento da Câmara Corporativa e do Conselho do Ultramar. Chegou a muitos outros campos o vigor extraordinário da sua actividade sempre moca. E deixou de trabalhar quando fechou os olhos, na altura em que entregou ao seu País um último tributo da sua inteligência fulgurante - como se não pudesse despedir-se sem que a força do espírito vencesse até ao fim a doença e a dor, para saber cumprir o seu dever até chegar o último momento.
Foi grande em tudo. A mim cabe-me lembrá-lo pelo que foi em África, como alto-comissário da província de Angola. Como tal, entre os portugueses que vivem naquela nossa terra, é certo que desapareceu para sempre o poder confortante da sua prestigiosa presença, mas o brilho do seu espírito fica como uma lição - como um afecto, um modelo, uma saudade e um incitamento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: peco a V. Ex.ª vénia para propor que fique consignada na acta da sessão uma expressão de profundo pesar pelo desaparecimento de quem foi em vida um grande português: o Prof. António Vicente Ferreira.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Simões Crespo: - Sr. Presidente: por motivos de saúde tenho estado estes dias afastado dos trabalhos da Assembleia, sem o que já teria pedido a V. Ex.ª a palavra para me ocupar, nesta Casa, da pessoa do Prof. Vicente Ferreira, que a morte nos roubou.
Já se referiram hoje ,à brilhante personalidade de Vicente Ferreira, apreciando-o com o louvor que merece, em palavras sentidas e estilo elevado, ao nível das altas qualidades do homenageado, os ilustres Deputados Vaz Monteiro e comandante Lopes Alves.
Nesta Assembleia foi por estes ilustres Deputados lembrada a figura de Vicente Ferreira como político e como colonialista, e a sua obra na Câmara Corporativa
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de colaboração com o regime foi vivamente desenhada nas palavras do dois ilustres oradores.
Pretendo apenas marcar a minha presença nesta homenagem, o fá-lo-ei em poucas palavras.
Fui aluno do Prof. Vicente Ferreira e tive a honra de ser seu assistente no Instituto Superior Técnico, onde foi professor muito ilustre.
Como mestre falam dele com admiração todos os que beneficiaram do seu ensino e das suas lições, feitas sempre numa linguagem exacta e precisa, como era próprio da rara lucidez do seu espírito.
Fui seu assistente, como disse, nos últimos anos do seu magistério, e, nesta função, para além da sua personalidade brilhante de professor, tive ocasião de conhecer mais de perto o homem e o seu nobilíssimo carácter.
Honrou-me com a sua estima, e, por isso, honro-me hoje também, prestando o preito da minha homenagem II quem tão nobremente serviu o País em todos os cargos que teve a oportunidade de desempenhar, associando-me às palavras dos dois ilustres Deputados que me precederam, e faço-o nestas simples e singelas palavras, que são, no entanto, muito sentidas.
Sr. Presidente: não posso também deixar de sublinhar o pedido do ilustre Deputado comandante Lopes Alves no sentido de se registar na acta desta sessão um voto de pesar pelo falecimento de quem tão nobre e proficientemente serviu o seu país.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A Câmara, pela voz dos Srs. Deputados Vaz Monteiro, Lopes Alves e Simões Crespo, exprimiu já o seu profundo pesar pelo falecimento do Sr. Engenheiro Vicente Ferreira, e isso me dispensa de acrescentar quaisquer outras palavras de pesar.
O Sr. Deputado Lopes Alves, secundado pelo Sr. Deputado Simões Crespo, propõe que a Câmara lance no Diário das Sessões de hoje a expressão do seu pesar.
Julgo, pois, interpretar os sentimentos da Assembleia mandando exarar no Diário das Sessões o nosso profundo pesar pelo falecimento do Sr. Engenheiro Vicente Ferreira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar. Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: a proposta de lei um discussão, como diploma básico da nossa administração ultramarina, constitui documento legislativo de suma importância. Se, no que respeita aos princípios fundamentais que a informam, a nova lei revelará uma ou mais modalidades quanto à forniu, aplicação ou actualização nas suas linhas mestras, não deixa, porém, de observar os característicos métodos portugueses de fazer evoluir povos, elevando-os material e socialmente, para lhes transmitir os benefícios da civilização cristã e ocidental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em meu entender, a feitura desta proposta obedeceu a três imperativos essenciais, todos eles contidos na Constituição ultimamente revista: manutenção da unidade portuguesa, possibilidade de alargamento da competência legislativa local ou da capacidade de tutela dos próprios interesses, e admissibilidade de estatutos privativos, uma e outra sem prejuízo daquela unidade que ardorosamente temos salvaguardado. O primeiro imperativo, que tem sido a preocupação constante da nossa actividade ultramarina através dos séculos, manifesta-se exuberantemente pela integração do Acto Colonial e adopção de antiga e mais portuguesa nomenclatura, pela possibilidade de distribuição pelos vários Ministérios de assuntos de interesse para toda a Nação, pela concentração na metrópole da fiscalização judicial e política das contas públicas e, finalmente, pela solidariedade económica nacional. Os segundo e terceiro imperativos, embora aparentemente novos, estão de acordo com a doutrina velha de um século e afirmativa de que as províncias ultramarinas terão organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social e são consequência natural do intensivo desenvolvimento do ultramar, onde há cada. vez maior número de valores humanos e se multiplicam incessantemente os bens espirituais e materiais.
O douto parecer da Câmara Corporativa, perfilhando estes postulados primordiais, apenas se diferencia da proposta governamental em pormenores, na ordenação e nas modificações da redacção ou da terminologia jurídica.
Também não será difícil descobrir que igualmente os princípios capitais da nova lei se não afastam muito - antes por vezes se aproximam ou até se confundem - dos da Carta Orgânica vigente. Com efeito, exceptuadas certas disposições de índole uniformizadora do Acto Colonial que presentemente figuram na Constituição - as que prevêem a ampliação da faculdade legislativa das províncias de governo-geral e as que admitem a existência de estatutos privativos -, todas as demais matérias que aparecem na proposta ministerial foram para aqui transplantadas da Carta Orgânica, na íntegra ou diferindo sómente na maneira como se mostram redigidas ou sistematizadas.
Por isso, Sr. Presidente, se declara no parecer da Câmara Corporativa que «a orientação da proposta não contradiz nenhum dos princípios tradicionais da administração ultramarina portuguesa».
E outra coisa não era de admitir, sabido que as normas colonizadoras portuguesas tem sido proficuamente experimentadas e provadas em mais de quinhentos anos da nossa presença no ultramar e continuam em nossos dias a suscitar o merecido respeito e admiração das restantes potências coloniais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em 1930 o Sr. Doutor Oliveira Salazar decretou o Acto Colonial, destinado a substituir o título V da Constituição de 1920 e a estabelecer o futuro direito ultramarino da República Corporativa; o relatório justificativo deste notável documento, pelo brilhantismo da exposição doutrinária, dificilmente será esquecido. É que o Acto Colonial continua a tradição constitucional dos Actos Adicionais à Carta de 1826. Nele se definiram conveniente e minuciosamente os princípios de solidariedade moral e política entre as partes componentes do Estado Português, visando a obtenção da grandeza, integridade e defesa da Nação.
Os excelentes preceitos de tão magistral diploma pasmaram, três anos depois, para a Carta Orgânica do
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Império Colonial Português e para a Reforma Administrativa. Ultramarina, duas outras notáveis peças jurídicas, redigidas pelo douto colonialista Sr. Prof. Armindo Monteiro, que, com ,o Acto Colonial, constituem a magnífica trilogia legislativa sobre que "e alicerçou tão solidamente e se engrandeceu brilhantemente a multiforme obra de valorização operada nos últimos vinte anos no ultramar português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Proclamam esta verdade incontroversa, no parecer da Câmara (Corporativa, o antigo e (distinto Ministro das Colónias Sr. Dr. Francisco Machado e o ilustre relator do parecer, Sr. Prof. Rodrigues Queiró; reconhece-a com orgulho e satisfação a Nação inteira; consideram-na todos os países coloniais estrangeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A história da nossa administração colonial assinala ,a existência de diplomas orgânicos comuns a todo o ultramar e a de estatutos privativos de cada território, havendo-se substituído uns pelos outros quando razões ponderosas determinavam semelhante intervenção. Foi o ,que sucedeu em 1933 e é o que vai verificar-se agora.
Todavia, há que reconhecer que desta vez, em lugar de uma carta orgânica única, ou de um estatuto para cada território, se propõe a promulgação de um diploma orgânico comum, do qual se desprenderão posteriormente leis especiais para as províncias de além-mar, as quais, conquanto de substracto doutrinário igual, conterão disposições apropriadas a cada uma delas, impostas pelo respectivo condicionalismo mesológico.
Trata-se, como se vê, de uma lei que, conciliando os dois sistemas, dará uma maior satisfação aos interesses das províncias de governo-geral, permitindo-lhes dispor de uma assembleia legislativa, formada por representantes de escol espiritual, cultural e económico locais e escolhidos por meio de eleição.
Sr. Presidente: entendo, como o Sr. Prof. Mendes Correia, que o merecimento e a utilidade do futuro conselho legislativo dependerão simultaneamente da qualidade dos eleitos e da idoneidade dos eleitores; se, como é verdade, nem todas as propostas aprovadas por esse conselho deverão ser aceites pelo governo-geral ou pelo Ministério do Ultramar - quando consideradas inconvenientes ou contrárias ao bem da Nação -, nem por isso as palavras porventura menos ponderadas proferidas pelos membros dessa assembleia podem deixar de levar à criação de um estado de espírito geral pouco propício ao desenvolvimento normal e progressivo da governação, sempre carecida de paz nas almas e nas ruas.
Mas, porque confio no patriotismo indefectível dos nossos compatriotas de além-oceano, creio que tanto da acção do conselho legislativo como da adopção de estatutos privativos hão-de advir ainda maior entendimento o melhor compreensão entre a metrópole e as terras ultramarinas - objecto supremo dos portugueses de todos os continentes e latitudes.
EÉ em harmonia com a consecução deste desiderato que apoio calorosamente as opiniões expendidas pelos Srs. Drs. Adriano Duarte Silva e Sócrates da Costa, ilustres Deputados, respectivamente, por Cabo Verde e índia, no sentido de uma maior integração destas províncias na unidade da Nação Portuguesa. O caso da Índia já foi magistralmente posto em foco na notável entrevista concedida recentemente à United Press pelo distinto Ministro do Ultramar, Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, E quanto a Cabo Verde, recordo a sugestão que fiz nesta Câmara, na sessão de 24 de Fevereiro de 1944, advogando a concessão de um estatuto análogo ao das ilhas adjacentes.
Sr. Presidente: dada a bem compreensível impossibilidade de aludir a todos os agentes dessa integração, expressos explícita ou implicitamente no diploma presente, considerarei sómente dois deles, por os reputar de extraordinária projecção política: refiro-me à vinda periódica dos funcionários públicos a metrópole e à concessão de bolsas de estudo no continente aos naturais ou residentes no ultramar.
Como é do conhecimento geral, cada província, atribui aos seus funcionários públicos vencimentos que diferem grandemente de uma para outra, mercê da diversidade de condições económicas e financeiras, sucedendo até que, não obstante os índices de custo de vida, oficialmente calculados, se mostrarem mais altos em um território do que em outro, é nesse precisamente que as remunerações são menos elevadas.
Da enorme disparidade de honorários resultam inconvenientes desagradáveis e contrários à boa eficiência dos serviços públicos: os funcionários procuram por todos os meios ser nomeados para as províncias mais bem pagas e evitam ser transferidas destas para as outras, acontecendo, como é lógico, que normalmente os melhores funcionários venham a encontrar-se no território mais remunerador, com evidente prejuízo para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos serviços das províncias menos ricas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Toda a gente sabe também que a província de Moçambique continua a ser aquela em que os funcionários ultramarinos mais desejam servir e que e sempre com pena que eles se vêem colocados em qualquer dos restantes territórios, incluindo Angola, onde os vencimentos "ao muito menores do que na África Oriental Portuguesa.
Não há dúvida de que os Portugueses possuem inalas e inimitáveis qualidades de resistência e de adaptação, e que, por amor da Pátria, são capazes de suportar os maiores sacrifícios e de enfrentar adversidades de toda a ordem; no entanto, não é lícito supor que alguém emigre por prazer ou fins turísticos, mas tão-sòmente pelo desejo natural e humano de angariar economias que lhe garantam e aos seus melhor nível social e a certeza de uma velhice com relativa abastança.
E porque não é impunemente que os Europeus habitam anos e anos no ultramar, em climas que, apesar de beneficiados pelos actuais progressos higiénico-sanitários, diferem bastante dos das regiões da metrópole, - quantas vezes longe da família e também dos amigos, em meios exóticos e ainda carecidos da ambiência social a que estavam habituados-, parece justo que os servidores da Nação em terras de além-oceano aufiram proventos suficientes à sua categoria e à satisfação das suas mais imperiosas necessidades.
Enquanto são solteiros ou casados e sem a lhos. os funcionários ultramarinos, se não conseguem poupar dinheiro, pelo menos vivem desafogadamente, como convém em tão depauperantes regiões, onde tem de si; alimentar bem de dispor dos indispensáveis medicamentos e fie andar decentemente vestidos, sob pana de não resistirem ao clima, e de se desprestigiarem, e a Portugal, aos olhos dos indígenas; todavia, quando a família aumenta e os filhos atingem a idade escolar, têm de empenhar-se - mais de 80 por cento dos funcionários administrativos de Angola devem dinheiro ao Cofre de Previdência -, tão grandes são as despesas com as subsistências e defesa, da saúde e com a educação da prole,
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E, à medida que o tempo passa e os filhos crescem em número e idade, cada vê/menores são as probabilidades de virem à terra natal em gozo de bem merecida licença graciosa, pois que, embora eles e as famílias tenham direito às passagens, a pagar pelo Estado, os encargos derivados da prepararão da viagem e manutenção na metrópole - aluguer de casa, aquisição de mobília e vestuário, alimentação, etc. - atingem tamanho vulto que a maioria dos funcionários se desinteressa de visitar o continente.
A organização de um mapa estatístico consignando o estado civil e o número de pessoas de família de cada funcionário que tem gozado a licença graciosa depois da segunda grande guerra conduziria à conclusão de que poucos casais com mais de dois filhos menores haverão desfrutado de tal privilégio; e, dos que vêm, raro é aquele que não traz na sua guia de vencimentos descontos para amortização de empréstimos contraídos em diversas instituições de crédito dependentes do Estado, tais como: Cofre de Previdência, montepios, caixas económicas, etc.
Entretanto, os filhos tornam-se maiores e constituem família, fixaram-se enfim, e a nostalgia da Pátria que, nos primeiros tempos da estada no ultramar, tanto amarguravam os empregados públicos, esmorece e acaba por extinguir-se, tão presos estão à terra onde lhes nasceram os filhos e os netos, aos quais nunca foi possível ver a terra de seus maiores.
Conheço bastantes funcionários de Angola que, ardendo em desejos de rever o seu antigo lar, por não possuírem meios financeiros, não voltaram ali há mais de trinta anos! Estes e suas famílias saberão algo do actual progresso da metrópole talvez apenas pela leitura dos jornais, senão pelo cinema; mas estes ensinamentos, tão teóricos e frios, a distância, diferem profundamente dos provenientes da observação directa, in loco, que por serem exemplificados e vividos, impressionam o cérebro o tocam fundamente o coração, despertando a arreigando mais os sentimentos patrióticos.
Se, como é da essência da colonização, devemos desejar a fixação de portugueses no ultramar, para nos enraizarmos perenemente, parece haver também toda a vantagem em que os funcionários do Estado venham mais amiúde à metrópole, não "ó para se refazerem espiritualmente e se impregnarem do são nacionalismo que orgulhosamente usufruímos, como ainda, para restabelecerem seus corpos, tão rudemente expostos à acção depressora dos climas tropicais.
Poder-se-á, entre nós melhorar os vencimentos dos funcionários ultramarinos e promover a sua vinda mais frequente ao continente sem ultrapassar demasiadamente as receitas orçamentais?
Creio que sim, e foi, Nem dúvida, Sr. Presidente, com essa finalidade que o distinto Ministro do Ultramar, Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, mandou há alguns meses estudar a revisão geral dos vencimentos dos servidores públicos de além-mar. Como o Sr. Prof. Sousa Pinto, faço voto?, por que, com a publicação do estatuto das províncias, se melhorem os vencimentos dos funcionários do ultramar, que tanto aí trabalham pura bem da Nação.
As bases em que irá assentar a resolução de tão importante problema são dignas do maior aplauso, embora "pense que talvez elas devessem ser mais generosas; é que não pode esquecer-se que o desgaste vital em terras intertropicais é muito superior ao que se verifica na metrópole, julgando, portanto, justo e razoável que, como compensação, um mesmo serviço seja ali melhor remunerado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que, desta sorte, aumentar-se-ão os encargos do Tesouro, mas suponho que não tanto como à primeira vista poderá parecer, pois que, se ao ultramar se conceder uma legislação decalcada do Decreto-Lei n.º 26 115, todos os funcionários, da mesma categoria hierárquica - qualquer que seja o quadro local a que pertençam - receberão vencimento igual e decerto mais elevado, por reverterem proporcionalmente a favor de iodos as variadas gratificações e outros subsídios ora existentes, além de que se evitará também que no mesmo quadro alguns funcionários ocupem mais rendosos lugares ou turvam em regiões mais privilegiadas, em detrimento de outros, tão qualificados ou mais do que eles.
Sr. Presidente: em minha opinião, resolvido este problema capital, fácil é obter a solução do que se relaciona com a vinda mais amiúde ao continente dos funcionários ultramarinos, já que ela não envolverá qualquer aumento de despesa.
Os funcionários que vêm gozar a licença graciosa recebem ordenados mais ou menos iguais aos dos funcionários de idêntica categoria hierárquica em serviço efectivo na metrópole, excepto quando aqueles estiverem a trabalhar no Ministério do Ultramar, caso em que os seus vencimentos são acrescidos de cerca de 25 por cento.
Tem-se afirmado que esta equiparação é justa; de contrário, estabelecer-se-ia grande desigualdade entre uns e outros, visto todos sofrerem na metrópole as vicissitudes derivadas da elevação do custo de vida, argumento que considero improcedente; os vencimentos dos funcionários ultramarinos constam dos orçamentos da província respectiva e o seu recebimento não pode afectar as suas finanças, porquanto, se eles não vierem gozar a licença, haverão de ser pagos com essas verbas. Se tais quantias pertencem aos funcionários, porque não hão-de eles recebê-las na metrópole?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De resto, este modo de ver vem sendo posto em prática para alguns funcionários públicos de Angola, após a promulgação do Decreto n.º 32 657, de Fevereiro de 1943, da autoria do Sr. Dr. Francisco Machado. Segundo este excelente diploma, os funcionários administrativos da província mais zelosos e trabalhadores poderão ser distinguidos, de tempos â tempos, com a concessão de uma licença graciosa especial na metrópole, de quatro meses de duração e com direito a todos os vencimentos; e em 23 de Outubro de 1945, por meio de uma portaria ministerial referendada pelo Sr. Prof. Marcelo Caetano, esta regalia tornou-se extensiva aos professores de ensino primário do referido território.
Não poderá esta concessão alargar-se a todos os servidores do Estado no ultramar em gozo de licença graciosa na metrópole?
Espero, Sr. Presidente, que os ilustres Ministro e Subsecretário do Estado do Ultramar, ao realizarem a revisão geral dos vencimentos de além-mar, os melhorem e, sobretudo, concedam a todos os funcionários com licença graciosa, no continente os ordenados que eles recebem no ultramar, providências legislativas que, sem prejudicarem o equilíbrio orçamental de cada província, concorrerão poderosamente para maior unidade de Portugal europeu e ultramarino.
Sr. Presidente: a concessão de bolsas ou subsídios de estudo na metrópole aos naturais ou residentes no ultramar, constituindo outro eficiente factor de integração portuguesa, prende-se intimamente com as questões que acabo, de analisar, dando completa satisfação a uma
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das suas facetas mais importantes: a valorização intelectual dos portugueses oriundos ou moradores em terras de além-oceano.
Tão patriótica providência aparece pela primeira, vez na Carta de Lei do 25 de Setembro de 1908, concedendo licenças de estudo na Escola. Colonial, com todos os vencimentos, aos oficiais do Exército e da Armada; posteriormente, no Decreto n.º 12539, de 25 de Outubro de 1926 promulgado pelo grande colonialista, comandante João Belo, o reorganiza dor da Escola Superior Colonial -, não só esta regalia se manteve, como ainda se ampliou liberalmente a todos os funcionários ultramarinos. Infelizmente esta concessão deixou de efectivar-se depois de 1944, com graves prejuízos morais para o referido estabelecimento de ensino superior e materiais para os mais modestos servidores do Estado de além-mar, como já tive ocasião de demonstrar nesta Assembleia na sessão de 1 de Abril de 1948; contudo, e de algum modo a título de compensação, a partir de 1946 os administradores, primeiros-oficiais ou funcionários de categoria equivalente podem, com licença de estudo e vencimentos especiais, frequentar o curso de Altos Estudos daquela Escola. A iniciativa, da concessão de bolsas de estudo a escolares ultramarinos para cursar qualquer escola, superior na metrópole deve-se ao Sr. Dr. Francisco Machado, conforme sua portaria de 28 de Agosto de 1939.
Foi ao abrigo deste interessante diploma ministerial e de outros que se seguiram que muitas dezenas de estudantes do ultramar têm vindo tirar no continente seus cursos universitários ou artísticos; actualmente sobe a mais de trinta o número de naturais ou residentes no ultramar que frequentam escolas superiores metropolitanas à custa do orçamento do Estado, câmaras municipais, Mocidade Portuguesa ou de institutos oficiais de assistência.
Sr. Presidente: a inscrição na nova lei orgânica do ultramar do preceito que prevê a concessão de bolsas de estudo na metrópole, proposta pelo Governo e aceite com entusiasmo pela Câmara Corporativa, merece também o meu caloroso aplauso e, certamente, o de toda a Assembleia Nacional ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... tão grande poderá ser a sua benéfica repercussão no estreitamento ainda maior dos laços de unidade nacional; igualmente é digna do melhor carinho a sugestão do Sr. Prof. Rodrigues Queiró, solicitando para os candidatos naturais ou moradores nas províncias de além-mar que desejem ingressar em escolas para cuja frequência se exige exame de aptidão certas facilidades de prestação das respectivas provas, que quer exclusivamente escritas e realizadas no ultramar e a julgar na metrópole, "visto que não é justo que os escolares ultramarinos tenham de vir à metrópole prestar tais provas, dada a contingência delas e o custo, elevado das passagens".
Sr. Presidente: o Sr. Engenheiro Cancela de Abreu, distinto presidente da comissão executiva da União Nacional, que vem o vogal da mesma comissão e nosso ilustre colega Sr. Comandante Henrique Tenreiro visitaram recentemente Angola e Moçambique em viagem de boa, vontade e de apostolado nacionalista viagem esgotante e com sacrifício das suas actividades particulares, mas plena de êxito, tão notáveis foram os resultados conseguidos -, fez há poucos dias à imprensa unia brilhante exposição, repleta de grandes ensinamentos?, clareza e oportunidade sobre a alta e patriótica missão que os levou às nossas duas maiores províncias ultramarinas da qual me permito salientar os seguintes parágrafos:
Mas é preciso alimentar e estimular esses sentimentos, é indispensável completar a intensificar medidas adequadas. Deve conseguir-se maior frequência das visitas à metrópole, deve dar-se nos funcionários, designadamente, possibilidades materiais para que as realizem e tragam os seus filhos.
Indiscutivelmente há que promover estágios na metrópole dos jovens nascidos e criados no ultramar, não só em visitas de conhecimento e contacto, mas paia frequência du escora s o institutos e consequente formação do seu espírito o do seu carácter no culto e na afeição da Pátria a que pertencem mas que mal conhecem. A gratuidade de passagens e de estudos será para isso condição geralmente indispensável, além das facilidades de instalação em ambiente especial e Conveniente. Ousamos, em plena sinceridade, destacar e transmitir a quem de direito esta apreciação e as sugestões que contém.
Atenda-se a esse aspecto do problema, e, em nossa convicção, o espírito de unidade, valiosamente fortalecido pela fraternidade, das raças, continuará a constituir uma das mais significativas razões do nosso orgulho.
Foi com viva alegria que li estas importantes afirmações para mais proferidas por personalidade com tamanhas responsabilidades políticas, por quem deixou atrás de si um susto indelével de simpatia e admirarão sinceras - como eu tive o ensejo de verificar um Angola; congratulo-me por mo encontrar ao lado do prestigioso presidente da comissão executiva da união Nacional na primeira linha do bom combate, a bem do "estreitamento das relações ou de maior aproximação entre a metrópole e o ultramar, do alargamento o valorização das manifestações de solidariedade recíproca de vivificação ou exaltação dos sentimentos de unidade nacional, total o perfeita".
Múltiplos e notáveis tem sido os empreendimentos realizados pelo Estado Novo a favor do um mais intensivo e fecundo intercâmbio espiritual entre Portugal metropolitano e as províncias ultramarinas, merecendo relevo especial: o cruzeiro de ferias do estudantes continentais a Angola e Moçambique, concebido pelo Sr. Prof. Armindo Monteiro e promovido pelo Sr. Dr. José Bossa; cruzeiro do férias de estudantes de Angola e Moçambique e a visita de velhos colonos tio Cabo Verde, Angola ,e Moçambique e metrópole, promovidos pelo Sr. Dr. Francisco Machado; viagem do Orfeão Académico de Coimbra, exposições artísticas em Luanda e Lourenço Marques, e ida do artistas a Angula e a Moçambique, promovidas pelo -Sr. Capitão Teófilo Duarte; viagem de raparigas da Mocidade Portuguesa a Angola, e (Moçambique, concebida pelo Sr. Capitão Teófilo Duarte e promovida polo Sr. Comandante Sarmento Rodrigues; vindas ao continente dos fundadores da cidade de Sá da Bandeira o dos jornalistas do ultramar, promovidas pelo Sr. Comandante Sarmento Rodrigues; visita a Angola e Moçambique do rapazes da Mocidade -Portuguesa do Funchal, promovida polo Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, e a vinda à metrópole dos naturais do Angola, promovida pelo Sr. Capitão Silva Carvalho.
Sr. Presidente: não será fácil apagar-se a magnífica impressão que os estudantes de Coimbra o as raparigas da Mocidade deixaram em Angola - refiro-me especialmente a esta província porque mo foi dada a felicidade de comparticipar no coro de aplausos frementes com que se festejaram as suas chegadas ali e se consagraram as suas exibições artísticas. De quantos portu-
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gueses estabelecidos em Angola sei eu que se deslocaram algumas centenas de quilómetros, por caminhos difíceis, andando dia e noite, só para. verem a flor da juventude metropolitana e chorarem de alegria e de saudade da Pútria-mãe distante! ...
À veneranda e gloriosa Universidade, fonte inexaurível de nacionalismo e de sabedoria, onde formei o espírito e cultivei a inteligência., rendo as minhas melhores homenagens por mais este feito de seus escolares em prol da. unidade portuguesa.; muito me agrada também neste momento apresentar à Ex.ma Sr.ª D. Maria Guardiola, nossa ilustre colega, e distinta comissária nacional da Mocidade Portuguesa Feminina, as minhas felicitações calorosas pela nobreza, dignidade e compostura com que se houveram as mocitárias em terras de além-mar, onde a sua passagem tanto contribuiu para afervorar ainda mais o patriotismo dos nossos irmãos ultramarinos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: consinta V. Ex.ª que, antes de concluir a minha intervenção neste debato, ainda diga umas palavras sobre a província de Timor - - que tenho muita honra de representar nesta Assembleia -, considerada de indigenato pelo distinto relator do parecer da Câmara Corporativa.
As considerações produzidas pelo ilustre Deputado Sr. Coronel Vaz Monteiro - a quem muito agradeço a valiosa e incontestável argumentação em prol de Timor- desejo acrescentar mais alguns esclarecimentos. A inclusão de Timor na. categoria de província de indigenato é contrária à lei vigente, incientífica e, sobretudo, impolítica.
O Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas preceitua que "são considerados, indígenas os indivíduos de Taça negra ou dela descendentes que, pela sua ilustração e costumes, se não distinguem do com um daquela raça"; por consequência, nesta definição não podem abranger-se os Timorenses portugueses, que, na sua quase totalidade, são Malaios.
Longe de mim querer agora abordar o problema da superioridade ou inferioridade racial dos Malaios em relação aos Bantos e aos Nigrícios e Fulas, gentes que povoam, respectivamente, Angola, Moçambique e a Guiné Portuguesa; aliás, nem a religião nem a ciência admitem raças superiores ou inferiores, mas simplesmente agrupamentos populacionais em estado mais ou menos, adiantado de cultura e civilização, Realmente, os povos diferem menos pelos caracteres descritivos e merísticos do que pelas qualidades morais e intelectuais e pelo grau de evolução social e económico.
E, em, alguns destes últimos aspectos, os Timorenses portugueses superam indubitavelmente os grupos étnicos que habitam a Guiné Portuguesa, Angola e Moçambique; é inegável que, embora não muito progressivo, o estado social médio dos Timorenses afasta-se bastante do primitivismo das sociedades africanas.
E, se Portugal deve grandes serviços aos naturais dos territórios ultramarinos, por tão heròicamente se haverem batido pela sua defesa e integridade, contudo cabe aos Timorenses a honra de, entre todos, se mostrarem dos maiores. Recorde-se o sacrifício heróico de D. Aleixo, o chefe prestigioso assassinado pelos invasores japoneses, e o singular e abnegado procedimento do régulo Mó-
-Pitine, que aquando da rectificação da fronteira luso-holandesa, abandonou seus súbditos, e parentes, gados e lavras e a terra natal tornada estrangeira e partiu pobre e sem poder para o nosso território, porque, tendo nascido português, não quis viver e morrer senão em terra portuguesa.
Se durante a ocupação japonesa a grande maioria dos Timorenses portugueses deu provas invulgares da sua fidelidade e amor à Pátria-mãe, combatendo valentemente o invasor e os povos do Timor holandês mancomunados com o estrangeiro, a cuja obediência pretendiam levá-los; se os Timorenses portugueses gloriosamente reconquistaram a sua terra para Portugal; e quando da vizinha, grande e democrática República Indonésia se tenta aliciá-los para a sua integração, ofertando-lhes o direito de cidadania, é que vai retirar-se aos Timorenses portugueses esta prerrogativa, jamais negada pela nossa legislação, impondo-se-lhes tão injuriosa capins diminutio?
Mas alguém invocará a existência de milhares de Timorenses incultos ... E não haverá atrasados no arquipélago de Cabo Verde, na Índia e em Macau, territórios onde não há indigenato?
Terão, porventura, mais direito à cidadania *s "badius" do interior da ilha de Santiago, os begarins da Índia portuguesa e os cólis de Macau, por exemplo, do que os Timorenses portugueses - entre os quais se contam mais de sessenta, mil católicos praticantes?
A sugestão da Câmara Corporativa, além de perigosamente impolítica, corresponderia a uma grave injustiça, a ingratidão imperdoável.
Por isso estou certo de que a Assembleia Nacional não votará no sentido de que a província de Timor passe, de futuro, a ser de indigenato - de contrário, com este retrocesso, atraiçoar-se-ia a nobilíssima intenção que nos domina, a todos: apertar coda vez mais os laços que unem os portugueses de aquém e de além-mar, a fim de igualá-los política e administrativamente, moral e intelectualmente, dentro da unidade real e indissolúvel da Nação Portuguesa.
Tento dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique Linhares de Lima.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Fuleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA