Página 587
REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198
ANO DE 1953 6 DE FEVEREIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 198 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretarios: Ex.mo Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente, declarou aberta, a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente mandou ler os telegramas de agradecimento que recebera dos Srs. Presidente da Casa dos Comuns, da Inglaterra, e do Parlamento Holandês, a propósito do pesar manifestado pela Assembleia relativamente aos efeitos terríveis dos temporais naqueles países.
O Sr. Deputado Amaral Neto requereu informações do Ministério do Interior quanto ao número de assinantes do Diário do Governo e do Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta mandou para a Mesa nota de um aviso prévio sobre, a necessidade de revisão da Lei n.2049.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu vários elementos sobre funcionalismo das embaixadas, legações e consulados portuguesas.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a Carta Orgânica do Ultramar:
Falaram os Srs. Deputados Armando Cândido e Carlos Moreira.
O Sr. Presidente encerrou, a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Página 588
588 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente : - Estão na Mesa telegramas dos Srs. Presidentes da Casa dos Comuns, da Inglaterra, e do Parlamento Holandês agradecendo os votos de pesar que esta Câmara formulou pelas grandes catástrofes que assolaram aqueles países.
Vão ser lidos.
Foram lidos. São os seguintes:
«Ex.mo Presidente da Assembleia Nacional. - Lisboa. - Estou profundamente grato a V. Exª. pelo seu telegrama de simpatia pelo povo britânico no seu atroz desgosto causado pelas inundações.
Rogo transmita, aos membros da Assembleia Nacional o sincero apreço de todos os membros da Casa dos Comuns.
W. S. Morrison, speaker».
«Ex.mo Presidente da Assembleia Nacional - Lisboa. - Em nome da Segunda Câmara, dos Estados Gerais, testemunho à Assembleia Nacional de Portugal o meu vivo reconhecimento pelo seu pesar na ocasião do terrível estalinismo que fere o nosso país.
L.G. Korlenhorst, presidente».
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que pela Imprensa Nacional, através do Ministério do Interior, me seja dada informação, com referência a 31 de Janeiro próximo passado:
a) Do número de assinantes da. 1.ª série do Diário do Governo;
b) Do número de assinantes do Diário das Sessões da Assembleia Nacional».
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: quando em 1931 foi discutida, nesta Assembleia a proposta de lei em que se transformou o Decreto-Lei n.º 37 666, ratificado com emendas na sessão de 18 de Janeiro de 1950, tive a honra de subscrever, juntamente com alguns ilustres colegas, uma proposta de aditamento ao artigo 170.º no sentido de a condenação em custas dos conservadores e notários nos recursos originados pela recusa em efectuarem registos ou praticarem actos que lhes tivessem sido requeridos ficar restrita aos casos de dolo ou erro de ofício.
Esse aditamento foi por assim dizer a solução de compromisso que se encontrou entre a opinião daqueles, como eu, que entendiam e entendem que os conservadores e notários em caso algum deveriam suportar condenação em custas e a de outros que se inclinavam para o sistema do Código de Processo Civil, isto é, para a condenação em custas sempre que fosse proferida decisão ordenando a efectivação do acto recusado ou registado provisòriamente.
Mesmo assim, a proposta de aditamento não logrou vencimento, por pequena margem de votos, muito embora tivesse por si o peso da opinião do Sr. Deputado Dr. José Gualberto de Sá Carneiro, membro da Comissão de Legislação e Redacção, como o tinha sido já da comissão revisora do Código de Processo Civil de 1939.
E recordo que numa das sessões dessa, comissão revisora, como consta das respectivas actas, o ilustre Deputado e insigne jurista usara, de argumentos de valor em defesa do seu ponto de vista que, não obstante, não convenceram a maioria da comissão.
A Lei n.º 2 049 restabeleceu uma disposição do Código de Processo Civil que não tinha tradições na nossa legislação.
Pelos Regulamentos do Registo Predial de 28 de Abril de 1870 e de 20 de Janeiro de 1898 a condenação dos conservadores em custas dava-se apenas quando houvesse dolo da sua parte nas recusas.
O Código do Registo Predial de 8 de Março de 1928 foi mais longe e tornou extensiva a condenação aos caos de dúvidas e recusas contra, lei expressa, mas o de 29 de Setembro seguinte regressou ao sistema anterior, que, por sua vez, não durou muito tempo, pois o código imediato, de 4 de Julho de 1929, restabeleceu a disposição do código de 8 de Março.
Porém, em 1930, q Decreto n.º 18 742 introduziu, pela primeira vez, o princípio da condenação dos funcionários em custas, sempre que os motivos das dúvidas e recusas fossem julgados improcedentes, mas a inovação não obteve sufrágio por muito tempo revogada que foi, e bem revogada no meu entender, menos de três anos após, pelo Decreto n.º 22 253. que restabeleceu o código de 1929, actualmente em vigor.
O regime manteve-se até à promulgação do novo Código de Processo Civil. A comissão revisora, por maioria como frisei, entendeu dever regressar à dis-
Página 589
6 DE FEVEREIRO DE 1853 589
ouvida disposição do Decreto de 1930, e os conservadores e notários tornaram a ver suspensa sobre as suas cabeças a empada aguçada, de uma condenação que. como já foi dito nesta. Assembleia pelo nosso ilustre colega Dr. Lima Fuleiro, e corresponde à realidade tios factos, pode levar os funcionários a o praticar actos que não deveriam praticar ou a deixar de praticar outros que deveriam praticar, ou a aceitar a posição passiva de nunca recusar ou duvidar», com manifesto prejuízo do prestígio da função e do interesso das partes.
O Decreto-Lei n.º 37 666 foi produto de exaustivo estudo baleado na experiência de muitos anos e o complemento necessário do diploma que criou a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, primeiro passo para a transformação da defeituosa orgânica dos serviços de registo e de notariado em que vivíamos. E desse estudo chegou-se à conclusão de que em nenhum caso era de aceitar a condenação em distas dos funcionários. A Assembleia, foi, porém, de parecer contrário.
A experiência, trazida, pela vigência da lei actual, e falo com conhecimento de causa, como aliás a do Código de Processo Civil, impõe a necessidade de se regressar ao sistema tradicional da condenação em custas sómente nos casos de dolo ou de recusa e dúvida contra lei expressa.
Como salientava, muito justamente, o Sr. Dr. Ulisses Cortês quando, na qualidade de membro da comissão revisora do Código de Processo Civil, relatou a matéria, o regime de custas deve ser igual ao estabelecido paru os juízes que apenas podem ser condenados quando houver dolo no seu procedimento ou quando tenham julgado contra lei expressa.
E se a rigidez dos princípios tem de ceder perante as exigências das necessidades práticas, não é hoje, que existe uma Direcção-Geral dos Registos e do Notariado suficientemente prestigiada e com a função essencial de orientar superiormente os serviços o resolver as dúvidas o as reclamações que se suscitarem na execução da lei e dos regulamentos, não é hoje. que a. acção disciplinar sobre os funcionários é real o compreensiva, ao contrário do que sucedia não há muito anos, que será lícito recear que os conservadores e notários deixem de praticar qualquer acto que lhes seja requerido ou o pratiquem provisoriamente com mira um interesses materiais ilegítimos, o que aliás, só por excepção se poderia dar ou se dava.
Isto quer dizer que o problema necessita de ser revisto e resolvido à luz dos princípios informadores e orientadores da orgânica actual do registo predial e do notariado e do que a experiência hoje nos ensina.
Tenho, portanto, a honra de enviar para a Mesa, nos termos do artigo 49.º do Regimento da Assembleia Nacional, a presente nota de aviso prévio sobre a necessidade de ser revisto o regime das custas nos recursos dos conservadores e notários, mormente a disposição do artigo 166.º da Lei n.º 2.049, de 6 de Agosto de 1951, que estabelece a condenação em custas daqueles funcionários.
Tenho dito.
O Sr. Pinto Barriga: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, nos termos regimentais, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me sejam fornecidas as seguintes informações:
1.º Normas de admissão que não constarem de disposições legais do pessoal assalariado nacional e estrangeiro das nossas embaixadas, legações e consulados;
2.º Instruções e despachos que regulam a sua situação quanto a salários o licenças, sobretudo em caso de doença;
3.º Se se estabelecem processos individuais dos assalariados nos arquivos do Ministério;
4.º Qual é critério da fixação para as categorias do pessoal de carteira e, no caso de haver motoristas assalariados com remuneração superior a qualquer empregado de carteira, as razões discriminadas dessa aparente desigualdade;
5.º Só esses assalariados (de carteira) podem substituir pessoal de careira e em que condições;
6.º Se nos postos onde há pessoal do sexo feminino a admissão deste foi motivada pela carência de pessoal masculino com idêntica capacidade».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: cômoro pelo artigo 1 .º da proposta, em debate, que divido o ultramar português em oito províncias integradas no território nacional, e pergunto se as realidades não caminharam já à frente., das palavras, dando razão à iniciativa do Governo.
O caldeamento de desígnios e de energias avançou tanto no processo evolutivo que não sei se temos nas mãos uma lei inovadora ou uma carta do reafirmação.
Sente-se nesta proposta a vitória da unidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não reproduzo o texto do artigo 2.º mas saliento a nota de que a organização política o administrativa do ultramar se deverá ajustar à estrutura unitária e corporativa do Estado Português.
Sublinho no artigo 22.º a organização militar uma para todo o território da Nação Portuguesa a no artigo 23.º a possibilidade, de ser declarada extensiva; outros serviços públicos de carácter nacional a unidade da organização e de quadros de pessoal em todo o território português.
Sigo a ideia dominante:
Jurisdição do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas no ultramar; abolição da pena do degredo; unidade política mantida através do governos-gerais ou governos de província directamente subordinados ao Ministro do Ultramar; nacionalização e aproveitamento metódico dos recursos e possibilidades naturais do território ultramarino para a economia nacional; integração progressiva, das entidades, por si e pelos seus capitais, no conjunto da economia nacional; o escudo metropolitano como padrão do valor das notas dos bancos emissores do ultramar; unificação tanto quanto possível, e exceptuadas as três províncias do Oriente, dos direitos aduaneiros nas relações comerciais com os países estrangeiros e redução desses direitos, gradualmente, até desaparecerem, entre a metrópole e as províncias ultramarinas e nestas entre si e a metrópole; subordinação à nação à influência cultural das Universidades portuguesas e institutos afins de todos os estabelecimentos de ensino do ultramar, oficiais ou particulares; a bandeira nacional, símbolo da soberania e da unidade política da Nação Portuguesa, rematando a lei, no artigo 8.º como chancela imortal de uma estrutura que não admite falhas nem desvios.
Página 590
590 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198
Estas directrizes emergem do texto constitucional. A proposta, ao desenvolvê-las, procura dar-lhes a feição prática mais conveniente. E, por mais que na discussão na especialidade as palavras piquem o problema, «lê há-de ser, há-de constituir sempre, um problema de unidade disposto a alcançar a plena fusão das gentes e dos territórios portugueses no mais amplo conceito de nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que muito se progrediu sob a vigência do Acto Colonial, da Carta Orgânica do Império Colonial Português, e da Reforma Administrativa Ultramarina. Mas repare-se mis divisões do Mundo, nesta carreira para a chamada total de forças morais e materiais, neste desespero de mobilização para enfrentar o pior, neste empenho de ganhar tudo antes de arriscar tudo, e consideremos se é possível ou aconselhável continuarmos a subir como até aqui, sem um esforço para ganhar três ou quatro degraus de um só passo.
As províncias distantes hão-de estar preparadas para repelir as infiltrações desenraizadoras e para resistir a todos os maus embates que porventura lhes reservem os acontecimentos futuros. A primeira condição depende do modo de ser perdurável o sentimento português em todas elas. Mas é preciso dar à irradiação desse fundo empaco apropriado, livre quanto possível, para agir com a lealdade que se lhe reconheço e sujeito o bastante para se sentir compreendido no espírito que o anima.
Por isso, ao estabelecer-se o regime geral ultramarino, se ressalvaram as condições peculiares de cada território, ligando todos às bases mestras e distinguindo-os com estatutos especiais reclamados pelas suas. características diferentes, nomeadamente sob o ponto de vista social, económico e cultural.
A descentralização administrativa e a autonomia financeira garantidas pelo título VII da parte II da Constituição serão ajustadas - é o que se dispõe no artigo 3.º da proposta - ao estado de desenvolvimento e aos recursos de cada província, nos termos do estatuto que será promulgado para cada uma delas.
Mas não é só a aceitação das condições especiais de cada província. Há na reforma que estamos estudando um outro ponto de extraordinária importância: é aquele que se levanta dos artigos 38.º, 39.º e 40.º quando, ao definirem a competência dos órgãos legislativos fios governos-gerais e ao atribuírem o exercício dessa competência ao governador-geral, a mandam exercer conforme o voto de um conselho legislativo, corpo electivo de representação adequada às condições do meio social.
A Câmara Corporativa, depois de se referir a «um certo mal-estar político subsistente numa ou noutra província» por causa «do sistema de governo e de administração talhado uniformemente para todas» e de apoiar a criação de estatutos que sirvam as condições específicas de cada qual apreciando a instituição de conselhos legislativos de constituição electiva e de funções deliberativas, mostra a necessidade que há de «dar acrescida audiência aos interesses e à opinião local, através de adequada representação nos órgãos de governo de cada território», e esclarece «que a inovação não se traduz no plano inclinado que conduz à autonomia, ao self-government colonial, o passo que lógica e historicamente antecede a independência política integral, a plena descolonização»; que os conselhos legislativos não detêm a plenitude da competência legislativa para o território a que respeitam, pois parte da legislação a vigorar emana de órgãos legislativos metropolitanos; que a superitendência, da metrópole não é letra morta; que existe um governador, com a plenitude das funções executivas, representando a autoridade do Governo de Lisboa e só dele dependente.
Tomo como belas afirmações de grandes e justas verdades que gostamos de repetir, sobretudo de reconhecer, estas passagens do brilhante comentário da Câmara Corporativa:
O nosso sistema é, pois, uma construção original, com a virtude de dar relevo aos interesses e à opinião pública local, sem comprometer a unidade política de todo o território português.
Mantemo-nos fiéis nestes meados do século XX à concepção clássica portuguesa em matéria de política e administração ultramarina, sem deixar de dar tradução às novas realidades e as novas exigências sociais e políticas, que impõem a intervenção directa dos colonos e dos naturais de cada território na regulamentação e disciplina dos seus próprios interesses: conciliamos os comandos do passado com os imperativos do presente e, não negando nem uns nem outros, caminhamos calmamente pela senda do futuro, que outros povos colonizadores percorrem em sobressalto, vendo esboroar-se-lhes nus mãos os seus imporias.
Quem poderá, Sr. Presidente, negar a dupla oportunidade política desta lei orgânica do ultramar?
Internamente, alargámos a nossa prática de nação, integrando nela mais valores activos, pelo direito que se lhes atribui de legislarem sobre os seus interesses e aspirações.
No plano internacional, dispomos de mais unia grande prova da nossa capacidade civilizador.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O ilustre Deputado Prof. Sousa Pinto, que viveu e governou em África, disse-nos no decorrer desta discussão que «nenhum outro europeu pode gabar-se de encontrar no indígena do continente africano as atitudes de acatamento e respeito que cercam o branco português dentro e até fora dos nossos territórios».
Exemplificando, citou o facto de um simples chefe de posto, nos confins das nossas mais extensas províncias, poder «deixar em casa a sua mulher inteiramente só, ou com os filhos, sem que leve consigo a menor preocupação ou receio «obre u sua segurança».
Ainda não há muito dizia-me alguém que presenciou o batuque de Marracuene por ocasião da visita dos estudantes de Coimbra:
Se visse o espanto de uns poucos de estrangeiros que por lá estavam também a assistir. Os indígenas, aos milhares, exibiam as suas armas ... e nós todos desarmados e tranquilos.
Não foi sem razão, Sr. Presidente, que fomos os primeiros no caminho dos descobrimentos. A Providência tinha, de conceder essa excepcional missão a um povo que não temesse arriscar vidas para ganhar almas e que soubesse preparar almas para salvar vidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como se tornam ridículos esses tais conciliábulos secretos para a partilha de terras que transformámos para o Ocidente melhor do que ninguém, em espírito de fraternidade cristã e solidariedade patriótica para esse mesmo Ocidente que nos queria mutilar, não sabendo que se mutilava!
Vozes: - Muito bem!
Página 591
6 DE FEVEREIRO DE 1953 591
O Orador: - Sr. Presidente: entrei na discussão para vincar estas linhas fundamentais. Mas não me sofre o ânimo que deixe em sossego alguns aspectos que já foram tratados por oradores que me precederam e outros ainda virgens do comentário parlamentar. Abro um parêntese:
Todo o estudioso dos assuntos do ultramar tem notado com certeza o atraso na publicação dos respectivos dados estatísticos.
Com referência a Cabo Verde não apareceram ainda os anuários de 1946 a 1951 e os volumes sobre o comércio externo de 1949 até àquele último ano.
Da Guiné faltam os anuários de 1950 e 1951 e o movimento do comércio externo durante o mesmo período.
Quanto às restantes províncias, o rol é o seguinte: S. Tomé, comércio externo de 1951; Angola, anuários de 1950 e 1951; Moçambique, anuário de 1951, estatística agrícola de 1949, 1950 e 1951 e estatística industrial de 1950 e 1951; índia, anuários de 1949, 1950 e 1951 e comércio externo de 1948 a 1951.
Recorri ao pormenor da enumeração para dar ideia nítida do atraso que se verifica na publicação dos resultados a que chegaram os serviços estatísticos do ultramar - digo assim porque desconheço se o atraso provém em parte ou no todo do rendimento dos próprios serviços e para pedir, com a devida base, à grande compreensão e à grande boa vontade do Sr. Ministro do Ultramar remédio pronto para tão grande mal.
Feita esta nota, volto ao curso principal das minhas considerações.
O artigo 26.º da proposta estende ao ultramar a jurisdição do Supremo Tribunal Administrativo.
Não se conformando com o texto, a Câmara Corporativa insiste nos argumentos já usados no seu parecer n.º 10/V e assim torna a chamar a atenção para a especialidade da legislação e da administração ultramarinas de um modo geral e para a insuficiência do quadro dos juízes do Supremo Tribunal, o que importaria a criação de uma nova secção destinada ao julgamento das questões do contencioso ultramarino.
Entendo que numa reforma desta natureza a secundária desvantagem financeira traduzida num pequeno aumento do quadro dos juízes de um tribunal não deve contar. Vamos já bastante longe na demonstração de uma economia severa, que tem dado as suas provas no equilíbrio e nos saldos orçamentais, mas nem por isso deixamos de melhorar os serviços,, sempre que a conveniência pública a isso nos obriga.
Uma despesa útil nem sempre ë uma despesa inevitável, mos uma despesa necessária é, por via de regra, uma despesa útil. Precisamente a estabilidade desta despesa com o alargamento da jurisdição do Supremo Tribunal Administrativo é o que a Câmara Corporativa põe em dúvida. Mas, e salvo o devido respeito, carece de melhor razão.
A solução da proposta não visa só a acabar com as dificuldades na destrinça das competências entre o Supremo Tribunal e o Conselho Ultramarino: visa, segundo creio, a executar mais um propósito de unidade. E, a ter de se alargar este propósito, prefiro francamente que a plena jurisdição caiba a um tribunal, e não a um conselho, por melhor constituído que este seja.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A especialidade da legislação e administração ultramarinas também não é óbice que me desarme.
Cada vez há menos mundos fechados neste Mundo e raros vão sendo os sectores transcendentes para a preparação que a vida e as circunstâncias do nosso tempo impõem aos homens de hoje.
O que é preciso, antes de mais, é saber se este ou aquele revelam capacidade de domínio em face dos problemas que lhes são postos.
Especialidade das leis e da administração ultramarinas, quando se trabalha na preocupação de conhecer este Portugal todo para o compreender e servir no conjunto ! ...
O ultramar já não é a distância misteriosa ou a distância lendária. As parcelas dispersas aproximaram-se tanto que o fenómeno da integração total deixou de ser aspiração difícil para constituir certeza irrevogável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não me demoro mais na apreciação deste aspecto e pego naquele que a proposta enche com a unidade do sistema penal e prisional, acabando também, neste domínio, com a diferença entre metrópole e ultramar.
Depois de 28 de Maio de 1936, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 26 643, a pena de degredo passou a cumprir-se nas penitenciárias da metrópole, como pena maior, reduzida de um terço na duração. No entanto, os tribunais nunca deixaram de condenar em degredo os réus incorriam nessa pena, segundo o Código Penal vigente.
Somos de fundo tão saudosista que por vezes nos chegamos a esquecer de pôr as palavras de harmonia com os actos.
Ainda em Janeiro passado teve o Supremo Tribunal de Justiça de lavrar, por sinal com grande divisão de votos, um assento estabelecendo que na metrópole não podia haver condenação discriminativa no lugar do degredo.
«Nas províncias ultramarinas não se ordenará nem se cumprirá mais a pena de degredo, ficando revogadas quaisquer disposições gerais ou especiais» (artigo 28.º da proposta).
A Câmara Corporativa louva a medida. Qualquer das disposições propostas sobre o regime preventivo e repressivo dos crimes merece aplauso, diz, mas ressalva, na redacção que preconiza, a criação no ultramar de estabelecimentos penais para a maior segregação de delinquentes em especial políticos ou comuns de difícil correcção, para maior intimidação quanto a delinquentes de muito graves infracções, quando esteja indicada a prisão acumulada com o afastamento para regiões remotas, e para facilitar a correcção de delinquentes primários ou de criminalidade derivaria :de razões de ambiente.
A Câmara Corporativa, ao fundamentar nesta parte o seu parecer, recorda que o pensamento de utilizar os delinquentes nos planos de colonização é velho na nossa história, pelo menos tão velho como as Ordenações, e cita o nome do Prof. Ataliba Nogueira como defensor do processo para a colonização interna do Brasil.
O Brasil pode adoptar a ideia dentro das suas fronteiras. Nós, para a utilizarmos, temos de a conduzir para o ultramar. É diferente.
Sem diminuir a admiração que nutro pelo ilustre relator do parecer e por todos os que o acompanharam, dando-lhe a sua plena concordância, estou em preferir a redacção da proposta até que se estudem, com a necessária demora, as modificações a introduzir no sistema prisional, de forma a não prejudicar o seu carácter de lei s«m excepções para todo o território português. Com a simples e natural transferência de reclusos, quando aconselhada, entre os estabelecimentos prisionais de igual natureza existentes, tanto na metrópole como no ultramar, poderia, por exemplo, chegar-se a resultados satisfatórios.
Página 592
592 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198
Este aspecto da discussão. é bastante melindroso, principalmente para aqueles que defendem o povoamento - prefiro ,esta designação à .de colonização - por elementos de escol.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contrariando a preocuparão de unidade que comanda, toda a proposta, reduz-se no artigo 70.º o desenvolvimento industrial das províncias ultramarinas a complemento económico, tanto quanto possível, das indústrias da metrópole.
A Câmara Corporativa comentou e modificou a redacção do artigo, invocando os princípios básicos da unidade e da coordenação, aliás já dispostos na Lei n.º 2 005, de 14 de Março de 1945.
Como se faz referência ao diploma especial que em obediência ao princípio que ficar consignado regulará o condicionamento e a acção fomentadora de novas indústrias no ultramar o, convém dizer mais alguma coisa sobre o assunto.
As duas guerras mundiais tiveram uma influência decisiva na industrialização da África.
Nações, como a França e a Inglaterra, que se viram profundamente diminuídas no seu poder defensivo pela destruição total ou parcial de muitos dos seus principais centros produtores de armas e abastecimentos, tiveram de lançar mão de posições menos vulneráveis.
Não foi só na Austrália, no Canadá, na África do Sul, nas índias que nasceram as indústrias pesadas, de tecidos e de produtos alimentares.
A Rússia, designadamente a partir de 1935, tem fundado e desenvolvido na Sibéria grandes organizações industriais.
A Argentina e o Brasil, com os seus grandes espaços virgens e distantes, chamam há muito a atenção dos chefes do revigoramento ocidental.
O general Marshall chegou a declarar que, se não fossem os produtos da bacia do Amazonas, dificilmente os aliados teriam ganho a segunda guerra mundial.
A África não pode estar fora deste quadro. A guerra transbordou para cima de uma parte do seu território. Sofreu dificuldades, privações. Isto despertou nos seus povos mais adiantados á revolução industrial. As grandes nações da Europa - as maiores do bloco europeu ocidental - são as primeiras a atear essa revolução. Precisam dela.
Pode considerar-se muito ultrapassada a época da civilização puramente pastoril, de que a Europa tirava proveito absoluto, pegando nas matérias-primas e fornecendo produtos manufacturados.
Lembremo-nos de que a África possui mais de 40 por cento de todas as reservas de energia hidráulica do Mundo, contra 15 por cento na América do Norte, 17 por cento na Ásia e cerca de 12,5 por cento na Europa.
Para esmagar dúvidas não há como os números. Cito mais estes:
l 190, milhões, de cavalos-vapor aguardam em África a sua utilização. Representam o equivalente a 5 780 milhões de trabalhadores manuais, duas vezes e meia a população do Globo.
Quem olhar para o mapa das indústrias africanas há-de ver que elas principiaram a situar-se junto dos portos e raramente ao longo desta ou daquela via férrea. Mas não tardará que o fumo das chaminés se eleve do coração do continente negro.
Na Rodésia existem já boas manchas industriais.
Como parar, pelo que nos respeita, esta tendência, este fatalismo histórico?
Tornando a indústria ultramarina complemento da indústria metropolitana?
Já uma vez me ocupei aqui foi durante a efectivação do meu aviso prévio sobre os excedentes demográficos do fomento industrial do ultramar, como processo de elevação rápida das densidades populacionais brancas.
Então, referi três pontos: a estreiteza do mercado interno, a dificuldade da colocação nos mercados externos e as exigências da coordenação, de modo a prevenir a concorrência desastrosa com as indústrias já montadas na metrópole.
Por causa das reflexões que fiz a propósito e que se me afiguraram e se me afiguram razoáveis, podem tomar-me como partidário de fórmulas e .conceitos opostos às realidades actuais. Mas eu não fugi ao entendimento do que existe: procurei relacionar as forças que despertam com as que caminham há muito e condicioná-las no melhor equilíbrio possível, pára que se não reduzam ou se percam. Para tanto bastará defender e continuar a concepção da unidade económica da Nação Portuguesa, pela «coordenação entre o desenvolvimento industrial de todas as suas parcelas».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o que pretende, com o meu inteiro aplauso, a Câmara Corporativa, através do seu parecer, eliminando da proposta a ideia de que as indústrias ultramarinas são ou devem ser acessórias das indústrias metropolitanas.
Sr. Presidente: reparo que estou sendo longo e desejo terminar. Mas releve-me que o não faça sem dar combate a duas observações que se fizeram nesta tribuna :
Perguntou o Sr. Deputado António Maria da Silva, a propósito do artigo 76.º da proposta, que manda os bancos emissores do ultramar tomarem sempre o escudo metropolitano como padrão do valor das suas notas, se valeria a pena mudarmos agora de padrão.
Sou ainda do tempo em que circulava nos Açores a chamada «moeda insulana». Um dia começámos a perder essa excepção e há muito que ela deixou de existir.
Opõe-nos o ilustre Deputado o seu conhecimento da vida de Macau, a ligação da nossa pataca com a pataca de Hong-Kong ... Mas, até mesmo neste terreno, não obstante as prováveis perturbações de momento, nós já temos idade e autoridade bastantes para não dependermos de quem quer que seja a ponto de lhe sacrificarmos o código da nossa unidade.
O Sr. António Maria da Silva: V. Ex.ª dá-me licença ?
O Orador: - Com todo o prazer.
O Sr. António Maria da Silva: - Nos Açores estão portugueses, ao passo que em Macau nós somos, uma pequena gota de água nesse oceano que é a China. Nós é que fomos atrás da China, nós é que adoptámos a moeda deles.
Quando os Europeus chegaram à China, ela tinha por base o tael-peso e vendia e trocava todas as suas mercadorias fazendo o pagamento mediante o peso da prata.
Os Ingleses, que no comércio são mestres, quando a China abriu o seu comércio aos estrangeiros, quer dizer, quando começou a ter transacções com os estrangeiros, viram, em 1860, a conveniência de irem atrás de uma moeda com que mais facilmente pudessem fazer as suas transacções.
Desde 1112 antes de Cristo que eles tinham a sapeca, que era uma moeda de cobre, e os Ingleses viram que era conveniente haver uma moeda unificada em toda a China, mas fomos nós, muito antes de os Ingleses che-
Página 593
6 DE FEVEREIRO DE 1953 593
garem a Hong-Kong, quem viu a conveniência de se introduzir a pataca. Depois de os Ingleses terem ocupado Hong-Kong introduziram, em 1860, também a pataca, e a este padrão chama-se «padrão do Pacífico». Vem desde Singapura até Tóquio.
Nós somos muito pequenos. Macau é tributária de Hong-Kong e não podemos fugir à nossa dependência de Hong-Kong; aí fazem-se negócios astronómicos. Ora os Chineses negoceiam em grande escala, através de Hong-Kong, com as grandes potências comerciais do Mundo e com Portugal têm transacções comerciais em muito menor escala,.
Ë por isso que entendo que, para facilidade do comércio, nós não deve-mos sair dó padrão da moeda actualmente em curso em Macau.
Além disso, o Banco Nacional Ultramarino deve ter milhões de dólares ide Hong-Kong, que tem o mesmo valor da nossa pataca.
Porque havemos, pois, de mudar de moeda?
Toda a gente sabe que o escudo tem muito valor, mas é preciso também não esquecer que a pataca é que facilita o negócio em Macau, apesar de circularem hoje na China muitas outras moedas.
O Orador: - V. Ex.ª acaba de fazer a história da evolução da moeda na China e eu não discuto os factos passados, aceito-os como verdades que repousam no fundo do tempo.
Mas toda a história tem um fim, que mais não seja para dar lugar a outra história. É certo que a pataca tem larga tradição na Asia, desde Singapura até Tóquio, como diz V. Ex.ª, mas tradição não quer dizer força estagnada. A tradição pode definir-se mesmo ou deve definir-se como estado de evolução permanente. A tradição não pára, caminha, tem de adaptar-se, adapta-se continuadamente ao mundo das circunstâncias, que se renovam e modificam na vida dos homens e das nações.
Não estou seguro do alcance da proposta do Governo no que respeita ao desaparecimento imediato ou gradual da pataca. Nem sei, ao menos, o que a Câmara Corporativa pensa nesse domínio, apesar de ter anunciado o desaparecimento total das patacas.
Como defendo aqui o sentido de unidade que informa e comanda toda a proposta do Governo, agrada-se a solução que ela oferece, ou seja a de ir lançando o escudo, como moeda-base, em todas as províncias ultramarinas, em todas, sem excepção.
O valor da unidade defendido pelo Governo é o argumento principal que me leva a estar do lado da proposta, mas V. Ex.ª disse que na própria China circula hoje uma porção de moedas diferentes.
Aproveito a confissão útil.
Porque não havemos de utilizar o momento, neste particular providencialmente feliz, para começarmos em Macau a impor o escudo como moeda-base?
E porque razão, no fim de contas, há-de haver na metrópole o escudo e nas províncias ultramarinas outras moedas?
O Sr. António Maria da Silva: - Em Macau, comercialmente, somos muito pequenos: ao passo que a China tem grandes negócios com o Mundo inteiro - com a Austrália, com a América e até mesmo com a Europa, quase que não tem transacções com Portugal.
Se nós em Macau fôssemos comercialmente fortes, se pudéssemos impor a nossa moeda, então estaria bem que saíssemos da combinação que vigora actualmente.
O Orador: - Somos muito pequenos, Sr. Deputado António Maria da Silva, pequenos de corpo, mas grandes de génio.
Falou V. Ex.ª da combinação, que vigora actualmente. Sabe V. Ex.ª se o Governo já tratou ou está tratando de modificar qualquer acordo feito?
S. Ex.ª não sabe nem eu, mas não é ilícito pôr a hipótese.
O Sr. Vaz Monteiro: - Aqui há um equívoco.
O Governo não pretende impor o escudo como moeda circulante em Macau.
Não se pretende fazer circular o escudo metropolitano em Macau ou noutra província ultramarina.
A proposta de lei mantém as moedas locais, e portanto em Macau continuará a circular a pataca em todas as transacções comerciais a que se referiu o nosso ilustre colega Sr. António Maria da Silva.
O que a proposta de lei vem estabelecer de novo é sómente no sentido de valorizar as moedas locais, e portanto valorizar a pataca de Macau.
O Sr. António Maria da Silva: - Mas nós não temos força para isso no campo comercial da China.
O Orador: - Respondo a s. Ex.ª, Sr. Deputado Vaz Monteiro, v. Ex.ª afirma que a proposta do Governo mantém nas províncias ultramarinas as moedas locais. Acredita, portanto, na sobrevivência das patacas. É uma interpretação.
Eu preferi, e prefiro, discutir a reforma no campo da abolição dessas moedas. Do que não estou, como disse, é seguro do processo quanto à sua acção rápida ou demorada .
O escudo, Srs. Deputados, está honrado e cotado no Mundo inteiro. São mais do que horas de lhe passar o comando como moeda-base em todo o território nacional.
E vamos à segunda batalha:
Insurgindo-se contra a letra do n.º 3 do artigo 80.º da proposta do Governo e contra a redacção que lhe dá a Câmara Corporativa no seu parecer, o Sr. Deputado Castilho Noronha descreveu em fundo ameaçador as consequências resultantes desse estranho facto que é o de Portugal, numa lei portuguesa, com referência ao ultramar português, determinar que no território nacional nenhum estabelecimento de ensino que, no todo ou na maioria, seja frequentado por portugueses possa «estar filiado em Universidades ou estabelecimentos equivalentes de países estrangeiros ou ensine exclusiva ou predominantemente segundo os seus programas».
Não compreendo, não quero compreender, recuso-me a compreender os termos em que o comentário do ilustre Deputado por quem, devo dizer, tenho a maior consideração foi feito nesta tribuna.
Suceda o que suceder, fechem ou não fechem escolas, emigrem ou não emigrem estudantes, os estabelecimentos de ensino que funcionarem no território nacional, com frequência, no todo ou na. maior parte, de alunos portugueses, hão-de ensinar, apesar de tudo, contra tudo e acima de tudo, exclusiva ou predominantemente segundo programas portugueses.
O contrário seria a incoerência, o atropelo à lógica, a morte da unidade.
O Sr. Castilho Noronha: - As considerações que V. Ex.ª acaba de fazer estão bem na esfera dos princípios, mas a realidade é outra. A atitude de V. Ex.ª nesta questão é a de quem não viveu o problema na Índia.
O Orador: - Estimo que V. Ex.ª reconheça que as minhas considerações estão bem na esfera dos princípios. Não vivi o problema na índia, mas devo dizer a
Página 594
594 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198
V. Ex.ª que existem problemas que podem ser apreciados a distância. Este que estamos discutindo é um deles. Os princípios fundamentais que devem regular o funcionamento das escolas em território português, designadamente aquelas que são frequentadas totalmente ou na maioria por alunos portugueses, podem ser abertamente vistos de qualquer parte de Portugal - abertamente vistos e abertamente vividos.
O Sr. Sócrates da Costa: - As escolas chamadas «de inglês» silo escolas portuguesas de ensino em inglês e que já estão regulamentadas em Goa; o que se pretende é que essa regulamentação vá a ponto de se reforçar o ensino do português e da história de Portugal sem prejudicar os alunos nas habilitações que procuram adquirir .para se lançarem na vida. Concordo com V. Ex.ª quanto à tese, mas o problema não poderia ser resolvido no estatuto administrativo de cada uma das províncias?
O Orador: - O que V. Ex.ª. diz é muito diferente do que foi dito pelo Sr. Deputado Castilho Noronha.
Sinto a satisfação de ver confessada por V. Ex.ª a sua concordância com a minha tese, mas V. Ex.ª acrescenta que talvez se resolvesse melhor a questão tirando da proposta a respectiva base e deixando para o estatuto especial a solução perfeita do assunto, reforçando-se o ensino do Português e da História de Portugal, sem se prejudicar os cursos dos estudantes que pensem em colocar-se, porventura, na grande índia.
Pode ser um remédio, mas há-de ser difícil deixar de se consignar nas bases da lei orgânica o princípio de ordem geral ...
O Sr. Sousa Pinto: - E preciso que as bases que dizem respeito a este assunto fiquem com a elasticidade necessária para permitirem o que for julgado conveniente.
O Orador: - Perfeitamente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço a palavra para fazer uma distinção entre ensino oficial e ensino particular. As considerações que V. Ex.ª fez são absolutamente pertinentes quando se trata de ensino oficial.
Quando se trata de estabelecimentos de ensino particular a questão põe-se em termos diferentes. Há uma coisa da qual não podemos prescindir: é que nos estabelecimentos de ensino particular na Índia não se deixe de ensinar Português e História de Portugal.
Uma coisa são estabelecimentos de ensino particular o outra estabelecimentos de ensino oficial. A única diferença que pode aparecer está aio «predominantemente».
Havemos de encontrar nós que trabalhamos com o mesmo intuito- uma solução para o «predominantemente».
O Orador: - Desejava saber se o Sr. Deputado Mário de Figueiredo tem opinião formada acerca do que deve ser nas próprias escolas particulares o programa predominante.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Aqui, nos estabelecimentos particulares, há ensino com .programas próprios. Mas há uma coisa de que não podemos prescindir: que nesses estabelecimentos se ensine Português e História de Portugal.
O Orador: - O ambiente que rodeia a escola particular em Portugal é diferente do ambiente que rodeia a escola particular no Estado da índia. Quero eu dizer que, se numa escola particular da metrópole se ensinar por programas que não sejam predominantemente portugueses, os resultados desse ensino não perturbarão o ambiente, que os sufocará nos seus efeitos porventura perniciosos. Mas se isso se der no Estado da índia, se permitirmos que ias escolas particulares, portuguesas ou estrangeiras, ensinem lá pela cartilha estrangeira, exclusiva ou predominantemente, o caso muda, porque as consequências serão as de «se avolumarem no ambiente os afeitos que se anulam na metrópole.
A distinção que V. Ex.ª fez não me parece, pois, que diminua a pertinência das minhas considerações.
O Sr. António Maria da Silva: - Durante treze anos fui membro do Conselho de Instrução Pública de Macau ë tive ensejo de verificar que há muitas escolas chinesas, e estas escolas submetem a aprovação o respectivo programa, para vermos se ele está ou não em condições de ser adoptado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas o problema de Macau é outro.
O Orador: - Se o Estado da Índia é um pedaço de Portugal, como se afirma e se demonstra, aí também a escola terá de ser essencialmente portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vivemos na hora inadiável de apertar os laços entre as unidades dispersas que compõem essa unidade maior que é a Pátria. Não podemos, não devemos deixar um laço frouxo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria o maior erro do presente a ser julgado no futuro. E não desejo colaborar nesse erro, não quero ser réu voluntário no tribunal de amanhã.
Que me perdoem o fogo da vibração, mas que se debrucem e meçam bem o fundo da minha razão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: determina-se na proposta do Governo que a bandeira nacional, como símbolo de soberania e de unidade política da Nação Portuguesa, será hasteada no ultramar - nas residências dos governadores e de outras autoridades, nas fortalezas, nos demais edifícios públicos, nos navios, durante as cerimónias que o justifiquem.
A Câmara Corporativa sustenta que a disposição não tem direito a assento na lei orgânica. Talvez. A bandeira da Pátria flutua tanto nos nossos corações, sagra e distingue tanto este Portugal que o mar não divide, que não sei mesmo se é nela que as leis se imprimem ou se é nas leis que a sua sombra se desenha.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: a presente proposta de lei contém-se no seguimento de uma política de reconstrução ultramarina e de contínua integração de todos os territórios portugueses e respectivas populações na unidade nacional.
Para bem dizer, e de uma maneira geral, não renova nem inova, antes prossegue no desenvolvimento de uma política que vem desde as raízes da nossa expansão.
Página 595
6 DE FEVEREIRO DE 1953 595
De sempre o espírito colonizador e civilizador da nossa raça permanece obediente a esse alto imperativo histórico: chamar ao nosso convívio de cristãos e portugueses os territórios e populações que fomos descobrindo e afeiçoando - unidade na pluralidade de terras e de povos, de costumes e de leis.
Bem merece, pois; o Governo da Nação, e designadamente o ilustre Ministro do Ultramar, louvores e aplausos pela apresentação da proposta de lei que se discute.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No seu aspecto fundamental e geral
por mim julgo - ela satisfaz aos fins em vista.
Sr. Presidente: esta Assembleia tem demonstrado, pelo número e valor das intervenções dos seus membros, quanto o problema é digno de estudo e de reflexão. Sempre nesta matéria se reconhece quão melindroso é quebrar tradições e métodos de política e de administração.
Convém afeiçoar, corrigir, melhorar, mas persistir
na longa e salutar experiência colhida, sem nos deixarmos arrastar por doutrinas inconsistentes, apesar da novidade dos tempos, e talvez até por isso mesmo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Referia eu, Sr. Presidente, o relevo que a Assembleia tem vindo a atribuir à matéria da proposta em discussão. Após uma análise cuidadosa da mesma e do parecer da Câmara Corporativa, têm surgido anotações de crítica construtiva sobre os diversos pontos da matéria.
Seria, pois extemporâneo, ou pelo menos dispensável, que me debruçasse demoradamente sobre o conjunto da proposta ou em relação a todos os assuntos de que a mesma trata.
Limitar-se-á assim o meu modesto contributo a três pontos:
1.º O exercício das funções legislativas dos governos provinciais e o desempenho das funções executivas dos respectivos governadores (gerais ou de província);
2.º A organização administrativa provincial;
3.º O exercício da função judicial.
Sr. Presidente: no bem ordenado parecer da Câmara Corporativa o Digno Procurador Dr. Francisco Vieira Machado, com a autoridade que lhe advém de antigo colonialista e Subsecretário e Ministro das Colónias, negou o seu voto à orientação da proposta de lei, por, aia sua maneira de ver, representar um perigoso retrocesso.
Em meu entender, o conjunto e compleição total não oferecem o perigo de tal retrocesso. Mas há pontos em que, efectivamente, um tal ou qual retrocesso se verifica, e julgo que, aliás, sem vantagens que se vislumbrem.
Um desses pontos é precisamente o que enunciei sob o n.º 1.º:
O exercício das funções legislativas dos governos provinciais e o desempenho das funções executivas dos respectivos governadores.
O regime vigente nesta matéria estabeleceu uniformidade em todas as províncias: um Conselho de governo, com uma secção permanente; aquele para ser ouvido pelo governador no exercício da competência legislativa que lhe é atribuída ou para emitir parecer sobre todos os assuntos respeitantes ao governo e administração que, para esse fim, lhe forem apresentados pelo governador; esta ,para dar parecer sobre determinadas matérias referidas no artigo 37.º da Carta Orgânica vigente e pronunciar-se sobre todos os assuntos que lhe forem submetidos (pelo governador, em harmonia com o artigo 38.º da mesma carta.
Sr. Presidente: pertenci durante quatro anos ao Conselho do Governo e sua secção permanente da província de Moçambique, terra a que ficou indelevelmente ligada a minha profunda afeição. Esta a razão fundamental do conhecimento que domina e orienta as minhas breves considerações.
A proposta de lei em discussão destrói aquela uniformidade a que atrás me referi. Note-se: uniformidade quanto aos organismos e atribuições, não quanto à constituição, como, aliás, é óbvio e natural, se se atender à extensão dos territórios e à natureza e grau de adiantamento das suas populações.
Estabelece a presente proposta dois padrões: um para as províncias de governo-geral e outro para as de governo simples.
Para as- primeiras cria um conselho legislativo (artigo 39.º da proposta) e um conselho de governo (artigo 44.º).
Para as últimas estabelece apenas um só órgão: um conselho do governo, acumulando as funções atribuídas àqueles dois organismos das províncias de governo-geral, isto é, atribuições legislativas- e executivas (artigo 46.º).
O motivo da diferenciação não deve ter sido o da extensão territorial, visto que as funções coexistem, e com a mesma importância, em cada unia das províncias ultramarinas.
Também não deve ser a feição económica ou social a determinante da diferenciação, pois estão mais- distantes entre si as províncias de governo-geral do que algumas distam de outras de governo simples. Basta comparar com as duas grandes províncias de África o Estado da Índia e Macau ou Guiné e Timor.
De Cabo Verde, por exemplo, poderemos dizer que melhor se adaptaria ao regime insular dos Açores e Madeira de que ao daquelas províncias africanas.
Em parêntese direi não ser porventura ousado esperar que para essa solução se esteja caminhando, e da qual o Governo será, sem dúvida, o melhor e mais oportuno juiz.
Parece-nos, assim, que o motivo da diferenciação deve ter sido o da massa populacional ou, melhor ainda, o do volume da população civilizada.
Se assim é de facto, julgo que também a diferenciação se não justifica, pois não é difícil, mesmo nas províncias de menor volume de população civilizada, obter, com possibilidades de renovação, adequada representação electiva nos conselhos de governo.
Sem dúvida que, tanto numas como noutras províncias, é possível estruturar os conselhos dentro da realização do princípio do artigo 152.º da Constituição Política, isto é, os governos ultramarinos exercerem as funções legislativas «conforme o voto de um conselho em que haverá representação adequada à» condições do meio social».
Pode e deve variar o mimem e a qualidade dessa representação, mas dentro da execução do mesmo princípio constitucional.
Quanto às funções executivas dos governadores, dispõe o artigo 155.º da Constituição que elas a são desempenhadas pelo governador, que, nos casos previstos na lei, será assistido de um corpo consultivo». Este, como tem acontecido no regime orgânico vigente, e cujos resultados tem sido plenamente satisfatórios, continuaria a ser a secção permanente do conselho de governo.
Quanto à composição do conselho, tenho a impressão de que o artigo 40.º da proposta em discussão vai além do conteúdo constitucional, pois neste, segundo o referido artigo 152.º da Constituição, «haverá representa-
Página 596
596 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108
cão adequada às condições do meio social», ao passo que, segundo o artigo 40.º da proposta, ele será exclusivamente um corpo electivo.
Com permissão de V. Ex.ª, Sr. Presidente, eu leio:
Leu.
O salutar princípio de Tiniu representação mista de membros natos, nomeados e eleitos viria assim a ser substituído, segundo a proposta, pelo princípio puramente democrático de uma totalidade de membros eleitos.
Não vejo razões para que assim, tenha de acontecer, sabida como é a. natural evolução e construção política, dos estados contemporâneos, designadamente do Estado Português.
Não esqueçamos que tanto o conselho legislativo como o conselho de governo são órgãos de colaboração com o governador, pois a competência tanto legislativa como executiva é exercida, por este, sendo assim de aconselhar que se eliminem entraves à acção do supremo magistrado da província, que precisa de ser pronta e eficaz. Estas premissas conduzem-me à conclusão lógica de que é desaconselhável a constituição total e porventura até em maioria - de qualquer daqueles organismos por vogais eleitos.
A expressão de anseios ou crítica, aliás indispensável e benéfica, ficará suficientemente assegurada sem que se exija a totalidade ou até a maioria de membros electivos.
Tratemos agora da projectada, divisão administrativa.
Sr. Presidente: sempre temos vindo afeiçoando, com as inteligentes correcções e adaptações, a organização e desenvolvimento dos nossos territórios de além-mar à construção política e administrativa da metrópole; é esse, em meu modesto entender, um dos fundamentos essenciais da integração de pluralidades territoriais e populacionais numa forte e coesa estrutura, da unidade nacional.
Nesta ordem de ideias, tudo aconselha que se fomente e desenvolva o sistema de uma descentralização administrativa, adequada, evidentemente, à situação geográfica e às condições do meio social, como se determina no artigo 134.º da Constituição.
A proposta de lei, fiel ao tradicional vínculo municipal das populações locais, estabelece no artigo 33.º a divisão-base em concelhos, tal qual como o Código Administrativo vigente em relação à metrópole.
Prevê a mesma disposição na continuidade de uma política firmada com os melhores resultados a existência de circunscrições administrativas enquanto não for atingido o desenvolvimento económico e social previsto na lei.
Em plano inferior, semelhantemente, admitem-se as freguesias e os postos administrativos.
E em plano superior estabelecem-se os distritos.
Até aqui está tudo certo. Admite-se, porém, na proposta de lei uma outro, figura administrativa: a intendência.
Circunscrição territorial ou simples magistratura administrativa intermediária entre as autoridades dos concelhos e circunscrições e os governadores dos distritos?
A base III do artigo 33.º da proposta dispõe: «nos distritos em que a política indígena assumir aspectos predominantes as circunscrições e as áreas não urbanizadas dos concelhos poderão também subordinar-se a intendências, para os fins da melhor direcção ou fiscalização da referida política».
Convém, antes de prosseguir, marcar que a intendência aqui referida, e não definida, é matéria diferente da categoria de magistrado» do quadro administrativo com a designação de intendentes. Poderemos, talvez, dizer que esta a uma designação genérica de uma categoria de funcionários e aquela uma designação específica.
Ora não me parece necessária a existência de intendências com a função limitada de exercerem uma melhor direcção ou fiscalização da política indígena nos distritos em que esta assumir aspectos predominantes. Trata-se apenas de um dos aspectos da administração, não se vendo especial vantagem na existência de autoridade ou organismo intermédio entre o distrito e a circunscrição e áreas não urbanizadas dos concelhos.
Porque não conceder tais atribuições ao governador do distrito, através de serviços designadamente destinados a tal fim?
Seria o que, aliás, acontece quanto ao governo da província, com as repartições dos negócios indígenas.
Nem é de argumentar contra esta solução com a alegação da circunstância de os governos dos distritos ficarem sobrecarregados, pois é natural que naqueles onde predomine a política indígena seja, por isso, menos absorvente a administração que respeite a civilizados e assimilados, e vice-versa.
De resto, seria ainda preferível aumentar ligeiramente o número de distritos a. criar as intermediárias intendências, destacadas da administração distrital.
Em Moçambique, e a título de exemplo, nove distritos satisfariam, penso eu, as justas aspirações locais e preencheriam todos os aspectos da administração, sem ter que distinguir a política indígena senão na distribuição e arrumo das repartições e serviços. A título de simples sugestão ao Governo, esses distritos (devo declarar que percorri demoradamente o território da província) estaria indicado que fossem os seguintes: Lourenço Marques, Gaza, Inhambane, Beira, Quelimane, Tete, Lago, Nampula e Porto Amélia.
Passemos ao terceiro ponto da minha, intervenção neste debate: o exercício da função judicial.
A Constituição Política., no título vir, que trata do ultramar português, nada estabeleceu de carácter fundamental em relação aos tribunais judiciais. O desenvolvimento que, todavia, ali se contém quanto à função legislativa e executiva, à ordem económica e regime financeiro e, como é óbvio, à política de protecção indígena - traço marcante desde sempre da nossa colonização-, o desenvolvimento destas matérias, dizia eu, contrasta com as raras referências à função judicial.
Por outro lado, no título V da parte II, a Constituição estabelece as espécies e categorias de tribunais e devolve à lei comum a fixação da competência territorial e material.
É certo que, comparada esta matéria com a de defesa nacional, não encontramos naquela um preceito semelhante ao do $ único do artigo 53.º, onde se estabelece que «a organização militar é una para todo o território». Verifica-se, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça exerce a sua jurisdição em todo o território nacional; é o que se consigna no artigo l.º do Estatuto Judiciário nos seguintes termos: «para efeitos judiciais, todo o território da Nação .ó sujeito à jurisdição, do Supremo Tribunal de Justiça, com sede em Lisboa».
A função altamente social da justiça, as prerrogativas e imunidades dos magistrados judiciais, a selecção aplicação de uma equitativa e sã justiça conduzem, além de outras razões, à concepção de um só comando e de uma única superior orientação e disciplina. Todos os órgãos judiciários lhe deveriam estar sujeitos: um só Conselho Superior Judiciário, embora alterado na sua actual composição, um só Supremo Tribunal de Justiça, um só Ministro.
Página 597
6 DE FEVEREIRO DE 1953 597
Tais serviços, pela sua coesão e perfeita, identidade em todo o território nacional, aconselhariam, salvo o respeito por melhor e mais autorizada opinião, que se caminhasse no mesmo sentido em que se tem seguido quanto à organização militar.
Bem hei que não existe para tal um preceito constitucional expresso, semelhante ao do § único do artigo 53.º, quanto à organização militar. Mas também não existe princípio que tal contrarie. Por isso mesmo me referi ao assunto e o deixo em aberto oferecido à consideração oportuna de quem de direito.
Tenho a convicção, Sr. Presidente, de que se daria assim mais um passo para a integração dos nossos territórios na unidade nacional.
Sr. Presidente, vou terminar.
Afirmei ao iniciar as minhas considerações que a presente proposta de lei se integra no seguimento de uma política tradicional caracteristicamente nossa e. que o Acto Colonial em boa hora renovou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Convém destacar que a preocupação dominante da presente lei orgânica é a de uma unidade indestrutível através de todos os territórios que constituem a Nação, unidade que estabelece iguais deveres e direitos e que concretiza comuns aspirações.
Às vezes os que não vêem ou não sabem ver procuram descobrir dissentimentos em alguns e aspirações de autonomia. Nada mais errado no comum dos portugueses que povoam e labutam nessas terras distantes. Vivi por lá alguns anos, como já disse.
E sempre constituiu consolo e orgulho para mim ver amada a pátria comum. Se algum ressaibo de ressentimento ou de tristeza aflorava, não era movido senão pela ânsia de melhor serem ouvidos na satisfação das justas aspirações.
E o Terreiro do Paço às vezes ficava longe ... Brancos nunca negaram a Pátria; assimilados, tinham orgulho de possuírem a mesma fé, falarem a mesma língua e participarem do mesmo património- de glórias; indígenas, aclamavam a nossa, bandeira e serviam com admiração e respeito o Português. Brancos nos chamam por lá, sem a indicação da nacionalidade que para os outros usam. Chamaram-se moçambicanos é o mesmo que dizerem-se minhotos ou alentejanos, beirões ou transmontanos: amor vincado à terra em que vivem e trabalham, onde lhes nascem os filhos e onde se lhes abre o túmulo. Possuídos do espírito da Raça, não renegam o sangue que lhes estua nas veias, nem desmentem a origem «da pequena casa lusitana», na expressão carinhosa e viva de Camões. São portugueses e do melhor quilate.
Por isso, nesta viragem da História, em que se desfazem impérios ao sopro de um vento árido do incompreensões funestas e fatais. Portugal continua a ser exemplo de paz e de prosperidade por todos os cantos onde flutua a gloriosa bandeira das quinas. Não temos senão de continuar a cimentar o a viver essa maravilhosa unidade, trabalhando perseverantemente na árdua e gloriosa empresa que a Providência nos destinou.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bom!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jorge Botelho Moniz.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputadas que faltaram à sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
António de Sousa da Câmara.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Miguel Rodrigues Bastos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA