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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
ANO DE 1953 5 DE FEVEREIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º197 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 4 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.: Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 196.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou catarem na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Pinto Barriga ao Ministério das Comunicações e haver sido recebido, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 091.
O Sr. Presidente comunicou que deliberara enviar aos presidentes dos parlamentos da Holanda, Inglaterra e Bélgica votos de pesar pelo que estes paízes acabam de sofrer com os fortes temporais que os assolaram.
Usaram, da palavra os Srs. Deputados Jacinto Ferreira, para se referir a certos aspectos do trabalho marítimo; João do Amaral, que esclareceu determinadas afirmações do orador antecedente, e Amaral Noto, que enviou um requerimento a Mesa, dirigido ao Ministério da Economia.
Ordem do dia. - Continuou em discussão na generalidade a proposta de lei orgânica do ultramar.
Usou da palavra o Sr. Deitado Teófilo Duarte.
O Sr. Presidente encerou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram l5 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo,
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral- Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar;
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto,
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João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 196.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Não havendo nenhum Sr. Deputado que peça a palavra sobre este número do Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do Grémio da Lavoura de Leiria e Marinha Grande a apoiar o discurso do Sr. Deputado Melo Machado acerca da defesa do vinho.
Exposição
Cópia de uma, dirigida a S. Ex.ª o Ministro da Justiça pelas famílias dos presos políticos da cadeia do Forte de Peniche, sobre a situação daqueles presos.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pelo Ministério das Comunicações, os elementos que o Sr. Deputado Pinto Barriga solicitou na sessão de 13 de Dezembro passado.
Está na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 39 094, publicado no Diário do Governo n.º 20, 1.ª série, de 29 do mês passado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Toda a Câmara teve conhecimento pela imprensa de que nos últimos dias fortíssimos temporais assolaram o litoral do Norte da Europa, tendo devastado extensas regiões da Holanda, Inglaterra e Bélgica, causando gravíssimos prejuízos materiais, muitas perdas de vidas e muitos sofrimentos.
Penso interpretar os sentimentos da Câmara exprimindo a essas populações os sentimentos da nossa solidariedade na sua desventura, e, nesse sentido, transmitirei aos presidentes dos parlamentos desses países a profunda comoção desta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Jacinto Ferreira.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: o esforço do renovação que há alguns anos vem sendo realizado na marinha mercante ficará, sem dúvida, como um dos mais importantes, dos mais úteis, dos mais inteligentes de quantos - e muitos tom sido - o Estado Novo concebeu e tem levado a feliz termo.
É, de facto, notável e digno de registo que a nossa frota mercante tenha sido enriquecida, desde 1940, com mais 300 0001, e que no Plano de Fomento, há pouco apresentado pelo Governo, outras unidades estejam previstas para construção. Fecundo benefício disto tem resultado, e resultará, para a economia nacional e para o trabalho dos Portugueses - benefício que é desnecessário agora encarecer, porque se impõe a todos os observadores de boa fé.
Faz pena, porém, que a este destacado desenvolvimento de bens materiais de actuação não corresponda um paralelo progresso no campo social, porque as condições de trabalho na marinha mercante continuam a ser precárias e destituídas das regalias e garantias que a política social dos nossos dias desde há muito concedeu a todos os trabalhadores portugueses.
Não sei ao certo a que possa atribuir-se esta excepção flagrante, mas penso que ela possa ser situada na circunstância de os assuntos da marinha mercante estarem ainda sujeitos ao âmbito da marinha de guerra e de as questões de trabalho que lhe são próprias dependerem, em parte, de julgamento nas capitanias dos diversos portos do território. Não posso considerar esta arrumação justificável, uma vez que o carácter dominante da marinha mercante é ser factor essencial da economia nacional e o trabalho a bordo não diferir substancialmente de qualquer outra modalidade de prestação mútua de serviços.
Nem por se tratar de actividades marítimas isso me parece defensável, a não ser em situações de beligerância, da mesma forma que o Exército só nesta emergência interfere nas actividades industriais situadas em terra firme.
Apesar de nas actividades da marinha de comércio existir um chamado contrato colectivo, não é respeitado o regime básico das oito horas de trabalho, nem o do descanso consecutivo ao trabalho, nem o de férias pagas, nem mesmo o de um mínimo do higiene e conforto das acomodações a bordo. E digo um chamado contrato colectivo porque este foi desnaturado da sua essência de acordo, em oposição ao princípio da luta de classes, uma vez que foi assinado, quer pelos organismos patronais, quer pelos representantes do trabalho, apenas por espírito de disciplina e de colaboração, para que tanto sobre uns como sobre os outros não fosse lançado o labéu de rebeldes à ordem social estabelecida.
Não satisfez nem patrões nem trabalhadores, e daí ser, em vez de acordo, um desacordo colectivo,
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Quanto a horário de trabalho, bastará referir um exemplo típico:
O trabalho corrente e necessário dos oficiais náuticos para a determinação do ponto do navio e outros serviços de navegação a este conhecimento ligados só é considerado extraordinário na parte que exceda duas horas por dia.
Simplesmente, o imediato que faz o cálculo das estrelas às cinco da manhã e às seis da tarde determina, em certos barcos, que a ele deverão comparecer todos os oficiais, inclusive o que se deitou depois da meia-noite e o que terminou o seu quarto às quatro. Não será revoltante deixar este serviço de ser considerado extraordinário para os que, tendo trabalhado até às horas referidas, vem depois a ser perturbados no seu merecido repouso?
Mesmo quanto ao pessoal inferior, o horário de trabalho não tem sido devidamente respeitado, e alguns capitães não foram suficientemente instruídos sobre a maneira de proceder nas diversas emergências. Em certos barcos alguns tripulantes, em vez de terem acomodações individuais, tem ainda camarotes comuns com beliches de largura pouco convidativa.
A Espanha, que em matéria social nos está dando lições de grande elevação - o que não é muito airoso, porque fomos nós que lhe ensinámos parte do que ela sabe -, tratou há pouco, numa reunião do Ministério do Trabalho, dos assuntos do trabalho marítimo, e a essa reunião assistiram representantes dos armadores e dos sindicatos dos trabalhadores do mar, tendo sido versada a ocupação dos domingos a bordo, horas extraordinárias, despedimento quando o navio amarra ou entra em reparação, etc.
Se aos sindicatos operários fosse dada um pouco do liberdade que lhes permitisse a defesa dos interesses dos profissionais que representam e a sua direcção não estivesse, na maioria dos casos, entregue a comissões administrativas, que não dispõem da confiança dos sindicalizados, poderiam evitar-se muitos abusos de algumas entidades patronais, infiéis aos seus deveres sociais e humanitários.
Ainda há poucas semanas a bordo de um barco de passageiros de longo curso foram impostas condições unilaterais ao comportamento da tripulação, sem qualquer respeito pelo contrato de trabalho existente.
O Sr. João do Amaral: - Pode saber-se qual é o nome do navio?
O Orador: - Não tenho presente.
... Proibição de se aproximarem da amurada, tanto à chegada como à partida do barco, para verem as famílias, sob pena de passagem de bilhete de desembarque;
Proibição, sob idêntica ameaça, de, à chegada, se encontrarem com as famílias, que ansiosamente os aguardam, antes de decorrida uma hora sobre a saída do último passageiro;
Proibição de falarem com as visitas e de nos portos de estacionamento descerem só que seja ao fundo do portaló sem estarem munidos das mesmas autorizações exigidas para uma ida a terra, isto é, das do despenseiro, do encarregado da secção e do oficial de dia.
Para ser assegurada a efectividade dessas medidas vexatórias chegaram a ser colocadas nos corredores cancelas com cadeados, em manifesta transgressão dos regulamentos, e até taipais nas escadas de acesso às baleeiras, com grave perigo para o êxito de possíveis operações de salvamento.
Destas disposições estranhas, visando decerto uma dada finalidade, mas humilhantes, sem qualquer explicação para pessoas honestas, resultou, como é natural, um mal-estar latente entre os tripulantes, troca de opiniões e desabafos e a decisão de quarenta deles anunciarem ao comandante, em atitude aliás ordeira e respeitosa, que, ao chegarem a Lisboa, onde terminava o seu contrato, não desejavam renová-lo. No entanto o serviço e a ordem a bordo não foram afectados. Mas isto não impediu que esses quarenta homens, alguns dos quais com trinta e cinco anos já de serviço na empresa e outros capazes de dar lições de nacionalismo a alguns patrões, fossem enviados à autoridade marítima sob a acusação de conjura - e não sei mesmo se sob suspeita de comunismo -, acusação com que há algum tempo nesta terra pessoas se permitem agravar impunemente a dignidade daqueles que lhes contrariam os caprichos ou não se submetem à sua vontade opressora.
O Sr. Henrique Tenreiro: - V. Ex.ª não tem dúvidas na justiça das autoridades marítimas para averiguarem esse assunto?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Henrique Tenreiro: - É apenas um esclarecimento.
O Orador: - Ainda um outro aspecto de desordem no trabalho marítimo:
As empresas armadoras estrangeiras autorizadas a transportar emigrantes portugueses são obrigadas a embarcar um certo número de criados e pessoal de câmara portugueses para serviço dos mesmos emigrantes. Isto, além dos benefícios directos que acarreta para os passageiros, representa também um modo de dar trabalho a tanta gente inscrita nas capitanias e que não consegue vaga nos navios nacionais. Sucede, porém, que algumas companhias contratam para o serviço da 3.ª classe exclusivamente pessoal português e espanhol (a lei espanhola é, neste aspecto, idêntica à portuguesa), dado que a quase totalidade dos passageiros desta classe são oriundos da Península, mas os criados espanhóis são, às vezes, em número muito superior aos portugueses, não obstante se dar o contrário em relação à nacionalidade dos passageiros transportados.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Isso não deve ser verdade.
O Orador: - Tenho-o como tal.
O Sr. Henrique Tenreiro: - V. Ex.ª averiguou isso na Capitania? Foi ver o rol de matrícula de todos os navios?
O Orador: - E isto acontece porque muitos espanhóis embarcam com matrícula feita no porto de Lisboa, em detrimento dos trabalhadores portugueses.
Se o pessoal de bordo de que as empresas armadoras necessitam fosse fornecido pelos sindicatos, e não pelas capitanias, não seria possível a ocorrência de factos desta natureza, originados no espírito ganancioso de entidades patronais pouco cumpridoras dos seus deveres.
Ao denunciar estas anomalias sociais, apelo para as autoridades a fim de que inscrevam no seu dicionário, ao lado da palavra "comunista", estoutra "comunizante", e a considerem aplicável a todos os detentores de poderio ou de riqueza que negam ao seu próximo a justiça que lhe é devida, a retribuição a que tom direito, o respeito à sua dignidade de homens. A desordem tanto pode vir de baixo como de cima, e a que tem esta última origem costuma ser até bastante mais perigosa do que a outra.
Para quem tem uma formação sólida, tão abomináveis são os crimes do comunismo como os do capitalismo.
Contra uns e contra outros aplique-se o Estatuto do Trabalho Nacional em toda a sua extensão o operem-se
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na administração as reformas que tal aplicação possa vir a exigir.
Para estes aspectos sociais permito-me chamar a atenção do Governo, certo de que a ordem social não pode ser representada simbolicamente por uma corda muito esticada, prestes II romper-se quando menos se espere, em qualquer ponto onde menos seria de prever.
Tenho dito. O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: digo a V. Ex.ª e à Assembleia - e muito principalmente ao Sr. Deputado Jacinto Ferreira - que S. Ex.ª abordou um assunto muito delicado, que não se pode considerar sob o critério rígido, geométrico, de maior ou menor obediência a contratos de trabalho.
Um barco no alto mar, com a respectiva tripulação e cheio de passageiros, tem uma vida muito mais delicada do que aquela que pode ser criada em terra e em escritórios pela mecânica dos contratos de trabalho e pelas relações normais do quotidianismo comercial.
É evidente que os horários de trabalho dos oficiais da marinha mercante devem ser observados; mas há a considerar que um oficial da marinha mercante, com a responsabilidade que lhe dá a sua posição a bordo de um barco, será o primeiro a reivindicar que não o furtem a esse serviço, porque, se tal sucedesse, seria fazerem-Ihe uma ofensa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muitas vezes, por circunstâncias excepcionais que se levantam, tem de ser dirigido um apelo ao serviço extraordinário de um oficial a bordo. Esses serviços extraordinários, que em circunstâncias normais deveriam ser pagos sob a forma de horas extraordinárias, já assim se não podem considerar em condições anormais, e eu tenho a certeza de que os oficiais da marinha mercante portuguesa não aceitariam que se considerassem extraordinários esses trabalhos que eles restam na defesa da vida e dos bens que têm a seu cargo.
Há em tudo isto um espírito de disciplina que ultrapassa os contratos de trabalho, e essa disciplina é a que deriva do facto de os oficiais da marinha mercante serem considerados a segunda linha da frente da marinha de guerra.
Explica-se assim a subordinação, dentro de uma hierarquia moral, à direcção superior da marinha de guerra.
O Sr. Deputado Jacinto Ferreira referiu-se a alguns incidentes que se deram a bordo dum barco da companhia a que pertenço, os quais, por este facto, estou em condições de esclarecer à Assembleia.
Devo dizer, sucintamente, que, por motivos que interessam até ao brio nacional ...
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sim, ao brio nacional!
O Orador: -... o comandante do navio tomou determinadas atitudes ao chegar a um porto brasileiro. É que parte da tripulação desse navio reagira contra as ordens do comandante, e este, para que num porto estrangeiro se não desse um acto vergonhoso de indisciplina por parte dessa tripulação, foi obrigado a tomar as atitudes que tomou.
Quanto à averiguação das responsabilidades, ela pertence às autoridades da marinha de guerra, e com isso nada tem que ver o capitalismo, nem talvez mesmo o comunismo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O orador não reviu.
O Sr. Henrique Tenreiro: - O Sr. Deputado Jacinto Ferreira, antes de fazer à Assembleia a exposição que acabamos de ouvir, deveria procurar informações exactas junto das várias entidades, para assim evitar vir aqui ofender os homens que estão nas capitanias - eu falo em nome dos oficiais da Armada- a resolver os assuntos da sua esfera.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Eu não ofendi ninguém.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra só para um requerimento, que todavia convém esclarecer.
Há três ou quatro anos, sob o patrocínio e impulso da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, a cuja acção se devem sobretudo os contratos - então tidos por vantajosos e fomentadores de progressos -, certa empresa hidroeléctrica obteve de vários municípios do distrito de Santarém concessões de distribuição de energia nas áreas dos seus concelhos.
A empresa recebeu as redes já existentes, pagando-as pelos seus valores ou com obras novas, e estabeleceram-se tarifas, que acarretaram para os consumidores a obrigação de pesados gastos mínimos, mas lhes deram escalões de preços degressivos e ainda a promessa de baixas nos escalões mais adiantados quando entrasse em exploração qualquer das duas centrais hidroeléctricas que a concessionária estava ao tempo construindo. Nesta esperança se foi vivendo e antegozando novas aplicações e desenvolvimentos, até que as centrais foram concluídas e entraram ao serviço há longos meses já.
Muitas e muitas dezenas de milhões de quilowatts-hora desde então elas produziram e a empresa vendeu, mas aquela baixa de preços, correlativa por força dos contratos, não se produziu até agora, sob o pretexto de que as instalações não estão aprovadas nem autorizadas à exploração, funcionando, pois, oficialmente, ainda em regime de experiência.
Vai fazer um ano que certa grande fábrica, reconhecidamente alimentada por uma das contrais, foi inaugurada e funciona, e sabe-se que há quase igual tempo a outra central foi vistoriada e encontrada em termos de ser aberta definitivamente ao serviço; a empresa, porém, teimosamente, pretende que nenhuma delas está ainda em exploração para os fins das suas concessões o respectivas cláusulas de baixa.
Perante os factos, não parece correcta a sua atitude, pois os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e ela nunca demorou a exigência do que lhe é devido. Mas ao público ainda intriga mais o silêncio oficia], em que já vê incompreensíveis conivências; aceitará decerto o que for devido em reajustamentos de tarifas, mas antes disto quer ver os contratos respeitados e executados.
Eis o motivo do meu
Requerimento
"Requeiro que pelo Ministério da Economia sejam esclarecidas as razões que demoram a declaração oficial de abertura à exploração das centrais hidroeléctricas de Pracana, sobre a ribeira de Ocreza, e de Belver, sobre o rio Tejo".
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar. Tem a palavra o Sr. Deputado Teófilo Duarte.
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O Sr. Teófilo Duarte: - As primeiras perguntas que ocorre formular, ao apreciarmos a proposta governamental, são as seguintes:
Porque é que nos é apresentada? Que fins especiais visa ela? Justifica-se porventura agora a alteração do regime político-administrativo que tem regulado a nossa administração ultramarina nas ultimas dezenas de anos? Pois se em todo o nosso ultramar se observa, como aqui se tem afirmado e é exacto, o sossego mais absoluto, sem reivindicações das populações brancas ou de cor, exteriorizadas em fortes movimentos de opinião; se o progresso é palpável, quer no aspecto material quer moral; se é impressionante o contraste entre essa nossa situação e a que se nota em quase todas as colónias dos outros países, convulsionadas por revoltas militares, actos de banditismo ou manifestações de separatismo político; se essa acalmia, enfim, de que gozamos é fruto dum temperamento excepcional de colonizadores e de uma boa legislação reguladora das relações entre a metrópole e o ultramar, porque vamos alterar esta num momento em que não há fundadas reclamações que tal justifiquem?
Tanto para responder a estas perguntas como para cumprir a disposição regimental que nos obriga, na discussão na generalidade, a apreciar a oportunidade dos projectos, começaremos por examinar o que se passa neste momento no mundo colonial, gerador dum ambiente em que nos movimentamos, e em especial naquele que nos pertence.
Serei porventura longo nas considerações que vou fazer, mas a importância da proposta é tal que eu não hesito em classificá-la como uma das de maior transcendência para o futuro da Nação.
Muitos de VV. Ex. tomarão isto talvez como um exagero, mas se pensarem que é em tal proposta que se estabelecem e regulam as relações políticas e económicas entre a metrópole e o ultramar; que é da forma como decorrem tais relações que resulta o bom ou mau entendimento entre as duas partes; que é desse entendimento ou do desacordo que podem ou não derivar animadversões, azedumes e até conflitos que contendam com a nossa soberania; que é da robustez ou da fragilidade dos laços que se criam entre esta pequena faixa atlântica e os territórios dispersos pelas três partes do Mundo que pode resultar ou não a desagregação da obra que vem de há quatrocentos anos; se VV. Ex.ªs considerarem tudo isto, tendo em mente o que sucedeu com o Brasil há pouco mais de um século, certamente não encontrarão .qualquer excesso nas frases atrás mencionadas.
A lei orgânica do ultramar, diploma fundamental da nossa política ultramarina, política essa de que depende quase exclusivamente a nossa valorização internacional, é por isso um diploma que julgo de transcendente alcance.
Entremos pois no assunto, começando por examinar o panorama colonial no que respeita aos outros países.
1) Situação estrangeira.-A posição interna e externa dos povos conhecidos como colonizadores e possuidores de vastos impérios sofreu depois da última guerra um grande abalo, traduzido em restrições de soberania, na desorganização da sua economia, em preocupações, enfim, de toda a ordem.
Tal estado de coisas tem as causas mais diversas.
Umas vezes ele é consequência duma larga evolução operada no seio de populações etnicamente afins dos colonizadores, que atingiram a maioridade e que uma política sut generis desenvolvida pelas metrópoles conduz conscientemente ao estado de independência, ou pouco menos.
É o caso do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia e da África do Sul, países estes habitados, ou quase, exclusivamente por brancos ou por fortes núcleos dos
mesmos, e que, tendo atingido um elevado potencial económico, um certo nível cultural e prestado relevantes serviços ao país de origem, reivindicam agora uma maior liberdade de movimentos do que aquela de que já desfrutavam.
Tal aspiração, representativa de mais um passo a darem no caminho que vem sendo percorrido há anos, é considerada por todos como perfeitamente natural. A independência absoluta de qualquer desses países é uma eventualidade lógica, fatal, a dar-se mais dia menos dia, que não surpreenderá ninguém, nem mesmo quem ela mais afectará: a Inglaterra. É o que se poderá chamar, com maior ou menor propriedade, o termo duma evolução constitucional, ordeira, acordada, digamos, entre as partes interessadas, nas quais não há ódios de raças nem de conceitos.
Outras vezes, porém, os principais protagonistas do drama são povos de raça diferente da dos colonizadores, possuindo uma civilização que se perde na noite dos tempos o com características bem vincadas, povos que esses colonizadores nunca quiseram ou puderam assimilar, e os quais, tendo aproveitado do dominador, a quem odeiam, principalmente os seus ensinamentos no campo do progresso material, procuram libertar-se, com violência maior ou menor, do justiça político e económico em que viveram durante séculos. É o que sucede com a Indonésia, com a Indochina, com a índia. Nestes casos o conflito desencadeado termina por um compromisso mais ou menos equívoco, mais ou menos sincero, ou então pela força das armas.
Há ainda, e finalmente, o dos povos de cor, vivendo num estado de grande atraso material e moral, cujas massas bárbaras e ignaras, espicaçadas por meneurs sem escrúpulos, pretendem imitar o movimento generalizado a tantas regiões.
Falhos de organização e de sentimento colectivo, os seus movimentos concretizam-se principalmente em actos desordenados e criminosos, quer individuais, quer de pequenos grupos, em que se perdem vidas e se destroem riquezas.
Como exemplo desta modalidade temos o que se passa em certas regiões do Quénia e da Malásia.
Todo este movimento efervescente do mundo colonial encontrou incentivo e, mais do que isso, apoio e ajuda nos areópagos internacionais, que se desenvolveram extraordinariamente depois da guerra e nos quais têm uma forte posição países há pouco saídos da condição de colonizados e que por isso olham com simpatia as tentativas daqueles que consideram ainda jugulados por uma tirania de que eles conseguiram iibertar-se.
A recordação desse seu passado, aliada a conceitos dum humanitarismo de exportação bastante nebuloso, equívoco e inadequado às realidades coloniais, ditou a esses países um procedimento e uma atitude que foram bem aproveitados e explorados pelos pseudo-escravizados.
O desenvolvimento, porém, que nos últimos tempos têm tido tais movimentos de libertação desfez muitas ilusões, e o sentimento prático e realista que caracteriza alguns desses países já lhes fez perceber que era errado o caminho que iam trilhando, e, por isso, procura-se agora fazer contravapor.
Há, porém, casos que já não têm remédio, como o da Indonésia, e outros que não se sabe se ainda o poderão vir a ter, como os da Indochina, Tunísia, etc. Semearam-se ventos; há que colher agora as tempestades.
Por sua vez, a Rússia, que joga habilmente com todos estes dados, quer nas mesas das conferências internacionais, em que explora o sentimento anticolonial atrás referido, que enfraquece e diminui a posição da Europa, presa que ela pretende devorar, quer nos bas-fonds das
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rebeliões, que cia orienta, arma e comanda, a Rússía, dizemos, encontra-se sempre presente.
Nas comissões encarregadas de vigiar e fiscalizar a execução de mandatos coloniais são constantes e impertinentes as suas exigências sobre informes relativos à maneira como se exerce a administração, como são tratadas as massas trabalhadoras, como se reprime, enfim, aquilo que ela classifica de exploração capitalista.
Ela não perde nenhuma ocasião de desmoralizar, de enervar, de irritar quer os países mandatários, quer aqueles para os quais se prevê a possibilidade de amanhã trocarem a sua situação actual por outra idêntica à daqueles. Ao mesmo tempo, naquelas zonas em que as possibilidades se lho oferecem mais favoráveis, ela não deixa de, directa ou indirectamente, fomentar toda a espécie de agitação, quer sob a forma de simples movimentos colectivos, quer de revolta armada.
Agitadores russos ou recrutados, nos países mais diversos, mas especialmente naqueles em que se exerce acção tão deletéria, infiltram-se em todas as manifestações, em todas as conjuras, em todos os combates, visando umas vezes a independência desses povos, outras a sua integração mais ou menos disfarçada na União Soviética e ainda outras a simples desordem é criação de dificuldades aos países colonizadores.
O ambiente anticolonial criado por todos estes factores é tão denso, tão ingrato e tão antipático que quase todas as nações que até agora têm vindo desempenhando uma função que sempre foi considerada de grande nobreza se sentem desmoralizadas e quase envergonhadas do seu papel.
E pouco tem faltado para que elas peçam desculpa de terem arriscado vidas, dinheiro e esforços em trazerem para a civilização povos mergulhados na maior selvajaria, com as suas práticas de antropofagia, com as suas lutas diárias, com as suas hecatombes humanas, resultantes da falta de medidas sanitárias e de aproveitamento de recursos alimentares.
Parece que a obra formidável de cruzar os territórios coloniais com caminhos de ferro, estradas e carreiras aéreas, de cavar portos, de arrancar à terra alimentos ou matérias-primas para as indústrias, de apresentar ao Mundo, enfim, milhões de homens que ontem se cobriam com cascas de árvores e que hoje vestem como todos nós, parece, digo, que tudo isso os envergonha, só porque de todo esse esforço colheram por vezes nem sempre certos lucros, que na generalidade dos casos foram sol de pouca dura.
Desses países que há séculos conduzem o movimento colonizador, a sua quase totalidade não tem sabido reagir contra a campanha interesseira ou pseudofilan-trópica que foi lançada: deixaram-se desmoralizar perante ataques sem autoridade; curvaram-se, humildes, perante os acontecimentos; abdicaram, enfim, da função que devia ser o seu timbre de glória, e não terão deixado mesmo de se admirar da posição portuguesa de altivez e resistência à onda subversiva, que há-de passar.
a) Assim, à África do Sul, cujo Governo já em 1989 pusera ao seu Parlamento a questão de saber se o país devia entrar na guerra ao lado da Inglaterra ou manter-se neutral, põe-se agora, por vezes, o problema de saber se deve proclamar a república ou manter-se dentro dá comunidade britânica, eufemismo com que se procura disfarçar uma crítica situação. E se a questão não tomou ainda maior acuidade é isso talvez devido aos dissídios internos que agitam o país. dilacerado por antagonismos entre ingleses, boers, indianos, mestiços e negros, cujos ecos nos chegam diariamente.
Por sua vez, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá negoceiam acordos com os Estados Unidos da América para efeitos da sua defesa militar, e isso bastante à margem da Inglaterra, que não comparticipou, pelo menos oficialmente, em tais reuniões.
As duas Rodésias e a Niassalândia intensificam as negociações entre si e a Inglaterra no sentido de se constituir um forte bloco, ao qual sejam dadas as regalias inerentes à posição de domínios, o que as conduzirá a uma situação de independência igual à dos que atrás se mencionaram.
Outro tanto se esboça com o Tanganica, o Quénia e a Uganda.
A índia, que de entre os grandes países que constituíam o império inglês era o que desfrutava de menores regalias, de um salto força os acontecimentos, coloca-se à cabeça e encontra-se hoje numa situação de privilégio em relação a qualquer deles, com o seu presidente da república, Parlamento, Governo e serviços públicos, donde expulsou é o termo o inglês.
Na Nigéria e na Costa do Ouro o movimento de libertação não é tão acentuado, mas quem visita aqueles países e compara a antiga atitude de sobranceria do inglês com a actual de deferência para com o indígena - contraste resultante da concessão de poderes bastante amplos no capítulo de administração - não pode deixar de se impressionar com a mutação dos acontecimentos.
Isto no que se refere ao capítulo da actividade meramente política, pois no que respeita à manutenção da ordem são numerosos os focos de luta no Quénia, na Malásia, em Hong-Kong e na África do Sul.
Eis, meus senhores, o panorama político dos países sob o domínio inglês.
6) Quanto ao daqueles que pertenciam à Holanda, a atitude dos seus habitantes criou a esta pequena metrópole uma situação desesperada. A Indonésia insurrec-cionou-se e, perante as atitudes hesitantes do Governo dominador, que não ousou servir-se a fundo dos fortes núcleos militares holandeses de que dispunha localmente, ganhou a independência de facto, disfarçando-a, porém, com a sua integração numa comunidade improvisada à última hora.
Pressões externas orientadas no sentido de se condicionarem auxílios financeiros ao compromisso de se ir para fórmulas de transigência, que redundaram em abdicação, levaram a Holanda do príncipe de Nassau e de Stromp a trocar um riquíssimo património pelo conhecido prato de lentilhas concretizado no auxílio do Plano Marshall. O negócio vem revelando-se já mau para quem o aceitou e mesmo para quem o propôs, e cada vez se há-de ir mostrando pior.
b) A França - saída da guerra com um moral baixíssimo, devido aos dissídios internos, que a desmoralizaram e enfraqueceram, trabalhada a fundo pelos agentes do comunismo interno e principalmente externo - mostrou-se nos primeiros tempos incapaz de aguentar o embate de forças centrífugas tendentes a desmembrar um império colonial formidável.
Por isso ela curvou-se perante a exigência por parte dum país estrangeiro, a União Indiana, do plebiscito nos seus enclaves asiáticos, onde realizou o de Pon-dichery, que perdeu; criou a fórmula de confederação dos países da Indochina, que, tendo um significado de fraqueza, incentivou o movimento insurrecional; tolerou e suportou as manobras de comunistas metropolitanos no Norte de África e permaneceu durante anos abúlica e desmoralizada perante os acontecimentos.
Com o tempo, porém, ela foi-se recompondo; o sentimento nacional ganhou ânimo; as forças internas da desordem a soldo do comunismo russo foram perdendo terreno, e então o espírito gaulês, equilibrado, claro e preciso, voltou a impor-se e efectuou a viragem.
Em lugar de evacuar a Indochina, como fizera a Holanda na Indonésia, dá ordem aos seus exércitos para se baterem e não dá sinais de arredar pé dali.
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Na Tunísia e Marrocos já não tolera manifestações visando a sua expulsão; já não cede a intrigas de palácio; usa enfim de mão forte para com actos de banditismo político ou pessoal.
Os seus enclaves da Índia continuam a viver sob a bandeira tricolor, e os protestos periódicos do Governo Indiano contra a sua permanência ali esbarram com uma firmeza cada vez maior.
Por sua vez, as suas colónias da África Equatorial e as restantes vivem sossegadas.
Enfim, a sua situação de hoje é bem diferente da de há anos.
Mas se é certo que ela, no seu conjunto, perdeu a acuidade primitiva, também é certo que bem maus tem sido os momentos por que aquele país tem passado, e isso devido às agitações, a que atrás se fez referência, originadas no forte desejo de independência que anima uma grande parte dos povos que domina.
d) Quanto à Bélgica, ela não conseguiu igualmente escapar ao movimento geral, e as sérias revoltas das suas tropas do Congo, comandadas por graduados negros que criara, e que não deram assim grandes provas de fidelidade, as greves desencadeadas frequentes vezes por sindicatos de operários brancos e o levedar de aspirações da massa indígena, trabalhada por elementos mais que suspeitos, tudo isso criou um ambiente de insegurança e preocupação que não se afasta muito do que mencionamos acerca de outras colónias.
Eis, nas suas linhas gerais, o panorama da situação interna dos diversos aglomerados coloniais e da sua posição para com as metrópoles que os vêm governando há séculos. Ela pode resumir-se na seguinte síntese :
Tendência acentuada, quer sob uma forma ordeira quer insurreccional, para a independentização a breve trecho nalgumas delas e reivindicações prementes para uma larguíssima autonomia em outras, o que tudo cria um estado agudo de incertezas quanto ao futuro nas respectivas metrópoles.
2) Situação nacional. - Passada esta vista de olhos pela situação da Inglaterra, França, Holanda e Bélgica, vejamos se entre nós. se observam fenómenos semelhantes e se há razão para preocupações idênticas àquelas que constituem uma obsessão para os governos daqueles países.
Porventura as populações - brancas do ultramar já se manifestaram ostensiva ou discretamente a favor da independência dos territórios em que vivem, da sua integração em países vizinhos, ou sequer duma autonomia no género dás que desfrutam estes últimos?
Porventura as nossas populações de cor já tomaram idêntica atitude, ou têm acompanhado as de outros países no seu ódio ao branco?
Não! Nem umas nem outras enveredaram por tal caminho, pois não há notícia de manifestações claras ou clandestinas tendentes a conseguir qualquer daqueles dois objectivos, e não há conhecimento de ataques ou represálias para com homens de raça diferente da sua.
A vida decorre normalmente como antes da guerra e, duma maneira geral, a influência do que se passou ou vem passando em territórios vizinhos tem sido nula. Não deixaria de ter interesses explicar as razões de tal contraste, mas o assunto é tão complexo e levaria tanto tempo a expor que não me abalanço a tal. Basta, pois, constatar o facto.
Macau, em que 98 por cento da sua população é chinesa e da qual uma parte alimenta simpatias pelo partido nacionalista e outra pelo comunista; Macau, em que vivem apenas 4000 macaístas portugueses, apesar da vizinhança perigosa que tem tido, quer sob o domínio nacionalista quer comunista, oferece um exemplo de
sossego impressionante, mesmo no que respeita às duas facções contrárias vivendo sob a nossa bandeira.
Por isso, nunca ali houve um levantamento por parte de ninguém -macaístas ou chineses- tendente quer à independência quer à integração no colosso vizinho; não há a animosidade contra o branco que se observa em Hong-Kong, e a pequena cidade do Santo Nome de Deus é, como todos têm verificado, um oásis na paisagem convulsionada do Extremo Oriente.
Em Timor, o indígena, apesar de viver paredes meias com o indonésio, que se libertou do jugo holandês, e de verificar ali a substituição integral das autoridades brancas por outras de homens da sua raça, o que poderia ser um incentivo a imitá-lo; que se sente objecto das tentativas de captação de tais vizinhos, que o desejam integrar no seu império, desejo esse já exteriorizado em declarações públicas dos seus homens de governo; o indígena, digo, continua a fazer a sua vida normal, obedecendo sem relutância às nossas autoridades, e sem pensamentos ou atitudes que contendam com a nossa soberania, não se tendo deixado contagiar pelo exemplo vizinho.
Com a Guiné, tão próxima da Nigéria, Serra Leoa e Costa do Ouro, dá-se outro tanto, e ninguém pensa em apresentar reivindicações no género daquelas a que atrás nos referimos.
Em S. Tomé os serviçais das suas roças, cujo regime de vida tem sido alvo de críticas tão injustas, nunca esboçaram um levantamento em massa contra o branco pseudo-escravizador, nem sequer praticaram casos de agressão individual, nesses meios em que um único branco por vezes regula o trabalho e a vida de muitas centenas de pretos.
Cabo Verde, que tem uma população cujo nível mental médio é o da metrópole; que dispõe de élites que nos cargos mais diversos ombreiam com os seus pares metropolitanos; Cabo Verde, cuja população poderia, pois, enfileirar no número daqueles povos que se julgam com direito à independência, ou, pelo menos, a grande latitude no capítulo da sua administração; Cabo Verde, digo, nunca manifestou tais pretensões e, pela boca do seu Deputado, pede até a sua integração no regime administrativo metropolitano.
Moçambique, por sua vez, vivendo paredes-meias com a África do Sul, em que as populações brancas orientam um movimento no sentido de conseguirem a real independência que já focámos e em que as de cor se agitam contra distinções raciais; Moçambique, vizinha ainda dos territórios das Rodésias e Tanganica, que se encontram a braços com reivindicações visando a posse da situação de domínio a que também já nos referimos; Moçambique, digo. permanece estranha à influência de tais factores, e nem a sua população branca tem exteriorizado desejos de conseguir as regalias desses e doutros, nem as suas massas negras manifestam alteração dos seus sentimentos de respeito e simpatia pelo branco. E outro tanto se poderia dizer de Angola, vizinha das ditas Rodésias, do Sudoeste Africano, que se encontra sob mandato da União Sul-Africana, e do Congo Belga.
Assim, em nenhuma dessas parcelas do ultramar houve fosse o que fosse que representasse uma imitação do que se vem passando em territórios limítrofes ou afastados.
É natural que Angola e Moçambique, principalmente, venham a sentir-se satisfeitas se um dia for dada maior amplitude de atribuições à sua administração, mas tal problema não chegou ainda a ser posto pelas suas populações com carácter imperativo, certamente por se reconhecer que com a situação actual o seu desenvolvimento e progresso em pouco ou nada é prejudicado.
Unia única excepção ao que se acaba de focar houve no conjunto do ultramar português, e essa sem repercussões de gravidade. Quero referir-me à nossa índia.
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Ali deu-se a coincidência do descontentamento da nossa população, provocado pela remodelação do sistema tributário (sempre custa pagar mais), com a proclamação da intenção de abandono da Índia pela Inglaterra, com as reivindicações apresentadas por Nehru, com a fraqueza dos franceses em Pondichery e com a especulação política promovida por agitadores vizinhos.
Certo deputado extremista da União, mais tarde posto a ferros pelo seu próprio Governo, permitiu-se uma vez ir ao nosso território promover reuniões a favor da integração de Goa na grande índia, tentar desencadear um movimento tal, por parte da nossa população, que nos forçasse, a bem ou a mal, ao abandono da nossa Índia e depois repetir a tentativa explorando o descontentamento atrás referido.
As suas objurgatórias não encontraram, porém, o eco que esperava e a sua expulsão do nosso território, conjugada com a prisão de meia dúzia de acólitos, liquidou o pretenso movimento.
Apesar de nessa altura a Índia estar quase sem guarnição militar, as medidas tomadas pelas nossas autoridades não provocaram reacção por parte da população e os cinco ou seis pretensos mártires da independência de Goa ou da sua integração na União Indiana constataram com pesar que a sua atitude não era representativa de um sentimento colectivo e generalizado.
O Governo, porém, no desejo de profundar a questão, determina a realização de uma consulta às aspirações locais, pronto a satisfazer aquelas que lhe forem indicadas e que ele julgue razoáveis, concedendo um estatuto.
Ouve-se, em reuniões, toda a gente qualificada; discute-se o caso em Conselho de Governo; trata-se dele aqui, no antigo Conselho do Império, e, depois de estudada a questão em todos os seus aspectos, não seria difícil chegar a conclusão de que não haveria razão para alterações fundamentais na estrutura orgânica da nossa legislação ultramarina.
Nem o sossego e a ausência do quaisquer reivindicações formuladas em sete das nossas províncias ultramarinas, nem a pequena projecção que na própria Índia tivera o movimento a favor de uma maior autonomia as impunham.
Já decorreram mais do seis anos, por motivos de ordem constitucional, desde que se prometeu o estatuto. E eu pergunto: se ali houvesse realmente um problema político ou administrativo de grande acuidade que interessasse as massas daquele Estado, se a sua resolução fosse instante, se realmente a nossa legislação fosse opressora, poder-se-ia compreender que estes seis anos tivessem decorrido na Índia em sossego, em acalmia, em ordem?
O Governo, porém, prometera um estatuto, e, apesar do que fica dito, trouxe à Assembleia esta proposta, com certas alterações ao regime vigente, a que adiante me referirei, cumprindo assim a sua palavra.
3) A proposta governamental. - Examinada assim a razão de ser da apresentação da proposta governamental, vejamos agora quais as suas características, se elas se acomodam às necessidades políticas e administrativas actuais do nosso ultramar e se contentarão ou descontentarão as suas populações, e em especial as da índia, às quais se procura dar a prometida satisfação de alterar a legislação vigente.
a) As duas reivindicações principais formuladas naquele Estado pelas entidades mais categorizadas da população concretizavam-se no desejo de que os elementos locais tivessem uma maior comparticipação na administração, e, em especial, na composição do seu Conselho de Governo, é que a este fossem dadas maiores atribuições. Este desejo, embora não tivesse sido igualmente exteriorizado nas restantes províncias, é de crer que não deixaria de lhes dar também contentamento.
Satisfaz a proposta governamental tais aspirações, especialmente as da índia, que deram ensejo à sua elaboração?
Disse aqui bem claramente um dos Deputados por aquele Estado, o Sr. Cónego Castilho, que não, e que ela está bem longe de corresponder à esperança que ali se nutria. Justifica ele a sua afirmação com a alegação de que ela concede menor autonomia àquele Estado do que a actual e que a Índia já teve em 1917 uma descentralização administrativa e autonomia financeira em muito maior grau do que a que lhe é dada agora.
Do que fica dito conclui-se que a razão principal do descontentamento da Índia será a diminuição da autonomia local resultante das medidas da proposta, não só em relação ao que existe presentemente, mas ainda em relação ao que ali se esperava, que era o regresso à situação da Carta Orgânica de 1917.
O nosso colega mostra-se francamente partidário do regime de ampla autonomia, conceito este que, segundo as suas palavras textuais, é contrário ao de assimilação ou integração das colónias na metrópole (p. 519 do Diário da» Sessões n.º 192).
Interpretando o sentir da índia, pronuncia-se, pois, não pelo sistema de integração, mas pelo da referida autonomia.
Ora o outro Deputado por aquele Estado, Sr. Dr. Sócrates da Costa,, certamente interpretando também o sentir da mesma Índia que o elegeu, apresenta um ponto de vista perfeitamente contrário ao formular -palavras suas - o voto de que se adopte um regime que exprima a. completa integração da Índia na unidade da Nação Portuguesa; ao rejeitar a ideia de autonomia, que pode conduzir, como diz, ao plano inclinado do self-government, com gravíssimo prejuízo para a população daquela província e contra a sua vontade; ao reivindicar, enfim, para a Índia uma orgânica parecida com a requerida para Cabo Verde, que deve ter um estatuto semelhante ao das ilhas adjacentes, muito embora com certas modificações (pp. 515 e 516 do Diário das Sessões n.º 191).
Como VV. Ex.ªs vêem, os dois conceitos são perfeitamente antagónicos, o como das afirmações de um dos nossos ilustres colegas se conclui que a Índia não ficará contente por não lhe ser dada «gora uma ampla autonomia, sistema este contrário ao da integração, e das do outro, que a mesma Índia seria violentada na sua vontade com a imposição do regime de autonomia, que pode conduzir ao self-government, eu, como certamente VV. Ex.ªs, sinto-me embaraçado, sem saber onde está o verdadeiro pensar da população daquele Estado. E isso porque qualquer daqueles dois nossos ilustres colegas, pela sua alta cultura, pela sua experiência política e pelo conhecimento que possuem do meio, me merecem igual consideração e são igualmente qualificados para exporem os pontos de vista da população numa questão tão candente.
Sem pretender tomar uma posição em tal questão de natureza local, não quero porém deixar de contraditar a afirmação feita pelo Sr. Cónego Castilho quando elo afirma haver uma contradição entre autonomia e assimilação ou integração e rejeita este último sistema.
Julgo haver confusão da parte de S. Ex.ª pois é perfeitamente admissível que um povo abandone os seus usos e costumes e as suas leis para adoptar e assimilar os de um outro que o conquistou e dominou, integrando-se assim na civilização que este possui, e apesar disso gozar de um regime administrativo com maior ou menor autonomia, conforme o temperamento do dominador.
Também não compreendo a sua relutância em aceitar o princípio da assimilação e integração, aliás defendido com brilho pelo seu e nosso colega Dr. Sócrates da Costa, visto que é devido a esse princípio que a nossa Índia tem hoje metade da sua população cristã, que os usos
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e costumes das suas élites são os nossos - o que lhes permite desempenhar as mais altas funções em toda a parte - que tem sido ele enfim que desde séculos sempre informou a nossa política.
O Sr. Cónego Castilho, há vinte e um anos consecutivos vogal do Conselho de Governo da índia, é dos homens que, pela sua inteligência e conhecimentos de administração local, maior e melhor colaboração têm dado aos seus governadores. Vem de há muito a consideração que me merece, devido ao conhecimento que, através das actas do mesmo Conselho, tenho tido da sua actuação; mas julgo que ele não tem* razão quanto ao conceito demasiado restrito com que trata um assunto que implica com a governação de povos de raças diversas e dispersos pelas três partes do Mundo.
Mas entremos na apreciação dos detalhes das aspirações formuladas.
Pretendem os elementos locais da Índia uma maior comparticipação na administração. Mas se esta se encontra hoje - quase integralmente nas suas mãos! Mas se entre as muitas centenas de empregados da nossa administração apenas haverá uma escassa dezena de europeus! Mas se os juízes da .Relação e das comarcas, os engenheiros, os agrónomos, quase todos os chefes de serviços, enfim, são indianos, para não falarmos já do pequeno funcionalismo, em que se não encontra um único metropolitano!
Que mais se pretende pois?
Descontem-se os oficiais e os graduados da guarnição militar e pode-se asseverar com segurança que os europeus de todos os serviços se poderão contar pelos dedos das nossas mãos. E esta invasão em massa nos serviços da administração, ali constatada, dá-se ainda, embora em menores proporções, nas outras províncias.
Em Timor, Macau e principalmente em Moçambique, por toda a parte, enfim, abundam os indianos em todos os escalões da nossa administração, e até aqui, na metrópole, são numerosas e de grande responsabilidade as funções desempenhadas por tantos naturais daquele Estado, o que se é um título de orgulho para. eles, cujos méritos lhes permitem alcançar tal, também o é para nós, que lhes damos ensejo para isso.
Que maior comparticipação desejam eles pois na administração, principalmente de lá?
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença que eu faça uma pequena observação?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Porque teria sido substituído o regime que o Sr. Deputado Cónego Castilho diz ser mais aberto no sentido da concessão de autonomia? Porque teria sido substituído .esse regime de 1917 pelo que lhe sucedeu?
Eu não peço uma resposta para a minha, pergunta; desejo apenas marcar este acto: se existiu um regime que em certo momento foi substituído, importa naturalmente, para o pedido de regresso a esse regime ser bem fundado, mostrar que ele foi mal substituído. E essa demonstração não foi feita. Eu segui o discurso do Sr. Cónego Castilho e não me pareceu que aquilo fosse mostrado.
É o apontamento que eu queria fazer.
O Sr. Castilho Noronha: - Não conheço as razões da substituição do antigo regime pelo outro em 1926.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Algumas razões terá havido, 0 a respeito delas a Assembleia não foi esclarecida.
O Orador: - Eu não tenho tempo para desenvolver o assunto. Mas não quero deixar de dizer que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo tem razão naquilo que observou, porque o regime de exageraria descentralização e autonomia quase absoluta deu lugar a exageros, principalmente cometidos pelos altos comissários dos quais são exemplo típico os do Sr. Norton de Matos, de que resultou !uma situação quase catastrófica.
O Sr. Castilho Noronha: - Na Índia nada houve que pudesse levar à eliminação desse regime.
O Orador: - Eu não quero dizer que os inconvenientes se tivessem verificado em rodas as colónias, mas do uma maneira geral foi assim.
O Sr. Castilho Noronha: - V. Ex.ª dá-me licença para ou esclarecer o meu pensamento?
V. Ex.ª está dando às minhas palavras um alcance e mu significado diferentes daqueles que elas tiveram.
Quando falei do integração quis apenas condenar a política, da excessiva centralização, a integração das províncias ultramarinas na máquina administrativa, da metrópole.
A ideia da descentralização que defendi não é contrária, à unidade da Nação. Se o fosse, o Governo não podia garantir às províncias ultramarinas descentralização administrativa e autonomia financeira, como o fez no Acto Colonial, na Constituição e nas cartas orgânicas.
E quando eu falo em assimilação não pretendo referir-me à assimilação social. Já tive ocasião nesta Assembleia, de marcar este ponto.
Integração na máquina administrativa da metrópole.
O Orador: - V. Ex.ª afirmou textualmente que a política, de autonomia é incompatível com a política, de assimilação. Não é. Um povo pode assimilar os usos e costumes de outro povo e, no entanto, gozar de autonomia. Não há contradição.
O Sr. Carlos Moreira: - Eu julgo que autonomia e assimilação são termos e sistemas que se contradizem.
O Orador: - Um povo pode realmente assimilar os usos e costumes daquele que o dominou e conquistou e, apesar disso, gozar de um regime administrativo o mais autónomo possível.
Idealmente. V. Ex.ª não liga às palavras de assimilação e integração o sentido rigorosamente técnico que lhe dão os especialistas. Em questões coloniais estas palavras têm uma importância enorme.
V. Ex.ª mostra-se contrário ao princípio da integração.
O Sr. Castilho Noronha: - À integração das províncias ultramarinas na máquina administrativa da metrópole; já o disse.
O Sr. António Maria da Silva: - Entendo que a forma de representação de cada província deve estar nos respectivos estatutos, e não na Carta Orgânica.
O Orador: - Mas continuemos. Além da maior participação na administração, que já focámos, pretende-se na Índia também maior representação nos conselhos de governo para os elementos não funcionários e a eleger pela população. Examinemos com cuidado este aspecto do problema, que considero capital e que reputo da maior transcendência de entre todos os tratados na proposta governamental. A meu ver ele é o fulcro em torno do qual gira todo o interesse da Índia pelo seu estatuto.
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Vejamos qual a mecânica actual de certas facetas da administração local que se prendem com o assunto e comparemo-la com a que resultará da aprovação da proposta.
Hoje, naquilo que a lei não estabelece taxativamente ser da competência desta Assembleia ou do Governo Central, é o governador de cada província quem administra, e isso quer de per si, quer assistido por dois órgãos locais, conforme os casos.
No exercício da sua função legislativa é obrigado a ouvir o Conselho de Governo e em certos assuntos dos abrangidos pela sua função executiva a secção permanente do mesmo. E embora um e outro daqueles dois órgãos tenham, como diz a Carta Orgânica, apenas funções consultivas, o certo é que o governador não pode tomar qualquer resolução contra o voto do primeiro: quando dele discorde, só lhe resta o recurso de submeter o assunto à decisão ministerial.
Fixemos bem estes dois pontos capitais do que existe hoje: obrigatoriedade por parte do governador de ouvir o Conselho de Governo e impossibilidade de agir contra o seu voto.
Quanto à composição actual de tal Conselho de Governo, nas duas províncias de governo-geral, Angola e Moçambique - não tratemos das outras para simplicidade de exposição -, ela consta de vogais natos recrutados de entre chefes de serviços, de outros escolhidos pelo governador e ainda de outros eleitos pelas associações económicas e organismos corporativos.
Como estes eleitos são em número inferior à soma dos natos e dos nomeados pelo governador - para a Índia cinco em doze e para Angola e Moçambique cinco em treze -, daí resulta que os conflitos entre governadores e tais conselhos são raros, pois o sentimento de responsabilidade que caracteriza os elementos mais categorizados da Administração, e até certos representantes das associações, faz com que sejam inviáveis dispautérios que umas vezes por outras possam surgir em tais órgãos. Isto é, como dissemos, o que vigora hoje em dia.
Pois bem: a, ser aprovada a proposta em discussão, a posição legal do governador, quer no campo legislativo, quer no executivo, não será fortalecida em detrimento dos conselhos legislativo e de governo, e ela virá a ser a mesma de agora, pois ele será também obrigado a ouvir aqueles dois órgãos, correspondentes aos actuais conselhos de governo e secção permanente, o não poderá tomar qualquer resolução contra o seu voto, pois isso pertencerá ao Ministro.
Mas - e é aqui que há uma mudança radical, toda a favor da população local-, o dito conselho, pela sua composição, passa a ter uma feição inteiramente diferente da actual. É que doravante todos os seus vogais passarão a ser eleitos pela população.
Assim, o Governo pretende dar uma amplíssima representação aos interesses locais, a qual vai até ao extremo de compor o órgão mais representativo da Administração, no aspecto legislativo, só com elementos escolhidos pela população.
Comparando isto que se dá com aquilo que na Índia se pediu quando foi ouvida, e que se limitava a uma simples maioria de vogais eleitos, é-se obrigado a concordar que nestes dois aspectos - serviços burocráticos e composição do Conselho Legislativo - a Índia não tem razão. Os seus filhos terão o domínio absoluto de um e outro. Mas pode-se alegar que certas atribuições que presentemente são dos governadores ou dos seus conselhos passarão para o Poder Central, restringindo-se assim a competência da administração local.
É isso certo no que se refere a algumas delas, mas tal é imposto pela necessidade de coordenação militar, económica e administrativa entre as várias parcelas da Nação, como nos casos da defesa, da montagem de indústrias e da ampliação a certos serviços ultramarinos do critério da integração nos metropolitanos, e isso em continuação da experiência já em curso em certos departamentos. Nisso não se poderá transigir. Em compensação, há, porém, certos aspectos importantes de governo em que a administração local passa a ter maior liberdade de movimentos, como, por exemplo, na confecção dos orçamentos, em que doravante o Ministro se limitará a verificar as condições de equilíbrio e a definir a orientação a seguir para o cálculo das receitas ou a fixação das despesas em vista dos planos de obras ou de fomento e das providências legislativas da sua competência; como no caso da possibilidade de o Ministro dar delegação permanente aos governos locais para regularem tudo quanto respeite aos quadros dos serviços, etc.
Quanto fica dito, e que se pode traduzir na síntese do exclusivismo da composição dos conselhos legislativos por vogais eleitos e da manutenção mais ou menos aproximada das suas atribuições actuais, permite-nos concluir que a afirmação do Deputado da Índia Monsenhor Castilho de que aquele Estado não ficará contente não deixa de causar certa estranheza, porquanto num aspecto, e é o principal, o Governo vai além do que ali se pedia e, no outro, mantém-se mais ou menos a situação actual.
Se a Índia realmente não ficar contente com a iniciativa governamental, ela não terá razão, tanto mais que tal iniciativa, no capítulo da composição dos conselhos, teve contra si o voto unânime dos vogais da Comissão do Ultramar, que nela discutiram o assunto, e que na própria Câmara Corporativa, apesar de o parecer a tal não se referir, a aprovação dada à medida em causa o foi com sérias apreensões por parte da quase totalidade dos seus signatários - o próprio Sr. Cónego Castilho declarou durante a discussão não lhe repugnar o princípio actual da composição mista, desde que os vogais eleitos fossem em maioria.
Por mim, apesar da orientação que sempre tenho defendido - o da intervenção obrigatória dos órgãos locais nas questões fundamentais da administração -, confesso que não deixou de me impressionar aquela unanimidade e os argumentos aduzidos pelos meus colegas que se pronunciaram contra a medida.
Até agora - e já lá vai mais de um século, alegam - os conselhos de governo, compostos principalmente por elementos da Administração, não têm provado mal como órgãos de consulta dos governadores.
Os seus vogais oficiais, dotados duma forte preparação administrativa, conhecedores dos diversos problemas locais e sem necessidade de cultivarem clientelas eleitorais, têm cumprido com seriedade a função de conselheiros dos seus governadores.
Os representantes dos interesses locais, eleitos pela população, sendo em número sempre inferior ao dos outros e sentindo-se enquadrados naquele grupo de técnicos, cuja mentalidade e formação profissional é tudo quanto há de mais contrário, a improvisações, automaticamente e na generalidade dos casos, vem dando igualmente uma colaboração isenta de complicações. Um ou outro que por vezes pretenda assumir atitudes de obstrucionismo sente-se a breve trecho numa situação falsa, e não tarda a arrepiar caminho.
Desaparecido agora o elemento moderador de tais conselhos, e constituídos eles só por políticos, mais ou menos improvisados, que conseguiram obter o sufrágio duma massa eleitoral que nem sequer tem a valorizá-la a consciência profissional das associações económicas, culturais ou corporativas que poderiam ser chamadas a fazer a eleição, o que virá a suceder ? É uma interrogação para que não há uma fácil resposta, e oxalá o
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futuro não venha a justificar as prevenções daqueles meus colegas que se levantam contra uma inovação que é contrária à nossa tradição.
O governador pode opor o seu veto às resoluções inconvenientes do conselho e apelar delas para o Ministro? Este poderá recorrer, quando entender, à sua dissolução ?
Decerto, mas o que não se pode contestar é que a frequência duma ou doutra dessas medidas não deixará de gerar mal-entendidos, criar ambientes de irritação e originar mesmo conflitos entre os representantes da opinião pública e os órgãos da soberania nacional.
Em virtude do que fica exposto, não sei se não seria preferível a adopção da fórmula defendida por aqueles nossos colegas da dita Comissão do Ultramar, isto é, a da continuação da existência de um conselho composto de vogais natos o doutros eleitos, embora o número destes últimos fosse maior que actualmente, medida esta conjugada com a do reforço das suas atribuições.
Ás províncias ultramarinas perdiam a regalia - se é que ela virá a ser regalia - de terem um conselho composto exclusivamente de vogais eleitos, mas ganhavam a de terem, órgãos possuidores de maior liberdade de movimentos, liberdade essa, porém, exercida através dos seus governadores e conselhos, compostos de elementos, pelo menos em parte, convenientemente seleccionados e que não sairiam integralmente da balbúrdia eleitoral, em que se entrechocaria sabe-se lá o quê.
Assim, não me repugnaria ampliar as suas atribuições actuais e manter algumas suprimidas pela proposta.
Por isso entendo que quanto à faculdade de as províncias realizarem empréstimos, se poderia substituir o que se estabelece no artigo 59.º, II, alínea b), da proposta, por aquilo que hoje vigora, dando, pois, maior liberdade aos órgãos locais de administração; o que se estabelece no referente a execução de obras no artigo 13.º, n.º 5.º, alínea c), pelo que também hoje existe; o que respeita a aprovação de normas de constituição e funcionamento dos organismos corporativos, do artigo 4.º, II, alínea b), pelo que também agora está em vigor; o que respeita à faculdade de fazer certas concessões de bens do domínio público - concessões para o estabelecimento de comunicações, de obras e de instalação de depósitos de combustíveis - do artigo 13.º, pelo que agora estabelece a Carta Orgânica e que a Câmara Corporativa entende dever manter-se.
Eu não duvidaria mesmo de ir mais longe, tal qual se entendeu na Comissão do Ultramar, e passar para a competência dos governos locais certas atribuições que a proposta estabelece que sejam do Ministro e que este poderá delegar temporária ou permanentemente.
As necessidades práticas da Administração impõem-se de tal maneira aos defeituosos conceitos teóricos que por vezes norteiam o legislador, que na proposta, como, de resto, já agora existe, se admite a possibilidade da dita delegação.
Por ela os governos locais poderão, pois, regular o que respeita à composição, recrutamento, atribuições e retribuições dos quadros dos serviços públicos, conceder licenças registadas e autorização para instalação de indústrias e realização de obras.
Sempre entendi que um governador actuando localmente e rodeado pelos seus chefes de serviços está em melhores condições para apreciar as necessidades requeridas pelos serviços do que o Ministro, a milhares de quilómetros e aconselhado pelos seus directores-gerais, impossibilitados de conhecerem o funcionamento dos mesmos.
Porque é que há-de ser o Terreiro do Paço a lixar o número de empregados da Fazenda, por exemplo, a proporção dos seus escriturários, o vencimento de cada um e outros detalhes, enfim, que indubitavelmente melhor poderão ser regulados localmente? Desde que os governadores se mantenham dentro dos limites globais de verbas fixados pelo Ministro, de modo a evitarem-se abusos traduzidos em pletora de funcionários ou em retribuições exageradas, à custa das dotações dos serviços, não vejo senão vantagens em que tais assuntos sejam resolvidos localmente; portanto, em lugar da fórmula da proposta. - a da delegarão temporária ou permanente -, eu preferia a da transferência definitiva de tais atribuições para os governadores. É que o facto de a delegação poder ser dada só a quem e quando se entenda, para os assuntos que também se julgue conveniente, e ainda de ser retirada, contribuirá para gerar melindres por parte dos governadores e conselhos de governo, que não deixarão de reparar que a colegas seus ou a órgãos similares de outras províncias se dê aquilo que a eles se não ofereceu, ou que mesmo, porventura, se lhes recusou.
Estas são as considerações que se nos oferece apresentar ao exame de VV. Ex.ªs no que respeita à composição e atribuições dos conselhos, principalmente nas províncias de Angola, Moçambique e Índia, e que se podem resumir no seguinte: apreensões sobre a vantagem da forma como passarão a ser constituídos e discordância da restrição das suas atribuições.
Talvez não deixasse, pois, de convir inverter os dados do problema nesta questão da composição e atribuições dos conselhos, que deve ser encarada em conjunto.
Passemos agora ao exame da maneira como se fará a eleição dos vogais do Conselho. Estabelece a proposta que para a Índia, além da representação a dar aos contribuintes e outros eleitores que possuam determinados requisitos, também isso se faça aos representantes das comunidades e das associações económicas e organismos corporativos.
Para Angola e Moçambique, porém, estabelece-se um critério diferente, não mencionando a representação a dar às associações e organismos congéneres daquele Estado. Porquê esta exclusão? Pois se nestas duas últimas províncias o movimento associativo é mais amplo que na Índia; se ele tem uma intensidade de vida maior que o daquele Estado; se as associações de comerciantes, agricultores e industriais pululam nas suas principais divisões administrativas; se os organismos corporativos tem, enfim, um desenvolvimento que não se compara com o de além; porque não se ter em atenção tais factos?
E porque não dar igualmente representação às associações de carácter cultural e às missões religiosas, que hoje representam uma actividade importantíssima, de desenvolvimento paralelo e até certo ponto complementar, da governamental? Quanto à representação a dar às populações indígenas, que a proposta estabelece seja feita por indivíduos propostos pelo Governo, embora nomeados pelo conselho de governo, sem mencionar, porém, quaisquer requisitos especiais, parece-me que era preferível a fórmula actualmente em vigor, estabelecida pela Carta Orgânica, e que confia tal encargo a elementos saídos do seio das ditas populações.
Muito mais haveria que dizer a respeito quer dos conselhos legislativo e de governo nas províncias de governo-geral, quer dos conselhos de governo e secção permanente nas restantes, mas a quantidade de assuntos tratados pela proposta obriga-nos a restrições, pelo que focamos apenas os aspectos capitais do assunto.
b) Tratado o aspecto político da proposta, que, como disso, para mim é o dominante, passemos agora, ao exame dos principais tópicos da mesma no aspecto económico e financeiro, que não poderemos desenvolver convenientemente devido ao adiantado da hora.
Quanto à instalação de indústrias, estabelece-se o princípio de que ela será condicionada, à ideia da coorde
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nação com as metropolitanas, e tanto quanto possível como seu complemento económico.
A primeira parte compreende-se e tem a sua defesa, pelo menos da minha parte, visto já ter a minha opinião presa ao que expus quando do Plano de Fomento e que se traduziu na fórmula seguinte: montagem das indústrias onde quer que isso se pudesse fazer em melhores condições, sem distinguir entre localizações metropolitanas ou ultramarinas.
Quanto, porém, à ideia da proposta de que as indústrias de além-mar deverão ser na medida do possível econòmicamente complementares das metropolitanas é que não compreendo onde se quer chegar, nem consegui que certas pessoas muito versadas, nestas questões também o alcançassem.
Até agora temos ouvido defender critérios bastante diferentes neste capítulo, como o exclusivismo da industrialização para a metrópole, a sua liberdade em todo o território nacional e o condicionamento a circunstâncias de natureza económica. É, porém, agora a primeira vez que só fala em complemento económico.
Na prática, como se efectivará tal conceito?
A indústria têxtil, por exemplo, poderá continuar a montar-se lá fora, quando a metropolitana já tem capacidade de produção para todo o mercado nacional?
Podendo a indústria ultramarina vir a produzir para o consumo local os artigos que hoje ainda são na sua maioria fornecidos pela metropolitana, deverá ela classificar-se de indústria econòmicamente complementar ou econòmicamente concorrente?
Os tecidos para a indumentária do indígena, os cobertores - que é o que avulta lá fora nas importações deste ramo -, passariam a ser produzidos lá, em prejuízo do fabrico de cá? Ou a dita cláusula obrigaria à vedação de tal actividade local?
As indústrias correlacionadas com a da pesca não serão de futuro autorizadas no ultramar no caso de as daqui voltarem a trabalhar a um ritmo regular e a abastecerem não só o mercado nacional, mas visarem ainda a exportação?
A industrialização local das oleaginosas vai deixar de prosseguir, para não se retirar a indústria metropolitana o mercado ultramarino, mesmo aquele que lhe fornece a matéria-prima e que tem possibilidades de fazer a sua industrialização?
Interrogações estas que não tem fácil resposta, e por isso só me afigura mais conveniente a adopção da fórmula proposta pela Câmara Corporativa, que não é geradora de incertezas e equívocos perigosos.
Outra questão de certo melindre é a que se refere à moeda. Estabelece a proposta que os bancos emissores do ultramar devem tomar como padrão do valor das suas notas o escudo. Daqui tira a Câmara Corporativa a conclusão de que desaparecerão o angolar, a rupia e a pataca.
Será assim?
As dúvidas que se tem levantado a respeito de tal interpretação indicam a vantagem de se alterar a redacção, de modo a que elas desapareçam em assunto de tal melindre, no caso de ser de perfilhar tal critério. Terá ela defesa? O assunto já aqui foi tratado pelo Deputado de Macau, e por isso não o abordo, assim como à sugestão da fusão ou apoio mútuo dós fundos cambiais, de modo a conseguir-se a convertibilidade de todas as notas ultramarinas na moeda nacional.
Dada a existência de dois bancos - o Ultramarino e o de Angola-, em condições tão diferentes no que se refere a reservas da sua circulação, é este um assunto de grande melindre e que requer um estudo profundo das entidades principalmente interessadas.
c) Não queremos deixar de fazer também uma referência à mudança de orientação que estabelece a proposta no que respeita à existência das grandes divisões territoriais estabelecidas pelo legislador de 1933.
Este entendeu que, em lugar de Angola e Moçambique deverem continuar a ter, directamente dependentes do governador-geral, quinze ou vinte distritos, como até então, era preferível que eles se agrupassem num pequeno número de grandes divisões -as províncias-, cujos governadores passariam a ter maiores atribuições. Aliviar-se-ia assim o governador-geral do trabalho a que o obrigava o contacto directo com tantas autoridades e efectuar-se-ia uma maior descentralização na administração.
A ideia sempre me pareceu boa, e ainda agora mantenho a mesma opinião, e, se ela não deu os resultados esperados, foi isso devido mais a defeito de execução que de concepção. É que, assim como certos Ministros, de opiniões ou temperamentos fortemente centralizadores, tinham a preocupação de absorver por vezes as atribuições dos governadores-gerais e de se lhes substituírem, outro tanto faziam estes aos de província.
Talvez devido à constatação de tais resultados, a proposta agora regressa à fórmula antiga e estabelece como único elo entre os administradores de concelho ou de circunscrição e o governador-geral apenas os governadores de distrito. E como, por exemplo, em Angola há oitenta e tantos concelhos ou circunscrições, a força das circunstâncias levará ao seu agrupamento em quinze ou vinte distritos, dependentes directamente do governador, o que, junto aos chefes de serviço e aos dos organismos económicos e corporativos, que despacham igualmente com ele, fará com que a situação antiga se agrave e muito.
Julgamos que tudo quanto seja multiplicar em excesso os laços directos entre o governador-geral e os serviços só tem inconvenientes, e que no estado de desenvolvimento em que se encontram Angola e Moçambique é preciso descentralizar convenientemente as funções, para o que se impõe a criação de órgãos competentes o devidamente qualificados.
Por todas estas razões, julgo que o princípio orgânico das grandes divisões territoriais previstas pela Carta Orgânica se deveria manter e irmos até mesmo para a criação de lugares de secretários provinciais.
Haveria ainda que detalhar o problema do pagamento por parto da metrópole das despesas que a Câmara Corporativa considera de soberania, e as quais, dentro do espírito de unidade que informa a nossa legislação, não se compreende que não sejam compartilhadas pelo ultramar. Citarei um exemplo para estranhar que, havendo institutos para a preparação de missionários exclusivamente destinados ao ultramar, este não comparticipe nos subsídios governamentais que lhes são concedidos.
Haveria ainda a observar que também a disposição de que as despesas com o pessoal dos quadros comuns serão pagas em conjunto e em proporção com as receitas orçamentais de cada província dá lugar a grandes dúvidas sobre o que se pretende fazer. Cada uma pagará apenas aos funcionários do dito quadro que nela servem, como agora sucede, ou a sua contribuição é independente de tal circunstância, como parece deduzir-se do referido artigo, segundo a interpretação da Câmara Corporativa?
Não deixaria de ter interesse referir-me aos aldeamentos da população, já ensaiados em larga escala nos últimos anos em Angola, e os quais reputo duma importância fundamental para a vida económica das empresas e do próprio indígena, os quais, porém, não passarão duma aspiração, no caso de a lei não exprimir a sua obrigatoriedade por parte das empresas.
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Nas considerações que venho fazendo guiei-me pela proposta governamental, e não pelo parecer da Câmara Corporativa, e isso porque a orientação doutrinária nos aspectos dominantes é a mesma, embora reconheça que tanto a sistematização como a redacção e inclusivamente certas concepções do parecer são mais convenientes que as da proposta.
A Câmara Corporativa, criticando o que ela chama a ordem ilógica da disposição de determinadas secções do capítulo VI, a ausência da enumeração de princípios no título I, cuja epígrafe é isso mesmo, a extrema deficiência da sistematização das ideias dominantes, o desrespeito pelas lições que se poderiam colher da consulta da legislação anterior do mesmo género, pelas sugestões que se podem retirar da ciência do direito administrativo colonial, e afastando-se de determinados conceitos da proposta, tão mal tratada através de todo o seu parecer, a Câmara, digo, refundiu-a por completo, tornando-a irreconhecível no seu aspecto dispositivo.
Não obstante o valioso relatório-documentário da Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Ultramar que acompanhava a proposta, parece-me, porém, que haveria mais vantagem em a Assembleia orientar a discussão do assunto, seguindo o texto do referido parecer, trabalho de alto valor que muito honra quem o fez e quem o perfilhou.
Sr. Presidente: vou terminar respondendo às perguntas que formulei ao começar estas considerações.
Entendo que o sossego, o progresso e a ausência de gerais reivindicações de natureza político-administrativa que se notam em todo o ultramar português não tornavam imperiosa a modificação da actual estrutura orgânica da nossa legislação ultramarina. Simples correcções no género das que se vêm fazendo há anos satisfariam as exigências da Administração impostas pela evolução dos acontecimentos.
Desde, porém, que o Governo tomou determinados compromissos, havia que cumpri-los, e por isso é de aprovar o seu critério, promovendo a remodelação do diploma fundamental da nossa legislação.
Quanto aos princípios gerais que informam a sua proposta, são eles de aprovar, com as correcções resultantes das considerações que fiz, e que se podem sintetizar na seguinte fórmula: reivindicação para o Poder Central do direito de fixar as grandes directivas por que se deve orientar a administração local, assim como do de fiscalizar quanto ali se passa, e concessão de maiores poderes do que os actuais aos órgãos da administração local, alguns dos quais poderão ser mais amplamente representativos dos interesses da população do que os que existem presentemente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será- amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Délio Nobre Santos.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Joaquim Mendes do Amaral.
Manuel Colares Pereira.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA